JPBC MON
02183/10
imprensaoficial
passagens
UNIVERSIDADE FEDERAL GOVERNO DO ESTADO
DE MINAS GERAIS DE s ^O PAULO
Reitor Ronaldo Tadêu Pena Governador
. ce-Reitora Heloísa Maria Murgel Starling
(
EDITORA
ufing )
imprensaoficial
3 '=tor Wander Melo Miranda
SilvanaCóser Diretor-presidente
lanséHI» Edtcna Wander Melo Miranda (presidente) Diretor Industrial
Carlos Antônio Leite Brandão Diretor Financeiro
Juarez Rocha Guimarães Diretora de Gestão de Negócios
Márcio Gomes Soares
Maria das Graças Santa Bárbara
Maria Helena Damasceno e Silva Megale
Pauio Sérgio Lacerda Beirão
Siivana Cóser
í
t
i
José Serra
IMPRENSA OFICIAL
DO ESTADO DE SÃO PAULO
Hubert Alquéres
Teiji Tomioka
Clodoaldo Pelissioni
Lucia Maria Dal Medico
Walter Benjamin
PASSAGENS
Edição alemã
ROLF TIEDEMANN
Edição brasileira
WILLI BOLLE
OLGÁRIA CHAIN FÉRES MATOS
[Organização]
[Colaboração]
IRENE ARON
CLEONICE PAES BARRETO MOURÃO
PATRÍCIA DE FREITAS CAMARGO
[Tradução do alemão]
[Tradução do francês]
[Revisão técnica]
WILLI BOLLE e OLGÁRIA CHAIN FÉRES MATOS [Posfácios]
2 a reimpressão
Belo Horizonte São Paulo
EDITORA UFMG IMPRENSA OFICIAL DO
ESTADO DE SÂO PAULO
2 0 09
UFPB / BíBLIOT FC/ ? - BAL
W/
~'^C?/jO± _
_ -3 21 & 3 -
”i
MiiyQi.
© SuhffcannD tí^atai HF^niicfar; a~ Main 1982
Título ohgunal! Sas P&sagert-Werk
© Léxico oe nones, «janoBios. instituições, reimpresso com permissão ae T-E :,l:
Walter Ht^> * Hwvard Eiland e Kevin MacLaughlin Cambnage Va& T*
Press oa Hanad Urãosio Hess 1 999 da edição da President and Fellows of Harvanl
© 2006. da traauçíto toostars. Edrtora UFMG
© 2006, ca raduçãC' rrasíiieira r;p r ensa Oficial do Estado de ao au
2007 - ' * ^rrorgsãcí, 2009 - 2 a reimpressão
Este livro ou . || >|| ||TI ||l J se' reproduzido por qualquer meio sem autorização escrita dos EdBnres.
Bertamin, Walter, 1892-1940
B453d ' Passagens / Walter Benjamim edição alemã de Rolf T.edemann;
0'qamzação da edição brasileira Willi Bolle; colaboração na organizaçao
3»* -dição brasileira Olgária Chain Féres Matos; tradução do alemão Irene
Aror tradução do francês Cleonice Paes Barreto Mourão; revisão técnica
-atrícia de Freitas Camargo; posfécios Willi Boile e Olgária Chain Féres Matos.
- Belo Horizonte : Editora UFMG; São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de Sao
Paulo, 2009.
1.168 p.
Título original; Das Passagen-Werk
Inclui referências.
ISBN: 978-85-7041 -477-9 (Editora UFMG)
ISBN: 978-85-7060-421-7 (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo)
1 Filosofia alemã - Século XX 2. Filosofia moderna - Século XX
3. Arte -Filosofia 4. Estética I. Tiedemanm Rolf II. Bolle, Willi
III. Matos, Olgária Chain Féres IV. Titulo
CDD: 193.9
CDU: 1(430)
oa ceia Central de Controle de Qualidade da Catalogação da Biblioteca Universitária da UFMG
mnBip< jrVG
;#fc jmBmb Canos, 6627
•tafiéiraitrii es Biblioteca Central Térreo
- cJna 31270901 Belo Horizonte MG
a*. h*B 5 1 3-C 5 Z-650 Fax +55 31 3409 4768
«atíto[Dnia®iui r, ~'ç c '
.lisditara .j! o c
IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
Rua da Mooca, 1921 Mooca
03103 902 São Paulo SP
livros@imprensaoficial.com.br
www.imprensaoficial.com.br
SAC Grande São Paulo 11 501 3 51 08 / 51 09
SAC Demais Localidades 0800 0123 401
T
NOTA À EDIÇÃO BRASILEIRA
A tradução de Das Passagen-Werk reuniu uma equipe de especialistas que,
durante alguns anos, se dedicou com paciência e sensibilidade a percorrer as passagens
_ benjaminianas, para que o leitor de língua portuguesa pudesse também realizar essa
travessia. A Imprensa Oficial do Estado de São Paulo veio somar à proposta pioneira
da Editora UFMG a excelência gráfica exigida por um trabalho de tal natureza.
Agradecemos à Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (FUNDEP) da Universidade
Federal de Minas Gerais, que se juntou a nós na tarefa inadiável de levar ao público
brasileiro a obra-prima de Walter Benjamin.
A publicação desta obra contou com a subvenção do Goethe-Institut, ao
qual também agradecemos.
OS EDITORES
cc
I
PASSAGENS
SUMÁRIO
'XSL h &vC
—
ABREVIATURAS DAS OBRAS
EDITORIAL
CITADAS NO APARATO
11
— J>
INTRODUÇÃO À EDIÇÃO ALEMÃ (1982)
Rolf Tiedemann
13
NOTA INTRODUTÓRIA
Willi Bolle
PARIS, A CAPITAL DO SÉCULO XIX
<Exposé de 1 935>
PARIS, CAPITAL DO SÉCULO XIX
<Exposé de 1939>
35
37
39
53
NOTAS E MATERIAIS
NOTA INTRODUTÓRIA
Willi Bolle
69
71
' ' : a - PASSAGENS, MAGASINS DE
• NOUVEAUTÉS, CALICOTS 77
B-MODA 101
C - PARIS ANTIGA, CATACUMBAS,
DEMOLIÇÕES, DECLÍNIO DE PARIS 1 2 1
D - O TÉDIO, ETERNO RETORNO 141
E - HAUSSMANNIZAÇÃO, LUTAS DE BARRICADAS 1 6 1
F- CONSTRUÇÃO EM FERRO 189
207
G - EXPOSIÇÕES, RECLAME, GRANDVILLE
H - O COLECIONADOR 237
I - O INTÉRIEUR, O RASTRO 247
J - BAUDELAIRE 263
K - CIDADE DE SONHO E MORADA DE SONHO,
SONHOS DE FUTURO, NIILISMO
ANTROPOLÓGICO, JUNG 433
L - MORADA DE SONHO, MUSEU, PAVILHÃO TERMAL 449
M -O FLÂNEUR 461
N - TEORIA DO CONHECIMENTO, TEORIA DO
PROGRESSO 499
0 - PROSTITUIÇÃO, JOGO 531
P- AS RUAS DE PARIS 557
Q - PANORAMA 569
R- ESPELHOS 579
S - PINTURA, JUGENDSTIL, NOVIDADE 585
T - TIPOS DE ILUMINAÇÃO 605
U - SAINT-SIMON, FERROVIAS 615
V - CONSPIRAÇÕES, COMPAGNONNAGE 647
W - FOURIER 663
X-MARX 693
Y- A FOTOGRAFIA 713
Z - A BONECA, O AUTÔMATO 733
a - MOVIMENTO SOCIAL 739
b - DAUMIER 781
d - HISTÓRIA LITERÁRIA, HUGO 785
g - A BOLSA DE VALORES, HISTÓRIA ECONÔMICA 8 1 7
1 - TÉCNICA DE REPRODUÇÃO, LITOGRAFIA 823
k-ACOMUNA 827
I - O SENA, A PARIS MAIS ANTIGA 835
m - ÓCIO E OCIOSIDADE 839
p - MATERIALISMO ANTROPOLÓGICO, HISTÓRIA
DAS SEITAS 847
r - ÉCOLE POLYTECHNIQUE 857
PRIMEIRO ESBOÇO 897
NOTA INTRODUTÓRIA
Willi Bolle 899
PASSAGENS 901
PASSAGENS PARISIENSES < I > 903
PASSAGENS PARISIENSES < II > 953
O ANEL DE SATURNO OU SOBRE A CONSTRUÇÃO
EM FERRO 965
PARALIPÔMENOS 969
ANEXOS 977
PRIMEIRA VERSÃO E MATERIAIS DO
EXPOSÉ DE 1935 979
MATERIAIS PARA O LIVRO-MODELO
DAS PASSAGENS (O BAUDELAIRE) 1 009
BIBLIOGRAFIA UTILIZADA POR WALTER BENJAMIN 1025
LÉXICO DE NOMES, CONCEITOS, INSTITUIÇÕES 1057
GLOSSÁRIO DA TERMINOLOGIA BENJAMINIANA 1111
POSFÁCIOSÀ EDIÇÃO BRASILEIRA 1121
AUFKLÀRUNG NA METRÓPOLE
Paris e a Via Láctea
Olgária Chain Féres Matos 1 1 23
:At> ' "UM PAINEL COM MILHARES DE LÂMPADAS
Metrópole & Megacidade
Willi Bolle
1141
ABREVIATURAS DAS OBRAS CITADAS
NO APARATO EDITORIAL
Obras de Walter Benjamin
GS = Gesammelte Schriften, 7 vols., ed. org. por Rolf Tiedemann e Hermann
Schweppenhãuser, Frankfurt a. M., Suhrkamp, 1974-1989.
[Lembrete: nesta edição, os números de páginas são citados sem “p.” ou
“pp.”; ou seja, onde se lê: GS III, pp. 572-579, leia-se GS III, 572-579.]
DCDB = Documentos de Cultura - Documentos de Barbárie: Escritos Escolhidos, ed. org.
por Willi Bolle, vários tradutores, São Paulo, Cultrix-Edups, 1986.
ODBA = W. Benjamin, Origem do Drama Barroco Alemão , trad., apres. e notas de
Sérgio Paulo Rouanet, São Paulo, Brasiliense, 1984.
OE = W. Benjamin, Obras Escolhidas, 3 vols., vários tradutores, São Paulo, Brasiliense,
1985, 1987, 1989.
Teses = W. Benjamin, teses “Sobre o conceito de história”, trad. de Jeanne Marie
Gagnebin e Marcus Lutz Müller, in: Michael Lõwy, Walter Benjamin: Aviso
de Incêndio — Uma Leitura das Teses “Sobre o Conceito de História", São Paulo,
Boitempo, 2005, pp. 41-146.
Sociologia = Sociologia, org. e trad. de Flávio Kothe, São Paulo, Ática, 1985.
Outras obras
Baudelaire, OC = Charles Baudelaire, CEuvres Completes, 2 vols., ed. org. por Claude
Pichois, Paris, Gallimard, 1975 e 1976.
MEW = Karl Marx e Friedrich Engels, Werke, Berlim, Dietz Verlag, 1956 e segs.
M. Proust, Ã la Recherche du Temps Perdu = Marcei Proust, À la Recherche du Temps
Perdu , 3 vols., ed. org. por Pierre Clarac e André Ferré, Paris, Gallimard,
1954.
Organizadores e tradutores das Passagens de W. Benjamin
E/M = Howard Eiland e Kevin McLaughlin (tradutores da versão norte-americana)
J.L. = Jean Lacoste (tradutor da versão francesa)
R.T. = Rolf Tiedemann
w.b. = Willi Bolle
INTRODUÇÃO À EDIÇÃO ALEMÃ (1982)
Rolf Tiedemann
Certos livros têm um destino muito antes de existirem como tais: este é o
caso de Passagens {Das Passagen-Werk),' trabalho inacabado de Benjamim Desde que
Adorno mencionou a obra pela primeira vez em um ensaio publicado em 1950, 2
muitas lendas foram urdidas a seu respeito. Estas se intensificaram quando, em 1966,
foi publicada uma seleção de “cartas” de Benjamin em dois volumes, nas quais se
encontravam menções freqüentes às intenções do Autor, sem que tais esclarecimentos
fossem completos ou mesmo coerentes entre si. 3 Deste modo, seguiram seu curso os
rumores mais contraditórios sobre uma obra que as interpretações concorrentes de
Benjamin invocavam na esperança de que fossem solucionados os enigmas que sua
fisionomia intelectual propõe. Tal esperança poderia revelar-se ilusória; os fragmentos
das Passagens poderiam, na verdade, fornecer a resposta de Mefisto à formulação fáustica
no sentido de que “Mais de um enigma, lá, se solve”: “E mais de um, lá, também se
envolve. A publicação dos fragmentos deve, finalmente, substituir os rumores sobre
as Passagens pela obra propriamente dita. - De fato, há muito estão disponíveis aqueles
textos que parecem ser os mais adequados a fornecer informações confiáveis sobre o
projeto que ocupou Benjamin durante treze anos, de 1927 até sua morte, em 1940,
e no qual ele provavelmente viu sua obra-prima: a maioria dos trabalhos mais
importantes que escreveu durante a última década de sua vida nasceu do projeto das
Passagens. Se tivesse sido concluída, as Passagens não teriam sido nada menos do que
uma filosofia material da história do século XIX. O exposé escrito em 1935, “Paris, a
Capital do Século XIX” (Paris, die Hauptstadt des XIX. Jahrhunderts), oferece-nos
um esboço dos temas e matérias que Benjamin pretendia abordar. Se o “esquematismo
1 O editor alemão optou por um título - Das Passagen-Werk ("A Obra das Passagens") - para o qual não
se encontra nenhum registro nos escritos de Walter Benjamin. Nesta edição brasileira, escolheu-se
como titulo Passagens ("Passagen"), de acordo com o primeiro texto escrito por Benjamin sobre este
tema. - Para diferenciar entre as notas de Rolf Tiedemann (R.T.) e de Willi Bolle (w.b.), cada uma delas
é acompanhada na respectiva abreviatura do nome. (w.b.)
2 Cf. Theodor W. Adorno, "Charakteristik Walter Benjamins", Die Neue Rundschau 61 (1950) nn 579-
582. (R.T.) ’’
3 Cf. Walter Benjamin, Briefe, ed. por Gerschom Scholem eTh. W. Adorno, Frankfurt a. M„ 1966, passim.
- Uma relação completa da correspondência a que o editor teve acesso, relativa às menções feitas nas
cartas por Benjamin sobre as Passagens, encontra-se às páginas 1081-1183 da edição alemã. (R.T.)
14 ■ "^assaçe^s
histórico’ (GS V, 1150) 4 foi concebido para servir de orientação para a construção do
século XIX, foi relevante para sua metodologia o ensaio “A Obra de Arte na Época de
sua Reprodutibilidade Técnica” (Das Kunstwerk im Zeitalter seiner technischen
Reproduzierbarkeit), de 1935-1936, embora não tenha relação temática com as
Passagens - pois trata de fenômenos do século XX e não do século XIX. Nesse ensaio,
Benjamin propõe-se indicar “onde se situa, no presente, o lugar exato ao qual [sua]
construção histórica [sc. a do trabalho das Passagens ] deveria se referir como a seu
ponto de fuga” (GS V, 1149). Enquanto no importante trabalho, em si mesmo
fragmentário, sobre Baudelaire, que foi escrito entre 1937 e 1939, vislumbra-se um
“modelo em miniatura” (GS V, 1164) das Passagens , o questionamento metodológico
do ensaio sobre a obra de arte foi retomado em 1940 nas teses “Sobre o Conceito de
História” (Über den Begriff der Geschichte) que, segundo Adorno, “resumem por
assim dizer as reflexões sobre a teoria do conhecimento cujo desenvolvimento
acompanhou o do esboço das Passagens” . 5 O que resta deste último, as incontáveis
notas e citações no presente volume, raramente vai além, sob o aspecto teórico, do que
já se encontra formulado com freqüência de maneira mais pertinente nos referidos
trabalhos. Uma vez que uma simples leitura não permitiria compreender as intenções
de Benjamin, um estudo das Passagens teria então que levar em consideração o ensaio
sobre a obra de arte, os textos dedicados a Baudelaire e as teses “Sobre o Conceito de
História”, tê-los sempre em mente, mesmo que estes sejam perfeitamente
independentes, representando meramente escritos que antecipam a obra ou que dela
se originam.
Os fragmentos das Passagens propriamente ditas podem ser comparados ao
material de construção de uma casa da qual apenas demarcou-se a planta ou se preparou
o alicerce. Com os dois exposés^ue iniciam a edição, Benjamin rascunhou seu plano
genericamente tal qual o via em 1935 e em 1939: às seis partes dos exposés, ou cinco,
conforme o caso, deveria corresponder um igual número de capítulos em seu livro, ou,
para manter a imagem, tantos andares quantos em uma casa a ser construída. Ao lado
das fundações, encontram-se amontoadas as citações a partir das quais seriam erigidas
as paredes. As próprias reflexões de Benjamin, entretanto, teriam fornecido a argamassa
que deveria manter firme a construção. Embora ocorram inúmeras reflexões teóricas
ou interpretativas, ao final elas praticamente tendem a desaparecer diante do volume
de citações. O editor por vezes ficou em dúvida se seria razoável publicar esta massa
esmagadora de citações; talvez fosse melhor concentrar-se na reprodução de textos de
Benjamin que poderiam facilmente ser reunidos segundo uma ordem legível e teriam
resultado em uma coleção concentrada de brilhantes aforismos e intrigantes fragmentos.
No entanto, desse modo não teria sido possível nem mesmo adivinhar o projeto por
detrás das Passagens. A intenção de Benjamin ao apresentar o material e a teoria, as
citações e as interpretações em uma constelação nova, inédita, se comparada a qualquer
4 As referências que se baseiam na edição alemã dos Gesammelte Schriften (GS) aparecem no texto com a
indicação do volume e das páginas entre parênteses (exemplo GS V, 1081-1183). Citações de
fragmentos da obra - isto é, das "Notas e Materiais" e do "Primeiro Esboço" - são indicadas, porém,
com as siglas das respectivas notas. (R.T.)
5 Adorno, Ober Walter Benjamin, ed. por Rolf Tiedemann, Frankfurt a. M., 1970, p. 26. (R.T.)
Introdução à Edição Alemã (1982) ] Rolf Tiedemann ■ 15
forma de apresentação comum, na qual todo peso recai sobre os materiais e as citações,
era a de manter a teoria e a interpretação de maneira ascética em segundo plano.
Benjamin definiu como “problema central do materialismo histórico” — que imaginava
resolver com as Passagens - a seguinte pergunta: “de que maneira seria possível conciliar
uma plena visibilidade com a aplicação do método marxista. A primeira etapa seria a
de retomar na história o princípio da montagem. Portanto, edificar as grandes
construções a partir de elementos mínimos, confeccionados com agudeza e precisão.
Ou seja, a de descobrir na análise do pequeno momento singular o cristal do
acontecimento total.” (N 2, 6) 6 Tais elementos são constituídos por inúmeras citações
que, por isso, não devem estar ausentes da edição. Tão logo o leitor se familiarize com
a arquitetura do todo, poderá, sem grande dificuldade, mergulhar na leitura das citações
e determinar em quase todas elas o que terá fascinado Benjamin; qual a função que lhe
teria sido atribuída na construção; em que sentido constituir-se-ia no cristal que encerra
o acontecimento total. Sem dúvida, o leitor deverá exercitar-se na capacidade de
“interpolar no infinitamente pequeno”, tal como a imaginação é definida em Rua de
Mão Única (Einbahnstrafie) (GS IV, 117); dotado de tal imaginação, começam a
adquirir vida para ele as letras mortas que Benjamin compilou no acervo empoeirado
da Biblioteca Nacional de Paris, talvez se reproduza diante de seu olhar especulativo,
ainda que com contornos indefinidos, aquele edifício que Benjamin não chegou a
construir. - As incertezas que impedem de fazer um traçado claro e consistente da
arquitetura advêm principalmente de dificuldades filológicas. Os fragmentos, em sua
maioria curtos, representando, por vezes, um resumo do pensamento, raramente
permitem perceber como Benjamin imaginava que seriam interligados. Na maioria das
vezes, anotava as primeiras idéias que lhe ocorriam, rascunhos incisivos que, porém,
impedem de pressupor se seriam mantidos definitivamente na seqüência do trabalho.
Entre as notas teóricas não faltam aquelas que são contraditórias entre si ou
simplesmente incompatíveis. Além disso, muitos textos benjaminianos relacionam-se
a citações e nem sempre é possível distinguir a simples interpretação do trecho citado
da própria posição de Benjamin. Por isso, pode ser útil delimitar em um breve resumo
as características essenciais do que Benjamin pretendeu desenvolver nas Passagens,
indicar as articulações teóricas do projeto benjaminiano e explicar algumas de suas
categorias centrais. Nas páginas que se seguem, o editor tenta simplesmente fixar
algumas das experiências que se lhe impuseram durante o trabalho de vários anos - na
esperança de poder auxiliar ò leitor com uma primeira orientação no labirinto no qual
a presente edição o convida a embrenhar-se. Não há intenção de envolver-se na
discussão das inúmeras questões teóricas que as Passagens propõem.
6 Segundo Adorno, a intenção de Benjamin foi a de "abrir mão de todo e qualquer comentário explícito
e deixar vir à tona os significados através da montagem do material na forma do choque. [...] Para
coroar seu anti-subjetivismo, a obra principal deveria constituir-se apenas de citações." (ADORNO, op.
cit., p. 26.) Por genuinamente benjaminiana que seja esta concepção, o editor está convicto de que
Benjamin não queria proceder desta forma. Não há nada explícito sobre isso nas cartas. Adorno
apoiou-se em duas notas das Passagens (cf. N 1, 10 e N la, 8), que dificilmente poderiam ser
interpretadas desta forma. Uma destas duas notas já se encontra, aliás, nas "Passagens Parisienses
<l>' r (d. 0°, 36), de 1928 ou 1929, quando Benjamin ainda pensava em um ensaio, tendo,
inclusive, começado a escrevê-lo com as "<Passagens Parisienses ll>": entretanto, de modo algum sob
a forma de uma montagem de citações. (R.T.)
A rigor, trata-se nas Passagens de um edifício com duas plantas de construção
totalmente diferentes que pertencem cada qual a um determinado estágio do trabalho.
Durante o primeiro, datado de meados de 1927 até o outono de 1929, Benjamin
planejava escrever um ensaio com o título “Passagens Parisienses: uma Feeria Dialética”
(Pariser Passagen. Eme dialektische Feerie). 7 As primeiras menções nas cartas falam do
projeto de uma continuação de Einbahnstmfi (GS V, 1083). Tratava-se não tanto de
retomar as formas aforísticas deste livro, mas principalmente buscar nelas o seu tipo
específico de concreção: dever-se-ia agora conquistar “para uma época” “a concretude
extrema tal qual ela se manifesta aqui ou ali em jogos infantis, em um edifício, em
uma situação existencial (GS V, 1091). A intenção de Benjamin foi desde o início -
e assim permaneceu ao longo dos anos - uma intenção filosófica: “pôr à prova” “até
que ponto se pode ser concreto’ em contextos histórico-filosóficos” (GS V, 1086). Ele
procurou apresentar a história do século XIX, construindo-a não de maneira abstrata
e sim como “comentário de uma realidade” (O, 9). Depreende-se do primeiro esboço
Passagens Parisienses <I>” uma espécie de catálogo dos temas que permite identificar
do que deveria tratar-se neste estágio: o autor fala de ruas e lojas de departamentos, de
panoramas, exposições universais e tipos de iluminação, de moda, reclame e prostituição,
do colecionador, do flâneur e do jogador, do tédio. As próprias passagens nada mais
são aí do que um tema dentre muitos outros. Fazem parte daqueles fenômenos urbanos
que surgiram no inicio do século XIX com a pretensão enfática do novo, que no
ínterim, entretanto, perderam sua função. Na obsolescência sempre mais acelerada
das inovações e invenções que se originaram das forças produtivas do capitalismo em
desenvolvimento, Benjamin vislumbrou a “assinatura” dos primórdios da modernidade.
E esta que ele queria extrair dos fenômenos mais insignificantes intentione recta -
determinando-lhes a fisionomia: ao exibir os farrapos, como montagem de resíduos
(O, 36). De maneira semelhante, já em Rua de Mão Única seu pensamento se envolvera
com o concreto, com o particular, tentando arrancar-lhe seu segredo de imediato, sem
qualquer mediação da teoria. Tal entrega ao objeto singular é de maneira geral a
c aracterística desse pensamen to. Indiferente à maquinaria ruidosa da filosofia acadêmica
com suas tábuas de leis e proibições transcendentais, ele se contenta, sem modéstia,
com uma espécie de “delicado empirismo” que, como aquele de Goethe, imaginava à
essencia nao por detrás ou acima das coisas, porém sabia que ela se encontrava nas
próprias coisas. - Os surrealistas foram os primeiros a descobrir o mundo específico
das coisas do século XIX e nele a mythologie modeme, à qual Aragon dedica o prefácio
do Paysan de Paris e em cujo céu artístico sobressai-se a Nadja de Breton. No ensaio
sobre o Surrealismo (Der Sürrealismus. Die letzte Momentaufnahme der europãischen
Intelligenz), que ele denominou “um pára-vento impermeável à luz colocado diante
do trabalho das Passagens ’ (GS V, 1090), Benjamin glorifica o Surrealismo: “Ele foi o
primeiro a deparar-se com as energias revolucionárias que aparecem nas coisas
antiquadas’, nas primeiras construções em ferro, nas primeiras fábricas, nas primeiras
fotografias, nos objetos em vias de extinção, nos pianos de cauda dos salões, nas roupas
de cinco anos atras, nos locais de reuniões mundanas, que começam a sair de moda.”
(GS II, 299) As Passagens dedicaram-se igualmente a esta camada de materiais, a esta
Anteriormente a intenção fora a de escrever para uma revista um artigo sobre as passagens, em
colaboraçao com Franz Hessel - provavelmente o plano durou pouco tempo. Cf. GS V, 1341. (r.t.)
Introdução à Edição Alemã (1982) | Rolf Tiedemann ■ 17
substância depositada do passado recente; assim como Aragon, em seu flanar pela
Passage de / Opéra, fora atraído por uma vague de rèves a regiões desconhecidas e nunca
antes vistas do real, também Benjamin queria mergulhar em áreas até então ignoradas
e desprezadas da história e resgatar aquilo que jamais alguém vira antes dele.
O aquarium humain, já quase despovoado, que Aragon viu na Passage de l 'Opéra,
sacrificado dois anos antes em função da conclusão dos boulevards — uma ruína de ontem
na qual se solvem os enigmas de hoje -, representou um papel incomparavelmente
estimulante para as Passagens (cf. GS V, 1117). Benjamin citou várias vezes a lueur
glauque das passagens de Aragon: a luz na qual as coisas são imersas pelo sonho, que as
faz parecer ao mesmo tempo estranhas e muito próximas. Se a concepção do concreto
representou um dos pólos da armadura teórica de Benjamin, a teoria surrealista do
sonho representou o outro; no campo de forças entre a concreção e o sonho, ocorrem as
divagações do primeiro esboço das Passagens . 8 Em sonhos, os primeiros surrealistas tinham
enfraquecido a realidade empírica em geral, tratavam sua organização teleológica como
mero conteúdo onírico, cuja linguagem só pode ser decifrada indiretamente: ao dirigir a
óptica do sonho ao mundo da vigília, as idéias ocultas, latentes que dormitavam em seu
seio, deveriam ser resgatadas. Benjamin queria tornar frutífero um procedimento
semelhante para a apresentação da história: tratar o mundo das coisas do século XIX
como se fosse um mundo de coisas sonhadas. A história regida por relações de produção
capitalistas é, em todo caso, comparável à ação inconsciente do indivíduo sonhador pelo
fato de ser feita por homens, porém, sem consciência e sem plano, como em um sonho.
Para compreender as passagens a partir do fundo, nós as imergimos na camada onírica
mais profunda” (F°, 34): esta aplicação do modelo onírico ao século XIX deveria eliminar
desta época o caráter de período concluso, de passado definitivo, daquilo que literalmente
se tornou história. Seus meios de produção e formas de vida não se reduzem àquilo que
foram naquele tempo e lugar, no interior do modo de produção dominante; Benjamin
igualmente via neles em plena função o imaginário de um inconsciente coletivo que
ultrapassou em sonhos seus limites históricos, já atingindo o presente. Ao transpor “do
indivíduo para o coletivo” “o estado essencialmente flutuante de uma consciência sempre
multifacetada e fragmentada entre a vigília e o sonho” (G°, 27), Benjamin quis mostrar,
por exemplo, que criações arquitetônicas como as passagens deviam sua origem à ordem
de produção industrial, estando a seu serviço; mas que, ao mesmo tempo, continham
em si algo que o capitalismo não satisfez e não poderia satisfazer: a futura arquitetura em
vidro que Benjamin citava freqüentemente. “Cada época” teria um “lado voltado aos
sonhos, o lado infantil” (F°, 7): o olhar que dirigiu a reflexão de Benjamin deveria
“liberar as forças gigantescas da história que são acalentadas no ‘era uma vez da narrativa
histórica clássica” (O 0 , 71).
Quase simultaneamente às primeiras notas às Passagens encontram-se nos
escritos de Benjamin inúmeras anotações dos próprios sonhos; naquela época, começou
8 Aqui e doravante fala-se do primeiro e do segundo esboço tal qual Benjamin o fazia em sua carta de
16/8/1935 a Gretei Adorno (cf. GS V, 1138); por assim dizer apenas entre aspas. 0 termo
"esboço" não designa um texto preciso e único; o segundo esboço não visa em particular o
exposé de 1935. Trata-se da idéia da obra tal qual ela se depreende graças á Interpretação do
conjunto das notas originadas durante cada um dos dois estágios do trabalho. (R.T.)
Introdução à Edição Alemã (1982) | Rolf Tiedemann ■ 17
substância depositada do passado recente; assim como Aragon, em seu flanar pela
Passage de / Opéra, fora atraído por uma vague de rèves a regiões desconhecidas e nunca
antes vistas do real, também Benjamin queria mergulhar em áreas até então ignoradas
e desprezadas da história e resgatar aquilo que jamais alguém vira antes dele.
O aquarium humain, já quase despovoado, que Aragon viu na Passage de l 'Opéra,
sacrificado dois anos antes em função da conclusão dos boulevards — uma ruína de ontem
na qual se solvem os enigmas de hoje -, representou um papel incomparavelmente
estimulante para as Passagens (cf. GS V, 1117). Benjamin citou várias vezes a lueur
glauque das passagens de Aragon: a luz na qual as coisas são imersas pelo sonho, que as
faz parecer ao mesmo tempo estranhas e muito próximas. Se a concepção do concreto
representou um dos pólos da armadura teórica de Benjamin, a teoria surrealista do
sonho representou o outro; no campo de forças entre a concreção e o sonho, ocorrem as
divagações do primeiro esboço das Passagens . 8 Em sonhos, os primeiros surrealistas tinham
enfraquecido a realidade empírica em geral, tratavam sua organização teleológica como
mero conteúdo onírico, cuja linguagem só pode ser decifrada indiretamente: ao dirigir a
óptica do sonho ao mundo da vigília, as idéias ocultas, latentes que dormitavam em seu
seio, deveriam ser resgatadas. Benjamin queria tornar frutífero um procedimento
semelhante para a apresentação da história: tratar o mundo das coisas do século XIX
como se fosse um mundo de coisas sonhadas. A história regida por relações de produção
capitalistas é, em todo caso, comparável à ação inconsciente do indivíduo sonhador pelo
fato de ser feita por homens, porém, sem consciência e sem plano, como em um sonho.
Para compreender as passagens a partir do fundo, nós as imergimos na camada onírica
mais profunda” (F°, 34): esta aplicação do modelo onírico ao século XIX deveria eliminar
desta época o caráter de período concluso, de passado definitivo, daquilo que literalmente
se tornou história. Seus meios de produção e formas de vida não se reduzem àquilo que
foram naquele tempo e lugar, no interior do modo de produção dominante; Benjamin
igualmente via neles em plena função o imaginário de um inconsciente coletivo que
ultrapassou em sonhos seus limites históricos, já atingindo o presente. Ao transpor “do
indivíduo para o coletivo” “o estado essencialmente flutuante de uma consciência sempre
multifacetada e fragmentada entre a vigília e o sonho” (G°, 27), Benjamin quis mostrar,
por exemplo, que criações arquitetônicas como as passagens deviam sua origem à ordem
de produção industrial, estando a seu serviço; mas que, ao mesmo tempo, continham
em si algo que o capitalismo não satisfez e não poderia satisfazer: a futura arquitetura em
vidro que Benjamin citava freqüentemente. “Cada época” teria um “lado voltado aos
sonhos, o lado infantil” (F°, 7): o olhar que dirigiu a reflexão de Benjamin deveria
“liberar as forças gigantescas da história que são acalentadas no ‘era uma vez da narrativa
histórica clássica” (O 0 , 71).
Quase simultaneamente às primeiras notas às Passagens encontram-se nos
escritos de Benjamin inúmeras anotações dos próprios sonhos; naquela época, começou
8 Aqui e doravante fala-se do primeiro e do segundo esboço tal qual Benjamin o fazia em sua carta de
16/8/1935 a Gretei Adorno (cf. GS V, 1138); por assim dizer apenas entre aspas. 0 termo
"esboço" não designa um texto preciso e único; o segundo esboço não visa em particular o
exposé de 1935. Trata-se da idéia da obra tal qual ela se depreende graças á Interpretação do
conjunto das notas originadas durante cada um dos dois estágios do trabalho. (R.T.)
18 ■ Passagens
também a experimentar drogas: com estas duas experiências, ele tentou romper as
formas congeladas e petrificadas nas quais tanto o pensamento quanto seu objeto,
sujeito e objeto, transformaram-se sob a pressão da produção industrial. 9 Ele via
manifestar-se no sonho assim como no êxtase provocado pelo narcótico um “mundo
de singulares afinidades secretas” (A°, 4), no qual as coisas poderiam “alia[r]-se da
maneira mais contraditória e evidenciar “afinidades indefinidas” (A°, 5). O sonho e o
êxtase parecem abrir-lhe um domínio de experiências no qual o Eu ainda se comunicava
com as coisas de maneira corpórea e mimética. Desde o início de seu interesse pela
filosofia, Benjamin procurava um conceito de experiência que deveria romper as barreiras
impostas por Kant, resgatar a plenitude do conceito de experiência dos primeiros
filosofos e restituir as experiencias da teologia. 10 As experiências dos surrealistas
ensinaram-lhe por certo que não se tratava do restabelecimento da experiência teológica,
e sim de sua transposição ao mundo profano: Estas experiências não se limitam de
modo algum ao sonho, às horas em que se ingere haxixe ou se fuma ópio. É certamente
um grande erro imaginar que das experiências surrealistas’ conhecemos apenas os
êxtases religiosos ou os êxtases das drogas. [...] A superação verdadeira e criativa da
iluminação religiosa não se alcança de modo algum pelas drogas. Ela se dá por meio
de uma iluminação profana , uma inspiração materialista, antropológica, para a qual o
haxixe, o ópio ou o que mais fosse serviriam de propedêutica.” (GS II, 297) Benjamin
queria introduzir tal iluminação profana na história, ao abordar como intérprete de
sonhos o mundo das coisas do século XIX. A intenção cognitiva que se manifesta aí
parece estar relacionada a teoria da faculdade mimética que Benjamin formulou pouco
depois e que e em seu cerne uma teoria da experiência. 11 A experiência repousaria
sobre o dom de produzir e de perceber semelhanças; um dom que sofreu profundas
modificações ao longo da história da espécie humana. Originalmente um
comportamento sensível e qualitativo do homem em relação às coisas, transformou-se
do ponto de vista filogenético cada vez mais na faculdade de perceber semelhanças
não-sensiveis que consistiam para Benjamin na capacidade da linguagem e da escrita.
Diante do conhecimento que se baseia na abstração, a experiência benjaminiana
procurava preservar um contato imediato com o comportamento mimético. Ele se
preocupava com um “saber sensível” “que não apenas se alimenta daquilo que se
apresenta sensível aos seus olhos, mas também consegue apoderar-se do simples saber
e mesmo de dados inertes como de algo experien ciado e vivido” (e°, 1). Em lugar dos
conceitos, surgiram imagens: as imagens ambíguas e enigmáticas do sonho nas quais
se mantém oculto aquilo que escapa entre as malhas demasiadamente largas da semiótica
e recompensa por si só os esforços do conhecimento; a linguagem imagética do século
XIX que representa sua “camada mais profundamente adormecida” (G°, 27); uma
camada que deveria despertar com as Passagens.
9 Cf. Hermann Schweppenhâuser, "Die Vorschule der profanen Erleuchtung", in: Benjamin, Über Haschisch:
Novdlistisches, Berichte, Materialien, ed. Tillman Rexroth, 4 a edição, Frankfurt a. M., 1981, pp. 9-30. (R.T)
Cf. sobretudo Sobre o Programa da Filosofia Vindoura” (Über das Programm der kommenden
Philosophie) (GS II, 1 57-171); a citação é extraída de um fragmento de juventude, "Sobre a Percepção"
(Über die Wahrnehmung) (GS VI, 33-38). (R.T.)
11 cf - "Lehre vom Âhnlichen" (Doutrina da semelhança) e "Über das mimetische Vermõgen" (Sobre a
faculdade mimética) (II, 203-213). - Um dos últimos textos das "Passagens Parisienses <I>" das
Passagens parece ser um dos germes da teoria benjaminiana da mímesis (cf. Q°, 24). (R.T.)
Introdução à Edição Alemã (1982) | Rolf Tiedemann ■ 19
,-rân • COm ,° mOdV0 d ° deS P ertar ’ Benjamin mantinha conscientemente uma
Tb7- S T Es '“ PrOC “ raVa,n Bm ”“ r 3 l,nhl d '
entre vida e arte, abolir o fazer noético (TiS TT línil „ • • v
• . ti 1 co bzl; para viver a poesia ou nnetbar n
7,7“ “ pr,me,ros realidade e sonho enredavam-se pam tornLe uma
idade sonhada, não-real, zada, de onde não havia nenhum caminho de volta à práxis
.1 e suas exigências. Benjamin reprovava em Aragon „ fato de este “persevera, no
ominio do sonho e na mhologia (H°, 17), ou seja, a mitologia de Aragon permaneceria
~1T T •“ reimpr ^ ada A hnagétíca surrealista mveW
e« ,r?o oc 8U ' m ° a8 ° ra d ° MtCm: ' m V “ * i ” rod “- « P— b -
presente coloca novamente as cmsas à distância", permanecendo próxima da “visão à
,"-r‘ m0 P T m d ° r0m “ tiSm °" «O- 5>- Benjamin, ao contrário,
querra aproximar as corsas espaoalmente de nós», fazê-las “entra, em nossa vida" (1= 2)
O que „ uma aos procedimentos surrealistas - .rnergtr „ ocorndo em camadas „„L
o consutun, uma finahdade em si pata as Pa^gms, era, antes, um arranjo metodológico
especte de d„pos,ção experimental. O século XIX é o sonho do qual se deve despertar’
um pesadelo que pesará sobre o presente enquanto permanecer intacto seu ítsc/nio As
expressl t “7 ' ° T"" 7' ”" h ° »">Po-.am-se, segundo Benjamin, como a
sr o d rr para ■ s ° m ' n[e a d “ ^ d-*™ .
preservação sÍ Z " * "W d » *■*> ™ 1 sua
preservação, sua salvaçao para o presente. Benjamin definiu como “o método novo
pal^^rÍncLr" 3 h,Stórk: ° OCOrrid ° 3 “““hfadc de um sonho’
para expenenoa, „ presente como o mundo d. vigília qual „ sonho se refere" (F° 6)
Esm concepção recusa sobre um conceito místico da história, que mesmo em sua 7
época presente^ ° ° * WwS * r - *«*•»*• i»* abandonou. Cada
epoc, presente devem esta, em stncronia com determinados momentos da história a taj
ponto que todo acontec, mento singular do passado só se tornaria “legível" em’ um,
eterminada epoca, na qual a humanidade, esfregando os olhos, percebe est, imagem
sonhos-Tq' ,) 7" ““ q “ ° h “°“ d “ a ““™ “ “ rfa * interpretação dos
sonhos (N 4 1). Mas pata tanto não adianta projetar o passado pata longe, para o
XH™ 17) T *7 ' Sim ' ” “7“°' “ <liSSOlV " * '"dplpgia’ „„ espaço da hiítória”
(H , 17). Assim, Benjamin ex,g,a a reflexão concreta, materialista, sobre o que está
ma,s Próximo impomva-lhe “apenas a apresentação daquilo que nos é familiar e que
nos condiciona (C°, 5). Neste sentido, „ historiado, não delia mais metgulhar ”
historia, ao contrário ele deveria permiti, que o ocorndo entre em sua vida, „ ZZ
proximidade d», 2) tetia que substituir a “empatia" fugaz. Os objetos e os
T— paSSad0S “7 “fio algo imóvel e imutável dado historiado,:
dm7 d“ °'/ S “. rCVOlud »” a ' -Ba para baixo „ que está por
Por isso a’“r T rcàmdo P do do P™ r do sonho do século XIX.
“melh? 77 . P ““ d ' " m »" h °" P»* «r considerada por Benjamin o
melhor exemplo da reviravolta dialética” (D°, 7). ’
Uma função-chave para o que Benjamin tinha em mente durante a elaboração
do primeiro esboço das Passagens pode ser atribuída à frase seguinte: “O capitalismo
foi um fenômeno natural com o qual um novo sono repleto de sonhos se abateu sobre
a Europa e, com ele, uma reativação das forças míticas.” (K la, 8) A questão que
Benjamin se colocava e que partilhou com o materialismo histórico — para não dizer
que dele tomou de empréstimo - é o interesse pelo conhecimento do capitalismo.
Entretanto, os conceitos dos quais se serviu para definir o capitalismo - natureza,
sonho e mito - provêm da terminologia de seu próprio pensamento, originalmente de
inspiração metafísico-teológica. As concepções de filosofia da história do jovem
Benjamin estavam centradas em torno da idéia de uma crítica do mito, considerado
como heteronomia fatal que manteve os homens durante a pré-história em um estado
de muda dependência e que sobreviveu desde então em toda a história sob as formas
mais diversas seja como violência imediata, seja na forma do direito burguês. 12 Também
no primeiro esboço das Passagens, a crítica do capitalismo continuou sendo a crítica do
mito, na qual o século XIX aparece como um domínio em que “até agora apenas viceja a
loucura”: “Mas todo o solo deve ter sido alguma vez revolvido pela razão, carpido do
matagal do desvario e do mito. É o que deve ser realizado aqui para o solo do século
XIX.” (G°, 13) Os conteúdos dominantes da consciência e as formas de representação dos
primórdios do capitalismo: a “sensação do mais novo, do mais moderno” por um lado e,
por outro, a imagem de um “eterno retorno do sempre igual” - ambos “forma onírica
do acontecimento”, sonhada por um coletivo que “ignora a história” (M°, 14) — ; a
interpretação de Benjamin reconhecia aí formas ainda não-históricas, ainda ligadas ao
mito, que apenas em tal interpretação prestam-se para retirar do mito o seu poder e
despertar do sono que ele provoca. Benjamin usa uma linguagem eminentemente
teológica na interpretação da modernidade como o “tempo do inferno”: “Trata-se [...]
do fato de que o rosto do mundo, a imensa cabeça, nunca muda em relação àquilo que
é o mais novo, que este ‘mais novo’ permanece sempre igual em todas as suas partes.
Eis o que constitui a eternidade do inferno e o desejo de novidade dos sádicos.
Determinar a totalidade dos traços nos quais este moderno’ se manifesta, significa
representar o inferno.” (G°, 17) Como “comentário de uma realidade”, que mergulha
no elemento histórico como em um texto e o interpreta, a teologia deveria constituir-
se na “ciência fundamental” (O 0 , 9) das Passagens , devendo, porém, a política ter “o
primado sobre a história” (h°, 2). No estágio do primeiro esboço das Passagens, Benjamin
pensava não tanto em estabelecer uma mediação de categorias teológicas e políticas,
mas principalmente em mostrar a identidade de ambas — de maneira muito semelhante
a Bloch em O Espírito da Utopia e em estreita relação com este. Muitas vezes Benjamin
recorreu a conceitos de Bloch para caracterizar seu próprio projeto, como, por exemplo:
“A moda situa-se na penumbra do instante vivido, porém no instante vivido no coletivo.”
(O 0 , 11) Para Bloch, o indivíduo que vivência não está ainda consciente de si mesmo
no instante do acontecimento vivido, da mesma forma para Benjamin, os fenômenos
históricos eram opacos, obscuros ao próprio coletivo que sonha; se para Bloch a
experiência individual é sempre aquela do momento que acabou de passar, a
interpretação do presente para Benjamin é remetida ao passado mais recente: a ação
presente era para ele um despertar do sonho da história, “explosão” do ocorrido, a
1 2 Cf. R. Tiedemann, Studier zur Philosophie Walter Benjamins, 2 a edição, Frankfurt a. M„ 1 971 , pp. 76-77
e 98-99. (R.T.)
Introdução á Edição Alemã (1982) | Rolf Tiedemann ■ 21
reviravolta revolucionária. Benjamin estava convencido de que todos os fatos de que
trata este trabalho [sc. o das Passagens] viriam a “se esclarece [r] no processo de
autoconscientização do proletariado (O 0 , 68); ele não hesitou em compreender aqueles
fatos como uma parte da preparação da revolução proletária. “A perscrutação dialética
e a presentificação de conexões do passado são a prova de verdade da ação presente”
(O 0 , 5) - não esta própria ação, mas uma contribuição à sua teoria. Isto definiu a
tarefa do historiador como salvação do passado ou — como Benjamin formulou com
outro conceito de Bloch — o despertar de um saber ainda não consciente do ocorrido”
(H°, 1 7) , através da aplicação da doutrina do saber ainda não consciente” aos “coletivos,
em suas épocas (O 0 , 50). Nesse estágio do trabalho, as Passagens foram concebidas
como uma reconstituição mística: o pensamento dialético, tal qual Benjamin o concebia,
devia separar nos momentos da história respectivamente o elemento portador de futuro,
“positivo”, do elemento retrógrado, “negativo”, a fim de “aplicar à parte recém-eliminada,
negativa, uma nova divisão, de tal maneira a, com um desvio do ângulo de visão [...],
fazer surgir de novo um elemento positivo e diferente daquele que foi previamente
designado como tal. E assim por diante, in infinitum, até que todo o passado seja, em
uma apocatástase histórica, introduzido no presente.”(N Ia, 3) Assim deveria, nas
lassagens, o século XIX ser introduzido no presente; eis o preço mínimo a permitir,
segundo Benjamin, uma ação revolucionária. Para ele, a revolução era em alto grau
uma redenção do passado, que devia comprovar “a indestrutibilidade da vida suprema em
todas as coisas (O 0 , 1). — Ao final dos anos 1920, convergiam no pensamento de
Benjamin a teologia e o comunismo. As fontes metafísicas da filosofia da história e as
teológicas, que alimentaram tanto as obras esotéricas do seu primeiro período quanto os
grandes escritos estéticos ate a Origem do Drama Barroco Alemão ( Ursprung des deutschen
Trauerspiels) , não tinham se esgotado e deveriam também alimentar as Passagens.
Tudo isso as Passagens deveriam ter sido e não se tornaram nada disso - diria
o autor destas linhas, tentando adaptar uma frase do próprio Benjamin. O trabalho
foi interrompido no outono de 1929 por diversas razões. De sua parte, Benjamin
responsabilizou retrospectivamente questões relativas ao modo de exposição: o “caráter
rapsódico” deste, conforme anunciava o subtítulo do primeiro esboço - “Uma Feeria
Dialética - (GS V, 1117), e a “forma ilicitamente ‘poética’” (GS V, 1138) à qual
Benjamin se sentia obrigado, como pensava na época, eram provavelmente incompatíveis
com um trabalho que deveria ter como objeto “os interesses históricos decisivos de
nossa geração (GS V, 1137). Ele acreditava que só o materialismo histórico pudesse
preservar estes interesses; as aporias com as quais se defrontou durante a elaboração
das Passagens culminaram indiscutivelmente em seu posicionamento frente à teoria
marxista. Se primeiramente Benjamin aderiu à política dos partidos comunistas, ele
teve em seguida que se convencer da necessidade de passar de uma adesão política
para a elaboração teórica do marxismo, que ele imaginava como uma forma de
apropriação enquanto não começasse a trabalhar nela. Tratava-se de garantir as Passagens
“contra todas as objeções” “que a metafísica provoca”; “toda a massa de idéias, movidas
origmariamente pela metafísica”, deveria ser submetida a um “processo de refundição”
que possibilitaria ao autor “divisar com serenidade o que pode ser mobilizado contra o
22 ■ Passagens
método deste ttãbãlho pot pãtte do mutxbmo ortodoxo" W ££ »
“estilo de filosofar inocentemente arcaico, preso a natureza > q
’ • “ à t li
Beniamm as conversas com rl . iq 9Q pm
a, ■ , ■ » fCS v 1117 ) que aconteceram em setembro ou outubro de 9 ,
STe K "L — - ™ L^T—
L“ u^w.» -
(of V m7 5. LLa •£- « estudo tinha sido concluído guando Benjamin
‘LI anos Lis tarde, no tnício de 1934, tetontou o projeto das » 1, LI
“i „caL cLdo «,« 0 , «J™ ^ - «.*
“L Le embota não tivesse s.do totalmen.e de.xad, de lado no pnmetro esboço
fota dominada pela intenção surrealista. Nenhum dos antigos temas fo, »bandonado,
porém o edifício recebeu um alicerce mais sólido. Foram acrescidos temas co
haussmannização, lutas de barricadas, estradas de ferro, consp.mçoes
movimento social, a bolsa de valo, es, história economica, a Comunais ^
seitas École Polytechnique-, além disso, foram acrescentadas citações de M ,
Saint-Simon. Essa ampliação da temática, entretanto, não significava que Benjamin
visasse dedica, , cada um dos novos temas um capítulo ptépr.o no livre , - *ndo qu»
um proieto de livro tomara o
seria “o destino da arte no século XIX V, 1 OiJ, paiec
do que no primeiro esboço, contudo, isto não deve set tomado ao pe da letra: o expos
de 1935, no qual a intenção do segundo estágio do trabalho esta esboçada ma.s
claramente do que em qualque, outro lugar, a.nda retoma todos aqueles temas de que
as Passagem deveriam rratar desde o início: passagens, panoramas e expostçoes umversa.s,
13 Nota w.b.
14 Nas - passaqens Parisienses <I> " [Pariser Passagen <I>. GS V, 993-1038] nas quais categorias econômicas
aparecem de maneira muito descontínua e na maioria das vezes com uso meta ' ór ’“' ^
referências sem comentários a dois trechos do primeiro e do terceiro volume de O Cap ^ l,
"edição original" (cf Q°, 4). Isto poderia ser bastante revelador princpalmente no caso do pn
de Pesquisa Social havia na ocasião um exemplar da primeira edição, sen o que
Ízer dSes de obras difíceis de encontrar. Esta suposição se confirma quando se verifica O trecho
correspondente na primeira edição de O Capital: trata-se dasformulações decisivas sobre o caráter fetiche
da merc d portanto, daquele conceito cujo "desdobramento" deveria se d» «no cerne do
segundo esboço das Passagens. Como o manuscrito das "Passagens Parisienses <I> " fo, interrompido
pouco depois da referida anotação, a interrupção poderia estar relacionada , às drf, cidades com
quais se defrontou Benjamin quando percebeu a necessidade de uma leitura de O Capita/. (RJ.)
Introdução à Edição Alemã (1982) | Rolf Tiedemann ■ 23
o intérieur e as ruas de Paris. O título deste exposé, “Paris, a Capital do Século XIX”,
foi mantido a partir de então, sendo utilizado também, em 1939, para outro exposé,
escrito em francês. O texto contém uma referência decisiva “às perspectivas
sociológicas novas e transformadoras” do segundo esboço, sobre as quais Benjamin
escreveu que “forneceriam a moldura sólida das conexões interpretativas” GS V, 1118).
A interpretação, porém, deveria agora remeter os objetos do livro - a superestrutura
cultural do século XIX na França — ao caráter fetiche da mercadoria, conforme
denominação de Marx: em 1935, Benjamin afirmava que “o desenvolvimento” deste
conceito estaria “no centro” do livro a ser escrito (GS V, 1112) e, em 1938, que “as
categorias fundamentais” das Passagens “convergiriam na determinação do caráter fetiche
da mercadoria” (GS V, 1 166). No primeiro esboço, a noção aparece apenas de maneira
bem isolada, em um único lugar (O 0 , 38); evidentemente, na ocasião não se tratava
ainda de considerar o fetichismo da mercadoria o esquema de interpretação central
das Passagens em seu conjunto. Em maio de 1935, quando Benjamin escreveu o primeiro
exposé, as análises do próprio Marx a este respeito provavelmente ainda não lhe eram
familiares; aparentemente, apenas no início de junho de 1935, após a conclusão do
exposé, Benjamin começou a “orientar-se” no primeiro volume de O Capital (GS V, 1122).
Ele conhecera provavelmente em primeiro lugar a teoria do fetichismo da mercadoria
na versão de Lukács; para Benjamin, assim como para muitos intelectuais de esquerda
de sua geração, grande parte de seu instrumental marxista originou-se a partir do
capítulo sobre a reificação em História e Consciência de Classe.
Lukács traduzira em linguagem filosófica o fato econômico do fetichismo da
mercadoria e aplicara a categoria da reificação às antinomias do pensamento burguês,
da mesma forma Benjamin queria proceder em relação à cultura na era do auge do
capitalismo. Na “concepção reificada de cultura”, igualmente dominante na época,
Benjamin reconheceu a consciência ideológica apontada por Marx nas abstrações da
produção capitalista relativas ao valor, consciência para a qual os caracteres sociais do
trabalho se refletem como caracteres objetivados, reificados, dos produtos do trabalho.
Nesta concepção da cultura omite-se o fato de que “as criações do espírito humano”
“devem não somente sua existência, mas também sua transmissão, a um trabalho
social constante” (GS V, 1255). O destino da cultura no século XIX nada mais era do
que precisamente seu caráter de mercadoria que, segundo Benjamin, se manifestava
nos “bens culturais” como fantasmagoria. A própria mercadoria é fantasmagoria, ilusão,
engano, nela o valor de troca ou a forma-valor oculta o valor de uso; fantasmagoria é o
processo de produção capitalista em geral que se apresenta aos homens que o realizam
como poder da natureza. O que expressam as fantasmagorias culturais, segundo
Benjamin - “a ambigüidade própria das relações e dos produtos sociais dessa época”
(Exposé de 1935, seção V) — é o que determinaria também em Marx “o mundo
econômico do capitalismo”: uma ambigüidade que “é claramente perceptível por
exemplo nas máquinas, que agravam a exploração em vez de amenizarem o destino dos
homens” (K 3, 5). A noção de fantasmagoria reiteradamente utilizada por Benjamin
parece ser apenas uma outra palavra para designar o que Marx chamava de caráter
fetiche da mercadoria; ademais, uma palavra que se encontra no próprio Marx.
No capímlo sobre o fetichismo em O Capital, um trecho famoso trata da “relação
social determinada que caracteriza o trabalho em condições capitalistas de produção:
tal relação assumiria para os homens “a forma fantasmagórica de uma relação entre
coisas”. 15 O estado de coisas que Marx via diante de si é a consciência “necessariamente
falsa da economia burguesa, uma consciência cujo caráter de necessidade não a torna
menos falsa. O que interessava Benjamin na cultura não era, porém, o conteúdo
ideologico que a crítica da ideologia revela em sua profundidade, e sim sua superfície
ou lado externo que contém ao mesmo tempo ilusão e promessa. As “criações e formas
de vida condicionadas principalmente pela produção de mercadoria que devemos ao
século anterior” são “‘transfiguradas’ na imediatez da presença sensível” (GS V, 1256):
era esta presença imediata que importava a Benjamin, era o mistério cujo rastro
perseguia nas Passagens, um mistério que se fazia manifesto. Fantasmagórico é “o brilho
com o qual se envolve [...] a sociedade produtora de mercadorias” (GS V, 1256) - um
brilho que parece ter menos a ver com a “bela aparência” da estética idealista do que
com o caráter fetiche da mercadoria. Fantasmagorias são as “imagens mágicas do século”
(GS I, 1 153), são imagens de desejo” do coletivo por intermédio das quais este “procura
tanto superar quanto transfigurar as imperfeições do produto social, bem como as
deficiências da ordem social de produção” (Exposé de 1935, seção I). Primeiramente,
a função da fantasmagoria parece ser uma função de transfiguração: assim as exposições
universais transfiguram o valor de troca das mercadorias ao ofuscar o caráter abstrato
de suas determinações de valor; assim o colecionador transfigura as coisas ao retirar-
lhes o caráter de mercadoria; e assim são transfiguradas a construção em ferro e a
arquitetura em vidro nas passagens, porque “o século não conseguiu responder às
novas possibilidades técnicas com uma nova ordem social” (GS V, 1257). Quando,
em fins de 1 937, Benjamin teve em mãos LÉtermté par les Astres, de Blanqui - uma
fantasmagoria cosmológica tardia escrita pelo grande revolucionário na prisão -, ele
reencontrou suas próprias especulações sobre o século XIX como inferno. O caráter
ilusório de tudo que é novo, graças ao qual esse século se apresentava como a modernidade
par excellence, completava-se em sua idéia suprema, a idéia do progresso, que Benjamin
viu denunciada por Blanqui como “fantasmagoria da própria história”: “como
antiguidade imemorial, que desfila orgulhosa em roupagem de última novidade”,
como eterno retorno do sempre igual, onde “a humanidade figura como amaldiçoada”
(GS V, 1256). Blanqui ensinava que na fantasmagoria estava igualmente inserida “uma
crítica cáustica , a acusação mais terrível contra a sociedade” (GS V, 1256-1257).
O elemento transfigurador da fantasmagoria transforma-se em Aufklarung, na idéia
de que a humanidade estará à mercê do medo mítico enquanto a fantasmagoria ocupar
um lugar nela (GS V, 1256). Nas fantasmagorias de sua cultura, o século transcende
dialeticamente também “a velha ordem social”. Como “símbolos do desejo” as passagens
e os mtérieurs, os salões de exposição e panoramas são “resquícios de um mundo de
sonho ; o sonho voltado para a frente como antecipação do futuro, segundo Bloch:
Cada época não somente sonha a seguinte, mas ao sonhar esforça-se em despertar.
n_a carrega em si seu próprio fim.” Na medida em que procura determinar e também
tãsorcxer este fim da cultura burguesa em desagregação, o pensamento dialético tornou-se
paxa Benjamin o “órgão do despertar histórico” (Exposé de 1935, seção VI).
- <ari Marx. Qas Kapitai, I. in: Karl Marx/Friedrich Engels, Werke, vol. 23, 3 a edição, Berlim, 1 969, p. 86. (R.T.)
Introdução à Edição Alemã (1982) | Rolf Tiedemann ■ 25
“A propriedade que recai sobre a mercadoria como seu caráter fetiche liga-se
ela mesma à sociedade produtora de mercadorias, porém, não como ela realmente é,
mas como ela própria sempre se apresenta e acredita compreender-se, quando faz a
abstração do fato de que ela produz mercadorias.” (X, 13a) Dificilmente esta seria a
opinião de Marx. Para ele, o caráter fetiche da mercadoria, ao contrário, consiste no
fato de que os caracteres de seu trabalho aparecem aos homens como são\ como relações
de coisas entre pessoas e relações sociais entre coisas”; 16 o quid pro quo do fetichismo
da mercadoria aparece na análise do capital como algo objetivo e não como fantasmagoria.
Marx teria rejeitado a idéia de que a sociedade produtora de mercadorias pudesse fazer
abstração do fato de produzir mercadorias de maneira diferente do que deixando
concretamente de produzir mercadorias na transição a um grau superior de formação
social. Não é difícil comprovar os equívocos de Benjamin em relação à teoria de Marx,
mas isso não levaria a nada. - Benjamin mostrou-se pouco interessado na teoria marxista
da arte que ele julgou “ora presunçosa ora escolástica” (N 4a, 2); três frases curtas de
Proust eram mais valiosas para ele do que a maioria das coisas que existe no domínio
da análise materialista (K 3, 4). A maioria dos teóricos marxistas da arte considera a
cultura um mero reflexo do desenvolvimento econômico: Benjamin recusava-se a isso.
A doutrina do reflexo estético parecia-lhe já ultrapassada pela observação de Marx “de
que as ideologias da superestrutura refletem as relações sociais de maneira errônea e
deformada” (K 2, 5). Ele completou esse pensamento com a pergunta: “Se a infra-
estrutura determina de certa forma a superestrutura no material do pensamento e da
experiência, mas se esta determinação não é a do simples reflexo, como deve então ser
[...] caracterizada? Como sua expressão. A superestrutura é a expressão da infra-
estrutura. As condições econômicas, sob as quais a sociedade existe, encontram sua
expressão na superestrutura, exatamente como o estômago estufado de um homem
que dorme — embora possa “condicioná-lo” do ponto de vista causal — encontra no
conteúdo do sonho não seu reflexo e sim sua expressão. (K 2, 5) Benjamin não agiu
de maneira crítico-ideológica nas Passagens ele se ateve à idéia de uma fisiognomonia
materialista que imaginava provavelmente como um complemento ou uma ampliação
da teoria marxista. A fisiognomonia parte do exterior para o interior, decifra o todo a
partir do detalhe, apresenta o geral no particular. Ela parte, segundo uma concepção
nominalista, do dado imediato do corpo individual, começa de maneira indutiva na
esfera do perceptível. As Passagens “tratam no fundo do caráter de expressão dos primeiros
produtos industriais, das primeiras construções industriais, das primeiras máquinas,
mas também das primeiras lojas de departamentos, reclames etc.” (N la, 7); nesses
caracteres de expressão, Benjamin esperava encontrar aquilo que escapava a uma
apreensão imediata, a “assinatura” do século XIX. Importava-lhe “a correlação
expressiva”: “Deve se apresentar não a gênese econômica da cultura e sim a expressão
da economia na cultura.” (N la, 6) Se o caminho de Benjamin documenta, do primeiro
ao segundo esboço das Passagens, o esforço de defender seu trabalho em relação às
exigências do materialismo histórico, sobreviveram justamente na concepção
fisiognomônica da época tardia os temas cuja origem situa-se na metafísica e na teologia.
16 Op. cit, p. 87. (R.T.)
17 Cf. Jürgen Habermas, “Walter Benjamin. Bewusstmachende oder rettende Kritik", in: Philosophisch-
politische Profile. 3 3 edição, Frankfurt a. M., 1981, pp. 336-376. (R.T.)
Apresentar a expressão da economia na cultura foi a tentativa de apreender um processo
económico como fenômeno originário perceptível, de onde provêm todas as formas de
vida das passagens (e igualmente do século XIX) (N la, 6). Em Origem do Drama
Barroco Alemão, Benjamin já lançara mão do conceito goetheano do fenômeno originário
como explicação de seu conceito de verdade: 18 o conceito de origem no livro sobre o
drama barroco deveria constituir “uma transposição rigorosa e contundente deste
conceito fundamental de Goethe do domínio da natureza para o domínio da historia .
“Agora, também no trabalho das Passagens empreendo um estudo da origem. Na
verdade, persigo a origem das formas e as transformações das passagens parisienses
desde seu surgimento até seu ocaso e a apreendo nos fatos economicos. Esses fatos,
vistos sob o ponto de vista da causalidade, portanto como causas, não seriam porem
fenômenos primevos; tornam-se tais quando deixam aparecer em seu desenvolvimento
próprio — um termo mais apropriado seria desdobramento — a série das formas históricas
concretas das passagens, assim como a folha desvenda, ao abrir-se, toda a riqueza do
mundo empírico das plantas.” (N 2a, 4) As sutilezas metafísicas e as argúcias teológicas,
que pareciam superadas, ressurgem então na teoria do conhecimento, depois de terem
sofrido um desmascaramento irônico na economia. Fenômenos originários que se
apresentam como expressão de fatos economicos: de que maneira se distinguiriam das
idéias do livro sobre o drama barroco alemão que se manifestam no elemento da empina?
Trata-se da idéia de uma verdade de caráter monadológico, que dominou também o
trabalho das Passagens em todos os seus estágios e permaneceu ainda válida nas teses
“Sobre o Conceito de História”. Se no livro sobre o drama barroco a idéia enquanto
mônada abriga em si “a imagem do mundo” (GS I, 228), então a expressão enquanto
fenômeno originário contem em si a imagem da historia nas Passagens. A essencia da
produção capitalista deveria ser captada nas formas históricas concretas, nas quais a
economia encontra sua expressão cultural. Benjamin pensava em aplicar a mera
conceitualidade, cujas abstrações são insuficientes para dissipar o encantamento deste
monstro, um corretivo mimético e perceptível, que deveria poder decifrar as imagens
nas quais o universal se encontrava cifrado. Cabe ao pensamento fisiognomônico
“reconhecer os monumentos da burguesia como ruínas antes mesmo de seu
desmoronamento” (Exposé de 1935, seção VI). — Os prolegômenos de uma
fisiognomonia materialista que se depreendem no trabalho das Passagens fazem parte
das concepções mais importantes de Benjamin. Neles anuncia-se de modo programático
a teoria estética que o marxismo ficou devendo até hoje. Teria a realização da obra
cumprido o que prometera o programa? Teria a fisiognomonia estado à altura de sua
tarefa materialista? Somente a conclusão das Passagens poderia tê-lo provado.
Uma mudança dos conceitos de história e historiografia caracteriza a ligação
entre os dois esboços do trabalho das Passagens. Sua mvectiva polemica dirige-se contra
a idéia de progresso dominante no século XIX. Com a única exceção de Schopenhauer
no qual, e não por acaso, o mundo objetivo já carrega o nome de fantasmagoria, as
filosofias idealistas tinham feito do progresso “a assinatura do curso da história em sua
totalidade ” (N 13, 1), privando-o assim de sua função emancipatória e crítica. Mesmo
a confiança de Marx depositada no desenvolvimento das forças produtivas era uma
18 Cf. R. Tiedemann, op. c/t., pp. 79-89. (R.T.)
Introdução à Edição Alemã (1982) | Rolf Tiedemann ■ 2 /
hipóstase do conceito de progresso e deveria parecer insustentável a Benjamin em
vista das experiências do século XX. De maneira correspondente, a praxis política do
movimento operário esquecera-se de que um progresso de habilidades e conhecimentos
não constituía ainda um progresso da própria humanidade e que aos progressos no
domínio da natureza correspondiam retrocessos da sociedade (GS I, 700-701).
Benjamin exigia já no primeiro esboço das Passagens uma filosofia da história que
ultrapassasse em todas as partes” “a ideologia do progresso (O 0 , 5), que ele expôs
então nas teses sobre a filosofia da história, cuja imagem da história lembrava mais o
jogo assassino de prestidigitação de Klages entre arquétipos e fantasmas do que a
dialética de forças produtivas e relações de produção. Trata-se daquele Anjo da História
que aparece em uma das teses como alegoria do materialismo histórico no sentido
benjaminiano 19 - a cujo olhar paralisado toda a história até hoje se apresenta como
catástrofe, “que ininterruptamente amontoa ruínas sobre ruínas, jogando-as a seus
pés” (I, 697) e diante do qual são abolidas todas as categorias com as quais a história
foi apresentada até hoje. Para esse materialista, “toda a progressividade’ do devir” é
refutada, a “evolução” revela-se como “aparente” (F°, 6; K 1, 3), mas ele renuncia
sobretudo à “fabricação de uma continuidade” (N 9a, 5) da história que só seria
evidente como permanência do terror, enquanto ele se preocupa com a salvação e a
redenção. A visão histórica deveria surgir nas Passagens tal como uma “revolução
copernicana” (F°, 7; K 1, 1-3), segundo a qual a história passada deveria mostrar-se
fundada na atualidade, analogamente à crítica do conhecimento de Kant que
fundamenta a objetividade na profundidade do sujeito. Primeiramente foi invertida a
relação sob a qual unem-se no conhecimento histórico sujeito e objeto, presente e
passado: “Considerava-se como o ponto fixo o ‘ocorrido’, cabendo ao presente o
esforço de aproximar, tateante, o conhecimento deste elemento fixo. Agora, esta
relação deve inverter-se e o ocorrido tornar-se a reviravolta dialética, o irromper da
consciência desperta. Atribui-se à política o primado sobre a história. Os fatos tornam-se
algo que apenas acaba de nos tocar e constata-los torna-se tarefa da recordação.
(K 1, 2) O olhar histórico não se dirige mais para trás, do presente em direção à
história, e sim parte dela, para a frente, em direção ao presente. Benjamin procurava
decifrar “na vida e nas formas aparentemente secundárias, perdidas” do século XIX
“a vida de hoje, as formas de hoje” (N 1, 11) O interesse atual por um objeto
histórico sente-se “a si mesmo pré-formado naquele objeto, porém, sobretudo sente
“aquele objeto concretizado em si mesmo, promovido seu ser anterior à concreção superior
do ser agora (o ser desperto!)” (K 2, 3). O objeto da história continua a transformar-se,
torna-se um objeto histórico no sentido enfático somente quando vem a ser atual em
uma época posterior. As relações contínuas no tempo, das quais trata a história, foram
substituídas em Benjamin por constelações nas quais um ocorrido coincide de tal maneira
com o presente que este alcança o “agora” de sua “cognoscibilidade . O agora da
cognoscibilidade”, sobre o qual Benjamin ocasionalmente disse que era “sua” teoria do
conhecimento (GS V, 1148), deve seu desenvolvimento a uma dupla oposição: ao
idealismo e a um historicismo positivista. Enquanto este último remete o historiador
19 Cf. R. Tiedemann, "Historischer Materialismus oder politischer Messianismus? Politische Gehalte in der
Geschichtsphilosophie Walter Benjamins", in: Materialien zu Benjamins Thesen "Über den Begriff der
Geschichte", ed. por Peter Bulthaup, Frankfurt a. M., 1975, p. 86. (R.T.)
por assim dizer ao passado para que compreenda, “por emparia”, a partir de si próprio,
todo o ocorrido, que enquanto mera “massa dos fatos” “preenche o tempo homogêneo
e vazio” (GS I, 702), as construções idealistas da história usurparam, ao contrário, a
perspectiva do futuro e imputaram à história o plano natural de um progresso que se
realiza por si mesmo e que por princípio não termina. “A história, com tudo o que
desde o inicio ela tem de extemporâneo, sofrido, malogrado” (GS I, 343), é lançada
por ambos ao esquecimento. Ora, é precisamente isto: o que se encontra na história,
mas não foi resgatado por ela, seria objeto da historiografia materialista tal qual Benjamin
queria praticá-la nas Passagens. O fato de todo ocorrido só se tornar reconhecível em
uma determinada época não se resume ao arbítrio do historiador, mas representa ao
contrário uma constelação histórica objetiva. “A história é objeto de uma construção
cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio e sim o tempo do agora. Assim, para
Robespierre, a Roma antiga era um passado carregado de tempo do agora que ele fazia
saltar do continuum da história. A Revolução Francesa compreendia a si mesma como
uma Roma recomeçada. Ela citava a Roma antiga.” (GS I, 701) Era exatamente dessa
forma que Benjamin queria proceder nas Passagens: o presente forneceria o texto do
livro e a história, as citações contidas neste texto: “Escrever a história significa [...]
citar a história.” (N 11, 3)
A revolução copernicana da visão histórica significava também e sobretudo
que a concepção tradicional de verdade deveria ser corrigida e colocada sobre seus pés:
“O que importa é afastar-se resolutamente do conceito de ‘verdade atemporal’. No
entanto, a verdade não é - como afirma o marxismo - apenas uma função temporal do
conhecer, mas é ligada a um núcleo temporal situado simultaneamente no que é
conhecido e naquele que conhece. Isto é tão verdadeiro que o eterno é muito mais um
drapeado na roupa do que uma idéia.” (N 3, 2) O núcleo temporal da história não
pode ser captado como algo que acontece efetivamente e se prolonga na dimensão real
do tempo, e sim como algo onde o desenvolvimento se detém por um instante, onde
a dynamis do acontecimento torna-se stásis e o tempo condensa-se como diferencial;
onde um agora revela-se como o “agora de uma cognoscibilidade determinada”: “Nele,
a verdade está carregada de tempo até o ponto de explodir.” (N 3, 1) Assim, o agora sê
manifestaria como “imagem mais íntima” (O, 81) das próprias passagens, da moda
do mtérieur burguês, como imagem de todo o ocorrido, cujo conhecimento é o intuito
das Passagens. A essas configurações do ocorrido e do agora Benjamin deu o nome de
imagens dialéticas”; ele definiu seu teor como o de uma “dialética na imobilidade”.
Imagem dialética e dialética na imobilidade constituem sem dúvida as categorias centrais
das Passagens. Seu significado, porém, permaneceu cambiante e não conseguiu
consistência terminológica alguma. Pode-se distinguir pelo menos dois significados
nos textos de Benjamin, que permanecem praticamente sem nenhuma mediação ou,
pelo menos, não coincidem inteiramente. Em certa ocasião - no exposé de 1935, que
neste ponto parece resumir os temas do primeiro esboço - Benjamin situou as imagens
dialéticas como imagens de desejo e imagens oníricas no inconsciente coletivo, cujo
“imaginário, que recebia seu impulso do novo” deveria remeter ao “passado primevo”:
No sonho, onde diante dos olhos de cada época surge em imagens a época seguinte,
Introdução à Edição Alemã (1982) [ Rolf Tiedemann ■ 29
esta época aparece associada a elementos da história primeva, ou seja, de uma sociedade
sem classes. As experiências desta sociedade, que se depositam no inconsciente do
co etivo, geram em interação com o novo, a utopia.” (Exposé de 1935, seção I)
A modernidade citaria a “história primeva” “graças à ambigüidade que é própria das
relações sociais e dos produtos desta época. A ambigüidade é a manifestação imagética
da dialética, a lei da dialética na imobilidade. Esta imobilidade é utopia e a ima-em
ia ética, portanto, imagem onírica. Tal imagem é dada pela mercadoria: como fetiche.”
(Exposé de 1935, seção V) Estas formulações atraíram a crítica contundente de Adorno
que nao podia admitir que a imagem dialética fosse “o modo de percepção do caráter
etiche na consciência coletiva”, pois o fetichismo da mercadoria não era “um fato da
consciência” (GS V, 1 128). Sob o impacto das objeções de Adorno, Benjamin renunciou
mais tarde a este tipo de reflexão; no segundo exposé de 1939, foram abandonados
estes trechos que não mais satisfaziam seu autor (cf. GS V, 1157). Em 1940, nas teses
Sobre o Conceito de História”, a dialética na imobilidade parece ter quase o papel de
um princípio heurístico, um procedimento por meio do qual o materialista histórico
ida com os seus objetos: “O materialista histórico não pode renunciar ao conceito de
um presente que não seja transição; ao contrário, adota um presente no qual o tempo
para e se imobiliza. Pois é justamente este conceito que define aquele presente em que
ele escreve para si mesmo a história. [...] A historiografia materialista é baseada em um
principio construtivo. Do pensamento faz parte não apenas o movimento das idéias,
mas também sua imobilização. Onde o pensamento se fixa subitamente em uma
constelação saturada de tensões, de lhe comunica um choque graças ao qual ele se
cristaliza como mônada. O materialista histórico aproxima-se de um objeto histórico
umca e exclusivamente onde este se lhe apresenta como mônada. Nesta estrutura ele
reconhece o sinal de uma imobilização messiânica do acontecimento, ou seja, de uma
c ance revolucionária na luta pelo passado oprimido.” (GS I, 702-703) De fato, o
pensamento de Benjamin foi sempre um pensamento de imagens dialéticas. Ao contrário
da dialética de Marx, que considera “cada forma histórica no fluir do movimento
L-.J , a dialética de Benjamin procurava deter o fluir do movimento, compreender
todo devir como ser. Segundo palavras de Adorno, a filosofia de Benjamin “apropriava-se
o etie ismo da meicadoria em causa própria: para ela seria necessário que tudo se
transformasse por encanto em coisa, para que ela assim desfizesse o encantamento dos
malefícios da^coisidade”. 21 A filosofia de Benjamin procedeu de maneira imagética ao
procurar ler os fenômenos histórico-sociais como se fossem fenômenos da história
natural; as imagens tornaram-se dialéticas graças ao índice histórico de cada uma delas.
„ a ima 8 em dialética, o ocorrido de uma determinada época” sempre era
‘simultaneamente ‘o ocorrido-desde-sempre” (N 4, 1), através do qual esta imagem
permaneceu presa ao mítico; ao mesmo tempo, porém, deveria ser próprio do
materialismo histórico, que se apossou desta imagem, o dom de “acender no passado
a centelha da esperança”, para “arrancar novamente” a tradição histórica “do
conformismo que está prestes a apoderar-se dela” (GS I, 695). Através da imobilização
da dialética, anula-se o contrato dos “vencedores” históricos e todo o pdthos reincide
sobre a salvação dos oprimidos.
20 Marx, op. c/t., p. 28. (R.T.)
21 Adorno, op. c/t., p. 17. (R.T.)
Fixar imagens dialéticas não era para Benjamin, manifestamente, um método
que o historiador podia aplicar de maneira aleatória a qualquer objeto em qualquer
época. A historiografia para ele, tanto quanto para Marx, não poderia ser separada da
práxis política: a salvação do passado por intermédio daquele que escreve a história
permaneceu ligada à libertação prática da humanidade. Com efeito, comparada á
concepção marxista segundo a qual “a produção capitalista [...]” produz “sua própria
negação com a mesma necessidade de um processo natural”, 22 sobrevivem na teoria
de Benjamin elementos anarquistas e blanquistas: “Na realidade, não existe um único
instante que não traga consigo sua chance revolucionária [...]. Para o pensador
revolucionário, confirma-se a chance revolucionária de cada instante histórico pela
situação política. Porém, ela se confirma também pelo poder deste instante que lhe
fornece a chave para entrar em um aposento bem determinado do passado, até então
mantido fechado. A entrada neste aposento coincide estritamente com a ação política.”
(GS I, 1231) A ação política deve, “não importa quão destrutiva ela seja, dar-se a
reconhecer como uma ação messiânica” (GS I, 1231). O materialismo histórico de
Benjamin mal pode ser separado do messianismo político. Em uma nota tardia, talvez
escrita sob o choque do pacto entre Hitler e Stalin, ele formulou como “a experiência
de nossa geração: que o capitalismo não morrerá de morte natural” (X 11a, 3). Nesse
caso, a chegada da revolução não mais poderia ser aguardada com a paciência de Marx,
mas só poderia ser pensada como um fim escatológico da história: “A sociedade sem
classes não é o objetivo final do progresso na história, e sim sua interrupção muitas
vezes fracassada e finalmente alcançada.” (GS I, 1231) O despertar do mito tinha que
seguir o modelo messiânico de uma história imobilizada na redenção, tal como se
apresentava aos olhos do historiógrafo das Passagens. “O sujeito do conhecimento
histórico é a própria classe combatente, oprimida” (GS I, 700); pode-se imaginar o
historiador da dialética na imobilidade como o arauto dessa classe. Ao sujeito do
conhecimento “é dada uma fraca força messiânica sobre a qual o passado tem direito”;
ele reivindica este direito quando fixa aquela “imagem irrecuperável do passado” “que
ameaça desaparecer com todo presente que não se reconhece visado por ela” (GS I,
694-695). Benjamin, que conseguia perceber no âmbito das evoluções históricas apenas
a repetição mítica do mesmo, sem enxergar progresso algum e pensava este apenas
como salto - como “salto do tigre em direção ao passado” (GS I, 701), que na verdade
é um salto para fora da história como chegada do reino-messiânico, procurava fazer
corresponder a essa concepção mítica da história uma versão da dialética, na qual a
mediação se retiraria totalmente em prol da reviravolta, onde o momento da reconciliação
devia dar lugar ao momento crítico e destrutivo. Seu desejo de “fazer saltar” a imagem
dialética “do continuam do curso da história” (N 10a, 3) coincidia com aquele impulso
anarquista que se incumbia nas revoluções de deter o tempo por meio da introdução
de um novo calendário ou, como durante a revolução de julho em Paris, atirando nos
relógios das torres. O olhar que, por encantamento, transformava em imagens as coisas
arrancadas ao tempo, é o olhar da Górgona sobre “a fácies hippocratica da história”, a
“petrificada paisagem primeva” do mito (GS I, 343). No instante mítico, porém,
onde o ocorrido e o agora se reencontram em um “lampejo” para formar uma constelação;
onde “no agora da cognoscibilidade” “fulgura” a imagem do ocorrido (N 9, 7), a
22 Marx, op. tit., p. 791. (R.T.)
Introdução à Edição Alemã (1982) | Rolf Tiedemann ■ 31
perspectiva torna-se aquela da reviravolta dialética, a do Messias ou, em termos
materialistas, a da revolução. Apenas nesta perspectiva delineia-se então também nas
Passagens uma “definição autêntica” do progresso: “Em toda obra de arte autêntica
existe o lugar onde aquele que para lá se transporta sente uma brisa fresca como o
vento de um dia que amanhece. Daí resulta que a arte. que se considerava
freqüentemente como refratária a qualquer relação com o progresso, pode servir à
verdadeira determinação desse progresso. O progresso não se situa na continuidade
do decurso do tempo e sim em suas interferências.” (N 9a, 7) Neste sentido, pode-se
até mesmo salvar aquela definição problemática do primeiro exposé, segundo a qual,
na imagem dialética, as experiências míticas da história primeva do inconsciente coletivo
geram, “em interação com o novo, a utopia que deixou seu rastro em mil configurações
da vida, das construções duradouras até as modas passageiras” (Exposé de 1935, seção
I). Para tornar tais rastros visíveis, para recolher os “resíduos da história” e “salvá-los”
para o fim dela mesma, Benjamin imaginou a dialética na imobilidade: ele empreendeu
a tentativa, tão paradoxal quanto estupenda, de apresentar a história ainda que no
espírito de uma concepção antievolucionista da história. A dialética na imobilidade
teria a tarefa enquanto “imobilização messiânica do acontecimento de introduzir nas
Passagens aquela visão que Benjamin há muito possuía quando começou a trabalhar
neste projeto: a idéia de que “o profano [...] não é uma categoria do reino [messiânico],
mas uma categoria das mais pertinentes de sua mais silenciosa aproximação” (II, 204).
“Iluminada” desta maneira, a idéia de Benjamin de uma iluminação profana
permaneceu até o fim, assim “inspirada” manteve-se sua inspiração materialista, e o
materialismo de Benjamin, passando assim por todos os “processos de refundição’,
tornou-se teológico. O verdadeiro materialismo histórico aparecia unicamente como
aquele boneco que “a teologia põe a seu serviço . Contudo, este materialismo devia
“ganhar” (GS I, 693). Com razão, pode-se duvidar de que possa se realizar esta intricada
pretensão. O leitor que, então, pacientemente, percorreu a topografia das Passagens ,
passando por todos os desvios e rodeios que este editor não lhe poupa, imagina ao
final estar diante de ruínas e não de materiais de construção ainda intocados. Também
a respeito dos fragmentos das Passagens vale aquilo que Benjamin escreveu sobre o
drama barroco alemão: que “através das ruínas de grandes construções, a idéia de seu
plano arquitetural fala de maneira mais expressiva do que através de construções menos
grandiosas, porém, ainda bem preservadas” (GS I, 409).
A edição [alemã] 23 inicia-se com os dois exposés (GS V, 45-59 e 60-77) nos
quais Benjamin apresentou de forma resumida seu projeto, respectivamente em 1935
e em 1939- Ao lado de um de seus primeiros ensaios, “O Anel de Saturno ou Sobre a
Construção em Ferro”, os exposés são os únicos textos do complexo das Passagens que
podem ser considerados concluídos. Os exposés não se destinavam à publicação.
Benjamin elaborou a primeira versão, em alemão, para o Instituto de Pesquisa Social,
23
Nota w.b.
32 ■ Passagens
que, em seguida, aceitou apoiar o projeto das Passagens e financiá-lo. O exposé em
francês foi escrito por insistência de Horkheimer que esperava com ele despertar o
interesse de um mecenas americano para Benjamin.
A parte mais importante e de longe a mais volumosa da edição contém o
manuscrito das “Notas e Materiais” (GS V, 79-989), organizado por temas e assuntos:
o manuscrito das Passagens, propriamente dito, que durante a guerra ficou escondido
na Bibliothèque Nationale. Provavelmente, Benjamin trabalhou neste manuscrito a
partir do outono ou inverno de 1928 até o fim de 1929 e depois, novamente, a partir
do início de 1934; as últimas notas datam do início de 1940, imediatamente antes de
sua fuga de Paris. A seqüência das notas não corresponde à cronologia de sua origem.
Pelo visto, Benjamin sempre iniciava um novo arquivo quando, no decorrer de seus
estudos, fazia-se necessário tratar de um novo tema. Assim, por exemplo, o arquivo
“m: Ociosidade”, não foi começado antes do início de 1939. E bem provável que em
cada um dos arquivos, organizados simultaneamente, as notas tenham sido redigidas
em ordem cronológica. Mas nem sempre essa ordem é idêntica à sua gênese: nos
arquivos que tratam de temas que determinaram o trabalho já durante o primeiro
estágio, encontram-se, em seu início, notas que Benjamin extraiu de manuscritos
mais antigos e transcreveu no manuscrito das “Notas e Materiais”. Nestes casos, as
notas foram reorganizadas e nesta medida as primeiras páginas dos respectivos arquivos
obedecem também a determinados princípios lógicos. As páginas posteriores, escritas
a partir de 1934, assim como os arquivos iniciados na mesma ocasião, parecem, ao
contrário, seguir em geral uma ordem ao acaso dos estudos de Benjamin e, com maior
freqüência, ao acaso de suas leituras.
[Os quatro textos que constituem o “primeiro esboço das Passagens ” (na
nomenclatura de Benjamin, cf. GS V, 1138), foram colados no final da edição alemã.] 24
As notas que compõem o primeiro desses textos, “Passagens Parisienses <I>” (Pariser
Passagen <I>; GS V, 993-1038) — redigidas sucessivamente, iniciadas em meados de
1927 e interrompidas em dezembro de 1929 ou, no mais tardar, no início de 1930 -
são reproduzidas na íntegra, embora seu conteúdo tenha sido inserido em grande
parte no amplo manuscrito das “Notas e Materiais”, porque somente com sua ajuda é
possível reproduzir aquele “processo de refundição” que determinou a transição do
primeiro ao segundo estágio do trabalho.
Quanto aos outros três textos, a breve redação intitulada “Passagens”
(Passagen; GS V, 1041-1043) é da primeiríssima fase do trabalho, quando Benjamin
ainda desejava escrever um artigo para uma revista, juntamente com Franz Hessel.
Esse texto foi possivelmente redigido por ambos em meados de 1927. - No texto
intitulado [pelo editor alemão] 25 “<Passagens Parisienses II>” (<Pariser Passagen II>;
GS V, 1044-1059), percebe-se a tentativa de Benjamin de escrever o ensaio por ele
planejado como as Passagens em 1928-1929. Esses textos foram escritos em um papel
24 Nota w.b.
25
/dem.
Introdução à Edição Alemã (1982) | Rolf Tiedemann ■ 33
farpado muito caro que Benjamin nunca utilizara antes, em um formato que não lhe
era habitual: pode se imaginar que ele se lançou nesse trabalho como se fosse uma
grande festa. Entretanto, ele não foi muito longe. Os diferentes textos, que formam
um todo acabado, sem uma sequência estabelecida por ele, são substituídos aqui e ali
por citações comentadas ou não e por referências bibliográficas que, ao final, invadem
tudo. Enquanto as “Notas e Materiais” assim como o texto “Passagens Parisienses <I>”
são reproduzidos in extenso e na ordem em que ocorrem no próprio manuscrito, este
editor achou por bem proceder de outra forma em relação às “<Passagens Parisienses
II>”. Como as notas incompletas e as citações desse manuscrito foram transcritas nas
“Notas e Materiais” ou devem ser consideradas rejeitadas por Benjamin, optou-se por
não utilizá-las na edição. A reprodução limita-se aos textos elaborados de maneira
completa, cuja ordem foi determinada por este editor. Mesmo que esses textos façam
parte dos mais importantes e, se é permitido dizê-lo, dos mais belos produzidos por
Benjamin, e reapareçam nas “Notas e Materiais” em lugares dispersos, sua reprodução
como um conjunto dá uma certa impressão daquele ensaio que Benjamin pensava
escrever, mas que efetivamente não escreveu. — O último texto, “O Anel de Saturno ou
Sobre a Construção em Ferro” (GS V, 1060 - 1063 ), pertence igualmente ao primeiro
estágio do trabalho; não se pode excluir a hipótese de que talvez se trate de um artigo
separado do complexo das Passagens para ser publicado em uma revista; no entanto,
permaneceu inédito.
O leitor que se familiarizou com os exposés poderia, de maneira mais sensata,
iniciar seu estudo das Passagens com a leitura do arquivo “N: Teoria do Conhecimento,
Teoria do Progresso”, para dedicar-se em seguida ao início das “Notas e Materiais”.
Esta leitura deveria limitar-se de início aos fragmentos reservados a reflexões do próprio
Benjamin e a citações comentadas por ele, mesmo que sob forma embrionária. Por
certo, na obra concluída, teria sido evitada a distinção entre a teoria e o material;
porém, a forma fragmentária na qual permaneceu a obra deu objetivamente às reflexões
teóricas de Benjamin um novo significado, o de lançar os materiais sob aquela luz que
queria acender neles. Contudo, deve-se enfatizar ainda mais que apenas a leitura de
todas as notas, apenas o estudo de todas as citações, mesmo as mais dispersas, pode
levar à compreensão plena das intenções de Benjamin.
EXPOSÉS
NOTA INTRODUTÓRIA
Willi Bolle
Por escolha do editor alemão, os textos que compõem o projeto das Passagens
“não foram reproduzidos na ordem de sua gênese cronológica” (GS V, 1074; ver a
sinopse cronológica dos textos, p. 1073-1074). Em vez disso, a edição se inicia com os
dois exposés-. “Paris, a Capital do Século XIX” (Paris, die Hauptstadt des XIX. Jahrhunderts,
GS V, 45-59), de 1935, e “Paris, Capital do Século XIX” (Paris, Capitale du XIX''
Siècle, GS V, 60-77), de 1939- A opção é justificada pelo fato de se tratar de redações
“concluídas” e de “apresentações resumidas do projeto das Passagens; o que Benjamin
intentava fazer nesse projeto só se pode apreender com alguma clareza a partir destes
dois textos” (GS V, 1074).
O exposé “Paris, die Hauptstadt des XIX. Jahrhunderts” foi escrito por
Benjamin em maio de 1935, por solicitação de Friedrich Pollock. Este dirigiu, junto
com Max Horkheimer, o Instituto de Pesquisa Social que se transferiu em 1933 de
Frankfurt via Genebra para Nova Iorque. “Com este exposé ”, afirma Benjamin em carta
de 20/05/1935 a Gershom Scholem, “o trabalho [das Passagens] entrou em uma nova
fase, a primeira que — de longe — a aproxima de um livro”. E acrescenta: “O título
'Passagens Parisienses’ desapareceu e o esboço se chama ‘Paris, a Capital do Século XIX ,
sendo que secretamente eu o chamo ‘Paris, Capitale du XIX C Siècle . (GS V, 1112-
1 113) Na carta de 31/05/1935, que acompanha o envio de uma versão do exposé para
Adorno, Benjamin relembra os momentos decisivos da fase inicial do projeto das
Passagens: a leitura do Paysan de Paris, de Aragon; as primeiras anotações; a amizade
com Franz Hessel; as conversas com Adorno e Horkheimer; e o contato com Brecht.
Comparado àquela fase, de “um filosofar despreocupado, arcaico, enleado pela natureza”,
o projeto das Passagens passou por um “processo de refundição” e por “conceituações
filosóficas” visando o estudo da “história primeva do século XIX” (GS V, 1116-1119).
Em carta de 02/08/1935, de Hornberg, Adorno comenta detalhadamente o exposé ,
criticando sobretudo a concepção benjaminiana da “imagem dialética” (GS V, 1127-
1136). Para maiores detalhes sobre a gênese e recepção do exposé , o leitor poderá
consultar o volumoso material que se encontra na edição alemã (GS V, 1 1 12-1 144) e
que não foi possível reproduzir aqui. Assinalemos ainda que, graças ao exposé, o projeto
de Benjamin foi incluído no programa oficial do Instituto de Pesquisa Social com o
título “The Social History of the City of Paris in the 19 th Century”, o que implicou
também num auxílio financeiro (GS V, 1097).
O segundo exposé, “Paris, Capitale du XIX 1 Siècle”, foi escrito em março de
1939 por solicitação de Max Horkheimer. O Instituto passava então por dificuldades
financeiras e o seu diretor tinha esperança de que um banqueiro nova-iorquino, que
também atuava como mecenas, pudesse interessar-se pelo projeto das Passagens (cf.
GS V, 1 168-1 178); os esforços, no entanto, não trouxeram resultados. - Em comparação
com o exposé de 1935, o de 1939 apresenta uma Introdução e uma Conclusão, que,
segundo Rolf Tiedemann, “contêm certamente a argumentação mais compacta, talvez
mesmo a mais lúcida, de Benjamin sobre suas intenções teóricas a respeito das Passagens'
(GS V, 1255). Boa parte dos parágrafos de “Paris, Capitale du XIX' Siècle” representa
uma tradução do exposé em língua alemã de 1935, embora com matizações, das quais
a tradução brasileira procura transmitir uma idéia. Houve também — como assinalam
os tradutores e estudiosos Howard Eiland e Kevin McLaughlin - uma série de
“modificações significativas, especialmente referentes a Fourier (A, II), Luís Filipe (C, II
e III) e Baudelaire (D, II e III), além da supressão de numerosos materiais”. Como já
observara Tiedemann, “as modificações em relação ao texto anterior são especialmente
esclarecedoras para o desenvolvimento das reflexões teóricas de Benjamin nos quatro
anos que se situam entre as versões dos dois exposés ; por um lado, ele não renunciou ao
aprofundamento das imagens dialéticas no inconsciente coletivo, embora o fizesse de
modo muito mais comedido; por outro, procurou tornar frutífera para as Passagens a
especulação cosmológica de Blanqui em L’ Etemité par les Astres — um livro que Benjamin
veio a descobrir em 1937” (GS V, 1255).
Chamamos a atenção, finalmente, para a existência de variantes e notas avulsas
do exposé de 1935; estes materiais são reproduzidos e comentados mais adiante.
PARIS, A CAPITAL DO SÉCULO XIX
<Exposé de 1 935> 1
"As águas são azuis e as plantas rosadas; é
doce contemplar o entardecer;
É a hora do passeio. As grandes damas vão passear;
atrás delas caminham pequenas damas/'
Nguyen-Trong-Hiep, Paris Capitale de la France:
Recuei l de Vers, Hanoi, 1897. Poésie XXV.
I. Fourierou as passagens
“Desses palácios as colunas mágicas
Ao amador mostram por todas as partes
Nos objetos que seus pórticos exibem
Que a indústria é rival das artes."
Nouveaux Tableaux de Paris, Paris, 1828, I, p. 27.
A maioria das passagens de Paris surge nos quinze anos após 1822. A primeira
condição para seu aparecimento é a conjuntura favorável do comércio têxtil. Os mugasins
de nouveautés , 2 3 os primeiros estabelecimentos a manter grandes estoques de mercadorias,
começam a aparecer. São os precursores das lojas de departamentos. E a época sobre a
qual Balzac escreveu: ll O grande poema das vitrines canta suas estrofes coloridas da
1 Abreviaturas utilizadas nas notas: R.T. = Rolf Tiedemann, J. L. = Jean Lacoste (tradutor da versão francesa),
E/M = Howard Eiland e Kevin McLaughlin (tradutores da versão norte-americana) ew.b.= Willi Bolle.
— Na revisão da tradução deste texto foi consultada também a tradução anteriormente publicada em W.
Benjamin, Sociologia, ed. e trad. de Flávio R. Kothe, São Paulo, Ática, 1985, pp. 30-43. (w.b.)
2 Grandes lojas que ofereciam uma seleção completa de mercadorias em várias especialidades. Divididas em
setores específicos, estendiam-se por vários andares, ocupando um grande número de empregados.
O primeiro rnagasin de nouveauté, Pygmalion, foLinaugurado em Paris, em 1793- (E/M)
3 Honoré de Balzac, "Histoire et Physiologie des Boulevards de Paris", in: George Sand, Honoré de Balzac,
Eugène Sue et a/., Le Diable à Paris, vol. 2, Paris, 1 946, p. 91 . Cf., nas "Notas e Materiais", o fragmento
A 1, 4. (R.T.; E/M)
4# ■ Passagens
Madeleine à Porte Saint-Denis”. 3 As passagens são o centro das mercadorias de luxo.
Para expô-las, a arte põe-se a serviço do comerciante. Os contemporâneos não se cansam
de admirá-las. Durante muito tempo permanecerão uma atração para os forasteiros.
Um Guia Ilustrado de Paris diz: “Estas passagens, uma recente invenção do luxo
industrial, são galerias cobertas de vidro e com paredes revestidas de mármore, que
atravessam quarteirões inteiros, cujos proprietários se uniram para esse tipo de
especulação. Em ambos os lados dessas galerias, que recebem a luz do alto, alinham-
se as lojas mais elegantes, de modo que tal passagem é uma cidade, um mundo em
miniatura.” As passagens são o cenário da primeira iluminação a gás.
A segunda condição para o surgimento das passagens advém dos primórdios
das construções de ferro. O Império percebeu nesta técnica uma contribuição para
renovar a arquitetura no espírito da Grécia antiga. Boetticher, o teórico da arquitetura,
expressa a convicção geral ao afirmar que “quanto às formas artísticas do novo sistema ,
deveria entrar em vigor “o princípio formal do estilo helénico”. 4 O Império é o estilo
do terrorismo revolucionário, para o qual o Estado é um fim em si. Assim como
Napoleão não percebeu a natureza funcional do Estado como instrumento de
dominação da classe burguesa, tampouco os arquitetos de seu tempo reconheceram a
natureza funcional do ferro, com o qual o princípio construtivo inicia sua dominação
na arquitetura. Nas vigas de sustentação esses arquitetos imitam as colunas pompeanas
e suas fábricas parecem moradias, assim como mais tarde as primeiras estações ferroviárias
imitavam chalés. “A construção desempenha o papel do subconsciente.” 5 Apesar disso,
o conceito de engenheiro, que tem suas origens nas guerras da revolução, começa a se
impor e têm início as rivalidades entre o construtor e o decorador, entre a Ecole
Polytechnique e a École des Beaux-Arts.
Pela primeira vez na história da arquitetura, surge com o ferro um material
de construção artificial. Ele vai passar por uma evolução cujo ritmo se acelera ao longo
do século. Esta recebe o impulso decisivo quando se evidencia que a locomotiva, objeto
de experimentos desde o final dos anos vinte, só poderia ser utilizada sobre trilhos de
ferro. O trilho torna-se a primeira peça de ferro moldado, precursor da viga de ferro.
Evita-se o ferro em construções residenciais, mas é utilizado em passagens, pavilhões
de exposição, estações de trem — construções que serviam para fins transitórios.
Simultaneamente, amplia-se o campo arquitetônico de aplicação do vidro. As condições
sociais de sua utilização em larga escala como material de construção, porem, surgirão
apenas um século mais tarde. Ainda na Glasarchitektur [Arquitetura de Vidro] (1914),
de Scheerbart, 6 o vidro aparece em um quadro utópico.
4 Karl Boetticher, "Das Prinzip der Hellenischen und Germanischen Bauweise hinsichtlich der Übertragung
in die Bauweise unserer Tage", in, Zum hundertjãhrigen Geburtstag Karl Bóttichers, Berlim, 1914, p.
46. Cf. F 1, 1. (R.T.; E/M)
5 Sigfried Giedion, Bauen in Frankreich, Leipzig, 1928, p. 3. (R.T.)
6 Paul Scheerbart, Glasarchitektur, Berlim, 1914. (R.T.)
Paris, a capital do século XIX | <Exposé de 1935> ■ 41
"Cada época sonha a seguinte."
Micheiet, Aveniri Avenirl '
À forma do novo meio de produção, que no início ainda é dominada por
aquela do antigo (Marx), 8 correspondem na consciência coletiva imagens nas quais se
interpenetram o novo e o antigo. Estas imagens são imagens do desejo e nelas o coletivo
procura tanto superar quanto transfigurar as imperfeições do produto social, bem
como as deficiências da ordem social de produção. Ao lado disso, nestas imagens de
desejo vem à tona a vontade expressa de distanciar-se daquilo que se tomou antiquado
— isso significa, do passado mais recente. Estas tendências remetem a fantasia imagética,
impulsionada pelo novo, de volta ao passado mais remoto. No sonho, em que diante
dos olhos de cada época surge em imagens a época seguinte, esta aparece associada a
elementos da história primeva, ou seja, de uma sociedade sem classes. As experiências
desta sociedade, que têm seu depósito no inconsciente do coletivo, geram, em interação
com o novo, a utopia que deixou seu rastro em mil configurações da vida, das construções
duradouras até as modas passageiras.
Estas relações podem ser identificadas na utopia de Fourier. Seu impulso
mais íntimo se deve ao aparecimento das máquinas. Mas isso não se expressa de imediato
em seus escritos; estes partem da imoralidade da atividade comercial, bem como da
falsa moral posta a seu serviço. O falanstério deve reconduzir as pessoas a condições de
vida nas quais a moralidade se torna desnecessária. Sua organização altamente complexa
aparece como maquinaria. As engrenagens das paixões, a intrincada combinação das
paixões mecanistas com a paixão cabalista, são primitivas elaborações teóricas de criar
analogias com a máquina no domínio psicológico. Essa maquinaria feita de seres
humanos produz o país das maravilhas, o primevo símbolo do desejo ao qual a utopia
de Fourier deu nova vida.
Nas passagens, Fourier viu o cânone arquitetônico do falanstério. Sua
interpretação em chave reacionária por Fourier é significativa: enquanto originalmente
serviam a fins comerciais, em Fourier elas se transformam em residências. O falanstério
torna-se uma cidade feita de passagens. Fourier estabelece no rígido mundo das formas
do Empire o idílio colorido da época do Biedermeier . 9 Seu brilho mantém-se, embora
menos vivo, até Zola. Este retoma as idéias de Fourier em seu Travail, assim como em
Thérèse Raquin ele se despede das passagens. - Contrapondo-se a Cari Gríin, Marx
defendeu Fourier, destacando sua "colossal visão do ser humano . l( Também chamou
a atenção para o humor de Fourier. De fato, em Levana , Jean Paul 1 está próximo do
pedagogo Fourier, assim como Scheerbart em sua Glasarchitektur (Arquitetura de Vidro)
se aproxima do Fourier utópico.
7 Jules Míchelet, Avenir! Avenir!, Europe, 19, n° 73, p. 6, 15/01/1929. (R.T.)
8 Karl Marx, Das Kapital, I, in: MEW, vol. XXIII, 3 a ed, Berlim, 1969, p. 404, nota 103. (R.T.)
9 O estilo Biedermeier, que abrange, na história alemã, o período entre o Congresso de Viena (1815) e a
Revolução de 1 848, é essencialmente conservador, voltando-se para os valores domésticos, a moradia,
o idílio burguês e pequeno-burguês, em detrimento da preocupação com os problemas sociais.
10 Karl Marx, Friedrich Engels, D/e deutsche Ideologie, MEW, vol. III, Berlim, 1958, p. 502. (R.T.)
11 Jean Paul, Levana oder Erziehungslehre, 1807. (E/M)
II. Daguerre ou os panoramas
"Sol, toma cuidado!"
A. J. Wiertz, CEuvres Littéraires, Paris, 1870, p. 374.
Assim como a arquitetura começa a emancipar-se da arte com a construção
de ferro, assim a pintura por sua vez o fez com os panoramas. O apogeu da difusão dos
panoramas coincide com o surgimento das passagens. Foi incansável o esforço de tornar
os panoramas, por meio de artifícios técnicos, locais de uma imitação perfeita da
natureza. Procurava-se reproduzir na paisagem as mudanças da luz do dia, o nascer da
lua, o murmurar das cascatas. David aconselha seus discípulos a desenharem os
panoramas segundo a natureza. Ao tentar reproduzir na natureza representada as
transformações de maneira enganosamente similar, os panoramas abrem o caminho,
para além da fotografia, ao cinema mudo e ao cinema sonoro.
Contemporânea aos panoramas, existe uma literatura panoramática. Le Livre
des Cent-et-un, Les Français Peints par Eux-mêmes, Le Diable à Paris , La Grande Ville
são exemplos dela. Prepara-se nestes livros o trabalho beletrístico coletivo, para o qual
Girardin criou, nos anos 1830, um espaço próprio no folhetim. CompÕem-se de
esboços isolados cuja roupagem anedótica corresponde às figuras situadas plasticamente
no primeiro plano dos panoramas e cujo fundo informativo corresponde ao segundo
plano pintado. Esta literatura é panoramática também do ponto de vista social. Pela
última vez, aparece o operário fora de sua classe como figurante de um idílio.
Os panoramas, que anunciam uma revolução nas relações da arte com a
técnica, são ao mesmo tempo expressão de um novo sentimento de vida. O habitante
da cidade, cuja superioridade política em relação ao morador do campo se manifesta
inúmeras vezes no decorrer do século, renta inserir o campo na cidade. Nos panoramas,
a cidade amplia-se, transformando-se em paisagem, como ela o fará mais tarde e de
maneira mais sutil para o flâneur. Daguerre é um discípulo de Prévost, o pintor de
panoramas, cujo estabelecimento situa-se na Passage des Panoramas. Descrição dos
panoramas de Prévost e Daguerre. Em 1839, o panorama de Daguerre é destruído
por um incêndio. No mesmo ano, ele anuncia a invenção do daguerreótipo.
Arago apresenta a fotografia num discurso na Câmara. Prenuncia seu lugar
na história da técnica. Prevê suas aplicações científicas. Os artistas, ao contrário,
começam a debater seu valor artístico. A fotografia provoca a ruína da grande corporação
dos pintores miniaturistas. Isto ocorre não apenas por razões econômicas. Em seus
primórdios, a fotografia era artisticamente superior ao retrato em miniatura. A razão
técnica para tanto reside no longo tempo de exposição que exige a máxima concentração
por parte do retratado. A razão social disso situa-se no fato de os primeiros fotógrafos
pertencerem à vanguarda, de onde provinha a maior parte de sua clientela. O avanço
de Nadar em comparação a seus colegas de profissão caracteriza-se por seu empenho
em tirar fotografias no interior do sistema de canalização de Paris. 12 Com isso, pela
Cf. o excerto de Nadar sobre as fotografias tiradas nas catacumbas: Y 2, 2. (J.L.)
Paris, a capital do século XIX | <Exposé de 1935> ■ 43
primeira vez, atribuem-se descobertas à lente-objetiva. O significado desta torna-se
tanto maior quanto mais questionável se considera o caráter subjetivo da informação
pictórica e gráfica diante da nova realidade técnica e social.
A exposição universal de 1855 oferece pela primeira vez uma mostra especial
dedicada à Fotografia . No mesmo ano, Wiertz publica seu grande artigo a respeito
da fotografia, no qual lhe atribui a tarefa de iluminar filosoficamente a pintura. 13
Como demonstram seus próprios quadros, ele entendia tal “iluminação” no sentido
político. Wiertz pode ser considerado como o primeiro, senão a prever, a reclamar a
montagem como meio de utilizar a fotografia com fins de agitação política. Com o
crescente aumento dos meios de transporte e comunicação, diminui o significado
informativo da pintura. Como reação à fotografia, a princípio ela começa a enfatizar os
elementos coloridos da imagem. Quando o Impressionismo cede lugar ao Cubismo, a
pintura conquista mais um domínio no qual a fotografia por enquanto não consegue
acompanhá-la. Por sua vez, a partir de meados do século, a fotografia amplia
enormemente a esfera da economia mercantil, lançando no mercado uma quantidade
ilimitada de figuras, paisagens, eventos, jamais utilizados ou utilizados apenas como
quadros para clientes individuais. Para aumentar os negócios, ela renovou seus objetos,
modificando as técnicas de fotografar de acordo com a moda, técnicas que determinaram
a história posterior da fotografia.
III. Grandville ou as exposições universais
"Sim, quando o mundo todo, de Paris à China,
O divino Saint-Simon, aceitar a tua doutrina,
- A idade de ouro há de renascer com todo seu
esplendor,
Os rios rolarão chá e chocolate;
Saltarão na planície os carneiros já assados,
E os linguados grelhados nadarão no Sena;
Os espinafres virão ao mundo já guisados,
Com pães torrados dispostos ao redor;
As árvores produzirão frutas em compota
E se colherão temperos e verduras;
Nevará vinho, choverá galetos,
E do céu cairão patos ao nabo."
Langlé et Vanderburch: Louis Bronze et le Saint-Simonien
(Théâtre du Paiais-Royal, 27 février 1832). 14
As exposições universais são lugares de peregrinação ao fetiche mercadoria.
“A Europa se deslocou para ver mercadorias”, afirma Taine em 1855. 15 As exposições /
13 A. J. Wiertz, "La Photographie", in: Guvres Littéraires, Paris, 1870, p. 309 etseq. Cf. Y 1, 1. (R.T; E/M)
14 Cit. in: Théodore Muret, L'Histoire par le Théâtre, 1789-1851, Paris, 1865, vol. 3, p. 191. (R.T.)
15 Esta afirmação é efetivamente de Ernest Renan; cf. G 4, 5 e G 13a, 3. (E/M)
■•n ii a PaiBSfflÇffiH*
universais foram precedidas por exposições nacionais da indústria, a primeira das quais
se realiza em 1798, no Campo de Marte. Ela nasce do desejo de “divertir as classes
trabalhadoras, tornando-se para elas uma festa de emancipação”. 16 O operariado situa-
se em primeiro plano como clientela. Ainda não se constituíra o quadro da indústria
de entretenimento. Esse quadro é formado pela festa popular. A exposição universal é
inaugurada pelo discurso de Chaptal sobre a indústria. — Os saint-simonianos, que
planejam a industrialização do mundo, acolhem a idéia das exposições universais.
Chevalier, a primeira autoridade neste novo domínio, é um discípulo de Enfantin e
editor do jornal saint-simoniano Le Globe. Os saint-simonianos previram o
desenvolvimento da economia mundial, mas não a luta de classes. Sua participação
nos empreendimentos industriais e comerciais em meados do século contrasta com
sua impotência nas questões relativas ao proletariado.
As exposições universais idealizam o valor de troca das mercadorias. Criam
um quadro no qual seu valor de uso passa para o segundo plano. Inauguram uma
fantasmagoria a que o homem se entrega para divertir-se. A indústria de entretenimento
facilita isso elevando-o ao nível da mercadoria. Ele se abandona às suas manipulações
ao desfrutar a sua própria alienação e a dos outros. — A entronização da mercadoria e
o brilho da distração que a cerca é o tema secreto da arte de Grandville. A isso
corresponde a discrepância entre seu elemento utópico e seu elemento cínico. Suas
especiosidades na representação de objetos inanimados correspondem àquilo que Marx
denomina de “argúcias teológicas” da mercadoria . x ' Estas se manifestam claramente
na spécialité - designação de uma mercadoria que surge nesta época na indústria de
luxo. 18 Sob o lápis de Grandville, a natureza inteira se transforma em especialidades.
Ele as apresenta no mesmo espírito no qual o reclame — também esta palavra surge
naquela época — começa a apresentar seus artigos. Ele acaba demente.
"A Moda: Senhora Morte! Senhora Morte!"
Leopardi, Diálogo Entre a Moda e a Morte . 19
As exposições universais constroem o universo das mercadorias. As fantasias
de Grandville transferem para o universo o caráter de mercadoria. Elas o modernizam.
O anel de Saturno torna-se uma sacada de ferro fundido, na qual à noite os habitantes
de Saturno tomam ar fresco. 20 O contraponto literário desta utopia gráfica é
representado pelos livros do naturalista Toussenel, 21 seguidor de Fourier. — A moda
prescreve o ritual segundo o qual o fetiche mercadoria deseja ser adorado. Grandville
16 Sigmund Englánder, Qeschichte der franzósischen Arbeiter-Assodationen, Hamburgo, 1864, vol. 4,
p. 52. (R.T.)
17 Karl Marx, Das Kapital, I, p. 85. (R.T.)
18 Spécialité: ramo especializado da fabricação e do comércio, incluindo também restaurantes e confeitarias.
(w.b.)
19 Giacomo Leopardi, "Dialogo delia Moda e delia Morte" (1 827), in: Operette Morali, ed. por Alessandra
Donati, Bari, 1928, p. 23. (R.T.)
20 Citação tonada de empréstimo a Grandville, Un Autre Monde, 1 844; cf . "O Anel de Saturno" e F 1 , 7. (J.L.)
21 Ver os excertos de A. Toussenel, UEsprit des Bètes, 1 847, de G 1 1 , 4 a G 1 2a, 1 . (J.L.)
Paris, a capital do século XIX | <Exposé de 1935> ■ 45
estende a autoridade da moda aos objetos de uso diário, tanto quanto ao cosmos.
Levando-a até os extremos, ele desvenda sua natureza. Ela se encontra em conflito
com o orgânico, unindo o corpo vivo ao mundo inorgânico e fazendo valer no corpo
vivo os direitos do cadáver. O fetichismo subjacente ao sex appeal do inorgânico é seu
nervo vital. O culto da mercadoria coloca-o a seu serviço.
Por ocasião da exposição universal de 1 867, em Paris, Victor Hugo lança um
manifesto “Aos povos da Europa”. Os interesses deles foram defendidos antes e de
modo menos equívoco pelas delegações de trabalhadores franceses, cuja primeira
participou da exposição universal de Londres, em 1851, e a segunda, com 750
representantes, da exposição de 1862. Esta última foi importante, pois contribuiu
indiretamente para a fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores, por
Marx. — A fantasmagoria da cultura capitalista alcança seu desdobramento mais
brilhante na exposição universal de 1867. O Império está no auge de seu poder. Paris
afirma-se como a capital do luxo e das modas. Offenbach prescreve o ritmo da vida
parisiense. A opereta é a irônica utopia de um domínio duradouro do capital.
IV. Luís Filipe ou o intérieur
"A cabeça
Sobre o criado-mudo, como um ranúnculo
Repousa."
Baudelaire, Uma Mártir.
Sob Luís Filipe o homem privado adentra o palco da história. A ampliação
do sistema democrático graças a um novo direito de voto coincide com a corrupção
parlamentar, organizada por Guizot. Sob sua proteção, a classe dominante faz história
ao fazer seus negócios. Ela estimula a construção de ferrovias para melhorar seu capital
em ações. Apóia o poder de Luís Filipe como o reino do homem privado que administra
seus próprios negócios. Com a revolução de julho [de 1830], 22 a burguesia alcança os
objetivos de 1789 (Marx).
Para o homem privado, o espaço em que vive se opõe pela primeira vez ao
local de trabalho. O primeiro constitui-se com o intérieur. O escritório é seu
complemento. O homem privado, que no escritório presta contas à realidade, exige
que o intérieur o sustente em suas ilusões. Esta necessidade é tanto mais urgente quanto
menos ele cogita estender suas reflexões relativas aos negócios em forma de reflexões
sociais. Na configuração de seu mundo privado, reprime ambas. Disso originam-se as
fantasmagorias do intérieur. Este representa para o homem privado o universo. A' ele
reúne o longínquo e o passado. Seu salão é um camarote no teatro do mundo.
Excurso sobre o Jugendstil , 2i O abalo do intérieur dá-se na virada do século
com o Jugendstil. Na verdade, de acordo com sua ideologia, ele parece acarretar o
22 Nota w.b.
23 Sobre o Jugendstil, ver G°, 7 e o arquivo temático "S'\ sobretudo S 8a, 1 (w.b.; J.L.)
aperfeiçoamento do intérieur. A transfiguração da alma solitária parece ser seu objetivo.
O individualismo é sua teoria. Em Van de Velde, a casa aparece como expressão da
personalidade. O ornamento é, para esta casa, o que a assinatura representa para um
quadro. O verdadeiro significado do Jugendstil não encontra sua expressão nessa
ideologia. Ele representa a última tentativa de fuga da arte sitiada pela técnica em sua
torre de marfim. Ele mobiliza todas as reservas da interioridade. Estas encontram sua
expressão na linguagem mediúnica das linhas, na flor como símbolo da natureza nua,
vegetativa, que se contrapõe ao meio ambiente armado com a técnica. O Jugendstil se
interessa pelos novos elementos da construção de ferro, suas formas de sustentação.
Através do ornamento, procura recuperar estas formas para a arte. O concreto oferece-
lhe novas possibilidades de criação plástica na arquitetura. Por volta dessa época, o
escritório torna-se o verdadeiro centro de gravidade do espaço de vida. O homem
desrealizado constrói um refúgio no seu domicílio. O balanço do Jugendstil é feito pelo
Arquiteto Solness, de Ibsen: a tentativa do indivíduo de enfrentar a técnica, respaldado
pela sua interioridade, acaba levando-o à derrota . 24
"Creio em minha alma: a Coisa."
Léon Deubel, CEuvres, Paris, 1929, p. 193.
O intérieur é o refúgio da arte. O colecionador é o verdadeiro habitante do
intérieur. Ele se incumbe de transfigurar as coisas. Sobre ele recai a tarefa de Sísifo de
despir as coisas de seu caráter de mercadoria, uma vez que as possui. No entanto, ele
lhes confere apenas um valor afetivo, em vez do valor de uso. O colecionador sonha em
alcançar não apenas um mundo longínquo ou passado — porém, ao mesmo tempo
melhor, no qual os homens, na verdade, estão tão pouco providos daquilo de que
necessitam como no mundo cotidiano -, mas também um mundo em que as coisas
\ estão liberadas da obrigação de serem úteis.
O intérieur não apenas é o universo, mas também o invólucro do homem
privado. Habitar significa deixar rastros. No intérieur esses rastros são acentuados.
Inventam-se colchas e protetores, caixas e estojos em profusão, nos quais se imprimem
os rastros dos objetos de uso mais cotidiano. Também os rastros do morador ficam
impressos no intérieur. Surge a história de detetive que investiga esses rastros. A Filosofia
do Mobiliário, assim como suas novelas de detetive, apontam Poe como o primeiro
fisiognomonista do intérieur. Os criminosos dos primeiros romances policiais não são
gentlemen nem apaches, e sim pessoas privadas pertencentes à burguesia.
24 Na referida peça (1891) de Henrik Ibsen, o arquiteto cai do alto da torre que ele próprio construiu,
porque seu medo das alturas entra em conflito com sua ousadia técnica, (w.b.)
Paris, a capital do século XIX | <Exposé de 1935> ■ 47
V. Baudelaire ou as ruas de Paris
"Tudo para mim torna-se alegoria."
Baudelaire, Le Cygne . 25
O engenho de Baudelaire, que se alimenta da melancolia, é um engenho
alegórico. Com Baudelaire, pela primeira vez, Paris se torna objeto da poesia lírica.
Não é uma poesia que canta a cidade natal, ao contrário, é o olhar que o alegórico
lança sobre a cidade, o olhar do homem que se sente ali como um estranho. Trata-se
do olhar do flâneur, cujo modo de vida dissimula ainda com um halo conciliador o
futuro modo de vida sombrio dos habitantes da grande cidade. O flâneur encontra-se
ainda no limiar tanto da grande cidade quanto da classe burguesa. Nenhuma delas
ainda o subjugou. Em nenhuma delas sente-se em casa. Ele busca um asilo na multidão.
Em Engels e Poe, encontram-se as primeiras contribuições relativas à fisionomia da
multidão. A multidão é o véu através do qual a cidade familiar acena para o flâneur
como fantasmagoria. Nela, a cidade é ora paisagem, ora sala acolhedora. Ambas são
aproveitadas na configuração das lojas de departamentos, que tornam o próprio flanar
proveitoso para a circulação das mercadorias. A loja de departamentos é a última
passarela do flâneur.
Com o flâneur, a intelectualidade encaminha-se para o mercado. Como ela
pensa, é para olhá-lo, mas na verdade já o faz para encontrar um comprador. Nesse
estágio intermediário no qual ela ainda tem um mecenas, porém já começa a familiarizar-
se com o mercado, ela aparece como bohème. À indefinição de sua posição econômica
corresponde a indefinição de sua função política. Esta se expressa de modo mais palpável
entre os conspiradores profissionais, que pertencem de maneira geral à bohème. Seu
campo de trabalho inicial é o exército, mais tarde, será a pequena-burguesia,
ocasionalmente, o proletariado. Aquela camada social, todavia, considera os líderes
autênticos do proletariado como seus adversários. O Manifesto Comunista põe fim à
sua existência política. A poesia de Baudelaire extrai sua força do páthos rebelde dessa
camada social. Ele pende para o lado dos elementos associais. Sua única comunhão
sexual, ele a realiza com uma prostituta.
"Facilis descensus Averno."
Virgílio, Eneida . 26
O que é único na poesia de Baudelaire é o fato de que as imagens da mulher
e da morte se interpenetram com uma terceira imagem, a de Paris. A Paris de seus
poemas é uma cidade submersa, mais subaquática que subterrânea. Os elementos
ctônicos da cidade - sua formação topográfica, o antigo leito abandonado do Sena -
sem dúvida deixaram marcas em sua poesia. Entretanto, o aspecto decisivo em Baudelaire
é o substrato social, moderno, do “idílio fúnebre” da cidade. O moderno é um acento
25 Mantivemos o título original, para guardar o duplo sentido de "Cisne" e "Signo", (w.b.)
26 "É fácil descer o Averno." Virgílio, Eneida, VI, vol. 126. (R.T.)
capital de sua poesia. Como spleen, ele estilhaça o ideal (“Spleen e ideal”). Mas é
sempre a modernidade que cita a história primeva. Aqui isso se dá através da
ambigüidade própria das relações sociais e dos produtos dessa época. A ambigüidade
é a manifestação imagética da dialética, a lei da dialética na imobilidade. Esta
imobilidade é utopia e a imagem dialética, portanto, imagem onírica. Tal imagem é
dada pela mercadoria: como fetiche. Tal imagem é representada pelas passagens, que
são tanto casa quanto rua. Tal imagem é representa também pela prostituta, que é
vendedora e mercadoria numa só pessoa.
"Viajo para conhecer minha geografia."
Anotações de um louco
(Marcei Réja, L'Art Chez les Fous, Paris, 1907, p. 131.)
O último poema das Flores do Mal : “A Viagem”. “Ó Morte, velho capitão,
já é tempo! Levantemos a âncora!” A última viagem do flâneur: a morte. Seu destino:
o novo. “Ao fundo do desconhecido para encontrar o Novo!” O novo é uma qualidade
independente do valor de uso da mercadoria. É a origem da aparência que pertence
de modo inalienável às imagens produzidas pelo inconsciente coletivo. É a
quintessência da falsa consciência cujo agente infatigável é a moda. Essa aparência
do novo se reflete, como um espelho no outro, na aparência da repetição do sempre-
igual. O produto dessa reflexão é a fantasmagoria da “história cultural”, em que a
burguesia saboreia sua falsa consciência. A arte, que começa a duvidar de sua tarefa
e deixa de ser “inseparável da utilidade” (Baudelaire ), 27 precisa fazer do novo o seu
valor supremo. O arbiter novarum rerum ls torna-se para a arte o esnobe. Ele é para
a arte o que o dândi é para a moda. Assim como no século XVII a alegoria se torna
o cânone das imagens dialéticas, assim acontece no século XIX com a nouveauté. Os
jornais aliam-se aos magasins de nouveautés. A imprensa organiza o mercado de valores
espirituais provocando no primeiro momento uma alta. Os inconformados rebelam-se
contra a entrega da arte ao mercado. Agrupam-se sob a bandeira da “arte pela arte”.
Deste lema origina-se a concepção da obra de arte total, que tenta proteger a arte
contra o desenvolvimento da técnica. A solenidade com a qual esse culto é celebrado
encontra sua correspondência no divertimento que transfigura a mercadoria. Ambos
fazem abstração da existência social do ser humano. Baudelaire sucumbe à sedução
de Wagner.
27 Baudelaire, OC II, p. 27 ("Pierre Dupont"). (R.T.)
28 "0 árbitro das coisas novas", (w.b.)
Paris, a capital do século XIX | <Exposé de 1935> ■ 49
VI. Haussmann ou as barricadas
"Tenho o culto do Belo, do Bem, das grandes coisas,
Da bela natureza inspirando a grande arte,
Que ela encante o ouvido ou seduza o olhar;
Amo a primavera em flores: mulheres e rosas!"
(Baron Haussmann)
Confession d'un Lion Devenu Vieux A
"O reino florido das decorações
O encanto da paisagem, da arquitetura
E todos os efeitos do cenário repousam
Sobre a lei única da perspectiva."
Franz Bôhle, Theater-Katechismus, Munique, p. 74.
O ideal urbanístico de Haussmann eram as visões em perspectiva através de
longos traçados de ruas. Isso corresponde à tendência continuamente manifesta no século
XIX de enobrecer necessidades técnicas por meio de objetivos artísticos. As instituições
do poder laico e espiritual da burguesia deveriam encontrar sua apoteose no
enquadramento das avenidas; antes de sua conclusão, estas eram recobertas por lonas e
descerradas qual monumentos. - A eficiência de Haussmann insere-se no imperialismo
napoleônico. Este favorece o capital financeiro. Paris vive o auge da especulação. A atividade
especulativa nas bolsas supera as formas do jogo de azar herdadas da sociedade feudal.
As fantasmagorias do espaço, às quais se rende o flâneur, correspondem as fantasmagorias
do tempo, às quais se entrega o jogador. O jogo transforma o tempo em narcótico.
Lafargue explica o jogo como uma reprodução em miniatura dos mistérios da conjuntura. 30
As expropriações feitas por Haussmann fazem surgir uma especulação fraudulenta.
A jurisdição da Corte de Cassação, inspirada pela oposição burguesa e orleanista,
aumenta o risco financeiro da haussmannização.
Haussmann tenta reforçar sua ditadura, colocando Paris sob um regime de exceção.
Em 1 864, em um discurso na Câmara, expressa seu ódio pela população desenraizada
da grande cidade. Esta cresce constantemente devido aos próprios empreendimentos
de Haussmann. O aumento dos aluguéis impele o proletariado para os subúrbios.
Com isso, os bairros de Paris perdem sua fisionomia própria. Surge o “cinturão vermelho”
operário. Haussmann denomina a si mesmo de “artista demolidor”. Sentia-se
predestinado à sua obra, fato que enfatiza em suas memórias. Entretanto, provoca nos
parisienses estranhamento em relação à sua cidade. Nela não se sentem mais em casa.
Começam a tomar consciência do caráter desumano da grande cidade. A obra
monumental de Maxime Du Camp, Paris, deve seu nascimento a esta consciência. 31
As Jérémiades d’un Haussmannisé dão-lhe a forma de uma lamentação bíblica. 32
29 A edição (Paris, 1888) foi publicada anonimamente, sem indicação de tempo e lugar. (R.T.)
30 Cf. 0 4, 1 . (R.T.)
31 Maxime Du Camp, Paris: Ses Organes, ses Fonctions etsa Vie dans la Seconde Moitié du XIX e Siècle, 6
vols.. Paris, 1869-1875. (R.T.)
32 Anônimo, Paris Désert: Lamentations d'un Jérémie Haussmannisé, Paris, 1868.
A verdadeira finalidade dos trabalhos de Haussmann era proteger a cidade
contra a guerra civil. Queria tornar impossível para sempre a construção de barricadas
em Paris. Com a mesma intenção, Luís Filipe já introduzira o calçamento de madeira.
Mesmo assim, as barricadas desempenharam seu papel na revolução de fevereiro [de
1848]. 33 Engels trata dos problemas de tática nas lutas de barricadas. 34 Haussmann
pretende impedi-las de duas maneiras. A largura das ruas deve impossibilitar que
sejam erguidas barricadas, e novas ruas devem estabelecer o caminho mais curto entre
os quartéis e os bairros operários. Os contemporâneos batizam o empreendimento de
“embelezamento estratégico”.
"Mostra, desvendando teu ardil,
Ó república, a esses perversos,
Tua grande face de Medusa
Por entre rubros clarões."
Chanson d'Ouvriers Vers 1850 (Adolf Stahr,
Zwei Monate in Paris, Oldenburg, 1851, II, p. 199. ) 35
A barricada ressurge na Comuna, mais forte e mais protegida do que nunca.
Estende-se pelos grandes boulevards, atingindo muitas vezes a altura do primeiro
andar e escondendo trincheiras situadas atrás dela. Assim como o Manifesto Comunista
encerra a época dos conspiradores profissionais, também a Comuna põe fim à
fantasmagoria que domina o primeiro período do proletariado. Ela desfaz a ilusão
de que seria tarefa da revolução proletária concluir a obra de 1789 de mãos dadas
com a burguesia. Esta ilusão domina a época de 1831 a 1871, da insurreição de
Lyon até a Comuna. A burguesia nunca compartilhou desse erro. Sua luta contra os
direitos sociais do proletariado inicia-se já na Grande Revolução e coincide com o
movimento filantrópico que a encobre e que experimenta sua máxima expansão sob
Napoleão III. Durante seu reinado, surge a obra monumental deste movimento: Les
Ouvriers Européens, de Le Play. 36 Ao lado da posição encoberta da filantropia, a
burguesia sempre assumiu a posição aberta da luta de classes. Já em 1831, ela
reconhece no Journal des Débats: “Cada fabricante vive em sua fábrica como os donos
de plantações entre seus escravos.” Se foi a desgraça dos antigos levantes operários o
fato de nenhuma teoria lhes indicar o caminho, por outro lado, foi também a
condição da força imediata e do entusiasmo com que assumem a construção de uma
sociedade nova. Este entusiasmo, que atinge seu auge na Comuna, conquista
temporariamente para o operariado os melhores elementos da burguesia, mas no
fim leva-o a sujeitar-se a seus piores elementos. Rimbaud e Courbet posicionam-se
a favor da Comuna. O incêndio de Paris é o digno desfecho da obra de destruição de
Haussmann.
33 Nota w.b.
34 Cf. o excerto de Friedrich Engels em E la, 5. (R.T.)
35 Os versos são de Pierre Dupont, "Le Chant du Vote", Paris, 1850; cf. a, 7, 3. (R.T.; w.b.)
36 Frédéric Le Play, Les Ouvriers Européens: Ètudes sur les Travaux, la Vie Domestique et la Condition Morale
des Populations Ouvrières de 1’Europe, Précédées d‘un Exposé de la Méthode d'Observation, Paris,
1855. (R.T.)
Paris, a capital do século XIX 1 <Exposé de 1935> ■
"Meu bom pai esteve em Paris."
Karl Gutzkow: Briefe aus Paris, Leipzig, 1842, I, p. 58.
Balzac foi o primeiro a falar das ruínas da burguesia. 3 Mas apenas o
Surrealismo permitiu vê-las com os olhos livres. O desenvolvimento das torças
produtivas fez cair em ruínas os símbolos do desejo do século anterior, antes mesmo
que desmoronassem os monumentos que os representavam. No século XIX, esse
desenvolvimento emancipou da arte as formas de construção, assim como no século
XVI as ciências se libertaram da filosofia. O início é dado pela arquitetura enquanto
obra de engenharia. Segue-se a fotografia enquanto reprodução da natureza. A criação
imaginária prepara-se para tornar-se prática ao colocar-se como arte gráfica a serviço
da publicidade. No folhetim, a poesia submete-se à montagem. Todos esses produtos
estão prestes a oferecer-se ao mercado como mercadorias. Contudo hesitam ainda no
limiar. Desta época originam-se as passagens e os intérieurs, os pavilhões de exposição
e os panoramas. São resquícios de um mundo onírico. A utilização dos elementos do
sonho no despertar é o caso exemplar do pensamento dialético. Por isso, o pensamento
dialético é o órgão do despertar histórico. Cada época sonha não apenas a próxima,
mas ao sonhar, esforça-se em despertar. Traz em si mesma seu próprio fim e o desenvolve
— como Hcgel já o reconheceu — com astúcia. Com o abalo da economia de mercado,
começamos a reconhecer os monumentos da burguesia como ruínas antes mesmo de
seu desmoronamento.
37 Cf. C 2a, 8. (E/M)
PARIS, CAPITAL DO SÉCULO XIX
<Exposé de 1939>
Introdução 38
"A história, como Janus, tem duas faces: quer olhe o
passado, quer olhe o presente, eia vê as mesmas coisas."
Maxime Du Camp, Paris, VI, p. 315.
O objeto deste livro é uma ilusão expressa por Schopenhauer numa fórmula
segundo a qual para apreender a essência da história basta comparar Heródoto e o
jornal da manhã. 39 É a expressão da sensação de vertigem característica da concepção
que no século XIX se fazia da história. Corresponde a um ponto de vista que considera
o curso do mundo como uma série ilimitada de fatos congelados em forma de coisas.
O resíduo característico dessa concepção é o que se chamou “A História da Civilização”, 40
que faz o inventário das formas de vida e das criações da humanidade ponto a ponto.
As riquezas que se encontram assim colecionadas no tesouro da civilização aparecem
doravante identificadas para sempre. Essa concepção atribui pouca importância ao
fato de que devem não apenas sua existência como ainda sua transmissão a um esforço
constante da sociedade, esforço através do qual essas riquezas encontram-se, além do
mais, estranhamente alteradas. Nossa pesquisa procura mostrar como, em conseqüência
dessa representação coisificada da civilização, as formas de vida nova e as novas criações
de base econômica e técnica, que devemos ao século X3X, entram no universo de uma
fantasmagoria. Tais criações sofrem essa “iluminação” não somente de maneira teórica,
por uma transposição ideológica, mas também na imediatez da presença sensível.
Manifestam-se enquanto fantasmagorias. Assim apresentam-se as “passagens”, primeiras
38 Da "Introdução" e da "Conclusão" deste exposé, escrito em francês, existe uma versão alemã, reproduzida
em G5 V, 1255-1258, e que foi consultada na tradução destes dois textos, (w.b.)
39 Como fonte desta fórmula, Benjamin cita Rémy de Gourmont; cf. S la, 2. (R.T.)
40 "Kulturqeschichte", na versão alemã deste texto (GS V, 1255). (w.b.)
y§ m ^3SSêOe:~:S
formas de aplicação da construção em ferro; assim apresentam-se as exposições universais,
cujo acoplamento à indústria de entretenimento é significativo; na mesma ordem de
fenômenos, a experiência do flâneur, que se abandona às fantasmagorias do mercado.
A essas fantasmagorias do mercado, nas quais os homens aparecem somente sob seus
aspectos típicos, correspondem as do interior, que se devem à inclinação imperiosa do
homem a deixar nos cômodos em que habita a marca de sua existência individual
privada. Quanto à fantasmagoria da própria civilização, encontrou seu campeão em
Haussmann e sua expressão manifesta nas transformações que ele realizou em Paris. —
Esse brilho, entretanto, e esse esplendor com os quais se cerca a sociedade produtora
de mercadorias, e o sentimento ilusório de sua segurança não estão ao abrigo de ameaças;
é o que lhe vêm lembrar a derrocada do Segundo Império e a Comuna de Paris. Na
mesma época, o adversário mais temido dessa sociedade, Blanqui, revelou, no seu
último escrito, 41 os traços terríveis dessa fantasmagoria. Nesse texto, a humanidade
figura como condenada. Tudo o que ela poderá esperar de novo revelar-se-á como
uma realidade desde sempre presente; e este novo será tão pouco capaz de lhe
proporcionar uma solução liberadora, quanto uma nova moda é capaz de renovar a
sociedade. A especulação cósmica de Blanqui comporta o ensinamento segundo o
qual a humanidade será tomada por uma angústia mítica enquanto a fantasmagoria aí
ocupar um lugar.
A. Fourier ou as passagens
I
"Desses palácios as colunas mágicas
Ao amador mostram por todo lado
Nos objetos que seus pórticos exibem
Que a indústria é rival das artes.”
Nouveaux Tableaux de Paris, Paris, 1828, I, p. 27.
A maioria das passagens de Paris foi construída nos quinze anos após 1822.
A primeira condição para seu aparecimento é a conjuntura favorável do comércio têxtil.
Os magasins de nouveautes, os primeiros estabelecimentos a manter grandes estoques
de mercadorias, começam a aparecer. São os precursores das lojas de departamentos.
É a essa epoca que Balzac faz alusão quando escreve: l O grande poema das vitrines
canta suas estrofes coloridas da Madeleine à Porte Saint-Denis.” As passagens são
centros de mercadorias de luxo. Para expô-las, a arte põe-se a serviço do comerciante.
Os contemporâneos não se cansam de admirá-las. Durante muito tempo permanecerão
uma atração para os turistas. Um Guia Ilustrado de Paris diz: '"Estas passagens, uma
recente invenção do luxo industrial, são galerias cobertas de vidro e com paredes
revestidas de mármore, que atravessam quarteirões inteiros, cujos proprietários se
uniram para esse tipo de especulação. Em ambos os lados dessas galerias, que recebem a
41 Auguste Blanqui, CÉternité par les Astres: Hypothèse Astronomique, Paris, 1872. (R.T.)
Paris, capital do século XIX | <Exposé de 1939> ■ 55
luz do alto, alinham-se as lojas mais elegantes, de modo que tal passagem é uma cidade,
um mundo em miniatura.” Foi nas passagens que se realizaram as primeiras experiências
com a iluminação a gás.
A segunda condição exigida para o desenvolvimento das passagens deve-se
ao início da construção metálica. Sob o Império, essa técnica era considerada uma
contribuição para renovar a arquitetura no sentido do classicismo grego. Boetticher, o
teórico da arquitetura, expressa o sentimento geral quando diz que: "quanto às formas
de arte do novo sistema, o estilo helénico” deve entrar em vigor. O estilo Empire é o
estilo do terrorismo revolucionário para o qual o Estado é um fim cm si. Assim como
Napoleão não compreendeu a natureza funcional do Estado como instrumento de
poder para a burguesia, tampouco arquitetos de sua época compreenderam a natureza
funcional do ferro, com o qual o princípio construtivo se torna preponderante na
arquitetura. Esses arquitetos constroem suportes imitando a coluna pompeana, fábricas
imitando residências, assim como mais tarde as primeiras estações pareciam chalés.
A construção desempenha o papel do subconsciente. Apesar disso, o conceito de
engenheiro, que data das guerras da revolução, começa a se afirmar, e é o início das
rivalidades entre o construtor e o decorador, entre a École Polytechnique e a Ecole des
Beaux-Arts. - Pela primeira vez, desde os romanos, surge um novo material de construção
artificial, o ferro. Ele vai passar por uma evolução cujo ritmo se acelera ao longo do
século, e recebe um impulso decisivo no dia em que se constata que a locomotiva -
objeto dos mais diversos experimentos desde os anos 1828-1829 — não funciona
adequadamente senão sobre trilhos de ferro. O trilho aparece como a primeira peça
montada em ferro, precursor da viga. Evita-se o emprego do ferro nos imóveis e seu
uso é encorajado nas passagens, nos pavilhões de exposições, nas estações de trem —
todas elas construções visando fins transitórios.
n
"Nada de surpreendente no fato de que todo interesse
de massa ultrapasse de longe seus verdadeiros limites,
na idéia ou na representação que fazemos, quando
ocupa a cena pela primeira vez."
Marx e Engels, A Sagrada Família .* 2
O impulso mais profundo da utopia fourierista veio do surgimento das
máquinas. O falanstério devia reconduzir os homens a um sistema de relações no qual
a moralidade não tinha mais nada a fazer. Nero se tornaria nele um membro mais util
à sociedade que Fénelon. Fourier nao pretende, para tanto, pautar-se pela virtude,
mas por um funcionamento eficaz da sociedade cujas forças motoras são as paixões.
Pelas engrenagens das paixões, pela combinação complexa das paixões mecanistas com
a paixão cabalista, Fourier considera a psicologia coletiva como um mecanismo de
relojoaria. A harmonia fourierista é o produto necessário desse jogo combinado.
42 Karl Marx e Friedrich Engels, MEW, vol. II, Berlim, 1957, p. 85. (R.T.)
56 ■
Fourier introduz no mundo de formas austeras do Império o idílio colorido
do estilo dos anos 1830. Cria um sistema onde se misturam os produtos de sua visão
colorida e de sua idiossincrasia com os algarismos. As “harmonias” de Fourier não
invocam de maneira alguma uma mística dos números extraída de uma tradição
qualquer. São decorrência de seus próprios decretos: elucubrações de uma imaginação
organizadora que, nele, era extremamente desenvolvida. Assim ele previu a significação
dos encontros para os citadinos. O dia dos habitantes do falanstério organiza-se não
em suas casas, mas em grandes salas semelhantes aos saguões da Bolsa, onde os
encontros são arranjados por corretores.
Nas passagens, Fourier viu o cânone arquitetônico do falanstério. É o que
acentua o caráter Empire de sua utopia, que o próprio Fourier reconhece ingenuamente:
“O Estado societário será desde o início tanto mais brilhante quanto foi por muito
tempo preterido. A Grécia, na época de Sólon e Péricles, já poderia tê-lo criado.” 43
As passagens que se destinaram inicialmente a fins comerciais tornam-se, com Fourier,
residências. O falanstério é uma cidade feita de passagens. Nessa “cidade de passagens”,
a construção do engenheiro tem aparência de fantasmagoria. A “cidade de passagens”
é um sonho que deleitará o olhar dos parisienses até a segunda metade do século
adentro. Ainda em 1869, as “ruas galerias” de Fourier fornecem o traçado da utopia de
Moilin, Paris en l’An 2000 P A cidade adota aí uma estrutura que faz dela, com suas
lojas e seus apartamentos, o cenário ideal para o flâneur.
Marx se posiciona contra Cari Grün para defender Fourier e valorizar sua
concepção colossal do ser humano”. 45 Considerava Fourier o único homem, ao lado
de Fíegel, que trouxera à luz a mediocridade essencial do pequeno-burguês. À superação
sistemática desse tipo em Hegel corresponde, em Fourier, seu aniquilamento através
do humor. Um dos traços mais notáveis da utopia fourierista é que a idéia da exploração
da natureza pelo homem, tão difundida na época posterior, lhe é estranha. A técnica
se apresenta a Fourier muito mais como a fagulha que ateia fogo à pólvora da natureza.
Talvez esteja aí a chave de sua representação bizarra, segundo a qual o falanstério se
propagaria por explosão”. A concepção posterior da exploração da natureza pelo homem
é o reflexo da exploração real do homem pelos proprietários dos meios de produção.
Se a integração da tecmca na vida social fracassou, a culpa se deve a essa exploração.
43 Armand et Maublanc, Fourier, Paris, 1937, I, pp. 261-262; cf. W 13, 4. (J.L.; w.b.)
^Tony Moilin, Paris en l'An 2000, Paris, 1869; cf. C 5a, 3. (J.L.)
45 Para evitar a redundância de notas às citações que se repetem neste exposé de 1 939, remetemos o leitor
para as notas correspondentes do exposé de 1935. (w.b.)
Paris, capital do século XIX | <Exposé de 1939> ■ 57
B. Grandville ou as exposições universais
I
"Sim, quando o mundo todo, de Paris à China,
Ó divino Saint-Simon, aceitar a tua doutrina,
A idade de ouro há de renascer com todo seu esplendor,
Os rios rolarão chá e chocolate;
Saltarão na planície os carneiros já assados,
E os linguados grelhados nadarão no Sena;
Os espinafres virão ao mundo já guisados,
Com pães torrados dispostos ao redor;
As árvores produzirão frutas em compota
E se colherão temperos e verduras;
Nevará vinho, choverá galetos,
E do céu cairão patos ao nabo."
Langlé et Vanderburch, Louis Bronze et le Saint-Simonien
(Théâtre du Palais-Royal, 27 février 1832)
As exposições universais são os centros de peregrinação ao fetiche mercadoria.
“A Europa se deslocou para ver mercadorias”, afirma Taine, em 1855- As exposições
universais tiveram como precursoras exposições nacionais da indústria, a primeira delas
aconteceu em 1798, no Campo de Marte. Ela nasceu do desejo de “divertir as classes
laboriosas e torna-se para estas uma festa de emancipação . Os trabalhadores formarão
a primeira clientela. O quadro da indústria de entretenimento ainda não se constituíra.
Este quadro, é a festa popular que o fornece. O celebre discurso de Chaptal sobre a
indústria abre essa exposição. - Os saint-simonianos, que projetam a industrialização
do planeta, se apropriam da idéia das exposições universais. Chevalier, a primeira
autoridade nesse novo domínio, é um discípulo de Enfantin e redator do jornal saint-
simoniano Le Globe. Os saint-simonianos previram o desenvolvimento da indústria
mundial, mas não a luta de classes. Eis por que, apesar de sua participação em todos
os empreendimentos industriais e comerciais, por volta da metade do século, deve-se
constatar sua impotência nas questões relativas ao proletariado.
As exposições universais idealizam o valor de troca das mercadorias. Criam
um quadro no qual seu valor de uso passa a segundo plano. As exposições universais
constituíram uma escola onde as multidões, forçosamente afastadas do consumo, se
imbuíram do valor de troca das mercadorias a ponto de se identificarem com ele: É
proibido tocar nos objetos expostos.” Assim, elas dão acesso a uma fantasmagoria
onde o homem entra para se deixar distrair. No interior das diversões, as quais o
indivíduo se entrega, no quadro da indústria de entretenimento, resta constantemente
um elemento que compõe uma massa compacta. Essa massa se deleita nos parques de
diversões com as montanhas russas, os “cavalos mecânicos”, os “bichos-da-seda”, numa
atitude claramente reacionária. Ela se deixa levar assim a uma submissão com a qual
deve poder contar tanto a propaganda industrial quanto a política. - A entronização
da mercadoria e o esplendor das distrações que a rodeiam, eis o tema secreto da arte de
5$ ■ Passagens
Grandville. Daí a disparidade entre seu elemento utópico e seu elemento cínico. Seus
artifícios sutis na representação de objetos inanimados correspondem ao que Marx
chama de “argúcias teológicas” da mercadoria. Sua expressão concreta manifesta-se
claramente na spécialité — uma designação de mercadoria que surge nessa época na
indústria de luxo. As exposições universais constroem um mundo feito de
“especialidades”. As fantasias de Grandville realizam a mesma coisa. Elas modernizam
o universo. O anel de Saturno torna-se para ele um balcão em ferro fundido, onde os
habitantes de Saturno tomam ar ao cair da noite. Assim também um balcão em ferro
fundido representaria, na exposição universal, o anel de Saturno, e aqueles que ali
entram se veriam levados numa fantasmagoria em que se sentiriam transformados em
habitantes de Saturno. O correspondente literário dessa utopia gráfica é a obra do
sábio fourierista Toussenel. Toussenel era encarregado da seção de ciências naturais
num jornal de moda. Sua zoologia dispõe o mundo animal sob o cetro da moda.
Considera a mulher como mediadora entre o homem e os animais. Ela é, de algum
modo, a decoradora do mundo animal que, em troca, coloca a seus pés suas plumas e
suas peles. “Não há prazer maior para o leão que o de lhe cortarem as unhas, contanto
que uma moça bonita segure a tesoura.” 46
II
"A Moda: Senhora Morte! Senhora Morte!
Leopardi, Diálogo entre a Moda e a Morte.
A moda prescreve o ritual segundo o qual o fetiche, que é a mercadoria,
deseja ser adorado. Grandville estende a autoridade da moda sobre os objetos de uso
diário tanto quanto sobre o cosmos. Levando-a até os extremos, ele revela sua natureza.
Ela acopla o corpo vivo ao mundo inorgânico. Face ao vivo, ela faz valer os direitos do
cadáver. O fetichismo que está assim submetido ao sex appeal do inorgânico é seu
nervo vital. As fantasias de Grandville correspondem a esse espírito da moda, que
Apollinaire mais tarde descreveu com esta imagem: “Todas as matérias dos diferentes
reinos da natureza podem agora entrar na composição da roupa da mulher. Vi um
vestido encantador feito de rolha de cortiça... A porcelana, o grez e a louça irromperam
bruscamente na arte da vestimenta... Fazem-se sapatos de vidro de Veneza e chapéus
de cristal de Baccarat .” 47
46 Alphonse Toussenel, Le Monde des Oiseaux: Ornithologie Passionnelle, vol. 1 , Paris, 1 853, p. 20; cf . W
8a, 2. (E/M)
47
Guillaume Apollinaire, Le Poète Assassine, Paris, 1927, pp. 75-76. (R.T.)
Paris, capital do século XIX | <Exposé de 1939> ■ 59
C. Luís Filipe ou o intérieur
I
"Creio em minha alma: a Coisa."
Léon Deubel, CEuvres, Paris, 1929, p. 193.
No reinado de Luís Filipe, o homem privado faz sua entrada na história. Para
o homem privado, os locais de habitação encontram-se, pela primeira vez, em oposição
aos locais de trabalho. Aqueles constituem o intérieur, o escritório é seu complemento.
(Este, por seu lado, se distingue nitidamente do estabelecimento comercial que por
seus globos, seus mapas murais, suas balaustradas, se apresenta como uma sobievivencia
de formas barrocas anteriores à residência.) O homem privado que, em seu escritório,
presta contas à realidade, deseja ser sustentado em suas ilusões pelo seu intérieur. Essa
necessidade é tão imperativa que ele não pensa em inserir em seus interesses de negócios
uma clara consciência de sua função social. Na organização de seu círculo privado, ele
recalca essas duas preocupações. Daí derivam as fantasmagorias do intérieur. este
representa para o homem privado o universo. Ai ele reune as regiões longínquas e as
lembranças do passado. Seu salão é um camarote no teatro do mundo.
O interior é o asilo onde se refugia a arte. O colecionador se torna o verdadeiro
ocupante do interior. Seu ofício é a idealização dos objetos. A ele cabe esta tarefa de Sísifo
de retirar das coisas, já que as possui, seu caráter de mercadoria. Mas não poderia lhes
conferir senão o valor que têm para o amador, em vez do seu valor de uso. O colecionador
se compraz em suscitar um mundo não apenas longínquo e extinto, mas, ao mesmo
tempo melhor, um mundo em que o homem, na realidade, e tão pouco provido daquilo
de que necessita como no mundo real, mas em que as coisas estão liberadas da servidão
de serem úteis.
II
"A cabeça
Sobre o criado-mudo, como um ranúnculo
Repousa."
Baudelaire, Uma Mártir.
O interior não é apenas o universo do homem privado, e também seu estojo.
Desde Luís Filipe, encontra-se no burguês esta tendencia de indenizar-se da ausência
66 ■ Passagens
de rastros da vida privada na grande cidade. Essa compensação, ele tenta encontrá-la
entre as quatro paredes de seu apartamento. Tudo se passa como se fosse uma questão
de honra não deixar se perderem os rastros de seus objetos de uso e de seus acessórios.
Infatigável, preserva as impressões de uma multidão de objetos; para seus chinelos e
seus relógios, seus talheres e seus guarda-chuvas, imagina capas e estojos. Tem uma
clara preferência pelo veludo e a pelúcia que conservam a marca de todo contato.
No estilo do Segundo Império, o apartamento torna-se uma espécie de habitáculo.
Os vestígios de seu habitante moldam-se no intérieur. Daí nasce o romance policial
que pesquisa esses vestígios e segue essas pistas. A Filosofia da Mobília 48 e os “romances
policiais” de Edgar Poe fazem dele o primeiro fisiognomonista do interior. Os criminosos,
nas primeiras narrativas policiais ( The Black Cat, The Tell-Tale Heart, William Wilson),
não são nem cavalheiros nem marginais, e sim pessoas privadas pertencentes à burguesia.
III
"Esta procura por meu lar... foi minha provação...
Onde fica - meu lar? Pergunto por isto,
procuro e procurei, nada encontrei."
Nietzsche, Assim Falava Zaratustra , 49
A liquidação do intérieur teve lugar nos últimos lustros do século, motivada
pelo modem style, mas estava preparada de longa data. A arte do intérieur era uma arte
de gênero. O Jugendstil anuncia seu fim. Ergue-se contra a pretensão do gênero em
nome de um mal do século, de uma aspiração de braços sempre abertos. O Jugendstil,
pela primeira vez, leva em conta certas formas tectônicas. Esforça-se ao mesmo tempo
em retirá-las de suas relações funcionais e apresentá-las como constantes naturais: em
suma, esforça-se em estilizá-las. Os novos elementos da construção em ferro e, em
particular, a forma do “suporte” retêm a atenção do Jugendstil. No domínio da
ornamentação, procura integrar essas formas à arte. O concreto põe à sua disposição
novas virtualidades em arquitetura. Em Van de Velde, a casa se apresenta como a
expressão plástica da personalidade . 50 O motivo ornamental desempenha nessa casa o
papel da assinatura no quadro. Ele se compraz em falar uma linguagem linear de
caráter mediúnico, onde a flor, símbolo da vida vegetativa, insinua-se nas próprias
linhas da construção. (A linha curva do Jugendstil surge desde o título das Flores do
Mal. Uma espécie de guirlanda marca o enlace das Flores do Mal, passando pelas
“almas das flores” de Odilon Redon até o “fazer catléia” de Swann. 51 ) - Como havia
previsto Fourier, é cada vez mais nos escritórios e centros de negócios que se deve
48 Edgar Allan Poe, "Philosophy of Furníture". (w.b.)
49 In: Friedrich Nietzsche, Werke in drei Bànden, ed. org. por Karl Schlechta, vol. 2, Munique, 1955,
p. 511. (R.T.)
50 0 arquiteto belga Henri Van de Velde (1863-1957) exerceu uma forte influência sobre o Jugendstil.
A passagem acima refere-se à casa construída por ele em Uccle, em 1895. (J.L.)
51 Marcei Proust, Du Côté de Chez Swann, A expressão "faíre catleya" é o eufemismo de Swann para
significar "fazer amor". (E/M)
Paris, capital do século XIX | <Exposé de 1939> ■ 61
procurar o verdadeiro quadro da vida do cidadão. O quadro fictício de sua vida se
constitui na casa particular. É assim que O Arquiteto Solness resume o Jugendstil'. a
tentativa do indivíduo de rivalizar com a técnica, apoiando-se na sua interioridade,
leva-o à perdição: o arquiteto Solness morre, caindo do alto de sua própria torre.
D. Baudelaire ou as ruas de Paris
I
"Tudo para mim torna-se alegoria."
Baudelaire, Le Cygne.
O engenho de Baudelaire, cujo alimento é a melancolia, é um engenho
alegórico. Pela primeira vez, em Baudelaire, Paris torna-se objeto de poesia lírica. Essa
poesia local vai de encontro a qualquer poesia regional. O olhar que o engenho alegórico
lança sobre a cidade expressa bem mais o sentimento de uma profunda alienação. E o
olhar do flâneur, cujo gênero de vida dissimula, por trás de uma miragem benfazeja, a
miséria dos futuros habitantes de nossas metrópoles. O flâneur procura refúgio na
multidão. A multidão é o véu através do qual a cidade familiar se transforma, para o
flâneur, em fantasmagoria. Essa fantasmagoria, em que a cidade aparece ora como
paisagem, ora como aposento, parece ter inspirado a decoração das lojas de
departamentos que põem, assim, a própria flânerie a serviço de seus negócios. De
qualquer forma, as lojas de departamentos são a última paragem da flânerie.
Na figura do flâneur a intelectualidade familiariza-se com o mercado. Para lá
encaminha-se o flâneur, pensando dar apenas uma volta; mas, na verdade, é para
encontrar um comprador. Nessa etapa intermediária, quando a intelectualidade tem
ainda mecenas, mas já começa a se curvar às exigências do mercado (na forma de
folhetim), ele constitui a boheme. À indeterminação de sua posição econômica
corresponde a ambigüidade de sua função política. Esta se manifesta com muita
evidência nas figuras dos conspiradores profissionais que se recrutam na boheme. Blanqui
é o representante mais notável dessa categoria. Ninguém teve, no século XIX, uma
autoridade revolucionária comparável à sua. A imagem de Blanqui passa como um
raio nas "Litanias de Satã ”. 52 Isso não impede que a rebelião de Baudelaire tenha
guardado sempre o caráter do homem associai: ela não tem saída. A única comunhão
sexual em sua vida, ele a realiza com uma prostituta.
52 "Les Litanies de Satan", poema das Flores do Mal, de Baudelaire. (w.b.)
62 ■ Passagens
n
"Nenhum traço distinguia esse gêmeo centenário,
vindo do mesmo inferno."
Baudelaire, Os Sete Velhos.
O flâneur representa o arauto do mercado. Nesta qualidade ele é ao mesmo
tempo o explorador da multidão. A multidão desperta no homem que a ela se entrega
uma espécie de embriaguez acompanhada de ilusões muito particulares, de tal modo
que ele se gaba, vendo o passante levado pela multidão, de tê-lo classificado a partir de
seu exterior, de tê-lo reconhecido em todas as dobras de sua alma. As fisiologias
contemporâneas são fartas em documentos sobre essa singular concepção. A obra de
Balzac fornece excelentes documentos desse tipo. Os caracteres típicos reconhecidos
entre os transeuntes impactam a tal ponto os sentidos que não surpreende que suscitem
a curiosidade de apreender-se, para além deles, a singularidade especial do sujeito.
Mas o pesadelo que corresponde à perspicácia ilusória do fisiognomonista, de que
falamos, é ver esses traços distintivos, particulares ao sujeito, revelarem-se, por sua vez,
apenas como os elementos constituintes de um tipo novo, de tal modo que, afinal de
contas, a individualidade melhor definida acabaria sendo o exemplar de um tipo. É aí
que se manifesta, no coração da flânerie, uma fantasmagoria angustiante. Baudelaire
desenvolveu-a com grande vigor em “Os Sete Velhos”. Trata-se, nesse poema, do
aparecimento sete vezes reiterado de um velho de aspecto repugnante. O indivíduo
que é assim apresentado na sua multiplicação, como sempre o mesmo, testemunha a
angustia do cidadão de não mais poder, apesar da expressão de suas singularidades
mais excêntricas, romper o circulo mágico do tipo. Baudelaire qualifica o aspecto
dessa procissão de infernal. Mas o novo que ele espreitou durante toda sua vida não é
feito de outra matéria que não dessa fantasmagoria do “sempre-igual”. (A prova que
pode ser apresentada de que essa poesia transcreve os sonhos de um viciado em haxixe
não invalida em nada esta interpretação.)
III
“No fundo do desconhecido em busca do novoV
Baudelaire, A Viagem.
A chave da forma alegórica em Baudelaire é solidária da significação específica
que a mercadoria adquire devido a seu preço. Ao aviltamento das coisas por meio do
seu significado, que é característico da alegoria do século XVII, corresponde o
aviltamento singular das coisas por meio do seu preço, enquanto mercadoria. Esse
aviltamento que sofrem as coisas pelo fato de poderem ser taxadas como mercadorias é
Paris, capital do século XIX | <Exposé de 1939> ■ 63
contrabalanceado em Baudelaire pelo valor inestimável da novidade. A novidade
representa esse absoluto que não é mais acessível a nenhuma interpretação nem a
nenhuma comparação. Ela se torna o último refugio da arte. O último poema das
Flores do Mal, “A Viagem”: “Ó Morte, velho capitão, já é tempo! Levantemos a ancora! ’
A última viagem do flâneur: a Morte. Seu objetivo: o Novo. O novo é uma qualidade
independente do valor de uso da mercadoria. Está na origem dessa ilusão cuja infatigável
provedora é a moda. Que a última linha de resistência da arte coincidisse com a linha
de ataque mais avançada da mercadoria, isso deve ter escapado a Baudelaire.
“Spleen e Ideal” — no título deste primeiro ciclo das Flores do Mal, a palavra
estrangeira mais velha da língua francesa foi acoplada à mais recente. 53 Para Baudelaire
não há contradição entre os dois conceitos. Reconhece no spleen a última em data das
transfigurações do ideal, sendo que o ideal lhe parece a primeira em data das expressões
do spleen. Nesse título, em que o supremamente novo é apresentado ao leitor como
um “supremamente antigo”, Baudelaire deu a forma mais vigorosa a seu conceito do
moderno. Sua teoria da arte tem inteiramente como eixo a “beleza moderna”, sendo
que o critério da modernidade lhe parece ser este: ela é marcada pelo selo da fatalidade
de ser um dia antigiiidade, e o revela àquele que é testemunha de seu nascimento. Eis
a quintessência do imprevisto que vale para Baudelaire como uma qualidade inalienável
do belo. A face da própria modernidade nos fulmina com um olhar imemorial. Assim
é o olhar da Medusa para os gregos.
E. Haussmann ou as barricadas
I
"Tenho o culto do Belo, do Bem, das grandes coisas,
Da bela natureza inspirando a grande arte,
Que ela encante o ouvido ou seduza o olhar;
Amo a primavera em flores: mulheres e rosas!"
(Baron Haussmann) Confession d'un Lion Devenu Vieux.
A atividade de Haussmann incorpora-se ao imperialismo napoleônico que
favorece o capitalismo financeiro. Em Paris, a especulação está no seu apogeu.
As expropriações de Haussmann suscitam uma especulação que beira a trapaça.
As sentenças da Corte de Cassação, inspiradas pela oposição burguesa e orleanista,
aumentam os riscos financeiros da haussmannização. Haussmann tenta reforçar sua
ditadura, colocando Paris sob um regime de exceção. Em 1864, num discurso na
Câmara, ele dá livre curso a seu ódio contra a população instável das grandes cidades.
Essa população aumenta constantemente devido a seus empreendimentos. A alta
53 A palavra inglesa spleen foi incorporada à língua francesa em 1 745; a palavra idéal (do latim idealis), em
1578, (E/M)
gi ■ Passage-s
dos aluguéis expulsa o proletariado para os subúrbios. Por isso os bairros de Paris
perdem sua fisionomia própria. Constitui-se o “cinturão vermelho operário.
Haussmann deu a si mesmo o título de “artista demolidor”. Sentiu que tinha vocaçao
para a obra que havia empreendido e acentua esse fato em suas memórias. Os mercados
centrais (La Halles) são considerados a construção de maior sucesso de Haussmann e
há aí um sintoma interessante. Dizia-se da Cité, berço da cidade que depois da
passagem de Haussmann só restou uma igreja, um hospital, um edifício pu ico e
uma caserna. Hugo e Mérimée dão a entender o quanto as transformações de
Haussmann eram vistas pelos parisienses como um monumento do despotismo
napoleônico. Os moradores da cidade não se sentem mais em casa; começarn a ter
consciência do caráter desumano da cidade grande. A obra monumental de Max.me
du Camp, Parts, deve sua existência a essa tomada de consciência, s gravuras e
Meryon (por volta de 1850) constituem a máscara mortuária da velha Paris.
A verdadeira finalidade dos trabalhos de Haussmann era proteger-se contra
a eventualidade de uma guerra civil. Queria tornar para sempre impossível a construção
de barricadas nas ruas de Paris. Com a mesma intenção, Luís Filipe já introduzira o
calçamento de madeira. Mesmo assim, as barricadas desempenharam um pape
considerável na revolução de fevereiro [de 1848].* Engels tratou dos problemas de
tática nas lutas de barricadas. Haussmann procura preveni-los de dois modos. A largura
das ruas tornará impossível a construção de barricadas, e novas vias ligarao em linha
direta as casernas aos bairros operários. Os ^contemporâneos batizaram seu
empreendimento de “ embelezamento estratégico .
"O reino florido das decorações
O encanto da paisagem, da arquitetura
E todos os efeitos do cenário repousam
Sobre a lei única da perspectiva."
Franz Bõhle, Theater-Katechismus, Munique, p. 74.
O ideal urbanístico de Haussmann eram as perspectivas sobre as quais se
abrem longas fileiras de ruas. Esse ideal corresponde à tendência, corren te no século
XIX, de enobrecer as necessidades técnicas com pseudofinafidades artísticas. Os templos
do poder espiritual e secular da burguesia deviam encontrar sua apoteose no
enquadramento das fileiras de ruas. Dissimulavam-se essas perspectivas, antes da
inauguração, por uma tela que se levantava como se descobre um monumento, e a
vista se abria então sobre uma igreja, uma estação, uma estátua eqüestre ou qualquer
outro símbolo da civilização. Na haussmannização de Paris a fantasmagoria se fez
pedra. Como é destinada a uma espécie de perenidade, deixa entrever ao mesmo tempo
54 Nota w.b.
Paris, capital do século XIX | <Exposé de 1939> ■ 65
seu caráter tênue. A Avenue de 1’Opéra que, segundo a expressão maliciosa da época,
abre a perspectiva do cubículo da zeladora do Hôtel du Louvre, deixa ver com quão
pouco se contentava a megalomania do prefeito.
III
"Mostra, desvendando teu ardil,
Ó república, a esses perversos.
Tua grande face de Medusa
Por entre rubros clarões."
Chanson dVuvríers Vers 1850 (Adolf Stahr,
Zwei Monate in Paris, Oldenburg, 1851, II, p. 199.)
A barricada foi ressuscitada pela Comuna. Mais forte e melhor concebida
que nunca. Ela barra os grandes boulevards , ergue-se muitas vezes à altura do primeiro
andar e esconde as trincheiras que ela protege. Assim como o Manifesto Comunista
fecha a era dos conspiradores profissionais, também a Comuna põe fim à fantasmagoria
que domina as primeiras aspirações do proletariado. Graças a ela, dissipa-se a ilusão de
que a tarefa da revolução proletária seria a de concluir a obra de 89, em estreita
colaboração com a burguesia. Essa quimera havia marcado o período de 1831 a 1871,
desde os motins de Lyon até a Comuna. A burguesia nunca partilhou desse erro. Sua
luta contra os direitos sociais do proletariado é tão velha quanto a Grande Revolução.
Ela coincide com o movimento filantrópico que a oculta e que teve seu pleno desabrochar
sob Napoleão III. Durante seu governo, surgiu a obra monumental desse movimento:
o livro de Le Play, Les Ouvriers Européens.
Ao lado da posição aberta da filantropia, a burguesia sempre assumiu a posição
encoberta da luta de classes. 55 Desde 1831, ela reconhece no Journal des Débats: “Todo
manufatureiro vive na sua manufatura como os proprietários das plantações entre seus
escravos.” Se foi fatal para os antigos motins operários que nenhuma teoria da revolução
lhe tenha mostrado o caminho, é também, por outro lado, a condição necessária da
força imediata e do entusiasmo com o qual eles se lançam à construção de uma sociedade
nova. Esse entusiasmo, que atinge seu paroxismo na Comuna, ganhou, às vezes, à
causa operária os melhores elementos da burguesia, mas levou finalmente os operários
a sucumbirem diante de seus elementos mais vis. Rimbaud e Courbet se posicionaram
ao lado da Comuna. O incêndio de Paris é o digno acabamento da obra de destruição
do Barão de Haussmann.
55 Inversão dos termos do exposé de 1935; cf. o último parágrafo daquele texto, (w.b.)
fá u Passagers
Conclusão
"Homens do século XIX, a hora de nossas aparições
está fixada
para sempre e nos faz voltar sempre os mesmos."
Auguste Blanqui, UÉternité par les Astres, Paris, 1872, pp.
74 - 75 .
Durante a Comuna, Blanqui foi mantido preso no forte do Taureau. Foi ali
que escreveu sua Eternité par les Astres. Esse livro completa a constelação das
fantasmagorias do século com uma última fantasmagoria, de caráter cósmico, que
implicitamente compreende a crítica mais acerba a todas as outras. As reflexões ingênuas
de um autodidata, que formam a parte principal desse escrito, abrem caminho a uma
especulação que desmente de forma cruel o ímpeto revolucionário do autor. A concepção
do universo, desenvolvida por Blanqui nesse livro, e cujos dados ele toma de empréstimo
às ciências naturais mecanicistas, mostra-se como uma visão do inferno. É, além do
mais, o complemento dessa sociedade, cujo triunfo sobre ele mesmo Blanqui foi
obrigado a reconhecer no fim de sua vida. O que faz a ironia desse esboço, ironia
oculta sem dúvida ao próprio autor, é que a acusação terrível que ele pronuncia contra
a sociedade toma a forma de uma submissão sem reserva aos resultados. Esse escrito
apresenta a idéia do eterno retorno das coisas dez anos antes do Zaratustra? & de modo
apenas um pouco menos patético e com uma extrema força de alucinação. Ela não
tem nada de triunfante, deixando bem mais um sentimento de opressão. Blanqui se
preocupa em traçar uma imagem do progresso que — antigüidade imemorial, exibindo-
se numa roupagem de última novidade - revela-se como a fantasmagoria da própria
história. Eis a passagem essencial:
“O universo inteiro é composto de sistemas estelares. Para criá-los a natureza
tem apenas cem corpos simples à sua disposição. Apesar da vantagem prodigiosa que
ela sabe tirar desses recursos, e do número incalculável de combinações que permitem
a sua fecundidade, o resultado é necessariamente um número finito, como o dos próprios
elementos, e, para preencher a extensão, a natureza deve repetir ao infinito cada uma
de suas combinações originais ou tipos. Todo astro, qualquer que seja, existe portanto
em número infinito no tempo e no espaço, não apenas sob um de seus aspectos, mas
tal como se encontra, em cada segundo de sua duração, do nascimento à morte...
A terra é um desses astros. Cada ser humano é portanto eterno em cada segundo de
sua existência. O que escrevo agora numa cela do forte do Taureau, eu o escrevi e
escreverei durante a eternidade, à mesa, com uma pena, vestido, em circunstâncias
inteiramente semelhantes. Assim para cada um... O número de nossos sósias é infinito
no tempo e no espaço. Em consciência, não se pode exigir mais. Esses sósias são de
carne e osso, até de calças e paletó, de crinolina e de coque. Não são fantasmas, é a
atualidade eternizada. Eis entretanto uma grande falha: não há progresso... O que
chamamos progresso está enclausurado em cada terra e desaparece com ela. Sempre e em
todo lugar, no campo terrestre, o mesmo drama, o mesmo cenário, no mesmo palco
56
Friedrich Nietzsche, Also sprach Zarathustra (Assim Falou Zaratustra), 1 883-1 885. (w.b.)
Paris, capital do século XIX | <Exposé de 1939> ■ 67
estreito, uma humanidade barulhenta, enfatuada de sua grandeza, acreditando-se ser
o universo e vivendo na sua prisão como numa imensidão, para logo desaparecer com
o planeta, que carregou com o mais profundo desprezo o fardo de seu orgulho. Mesma
monotonia, mesmo imobilismo nos astros estrangeiros. O universo se repete sem fim
e patina no mesmo lugar. A eternidade apresenta imperturbavelmente no infinito o
mesmo espetáculo ”. 57
Esta resignação sem esperança é a última palavra do grande revolucionário.
O século não soube responder às novas virtualidades técnicas com uma nova ordem
social. É por isso que a última palavra coube às mediações enganosas do antigo e do
novo, que estão no coração de suas fantasmagorias. O mundo dominado por essas
fantasmagorias é - para usarmos a expressão de Baudelaire - a modernidade. A visão
de Blanqui faz entrar na modernidade — da qual os sete velhos 58 aparecem como
arautos — o universo inteiro. Finalmente, a novidade lhe aparece como o atributo do
que é próprio ao domínio da danação. Do mesmo modo, num vaudeville um pouco
anterior — Ciei et Enfer — , as punições do inferno representam a última novidade de
todos os tempos, “penas eternas e sempre novas”. Os homens do século XIX, aos quais
Blanqui se dirige como a aparições, saíram dessa região.
57 Auguste Blanqui, UÉternité par les Astres, Paris, 1872, pp. 73-74 e 76. (R.T.)
58 Referência ao poema "Os Sete Velhos” (Les Sept Vieillards"), de Baudelaire. (w.b.)
NOTAS E MATERIAIS
NOTA INTRODUTÓRIA
Willi Bolle
As “Notas e Materiais”, na denominação do editor alemão, são a parte central
e mais volumosa das Passagens (GS V, 79-989). Esse conjunto de mais de 4.000
fragmentos é, por assim dizer, o fichário ou “working lexicon (Susan Buck-Morss) de
Benjamin - um grande arquivo em forma de “hipertexto”, que é o banco de dados e a
“caixa de construção” das Passagens. O manuscrito é constituído de 426 folhas soltas,
dobradas, resultando em fólios de 14 x 22 cm. Benjamin escreveu nos lados 1 e 3 de
cada fólio, deixando em branco os lados 2 e 4. O conjunto dos fólios foi subdividido
pelo autor em 36 arquivos temáticos ( Konvolute ), sendo atribuído a cada um deles um
título e uma letra do alfabeto. Depois das maiusculas, de A a Z , Benjamin recorreu
às minúsculas, utilizando dez destas letras e deixando outras onze em branco,
possivelmente para futuros arquivos complementares. As siglas de identificação dos
fragmentos — entre colchetes, por exemplo [N la, 8] — são do próprio autor,
diferentemente das siglas dos textos do “Primeiro Esboço” - entre “cotovelos , por
exemplo <H°, 17> — , que foram acrescentadas pelo editor alemão. Para identificar-se
um determinado fragmento, menciona-se primeiro a letra do arquivo, em seguida a
página do fólio (1, 2, 3 etc., quando se trata da página de rosto; ou la, 2a, 3a, no caso
da terceira página) e, por fim, o número do fragmento naquela pagina. Assim, por
exemplo, o fragmento [N la, 8] encontra-se no arquivo temático “N - Teoria do
conhecimento, teoria do progresso”, no primeiro fólio, na terceira página e na oitava
posição desta página.
Esses arquivos temáticos foram compostos em duas etapas. Num primeiro
estágio, do outono ou inverno de 1928 até o final de 1929, Benjamin transcreveu boa
parte dos 407 fragmentos do “Primeiro Esboço : Passagens Parisienses <I> (GS V,
993-1038) para o grande arquivo definitivo das “Notas e Materiais”. Num segundo
estágio, do início de 1934 até maio de 1940, este arquivo foi sucessivamente ampliado.
Com base em fotocópias de páginas do manuscrito feitas por Benjamin, em junho de
1935 e dezembro de 1937, o editor alemão estabeleceu uma cronologia dos arquivos
e fragmentos (GS V, 1262) em três fases, que reproduzimos aqui, em forma de um
quadro sinóptico (na sequência dos fragmentos há duas omissões, que marcamos com
asterisco).
72 ■ Passagens
Fase inicial
(1928 -junho 1935)
A 1 - A 5a
B 1 - B 4a
C 1 - C 3a
D 1 - D 2a
E 1 - E 6a
F 1 - F 4a
G 1 - G 8a
H 1 - H 2a
I 1 - I 4a
K 1 - K 3a
L 1 - L 2a
M 1 - M 5a
N 1 - N 3a
0 1 - 0 6a
P 1 - P 2a
Q 1 - Q 2a
R 1 - R 2a
S 1 - S 4a
T 1 - T 2a
U 1 - U 9a
V 1 - V 3a
W 1 - W 6a
Y 1 - Y 4a
a 1 - a 6a
d 1 - d la
g 1 -g la
k 1 — k 1 a
Fase média
(junho 1935 - dez. 1937)
A 6 - A 10a
B 5 - B 7a
C 4 - C 7a
D 3 - D 4a
E7-E 10a
F 5 - F 7a
G 9-G 14a
H 3 - H 3a
I 5 - I 5a
K 4 - K 4a
L 3 - L 4a
M 6-M 13a
N 4 - N 7a
0 7-0 10a
P 3 - P 4a
Q 3 - Q 3a
S 5 - S 6a
T 3 - T 3a
U 10-U 16a
V 4 - V 8a
W7-W 16
X 1 - X2a
Y 5 - Y 8a
a 7 - a 19a
b 1 - b la
d 2 -d 14a
g 2 - g 3a
k 2 - k 3a
1 1 -I la
p 1 - p 3a
r 1 - r 3a
Fase tardia
(dez. 1937 - maio 1940)
A 11 -A 13
B 9-B 10a
C 8 - C 9a
D 6*- D 10a
E 1 1 - E 1 4a
F 8 - F 8a
G 1 5 - G 1 6a
H4-H 5
16-18
J 1 - J 92a
K 5 - K 9a
L 5 - L 5a
M 14-M 21a
N8-N20
O 11 -O 14
P 5
Q 4 - Q 4a
R 3
S 7 - S 11
T4-T 5
U 17-U 18
V9-V 10
W 17 -W 18
X3-X 13a
Y9-Y 11
_ ~k
a 20 -a 23
b 2
d 15 — d 19
g 4
i 1 -i 2
k 4
I 2 - I 2a
m 1 - m 5
p 4- p 6
r 4 - r 4a
Nota Introdutória | Willi Bolle ■ 73
Para que o leitor possa ter uma idéia mais clara da gênese das “Notas e
Materiais”, inserimos em cada arquivo temárico as respectivas indicações “fase média”
e “fase tardia”. Quanto à ordem dos fragmentos nos arquivos, observa-se na parte
inicial de alguns arquivos criados em 1928-1929 um esboço de organização por
assunto; porém, no que concerne à grande maioria dos fragmentos, a ordem é aleatória,
seguindo grosso modo a cronologia — coletânea de materiais, consultas bibliográficas,
transcrições de excertos, comentários, reflexões — segundo a qual Benjamin foi
desenvolvendo sua pesquisa. A seguinte sinopse dos títulos atribuídos aos arquivos
temáticos (GS V, 81-82) é de Benjamin.
<Sinopse>
A Passagens, magasins de nouveautés , calicots
B Moda
C Paris antiga, catacumbas, demolições, declínio de Paris
D O tédio, eterno retorno
E Haussmannização, lutas de barricadas
F Construção em ferrro
G Exposições, reclame, Grandville
H O colecionador
I O intérieur, o rastro
J Baudelaire
K Cidade de sonho e morada de sonho, sonhos de futuro,
niilismo antropológico, Jung
L Morada de sonho, museu pavilhão termal
M O flâneur
N Teoria do conhecimento, teoria do progresso
O Prostituição, jogo
P As ruas de Paris
t ■ Passsçens
Q Panorama
R Espelhos
S Pintura, Jugendstil, novidade
T Tipos de iluminação
U Saint-Simon, ferrovias
V Conspirações, compagnonnage
W Fourier
X Marx
Y A fotografia
Z A boneca, o autômato
a Movimento social
b Daumier
c
d História literária, Hugo
e
f
g A Bolsa de Valores,
história econômica
h
i Técnica de reprodução,
litografia
k A Comuna
1 O Sena, a Paris mais antiga
m Ócio e ociosidade
n
o
Nota Introdutória | Willi Bolle ■ 75
p Materialismo antropológico, história das seitas
q
r École polytechnique
s
t
u
V
w
i-JL'
&
B1RLI0T
A
[Passagens, Magasins de Nouveautés,' Caucots 2 ]
"Desses palácios as colunas mágicas
Ao amador mostram por todas as partes
Nos objetos que exibem seus pórticos
Que a indústria é rival das artes.
Chanson Nouvelle cit Nouveax T f bleauxb % P ^'%° n U s
Observations sur les Moeurs e Usages : des Paris, en
"À venda os Corpos, as vozes, a imensa opulência
inquestionável
aquilo que não se venderá jamais".
Rimbaud 3
“Chamamos repetidamente . atenção", diz o guia ilustrado de Paris do ^^52, -
1 Cf. "Exposés", nota 2.
2 Caí/eot - Empmgado encariegado das vendas ao publico, em casas comerciais, d. A S, 3 e
2 Arthur Rimbaud, M Comp/éB. «d, o, 9 , po, An.oin, Adam, P.n, , 976 < B iblio,bè,uede la Píi.de,
68), p. 146 ( llluminations , "Solde"). (R.T-)
4 Da extensa nota do tradutor francês (J.L.) sobre as passagens oferecemos aqui um resu™. a 1 P 1 ™
ua exieiida , . ,—ri, prn 1799 No ano seguinte, abriu-se a tassage
========
r H rerf t 825) criada em 18 60 pelo banqueiro Mirès. - Uma passagem
Grand Cerf 082 >■ * Aberta em 1822 e contendo duas galerias, a do Relógio e a do
sZZ. ela levava do Boulevard des Italiens até a ópera. Fo, demolida em ^quando da abertura
do Boulevard Haussmann. O texto fundamental sobre esta passagem e Le Paysan de Pans ^ 1926)
íoul Aragon, livro decs.vo para a gênese do projeto benjaminiano das Passagens^Ed. b sdeira ^0
CamDonês de Paris apres trad. e notas de Flávia Nascimento, Rio de Janeiro, Imago, 199 9
Sco para se conhecer as passagens ainda existentes: Patrice de Moncan, ies Passages Couverts de
«, 4- *, PB n» £di.»s du Mécène, 2003. (w.b.)
“§ ■ 5J 2ssagers
os lados dessas galerias, que recebem sua luz do alto, alinham-se as lojas mais elegantes, de
modo que uma tal passagem é uma cidade, um mundo em miniatura ■ Flâneur ■, onde o
comprador encontrará tudo que precisar. Numa chuva repentina, são elas o refugio para
todos os que são pegos desprevenidos, garantindo-lhes um passeio seguro, porém restrito,
do qual também os comerciantes tiram suas vantagens.” ■ Tempo atmosférico ■
Esta passagem é o locus classicus para a apresentação das passagens, não só porque a partir
dela desenvolvem-se as divagações acerca do flâneur e do tempo, mas também porque o
que se tem a dizer sobre a construção das passagens do ponto de vista econômico e
arquitetônico poderia encontrar aqui o seu lugar.
[A 1, 1]
Nomes de casas de moda: A Dama de Honra / A Vestal / O Pagem Inconstante / A Máscara
de Ferro / Chapeuzinho Vermelho / A Pequena Nanette / A Cabana Alemã / Ao Mameluco /
Na Esquina - nomes que na maioria das vezes advêm de bem-sucedidos espetáculos de
vaudeville . 5 6 ■ Mitologia ■ Um luveiro: Aqui em frente, Jovem; um confeiteiro: Às Armas
de Werther.
“O nome do joalheiro está escrito acima da porta da loja em grandes letras incrustadas de
imitações quase perfeitas de pedras preciosas.” Eduard Kroloff, Schilderungen aus Paris,
Hamburgo, 1839, II, p. 73. “Na Galerie Véro-Dodat há uma loja de produtos alimentícios
sobre cuja porta lê-se a inscrição Gastronomia Cosmopolita, com letras muito divertidas,
formadas de galinhas, faisões, lebres, chifres de cervos, lagostas, peixes, rins de pássaros
etc.” Kroloff, Schilderungen aus Paris, Paris, II, p. 75. ■ Grandville ■
[A 1, 2]
Quando o negócio prosperava, o proprietário comprava provisões para uma semana e
mudava-se para o entressolho no intuito de ganhar espaço para guardar sua mercadoria.
Dessa maneira, a boutique transformava-se em magasin.
[A 1, 3]
Era a época em que Balzac podia escrever: “O grande poema das vitrines canta suas estrofes
coloridas da Madeleine à porte Saint-Dems. ” Le Diable à Paris, Paris, 1846, II, p. 91 (Balzac,
“Les Boulevards de Paris”).
[A 1. 4]
“No dia em que a Especialidade 6 foi descoberta por Sua Majestade, a Indústria, rainha de
França e de algumas localidades vizinhas, naquele dia, dizem, Mercúrio, deus especial dos
comerciantes e de várias outras especialidades sociais, bateu três vezes com seu caduceu no
fíontão da Bolsa e jurou pela barba de Prosérpina que a palavra lhe parecia bonita.” ■ Mitologia ■
Aliás, a palavra foi a princípio empregada apenas para mercadorias de luxo. La Grande
Ville: Nouveau Tableau de Paris, Paris, 1 8 44, II, p. 57 (Marc Fournier, “Les spécialités
parisiennes”).
[A 1, 5]
“As ruas estreitas que circundam a Ópera, sempre sitiada de veículos, e os perigos a que
estavam expostos os pedestres ao sair do espetáculo, deram, em 1821, a uma companhia
de especuladores, a idéia de utilizar uma parte das constmções que separavam o novo teatro
5 Vaudeville - peça de teatro em estilo de comédia leve, para fins de divertimento, (w.b.)
6 Spédalité - cf. Léxico, (w.b.)
A
[Passagens, Magasins de Nouveautés, Ca/icots ] 79
do boulevard. / Esse empreendimento, ao mesmo tempo que se tomou uma fonte de
riquezas para seus autores, foi para o público de uma imensa vantagem. / Com efeito, por
meio de uma pequena passagem estreita, erguida em madeira e coberta, passa-se a pé e
com toda segurança, nessas galerias, do vestíbulo da Ópera ao boulevard... Acima do
entablamento das pilastras dóricas, que dividem as lojas, erguem-se dois andares de
apartamentos, e acima desses apartamentos, e ao longo das galerias reinam grandes v idraças.
J. A. Dulaure, Histoire Physique, Civile et Morale de Paris Depuis 1821 Jusqua nosjours, Paris,
1835, II, pp. 28-29. [A1 , 6]
Até 1870, as carr uag ens dominavam a ma. Era demasiado apertado andar sobre as calçadas
estreitas e por isso flanava-se sobretudo nas passagens, que ofereciam abrigo do mau tempo
e do trânsito. “Nossas ruas mais largas e nossas calçadas mais espaçosas tornaram mais fácil
e doce a jlânerie, impossível a nossos pais noutro lugar que não nas passagens.” ■ Flâneur ■
Edmond Beaurepaire, Parts dHier et d’Aujourd’hui: La Chronique des Rues, Paris, 1900, p. 67.
r ÍA la, 1]
Nomes de passagens: Passage des Panoramas, Passage Véro-Dodat, Passage du Désir (que
levava outrora a um lugar de encontro), Passage Colbert, Passage Vivienne, Passage du
Pont-Neuf, Passage du Caire, Passage de la Réunion, Passage de 1 Opéra, Passage de la
Trinité, Passage du Cheval-Blanc, Passage Pressière <Bessières?>, Passage du Bois de Boulogne,
Passa.ee Grosse-Tête. (A Passage des Panoramas chamava-se anteriormente Passage Mirès.)
° ° [A la, 2]
A Passage Véro-Dodat (construída entre as mas Bouloy e Grenelle-Saint-Honoré) “deve seu
nome a dois ricos salsicheiros, os senhores Véro e Dodat, que empreenderam, em 1 823, sua
abertura assim como as imensas construções que dependem dela. O que levou a se dizer, na
época, que essa passagem era um belo pedaço de arte 1 situada entre dois bairros .” ]. A. Dulaure,
Histoire Physique , Civile et Morale de Paris Depuis 1821 Jusqua Nosjours, Paris, 1835, II,jx 34.
A Passage Véro-Dodat possuía pavimentação de mármore. A atriz Rachel morou nela por
um tempo. [A u 4]
Galerie Colbert n° 26. “Ali, sob a aparência de uma luveira, brilhava uma beleza acessível,
mas que só levava em conta, em matéria de juventude, a sua própria. Impunha aos mais
favorecidos provê-los com seus enfeites dos quais esperava uma fortuna... Esta jovem e bela
mulher atrás do vidro chamam-na Labsolu (O Absoluto); mas a filosofia teria perdido seu
tempo em correr atrás dela. Era a empregada que vendia as luvas, a dona exigia que fosse
assim.” ■ Bonecas ■ Prostitutas ■ Lefeuve, Les Anciennes Maisons de Paris, IV, Paris, 1 875,^70-
Cour du Commerce: “Ali foi feita com carneiros uma primeira experiência da guilhotina,
instrumento cujo inventor morava ao mesmo tempo na Cour du Commerce e na Rue de
1’Ancienne Comédie”. Lefeuve, Les Anciennes Maisons de Paris, IV, p. 148.
7 Trocadilho: beau morceau de 1‘art, "um belo pedaço de arte", é homófono de beau morceau de lard,
"um belo pedaço de toicinho". (w.b.)
§0 ■ Passagens
“A Passage du Caire, cuja principal indústria é a impressão litográfica, deve ter sido dummada
quan^Napoleão III suprimiu a obrigação do selo para as circulares do comercio. Essa liberta^
enriqueceu a passagem que se mostrou reconhecida fazendo despesas de embelezamento. At
endo era pndso, em caso de chuva, rer guarda^uvaa abeno, nas suas g^euaa que ■ -
lugares não tinham cobertura de vidro.” Lefeuve, Les Anciennes Maisons de Parts, II, p. 33.
. Moradas de sonho - Tempo atmosférico ■ (Ornamentos egípcios) [A la> 7]
“Impasse Maubert, antigamente Amboise.” Por volta de 1756, morava nos números 4 e 6
r^Tvenenadorl com suas duas cúmplices. Cerra ma„h 5 . eucon.raram as rres morras
por terem inspirado gases venenosos. [a ia, 8]
Os anos de expansão sob Luís XVIII. Com os letreiros dramáticos dos magasins de nouveautés,
a arte se coloca a serviço do comerciante. [A la 91
“Depois da Passage des Panoramas, que remontava ao ano de 1800 6
mundana estava estabelecida, eis, a título de exemp o, a galena aberta eir 1826 p
açougueiros Véro e Dodat e representada por uma htogravura dArnou i , .
1800 é preciso ir até 1822 para encontrar uma nova passagem: e entre esta data 1834
que se distribui a construção da maior parte dessas vias tão particulares, e das quais as ^ats
importantes encontram-se agrupadas entre a Rue
Grange-Batelière, ao norte, o Boulevard Sebastopol, a leste e a Rue Ventadour,
Marcei Poete, Une Vie de Cité, Paris, 1925, pp. 373-374. ^ la _ 10 ]
Lojas na Passage des Panoramas: Restaurante Véron, gabinete de leitura, lo, a de musica,
Marquês, comércio de vinhos, malharia, aviamentos, alfaiates, sapateiros, malharias, livreiro^
caricamrista, Théatre des Variétés. Em contraposição, a Passage Vivienne era a passagem
séria. Lá não havia lojas de luxo. - Moradas de sonho: passagem como nave de igreja com
as capelas laterais. ■ [A i, i]
Evocava-se ao mesmo tempo o “gênio dos jacobinos e dos industriais”, atribuía-se este dito
a Luís Filipe: Deus seja louvado e minhas boutiques também. As passagens como templ
capital mercantil. [A 2, 2]
Na passagem parisiense mais recente nos Champs-Elysées, consrruída por um rei das
pérolas, americano, mais nenhuma loja. ■ Decadência ■ [A 2 , 3]
“Houve em Paris, tentativas de bazar e de boutiques vendendo a preço fixo, por volta do
final do Antigo Regime. Foram fundados na Restauração e no remo de Luís Filipe alguns
grandes magasins 1 nouveautés, como o Diabk boiteux, os Deux Magots o Petit Matelo ,
Tgmalion; las essas lojas eram estabelecimentos de ordem muito inferior se comparadas
aoflais. A era dos grands magasins 8 data, na realidade, apenas do Segundo Império. Eles
8 Lojas de departamentos, (w.b.)
A
[Passagens, Magasins de Nouveautés, Calicots ]
81
tiveram um grande desenvolvimento a partir de 18/0 e continuam a se desenvolver.”
E. Levasseur, Histoire du Commerce de la France, II, Paris, 1912, p. 449.
[A 2, 4]
Passagens como origem das lojas de departamentos? Quais das lojas acima citadas localizavam-se
em passagens?
[A 2, 5]
O régime das especialidades fornece também - diga-se de passagem - a chave histórico-
materialista para o florescimento (quando não para o surgimento) da pintura de gênero
nos anos quarenta do século passado. Com o interesse crescente que a burguesia dedicou
à arte, esta pintura diferenciou-se no conteúdo e no assunto, segundo a pouca compreensão
artística inicial desta classe; surgiram então como gêneros bem definidos as cenas históricas,
a pintura de animais, as cenas infantis, as imagens da vida monástica, familiar, aldeã.
■ Fotografia ■
[A 2, 6]
Investigar a influência do comércio sobre Lautréamont e Rimbaud!
[A 2, 7]
“Uma outra característica, a partir sobretudo do Diretório (provavelmente até 1830?), será
a leveza dos tecidos; mesmo durante o frio mais rigoroso, só muito raramente aparecerão
peliças e matelassês quentes <?>. Correndo o risco de morrer, as mulheres se vestirão como
se as rudezas dos invernos não existissem mais, como se a natureza, subitamente, tivesse se
transformado num eterno paraíso.” Grand-Carteret, Les Elégances de la Toilette , Paris, p.
XXXIV.
[A 2, 8]
O teatro forneceu também naquela época o vocabulário para assuntos da moda. Chapéus
à moda Tarare, à moda Théodore, à moda Fígaro, à moda Grande-Sacerdotisa, à moda
Ifigênia, à moda Calprenade, à moda Vitória. A mesma futilidade, que no balé procura a
origem do real, trai-se quando - por volta de 1 830 - um jornal dá a si mesmo o nome de
Le Sylphe. ■ Moda ■
[A 2, 9]
Alexandre Dumas, numa soirée em casa da princesa Mathilde. Os versos referem-se a
Napoleão III.
“Nos seus fastos imperiais
O tio e o sobrinho são iguais
O tio tomava as capitais
O sobrinho os nossos capitais.”
Seguiu-se um silêncio sepulcral. Registrado nas Mémoires du Comte Homce de Viel-Castel
sur le Règne de Napoléon III, vol. II, Paris, 1883, p. 185.
[A 2, 101
“Acmd/sse'' significava a continuidade das atividades da Bolsa. Aqui nunca o expediente chegava ao
fim, frequentemente nem mesmo à noite. Quando o Café Tortoni fechou, a coluna transferiu-se
9 Espaço paralelo à Bolsa de Valores, onde são realizados negócios não-oficiais; cf. A 7a, 5. (E/M; w.b.)
para os boulevards adjacentes e ondulava-se de um lado para o outro, principalmente diante da
Passage de 1’Opéra.” Julius Rodenberg, Paris bei Sonnenschein und Lampenlicht, Leipzig, 1867,
p. 87.
[A 2, 11]
Especulação de ações ferroviárias sob Luís Filipe.
[A 2, 12]
“Da mesma origem [isto é, da casa dos Rothschild] provém Mirès, de admirável eloqüência,
que só precisava abrir a boca para convencer seus credores que a perda é um ganho — mas cujo
nome não obstante foi apagado da Passage Mirès após o escandaloso processo contra ele,
transformando-se esta na Passage des Princes (com os famosos salões de jogo do restaurante
Peters).” Rodenberg, Paris bei Sonnenschein und Lampenlicht, Leipzig, 1867, p. 98.
[A 2a, 1]
Pregão de rua dos vendedores de boletins da bolsa. Na alta: “A alta da Bolsa”. Na baixa: “As
variações da Bolsa”. O termo baixa foi proibido pela polícia.
[A 2a, 2]
Por sua importância para os negócios de bastidores, a Passage de 1’Opéra pode ser comparada
à esquina da Confeitaria Kranzler. 10 Gíria dos corretores “nos dias que precederam a eclosão
da guerra alemã [1866]: a renda de três por cento chamava-se Alphonsine’; o crédito
imobiliário, o gordo Ernesto’; a renda italiana, o pobre Vitor’; o crédito mobiliário, o
pequeno Julio”’. Segundo Rodenberg, Leipzig, 1867, p. 100.
[A 2a, 3]
Preço de um encargo como corretor na Bolsa entre 2.000.000 <sic> e 1.400.000 francos.
[A 2a, 4 ]
“As passagens que datam, quase todas, da Restauração.” Théodore Muret, LHistoire par le
Théâtre, Paris, 1865, II, p. 300.
[A 2a, 5]
Algumas considerações sobre Avant, Pendant et Apres, de Scribe e Rougemont. Estréia em
28 de junho de 1828. A primeira parte da trilogia representa a sociedade do Antigo
Regime, a segunda, a época do Terror, a terceira passa-se na sociedade da época da
Restauração. A personagem principal, o General, tornou-se, em tempos de paz, um
industrial, um grande fabricante. “A manufatura substitui aqui, para o alto escalão, o
campo que o Soldado-Lavrador cultivava. O elogio da indústria não foi menos cantado,
pelo vaudeville da Restauração, que o dos guerreiros e dos laureados. A classe burguesa, em
seus diferentes níveis, era comparada à classe nobre: a fortuna adquirida pelo trabalho
opunha-se ao brasão secular, às torres dos antigos castelos. Esse terceiro estamento, que se
tornou o poder dominante, tinha, por sua vez, seus bajuladores.” Théodore Muret, LHistoire
par le Théâtre, II, p. 306.
[A 2a, 6]
As Galeries de Bois 11 “que desapareceram de 1828 a 1829, para dar lugar à Galerie d’Orléans,
eram formadas por uma tríplice linha de boutiques pouco luxuosas, e consistiam de duas alas
10 Confeitaria famosa em Berlim, (w.b.)
11 Passagens de Madeira, (w.b.)
A
[Passagens, Magasins de Nouveautés, Calicots ] 83
paralelas, cobertas de tecido e em pranchas, com algumas vidraças para entrar a luz. Andava-se
7 ples r nt ;; so 7 a terra banda, que as pancadas de chuva transformavam, algumas vezes
em lama. Pois bem! Vinha,. de toda pane apenar-se nesse lugar que não era nadT menos^é
magnifico, entre suas filas de boutiques que pareceriam barracas em comparação com as que lhes
sucederam. Essas boutiques eram ocupadas principalmente por duas indústrias, tendo ca da uma
seu genero de atrauvo. Havia muitas modistas que trabalhavam sobre grandes tamboretes voltados
para o exterior, sem que nenhum vidro as separasse, e seu rosto muito alegre não era. para alguns
passantes dos menores encantos do lugar. E mais: as Galenes de Bois eram o centro da li4na
nova. Theodore Muret. LHistoire par le Théâtre, II, pp. 225-226.
[A 2a, 7]
Julius Rodenberg sobre o pequeno gabinete de leitura na Passage de 1’Opéra: “Como este pequeno
comodo na semirescundão aparece simpático em minha lembrança, com suas altas pratdeiras de
hvtos mesas verdes, seu atendente ruivo (um grande amante dos livros, que sempre £
romances em vez de leva-los aos outros), com seus jornais alemães que alegravam o coração do
alemao todas as manhas (a exceção do jornal Der Kolnische, que era publicado em média uSa vez
a cada dez dias). Porem, quando há novidades em Parts, é este o lugar onde se pode ouvi-las aqui
nos nos mteiramos delas. Apenas sussurradas (pois o ruivo cuida para que nemdcnem os outros
^jam perturbados), fazem o caminho dos lábios aos ouvidos, quase inaudíveis, passam da pena ao
papel, da escnvaninha ate a vizinha caixa do correio. A bondosa senhora do escritório tem um
Dronto S rT aC ° T k ° S ’ Papd 6 enVCl0pe Paia 05 corres P on dentes: o primeiro correio está
p to, Colorna e Augrfjuig tem suas notícias; e agora - meimdia! - à taberna.” Rodenbetg, Paris
bei Sonnemchevn und Lampenlicht , Leipzig, 1867, pp. 6-7. ™
[A 2a, 8]
“A Passage du Caire lembra muito, em tamanho menor, a Passage du Saumon, que existia
utrora na Rue Montmartre, no lugar onde se encontra hoje a Rue Bachaumont”. Paul
Leautaud, Vieux Paris , Mercure de France, 192 7, p. 503 (15 de outubro).
[A 3, i]
* Boutiques em model ° antÍg °’ ° CUpadaS P ° r tomércios 9 ue só ^ vê ali, continham antigamente
uma pequena sobreloja, com janelas trazendo cada uma o número numa placa, correspondente
a cada butique. De tempos em tempos, uma porta dando para um corredor, na extremidade
do qual uma pequena escada conduzia a essas sobrelojas. Na maçaneta de uma dessas portas
um aviso escrito a mão:
O fato de você fechara porta,
para ela não bater,
vai lhe trazer o reconhecimento do operário
que trabalha ao lado.
[A 3, 2]
No mesmo lugar (Leautaud, Vieux Paris”, Mercure de France, 1927, pp. 502-503) uma
outra placa é citada:
ÂNGELA
primeiro andar à direita
[A 3, 3]
Um nome antigo para as lojas de departamentos: “entrepostos baratos”. Giedion, Bauen in
Frankreich, Leipzig, Berlim, 1928, p. 31.
[A 3, 4]
A transformação das grandes lojas nas passagens em lojas de departamentos. Princípio das
lojas de departamentos: Os andares constituem-se de um único espaço. A vista pode
abrange-los por assim dizer, com um único olhar’.’ Giedion, Bauen in Frankreich, p. 34.
[A 3, 5]
Giedion mostra ( Bauen in Frankreich, p. 35) como o princípio de “acolher a multidão e retê-la
através da sedução ( Science et l Industrie, 1925, n° 143, p. 6) leva a soluções arquitetônicas
desastrosas quando se construiu o Printemps (1881-1889). Função do capital mercantil!
[A 3, 6]
As próprias mulheres, a quem e proibida a entrada na Bolsa, agrupam-se à porta para
obter indicações sobre as cotações e dar aos corretores suas ordens, através da grade. La
Transformation de Paris sous le Second Empire (autores: Poete, Clouzot, Henriot), Paris,
1910, por ocasião da exposição da Biblioteca e dos trabalhos históricos, p. 66.
[A 3, 7]
“Não temos spécialité” , escrevera o famoso brocante Frémin, “o homem da cabeça grisalha”, na
tabuleta de seu ferro-velho na Place des Abbesses. Em meio aos trastes velhos, vem à tona mais
uma vez a antiga fisionomia do comércio que começou a ser repelida nas primeiras décadas do
século passado pelo domínio da spécialité. Ao Filósofo ’ é como denominava o proprietário este
“Grande canteiro de demolições” - que demonstração e demolição do estoicismo! ‘Atenção, não
olhe a folha pelo avesso”, lia-se em seus cartazes. E: “Não compre nada no escuro.”
[A 3. 8]
Pelo visto, já se fhmava nas passagens quando isso ainda não era comum na rua. “Preciso dizer
aqui ainda algumas palavras sobre a vida nas passagens como o lugar de preferência dos que
passeiam e dos que firmam, lugar de recreação dos mais variados ofícios. Em cada passagem
existe pelo menos um salão de limpeza. Em um gabinete decorado de maneira tão elegante
quanto permite sua destinação, sentam-se os cavalheiros sobre estrados elevados e lêem
tranqüilamente um jornal enquanto alguém se empenha em escovar-lhes o pó das roupas e
das botas.” Ferdinand von Gall, Paris und seine Salons, II, Oldenburg, 1845, pp. 22-23.
[A 3, 9]
Um primeiro jardim-de-invemo - espaço envidraçado com canteiros de flores, alpendres e
chafarizes, em parte subterrâneo, no local onde, em 1864, localizava-se o reservatório no
jardim do Palais-Royal (e ainda hoje?). Instalado em 1788.
[A 3, 10]
“Do fim da Restauração datam os primeiros magasins de nouveautés-. Les Vêpres Siciliennes,
Le Solitaire, La Filie Mal Gardée, Le Soldat Laboureur, Les Deux Magots, Le Petit Saint-
Thomas, Le Gagne-Denier. Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, Paris, 1926, p. 360.
[A 3, 11]
Em 1820, abriram-se ... a Passage Viollet e a Passage des deux Pavillons. Essas passagens
foram uma das novidades da epoca. Eram galerias cobertas, de iniciativa privada, onde se
A
.Passagens. Magasins de Nouveautés.Calicots ] 85
instalaram boutiques que a moda fez prosperar. Sendo a mais famosa a Passage des Panoramas,
cuja voga durou de 1823 a 1831. No domingo, dizia Musset. a multidão 'está nos panoramas
ou então nos boulevards . Foi também a iniciativa privada que veio a criar, um pouco ao acaso, as
cités, ruas curtas ou sem saída, construídas com despesas comuns por um sindicato de
proprietários.’ Lucien Dubech e Pierre D’Espezel, Histoire de Paris , Paris. 1926. pp. 355-336.
:a 3a. 1]
Em 1825, abertura das “Passages Dauphine, Saucède, Choiseul”, e da Cité Bergère. “Em
1827 ... as Passages Colbert, Crussol, de 1’Industrie ... 1828 viu abrir ... as Passages Brady
e des Gravilliers e começar a Galerie d Orléans no Palais-Royal, no lugar das galerias de
madeira incendiadas neste ano.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris , pp. 357-358.
[A 3a, 2]
O antepassado das lojas de departamentos, La Ville de Paris, aparece no número 174 da
Rue Montmartre, em 1843.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, p. 389.
[A 3a, 3]
Incomodado pelas pancadas de chuvas; escapei de uma delas refugiando-me em uma
passagem. Existem muitas destas vielas cobertas de vidro que perpassam blocos de casas
por vezes em inúmeras ramificações, oferecendo assim atalhos bem-vindos. São em parte
construções de grande elegancia, oferecendo em dias de tempo ruim ou à noite, com uma
iluminação que imita a luz do sol, passeios muito procurados ao longo das fileiras de lojas
resplandescentes. ” Eduard Devrient, Briefe aus Paris, Berlim, 1840, p. 34.
[A 3a, 4]
Rua-Galeria. - A rua-galeria de uma falange é a principal peça do Palácio da Harmonia, do
qual não se pode ter nenhuma idéia na civilização. Aquecida no inverno, ela é refrigerada no
verão. As ruas-galerias internas em peristilo contínuo estão situadas no primeiro andar do
palácio da falange (A galeria do Louvre pode ser considerada um modelo.).” Cit. segundo
Fourier, Théorie de l Unité Universelle, 1 822, p. 462 e Le Nouveau Monde Industriei et Sociétaire ,
1829, pp. 68, 125, 272; E. Silberhng, Dictionnaire de Sociologie Phalanstérienne, Paris, 1922,
p. 836. A este propósito: Galeria. - Galerias cobertas e aquecidas ligam as diversas partes do
edifício de um fàlansterio, formando ruas-galerias cit. segundo Fourier, Théorie Mixte, ou
Spéculative et Synthèse Routinière de 1’Association, p. 14; E. Silberling, op. cit., pp. 197-198.
[A 3a, 5]
A Passage du Caire, vizinha da antiga Cour des Miracles. Erigida em 1799 sobre o antigo
jardim do convento das Filles-Dieu.
[A 3a, 6]
O comércio e o tráfego são os dois componentes da rua. Ora, nas passagens, o segundo
está praticamente extinto; o tráfego aí é rudimentar. A passagem é apenas rua lasciva do
comércio, só afeita a despertar os desejos. Mas como nesta rua os humores deixam de
fluir, a mercadoria viceja em suas bordas entremeando relações fantásticas como um
tecido ulcerado. — O flaneur sabota o tráfego. Ele também não é comprador. É mercadoria.
[A 3a, 7]
Pela primeira vez na história, com a criação das lojas de departamentos, os consumidores
começam a sentir-se como massa. (Antigamente, só a escassez lhes dava esta sensação.)
Com isso aumenta consideravelmente o elemento circense e teatral do comércio.
[A 4 , 1]
Com a produção de artigos de massa, surge o conceito de especialidade. Deve ser estudada
sua relação com o conceito de originalidade. ["4 2 ]
“Admito que o comércio do Palais-Royal teve sua época crítica; mas creio que seja preciso
atribuí-lo não à ausência de prostitutas, mas à abertura de novas passagens e à ampliação e
ao embelezamento de muitas outras: citarei as de 1’Opéra, du Grand-Cerf, du Saumon, de
Véro-Dodat, de Lorme, de Choiseul e des Panoramas.” F. F. A. Béraud, Les Filies Publiques
de Paris et la Police qui les Régit, Paris-Leipzig, 1839, I, p. 205. ^ ^
“Não sei se o comércio do Palais-Royal sofreu realmente com a ausência de prostitutas; mas
o certo é que o pudor público ganhou muito com isso... Parece-me, além disso, que as
mulheres respeitáveis vão agora à vontade fazer suas compras na lojas das galerias...; isso deve
ser uma compensação vantajosa para os comerciantes; porque, quando o Palais-Royal era
invadido por um enxame de prostitutas quase nuas, os olhares da multidão se voltavam para
elas e não eram esses olhares que faziam prosperar o comércio local; alguns já estavam arruinados
por suas desordens, e os outros, cedendo ao impulso da libertinagem, não pensavam então
em comprar objeto algum, mesmo de necessidade imediata para eles. Creio poder afirmar ...
que nesses tempos de tolerância desmedida, muitas boutiques do Palais-Royal estavam fechadas,
e que, em outras, os compradores eram raros: logo, o comércio não prosperava, e seria mais
verdadeiro dizer que, nessa época, sua estagnação provinha mais da livre circulação das prostitutas
do que acusar hoje sua ausência que levou às galerias e ao jardim desse palácio inúmeros
transeuntes mais favoráveis aos comerciantes que prostitutas e libertinos.” F. F. A. Béraud, Les
Filies Publiques de Paris , Paris-Leipzig, 1839, I, pp. 207-209.
“Os cafés se enchem
àt gourmets, de fumantes,
os teatros se lotam
de alegres espectadores.
As passagens fervilham
de curiosos, de amadores,
e os trapaceiros agitam-se
atrás dos flâneurs.”
Ennery et Lemoine, “Paris la nuit”, cit. em H. Gourdon de Genouillac, Les Réfrains de La
Rue de 1830 à 1870, Paris, 1879, pp. 46-47. - A comparar-se com “Crépuscule du soir”,
de Baudelaire.
[A 4a, 1]
“E aqueles que não podem pagar ... um albergue? Ora, esses dormem onde quer que
achem um lugar, em passagens, arcadas, num canto qualquer onde a polícia ou os
A
[Passagens, Magasins de Nouveautés, Calicots ]
87
proprietários os deixem dormir sem incomodá-los.” Friedrich Engels. Die Lãge der arbeitenden
Klasse in England , X edição, Leipzig, 1848, p. 46 (“Die grofien Stádte ). ^ ^
“Em todas as boutiques , como de costume, o balcão em carvalho é enfeitado de peças falsas
de todo tipo de metal e formato, implacavelmente pregados no lugar, como pássaros
predadores na porta, garantia sem réplica da lealdade do comerciante. Nadar, Qiiand
J’étais Photographe, Paris (1900), p. 294 (“1830 et environs”).
Fourier sobre as ruas-galerias. “Esta facilidade de ir por todo lado, ao abrigo das intempéries,
de ir ao baile durante as geadas, ao espetáculo em roupa leve, em sapatos de cor, sem encontrar
lama nem frio, é um encanto tão novo que bastaria isso para tornar nossas cidades e castelos
detestáveis a quem quer que tivesse passado um dia de inverno num falanstério. Apesar de ser
esse edifício destinado aos usos da civilização, só a comodidade das comunicações, abrigadas
e temperadas pelas lareiras e ventiladores, lhe daria um enorme valor. Seus aluguéis valeriam
o dobro em um outro edifício. E. Poisson, Fourier [Antologia], Paris, 1932, p. 144.
[A 4a, 4]
“As ruas-galerias são um método de comunicação interna que por si só bastam para fazer
desdenhar os palácios e as belas cidades da civilização... O rei da França é um dos primeiros
monarcas da civilização; não há nenhum pórtico no Palácio das Tuileries. O Rei, a Rainha,
a família real, quer subam em uma carruagem, quer desçam dela, são obrigados a se molhar
como pequenos-burgueses que fazem vir um fiacre diante de sua boutique. Talvez, em caso
de chuva, encontrar-se-ão muitos lacaios e muitos cortesãos para segurar um guarda-chuva
para o Príncipe...; mas trata-se sempre de não ter pórtico nem abrigo, de não estar protegido...
Passemos à descrição das ruas-galerias, que são um dos encantos mais preciosos de um
Palácio da Harmonia... A Falange não tem rua exterior ou via descoberta exposta as
intempéries; todos os blocos do edifício central podem ser percorridos através de uma larga
galeria situada no primeiro andar e se estendendo por todos os blocos da construção; nas
extremidades dessa via estão corredores sobre colunas, ou subterrâneos ornamentados,
levando a todas as partes e anexos do Palácio uma comunicação abrigada, elegante e
aclimatada em todas as estações graças às lareiras ou ventiladores... A rua-galeria ou peristilo
contínuo’ está situada no primeiro andar. Não pode adaptar-se ao térreo o qual é preciso
vazar em diversos pontos para arcadas de veículos... As ruas-galerias de uma Falange não
recebem a luz dos dois lados; aderem a cada um dos edifícios principais; todos esses
blocos têm uma dupla fila de quartos, das quais uma se abre sobre o campo e outra sobre
a rua-galeria. Esta deve ter toda a altura dos três andares que de um lado abrem sobre
ela... O térreo contém, em alguns pontos, salas públicas e cozinhas cuja altura alcança a
sobreloja. Abrem-se aí alçapões, a cada espaço, para levar o bufê às salas do primeiro
andar. Esta abertura será muito útil nos dias de festa e nas passagens de caravanas e
legiões que não poderiam ser contidas nas salas públicas ou séristères , e que comerão em
mesas dispostas numa dupla fileira nas ruas-galerias. Deve-se evitar estabelecer no térreo
todas as salas de relações públicas e por uma dupla razão. A primeira é a de ser preciso
instalar no térreo os cômodos dos patriarcas em baixo, e as crianças no entressolbo.
A segunda é ser preciso isolar as crianças das relações não industriais dos adultos.
Poisson, Fourier [Antologia], Paris, 1932, pp. 139-144.
“Sim, pois é: do Tibet você conhece o poder.
Implacável inimigo da orgulhosa inocência,
Mal ele apareceu, arrastou ao mesmo tempo
A mulher do caixeiro, a fdha do burguês,
E a puritana severa, e a fria cocote:
Ele é para os amantes um sinal de conquista,
Não há austeridade que enfrente seu poder;
A vergonha verdadeira é não o possuir;
E seu tecido desprezando a palavra exara que circula.
Atenua nas suas dobras os traços do ridículo;
Dir-se-ia ao vê-lo um talismã vencedor:
Ele abre os espíritos, subjuga o coração;
Para ele, vir é vencer, e triunfar aparecer;
Ele reina como conquistador, soberano, mestre,
E tratando sua aljava de inútil fardo,
O Amor de uma caxemira formou seu turbante.”
Edouard [d’Anglemont], Le Cachemire , comédia em um ato e em versos, representada pela
primeira vez em Paris, no Théâtre Royal de 1’Odéon, em 16 de dezembro de 1826. Paris,
1827, p. 30.
Delvau sobre Chodruc-Duclos: “Ele ... fez, no reino de Luís Filipe, que não lhe devia nada,
o que havia feito no reino de Charles X, que lhe devia alguma coisa ... seus ossos levaram
mais tempo a apodrecer que seu nome a se apagar da memória dos homens. Alfred Delvau,
Les Lions du Jour, Paris, 1867, pp. 28-29.
<fase média>
“Não foi senão depois da expedição ao Egito 12 que se pensou, na França, em divulgar o uso
dos preciosos tecidos de caxemira que uma mulher, grega de nascimento, introduziu em
Paris. O Sr. Ternaux ... concebeu o admirável projeto de naturalizar na França as cabras do
Hindustão. Desde então ... quantos operários a formar, ofícios a estabelecer, para lutar com
vantagem contra produtos cuja celebridade data de tantos séculos! Nossos fabricantes começam
a triunfar ... da prevenção das mulheres contra os xales franceses... Conseguiu-se fazê-las
esquecer um instante os ridículos desenhos dos hindus, reproduzindo com sucesso a
luminosidade e a brilhante harmonia das flores de nossos canteiros. Existe um livro em que
todos esses assuntos interessantes são tratados com um estilo pleno de interesse e elegância.
LHistoire des Schalls, do Sr. Rey, embora seja dedicado aos fabricantes de xales de Paris, cativará
a atenção das mulheres... Esse livro contribuirá, sem dúvida, assim como as magníficas
produções de seu autor, para dissipar o entusiasmo que inspira aos franceses o trabalho dos
12 A campanha do Egito, de Napoleão I, ocorreu em 1798-1799. (E/M)
[Passagens. Magasins de Nouveautés, Calicots ] 89
estrangeiros. O Sr. Rey, fabricante de xales de lã, de caxemira etc, ... expôs várias caxemiras
cujo preço variava entre 170 e 500 francos. Deve-se-lhe. entre outros aperfeiçoamentos, ... a
imitação graciosa de flores naturais, para substituir as estranhas palmas do Oriente. Nossos
elogios seriam fracos demais, depois do favor..., depois das demonstrações honoráveis de
distinção que esse literato-manufatureiro deve às suas longas pesquisas’ e a seus talentos:
basta-nos nomeá-los.” Chenoue e H. D., Notice sur l’Exposition des Produtts de l Industrie et des
Arts qui a Lieu à Douai en 1827, Douai, 1827, pp. 24-25.
[A 6, 1]
Apos 185°; É no decorrer desses anos que são criadas as lojas de departamentos: Le Bon
Marche, Le Louvre, La Belle Jardinière. O montante de negócios do Bon Marche, em
1852, era de apenas 450.000 francos; elevou-se, em 1869, a 21 milhões.” Gisela Freund,
U Photographie du Point de Vue Sociologique (manuscrito); segundo Lavisse, Histoire de
trance.
[A 6, 2]
“Os tipógrafos ... ocuparam, no fim do século XVIII, um vasto espaço... A Passage du Caire
e seus arredores... Mas com o crescimento de Paris, os tipógrafos ... dispersaram-se por toda
a cidade... Que pena! Quantos tipógrafos, hoje trabalhadores degradados pelo espírito da
especulação, deveriam lembrar-se que ... entre a Rue Saint-Denis e a Cour des Miracles
existe ainda uma longa galeria enfiimaçada onde jazem esquecidos seus verdadeiros penates.”
Edouard Foucaud, Paris Inventem, Paris, 1844, p. 154.
[A 6, 3]
Descrição da Passage du Saumon, “que por três degraus abria-se para a Rue Montorgueil.
Era um estreito corredor decorado de pilastras que sustentavam uma vidraça em forma de
A, suja de dejetos que ali se jogava das casas vizinhas. Na entrada, a tabuleta: um salmão
em folha de flandres indicava a especialidade maior do lugar; no ar flutuava um cheiro de
peixe ... e também um odor de alho. É que aqui o Sul desembarcado em Paris marcava
encontro... Através das portas das boutiques percebiam-se cubículos escuros onde às vezes
um móvel de acaju, o móvel clássico da época, conseguia apanhar um raio de luz; adiante
um café enevoado pela fumaça dos cachimbos; uma loja de alimentos coloniais deixando
filtrar um curioso perfiime de erva, de temperos e de frutas exóticas; um salão de baile
aberto aos domingos e todas as noites da semana; por último, o gabinete de leitura do
Sr. Ceccherini que oferecia aos clientes seus jornais e seus livros.” J. Lucas-Dubreton,
LAffaire Aliband ou Luís Filipe Traqué (1836), Paris, 1927, pp. 114-115.
[A 6a, 1]
A Passage du Saumon foi cenário de uma batalha de barricada, na qual - por ocasião dos
protestos durante o funeral do General Lamarque, em 5 de junho de 1832 - 200 operários
entraram em confronto com as tropas.
[A 6a, 2]
“Martin: O comércio, o senhor percebe? ... é o rei do mundo! - Degenais: Sou de sua
opinião, senhor Martin, mas não basta o rei, é preciso vassalos. Pois bem! A pintura, a
escultura, a música... - Martin: É preciso um pouco delas ... e ... eu também encorajei as
artes; assim, no meu último estabelecimento, o Café de França, eu tinha muitas pinturas.
13 Cf. a edição citada na
"Bibliografia Utilizada por Benjamin’', n° 329, p. 73. (RJ.)
npmas alegóricos... E ainda, à noite, deixava entrar os músicos...; e, enfim, se eu o convidasse
a vir em minha casa..., o senhor veria sob meu peristilo duas grandes estátuas, pouco
vestidas, e tendo cada uma delas uma lanterna sobre a cabeça. — Defenais: Uma lanterna?
— Martin-, C assim c\ue compreendo a escultura, ela tem tpte servir para alguma corsa ... mas
todas essas estátuas, com uma perna ou um braço no ar, para que servem? Uma vez que não
se instalou nem mesmo o cano de gás ... para quê?” Théodore Barière, Les Parisiens, Paris,
1855 (Théâtre du Vaudeville, 28 de dezembro de 1854), p. 26. A peça passa-se em 1839.
[A 6a, 3]
Existiu uma Passage du Désir.
[A 6a, 4]
Chodruc-Duclos - um figurante do Palais-Royal. Foi monarquista, combatente na Vendéia
e tinha motivos de queixar-se de ingratidão sob Charles X. Sua forma de protesto foi
mostrar-se em público maltrapilho e de barba crescida.
[A 6a, 5]
Em uma gravura que representa a fachada de uma loja na Passage Véro-Dodat: “Nunca é
demais louvar esta decoração, a pureza destes perfis, o efeito pitoresco e brilhante que
produzem os globos para a iluminação a gás, colocados entre os capitéis de duas pilastras
acopladas, separando cada boutiqu e, e cujo espaço intermediário é decorado com um espelho
refletor.” Cabinet des Estampes. 14
[A 7,1]
No número 32 da Passage Brady localizava-se a tinturaria Marion Donnier. Era (famosa)
por seus “ateliês imensos”, por seus “funcionários numerosos”. Numa gravura coetânea, vê-se
o estabelecimento de dois andares, coroado por pequenas mansardas; as moças - em grande
número - podem ser avistadas pelas janelas; no teto, há roupas penduradas.
[A 7, 2]
Uma gravura no Império: A dança do xale das três sultanas. Cabinet des Estampes.
[A 7, 3]
Esboço e planta geral da passagem, Rue Hauteville, 26, preto, azul e cor-de-rosa, do ano
de 1 856, sobre papel timbrado. Está retratado também um hotel que fazia parte do projeto.
Em negrito: “Propriedade para alugar.” Cabinet des Estampes.
[A 7, 4]
As primeiras lojas de departamentos parecem tomar os bazares orientais como modelo. Vê-se
em gravuras, pelo menos em 1880, como a moda ditava que se revestissem de tapetes as
balaustradas que davam para o pátio interno. Por exemplo, a loja de departamentos Ville
de Saint-Denis. Cabinet des Estampes.
[A 7, 5]
“A Passage de fOpéra, com suas duas galerias chamadas do Relógio e do Barômetro...
A abertura da Ópera, na Rue Le Peletier, em 1821, deu-lhe a voga, e, em 1825, a duquesa
de Berry veio em pessoa inaugurar um ‘Europama’, na Galeria do Barômetro... As
costureirinhas da Restauração dançavam no baile de Idalie, instalado no subsolo. Mais tarde,
1 4 Trata-se, nesta referência e nas demais deste tipo, do Cabinet des Estampes, ou seja, da seção iconográfica
da Bibliothèque Nationale em Paris. (R.T.)
A
[Passagens, Magasins de Nouveautés, Ca/icots ]
91
um café chamado ‘Divan de 1’Opéra’ estabeleceu-se na passagem... Observava-se também,
na Passage de 1’Opéra, o fabricante de armas e brasões Caron, as edições de música Marguerie,
o confeiteiro Rollet e, enfim, a perfumaria da Ópera... Acrescentemos... Lemonier, ‘artista em
cabelos’, isto é, fabricante de pontas de lenço, relicários ou artigos itinerários com cabelos.”
Paul D’Ariste, LaVieetle Monde du Boulevard 1830-1870, Paris. 1930, pp. 14-16.
[A 7, 6]
“A Passage des Panoramas, assim chamada em lembrança dos dois panoramas que se erguiam
de cada lado de sua entrada e que desapareceram em 1831.” Paul DAriste, La Vie et le
Monde du Boulevard, Paris, 1930, p. 14.
[A 7, 7]
A linda apoteose de Michelet da “maravilha do xale indiano”, no capítulo sobre arte indiana
de sua Bible de 1’Humanité, Paris, 1864.
[A 7a, 1]
“O Jehudaben Halevy , 15 disse ela,
Está guardado com grande honra
Em um lindo invólucro de papelão
Com elegantes arabescos chineses,
Como as lindas bonbonnieres
De marquês, na Passage Panorama.’
Heinrich Heine, Hebrãische Melodien, “Jehuda ben Halevy” 4, Buch des Romanzero, III
(cit. numa carta de Wiesengrund [Adorno] 16 ). 17
[A 7a, 2]
Tabuletas comerciais. À moda das charadas seguiu-se a das alusões literárias e guerreiras.
“Se uma erupção da colina de Montmartre vier a destruir Paris, como o Vesúvio destruiu
Pompéia, poder-se-á, depois de 150 anos, encontrar sobre nossas tabuletas a história de
nossos triunfos militares e a de nossa literatura.” Victor Fournel, Ce Qi(’on Voit dans les Rues
de Paris, Paris, 1858, p. 286 (“Enseignes et affiches”).
[A 7a, 3]
Chaptal, no discurso sobre a proteção dos nomes na indústria: “Que não se diga que o
consumidor saberá distinguir bem, na compra, os graus de qualidade de um tecido: não,
senhores, o consumidor não pode apreciá-los; julga somente o que lhe cai sob os sentidos.
Bastariam os olhos e o tato para julgar a solidez das cores, para determinar com precisão o
grau de leveza de um tecido, a natureza e a qualidade dos processos de preparação?” Chaptal,
Rapport au nom d’une commission spéciale chargée de 1’examen du projet de loi relatifaux
altérations et suppositions de noms sur les produits fabriques. [“Chambre des Pairs de France”,
Sessão de 17 de julho de 1824] p. 5- — A importância do crédito aumenta à medida que se
especializa o conhecimento das mercadorias.
[A 7a, 4]
15 Poeta e filósofo judeu, nascido por voltade 1 .085 em Toledo (Espanha) e morto por volta de 1 .140
numa peregrinação a Jerusalém. (E/M)
16 Nota w.b.
17 Heine, Sàmtliche Werke, ed. org. por Ernst Elster, vol. I, Leipzig/ Viena, 1893, p. 457. Não se conservou
nenhuma carta de Adorno em que são citados estes versos. (R.T.)
~0 que direi agora desta coulisse 18 que, não contente com uma sessão ilegal de duas horas na
Bolsa, apresentava-se ainda, outrora, duas vezes por dia, ao ar livre, no Boulevard des Italiens,
em frente à Passage de 1’Opéra, onde quinhentos a seiscentos jogadores clandestinos, formando
uma massa compacta, se arrastavam atras de um grupo de uns quarenta corretores não-licenciados,
falando em voz baixa como conspiradores, enquanto agentes da polícia os empurravam para
fazê-los circular, como se empurra carneiros gordos e cansados que são conduzidos ao abatedouro.”
M. J. Ducos (de Gondrin), Comment on se Ruine à la Bourse, Paris, 1858, p. 19.
[A 7a, 5]
Na Rue Saint Martin, 271, na Passage du Cheval Rouge, aconteceu o assassinato de Lacenaire.
[A 7a, 6]
Tabuleta comercial: “L’épé-scié” [A Espada-Serrada-ao-Meio]. 19
[A 7a, 7]
Do prospecto “Aos moradores das ruas Beauregard, Bourbon-Villeneuve, du Caire e da
Cour des Miracles”: “Projeto de duas passagens cobertas indo da Place du Caire à Rue
Beauregard, terminando exatamente em frente à Rue Hauteville. Senhores: Há muito
tempo nós nos preocupamos com o fiituro deste bairro; sofremos ao ver propriedades tão
peno do boulevard estarem tão longe do valor que deveriam ter; esse estado de coisas mudaria
se abríssemos vias de comunicação, e, como é impossível traçar ruas nesse lugar, devido à
grande diferença de nível do solo, e que o único projeto praticável é o que temos a honra de
es submeter, esperamos, senhores, que, na qualidade de proprietários..., os senhores queiram
nos honrar com sua colaboração e com sua adesão... Cada participante será responsável por
um deposito de 5 francos por ação de 250 francos que quiser possuir na sociedade definitiva
Logo que se atingir o montante de 3.000 francos de capital, esta subscrição provisória será
| C Q/v d w- a refenda Soma sendo P or ora considerada suficiente. Paris, 20 de outubro de
1847. Convite impresso para subscrição.
[A 8, 1]
Na Passage Choiseul, Monsieur Comte, Tísico do rei’, exibe, entre duas sessões de magia
realizadas por ele mesmo, sua célebre rrupe de crianças, atores admiráveis.” J. L. Croze
Quelques spectacles de Paris pendant 1’été de 1835”, Le Temps, 22 de agosto de 1935 ’
Nessa virada da histona, o comerciante parisiense faz duas inovações que transformam o
mundo da moda: a vitrine e o empregado masculino (o calicot). A vitrine, que lhe faz enfeitar
seu estabelecimento do térreo às mansardas, e sacrificar trezentas varas de tecido para
engmrlandar sua fachada como um navio almirante; o empregado masculino, que substitui a
sedução do homem pela mulher, como haviam imaginado os lojistas do Antigo Regime, pela
seduçto da mulher pelo homem, muito mais psicológica. Acrescentemos o preço fixo, marcado
ao lado da mercadoria. H. Clouzot e R. H. Valensi, Le Paris de la Comédie Humaine: Balzac
et ses Fõumtsseurs, Paris, 1926, pp. 31-32 (“Magasins de nouveautés”).
[A 8, 3]
18 Ver supra, nota 9; cf. [A 2, 1 1].
19
Provavelmente um trocadilho: o "e" final em épée (espada) e sciée (serrada) foi
palavra quase homófona 1'êpider : "(o dono de) mercearia". (E/M)
cortado, resultando
na
A
[Passagens, Magasins de Nouveautés, Caticots )
93
Balzac, quando um magasin de nouveautés alugou salas que foram ocupadas anteriormente
por Hetzel, o editor da Comédia Humana: “A Comédie Humaine cedeu lugar à comédia
das caxemiras.” (Clouzot et Valensi, Le Paris de La Comédie Humaine, p. 37.)
[A 8, 4]
Passage du Commerce-Saint-André: um gabinete de leitura.
[A 8a, 1]
“Desde que o governo socialista tornou-se o proprietário legítimo de todas as casas de Paris,
entregou-as aos arquitetos com ordem ... de ali construir-se mas-galerias... Os arquitetos se
empenharam o melhor possível na missão que lhes foi confiada. No primeiro andar de cada
casa, tomaram todas as peças que davam para a rua e demoliram suas divisões intermediárias;
depois fizeram largas aberturas nas paredes divisórias e obtiveram assim mas-galerias que
tinham a largura e a altura de uma sala comum e ocupavam toda a extensão de um bloco
de prédios. Nos bairros novos, onde as casas contíguas têm seus andares mais ou menos na
mesma altura, o piso das galerias teve seu nível bastante regular... Mas nas velhas mas ... foi
preciso elevar ou rebaixar vários pisos e, muitas vezes, foi necessário resignar-se a chegar ao
solo por uma inclinação um pouco acentuada ou a cortá-la por alguns degraus de escada.
Quando todos os blocos de prédios encontraram-se assim abertos em galerias ocupando ...
seu primeiro andar, faltava reunir esses fragmentos esparsos uns aos outros, de maneira a
constituir uma rede ... abrangendo toda a extensão da cidade. Isso foi feito facilmente
construindo em cada rua pontes cobertas... Pontes semelhantes, mas muito mais longas,
foram lançadas sobre diversos boulevards, sobre as praças e sobre as pontes que atravessam o
Sena, de maneira que ... um transeunte podia percorrer toda a cidade sem nunca estar a
descoberto... Desde que os parisienses experimentaram as novas galerias, não quiseram
mais pôr os pés nas antigas ruas que, diziam, só serviam para os cães.” Tony Moilin, Paris en
LAn 2000 , Paris, 1869, pp. 9-11.
[A 8a, 2]
“O primeiro andar é ocupado por ruas-galerias... Ao longo das grandes vias ... formam as
ruas-salões... As outras galerias, muito menos espaçosas, são mais modestamente
ornamentadas. Foram reservadas ao comércio de varejo que ali exibe suas mercadorias de
maneira que os transeuntes circulam não mais diante das lojas, mas no seu próprio interior.
Tony Moilin, Paris en LAn 2000, Paris, 1869, pp. 15-16 (“Maisons-modèles”).
1 [A 8a, 3]
Calicots: “Há pelo menos 20.000 em Paris... Um grande número desses vendedores fez seu
curso de humanidades...; vê-se mesmo entre eles pintores, arquitetos que romperam com
o ateliê e tiram um partido maravilhoso de seus conhecimentos ... desses dois ramos da arte
para a edificação das vitrines, para a disposição dos desenhos das modas, para a direção das
modas a criar.” Pierre Larousse, Grand Dictionnaire Universel du XlX f Siècle, III, Paris, 1867
(verbete calicot), p. 150.
“A que impulso obedeceu o autor de Études des Moeurs, 10 ao imprimir vividamente, numa
obra de imaginação, os notáveis de seu tempo? Ao seu prazer, em primeiro lugar, não
duvidemos... Isto explica as descrições. É preciso procurar uma outra razão para as citações
20 Estudos dos Costumes: uma das três grandes partes dos escritos de Balzac. (E/M; w.b.)
áiretas e não vemos outra melhor que uma intenção bem marcada de propaganda. Balzac
é um dos primeiros a ter adivinhado o poder do anúncio e, sobretudo, do anúncio disfarçado.
Naquele tempo ... os jornais ignoravam sua força... Quando muito, por volta da meia-
noite, quando os operários terminavam a paginação, os anunciantes vinham introduzir
algumas linhas, abaixo da coluna sobre a Massa Regnault ou o Café Brasileiro. Nos jornais,
a rubrica reclame era desconhecida. Mais desconhecido ainda um procedimento tão
engenhoso quanto a citação num romance... Os fornecedores escolhidos por Balzac ...
pode-se dizer, sem medo de errar, sao os seus... Ninguém mais que o autor de César
Birotteau adivinhou o poder ilimitado da publicidade... Se se duvidasse da intenção, bastaria
suprimir os epítetos ... que justapõe a seus industriais ou a seus produtos. Imprime sem
pudor: a célebre Victorina, Prazer, um ilustre cabeleireiro, Staub, o alfaiate mais célebre dessa
época, Gay, um sapateiro famoso... Rue de la Michodière (e mesmo o endereço) ... a cozinha
de Rocher de Cancale ... o primeiro restaurante parisiense ... isto é, do mundo inteiro.” H.
Clouzot e R.-H. Valensi, Le Paris de la Comedie Humctine ("Balzac et ses fournisseurs”),
Paris, 1926, pp. 7-8 e 177-179.
[A 9, 2]
A Passage Véro-Dodat liga a Rue Croix-des-Petits-Champs à Rue Jean-Jacques-Rousseau.
Nesta última, por volta de 1840, Cabet realizava suas reuniões em seus salões. Acerca da
atmosfera que nelas reinava, Martin Nadaud ( Memoires de Léonard, Ancien Garçon Ríaçon )
dá uma ideia: Ele tinha ainda na mão a toalha e o barbeador de que se servira. Pareceu-nos
tocado de alegria vendo-nos convenientemente vestidos, o ar sério: Ah! Senhores, disse (ele
não disse: cidadãos), se vossos adversários vos conhecessem, vós desarmaríeis sua crítica;
vossa aparência, vosso comportamento são os de pessoas muito bem educadas’.” Cit. Charles
Benoist, Lhomme de 1848”, II ( Revue des Deux Mondes, 1 de fevereiro de 1914, pp. 641-
6412) . — E característico de Cabet o fato de sustentar a opinião de que operários não deviam
ter uma ocupação que exigisse a escrita.
[A 9, 3]
Ruas-salões: As mais largas e mais bem situadas dentre as ruas-galerias foram ornamentadas
com gosto e suntuosamente mobiliadas. As paredes e os tetos foram cobertos de ... mármores
raros, de douraduras..., de espelhos e de quadros; guarneciam-se as janelas de magníficas
tapeçarias e de cortinas bordadas com desenhos maravilhosos; cadeiras, poltronas, canapés
... ofereceram assentos comodos aos visitantes fatigados; enfim, móveis artísticos, antigos
baus..., vitrines cheias de curiosidades..., potes contendo flores naturais, aquários cheios de
peixes vivos; gaiolas povoadas de pássaros raros completaram a decoração dessas ruas-galerias
que, à noite, eram iluminadas por candelabros dourados e lustres de cristal. O Governo
quis que as ruas pertencendo ao povo de Paris ultrapassassem em magnificência os salões
dos mais poderosos soberanos... Pela manhã, as ruas-galerias ficam entregues ao pessoal da
limpeza que areja, varre cuidadosamente, escova, espana, esfrega os móveis e conserva por
toda pane a mais escrupulosa limpeza. Em seguida, conforme a estação, fecham-se as
janelas ou deixam-nas abertas, acende-se a lareira ou se descem as cortinas... Entre nove e
dez horas, todo esse trabalho de limpeza está terminado e os transeuntes, raros até então, se
põem a circular em grande número. A entrada das galerias é rigorosamente proibida a todo
indivíduo sujo ou portador de um grande fardo; é igualmente proibido fumar e escarrar.”
Tony Moilin, Paris en lAn 2000, Paris, 1869, pp. 26-29 (“Aspects des rues-galeries”).
[A 9a, 1]
A
Passagens, Magasins de Nouveautés, Calicots ]
95
Os magasins de nouveautés resultam da liberdade de comércio conferida por Napoleão I.
“Dessas casas, famosas em 1817, que se chamavam La Filie Mal Gardée. Le Diable Boiteux,
Le Masque de Fer ou Les Deux Magots, não existe mais nenhuma. Muitas das que as
substituíram, sob Luís Filipe, caíram mais tarde, como La Belíe Ferrmère e La Chaussée
d’Antin, ou foram liquidadas mediocremente como Le Coin de Rue e Le Pauvre Diable.”
Visconde G. D’Avenel, “Le mécanisme de la vie moderne”, I, “Les granas magazins , Reine
des Deux Mondes, 15 de julho de 1894, p. 334.
[A 9a, 2;
O escritório do [semanário] 21 La Caricature, de Philipon, localizava-se na Passage \ éro-Dodat.
[A 9 a, 3 ;
Passage du Caire. Instalada após o retorno de Napoleão do Egito. Possui algumas
reminiscências egípcias em seus relevos - entre outras, na entrada, cabeças que lembram
esfinges. “As passagens são tristes, sombrias, cruzam-se a cada instante de uma maneira
desagradável aos olhos... Parecem destinadas aos ateliês de litografia e às lojas de cartonagem,
como a rua vizinha é destinada às fábricas de chapéus de palha; os transeuntes são raros
ali.” Elie Berthet, “Rue et passage du Caire” ( Paris Chez Soí), Paris, 1854, p. 362.
[A 10, 1]
“Em 1798 e 1799, a expedição do Egito contribuiu enormemente para a moda dos xales.
Alguns generais do exército expedicionário, aproveitando a vizinhança da índia, enviaram
a suas mulheres e a suas amigas xales de ... caxemira... A partir desse momento, a doença
que se poderia chamar de febre da caxemira tomou proporções consideráveis, cresceu no
Consulado, cresceu no Império, tornou-se gigantesca na Restauração, colossal no governo
de Julho, e chegou, enfim, ao estado de esfinge depois da Revolução de fevereiro de 1848.”
Paris Chez Soi, p. 139. (A. Durand, “Châles-cachemires indiens et français”). Contém uma
entrevista com M. Martin, Rue Richelieu, 39, proprietário do magazine “Aux Indiens”;
relata que xales, que antes custavam de 1.500 a 2.000 francos, podem ser agora adquiridos
por 800 a 1.000 francos.
[A 10 , 2 ]
Em Brazier, Gabriel e Dumersan, Les Passages et les Rues, vaudeville em um ato, representado
pela primeira vez em Paris, no Théâtre des Variétés, em 7 de março de 182 , Paris. 182 .
— Início de uma copla do acionista Dulongot:
“Para as passagens faço
Votos sempre renovados:
Na Passage Delorme
Apliquei cem mil francos, (pp. 5-6)
“Saibam que querem cobrir todas as ruas de Paris com vidros, 0 que vai resultar em belas
estufas aquecidas; viveremos lá dentro como melões, (p. 19)
[A 10, 3 ]
De Girard, Des Tombeaux ou De llnfluence des Institutions Fúnebres sur les Moeurs, Paris,
1801: “A nova Passage du Caire, perto da Rue Saint-Denis, ... é pavimentada em parte
21
Nota E/M.
com pedras sepulcrais das quais nem mesmo se apagaram as inscrições góticas nem os
emblemas.” Com isso, o autor quer chamar a atenção para a decadência da devoção. Cit.
por Édouard Fournier, Chroniques et Légendes des Rues de Paris, Paris, 1864, p. 15 ^ ^
Brazier, Gabriel e Dumersan, Les Passages et les Rues, ou La Guerre Declarée, vaudevilk em um
ato, representado pela primeira vez em Paris, no Théâtre des Vanétés, em 7 de março de
1827 Paris, 1827. - O partido dos adversários das passagens é composto pelo br. Duperron,
comerciante de guarda-chuvas, Sra. Duhelder, mulher de um locador de coches, Sr. Mouffetard,
fabricante de chapéus, Sr. Blancmanteau, comerciante e fabricante de tamancos, Sra. Dubac,
que vive de renda - cada um deles provindo de um bairro diferente. Sr. Dulingot, que
aplicou seu dinheiro em ações de passagens, abraça a causa das passagens. Seu advogado e o
Sr. Afavor, o advogado de seus opositores é o Sr. Contra. Na antepenúltima cena (a a ), surge
o Sr. Contra à dianteira nas Ruas. Estas ostentam bandeiras apropriadas a seu nome. Entre
elas a Rue aux Ours, Rue Bergère, Rue du Croissant, Rue des Puits-qui-Parle, Rue du
Grand-Hurleur etc. Analogamente, aparece na cena seguinte o cortejo das Passagens com
suas bandeiras: Passage du Saumon, Passage de 1’Ancre, Passage du Grand-Cerf, Passage du
Pont-Neuf, Passage de 1’Opéra, Passage du Panorama. Na cena seguinte, a ultima (a 6 ),
emerge Lutécia 2: do seio da terra, a princípio na figura de uma velha. Diante dela, o
Sr. Contra defende sua causa contra as Passagens do ponto de vista das Ruas: Cento e
quarenta e quatro passagens abrem suas bocas escancaradas para devorar nossos hábitos, para
fazer fluir as ondas incessantemente renovadas de nossa multidão ociosa e ativa! voces
querem que nós, Ruas de Paris, fiquemos insensíveis a essas invasões de nossos direitos antigos.
Não, nós pedimos ... a interdição de nossos cento e quarenta e quatro adversários alem de
quinze milhões e quinhentos mil francos de indenizações e juros.” (p. 29) A defesa das
Passagens, pelo Sr. Aíàvor, tem a forma de uma copla. Eis uma amostra:
“Nós, os proscritos, nosso uso é cômodo,
Não fizemos, com nosso aspecto risonho,
Paris inteiro adotar a moda
Destes bazares, famosos no Oriente?
Quais são estas paredes que a multidão contempla?
Estes ornamentos, estas colunas, sobretudo?
Acreditar-se-ia estar em Atenas, e este templo
É ao comércio erguido pelo gosto. (pp. 29 - 30 ).
Lutécia faz a arbitragem da disputa: “O caso está concluído. Gênios das luzes, obedeçam a
minha voz. (Neste momento toda a galeria se ilumina a gás.)” (p. 31). Um balé das Passagens
e Ruas encerra o vaudeville. [A 10aj x]
:: He Lutetia, nome romano de Paris. (E/M)
A
[Passagens, Magasins de Nouveautés, Ca/icots ]
97
<fase tardia>
“Não hesito em escrever, por mais provocador que isso possa parecer aos sérios escritores de
arte: foi o calicot que lançou a litografia... Condenada às figuras segundo Rafael, às Briseidas
de Regnault, ela talvez estivesse morta; o Calicot a salvou.' Henri Bouchot. La Lithographie,
Paris, 1895, pp. 50-51.
IA 11, 1]
“Na Passage Vivienne,
Ela me disse: sou de Vienne.
E acrescentou:
Moro em casa de meu tio,
É o irmão de papai!
Eu lhe cuido um furúnculo,
E uma sorte cheia de encantos.
Eu devia encontrar a donzela
Na Passage Bonne-Nouvelle,
Mas em vão esperei-a
Na Passage Brady.
Ei-los, os amores de passagem!”
Narcisse Lebeau, cit. por Léon-Paul-Fargue, “Cafés de Paris”, II [in: Vu, IX, 416, 4 de
março de 1936].
[A 11,2]
“Nenhuma razão particular..., à primeira vista, para que a história tenha recebido este nome:
A Loja de Antiguidades. Há apenas dois personagens que têm alguma coisa a ver com esse
gênero de boutique, e desde as primeiras páginas eles a deixam para sempre... Mas quando
estudamos as coisas em seqüência, percebemos que esse título é uma espéae de chave para
todo o romance de Dickens. Suas histórias tinham sempre como ponto de parada alguma
lembrança de rua; as lojas, talvez a coisa mais poética de todas, muitas vezes movimentaram
sua imaginação desabusada. Cada boutique, na verdade, despertava nele a idéia de uma novela.
Entre as diversas séries de projetos ... é surpreendente não se ver começar uma série com o
título A Rua; ela seria inesgotável e as boutiques seriam os capítulos. Ele poderia ter escrito
romances deliciosos. A Boutique do Padeiro, A Farmácia, A Boutique do Comerciante de Óleos :
outros tantos complementos da Loja de Antiguidades. G. K. Chesterton, Dickens , traduzido
por Laurent e Marrin-Dupont, Paris, 1927, pp. 82-S3- 23
IA 11, 3]
“Pode-se evidentemente perguntar em que medida o próprio Fourier acreditava nessas
fantasias. Em seus manuscritos, acontece-lhe lamentar as críticas que tomam ao pé da letra
o figurado, e falar, noutro lugar, de suas esquisitices estudadas’. Não é proibido pensar que
haja ali pelo menos uma parte de charlatanismo voluntário, uma aplicação — quando ele
23 G. K. Chesterton, Charles Dickens (1906; reimpressão: Nova Iorque, Schocken, 1965), pp. 119-120. (E/M)
lançou seu sistema - de procedimentos de publicidade comercial, que começavam a se
desenvolver.” F. Armand e R. Maublanc, Fourier, Paris, 1937, I, p. 158. - Exposições^ ^ ^
Confissão de Proudhon ao fim de sua vida (in: LaJustice lA - a comparar com a visão do falansténo
em Fourier): “Foi mesmo preciso civilizar-me. Mas confessá-lo-ei? O pouco que dela aprendi me
desgostou... Odeio as casas de mais de um andar nas quais, numa inversão da hierarquia social, os
pequenos são instalados no alto, e os grandes estabelecidos no térreo.” (cit. Armand Cuvillier, Marx
et Pmudbon: A la Lumière du Marxisme, II, Primeira Parte. Paris, 1937, p. 211.) ^ lla 2 ]
Blanqui: “Usei”, disse ele, “a primeira insígnia tricolor de 1830, feita pela Sra. Bodin,
Passage du Commerce”. Gustave Geffroy, LEnfermé , Paris, 1897, p. 240. ^ ^ ^
Baudelaire escreve ainda: “um livro luminoso como um lenço ou um xale da índia”.
Baudelaire, LArt Romantique , Paris, p. 192 (“Pierre Dupont”). 25 [A ^ 4]
A coleção Crauzat possui uma bela reprodução da Passage des Panoramas de 1808. Encontra-se
aí também um prospecto de um engraxate, que trata principalmente do Gato-de-Botas.
r [A lla, 5]
Baudelaire, em 25 de dezembro de 1861, em carta à mãe sobre sua tentativa de empenhai
um xale: “Disseram-me que havia um acúmulo de caxemiras nos escritórios, com a
aproximação do ano novo, e que se procurava desestimular o público a levá-los. Baudelaire,
Lettres à sa Mère, Paris, 1932, p. 198. 1U &]
“Nosso século ligará o reino da força isolada, abundante em criações originais, ao reino da
força uniforme, mas niveladora, igualando os produtos, lançando-os em massa e obedecendo
a um pensamento unitário, última expressão das sociedades. ’ H. de Balzac, Llllustre
Gaudissart , Paris, ed. Calman-Lévy, p. 1 (1837). a ?]
Crescimento das vendas do Bon Marché, entre 1852 e 1863, de 450.000 francos para
7 milhões de francos. O aumento do lucro deve ter sido percentualmente muito menor.
Movimento grande, lucro pequeno foi um novo princípio, que se coadunava com os
principais efeitos, o efeito da multidão compradora e o da massa do estoque. Em 1852,
Boucicaut associa-se a Vidau, o proprietário do magasin de nouveautés Au Bon Marché.
“A originalidade consistia em vender a mercadoria de qualidade, garantida pelo preço da
mercadoria dos camelôs. A etiqueta com preço fixo foi outra inovação ousada, que suprimia
a pechincha e a ‘venda segundo a cara do freguês ; a devolução permitia ao cliente
anular sua transação à vontade; finalmente, os empregados eram pagos quase mtegralmente
através de comissões sobre as vendas: estes foram os elementos constitutivos da nova
organização.” George d’Avenel, “Le mécanisme de la vie moderne: Les grands magazins”,
Revue des Deux Mondes, Paris, 1894, pp. 335-336; 124 tomos.
24 De /a Justice dans la Révolution et dans l'Église, 3 vols., 1858. (E/M)
25 Baudelaire, OC II, pp. 26-27. (R.T.) - Baudelaire se refere ao livro de poemas de Victor Hugo, Les Orientales
(1829). (E/M)
A
[Passagens, Magasins de Nouveautés, Ca/icots ]
99
Na contabilidade das lojas de departamentos- o ganho de tempo deve ter representado um
papel importante no início; em comparação com o varejo, elas se beneficiaram com a
supressão das transações comerciais.
[A 12, 2]
Um capítulo “Xales, caxemiras”, em Ludwig Bõrne, Industrie-Ausstellung im Louvre,
Gesammelte Schrifien, Hamburgo / Frankfurt a. M., 1862, III, p. 260.
;a 12, 3]
A fisionomia da passagem surge em Baudelaire em uma frase no início do “Joueur génereux”:
“Parece-me estranho que eu tivesse passado tantas vezes ao largo desse prestigioso antro
sem desconfiar que ali era a entrada.” Baudelaire, CEuvres , texto organizado e anotado por
Y.-G. Le Dantec, I, Paris, 1931, p. 45 6. 26
[A 12, 4]
Característica específica das lojas de departamentos: os compradores sentem-se como massa;
são confrontados aos estoques; abrangem todos os andares com um só olhar; pagam preços
fixos; podem “trocar as mercadorias”.
' [A 12, 5]
“Naquelas partes da cidade onde se situam os teatros, os passeios públicos..., onde, por
isso, mora e circula a maioria dos forasteiros, praticamente não existem casas sem lojas.
Trata-se de um minuto ou de um passo para deixar as atrações exercerem seu apelo; pois
um minuto depois, um passo adiante, o transeunte já se encontra em frente a uma outra
loja... Os olhos são conduzidos como que à força, é preciso olhar para cima e ficar parado até
que o olhar seja restituído. O nome do comerciante ou de sua mercadoria está escrito dez
vezes em tabuletas penduradas por toda parte, sobre as portas, acima das janelas, o lado
externo da abóbada assemelha-se ao caderno de uma criança de escola, que repete
continuamente as poucas palavras a serem copiadas. As coisas não são exibidas em amostras,
e sim penduradas em peças inteiras estendidas diante da porta e das janelas. Por vezes,
ficam presas no terceiro andar, chegando até a calçada numa variedade de entrelaçamentos.
O sapateiro pintou toda a parte externa de seu estabelecimento com sapatos de várias
cores, uns ao lado dos outros, qual um batalhão. O emblema do serralheiro é uma chave
banhada a ouro de seis pés de altura; nem mesmo os gigantescos portões do céu precisariam
de uma chave maior. As paredes das lojas dos comerciantes de meias estão pintadas com
meias brancas de quatro palmos de altura, diante das quais nos assustamos no escuro,
fazendo-nos imaginar que fantasmas vestidos de branco vagam por aí. ...Porém, de uma
maneira mais nobre e mais graciosa, os pés e os olhos são atraídos pelos quadros pendurados
diante de muitas lojas... Estes quadros são freqüentemente verdadeiras obras de arte, e se
estivessem na galeria do Louvre, os especialistas ficariam diante deles observando-os com
prazer, quando não com admiração... Na loja de um peruqueiro [há] um quadro que,
embora mal pintado, apresenta uma idéia divertida. O príncipe herdeiro Absalão 27 está
pendurado pelos cabelos numa árvore e é perpassado por uma lança inimiga. Abaixo os
versos: ‘Contemplai de Absalão o deplorável destino,/ Se ele usasse peruca, evitaria a morte.’
Um outro ... quadro, representando uma moça que de joelhos recebe a coroa de rosas de
26 Baudelaire, OC I. p. 325 (te Spleen de Paris). (J.L.; w.b.)
27 Filho herdeiro do rei Davi, no Velho Testamento. Ele se revolta contra seu pai e é morto. Cf. 2 Samuel 18.
(E/M)
um cavaleiro, enfeita a porta da loja de uma chapeleira.” Ludwig Bõrne, Schilderungen aus
Paris, 1822 e 1823, VI (“Die Laden”), in: Gesammelte Schriften, Hamburgo / Frankfurt a.
M„ 1862, III, pp. 46-49. [A12a]
Sobre a “embriaguez religiosa das grandes cidades” de Baudelaire: as lojas de departamentos
são os templos consagrados a esta embriaguez. 28
28 Baudelaire, OC I, p. 651 ("Fusées", II). (R.T.)
_B_
[Moda]
"Moda: Senhora Morte! Senhora Morte!"
Giacomo Leopardi, Diálogo entre a Moda e a Morte. 1
"Nada morre, tudo se transforma."
.Honoré de Balzac, Pensées, Sujets, Fragments, Paris, 1910, p. 46
E o tédio é a treliça diante da qual a cortesã provoca a morte. ■ Ennui ■ ^ ^
Semelhança das passagens com os galpões cobertos onde se aprendia a pedalar. Nesses
locais, a mulher assumia sua aparência mais sedutora: a de ciclista Assim ela aparece nos
cartazes da época. Chéret, o pintor dessa beleza feminina. A roupa da ciclista, como protótipo
precoce e inconsciente da roupa esportiva, corresponde aos protótipos das formas oníricas,
tal qual elas, um pouco antes ou depois, apareceram para as fábricas ou para o automóvel.
Assim como as primeiras construções de fábricas apegavam-se à forma tradicional das moradias
e as primeiras carrocerias de automóveis imitavam as carroças, também a expressão esportiva
na roupa da ciclista luta ainda com a tradicional imagem ideal da elegancia e o fruto desta
luta é o toque obstinado, sádico, que tornou estes anos tão incomparavelmente provocantes
para o mundo masculino. ■ Moradas de sonho ■
* I B 1 . 21
“Nestes anos [por volta de 1880], começa não só a moda do Renascimento a fazer traquinagens,
mas também se inicia, por outro lado, um prazer novo da mulher pelo esporte, principalmente
pela equitação, e ambas as coisas influenciam a moda em direções bastante diferentes. É
original, embora nem sempre bonita, a maneira como os anos de 1882 a 1885 procuram
conciliar os sentimentos que fazem a alma feminina oscilar de um lado para o outro. Busca-se
uma solução ao modelar a cintura da maneira mais justa e simples, tornando, porém, a saia
ainda mais rococó.” 70 Jahre deutsche Mode , 1925, pp. 84-87.
[B 1, 3]
Aqui a moda inaugurou o entreposto dialético entre a mulher e a mercadoria — entre o
desejo e o cadáver. Seu espigado e atrevido caixeiro, a morte, mede o século em braças e, por
1 Giacomo Leopardi, "Dialogo Delia Moda e Delia Morte", in: Operette Morali, ed. org. por Alessandra
Donati, Bari, 1928, p. 23. (R.T.; Giorgio Agamben)
economia, ele mesmo faz o papel de manequim e gerencia pessoalmente a liqmdaçao que,
em francês, se chama révolution. Pois a moda nunca foi outra coisa senão a paródia do
cadáver colorido, provocação da morte pela mulher, amargo diálogo sussurrado com a
putrefação entre gargalhadas estridentes e falsas. Isso é a moda. Por isso ela muda tao
rapidamente; faz cócegas na morte e já é outra, uma nova, quando a morte a procura com
os olhos para bater nela. Durante um século, a moda nada ficou devendo à morte. Agora,
finalmente, ela está prestes a abandonar a arena. A morte, porém, doa a armadura das
prostitutas como troféu à margem de um novo Letes que rola pelas passagens como um rio
de asfalto. ■ Revolução ■ Amor ■ ib 1 , 4]
“Praças, ó praça de Paris, imenso cenário,
onde a modista, Madame Lamort,
entrelaça os caminhos inquietos da Terra, fitas infindas,
e os tece e com eles trama novos laços, babados, flores, enfeites,
frutas artificiais
R. M. Rilke, Duineser Elegien, Leipzig, 1923, p. 23. [B u 5]
“Nada está inteiramente em seu lugar, mas é a moda que fixa o lugar de tudo.” VEspnt
d’Alphonse Karr, Paris, 1877, p. 129. “Se uma mulher de bom gosto, ao desnudar-se à
noite, se encontrasse realmente do jeito que insinuou ser durante o ia todo, creio que seria
encontrada, no dia seguinte, submersa e afogada em suas lágrimas.” Alphonse Karr, cit. em
F. Th. Vischer, Mode und Zinismus, Stuttgart, 1879, pp. 106-107. [R R
Em Karr, encontra-se uma teoria racionalista da moda, que apresenta muita semelhança
com a teoria racionalista da origem das religiões. Ele atribui o aparecimento de saias longas
ao fato de certas mulheres terem interesse em esconder um <pé> sem graça. Ou ele denuncia
como origem de certas formas de chapéus e penteados o desejo de disfarçar um cabelo^ralo.
Quem hoje ainda se lembra onde, na última década do século passado, as mulheres
ostentavam aos homens sua aparência mais sedutora, a mais íntima promessa de seu corpo?
Nos galpões cobertos e asfaltados nos quais se aprendia a pedalar. Como ciclista, a mulher
disputa o primeiro lugar com a cantora dos cartazes e dá à moda sua linha mais ous ^a.^
Para o filósofo, o aspecto mais interessante da moda é sua extraordinária capacidade de
antecipação. É consenso que a arte, muitas vezes, geralmente por meio de imagens, antecipa
em anos* a realidade perceptível. Ruas ou salas puderam ser vistas em suas variadas cores
brilhantes bem antes que a técnica, através de anúncios luminosos ou outros dispositivos,
as colocasse sob uma luz desse tipo. Da mesma forma, a sensibilidade individual de um
artista em relação ao futuro ultrapassa em muito aquela da dama da sociedade. E, entretanto,
a moda está em contato muito mais constante, muito mais preciso, com as coisas vindouras
graças ao faro incomparável que o coletivo feminino possui para o que nos reserva o futuro.
B
[Moda] 103
Cada estação da moda traz em suas mais novas criações alguns sinais secretos das coisas
vindouras. Quem os soubesse ler, saberia antecipadamente não só quais seriam as
novas tendências da arte, mas também a respeito de novas legislações, guerras e
revoluções. 2 — Aqui, sem dúvida, reside o maior encanto da moda, mas também a
dificuldade de torná-lo frutífero. 3
[B la, 1]
“Pode-se traduzir contos populares russos, sagas familiares suecas e histórias de malandros
inglesas e encontraremos sempre a França naquilo que dá o tom à massa, não porque isso
será sempre a verdade e, sim, porque isso sempre será moda.” Gutzkow, Briefe aus Paris ,
Paris, vol. II, Leipzig, 1842, pp. 227-228. 4 Mas o que dá o tom é sempre o que é mais
novo, mas apenas onde este emerge entre as coisas mais antigas, mais passadas, mais habituais.
Este espetáculo — como o que é totalmente novo se forma a partir daquilo que se passou -
é o verdadeiro espetáculo dialético da moda. Somente desta maneira, como apresentação
grandiosa desta dialética, podem-se compreender os livros singulares de Grandville, que
tiveram um tremendo sucesso na metade do século. Quando ele apresenta um novo leque
como Leque de íris , através do desenho de um arco-íris, quando a Via Láctea é apresentada
como uma avenida noturna iluminada por candelabros a gás, quando A Lua Pintada por
Ela Mesma repousa nao sobre nuvens, mas sobre almofadas de pelúcia da última moda, 5 só
então se compreende que justamente neste século, o mais árido e menos imaginativo de
todos, toda a energia onírica de uma sociedade se refugiou com dupla veemência no reino
nebuloso, silencioso e impenetrável da moda, no qual o entendimento não a pode
acompanhar. A moda é a precursora, não, é a eterna suplente do Surrealismo.
[B la, 2]
Duas gravuras lascivas de Charles Vernier representam, como contrapartida, “um casamento
em velocípede” — ida e volta. A roda oferecia uma possibilidade inimaginada para a
representação da saia levantada.
[B la, 3]
Uma perspectiva definitiva sobre a moda oferece-se apenas pela observação de como para
cada geração aquela que a precedeu imediatamente parece ser o antiafrodisíaco mais radical
'que se possa conceber. Com este julgamento, ela não está tão errada como se pode imaginar.
Há em cada moda algo de sátira amarga do amor, cada moda contém todas as perversidades
sexuais da maneira mais impiedosa possível, cada uma comporta em si resistências secretas
contra o amor. Vale a pena confrontar-se com a seguinte observação de Grand-Carteret,
não importa quão superficial ela seja: “É pelas cenas da vida amorosa que se percebe, na
verdade, aparecer todo o ridículo de certas modas. Estes homens, estas mulheres, não são
2 À margem de uma transcrição tipográfica deste fragmento, feita por Gretei Adorno, encontra-se esta nota
manuscrita de Theodor W. Adorno: "eu diria: contra-revoluções". (R.T.)
3 Na revisão da tradução deste fragmento foi consultada também a tradução anteriormente publicada por
Sheila Grecco em "A Moda, Segundo Benjamin", Suplemento "EU&", Valor, São Paulo, 6 a 8 de
outubro de 2000, p. 31. (w.b.)
4 O romancista Karl Gutzkow (181 1-1878) é, mais ainda que Ludwig Bõrne (1786-1 837), um representante
do movimento da Jovem Alemanha. Suas cartas de Paris ( Briefe aus Paris) oferecem uma descrição crítica
da vida política e intelectual durante a monarquia de Julho. (J.L.)
5 Os desenhos L‘éventail tflris e La lune peinte par elle même encontram-se no capítulo "Les Mystères de
rinfini" do livro de Grandville, Un Autre Monde, Paris, 1844; a "Via Láctea" como "avenida noturna
iluminada por candelabros a gás" parece ser uma alusão à gravura A ponte dos planetas. (R.T.)
■ates sjrotescos em gestos, em poses, pelo topete extravagante em si mesmo, pelo chapéu de
copa alta- , pelo redingote ajustado à cintura, pelo xale, pelos chapéus de abas largas, pelos
I»wyn»no<L borzeguins de tecido?” O confronto das gerações passadas com as modas tem
então uma importância muito maior do que se imagina habitualmente. E é um dos aspectos
mais importantes do costume histórico de empreender isso sobretudo no teatro. A partir
do teatro, a questão do costume penetra profundamente na vida da arte e da poesia, nas
q uais a moda é, ao mesmo tempo, mantida e superada. ^
Um problema bem semelhante colocou-se para nós em vista das novas formas de velocidade
que trouxeram um ritmo diferente à vida. Isto também, de certa forma, foi testado
primeiramente de maneira lúdica. Surgiram as “montanhas-russas’ , e os parisienses, qual
loucos, apoderaram-se deste divertimento. Por volta de 1810, conforme anota um cronista,
uma dama teria desperdiçado 75 francos numa só noite no Pare de Montsouris, onde havia
estas atrações aéreas. O novo ritmo da vida anuncia-se por vezes de maneira mais inesperada.
É o caso dos cartazes. “Essas imagens de um dia ou de uma hora, desbotadas pelas
tempestades, rabiscadas a carvão pelos meninos, queimadas pelo sol e alguma vezes cobertas
por outras imagens, antes mesmo que tenham secado, simbolizam - num grau ainda mais
intenso que a imprensa - a vida rápida, agitada, multiforme que nos arrasta.” Maurice
Talmeyr, La Cité du Sang, Paris, 1901, p. 269. Pois, nos primeiros tempos do cartaz ainda
não havia uma lei que regulasse sua colocação, sua proteção ou que também garantisse a
proteção contra os cartazes e, assim, era possível acordar uma certa manhã e encontrar a
própria janela tapada por um cartaz. Esta enigmática necessidade de sensações foi desde
sempre satisfeita pela moda. Porém, somente a reflexão teológica a respeito conseguirá
atingir o cerne da questão, pois revela-se aí uma atitude profunda, afetiva, do ser humano
frente ao curso da história. Somos levados a associar esta necessidade de sensações a um dos
sete pecados capitais e não devemos nos surpreender com o fato de um cronista associar a
isso profecias apocalípticas e anunciar um tempo em que os seres humanos se tornarão
cegos devido ao excesso de luz elétrica e desvairados por conta do ritmo acelerado das
notícias. (Em lacques Fabien, Paris en Sonve, Paris, 1863.)
[B2, 1]
“Em 4 de outubro de 1856, o Teatro Ginásio representou uma peça intitulada Les Toilettes
Tapageuses (As Toaletes Escandalosas). Era a época da crinolina e as mulheres-‘balão’ estavam
na moda. A atriz que representava o papel principal, tendo compreendido a intenção
satírica do autor, trazia um vestido cuja saia propositalmente exagerada tinha uma amplidão
cômica e quase ridícula. No dia seguinte, à primeira apresentação, seu vestido foi pedido
como modelo por mais de vinte grandes damas, e oito dias depois a crinolina tinha dobrado
de dimensão.” Maxime Du Camp, Paris, vol. VI, p. 1927
[B 2, 2]
“A moda é a procura sempre vã, muitas vezes ridícula, às vezes perigosa, de uma beleza
superior ideal.” Du Camp, Paris, vol. VI, p. 194. ^ ^
A epígrafe de Balzac se presta bem para explicar a temporalidade do inferno. A explicar por
que esta temporalidade não quer conhecer a morte, por que a moda zomba da morte, e
6 A primeira edição da obra de Maxime Du Camp sobre Paris foi publicada entre 1 869 e 1 875; até 1 898 houve
oito reedições. O editor alemão não conseguiu descobrir quais foram as edições utilizadas por Benjamin,
pois as indicações de volumes e páginas são contraditórias, lacunares ou não encontráveis. (R.T.; w.b.)
B
[Moda] 105
como a rapidez do trânsito e a velocidade da transmissão de noridas — que faz com que as
edições dos jornais se sucedam rapidamente — visam a eliminar toda interrupção, todo fim
abrupto, e de que maneira a morte como cesura tem a ver com a linha reta do decurso
divino do tempo. — Houve modas na Antigüidade? Ou será que o “poder da moldura” as
proibiu?
[B 2, 4]
“Ela era contemporânea de todo mundo.” Jouhandeau, Prudence Hautechaume, Paris, 1927,
p. 129; ser contemporânea de todo mundo - eis a satisfação mais apaixonada e mais secreta
que a moda oferece à mulher.
[B 2, 5]
Poder da moda sobre a cidade de Paris num símbolo. “Comprei um mapa de Paris impresso
num lenço.” Gutzkow, Briefe aus Paris , vol. I, Leipzig, 1842, p. 82.
[B 2a, 1]
Sobre a discussão médica a respeito da crinolina: pensava-se poder “justificá-la, como à
saia-balão, pelo frescor agradável e oportuno que os membros desfrutam por baixo dela ...
portanto, procura-se saber por parte da medicina se esse louvável frescor já teria provocado
resfriados que acarretariam um fim funesto e prematuro do estado que a crinolina
originalmente teria a finalidade de dissimular”. E Th. Vischer, Kritische Gãnge, Nova Série,
3 o caderno, Stuttgart, 1861, p. 100 (“Vernünftige Gedanken iiber die jetzige Mode”).
[B 2a, 2]
“Uma loucura que a moda francesa da época da Revolução e do Primeiro Império imitasse
o mundo grego com roupas talhadas e costuradas à maneira moderna.” Vischer, “Vernünftige
Gedanken über die jetzige Mode”, p. 99.
[B 2a, 3]
Cachecóis de tricô — cache-nez à maneira das dançarinas indianas — usados também por
homens, em cores pouco vistosas.
[B 2a, 4]
E Th. Vischer, sobre a moda das mangas largas que caem sobre o pulso nas roupas
masculinas: “Não são mais braços, e sim asas rudimentares, asas atrofiadas de pingüins,
nadadeiras de peixes, e o movimento desses penduricalhos disformes faz com que o homem,
ao andar, pareça estar a agitar os braços de forma amalucada e idiota, a empurrar, a tremelicar,
a remar.” Vischer, “Vernünftige Gedanken über die jetzige Mode”, p. 111.
[B 2a, 5]
Importante crítica política da moda do ponto de vista burguês: “Quando o autor destes
pensamentos racionais viu embarcar no trem o primeiro rapaz vestindo uma camisa com o
mais moderno colarinho, acreditou piamente estar vendo um padre; pois esta tira branca
situa-se na parte inferior do pescoço à mesma altura do conhecido colarinho do clero
católico e, além disso, o longo paletó era preto. Quando reconheceu o exemplo mundano
da última moda, compreendeu o que este colarinho também significa: Oh, para nós, tudo,
7 "Gewalt des Rahmens", no original. Cf. GS I, 292-294, especialmente, 294. Benjamin retoma
aqui uma formulação do seu livro Origem do Drama Barroco Alemão: cf. ODBA, p. 138,
segmento "A Morte Trágica como Moldura" (pp. 136-138). (R.T.; w.b.)
Mi « ! iiiwiin,
mudo é igual, até as concordatas! Por que não? Devemos nos entusiasmar com as Luzes
como rapazes nobres? Não é a hierarquia mais distinta do que a planura de uma insípida
libertação dos espíritos, que ao fim nada mais faz do que azedar o prazer do homem
elegante? - Ademais, este colarinho, ao traçar o pescoço numa linha reta e firme, lembra o
belo aspecto de um recém-guilhotinado, o que combina bem com o caráter do esnobe.”
Alia-se a isso a reação violenta à cor violeta. Vischer, “Vernünftige Gedanken über die
jetzige Mode”, p. 1 12.
[B 2a, 6]
Sobre a reação de 1850-1860: “Declarar o que se pensa é tido como ridículo, ser severo,
como infantil, assim sendo, como a roupa não deveria tornar-se também sem graça, frouxa e,
ao mesmo tempo, apertada?” Vischer, p. 117. Assim, ele relaciona a crinolina também ao
“imperialismo fortalecido que se estende e se infla como ela e que é a última e mais forte
expressão do refluxo de todas as tendências do ano de 1 848, fazendo recair seu poder como uma
campânula acima do bem e do mal, da justiça e da injustiça da revolução”. Vischer, p. 119.
[B 2a, 7]
“No fundo, estas coisas são ao mesmo tempo livres e não-livres. Trata-se de um claro-
escuro, onde se entremesclam a necessidade e o humor... Quanto mais fantástica uma
forma, tanto mais fortemente a consciência clara e irônica acompanha a vontade servil. E
esta consciência nos garante que a loucura não durará, quanto mais crescer, mais próximo
estará o tempo em que terá efeito; a consciência tornar-se-á ação e libertar-se-á das amarras.”
Vischer, pp. 122-123.
[B 2a, 8]
Um dos textos mais importantes para o esclarecimento das possibilidades excêntricas,
revolucionárias e surrealistas da moda, além disso, um texto que justamente estabelece a
relação do Surrealismo com Grandville etc., é o capítulo sobre a moda no Poete Assassine, de
Apollinaire, Paris, p. 74 et seq. 8
[B 2a, 9]
Como a moda tudo imita: surgiram programas para as roupas sociais, como os que
acompanham a mais moderna música sinfônica. Em 1901, em Paris, Victor Prouvé expôs
um imponente traje de luxo com o título: “Margens fluviais na primavera”.
[B 2a, 10]
Marca da moda de então: sugerir um corpo que jamais conhecerá a nudez total.
[B 3, 1]
Apenas por volta de 1890 considera-se que a seda já não é o material mais nobre para
a roupa de passeio; por isso foi-lhe atribuída uma nova função, antes desconhecida:
utilizou-se a seda como forro. A roupa de 1870 a 1890 é extremamente dispendiosa e
as mudanças da moda limitam-se por isso, muitas vezes, a modificações prudentes
cuja intenção implícita é a de, por assim dizer, criar uma roupa nova através da reforma
de uma roupa velha.” 70 Jahre deutsche Mode, 1925, p. 71.
[B 3, 2]
Ano de 18 3 ... quando as enormes almofadas presas ao traseiro faziam com que as saias se
avolumassem, com seus drapeados em dobras, babados plissados, debruns e fitas, parecendo
8 Cf. B 3a, 1 . (J.L.)
B
[Moda] 107
sair da oficina de um tapeceiro e não do ateliê de um costureiro. J. W. Samson, Die
Frauenmode der Geçenwart, Berlim e Colônia. 192~. pp. 8-9.
[B 3. 3]
Nenhum tipo de imortalização é tão perturbador quanto o do efémero e das formas da
moda que nos reservam os museus de cera. E quem um dia as viu, tera se apaixonado, como
André Breton, pela figura feminina do Musée Grévin que ajeita sua liga no canto de um
camarote. Paris, p.
;B 3, 4:
Os arranjos florais, feitos de grandes lírios brancos ou de nenúfares, com as longas hastes
de junco, que parecem tão graciosos em cada penteado, evocam involuntariamente sílfides
e náiades delicadas e suavemente esvoaçantes — assim como a morena fogosa não pode
enfeitar-se de maneira mais encantadora do que com uma coroa graciosa entremeada de
frutos: cerejas, groselhas e até uvas tecidas com hera e ervas; ou ainda, com as longas fúesias
de veludo vermelho flamejante, cujas folhas de veios rubros, como que respingadas de
orvalho, formam uma coroa; à sua disposição igualmente o mais belo cactus speciosus, com
longos e alvos filetes; aliás, as flores escolhidas para os arranjos de cabelos são muito grandes
— vimos um arranjo assim, de rosas brancas centifólias’, lindamente pitoresco, tecido com
grandes amores-perfeitos e galhos de hera, ou melhor, hastes, dando aos ramos nodosos e
ascendentes a impressão de que a própria natureza aí tivesse se imiscuído — longos ramos
de flores em botão e hastes que, ao menor toque, balouçavam de ambos os lados.” Der
Bazar , 3 o ano, Berlim, 1857, p. 11 (Veronika von G., “A moda”).
[B 3, 3]
A impressão de antiquado somente pode advir onde de certa maneira se toca no que é mais
atual. Se os primórdios da mais moderna arquitetura situam-se nas passagens, seu caráter
antiquado tem tanto a dizer ao homem de hoje quanto o caráter antiquado do pai a seu filho.
[B 3, 6]
Formulação minha: “O eterno, de qualquer modo, é, antes, um drapeado de vestido do
que uma idéia.” 9 10 ■ Imagem dialética ■
[B 3. 7]
No fetichismo, o sexo suprime as barreiras entre o mundo orgânico e o inorgânico. Vestuário
e jóias são seus aliados. Ele se sente em casa tanto no mundo inerte quanto no da carne.
Esta lhe indica o caminho de como se instalar no primeiro. Os cabelos são um território
situado entre os dois reinos do sexo. Um outro abre-se-lhe na embriaguez da paixão: as
paisagens do corpo. Estas nem mesmo estão mais vivas, mas são ainda acessíveis ao olhar
que quanto mais distante tanto mais transfere ao tato ou ao olfato a viagem através destes
reinos da morte. No sonho, porém, não raro intumescem-se os seios que, como a terra,
estão totalmente vestidos de florestas e rochedos, e os olhares imergiram sua vida no fundo
de espelhos d’água adormecidos em vales. Estas paisagens percorrem caminhos que
acompanham o sexo ao mundo do inorgânico. A própria moda é apenas um outro meio
que o atrai ainda mais profundamente ao mundo da matéria.
[B 3, 8]
9 André Breton, Nadja, Paris, Gallimard, 1980, p. 179. (J.L.)
10 Cf. N 3, 2. (R.T.)
ísse ano. diz Thstouse, a moda é bizarra e familiar, simples e cheia de fantasia. Todos os
materiais dos diferentes reinos da natureza podem agora entrar na composição de uma
roupa de mulher Vi um vestido encantador feito de rolhas de cortiça... Um grande costureiro
cogita lançar tailleurs feitos com o dorso de livros velhos, costurados com pêlo de bezerro...
s espinhas de peixe são muito usadas em chapéus. Vêem-se freqüentemente deliciosas
jovens vestidas como peregrinas de Santiago de Compostela, sendo sua roupa, como convém,
constelada de conchas de ‘São Tiago’.' 1 A porcelana, o grés e a louça surgiram bruscamente
na arte da vestimenta... As plumas decoram agora não apenas os chapéus, mas os sapatos e
as luvas, e no proximo ano serão colocadas nas sombrinhas. Fazem-se sapatos de vidro de
Veneza e chapéus de cristal de Baccarat... Esqueci-me de lhes dizer que, na última quarta-
eira vi nos boulevards uma velha madame vestida com pequenos espelhos aplicados e
co ados em um tecido. Ao sol, o efeito era suntuoso. Parecia, digamos, uma mina de ouro
a passeio. Mais tarde começou a chover e a dama pareceu uma mina de prata... A moda
torna-se prática e não despreza mais nada, enobrece tudo. Ela faz com a matéria o que os
românticos fizeram com as palavras.” Guillaume Apollinaire, Le Poete Assassiné, nova edição
Paris, 1927, pp. 75-77.
[B 3a, 1]
Um caricaturista representa - por volta de 1 867 - a armação da crinolina como uma gaiola
na qual uma moça mantém galinhas e um papagaio presos. Cf. Louis Sonolet, La Vie
lansienne sous le Second Empire , Paris, 1929, p. 245.
[B 3a, 2]
“Os banhos de mar deram o primeiro golpe na solene e embaraçosa crinolina.” Louis
sonolet, La Vie Parisienne som le Second Empire, Paris, 1929, p. 247.
[B 3a, 3]
A moda consiste de extremos. Como ela, por natureza, procura os extremos, nada mais lhe
resta ao abandonar uma determinada forma senão remeter-se exatamente ao seu contrário ”
70Jahre deutsche Mode ’ 192 5. P- 51. Seus máximos extremos: a frivolidade e a morte.
(B 3a, 4]
Consideravamos a crinolina o símbolo do Segundo Império na França, de sua mentira
deslavada, de seu atrevimento leviano e ostentoso. Esse império ruiu..., mas o mundo
parisiense ainda teve tempo, antes de sua queda, de salientar na moda feminina um outro
aspecto de seu estado de espírito, e a república não se hirtou de aceitá-lo e conservá-lo.” F
ih. Vischer, Mode und Cynismus, Stuttgart, 1879, p. 6. A nova moda a que Vischer se
re ere e explicada da seguinte forma: “O vestido é cortado transversalmente sobre o corpo
e estende-se ... sobre o abdome.” (p. 6) Mais tarde, ele ahrma que as mulheres que assim se
vestem estão nuas, embora vestidas” (p. 8).
[B 3a, 5]
Fnedell explica em relação à mulher “que a história de seu vestuário demonstra
surpreendentemente poucas variações, nada mais sendo do que uma seqüência de algumas
nuances que mudam muito rapidamente, mas que também retornam com maior freqüência:
o comprimento das caudas, a altura dos penteados, o comprimento das mangas, o volume
saia, o tamanho do decote, a altura da cintura. Mesmo revoluções radicais como o atual
Conchas Samt-Jacques, tradicionalmente fixadas no manto e no chapéu dos peregrinos de Santiago de
Compostela, em francês, Saint-Jacques de ComposteUe. (w.b.)
B
[Moda] 109
corte de cabelos à la garçonne são apenas o eterno retorno do mesmo . Egon Friedell,
Kulturgeschichte der Neuzeit, vol. III, Munique, 1931, p. 88. Desta forma, segundo o autor,
a moda feminina se distingue da moda masculina, mais variada e mais determinada.
[B 4, 1]
“De todas as promessas feitas no romance de Cabet, Viagem a Icária, ao menos uma se
realizou. De fato, Cabet tentara mostrar no romance, no qual está descrito o seu sistema,
que o futuro estado comunista não deveria conter nenhum produto da fantasia nem sofrer
qualquer tipo de mudança institucional. Por isso, banira de Icária todas as modas e, em
particular, as sacerdotisas da moda, as modistas, assim como os ourives e todas as outras
profissões que prestam serviço ao luxo, exigindo que as roupas, os utensílios etc. jamais
fossem modificados.” Sigmund Englánder, Geschichte der franzosischen Arbeiter-Associationen,
Hamburgo, 1864, vol. II, pp. 165-166.
[B 4, 2]
Em 1828 deu-se a estréia da Muda de Portici. Trata-se de uma música ondulante, uma
ópera de drapeados que se elevam e recaem sobre as palavras. Ela devia fazer sucesso na
época, quando o drapeado iniciou seu desfile triunfal (primeiramente na moda, como xale
turco). Esta revolta, cuja primeira tarefa era garantir a segurança do rei diante dela, aparece
como prelúdio daquela de 1 830 - uma revolução que provavelmente era apenas um drapeado
ocultando um reviramento nos círculos dominantes. 12
[B 4, 3]
Será que porventura a moda morre — por exemplo, na Rússia — pelo fato de ela não mais
conseguir acompanhar o ritmo — pelo menos em certos domínios?
As obras de Grandville são verdadeiras cosmogonias da moda. Uma parte de sua obra poderia
ser intitulada “A luta da moda com a natureza”. Comparação entre Hogarth e Grandville.
Grandville e Lautréamont. - O que significa a hipertrofia da epígrafe em Grandville?
“A moda é um testemunho, mas um testemunho da história do grande mundo somente,
porque em todos os povos ... os pobres não têm modas como não têm história, e nem suas
idéias, nem seus gostos, nem sua vida mudam em nada. Talvez ... a vida pública comece a
penetrar nos pequenos lares, mas isso levará tempo.” Eugène Montrue, Le XIX Siècle Vécu
par Deux Français, Paris, p. 241.
[B 4, 6]
A seguinte observação permite reconhecer qual o significado da moda como disfarce de
determinados desejos da classe dominante. “Os donos do poder sentem uma imensa aversão
a grandes transformações. Desejam que tudo fique como está, por mil anos de preferência.
Seria preferível que a lua permanecesse imóvel e que o sol não se movesse! Então ninguém
sentiria mais fome e teria vontade de jantar. Quando tivessem usado sua arma, os adversários
não deveriam mais atirar, seus tiros deveriam ser os últimos.” Bertolt Brecht, “Fünf
Schwierigkeiten beim Schreiben der Wahrheit”, Unsere Zeit, VIII, 2-3, abril de 1935,
Paris/Basiléia/Praga, p. 32.
[B 4a, 1]
12 La Muette de Portici: ópera de D.-F.-E. Auber. Um dueto desta obra, "Aimour sacré de la patrie", teria sido
o sinal para dar início à Revolução de 1830, em Bruxelas. (E/M)
110 ■ Passagens
Mac-Orlan, que enfatiza as analogias com o Surrealismo encontradas em Grandville, chama
a atenção nesse contexto para a obra de Walt Disney, sobre quem afirma: “Ele não contém
nenhum germe de mortificação. Nisso ele se afasta do humor de Grandville, que sempre
trouxe consigo a presença da morte. Mac-Orlan, “Grandville le précurseur”, Arts et Métiers
Graphiques, 44, 15 de dezembro de 1934, p. 24.
[B 4a, 2]
De duas a três horas aproximadamente é o tempo que dura a apresentação de uma grande
coleção. De acordo com o ritmo ao qual os manequins foram acostumados. Ao final, já é
uma tradição, surge uma noiva coberta de véus.” Helen Grund, Vom Wesen der Mode, p.
19, manuscrito particular, Munique, 1935. 13 Segundo o uso citado, a moda faz uma
referencia aos costumes, indicando, porém, que não se detém diante deles.
[B 4a, 3]
Uma moda atual e seu significado. Na primavera de 1935, aproximadamente, surgiram na
moda feminina plaquetas de metal de tamanho médio, perfiiradas, usadas sobre a malha
ou o casaco, com a inicial do prenome da mulher que os vestia. Assim, a moda tirava
proveito da voga dos distintivos usados com maior freqüência pelos homens que se tornaram
membros de associações. Por outro lado, entretanto, com isso vem à tona a crescente restrição
à esfera particular. O nome, mais precisamente, o prenome das desconhecidas, é trazido a
público numa beirada de tecido. O fato de que com isso fosse mais fácil “travar conhecimento”
com uma desconhecida é de importância secundária.
[B 4a, 4]
Os criadores de moda ... freqüentam a sociedade e adquirem desse convívio uma impressão
geral, participam da vida artística, assistem a estréias e visitam exposições, lêem os livros de
sucesso - em outras palavras, sua inspiração inflama-se com os estímulos ... oferecidos por
uma atualidade movimentada. Todavia, como nenhum presente desliga-se totalmente do
passado, também o passado oferece-lhes estímulos... Mas apenas é utilizado aquilo que
está em harmonia com o acorde da moda atual. O chapeuzinho caído sobre a testa, que
devemos à exposição de Manet, prova simplesmente que possuímos uma nova disposição
de entrar em confronto com o fim do século anterior.” Helen Grund, Vom Wesen der Mode
Munique, 1935, p. 13.
[B 4a, 5]
<fase média>
Sobre a batalha publicitária entre a casa de alta costura e os jornalistas de moda. “Facilita
sua tarefa (dos jornalistas) o fato de nossos desejos coincidirem.” “Dificulta, porém, o fato
de que nenhum jornal ou revista queira considerar como novo aquilo que um outro jornal
ou revista já tenha publicado. Somente os fotógrafos e desenhistas, ao valorizar diferentes
aspectos de uma roupa através da pose e da iluminação, podem livrar-nos deste dilema. As
mais importantes revistas ... possuem estúdios fotográficos próprios, equipados com todos
13 Sobre Helen Grund, amiga de Franz Hessel, ver o prefácio de J.-M. Palmier à trad. francesa do livro de
Franz Hessel, Spazieren in Berlin (Leipzig / Viena, 1929): Promenades dans Berlin, Grenoble, PUG /
Débats d'un Siècle, pp, 17-18. (J.L.; w.b.)
B
(Moda] 111
os refinamentos técnicos e artísticos, comandados por fotógrafos muito talentosos e
especializados... A todos, porém, é vedada a publicação destes documentos antes do
momento de a cliente fazer sua escolha, portanto, normalmente de quatro a seis semanas
antes da estréia. O motivo desta medida? — Também a mulher não quer privar-se do efeito-
surpresa ao apresentar-se à sociedade vestindo estas novas roupas. Helen Grund, Vom
Wesen der Mode, pp. 21-22 (manuscrito particular, Munique, 1935 .
;b 5, í]
Segundo o sumário das seis primeiras edições, encontra-se na revista La Demiere Mode,
Paris, 1874, editada por Stéphane Mallarmé, “um encantador esboço esportivo, resultado
de uma conversa com o maravilhoso naturalista Toussenel”. Reprodução deste resumo em
Minotaure, II, 6, inverno de 1935, p. 27.
[B 5, 2]
Uma teoria biológica da moda, a partir da transformação da zebra em cavalo, descrita na
edição popular do Brehm, 14 p. 771, transformação “que se estendeu por milhões de anos...
A tendência inerente aos cavalos evoluiu dando ensejo à criação de um animal extraordinário
para o trote e a corrida... Os animais mais próximos de sua origem na atualidade exibem
um desenho de listras bastante chamativo. Um fato curioso é que as listras exteriores da
zebra manifestam uma certa concordância com a disposição das costelas e das vértebras no
lado interno. Da mesma forma, pode-se já determinar pelo lado externo a posição das patas
superiores dianteiras e traseiras através do desenho singular das listras nestas partes. O que
significa este desenho listrado? Certamente não possui uma função protetora... As listras
são mantidas, apesar de sua ‘inutilidade funcional’, e - por isso devem ter um significado
especial. Não estaríamos aqui diante de estímulos provocados exteriormente em prol de
tendências interiores que devem tornar-se particularmente ativas na época do acasalamento?
Como é que podemos transferir esta teoria para o nosso tema? - Algo basicamente
importante, segundo me parece. — A moda absurda’, desde que a humanidade passou da
nudez à roupa, toma emprestado o papel da natureza sábia... Pois ao determinar em sua
transformação ... uma permanente revisão de todas as partes da silhueta, a moda obriga a
mulher a preocupar-se permanentemente com a beleza.” Helen Grund, Vom Wesen der
Mode, Munique, 1935, pp. 7-8.
ÍB5, 3]
Na exposição universal de Paris de 1 900 havia um Palácio do Vestuário, no qual bonecas de
cera colocadas em cenários montados exibiam os trajes típicos de diferentes povos e as
modas de diferentes épocas.
[B 5a, 1]
“Nós observamos ao nosso redor ... os efeitos de confusão e dissipação que nos inflige o
movimento desordenado do mundo moderno. As artes não assumem compromisso com a
pressa. Nossos ideais duram dez anos! A absurda superstição do novo — que infelizmente
substituiu a antiga e excelente crença no julgamento da posteridade - atribui ao esforço do
trabalho o fim mais ilusório e o utiliza para criar o que há de mais perecível, o que é
perecível por essência: a sensação do novo... Ora, tudo o que se vê aqui foi experimentado,
14 Alfred Edmund Brehm (1 829-1 884), zoólogo e antigo diretor do Jardim Zoológico de Berlim, foi o autor
de Tierleben (Vida dos Animais), 6 vols. (1864-1869). A edição popular (o "Kleine Brehm"), à qual se
refere Benjamin, parece ser esta: Brehms Tierleben: Kleine Ausgabe für Volk und Schule, 3 vols., 2 a ed.,
org. por Richard Schmidtlein, Leipzig, Bibliographisches Institut, 1902. (J.L.; E/M; w.b.)
■Az,, e encantou durante séculos, e toda essa glória nos du com setemdade: ™ NÃO
r nl • M AD A DE NOVO. O Tempo pode mesmo estragar a matéria na qual aa ,
“Tart italien de Cimabue à Tiepolo , Petit Palais, 1935, pp- [B 5a 2]
■o triunfo da burguesia modifica a roupa feminina A roupa e o penteado se d=»volwmem
l" ... os ombros se alagam com mangas amplas, e não se taçcbra , recolo^ «
anSL armações e a se fazer saias bufantes. Assim vestidas, as mulheres pareciam destmad
à viàT sedentária, à vida familiar, porque sua maneira de se vestir não tinha nada que dessea
idéia d^ movimento ou que parecesse favorecê-lo. Aconteceu o contráno com a chegada do
Sepundo Império- os laços familiares se relaxaram; um luxo sempre crescente corrompeu o
costumes a ponto de tornar-se difícil distinguir, unicamente pelo aspecto da roupa, uma
mulher honesta de uma cortesã. Então, a toalete feminina se transfotmou da cabeça .aos I p ~
As armações foram jogadas para trás e se reuniram num traseiro acentuado Desenvolveu
Vêtement des Femmes (Insdmt de France, 25 de oumbro de 1872), pp. 12-13. [R ^ 3]
"Para entender . essência da moda atual, é preciso recorrer não só a morivos
individual tais como: o desejo de mudança, o senso de beleza, a pancao por se vestir,
ímpeto de se adaptar aos padrões. Sem dúvida, tais motivações interferiram em diversas
n^cSo das roupas... Entretanto, a moda tal como se entende ho,e. nao tem
motivações indirdduais, mas tão-somente uma motivação socai; no momento cm que «
entende isso, chega-se à compreensão de toda a sua essência. Jrata-se^cbempenhod ^
classes altas de se distinguirem das mais baixas, ou melhor, das classes med ...
a barreira - erigida sem cessar e sempre de novo demolida - através da qual o mundo
elegante procura isolar-se das regiões medianas da sociedade. Trata-se da procura desen rea
dalaidade social, na qual se repete sem cessar um mesmo fenómeno: o esforço de um
grupo para estabelecer a liderança, ainda que seja mínima a distância que o separe ^ os
perseguidores, e o esforço destes de neutralizar essa vantagem através
da nova moda. Explicam-se assim os traços característicos da moda atual. Primeirame
seu surgimento nas camadas superiores da sociedade e sua imitaçao nas camadas medias.
Tmodf “ move de cima para banco, não de baixo para cima... Uma tentativa das classes
médias de lançar uma moda nova jamais ... seria bem-sucedida; embora nada fosse mars
desejável para as camadas mais altas do que a adotação de uma moda própria por par
daquelas classes. ([Nota:] Isto não as impede, contudo, de procurar novos padrões na
cloaca do meio-mundo parisiense e lançar modas que carregam claramente na testa o
carimbo de sua origem licenciosa, como Fr. Vischer demonstrou de mane.ra “eme
em seu ensaio sobre a moda, ... muito criticado, porem, na minha opinião, ... altame
meritório.) Daí vem a mudança contínua da moda. Tão logo as classes medias adotem
moda recém-lançada, esta perde seu valor para as classes superiores... Por isso, a novidade e
a condição imprescindível da moda... A sua duração é inversamente proporcional a rapid
B
[Moda] 113
de sua difusão; seu caráter efêmero acentuou-se em nossos tempos na mesma medida em
que se multiplicaram os meios para sua difusão graças ao aperfeiçoamento dos nossos meios
de comunicação... E, fmalmente, a referida motivação social expiica também o terceiro
traço característico de nossa moda atual: sua ... tirania. A moda contém o critério exterior
segundo o qual uma pessoa ... ‘faz parte da sociedade’. Quem não quer abrir mão disso é
obrigado a segui-la, mesmo que rejeite totalmente uma nova tendência dela... Com isso é
decretada também a sentença da moda... Caso as camadas sociais, que são fracas e tolas o
suficiente para imitá-la, conseguissem atingir o sentimento de sua dignidade e auto-estima...,
chegar-se-ia ao fim da moda, e a beleza poderia, por sua vez, recuperar o lugar que ocupou
em todos os povos que ... não sentiram a necessidade de acentuar as diferenças de classes
através do vestuário, ou, onde isso ocorreu, tenham sido bastante razoáveis para respeitá-las.”
Rudolph von Jhering, Der Zweck im Recht , vol. II, Leipzig, 1883, pp. 234-238. 15
[B 6; B 6a, 1]
Sobre a época de Napoleão III: “Ganhar dinheiro torna-se objeto de um ardor quase sensual,
e o amor, uma questão de dinheiro. A época do Romantismo francês, o ideal erótico gravitava
em torno da grisette ; 16 agora é a vez da lorette 17 que se vende... Ocorreu na moda uma
nuance marota: as senhoras usam colarinhos e gravatas, paletós, saias cortadas à semelhança
de fraques ... túnicas de zuavo, dólmãs, bengalas, monóculos. Dá-se preferência a cores
fortemente contrastantes e berrantes, também para os penteados: cabelos vermelho-fogo
são muito apreciados... O tipo mais característico da moda é o da grande dama que faz o
papel da cocota.” Egon Friedell, Kulturgeschichte der Neuzeit, vol. III, Munique, 1931,
p. 203. O “caráter plebeu” desta moda apresenta-se ao autor como “invasão ... vinda de
baixo”, por parte dos nouveaux riches.
[B 6a, 2]
“Os tecidos de algodão substituem os brocados, os cetins ... e logo, graças ... ao espírito
revolucionário, o vestuário das classes inferiores torna-se mais conveniente e mais agradável
aos olhos.” Edouard Foucaud, Paris Inventem: Physiologie de 1’Industrie Française, Paris,
1844, p. 64 (refere-se à Revolução de 1789).
[B 6a, 3]
Um grupo que, observando-se mais atentamente, é composto apenas de peças de vestuário,
ao lado de algumas cabeças de bonecas. Legenda: “Bonecas nas cadeiras, manequins
carregando falsos colarinhos, falsos cabelos, falsos atrativos ... eis o mundo de Longchamp!” 18
Cabinet des Estampes.
[B 6a. 4]
“Se, em 1829, entrássemos nas lojas de Delisle, encontraríamos uma profusão de tecidos
diversos: japoneses, alhambras, orientais rústicos, stokoline, meótida, silénia, zinzoline,
bagazinkofif chinês... Com a revolução de 1830..., o cetro da moda atravessou o Sena, e a
Chaussée d’Antin substituiu o nobre faubourg.” Paul D’Ariste, La Vie et le Monde du
Boulevard (1830-1870), Paris, 1930, p. 227.
[B 6a, 5J
15 Cf. nota 3.
16 Jovem costureirinha na indústria da moda, de condição modesta e costumes levianos, (w.b.)
17 Moça de costumes levianos. O nome é derivado da igreja Notre-Dame de Lorette, situada num bairro
onde moravam muitas dessas jovens, (w.b.)
18 Hipódromo inaugurado em 1857 por Napoleão III, onde se disputam cada ano os "Grandes Prêmios";
localizado no Bois de Boulogne, o grande parque no oeste de Paris, (w.b.)
"O biiisuès abastado, amigo da ordem, paga seus fornecedores ao menos uma vez por ano;
mas o homem da moda, o chamado ‘leão’, paga seu alfaiate a cada dez anos, quando paga.
Acht Tage in Paris, Paris, Julho de 1855, p. 125.
“Fui eu que inventei os tiques. Atualmente o lornháo os substituiu... O tique consistia
em fechar o olho com um certo movimento de boca e um certo movimento do casaco...
A figura de um homem elegante deve ter sempre ... alguma coisa de convulsivo e de
crispado. Pode-se atribuir essas agitações faciais a um satanismo natural, à febre das
paixões, enfim, a qualquer coisa que se queira. Paris-Viveur, pelos autores das memórias
de Bilboquet [Taxile Delord], Paris, 1854, pp. 25-26.
“A moda de se vestir em Londres atingiu apenas os homens; a moda feminina, mesmo para
as estrangeiras, sempre foi vestir-se em Paris.” Charles Seignobos, Histoire Sincère de la
Nation Française, Paris, 1932, p. 402. ? ^
Marcelin, o fundador do períodico La Vie Parisienne, descreveu “as quatro eras da crinolma”.
A crinolina “é o símbolo inequívoco da reação por parte do imperialismo que se estende e
se infla..., fazendo recair seu poder como uma campânula acima do bem e do mal, da
justiça e da injustiça da revolução... Ela parecia um capricho do momento e se instalou por
todo um período, como o 2 de dezembro. ] ) F. Th. Vischer, cit. em Eduard Fuchs, Die
Karikatur der europãischen Vòlker, Munique, vol. II, p. 156. ^
No início dos anos quarenta, localiza-se um centro das modistas na Rue Wvienne.
Simmel indica que “a invenção da moda na época atual integra-se cada vez mais a organização
objetiva do trabalho da economia”. “Não surge em algum lugar um artigo que se torna moda;
ao contrário, criam-se artigos com a finalidade de tornar-se moda. A oposição enfatizada
nesta última frase poderia dizer respeito em certa medida àquela existente entre a era burguesa
e a era feudal. Georg Simmel, Philosophische Kultur, Leipzig, 1911, p. 34 ( A moda ). ^ ^
Simmel explica “porque as mulheres em geral estão fortemente ligadas à moda. Pois através
da fraqueza da posição social a que as mulheres foram condenadas na maior parte da
história origina-se sua relação estreita com tudo que seja costume . Georg Simmel,
Philosophische Kultur, Leipzig, 1911, p. 47 (“A moda ).
A seguinte análise da moda esclarece igualmente o significado das viagens que se tornaram
moda na burguesia durante a segunda metade do século: A enfase dos atrativos desloca-se
19 Alusão ao golpe de Estado de Luís Napoleão em 2 de dezembro de 1851. Ambos, o 2 de dezembro
assim como a crinolina, simbolizam o triunfo da reação. (E/M)
B
[Moda] 115
de maneira crescente de seu centro substancial para seu início e seu fim. Isto começa com os
sintomas mais insignificantes, como ... a substituição do charuto pelo cigarro, manifesta-se
pela mania das viagens que provoca, tanto quanto possível, uma vibração da vida em vários
períodos curtos do ano, com forte ênfase sobre a partida e a chegada. O ... ritmo da vida
moderna traduz não só o desejo pela mudança rápida dos conteúdos qualitativos da vida,
mas principalmente a força do atrativo formal da fronteira, do início e do fim.” Georg
Simmel, Philosophische Kultur, Leipzig, 1911, p. 41 (“A moda”).
[B 7a, 1]
Simmel afirma “que as modas são sempre modas de classe, que as modas da classe superior
distinguem-se daquelas da classe inferior e são abandonadas no momento em que esta
última começa a se apropriar delas”. Georg Simmel, Philosophische Kultur, Leipzig, 1911,
p. 32 (“A moda”).
LB 7a, 2]
A mudança rápida da moda faz com “que as modas não possam mais ser tão dispendiosas ...
quanto o foram em épocas anteriores... Surge aqui um círculo peculiar: quanto mais rápida é
a mudança da moda, tanto mais baratas as coisas precisam tornar-se; quanto mais baratas se
tornam, mais incitam os consumidores e obrigam os produtores a mais rápidas mudanças da
moda.” Georg Simmel, Philosophische Kultur, Leipzig, 1911, pp. 58-59 (“A moda”).
[B 7a, 3]
Fuchs em relação às observações de Jhering sobre a moda: “É necessário ... repetir que os
interesses da divisão de classes são apenas uma das causas da freqüente mudança da
moda e que a segunda — a freqüente mudança da moda como conseqüência do modo de
produção capitalista privado, que sempre precisa aumentar suas possibilidades de venda
no interesse de sua margem de lucro — deve ser levada em conta da mesma maneira. Esta
causa escapou totalmente a Jhering. E também a terceira causa não foi observada por ele:
os objetivos de estímulo erótico da moda, que são cumpridos da melhor maneira quando
os atrativos eróticos do homem ou da mulher chamam a atenção de modo sempre diferente
... Fr. Vischer, que escreveu sobre a ... moda vinte anos antes de Jhering, ainda não
reconhecera as tendências da divisão de classes na formação da moda..., em vez disso,
porém, teve consciência dos problemas eróticos do vestuário.” Eduard Fuchs, Illustrierte
Sittengeschichte vom Mittelalter bis zur Gegenwart: Das bürgerliche Zeitalter, volume
complementar, Munique, pp. 53-54.
[B 7a, 4]
<fase tardia?> 20
Eduard Fuchs (. Illustrierte Sittengeschichte vom Mittelalter bis zur Gegenwart: Das bürgerliche
Zeitalter, volume complementar, Munique, pp. 56-57) cita — sem referências — uma
observação de F. Th. Vischer, que. considera a còr cinzenta da roupa masculina simbólica
para o caráter “totalmente blasé ” do mundo masculino e de sua insipidez e inércia.
[B 8, 1]
20 Devido a uma lacuna na edição alemã, referente à gênese do arquivo temático "B", não é possível
determinar se a fase tardia se inicia com o fólio [B8] ou [B9] (cf. GS V, 1262). (w.b.)
ü trr cod,ec,m ' nto r*-** d “ m “» de — *> . o
“5“ ”=is ceno-, e mais singulat ' um dos
a era romântica. A preocupação com A - a l ^ Ueza de carater que marcaram
opírta*. ,o desejo dTZ™ LT ^ ** * “ “H-ccia ' ced.a, nos
Nasceu um automarismo l^dil” EsTrcmoÍ* '""
cradição. Enfim, a Moda oue é a mnrlon i c ... U S lm P eranva com o fora a
substituiu sua mobilidade essencial às lentas f™ ^ reqUenCla d ° gosto de uma clientela,
celebridades. Mas dizer q ue a Moda se encar^Td “
5^blTcorn.“ mérc10 * se intromete -” Paid Wély ’ ^ Itó. pp° iS
[B 8, 2]
ltel e r“ ^tT “ de ^ - 4-fc. Foi preciso „ esforço
«asa ourrora de luro." Michelet , Le Lpk, Pai 5ST"“ ^
[B 8, 3]
como outrora5 T criou ° protótipo do
^pa” Henti Pollès, Tart du commerce”, Tí feveSo de^cTm f
masculina inglesa e os tiques. Fevereiro de U37. Cf. moda
[B 8, 4]
1^1t“peZ H “JÍ 5 q M f “ mUdanÇ “.* m ? d * - o • confecção unperfeua
narmonianos ^ ^ d “
v™ e no mobiliário a varredade iLua.L o
produtos da industria societária ... eleva cada objeto manufaturado à extrema perfeição de
modo que o mobiliário e o vestuário ... tornam-se eternos.” Fourier, cit. em ITnd "
Maublanc, Founer, Paris, 1937, vol. II, pp. 196 e 198.
[B 8a. 1]
£ detalhes ^ ^ V C ° m ° Bdzac ’ ° ™ de ** «d,
hiteis detalhes da moda e do vestuário. Ambos os esmdam em si mesmos e elaboram com
£ ^ qUCSt ° eS m ” alS £ flIosóficas > P or que eles representam a realidade imediata no seu
aspecto^ mais agudo mais agressivo, mais irritante, talvez, mas também mais geralmente
vivido. [Nota]: Atóm disso, para Baudelaire, essas preocupações se voltam para sua
importante teoria do Dandismo da qual, justamente, ele fez uma questão de moral e de
mo erm a e. oger Caillois, Paris, mythe moderne”, Nouvelle Revue Fmnçaise, XXV
-84, 1 de maio de 1937, p. 692.
[B 8a. 2]
21 Paul Valéry, (Euvres, ed. org. por Jean Hytier, Paris, 1 960 (Bibliothèque de la Plêiade, 148), p. 1 321 . (R.T.)
B
[Moda] 117
“Grande acontecimento! As belas damas experimentam um dia a necessidade de inflar o
traseiro. Depressa, aos milhares, fábricas de enchimentos! ... Mas o que é uma simples
guarnição sobre ilustres cóccix? Uma bugiganga, na verdade... ‘Abaixo os traseiros! Viva as
crinolinas!’ E, de repente, o universo civilizado se transforma em manufatura de sinos
ambulantes. Por que o sexo encantador esqueceu os badalos dos sininhosr ... Ocupar um
lugar não é tudo, é preciso fazer barulho lá embaixo... O quartier Bréda e o faubourg Saint-
Germain são rivais em piedade, tanto quanto em engomados e em coques. Que sigam o
exemplo da Igreja! Nas vésperas, o órgão e o clero recitam alternadamente um versículo dos
salmos. As belas damas e seus sinos poderiam seguir esse exemplo: palavras e tilintes
retomando, cada um em sua vez, a seqüência da conversa.” Blanqui, Critique Sociale, Paris,
1885, vol. I, pp. 83-84 (“O luxo”). - “O luxo” é uma polêmica dirigida contra a indústria
de luxo.
[B 8a, 3]
Cada geração vivência a moda da geração imediatamente anterior como o mais radical dos
antiafrodisíacos que se pode imaginar. Com esse veredicto, ela não comete um erro tão
grande como se poderia supor. Em cada moda há um quê de amarga sátira ao amor; em
cada uma delas delineiam-se perversões da maneira mais impiedosa. Toda moda está em
conflito com o orgânico. Cada uma delas tenta acasalar o corpo vivo com o mundo inorgânico.
A moda defende os direitos do cadáver sobre o ser vivo. O fetichismo que subjaz ao sex
appeal do inorgânico é seu nervo vital.
Nascimento e morte - o primeiro, pelas circunstâncias naturais; a segunda, por circunstâncias
sociais — limitam consideravelmente a margem de liberdade da moda, quando se tornam
atuais. Este estado de coisas é realçado por uma dupla circunstância. A primeira refere-se
ao nascimento e mostra como a recriação natural da vida é “superada” pela novidade no
domínio da moda. A segunda refere-se à morte. No que concerne à morte, ela não aparece
menos “superada” na moda, quando esta liberta o sex appeal do inorgânico.
A descrição detalhada da beleza feminina, apreciada pela poesia barroca, que exalta cada um
de seus pormenores através da comparação, associa-se secretamente à imagem do cadáver. Tal
desmembramento da beleza feminina em suas partes gloriosas assemelha-se a uma dissecação,
e as mais apreciadas comparações das partes do corpo com o alabastro, com a neve, com
pedras preciosas ou outras matérias, sobretudo inorgânicas, reforçam esse sentimento. (Tais
desmembramentos são encontrados também em Baudelaire, “Le beau navire .)
[B 9, 3]
Lipps sobre a cor escura do vestuário masculino: ele afirma “que em nossa timidez geral em
relação a cores vivas, sobretudo no vestuário masculino, expressa-se de forma mais evidente
uma particularidade freqiientemente observada de nosso caráter. Toda teoria é cinzenta;
porém, a áurea árvore da vida é verde — não só verde, mas também vermelha, amarela,
azul. :: Nossa preferência pelos diferentes tons do cinza ... ao negro demonstra claramente
nossa maneira de ser, social e em geral, que privilegia acima de tudo a teoria da formação do
22 Referência a uma fala de Mefistófeles no Fausto de Goethe: "Gris, caro amigo, é toda teoria, / E verde a
áurea árvore da vida." Cf. J. W. von Goethe, Fdusto: Uma Tragédia - Primeira parte, ed. bilíngüe org. por
Marcus Vinícius Mazzari, trad. de Jenny Klabin Segai!, São Paulo, 2004, versos 2038-2039. (E/M; w.b.)
]]$ ■ Passagens
intelecto, que não é mais capaz de simplesmente fruir o belo, e sim ... de querer submetê-lo
antes de tudo à crítica, razão pela qual ... nossa vida espiritual torna-se sempre mais fria e
incolor.” Theodor Lipps, “Über die Symbolik unserer Kleidung”, Nord und Süd , XXXIII,
Breslau e Berlim, 1885, p. 352.
As modas são um medicamento que deve compensar na escala coletiva os efeitos nefastos
do esquecimento. Quanto mais efêmera é uma época, tanto mais ela se orienta na moda.
Cf. [K 2a, 3]. [B 9 a, 1 ]
Focillon sobre a fantasmagoria da moda: “Na maioria das vezes ... ela cria ... híbridos,
impõe ao ser humano o perfil do animal... A moda inventa assim uma humanidade artificial
que não é o cenário passivo do meio formal, mas o próprio meio formal. Essa humanidade
- às vezes heráldica, outras vezes teatral, ou feérica, ou arquitetural - tem ... como regra ...
a poética do ornamento, e o que ela chama de linha ... talvez não seja senão um sutil
compromisso entre um certo cânone fisiológico ... e a fantasia das figuras. Henri Focillon,
Vie des Formes, Paris, 1934, p. 41. [R 9a> 2]
Dificilmente encontra-se uma peça de vestuário que pode expressar tantas tendências eróticas
divergentes e fornecer tantas possibilidades para dissimulá-las quanto o chapéu feminino.
Enquanto o significado da cobertura de cabeça masculina seguia estritamente, em sua
esfera - a política -, alguns poucos modelos rígidos, as nuances do significado erótico do
chapéu feminino são incalculáveis. Não são as diferentes possibilidades de sugerir
simbolicamente os órgãos sexuais as que mais podem interessar aqui. Mais surpreendente
pode ser a explicação que o chapéu fornece sobre a vestimenta. Helen Grund formulou a
hipótese engenhosa de que o tipo de chapéu que é usado junto com a crinolina representa
na verdade um modo de manejo desta última para os homens. As largas abas do chapéu são
dobradas - indicando, desta maneira, como a crinolina deve ser dobrada para facilitar ao
homem o acesso sexual à mulher. 10 ^
A posição horizontal do corpo proporcionava as maiores vantagens para as fêmeas da espécie
homo sapiens, a julgar por suas representantes mais antigas. Ela lhes facilitou a gravidez,
como se pode deduzir ao considerar as cintas e bandagens às quais as mulheres grávidas de
hoje costumam recorrer. Partindo dessa constatação, poder-se-ia ousar perguntar: o andar
na posição ereta em geral não terá surgido antes nos machos do que nas fêmeas? Nesse caso,
então, a fêmea teria sido outrora a acompanhante quadrúpede do homem, como hoje o cão
ou o gato. A partir desta hipótese é apenas um passo para se chegar à suposição de que o
encontro frontal dos parceiros, por ocasião do acasalamento, teria sido originalmente uma
espécie de perversão, e talvez tivesse sido precisamente esta aberração que fez com que a
fêmea aprendesse a andar na posição ereta. (Cf. nota no ensaio Eduard Fuchs, o
colecionador e historiador”.) 23 .
23 Trata-se da nota 50 do ensaio "Eduard Fuchs, der Sammler und der Historiker", (GS II, p. 497;
primeira publicação in: Zeitschrift für Sozialforschung, VI, 1937). (R.T.)
B
[Moda] 119
“Seria ... interessante pesquisar quais os efeitos que a disposição à postura ereta pode ter
sobre a estrutura e as funções do resto do corpo. Não temos dúvida de que uma correlação
estreita abrange todas as partes da estrutura orgânica; porém» no estado atual de nossa
ciência, devemos afirmar que as influências extraordinárias que atribuímos com isso à postura
ereta não podem ser completamente comprovadas... Em rdação à estrutura e à função dos
órgãos internos não é possível comprovar nenhum efeito retroativo significativo, e as
suposições de Herder, segundo as quais todas as forças agiriam de forma diferente na
posição ereta, e o sangue estimularia os nervos de maneira diferente, estão desprovidas de
qualquer fundamento, sobretudo quando se trata de explicar diferenças consideráveis e
manifestamente importantes para o modo de vida.” Hermann Lotze, Mikrokosmos , vol. II,
Leipzig, 1858, p. 90.
[B !0a. 1]
Extraído de um prospecto para um cosmético característico da moda do Segundo Império.
O fabricante recomenda “um cosmético ... por meio do qual as damas podem, se quiserem,
dar a sua tez o reflexo do tafetá rosa”. Cit. em Ludwig Bõrne, Gesammelte Schriften, Hamburgo
e Frankfurt a. M., 1862, p. 282 (“A exposição industrial no Louvre”).
[B 10a, 2 ]
ç
[Paris antiga. Catacumbas, Demolições, Declínio de Paris]
"Facilis descensus Averno."
Virgílio 1
"Aqui, mesmo os aulòmõvêis têm um st de antiguidade"
Gulllaume Apollinaire 2
Como as grades — enquanto alegorias — se estabelecem no inferno. Na Passage Vivienne,
esculturas sobre os portais, representando alegorias do comércio.
O Surrealismo veio à luz numa passagem. E sob a proteção de que musas! ^
O pai do Surrealismo foi Dadá, a mãe foi uma passagem. Dadá já era velho quando se
conheceram. No final de 1919, Aragon e Breton, por antipatia a Montpamasse e Montmartre,
transferiram seus encontros com amigos para um café na Passage de POpéra. A construção do
Boulevard Haussmann foi o seu fim. Sobre ela, Louis Aragon escreveu 135 páginas; na soma
destes três dígitos mantém-se escondido o número nove, correspondente às nove musas que
dotaram o Surrealismo recém-nascido com suas dádivas. Chamam-se: Luna, a condessa de
Geschwitz, Kate Greenaway, Mors, Cléo de Mérode, Dulcinéia, Libido, Baby Cadum e
Friederike Kempner. (Em vez da Condessa de Geschwitz: Tipse?) 3
[C 1, 3]
A caixeira como Danaé.
[C 1, 4]
' "É fácil descer o Averno." Virgílio, Eneida, VI, v. 126. Cf. <Exposé de 1935>, segmento V. (R.T.; w.b.)
2 ( 3 . Apollinaire, CEuvres Poétiques, ed. org. por Marcei Adéma e Michel Décaudin, Paris, 1 956 (Bibliothèque
de la Plêiade, 121), p. 39 ("Zone"). (R.T.)
3 Um catálogo de musas do Surrealismo já aparece em três fragmentos anteriores: "Passagens Parisienses
<I> ", <F°, 4> e <F°, 1 0>; e "<Passagens Parisienses ll>", <h“, 1 >; ver também as respectivas notas: 27,
28 e 78. A única diferença desta lista de musas com a de <F°, 10> é a substituição da "Condessa de
Geschwitz" por uma personagem chamada “Tipse", não explicada por R.T. e “misteriosa" para J.L. e
E/M. - Talvez Benjamin quisesse se referir a uma nova profissão feminina, em franca expansão nas
metrópoles dos anos 1 920 e designada em alemão coloquial, com uma conotação levemente pejorativa,
por Tippse, "datilógrafa", (w.b.)
122 ■ Massagens
Pausânias escreveu uma topografia da Grécia em 200 d.C., quando os
muitos outros monumentos começaram a ruir.
lugares sagrados e
(C 1, 5]
Pouca coisa existe na história da humanidade que conheçamos tão bem quanto a história
da cidade de Paris. Milhares e milhares de volumes foram dedicados exclusivamente ao
estudo deste minúsculo pedaço de terra. Os autênticos guias dos monumentos da antiga
Lutetia Parisorum têm origem já no século XVI. O catálogo da biblioteca imperial, que foi
impresso sob Napoleão III, contém aproximadamente 100 páginas no verbete Paris — e
também esta coleção está longe de ser completa. Muitas das principais ruas têm sua literatura
específica, e possuímos testemunho escrito sobre mais de mil de suas mais modestas moradias.
Com uma bela formulação, Hofmannsthal descreveu <esta cidade> como “uma paisagem
construída de pura vida”. E na atração que ela exerce sobre as pessoas age uma espécie de
beleza própria de uma grande paisagem - melhor dizendo, de uma paisagem vulcânica.
Na ordem social, Paris corresponde ao que na ordem geográfica é o Vesúvio. Um maciço
ameaçador, perigoso, um foco de revolução em constante atividade. Mas, assim como as
encostas do Vesúvio se transformaram em pomares paradisíacos graças às camadas de lava
que as recobriram, assim também florescem sobre a lava das revoluções, como em nenhum
outro lugar, a arte, a vida festiva, a moda. ■ Moda ■
[Cl, 6]
Balzac assegurou a composição mítica de seu mundo através de contornos topográficos
definidos. Paris é o terreno de sua mitologia — Paris, com seus dois ou três grandes banqueiros
(Nucingen, du Tillet), Paris, com seu grande médico Horace Bianchon, seu empresário
César Birotteau, suas quatro ou cinco grandes cocotes, seu agiota Gobseck, seus advogados
e militares. Entretanto, e principal mente, é sempre das mesmas ruas e recantos, dos mesmos
lugares e ângulos que emergem as personagens deste círculo. Isto não significa outra coisa
a não ser que a topografia é a planta deste e de qualquer outro espaço mítico da tradição,
podendo mesmo tornar-se sua chave, assim como o fora para Pausânias na Grécia, e assim
como a história e a situação das passagens parisienses deverão tornar-se a chave para o
mundo das trevas deste século, no qual Paris afundou.
[C 1, 7]
Construir a cidade topograficamente, dez vezes ou cem vezes, a partir de suas passagens e
suas portas, seus cemitérios e bordéis, suas estações e seus..., 4 assim como antigamente ela
se definia por suas igrejas e seus mercados. E as figuras mais secretas, mais profundamente
recônditas da cidade: assassinatos e rebeliões, os nós sangrentos no emaranhado das ruas, os
leitos de amores e incêndios. ■ Flâneur ■
[C 1, 8]
Não seria possível realizar um filme apaixonante a partir do mapa de Paris? A partir da
evolução de suas diversas configurações ao longo do tempo? A partir da condensação do
movimento secular de suas ruas, boulevards, passagens, praças, no espaço de meia hora?
Não é isso que faz o flâneur? ■ Flâneur ■
[C 1, 9]
“Existe, a dois passos do Palais-Royal — entre o Cour des Fontaines e a Rue Neuve-des-
Bons-Enfants — uma pequena passagem escura e tortuosa, ornamentada com um escrivão
4 Parece que no lugar destas reticências Benjamin iria colocar mais tarde uma palavra que não lhe ocorreu
na hora. (R.T.)
c
[Paris antiga. Catacumbas, Demolições, Declínio de Paris]
123
público e uma quitanda. Isso pode parecer o antro de Caco ou de Trofônio, mas jamais
poderá parecer uma passagem, mesmo com boa vontade e com bicos de gás.” Delvau, Les
Dessous de Paris, Paris, 1860, pp. 105-106.
[C la, 1]
Na antiga Grécia, mostravam-se lugares pelos quais se descia ao reino dos monos. Também
nossa existência desperta é uma terra em que se desce ao reino dos mortos, cheia de lugares
aparentemente insignificantes, onde desembocam os sonhos. Passamos por eles todos os
dias sem nada suspeitar; porém, mal vem o sono, nos apressamos em voltar em sua direção,
procurando-os pelo tato, e nos perdemos nos corredores sombrios. O labirinto de casas das
cidades assemelha-se à luz do dia à consciência; as passagens (são elas as galerias que conduzem
a sua existência anterior) desembocam de dia imperceptivelmente nas ruas. Entretanto, à
noite, das massas de casas sombrias, emerge assustadora sua escuridão mais compacta e o
transeunte tardio passa apressado por elas, a não ser que o tenhamos encorajado a empreender
a viagem pela ruela estreita.
Mas um outro sistema de galerias se estende nos subterrâneos de Paris: o metrô, onde à noite as
luzes se acendem rubras, indicando o caminho ao Hades dos nomes. Combat — Elysée —
Georges V — Etienne Marcei — Solférino — Invalides - Vaugirard arrancaram as correntes
humilhantes da rua, da praça e tornaram-se aqui, na escuridão entrecortada por lampejos
fulgurantes e apitos estridentes, deuses informes das cloacas, fadas das catacumbas. Este labirinto
abriga em seu interior não um, e sim dúzias de touros cegos, enfurecidos, em cuja goela é preciso
lançar não uma virgem tebana por ano, e sim, a cada manhã, milhares de jovens operárias
anêmicas e caixeiros sonados. ■ Nomes de ruas ■ Aqui embaixo, nada mais do choque, do
entrecruzamento de nomes que formam a rede lingüística na superfície. Cada um mora solitáno
aqui, o inferno é sua corte; Amer, Picon, Dubonnet 5 são os guardiões do limiar.
1 (C la, 2]
“Cada quartier não atinge seu apogeu propriamente dito pouco antes de estar
completamente urbanizado? Seu planeta descreve então uma curva, aproximando-se do
comércio, e nesse particular, primeiramente do grande comércio, em seguida do pequeno.
Enquanto a rua ainda é relarivamente nova, ela pertence à gente humilde, e desvencilha-se
desta quando a moda lhe sorri. Sem dar atenção ao dinheiro, os interessados disputam
entre si as pequenas casas e apartamentos, mas apenas enquanto mulheres bonitas de
fulgurante elegância, que embelezam não só os salões, mas também a casa e até mesmo
a rua, promoverem aqui suas festas ou forem para elas convidadas. E ao tornar-se passante,
a bela dama requer lojas e, freqüentemente, sai caro à rua ceder muito depressa a este
desejo. Começa-se então a diminuir os pátios, alguns são suprimidos totalmente, as
pessoas passam a espremer-se nas casas e, ao fim, chega um dia de Ano Novo, em que
não é de bom-tom exibir tal endereço num cartão de visitas. Pois a maioria dos inquilinos
é formada por pequenos negociantes e as entradas das casas não perdem muito se, de vez
em quando, derem abrigo a pequenos artesãos, cujos míseros barracos de madeira tomaram
o lugar das lojas.” 6 Lefeuve, Les Anciennes Maisons de Paris sous Napoléon III, Paris e
Bruxelas, vol. I, p. 482. ■ Moda ■
[C la, 3]
5 Três bebidas alcoólicas, cujos nomes apareciam em cartazes por toda a cidade, (w.b.)
6 Nossa tradução baseou-se no texto alemão de Benjamin, que em parte traduziu, em parte adaptou a
passagem de Lefeuve, como se pode verificar ao consultar o original francês reproduzido nas notas da
edição alemã (GS V, 1326). (w.b.)
124 ■ Passagens
É um triste testemunho para a pouco desenvolvida auto-estima da maioria das metrópoles
européias o fato de que poucas dentre elas - e, de qualquer modo, nenhuma alemã -
disponham de um mapa tão prático, minucioso e durável quanto o que existe para Paris.
Trata-se do excelente guia Taride, com seus 22 mapas de todos os arrondissements parisienses
e dos parques de Boulogne e Vincennes. Quem algum dia teve que manusear numa cidade
estranha, numa esquina qualquer, sob mau tempo, um dos grandes mapas de papel que a
qualquer rajada de vento inflam como uma vela, rasgando-se nos cantos, tornando-se logo
apenas um monte de sujas folhas coloridas, com as quais nos angustiamos como que diante
de um quebra-cabeças, que aprenda como deve ser um guia ao estudar o Taride. Para as
pessoas, cuja fantasia não se desperta ao se debruçarem sobre o Taride, ou que preferem
entregar-se a suas experiências parisienses através de fotos ou anotações de viagem, em vez
de fazê-lo por meio de um mapa, para essas pessoas não há remédio.
[C la, 4]
Paris situa-se sobre um sistema de cavernas de onde ressoam ruídos do metrô e de trens e
no qual cada ônibus e cada caminhão desperta um eco que se prolonga. E este grande
sistema técnico de ruas e canalização entrecruza-se com as abóbadas antigas, minas de
calcário, grutas, catacumbas, que foram aumentando durante séculos, desde o início da
Idade Média. Ainda hoje é possível adquirir uma entrada por dois francos para uma visita
a esta Paris mais noturna, que é muito mais barata e menos perigosa que aquela da superfície.
A Idade Média via isso de maneira diferente. Fontes históricas nos informam que, vez por
outra, pessoas espertas dispunham-se, mediante régio pagamento e voto de silêncio, a
mostrar a seus concidadãos o demônio lá embaixo, em sua majestade infernal. Um
empreendimento financeiro que era muito menos arriscado para as vítimas do que para o
tratante. Não deveria a Igreja considerar uma falsa aparição do diabo quase equivalente a
um sacrilégio? De resto, esta cidade subterrânea também rendeu lucros palpáveis àqueles
que a conheciam bem. Pois suas ruas burlavam a grande barreira alfandegária através da
qual os cobradores de impostos garantiam para si seus direitos a impostos de importação.
Nos séculos XVI e XVIII, o contrabando prosperava principalmente sob a terra. Sabemos
também que, em tempos de comoção pública, alastravam-se rapidamente rumores
assombrosos sobre as catacumbas, sem falar dos espíritos proféticos e das mulheres adivinhas,
a quem isso compete por direito. No dia após a fuga de Luís XVI, o governo revolucionário
difundiu cartazes em que ordenava a busca mais minuciosa nesses subterrâneos. E alguns
anos mais tarde, inesperadamente, circulou pelas massas o boato de que alguns bairros
estavam prestes a afundar.
(C 2, 1]
Construir a cidade também a partir de suas “fontes”. “Algumas ruas conservaram o nome
delas, ainda que a mais célebre dessas fontes, o Puits d’Amour (Poço do Amor), que se
situava não longe do mercado Les Halles, na Rue Truanderie, tenha sido aterrada, obstruída
e recoberta sem deixar traços. Não foi o que aconteceu com o poço que faz eco e que deu
nome à Rue du Puits-qui-Parle (Rua do Poço-que-Fala), nem com aquele outro que o
curtidor de peles Adam-l’Hermite fez cavar no bairro Saint-V ctor. Conhecemos as ruas do
Puits-Mauconseil, do Puits-de-Fer, do Puits-du-Chapitre, do Puits-Certain, do Bon-Puits,
e, enfim, a Rue du Puits que, depois de ter sido a Rue du Bout-du-Monde, tornou-se a
Impasse Saint-Claude-Montmartre. As fontes dos mercados, os poços artesianos, os
c
[Paris antiga. Catacumbas, Demolições, Declínio de Paris]
125
aquedutos desembocam todos nos poços públicos, e nossos filhos, que terão água com
facilidade nos últimos andares das casas mais altas de Paris, se admirarão de que tenhamos
conservado tanto tempo esses meios primitivos de prover a uma das mais imperiosas
necessidades do homem.” Maxime du Camp, Paris, ses Organes, ses Fonaions n sa Vie, Paris,
1875, vol. V, p. 263.
;ci2]
Uma outra topografia, não de inspiração arquitetônica e sim antropocêntrica, iria nos mostrar
de uma só vez o bairro mais tranqüilo, o afastado décimo quarto arrondissement, sob sua
verdadeira luz. Pelo menos foi assim que Jules Janin o viu há cem anos. Quem ali veio ao
mundo, podia viver a vida mais agitada e mais temerária, sem jamais tê-lo abandonado.
Pois localizam-se lá, um ao lado do outro, todos os edifícios da miséria pública, da indigência
proletária, em seqüência contínua: a maternidade, o orfanato, o hospital, a famosa Santé: a
grande prisão parisiense e o cadafalso. Vêem-se à noite sobre bancos estreitos, escondidos -
não sobre aqueles bancos confortáveis das squares — homens estendidos para dormir, como
na sala de espera de uma estação intermediária desta terrível viagem.
[C 2, 3]
Existem emblemas arquiteturais do comércio: degraus levam à farmácia, enquanto a tabacaria
apossou-se da esquina. O comércio sabe tirar proveito do limiar: na entrada da passagem,
da pista de patinação, da piscina pública, da plataforma de embarque, coloca-se a guardiã
do limiar: uma galinha que bota automaticamente ovos de lata, contendo balas em seu
interior; ao lado dela, uma vidente automática - um aparelho automático de impressão,
com o qual podemos imprimir nosso nome numa tira de metal que nos prenderá ao
pescoço o nosso destino.
[C 2, A]
Na antiga Paris, havia execuções (por exemplo, pela forca) em plena rua.
Rodenberg fala da “existência estígia” de certas ações sem valor - por exemplo, ações da
Caisse-Mirès que são vendidas pela “pequena canalha” da Bolsa, na esperança de uma
“futura ressurreição segundo a cotação diária”. Julius Rodenberg, Paris bei Sonnenschein
und Lampenlicht, Berlim, 1867, pp. 102-103.
Tendência conservadora da vida parisiense: ainda no ano de 1867, um empresário concebe
o plano de fazer circular quinhentas liteiras em Paris.
r [C 2a, 2]
Sobre a topografia mitológica de Paris: o caráter que lhe conferem as portas. Importante é
a sua dualidade: portais divisórios e arcos de triunfo. Mistério do marco divisório inserido
no interior da cidade, indicando o lugar onde outrora ela terminava. Por outro lado, o Arco
do Triunfo, que se transformou hoje em refúgio no meio do tráfego. A partir da experiência
do limiar, desenvolveu-se a porta que metamorfoseia aquele que passa sob seu arco. O arco
do triunfo romano transforma o general que retorna em herói triunfal. (Contra-senso do
relevo na face interna da porta? Um engano classicista?)
[C 2a, 3]
A galeria que conduz às Mães 7 é de madeira. A madeira sempre reaparece transitoriamente
também nas enormes transformações da imagem da grande cidade; em meio ao trânsito
moderno — com os tapumes e tábuas que são colocados sobre os alicerces escancarados — a
madeira reconstrói a imagem do tempo primevo aldeão da cidade. ■ Ferro ■
[C 2a. 4]
“É o sonho de primícias obscuras das mas ao norte da grande cidade, não só Paris, talvez
também Berlim e a pouco conhecida Londres, primícias obscuras, crepúsculo sem chuva,
mas úmido. A rua se estreita, as casas à direita e à esquerda se achegam, ao fim, forma-se
uma passagem de vidraças foscas, um corredor de vidro à direita e à esquerda: seriam
tavernas feias com garçonetes à espreita, vestindo blusas de seda pretas e brancas? Sente-se
um cheiro de vinho ácido derramado. Ou seriam entradas de bordéis de vivo colorido?
À medida que avanço, percebo em ambos os lados pequenas portas de um tom verde
estival e venezianas campestres, janelas, e lá estão velhinhas sentadas a tecer, e atrás das
janelas, junto a hastes de flores muito eretas como em jardins campestres, porém dispostas
na sala graciosa, uma jovem de pele clara canta: ‘Ao tecer a seda...’.” Franz Hessel, manuscrito.
Cf. Strindberg, “As tribulações do piloto”. 8
[C 2a, 5]
Diante da entrada, uma caixa de correio: última oportunidade de enviar um sinal ao
mundo que se abandona.
[C 2a, 6]
Passeio e visita subterrânea aos canais de esgoto. Percurso preferido: Châtelet-Madeleine.
[C 2a, 7]
“As ruínas da Igreja e da Nobreza, as do Feudalismo, da Idade Média são sublimes e hoje
enchem de admiração os vencedores, que ficam surpresos, boquiabertos; mas as da Burguesia
serão um ignóbil detrito de cartonagem, de gessos, de coloridos.” Le Diable à Paris, Paris,
1845, vol. II, p. 18 (Balzac, “O que desaparece de Paris”). ■ Colecionador ■
[C 2a, 8]
...tudo isso são as passagens a nossos olhos. E nada disso elas foram outrora. “Porque é
somente hoje, quando as ameaça a picareta, que elas se tornaram efetivamente santuários
de um culto do efêmero, que se tornaram a paisagem-fantasma dos prazeres e das profissões
malditas, incompreensíveis ontem e que o futuro jamais conhecerá.” Louis Aragon, Le
Paysan de Paris, Paris, 1926, p. 19. ■ Colecionador ■
[C 2a, 9]
Súbito passado de uma cidade: janelas iluminadas antes do Natal reluzem como se estivessem
acesas desde antes de 1880.
[C 2a, 10]
O sonho — eis a terra onde se fazem as descobertas que testemunham a história primeva do
século XIX. ■ Sonho ■
[C 2a, 11]
7 Referência ao Fausto de Goethe, Segunda parte, versos 6216-6306 ("Galeria escura"): as "Mães" são
as figurações das "imagens primevas". Cf. "Passagens Parisienses <I>", <M°, 25>. (w.b.)
8 Titulo de um conto de Strindberg, citado por Benjamin na versão alemã: "Die Drangsale des Lotsen". Cf.
H la, 3. (J.L.; w.b.)
c
[Paris antiga. Catacumbas, Demolições, Declínio de Paris]
127
Motivos para. o declínio das passagens: calçadas alargadas, luz elétrica, proibição às prostitutas,
cultura do ar livre.
[C 2a, 12]
O renascimento do drama arcaico dos gregos sobre os palcos de madeira das feiras. O Prefeito
de Polícia somente autoriza diálogos sobre estes palcos. “Esse terceiro personagem é mudo,
por ordem do Sr. Prefeito de Polícia, que só permite o diálogo nos teatros considerados
itinerantes.” Gerard de Nerval, Le Cabaret de la Mère Saguet, Paris, 1927, pp. 259-260 (“Le
Boulevard du Temple autrefois et aujourd’hui”).
[C 3, 1]
Diante da entrada da passagem uma caixa de correio: uma última oportunidade de enviar
um sinal ao mundo que se abandona.
[C 3, 2]
Apenas na aparência a cidade é homogênea. Até mesmo seu nome assume um tom diferente
nos diferentes lugares. Em parte alguma, a não ser em sonhos, é ainda possível experienciar
o fenômeno do limite de maneira mais original do que nas cidades. Entender esse fenômeno
significa saber onde passam aquelas linhas que servem de demarcação, ao longo do viaduto
dos trens, através de casas, por dentro do parque, à margem do rio; significa conhecer estas
fronteiras, bem como os enclaves dos diferentes territórios. Como limiar, a fronteira atravessa
as ruas; um novo distrito inicia-se como um passo no vazio; como se tivéssemos pisado
num degrau mais abaixo que não tínhamos visto.
& [C 3, 3]
Na entrada da passagem, da pista de patinação, da cervejaria, da quadra de tênis: penates.
A galinha que põe ovos de chocolate dourados, a máquina que imprime nosso nome e
aquela outra que nos pesa — o moderno gnothi seauton 1 — , máquinas de jogos de azar, e a
vidente mecânica, guardam o limiar. É de se notar que eles não se encontram nem no
interior nem ao ar livre. Protegem e demarcam as transições; e o passeio aos domingo à
tarde dirige-se não apenas aos espaços verdes, mas também a estes penates misteriosos. ■ Casa
de sonho ■ Amor ■
[C 3, 4]
O terror despótico da campainha que reina no apartamento retira igualmente sua força da
magia do limiar. De maneira estridente, algo se dispõe a ultrapassar o limiar. Curioso,
porém, como este soar se torna nostálgico e parecido a uma sineta, quando prenuncia uma
despedida, assim como acontece no Panorama Imperial, quando uma imagem se vai com
um leve tremor, anunciando a imagem seguinte. ■ Casa de sonho ■ Amor ■
Estas portas - as entradas das passagens - são limiares. Não os demarca nenhum degrau de
pedra, mas sim a atitude de expectativa de algumas pessoas. Passos parcimoniosamente
medidos refletem, sem que as pessoas o saibam, que se está diante de uma decisão. ■ Casa
de sonho ■ Amor ■
[C 3, 6]
Outro Cours des Miracles, além daquele na Passage du Caire que é celebrado em Notre-
Dame de Paris : “Encontram-se no Marais, na Rue des Tournelles, a Passagem e o Cours des
9
Conhece-te a ti mesmo"; cf. "Passagens Parisienses <I>", <M°, 24>. (w.b.)
128 ■ Passagens
Miracles; havia ainda outros pátios dos milagres nas ruas Saint-Denis, du Bac, de Neuilly,
des Coquilles, de la Jussienne, Saint-Nicaise e na colina Saint-Roch.” Labedollière, Histoire
da Nouveau Parts, Paris, p. 31. [As passagens bíblicas que deram nome a esses pátios: Ts af as
26, 4-5 e 27.] v
[C 3. 7]
Em relação aos sucessos de Haussmann no domínio do abastecimento de água e da
drenagem de Paris: Os poetas poderiam dizer que Haussmann foi mais inspirado pelas
divindades inferiores que pelos deuses superiores.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris ,
Paris, 1926, p. 418.
[C 3, 8]
Metrô. Deu-se à maior parte das estações nomes absurdos, dos quais o pior parece ter sido o da
esquina das ruas Bréguet e Saint-Sabin, que acabou por reunir, na abreviação Bréguet-Sabin, o
nome de um relojoeiro e o nome de um santo.” Dubech e D’Espezel, op. cã. , p. 463.
[C 3, 9]
Madeira, um elemento arcaico na imagem das ruas: barricadas de madeira.
[C 3, 10]
Insurreição de junho. “A maioria dos prisioneiros foi levada para as pedreiras e galerias
subterrâneas que se encontram sob os fortes de Paris e são tão extensas que a metade da
população de Paris poderia caber nelas. O frio nestas galerias subterrâneas é tão intenso que
muitos só conseguem manter o calor do corpo correndo sem parar ou movendo os braços,
sem que alguém ousasse deitar-se sobre as pedras geladas... Os prisioneiros deram a todas
as galenas nomes de ruas parisienses e trocavam endereços quando se encontravam.”
Englânder, Geschichte der franzõsischen Arbeiter-Associationen, Hamburgo, 1864 vol II
pp. 314-315. ’ ' ’
[C 3a, 1]
As pedreiras de Paris estão todas interligadas... Em vários lugares foram deixadas pilastras
para que o teto não desabasse. Em outros, foram construídos muros internos de contenção.
Estes formam longas galerias subterrâneas, como ruas estreitas. Ao fim de muitas delas são
inscritos números para evitar que se perca o rumo - contudo, ninguém deve se aventurar
sem guia ... por^ estas galerias incrustadas no calcário, se não quiser ... correr o risco de
morrer de fome.” - “A lenda segundo a qual se podem ver estrelas de dia nos porões das
pedreiras de Paris” surgiu por conta de um antigo poço “que foi tampado na superfície com
uma pedra na qual há um pequeno buraco de seis milímetros de diâmetro. Através dele, o
dia penetra na escuridão lá embaixo, qual uma pálida estrela.” J. F. Benzenberg, Briefe
geschrieben aufeiner Reise nach Paris, Dortmund, 1805, vol. I, pp. 207-208.
[C 3 a, 2]
“... uma coisa que fumegava e marulhava pelo Sena, com o rumor de um cão nadando,
mdo e vindo sob as janelas das Tulherias, da Pont Royal à Pont Louis XV - era uma
engenhoca que não servia para nada, uma espécie de brinquedo, um sonho de inventor de
quimeras, uma utopia: um barco a vapor. Os parisienses olhavam esta inutilidade com
indiferença.” Victor Hugo, Les Misérables, citado em Nadar, Quand Jetais Pbotoyraphe
Paris, 1900, p. 280. S y
[C 3a, 3]
c
[Paris antiga, Catacumbas, Demolições, Declínio de Paris]
129
“Como se fosse de um mágico ou de um diretor de teatro, o primeiro apito da primeira
locomotiva deu o sinal de despertar, o sinal de decolagem para todas as coisas.” Nadar,
Quand J’étais Photographe, Paris, p. 281.
[C 3a, 4]
<fase média>
Significativa é a gênese de um dos grandes documentos sobre Paris, de Maxime Du Camp:
Paris, ses Organes, ses Fonctions et sa Vie dans la Seconde Moitié du XIX e Siecle (6 volumes,
Paris, 1893-1896). 10 Sobre essa obra um catálogo de antiquário diz o seguinte: “E de vivo
interesse por sua documentação tão exata quanto minuciosa. Du Camp, com efeito, não
hesitou em exercer os ofícios mais diversos — fazendo-se condutor de ônibus, varredor,
operário dos esgotos - para providenciar os materiais para seu livro. Essa obstinação lhe
deu o apelido de prefeito do Sena in partibus e certamente contou para sua elevação à
dignidade de senador.” A origem do livro é descrita por Paul Bourget em seu “Discurso
acadêmico de 13 de junho de 1895. Sucessão de Maxime Du Camp” [Anthologie de
lAcadémie Française, Paris, 1921, vol. II, pp. 191-193). Em 1862, conforme narra Bourget,
surgiram em Du Camp os sintomas de uma doença nos olhos; após procurar o oculista
Secrétan, este teria lhe prescrito óculos para presbiopia. Du Camp relata: “A idade me
atingia. Não lhe fiz uma acolhida amável. Mas me submeti. Encomendei um lornhão e
um par de óculos.” Agora Bourget: “O óptico não tinha as lentes solicitadas. Era-lhe
preciso mais ou menos meia hora para prepará-las. O Sr. Maxime Du Camp saiu para
matar essa meia hora, flanando ao acaso. Encontrou-se na Pont-Neuf... O escritor estava
num desses momentos em que o homem que deixa de ser jovem pensa na vida com uma
gravidade resignada, que lhe faz ver por todo lado a imagem de sua própria melancolia. A
pequena decadência fisiológica de que a visita ao oculista acabava de convencê-lo lhe fez
lembrar o que se esquece tão depressa: essa lei da inevitável destruição que governa tudo o
que é humano... De repente, ele - o viajante do Oriente, o peregrino das mudas solidões,
onde a areia é feita do pó dos mortos — , se pôs a sonhar que um dia também esta cidade,
cuja enorme respiração ele escutava, também morreria, como morreram tantas capitais de
tantos impérios. Veio-lhe a idéia do interesse prodigioso que teria hoje para nós um quadro
exato e completo de Atenas no tempo de Péricles, de Cartago no tempo dos Barca, de
Alexandria no tempo dos Ptolomeus, de Roma no tempo dos Césares... Graças a uma
dessas intuições fulgurantes, em que um magnífico tema de trabalho surge em nosso espírito,
ele percebeu claramente a possibilidade de escrever sobre Paris este livro que os historiadores
da antigüidade não escreveram sobre suas cidades. Ele olhou novamente o espetáculo da
ponte, do Sena, do cais... A obra de sua idade madura acabava de lhe aparecer.” Esta
inspiração antiga da obra moderna sobre aspectos técnico-administrativos de Paris é muito
significativa. De resto, a comparar com Léon Daudet, Paris Vécu, o capítulo sobre o Sacré-
Coeur, sobre o declínio de Paris. 11
[C, 4]
10 A primeira edição é de 1869-1875. (w.b.)
1 1 Léon Daudet, Paris Vécu: cf. C 9a, 1 . (E/M)
130 ■ Passagens
Curiosa a seguinte frase da obra-prima “Paris souterrain”, de Nadar, em Quand J’étais
Photographe , Paris, 1900, p. 124: “Na história dos esgotos, escrita com a pena genial do
poeta e filósofo, após a descrição que ele soube tornar mais comovente que um drama,
Hugo conta que na China não há um só camponês que, voltando da venda de seus legumes
na cidade, não traga a pesada carga de dois baldes cheios desses preciosos fertilizantes.”
[C 4a, 1]
Sobre as portas de Paris: “Até o momento em que entre duas colunas via-se aparecer o
funcionário do imposto, podia-se crer estar nas portas de Roma ou de Atenas.” Biographie
Universelle Ancienne et Modeme, nova edição publicada sob a direção de M. Michaud, vol.
XIV, Paris, 1856, p. 321 (artigo de P F. L. Fontaine).
[C 4a, 2]
“Num livro de Theophile Gautier, Caprices et Zigzags, encontro uma página curiosa. ‘Um
grande perigo nos ameaça’, diz ele ... A moderna Babilônia não será arrasada como a Torre
de Lylak, não afundará num lago de asfalto como a Pentápolis, 12 nem será coberta de areia
como Tebas; será simplesmente despovoada e destruída pelos ratos de Montfaucon.’ Estranha
visão de um sonhador confuso, porém profético! Em sua essência, ela se concretizou... Os
ratos de Montfaucon ... não colocaram Paris em perigo; as artes de embelezamento de
Haussmann os espantaram de lá... Entretanto, do alto de Montfaucon desceram os
proletários e iniciaram a destruição de Paris com pólvora e petróleo, como previra Gautier.”
Max Nordau, Aus dem wahren Miüiardenlande : Pariser Studien und Bilder, Leipzig, 1878,
vol. I, pp. 75-76 (“Belleville”).
[C 4a, 3]
Em 1899, durante os trabalhos do metrô, foram encontrados na Rue Saint-Antoine os
alicerces de uma torre da Bastilha. Cabinet des Estampes.
[C 4a, 4]
Mercados de vinho: “O entreposto, que consiste em parte de adegas para as bebidas alcoólicas
e em parte de cavernas na rocha para os vinhos, constitui ... também uma cidade, cujas
ruas levam o nome das mais famosas regiões produtoras de vinho da França.” Acht Tage in
Paris, Paris, julho de 1855, pp. 37-38.
[C 4a, 5]
“As caves subterrâneas do Café Inglês ... estendem-se por uma longa distância sob os
boulevards, formando desfiladeiros dos mais complicados. Houve o cuidado de dividi-las
em ruas... Tem-se a Rue du Bourgogne, a Rue du Bordeaux, a Rue du Beaune, a Rue de
1’Ermitage, a Rue du Chambertin, o cruzamento ... Tonneaux. Chega-se a uma gruta
fresca, ... cheia de conchas...; é a gruta dos vinhos de Champagne... Os grandes senhores de
antigamente imaginaram jantar nas suas cavalariças... Vivam as caves para comer de uma
maneira realmente excêntrica!” Taxile Delord, Paris-Viveur, Paris, 1854, pp. 79-81, 83-84.
[C 4a, 6]
“Esteja certo de que, quando Hugo via um mendigo na estrada, ... ele o via como realmente
é na realidade: o mendigo antigo, o suplicante andgo ... na estrada antiga. Quando olhava
12 Da Pentápole (na Palestina) faziam parte Sodoma e Gomorra. A citada passagem do livro Caprices et
Zigzags (1 845), de Theophile Gautier, é assim comentada pelo Grand Dictionnaire Universel de Pierre
Larousse: "Ele nos leva para assistir à matança de cavalos em Montfaucon ... e se diverte a nos
demonstrar espiritualmente como, dentro de alguns anos, Paris será devorada petos ratos." (J.L.)
c
[Paris antiga. Catacumbas, Demolições, Declínio de Paris]
131
a placa de mármore de uma de nossas lareiras, ou o djolo cimentado de uma de nossas
lareiras modernas, ele a via tal como ela é: a pedra do lar. A antiga pedra do lar. Quando
olhava a porta da rua, e o degrau da porta, que é geralmente uma pedra talhada, ele
distinguia nitidamente nesta pedra talhada a linha andga, o limiar sagrado, porque é a
mesma linha.” Charles Péguy, CEuvres Completes, 1873-1914 : CEuvres de Prose. Paris, 1916,
pp. 388-389 (“Victor-Marie, comte Hugo”).
[c 5, i]
“Os cabarés do faubourg Antoine se assemelham às tabernas do monte Aventino, construídas
sobre o antro da sibila e se comunicando com os profundos sopros sagrados; tabernas cujas
mesas eram quase tripés, e onde se bebia o que Enio chama de Vinho sibilino’.” Victor
Hugo, CEuvres Completes, Romances 8, Paris, 1881, pp. 55-56 (Les Misérables, IV).
[C 5, 2]
“Aqueles que viajaram à Sicília lembram-se deste célebre convento, onde, devido à
propriedade da terra de secar e conservar os corpos, os monges, em certa época do ano,
vestem com seus antigos costumes todos os grandes aos quais ofereceram a hospitalidade
do túmulo: ministros, papas, cardeais, guerreiros e reis. Arranjando-os em duas filas em
suas vastas catacumbas, fazem passar o povo através desta ala de esqueletos... Pois bem! Este
convento siciliano é a imagem de nosso estado social. Sob as vestimentas de pompa com as
quais se decoram as artes e a literatura, não há um só coração que bata, e são pessoas mortas,
que pregam sobre vós seus olhos fixos, apagados e frios, quando perguntais ao século onde
estão as inspirações, onde estão as artes, onde está a literatura.” Nettement, Les Ruines
Morales et Intellectuelles , Paris, outubro de 1836, p. 32. Comparar com Hugo, “A l’Arc de
Triomphe”, de 1837.
[C 5, 3]
Os dois últimos capítulos de Paris Depuis ses Origines Jusquen lAn 3000, de Léo Claretie,
são intitulados “As ruínas de Paris” e “O ano 3000”. O primeiro contém uma paráfrase dos
versos de Victor Hugo sobre o Arco do Triunfo. O segundo traz uma preleção sobre as
antigüidades de Paris preservadas na famosa “Academia de Floksima ... situada na Cénépire.
E um continente novo..., descoberto no ano 2500 entre o Cabo Horn e as terras austrais”
(p- 347).
[C 5, 4]
“Havia no Châtelet de Paris um grande e longo subterrâneo. Ficava a oito pés abaixo do nível
do Sena. Não possuía janelas nem respiradouros...; os homens podiam entrar, mas o ar não.
Esse subterrâneo tinha por teto uma abóbada de pedra e por piso dez polegadas de lama...
Oito pés abaixo do solo, uma longa barra maciça atravessava esse subterrâneo de lado a lado;
dessa barra pendiam, em intervalos regulares, correntes ... sendo que na extremidade dessas
correntes havia argolas de ferro. Levavam-se para esse subterrâneo os homens condenados às
galeras, até o dia da partida para Toulon. Empurravam-nos para baixo dessa trava, onde cada
um tinha à sua espera a sua argola de ferro balançando nas trevas... Para comer, faziam subir,
com o calcanhar, ao longo da tíbia até a mão, o pão que lhes era lançado na lama... Nesse
inferno sepulcral, o que faziam? O que se pode fazer num sepulcro: agonizavam, e o que se
pode fazer num inferno: cantavam... Foi nesse subterrâneo que nasceram quase todas as
canções em argotP É do calabouço do Grand-Châtelet de Paris que veio o melancólico refrão
13
Gíria dos malfeitores; cf. em Victor Hugo, Les Misérables, o capítulo "L/Argot". (w.b.)
da galera de Montgomery: ‘Timaloumisaine, timoulamisori. Em sua maioria essas canções
são lúgubres; algumas são alegres.” Victor Hugo, CEuvres Completes, Romances 8, Paris,
1881 {Les Misérables), pp. 297-298. ■ Paris subterrânea ■
Sobre a ciência dos limiares: ‘“Entre os que, em Paris, andam a pé e os que andam de carro,
não há senão a diferença do estribo’, como dizia um filósofo a pé. Ah! O estribo!... É o
ponto de partida de um país a outro, da miséria ao luxo, da despreocupação à preocupação.
É o traço de união entre aquele que não é nada e aquele que é rudo. A questão é pôr ai o pe.
Théophile Gautier, “Études phUosophiques”, in: Paris et les Parisiens au XIX' Siècle, Paris,
1856 ’P- 26 ' [C 5a, 2]
Pequena premonição do metrô na descrição das casas-modelo do futuro: “Os subsolos,
muito espaçosos e bem iluminados, se intercomunicam todos. Formam longas galerias que
seguem o trajeto das ruas e onde se construiu uma estrada de ferro subterrânea. Esta
ferrovia não é destinada aos passageiros, mas apenas às mercadorias volumosas, ao vinho, à
madeira, ao carvão etc., que ela transporta até o interior das casas... Estas ferrovias subterrâneas
adquirem uma importância cada vez maior.’ Tony Moilin, Paris en lAn 2000, Paris, 1869,
pp. 14-15 (“Maisons-modèles”).
u ' rr So
Fragmentos da ode “Ao Arco do Triunfo”, de Victor Hugo
n
“Paris sempre grita e reclama.
Ninguém sabe, questão profunda,
O que perderia o barulho do mundo,
No dia em que Paris se calasse!”
III
“Ela se calará, no entanto! - depois de muitas auroras,
Muitos meses, muitos anos, muitos séculos transcorridos
Quando essa margem, onde a água se quebra nas pontes sonoras,
For devolvida aos juncos murmurantes e inclinados;
Quando o Sena fugir, obstruído por pedras,
Usando alguma velha cúpula caída em suas águas,
Atento ao doce vento que leva à nuvem
O farfalhar da folhagem e o canto dos pássaros;
Quando ele correr, à noite, branco na sombra,
Feliz, adormecendo sua onda, por muito tempo turva.
c
(Paris antiga. Catacumbas, Demolições, Declínio de Paris]
133
Em poder escutar, enfim, essas vozes imínvrw
Que passam vagamente sob o céu estudado;
Quando desta cidade, louca e rude operária,
Que apressando os destinos confinados em seus muros.
Sob seu próprio martelo, esvaindo-se em pó,
Transforma seu bronze em moeda e seu mármore em pedra;
Quando dos tetos, dos sinos, dos cortiços tortuosos,
Dos pórticos, dos frontões, dos domos cheios de orgulho
Que faziam esta cidade, de vozes tumultuosas,
Densa, inextricável e pululante ao olhar,
Não restar mais na imensa planície,
Como pirâmide e como panteão.
Senão duas torres de granito feitas por Carlos Magno,
E um pilar de bronze feito por Napoleão;
Tu, tu completarás o triângulo sublime!”
IV
“Arco! Então tu serás eterno e completo,
Quando tudo o que o Sena em sua onda reflete
Terá fugido para sempre,
Quando desta cidade, que foi igual a Roma,
Não restar mais que um anjo, uma águia, um homem.
De pé, sobre três cumes!”
V
“Não, o tempo não subtrai nada às coisas.
Mais de um pórtico elogiado injustamente
Em suas lentas metamorfoses
Atinge, enfim, à beleza.
Sobre os monumentos reverenciados
O tempo lança um encanto severo
De sua fachada a seu cume.
Nunca, embora ele quebre e enferruje.
134 ■ Passagens
A roupa da qual ele os despoja
Não vale aquela com a qual ele as reveste.
E o tempo que cava uma ruga
Numa abóbada por demais frágil;
Que, no ângulo de um mármore árido
Passa seu polegar inteligente;
É ele que, para corrigir a obra,
Mistura uma cobra viva
Aos nós de uma hidra de granito.
Imagino ver rindo um teto gótico
Quando o tempo de seu friso antigo
Tira uma pedra e aí coloca um ninho.”
VIII
“Mas não, tudo estará morto. Nada mais nesta planície
Senão um povo sucumbido que ainda a preenche;
Senão o olho morto do homem e o olho vivo de Deus;
Um arco, uma coluna, e, ali no meio
Desse rio prateado, cuja espuma se ouve,
Uma igreja semi-encalhada na bruma.”
(2 de fevereiro de 1837)
Victor Hugo, CEuvres Completes., Poesia 3, Paris, 1880, pp. 233-245.
[C 6; C 6a, 1]
Demolições: fontes do ensino teórico da construção. “Nunca houve circunstâncias mais
favoráveis a este tipo de estudo que a época em que vivemos. Há doze anos, numerosos
edifícios, dentre eles igrejas e claustros, foram demolidos até as primeiras pedras de sua
fundação. Todos proporcionaram ... instruções úteis.” Charles-François Viel, De llmpuissance
des Mathématiques pour Assurer la Solidité des Bâtimens, Paris, 1805, pp. 43-44.
[C 6a, 2]
Demolições: “Paredes altas, listradas de faixas de bistre devidas aos tubos das chaminés
demolidas, revelam, como na secção de uma planta de arquiteto, os mistérios das
distribuições íntimas... É um espetáculo curioso essas casas abertas com seus pisos suspensos
acima do abismo, seus papéis de parede coloridos ou com motivos florais marcando ainda
c
[Paris antiga, Catacumbas, Demolições, Declinio de Paris]
135
a forma dos quartos, suas escadas que não conduzem mais a lugar nenhum, seus porões
expostos à luz do dia, seus desmoronamentos bizarros e suas ruínas violentas. Poderia se
dizer, tirando o tom sombrio: esses edifícios destruídos, essas arquiteturas mabitiveis que
Piranesi esboçava em suas águas-fortes com um pincel febril.” Théophile Gautier. "Mosaique
de ruines”, in: Paris et les Parisiens au XDC Siècle, de Alexandre Dumas, Théophile Gautier,
Arsène Houssaye, Paul de Musset, Louis Enault e Du Fayl, Paris, 1856, pp. 38-39-
Final do artigo “Os boulevards”, de Lurine: “Os boulevards morrerão de um aneurisma:
a explosão do gás.” Paris Chez Soi, Paris, 1854 [Antologia publicada por Paul Boizard],
p. 62.
;c - 2 ]
Baudelaire em 8 de janeiro de 1860, a Poulet-Malassis sobre Meryon: “Numa de suas
grandes pranchas, ele substituiu um pequeno balão por uma nuvem de aves de rapina, e
como eu lhe observasse que era inverossímil colocar tantas águias num céu parisiense, ele
me respondeu que isso não era sem fundamento, uma vez que aquela gente (o governo do
imperador) havia muitas vezes soltado águias para estudar os presságios segundo o rito — e
que isso saiu impresso nos jornais, até mesmo no Moniteur .” Cit. em Gustave Geffroy,
Charles Meryon, Paris, 1926, pp. 126-127.
[C 7, 3]
Sobre o Arco do Triunfo: “O triunfo foi uma instituição do Estado romano e tinha como
pressuposto a posse do imperium militar, isto é, do direito de comando de guerra, que se
extinguia no dia da cerimônia do triunfo... Dentre as diversas precondições, às quais estava
associado o direito do triunfo, a mais premente era a que estabelecia que a zona limítrofe da
cidade ... não seria ultrapassada antecipadamente. Do contrário, o general perderia os
direitos aos auspícios de guerra, válidos apenas para as campanhas no exterior, e com isso o
direito ao triunfo... Qualquer mácula e qualquer culpa pela guerra assassina (será que
originalmente também o perigo proveniente dos espíritos dos inimigos mortos?) foram
retiradas do general e do exército, permanecendo ... fora da porta sagrada... A partir desta
concepção fica claro ... que a porta triumphalis não foi de forma alguma um monumento
para a glorificação do triunfo.” Ferdinand Noack, Triumph und Triumphbogen (Conferências
da Biblioteca Warburg, vol. V), Leipzig, 1928, pp. 150-151 e 154.
“Edgar Poe fez passar pelas ruas das capitais o personagem que designou como o Homem
da Multidão. O gravurista inquieto e pesquisador é o Homem das Pedras... Eis ... um ...
artista que não estudou e trabalhou, como Piranesi, diante dos restos da vida extinta, e cuja
obra dá uma sensação de nostalgia persistente... É Charles Meryon. Sua obra de gravurista
é um dos poemas mais profundos que já foram escritos sobre uma cidade, e a originalidade
singular dessas páginas penetrantes é que — embora tenham sido traçadas diretamente
segundo aspectos vivos — apresentam uma aparência da vida passada, que está morta ou
que vai morrer... Este sentimento existe independentemente das reproduções mais
escrupulosas e mais reais dos temas que detiveram a escolha do artista. Havia nele algo de
visionário, e ele certamente adivinhava que essas formas tão rígidas eram efêmeras, que essas
"■TÍfeí ■ WaBfifflgssns
curiosas belezas pereceríam como tudo o mais. Ele escutava a linguagem que falam as ruas
e vielas incessantemente atravancadas, destruídas e refeitas, desde os primeiros dias da
cidade, e por isso sua poesia evocadora se encontra com a Idade Média através da cidade do
século XIX; através da visão das aparências imediatas ele identifica a melancolia de sempre.
A velha Paris não existe mais. A forma de uma cidade
Muda mais depressa, ai! que o coração de um mortal. H
Estes dois versos de Baudelaire poderiam servir como epígrafe para a obra inteira de Meryon.”
Gustave Geffroy, Charles Meryon, Paris, 1926, pp. 1-3.
[C 7a, 1]
“Não é necessário imaginar a antiga porta triumphalis já como porta em arco. Ao contrário,
como servia apenas a um ato simbólico, ela deve originalmente ter sido construída com os
meios mais simples, ou seja: dois pilares com uma viga horizontal.” Ferdinand Noack,
Triumph und Triumphbogen (Conferências da Biblioteca Warburg, vol. V), Leipzig, 1928,
O desfile sob o Arco do Triunfo como rito de passagem: “A marcha das tropas pelo espaço
estreito do arco foi comparada à passagem por uma fenda estreita’, à qual se atribuía o
significado de um renascimento.” Ferdinand Noack, Triumph und Triumphbogen
(Conferências da Biblioteca Warburg, vol. V), Leipzig, 1928, p. 153.
[C 7a, 3]
As fantasias sobre o declínio de Paris são um sintoma da ausência de recepção da técnica.
Traduzem a consciência obscura de que, juntamente com as grandes cidades, cresciam os
meios que permitem arrasá-las.
[C 7a, 4]
~ <fasetardia>
Noack menciona “que o arco de Cipião não se localizava sobre a rua e sim em frente -
adversus viam , qua in Capitolium ascenditur... O caráter meramente monumental destas
construções, sem outro significado prático, fica assim evidente.” Por outro lado, o sentido
cultual destas edificações manifesta-se de maneira igualmente clara, tanto em seu
isolamento quanto em seu alinhamento ocasional: “Lá também, onde ... se localizam
muitos arcos posteriores, no início ou no final de uma rua, junto a pontes ou sobre elas,
nas entradas dos fóruns ou nos limites da cidade..., por toda parte, sente-se nos romanos
o efeito de uma concepção do sagrado..., tal como a fronteira ou o limiar.” Ferdinand
Noack, Triumph und Triumphbogen, (Conferências da Biblioteca Warburg, vol. V), Leipzig,
1928, pp. 162 e 169.
[C 8, 1]
14 Estes versos fazem parte do poema "0 Cisne" ("Le Cygne") das Flores do Mal. (E/M)
c
[Paris antiga. Catacumbas, Demolições, Declínio de Paris]
137
Sobre a bicicleta: “Nâo se deve, com efeito, enganar-se quanto à importância real da nova
montaria na moda, a que um poeta chamava, nesses últimos dias, de cavalo do Apocalipse.”
LLllustration, 12 de junho de 1869, cit. em Vendredi, 9 de outubro de 1936 (Louis
Chéronnet, “Le coin des vieux”).
[C 8. 2]
Sobre o incêndio que destruiu o hipódromo: “As comadres do bairro viam nesse sinistro a
cólera do Céu punindo o espetáculo culposo das ciclistas.” Le Gaulois, 2 (3?) de outubro de
1869, cit. em Vendredi , 9 de outubro de 1936 (Louis Chéronnet, “Le coin des vieux”). No
hipódromo eram organizadas competições femininas de bicicleta.
Para a compreensão dos Mysteres de Paris e obras semelhantes, Caillois quer lançar mão do
roman noir, principalmente dos Mysteres du Château d’Udolphe, sobretudo pela “importância
preponderante dos porões e dos subterrâneos”. Roger Caillois, “Paris, mythe moderne”,
Nouvelle Revue Française, XXV, n° 284, 1 de maio de 1937, p. 686.
[C s, 4]
“Toda a margem esquerda, da Tour de Nesle ... até a Tombe-Issoire ... não é senão um
alçapão que leva da superfície à profundeza. E se as demolições modernas revelam os mistérios
da Paris de cima, um dia talvez os moradores da margem esquerda despertem assustados
descobrindo os mistérios de baixo.” Alexandre Dumas, Les Mohicans de Paris, vol. III, Paris,
1863.
ÍC 8, 5]
“Esta inteligência de Blanqui ... esta tática do silêncio, esta política de catacumbas, deviam
às vezes fazer hesitar Barbès, como se estivesse diante ... de escadas subitamente escancaradas
e mergulhando nos porões de uma casa mal conhecida.” Gustave Geffroy, LEnfermé, Paris,
1926, vol. I, p. 72.
[C 8, 6]
Messac cita (em Le “Detective Novel ” et 1’Influence de la Pensée Scientifique, Paris, 1929,
p. 419) um trecho de Vidocq, Mémoires, capítulo XLV: “Paris é um ponto sobre o globo,
mas esse ponto é uma cloaca; nesse ponto deságuam todos os esgotos.”
r [C 8a, 1]
Le Panorama, revista crítica e literária, publicada a cada cinco dias, no volume I, número 3
(seu último número), de 25 de fevereiro de 1840, sob a rubrica Questões difíceis de
resolver”: “O universo acabará amanhã? Sua duração eterna deverá ver a mina de nosso
planeta? Ou este último, que tem a honra de nos carregar, sobreviverá ao resto dos outros
mundos?” Muito significativo o fato de que se pudesse escrever desta maneira numa revista.
(Aliás, no primeiro número, “A nos lecteurs”, aparece uma confissão: que a Panorama foi
fundada para se ganhar dinheiro.) O fundador foi o vaudevillista Hippolyte Lucas.
[C 8a, 2]
“Santa que levais todas as tardes ao aprisco
O rebanho inteiro, diligente pastora,
Quando o mundo e Paris chegarem ao fim do aluguel,
£JJ ■ Passagens
Possais com um passo firme e com mão leve,
No último pátio e pelo último portal,
Levar pela abóbada e pelo duplo batente
O rebanho inteiro à direita do Pai.”
Charles Péguy, La Tapisserie de Sainte-Geneviève , cit. em Marcei Raymond, De Baudelaire
au Surréalisme, Paris, 1933, p. 219.
[C 8a, 3]
Suspeita sobre os conventos e os padres durante a Comuna: “Adais ainda que no incidente
da Rue Picpus, tudo foi mobilizado para excitar a paixão popular, graças às caves de Saint-
Laurent. À voz da imprensa ajuntou-se a publicidade pela imagem. Étienne Carjat
fotografou, com a ajuda da luz elétrica’, os esqueletos... Depois de Picpus, depois de Saint-
Laurent, com alguns dias de intervalo, o convento da Assunção e a igreja de Notre-Dame-
des-Victoires. Um vento de loucura soprava sobre a capital. Por todo lado pensava-se encontrar
caves e esqueletos.” Georges Laronze, Histoire de la Commune de 1871, Paris, 1928, p. 370.
[C 8a, 4]
1871: “A imaginação popular podia correr solta. E não deixou de fazê-lo. Não houve chefe
de serviço que não tivesse tido a idéia de descobrir o meio de traição que estava então na
moda - o subterrâneo. Na prisão de Saint-Lazare, procurou-se um subterrâneo que, da
capela, devia comunicar-se com Argenteuil, isto é: transpor dois braços do Sena e mais dez
quilômetros em linha reta. Em Saint-Sulpice, o subterrâneo desembocava no palácio de
Versailles.” Georges Laronze, Histoire de la Commune de 1871, Paris, 1928, p. 399.
[C 8a, 5]
“Na realidade, os homens haviam substituído a água pré-histórica. Muitos séculos depois
que ela se retirou, eles recomeçaram uma expansão semelhante. Eles se espalharam pelos
mesmos leitos, estenderam-se ao longo dos mesmos cursos. Lá, pelos lados de Saint-Merri,
do Temple, do Hôtel de Ville, na direção de Les Halles, do cemitério dos Inocentes e da
Ópera — lá, onde a água teve mais dificuldade de escorrer e os lugares ficaram gotejando
por causa de infiltrações ou escoamentos subterrâneos, lá os homens também haviam mais
completamente saturado o solo. Os bairros mais densos e os mais ativos pesavam ainda
sobre antigos pântanos.” Jules Romains, Les Hommes deBonne Volonté, livro I (“Le 6 octobre”).
Paris, 1932, p. 191.
[C 9, 1]
Baudelaire e os cemitérios: “Atrás das altas paredes das casas, pelos lados de Montmartre,
de Ménilmontant, de Montparnasse, ele imagina, ao cair da noite, os cemitérios urbanos,
estas três outras cidades dentro da grande - cidades aparentemente menores que a cidade
dos vivos, porque esta parece contê-las, mas em realidade tão mais vastas, tão mais populosas,
com seus compartimentos apertados, superpostos em profundidade. E, nos mesmos lugares
por onde hoje a multidão circula — o Square des Innocents, por exemplo — , ele evoca os
antigos ossários soterrados ou desaparecidos, submersos nas ondas do tempo com todos os
seus mortos, como os navios naufragados com sua tripulação.” François Porché, La Vie
Douloureuse de Charles Baudelaire (da série Le Roman des Grandes Existences, vol. 6), Paris,
1926, pp. 186-187.
[C 9, 2]
c
[Paris antiga. Catacumbas, Demolições, Declínio de Paris]
139
Passagem paralela à ode “Ao Arco do Triunfo . Os versos são dirigidos ao homem:
“E quanto às ruas cidades. Babéis de monumentos
Onde falam ao mesmo tempo todos os acontecimentos,
O que vale isso? Arcos, torres, pirâmides,
Eu ficaria pouco surpreso se em seus raios úmidos
A aurora os levasse juntos uma manhã,
Com as gotas de água da salsa e do tomilho.
E tua arquitetura superposta e soberba
Acaba não sendo mais que um amontoado de pedras e ervas,
Onde, a cabeça ao sol, assobia a serpente sutil.”
Victor Hugo, La Fin de Satan: Dieu , Paris, 1911 (“Dieu-LAnge”), pp. 475-476.
[C 9, 31
Léon Daudet sobre a vista do Sacré-Coeur sobre Paris. “Olha-se do alto esta quantidade de
palácios, de monumentos, de casas, de casebres que parecem reunidos à espera de um
cataclismo, ou de vários cataclismos, sejam meteorológicos, sejam sociais... Amante dos
santuários situados no alto, que me agitam o espírito e os nervos na aridez salubre do vento,
passei horas em Fourvières, contemplando Lyon; em Notre-Dame de la Garde,
contemplando Marseille; em Sacré-Coeur contemplando Paris... Pois bem! A um dado
momento, ouvi em mim como o toque de um sino, como um alarme bizarro, e via essas
três cidades magníficas ... ameaçadas de desmoronamento, de devastação pela água e pelo
fogo, de carnificinas, de usuras repentinas, semelhantes a florestas destruídas em bloco
pelo raio. Outras vezes as via corroídas por um mal obscuro, subterrâneo, que fazia cair
monumentos, bairros, fachadas inteiras de grandes residências... Desses promontorios, o
que sobressai é a ameaça. A aglomeração é ameaçadora, o labor gigante é ameaçador. Pois o
homem tem necessidade de trabalhar, sem dúvida, mas tem também outras necessidades...
Tem necessidade de se isolar e de se agrupar, de gritar e de se revoltar, de se apaziguar e de
se submeter... Enfim, a necessidade suicida está nele, e, na sociedade que ele constitui,
mais viva que o instinto dito de conservação. Assim, o que surpreende, quando se visita
Paris, Lyon ou Marseille, do alto do Sacré-Coeur, de Fourvières, de Notre-Dame de la
Garde, é que Paris, Lyon, Marseille tenham durado.” Léon Daudet, Paris Vécu, vol. I: Rive
Droite, Paris, 1930, pp. 220-22 1. 1 5
[C 9a, 1]
“Possuímos, desde Políbio, uma longa série de antigas descrições de velhas cidades célebres,
cujas fileiras de casas vazias desmoronaram lentamente, enquanto sobre seu foro e seu
ginásio pastam rebanhos, e seus anfiteatros estão cobertos de plantações de onde ainda
emergem estátuas e colunas. No século V, Roma tinha a população de um vilarejo, mas os
palácios de seus imperadores eram ainda habitáveis.” Oswald Spengler, Le Déclin de 1’Occident,
vol. I, Paris, 1933, p. 151.
r [C 9a, 2]
15 L Daudet, Paris Vécu, Paris, Gallimard, 1969, pp. 127-128. (J.L.)
D
[0 Tédio, Eterno Retorno]
"Quer o sol matar meus sonhos todos,
os pálidos filhos de meus redutos de prazer?
Os dias tornaram-se tão calmos e ofuscantes.
A satisfação acena com visões nebulosas,
Abate-me o medo de perder a saúde,
Como se meu Deus eu fosse julgar."
Jakob van Hoddis 1
"O tédio espera pela morte." 2
Johann Peter Hebel
"Esperar é a vida.”
Victor Hugo 3
Criança com sua mãe no panorama. O panorama representa a batalha de Sedan. A criança
acha tudo muito bonito: “Pena que o céu esteja encoberto. — Assim fica o tempo na
guerra”, retruca a mãe. ■ Diorama ■
Portanto, os panoramas, no fundo, estão comprometidos com este mundo nebuloso; a
luminosidade de suas imagens parece transpassá-los como cortinas de chuva.
“Esta Paris [sc. de Baudelaire] é muito diferente da Paris de Verlaine que, entretanto,
também já mudou muito. Uma é sombria e chuvosa, como uma Paris sobre a qual estaria
superposta a imagem de Lyon; a outra é esbranquiçada e poeirenta como um pastel de
Raffaelli. Uma é asfixiante, a outra arejada, com construções novas, isoladas em terrenos
baldios e, não longe, a cerca de caramanchões murchos. François Porché, La Vie Douknireuse
de Charles Baudelaire, Paris, 1926, p. 119-
1 J. von Hoddis, Weltende: Gesammelte Dichtungen, ed. org. por Paul Pôrtner, Zurique, 1958 (Coleção
Horizont), p. 46 ("Klage"). (R.T.)
2 i. P. Hebel, Werke, ed. org. por Eberhard Meckel, introd. de Robert Minder, Frankfurt a. M., 1968, vol.
I, p. 393. (R.T.)
3 V. Hugo, na antologia L'Autographe, Paris, 1863. (J.L.)
142 ■ Passagens
Como as forças cósmicas têm apenas um efeito narcotizante sobre o homem vazio e frágil, é o
que revela a relação dele com uma das manifestações superiores e mais suaves dessas forças-
o tempo atmosférico. E muito significativo que justamente esta influência, a mais íntima e
mais misteriosa exercida pelo tempo sobre os homens, veio a se tornar o tema de suas
conversas mais vazias. Nada entedia mais o homem comum do que o cosmos. Daí resulta a
intima ligação, para ele, entre tempo e tédio. Um belo exemplo de superação irônica desta
atitude e a historia do inglês spleenático, que certa manhã desperta e dá um tiro na cabeça
porque la fora chove. Ou ainda Goethe: como soube radiografar o tempo em seus estudos
meteorologicos, de tal modo que somos tentados a dizer que ele foi levado a esse trabalho
apenas para assim poder integrar até mesmo o tempo à sua vida desperta, criativa.
[D 1, 3]
Baudelaire como poeta do Spleen de Paris. “Uma das características essenciais dessa poesia,
na verdade, e o tedio na bruma, tédio e nevoeiro misturados (nevoeiro das cidades); numa
p avra, e o splem. François Porché, La Vie Douloureuse de Charles Baudelaire, Paris, 1926
p. 184. ’
[D 1, 4 ]
m 1903, Emile Tardieu publicou em Paris um livro intitulado LEnnui, no qual procura
demonstrar que toda atividade humana é uma tentativa inútil de escapar ao tédio e, ao
mesmo tempo, que tudo que é, foi e será, é tão-somente o alimento inesgotável deste
mesmo sentimento. Ao se ler isso, poder-se-ia imaginar ter diante de si um grandioso
monumento literário: um monumento aerc perenmus' erigido à glória do taedium vitae 5
dos romanos. Contudo, trata-sê apenas da ciência auto-suficiente e mesquinha de um
novo Homais, que reduz toda grandeza, o heroísmo dos heróis e o ascetismo dos santos a
provas de seu descontentamento pequeno-burguês e sem inspiração.
[D 1, 5]
Quando os franceses foram à Itália defender os direitos da coroa de França sobre o ducado
de Milao e sobre o reino de Nápoles, voltaram maravilhados com as soluções que o gênio
italiano havia encontrado para o excessivo calor; e, da admiração pelas galerias, passaram à
imitaçao. O clima chuvoso dessa Paris, tão célebre por suas lamas, sugeriu pilares, que
foram uma maravilha do tempo antigo. Teve-se, assim, mais tarde, a Place Royale. Coisa
estranha. Fo. pelos mesmos motivos que, sob Napoleão, construíram-se as ruas Rivoli,
Casuglione e a famosa Rue des Colonnes.” Assim, também o turbante foi importado do
Egito LeDiable a Parts, Paris, 1845, vol. II, pp. 11-12 (Balzac, “Ce qui disparaít de
laris ). Quantos anos separam a guerra acima citada da expedição napoleÔnica à Itália? E
onde se situa a Rue des Colonnes? 6
[D 1, 6]
“As pancadas de chuva fizeram surgir muitas aventuras.” 7 Diminuição da força mágica da
cnuva. Capa de chuva. 6
!D 1, 7]
4 "Mais durável que o bronze." Expressão com que Horácio (Odes. III, 30) caracterizava a sua própria obra
poética. (J.L.; w.b.)
5 O desgosto da vida. (w.b.)
6 A a Ue o d ? C J °' 0nneS ~ anti9a PaSS3ge dK C0 ' 0nne5 ' transformada em rua em !798 - encontra-se perto
da Bolsa de Valores. (J.L.)
7 Citado em francês sem referência. Cf.P, AS.
D
[0 Tédio, Eterno Retorno]
143
Sob forma de poeira, a chuva consegue vingar-se das passagens. — Sob Luís Filipe, a poeira
se depositava até mesmo sobre as resoluções. Quando o jovem Duque de Oriéans ‘‘desposou
a princesa de Mecklenburg, celebrou-se uma grande festa naquele tamoso salão de baile,
em que se manifestaram os primeiros sintomas da revolução [de 1830,.' Quando vieram
arrumar o salão para a festa dos jovens nubentes, encontraram-no como a resolução o
deixara. Notavam-se ainda no chão os vestígios do banquete militar; viam-se tocos de vela,
copos quebrados, rolhas de champanhe; viam-se as insígnias pisoteadas dos gardes du corps
e as fitas de gala dos oficiais do regimento de Flandres.” Karl Gutzkow, Briefe aus Paris,
Leipzig, 1842, sol. II, p. 87. Uma cena histórica torna-se componente de um panóptico.
■ Diorama ■ Poeira e perspectiva sufocada ■
[D la. 1]
“Ele explica que a Rue Grange-Batelière é particularmente poeirenta, que nos sujamos
terrivelmente na Rue Réaumur.” Louis Aragon, Le Paysan de Paris, Paris, 1926, p. 88.
[D la, 2]
A pelúcia como depósito de poeira. Mistério da poeira que brinca ao sol. A poeira e a “sala
de visitas”. “Logo após 1840, surgem os móveis franceses totalmente estofados, e com eles
o estilo de tapeçarias atinge seu domínio absoluto.” Max von Boehn, Die Mode im XIX
Jahrhundert, vol. II, Munique, 1907, p. 131. Outras formas de levantar a poeira: a cauda.
“Recentemente retornou também a verdadeira cauda; agora, porém, é erguida e segurada,
durante o andar, com o auxílio de um gancho e um cordão, para evitar a inconveniência
de varrer a rua.” Friedrich Theodor Vischer, Mode und Zynismus, Stuttgart, 1879, p. 12.
■ Poeira e perspectiva sufocada ■
[D la, 3]
A Galeria do Termômetro e a Galeria do Barômetro na Passage de 1’Opéra.
[D la, 4]
Um folhetinista dos anos quarenta, ao escrever sobre o tempo atmosférico de Paris, constatou
que Corneille só falou das estrelas uma única vez (em Le Cid) e que Racine escreveu apenas
uma vez sobre o “sol”. Ele afirma que as estrelas e as flores teriam sido descobertas para a
literatura primeiramente na América, por Chateaubriand, e só depois foram transpostas a
Paris. (Segundo Victor Méiy, “Le climat de Paris”, em Le Diable à Paris, vol. I, Paris, 1845,
p. 245.)
[D la, 5]
A respeito de algumas imagens lascivas: “Não é mais o leque, mas o guarda-chuva, invenção
digna da época do rei como guarda nacional. O guarda-chuva propício às fantasias amorosas.
O guarda-chuva servindo de abrigo discreto. Cobertura, teto da ilha de Robinson. John
Grand-Carteret, Le Décolleté et le Retroussé. Paris, 1910, vol. II, p. 56.
[D la, 6]
“Só aqui”, disse Chirico, “é possível pintar. As ruas possuem tantos tons de cinza...”
[D la, 7]
A atmosfera de Paris faz Carus 8 9 lembrar-se do aspecto da costa napolitana quando sopra o
siroco.
[D la, 8]
8 Inserção de E/M.
9 O pintor romântico Cari Gustav Carus (1789-1869). Cf. B°, 4 e nota. (J.L.)
J44 ■ Passagens
O tempo de chuva na cidade, com toda sua astuta sedução, capaz de nos fazer voltar em
sonhos aos primeiros tempos da infância, só é compreensível à criança de uma cidade
grande. A chuva faz tudo parecer mais oculto, torna os dias não só cinzentos, mas também
uniformes. De manhã à noite pode-se fazer a mesma coisa — jogar xadrez, ler, discutir
enquanto o sol, de maneira bem diferente, matiza as horas e não faz bem ao sonhador. Por
isso, este precisa evitar com astúcia os dias radiantes e, principalmente, levantar-se muito
cedo, como os grandes ociosos, os passeadores do porto e os vagabundos: ele precisa estar a
postos mais cedo que o sol. Ferdinand Hardekopf, o único verdadeiro decadente que a
Alemanha produziu, indicou ao sonhador - na “Ode vom seligen Morgen” (Ode da manhã
bem-aventurada), com a qual presenteou Emmy Hennings 10 há muitos anos — as melhores
medidas de precaução para dias ensolarados.
[D la. 9]
“dar a esta poeira um aspecto de consistência, como se estivesse regada com sangue”. Louis
Veuillot, Les Odeurs de Paris , Paris, 1914, p. 12.
[D la, 10]
Outras cidades européias acolhem as colunatas em sua fisionomia urbana; Berlim serve de
exemplo com o estilo de suas portas monumentais. Característico é especialmente o Hallesches
Tor, inesquecível para mim num cartão postal azulado, representando a Praça Belle-Alliance
à noite. Era um cartão transparente, e olhando-o contra a luz, iluminavam-se todas as suas
janelas exatamente com o mesmo brilho que emanava da lua cheia no alto do céu.
[D 2. 1]
“As construções da nova Paris são derivadas de todos os estilos; o conjunto não deixa de ter
uma certa unidade, porque todos esses estilos são do gênero tedioso, e do mais tedioso dos
tediosos, que é o enfático e o alinhado. Alinhados! Parados! Parece que o Anfiao desta cidade
é um caporal ... / Ele mobiliza uma quantidade de coisas faustuosas, pomposas, colossais:
são entediantes; ele mobiliza também uma quantidade de coisas muito feias: estas são
igualmente entediantes. / Estas grandes ruas, estes grandes cais, estes grandes edifícios,
estes grandes esgotos, sua fisionomia mal copiada ou mal sonhada guarda um não sei quê
que cheira a fortuna repentina e irregular. Exalam o tédio.” Veuillot, Les Odeurs de Paris ,
Paris, 1914, p. 9. ■ Elaussmann ■
[D 2, 2]
Pelletan descreve a visita a um rei da Bolsa de Valores, um multimilionário: “Quando
entrei no pátio do hotel, um grupo de palafreneiros vestindo coletes vermelhos ocupava-se
em escovar meia dúzia de cavalos ingleses. Subi por uma escadaria de mármore, no alto da
qual encontrava-se uma enorme luminária dourada, e encontrei no vestíbulo um camareiro
de gravata branca e canelas volumosas que me conduziu a uma grande galeria envidraçada,
cujas paredes estavam inteiramente decoradas com camélias e plantas de estufa. Uma espécie
de tédio secreto pairava no ar; ao primeiro passo, respirava-se um aroma que lembrava o
ópio. Passava-se por uma dupla série de barras, sobre as quais havia papagaios de vários
países. Eram vermelhos, azuis, verdes, cinzentos, amarelos e brancos; mas todos pareciam
sofrer de saudades de sua terra. Ao fim da galeria encontrava-se uma pequena mesa defronte
a uma lareira de estilo renascentista: àquela hora, o patrão tomava o desjejum... Após ter eu
10 F. Hardekopf, Gesammelte Dichtungen, ed. org. por Emmy Moor-Wittenbach, Zurique, 1963
(Coleção Horizont), pp. 50-51. (R.T.) - Cf. B°, 5. Emmy Hennings animou o Cabaré Voltaire dos
dadaístas, em Zurique. (J.L.)
D
[0 Tédio, Eterno Retorno)
145
esperado um quarto de hora, dignou-se a aparecer... Bocejava, estava sonolento, parecia
sempre a ponto de dormitar: andava como um sonâmbulo. Seu torpor tinha contaminado
as paredes de seu hotel. Seus pensamentos assemelhavam-se a esses papagaios, como se
tivessem se soltado e encarnado e ficados presos a um poleiro... . ■ Intérieur ■ Rodenberg,
Paris bei Sonnenschein und Lampenlicht, Leipzig, 1867, pp. 104-105.
No Théâtre des Varictés, Rougemont e Gentil fazem apresentar as Fêtes françaises ou Paris
en miniature. Trata-se do casamento de Napoleão I com Marie-Louise e fala-se a respeito
das planejadas festas. “Entretanto”, diz uma das personagens, “o tempo não está muito
firme”. — Resposta: “Meu amigo, fique tranqüilo, este dia é da escolha do nosso soberano.
Em seguida, entoa uma estrofe que começa assim:
“Sabe-se que a seu olhar agudo
O porvir sempre se desvela,
E quando precisamos de bom tempo
Esperamo-lo de sua estrela. ”
Cit. em Théodore Muret, LHistoire par le Théâtre - 1789-1851, Paris, 1865, vol. I, p. 262.
[D 2, 4]
“Esta tristeza eloqüente e sem vida que se chama tédio.” Louis Veuillot, Les Odeurs de Paris,
Paris, 1914, p. 177.
“Cada traje serve-se de alguns acessórios com os quais compõe uma bela figura, isto é, que
custam muito dinheiro, pois se estragam facilmente, sobretudo porque qualquer gota de chuva
os deteriora.” Isto a propósito da cartola. ■ Moda ■ E Th. Vischer, Vernünftige Gedanken
über die jetzige Mode”, em Kritische Game , Nova Série, 3 o caderno, Stuttgart, 1861, p. 124.
[D 2, 6]
Sentimos tédio quando não sabemos o que estamos esperando. O fato de o sabermos ou
imaginar que o sabemos é quase sempre nada mais que a expressão de nossa superficialidade
ou distração. O tédio é o limiar para grandes feitos. — Seria importante saber: qual é o
oposto dialético do tédio? ^ 2
O livro muito engraçado de Emile Tardieu, LEnnui, Paris, 1903, cuja tese principal é que a
vida não possui nem fim nem fundamento, perseguindo inutilmente o estado de felicidade e
equilíbrio, cita, dentre as múltiplas circunstâncias que seriam a causa do tédio: o tempo
atmosférico. - Poderíamos definir este livro como uma espécie de breviário do século XX.
[D 2, 8]
O tédio é um tecido cinzento e quente, forrado por dentro com a seda das cores mais
variadas e vibrantes. Nele nós nos enrolamos quando sonhamos. Estamos então em casa
«ti arabescos de seu forro. Porém, sob essa coberta, o homem que dorme parece cinzento
e entediado. E quando então desperta e quer relatar o que sonhou, na maioria das vezes ele
146 ■ Massagens
nada comunica além desse tédio. Pois quem conseguiria com um só gesto virar o forro do
tempo do avesso? E, todavia, relatar sonhos nada mais é do que isso. E não podemos falar
das passagens de outro modo. São arquiteturas nas quais revivemos em sonhos a vida de
nossos pais, avos, tal qual o embrião dentro do ventre da mãe revive a vida dos animais. A
existência nesses espaços decorre sem ênfase, como nos sonhos. O flanar é o ritmo desta
sonolência. Em 1839, Paris foi invadida pela moda das tartarugas. É possível imaginar
muito bem como as pessoas elegantes imitavam nas passagens, mais facilmente ainda que
nos boulevards, o ritmo destas criaturas. ■ Flâneur ■
[D 2a, 1]
O tédio é sempre o lado externo dos acontecimentos inconscientes. Por isso o tédio parecia
elegante aos grandes dândis. Ornamento e tédio.
[D 2a, 2]
Sobre o duplo significado de temps em francês. 11
[D 2a, 3]
O trabalho na fabrica como infra-estrutura economica do tédio ideológico das classes
superiores. “A triste rotina de um infindável sofrimento no trabalho, no qual o mesmo
processo mecânico é repetido sempre, assemelha-se ao trabalho de Sísifo; o fardo do trabalho,
tal qual a pedra de Sísifo, despenca sempre sobre o operário esgotado.” Friedrich Engels,
Die Lage der arbeitenden Klasse in England, 2 a ed„ Leipzig, 1848, p. 217 (cit. em Matx,
Das Kapital, Hamburgo, 1922, vol. I, p. 388).
[D 2a, 4]
O sentimento de uma “imperfeição incurável” (cf. Les Plaisirs et les Jours, cit. na homenagem
de Gide) “na própria essência do presente”, 12 foi talvez para Proust o motivo principal de
procurar conhecer a sociedade mundana até suas últimas dobras, e talvez seja até mesmo
um motivo fundamental das reuniões sociais dos homens em geral.
[D 2a, 5]
Sobre os salões: “Percebiam-se em todas as fisionomias os traços inconfundíveis do tédio, e
as conversas eram em geral raras, pacatas e sérias. A dança era vista pela maioria como um
trabalho forçado ao qual era preciso submeter-se, por ser de bom-tom.” Mais adiante, à
afirmação de que talvez nas sociedades de nenhuma cidade da Europa se encontrem rostos
menos satisfeitos, alegres e vivazes quanto nos salões parisienses; ... além disso, em nenhum
outro lugar da sociedade se ouvem mais queixas sobre o tédio insuportável do que aqui,
tanto por simples modismo quanto por verdadeira convicção”. “Uma conseqüência natural
disso é que impera nas reuniões sociais um silêncio e uma calma que seriam consideradas
excepcionais nas grandes reuniões em outras cidades.” Ferdinand von Gall, Paris und seine
Salons, Oldenburg, 1844, vol. I, pp. 151-153 e 158.
[D 2a, 6]
Deveríamos refletir sobre os pêndulos nos apartamentos a partir das seguintes linhas: “Um
certo sentido de leveza, um olhar calmo e despreocupado sobre o tempo que se esvai, um
11 "Tempo cronológico" e "tempo atmosférico". Cf. K°, 23. (w.b.)
12 Marcei Proust, Jean Santeuil precedido de Les Plaisirs et les Jours, ed. org. por Pierre Clarac, com a
colaboração de Yves Sandre, Paris, 1971 (Bibliothèque de la Plêiade, 228), p. 139 - ver também vol II
p. 312. (R.T.)
D
10 Tédio, Eterno Retorno]
147
emprego indiferente das horas que passam muito rapidamente — estas são qualidades que
favorecem a vida superficial dos salões.” Ferdinand von Gall, Paris und sane Salons, vol. II,
Oldenburg, 1845, p. 171.
(D 2a, 7]
Tédio nas cenas de cerimônia representadas nos quadros históricos e o dolce far niente dos
quadros de batalhas, com tudo o que reside na fumaça de pólvora. Das imagens de Êpinal
até a Execução do Imperador Maximiliano do México, de Manet, encontra-se a sempre igual
e sempre nova miragem, sempre o vapor no qual surge o Mogreby 13 <?> ou o gênio da
garrafa diante dos olhos sonhadores e distraídos dos amantes da arte. ■ Morada de sonho,
museus ■
[D 2a, 8]
Jogadores de xadrez no Café de la Régence: “Era ali que se viam alguns hábeis jogadores
fazerem seu jogo de costas para o tabuleiro: bastava que lhes dissessem a cada lance qual a
peça que o adversário havia deslocado, para que eles estivessem certos de ganhar.” Histoire
des Cafés de Paris, Paris, 1 857, p. 87.
[D 2a, 9]
<fase média>
“Em resumo, a arte clássica urbana, depois de ter apresentado suas obras-primas, esterilizou-
se no tempo dos filósofos e dos fabricantes de sistemas. O século XVIII, que terminava,
havia trazido à luz inúmeros projetos; a Comissão dos Artistas os reunira em corpo de
doutrina, o Império os aplicava sem originalidade criadora. Ao estilo clássico, flexível e vivo,
sucedia o pseudoclássico, sistemático e rígido... O Arco do Triunfo repete a porta Louis
XIV, a coluna Vendôme é imitação de Roma, a Madeleine, a Bolsa de Valores e o Palais-
Bourbon são templos antigos.” Lucien Dubech e Pierre d’Espezel, Histoire de Paris, Paris,
1926, p. 345. ■ Intérieur ■
[D 3, I]
“O primeiro Império copiou os arcos de triunfo e os monumentos dos dois séculos clássicos.
Depois, procurou-se reinventar, reanimando modelos mais remotos: o Segundo Império
imitou o Renascimento, o gótico, o pompeano. Depois, caiu-se na era da vulgaridade sem
estilo.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, Paris, 1926, p. 464. ■ Intérieur ■
(D 3, 2]
Anúncio de um livro de Benjamin Gastineau, La Vie en Chemin de Fer : “A ‘Vida em
estradas de ferro’ é um encantador poema em prosa. É a epopéia da vida moderna,
sempre arrebatadora e turbulenta, o panorama de alegria e lágrimas passando como a
poeira dos trilhos perto das cortinas do vagão.” Benjamin Gastineau, Paris en Rose, Paris,
1866, p. 4.
[D 3, 3]
13 Talvez uma referência ao "Magrebino" (Maghrébin), o mágico de "Aladim e a Lâmpada Mágica", das
Mil e Uma Noites. Cf. a referência ao "Mograby" no ensaio "Neapei" (Nápoles), in: GS IV, 313. (J.L.)
148 ■ Passagens
Em vez de passar ( vertreiben ) o tempo, é preciso convidá-lo ( einladen ) para entrar. Passar o
tempo ou matar, expulsar (austreiberi) o tempo: o jogador. O tempo jorra-lhe dos poros. —
Carregar-se ( laden ) de tempo como uma bateria armazena ( lãdt ) energia: o flâneur.
Finalmente, o terceiro tipo: aquele que espera. Ele carrega-se (lãdt) de tempo e o devolve
sob uma outra forma - aquela da espera. 11
[D 3. 4]
“Os estratos calcários de formação recente, sobre os quais se localiza Paris, transformam-se
em pó com muita facilidade, e este pó, como todo pó calcário, provoca dor particularmente
nos olhos e no peito. Um pouco de chuva não adianta absolutamente nada, porque eles
absorvem a água rapidamente e a superfície logo fica seca de novo.” “Junte-se a isso a feia e
desbotada cor cinzenta das residências, todas construídas com esta pedra calcária porosa,
que é extraída perto de Paris; - os telhados de um amarelo pálido, que vão enegrecendo
com o passar dos anos; - as altas e largas chaminés que deformam até mesmo os prédios
públicos ... e que em certas regiões da cidade velha situam-se tão próximas umas das outras
que mal se pode olhar através delas.” J. F. Benzenberg, Briefe geschrieben auf einer Reise nach
Paris, Dortmund, 1805, vol. I, pp. 112 e 111.
[D 3. 5]
“Engels contou-me que, em 1848 em Paris, no Café de la Régence, um dos primeiros
centros da revolução de 1789, Marx lhe expôs pela primeira vez o determinismo econômico
de sua teoria da concepção materialista da história.” Paul Lafargue: “Persõnliche Erinnerungen
an Friedrich Engels”, Die Neue Zeit, XXIII, 2, Stuttgart, 1905, p. 558.
[D 3, 6]
O tédio — como índice da participação no sono do coletivo. Seria o tédio por isso tão
elegante a ponto de ser ostentado pelo dândi?
[D 3, 7]
Em 1757 só havia três cafés em Paris.
[D 3a, 1]
Máximas da pintura do Império: “Os artistas novos só admitiam o ‘estilo heróico, o sublime’,
e o sublime só podia ser alcançado com ‘o nu e o drapeado’... Os pintores deviam procurar
suas inspirações em Plutarco ou Homero, em Tito Lívio ou Virgílio, e escolher, de preferência,
segundo a recomendação de David a Gros..., ‘temas conhecidos de todos’... Os temas
tirados da vida contemporânea eram, por causa do estilo dos trajes, indignos da ‘grande
arte’.” A. Malet e R Grillet, XIX 1 Siècle, Paris, 1919, p. 158. ■ Moda ■
[D 3a, 2]
“Feliz o homem que é um observador! Para ele o tédio é uma palavra vazia de sentido.”
Victor Fournel, Ce Quon Voit dans les Rues de Paris, Paris, 1858, p. 271.
[D 3a, 3]
O tédio começou a ser visto como uma epidemia nos anos quarenta. Lamartine teria sido
o primeiro a ter dado expressão a este mal. Ele tem um papel numa pequena história que
trata do famoso comediante Deburau. Certa feita, um grande neurologista foi procurado
por um paciente que o visitava pela primeira vez. O paciente queixou-se do mal do século
14 Como mostram as palavras originais, em itálico - vertreiben : austreiben: einladen : laden (lãdt é a terceira
pessoa do singular) - o fragmento é construído com base num jogo verbal. (E/M)
D
'O Tédio. Eterno Retorno]
149
- a falta de vontade de viver, as profundas oscilações de humor, o tédio. 'Nada de grave”,
disse o médico após minucioso exame. “O senhor apenas precisa repousai, razer algo para
se distrair. Uma noite dessas vá assistir a Deburau e o senhor logo vera a vida oom outros
olhos.” “Ah, caro senhor”, respondeu o paciente, “eu sou Deburau .
ID 3a. 41
Retorno das Courses de la Marche : “A poeira ultrapassou todas as expectativas. .As pessoas
elegantes retornam das corridas praticamente recobertas de terra, a exemplo de Pompda: é
preciso desenterrá-las com ajuda de escovas ou mesmo enxadas.” H. de Pène, Paris Intime ,
Paris, 1859, p. 320.
'D 3a- 51
“A introdução do sistema Mac Adam para a pavimentação dos boulevards deu nascimento
a inúmeras caricaturas. Cham mostra os parisienses cegos com a poeira e propõe erigir ...
uma estátua com a inscrição: A Macadam, dos oculistas e comerciantes de óculos, em
reconhecimento!’ Outras representam os transeuntes suspensos em pernas de pau,
percorrendo assim os pântanos e as poças d’ água.” Paris sous la République de 1848: Exposition
de la Bibliothèque et des Travaux Historiques de la Ville de Paris, 1909 [Poete, Beaupaire,
Clouzot, Henriot], p. 25.
[D 3a. 6]
“Somente a Inglaterra podia ter produzido o dandismo; a França é tão incapaz de produzir
seu equivalente quanto sua vizinha o é de oferecer o equivalente de nossos ... ‘leões’, tão
apressados em agradar quanto os dândis em desprezar ... D’Orsay ... agradava naturalmente
e apaixonadamente a todo o mundo, mesmo aos homens, enquanto que os dândis só
agradavam desagradando... Do leão ao pretendente a dândi há um abismo; mas quão
maior é o abismo entre o pretendente a dândi e o miserável!” Larousse, Grand Dictionnaire
Universel du Dix-neuviòne Siecle, vol. VI, Paris, 1870, p. 63 (verbete “art dandy”).
[D 4, 1]
No antepenúltimo capítulo de seu livro: Paris Depuis ses Origines Jusquen l’An 3000 (Paris,
de suas origens ao ano 3000), Paris, 1886, Léo Claretie fala de um teto de placas de cristal
que se estende sobre a cidade quando chove — no ano de 1987. “Em 1987” é o título deste
capítulo.
[D 4, 2]
A propósito de Chodruc-Duclos: “Era talvez o resto de algum velho e áspero cidadão de
Herculano que, tendo escapado de seu leito subterrâneo, voltava para nós crivado de mil
cóleras vulcânicas e vivia na morte.” Mémoires de Chodruc-Duclos, org. por J. Arago e Édouard
Gouin, Paris, 1843, vol. I, p. 6 (“Préface”). O primeiro flâneur entre os desclassificados.
[D 4, 3]
O mundo no qual nos entediamos — “Mas se nos entediamos, e daí? Que influência isso
pode ter?” — “Que influência! ... que influência o tédio tem sobre nós? Ela é enorme! ...
Considerável! Veja, o francês tem um horror pelo tédio levado até a veneração. Para ele, o
tédio é um deus terrível, que tem por culto a duração. Ele não compreende a seriedade
senão sob essa forma.” Édouard Pailleron, Le Monde oü l'On s’Ennuie (1881), Ato I, cena 2
(em É. Pailleron, Théâtre Complet, vol. III, Paris, 1911, p. 279).
ID 4, 4]
Michelet “fàz lima descrição muito inteligente e piedosa da condição dos primeiros operários
especializados por volta de 1840. Eis o inferno do tedio nas tecelagens: Sempre, sempre,
sempre é a palavra invariável que retumba em nosso ouvido com a rotação automatica, que faz
tremer o assoalho. Ninguém jamais se habitua a isso.’ Muitas vezes as observações de Michelet
(por exemplo aquelas sobre o devaneio e os ritmos dos ofícios) precedem intuitivamente as
análises experimentais dos psicólogos modernos. Georges Friedmann, La Crise du Progrès,
Paris, 1936, p. 244. [A citação é extraída de Michetet, Le Peuple, Paris, 1846, p. 83.] ^
Faire droguer (“drogar”) no sentido de faire attendre (“fazer esperar”) pertence ao jargão dos
exércitos da Revolução e do Império. (Segundo Brunot, Historie de la Langue Française, vol.
IX, La Révolution et 1’Emprie, Paris, 1937, p. 997.
r [D 4, 6]
A Vida Parisiense : “Na carta de recomendação escrita pelo Barão Stanislas de Frascata para
seu amigo Gondremarck, dirigida a Metella, 15 Paris assemelha-se a um souvenir em uma
redoma de vidro. O missivista, preso à terra natal, queixa-se que em seu 'frio país’ sente
saudades dos banquetes regados a champanhe, do boudoir azul-celeste de Metella, dos
jantares, das canções, da embriaguez. Paris esplende clara a seus olhos: um lugar onde as
diferenças de classe se anulam, uma cidade repleta de calor meridional e vida fervilhante.
Metella lê a carta de Frascata, e, enquanto lê, a música emoldura a pequena e brilhante
imagem da memória com uma melancolia, como se Paris fosse o paraíso perdido, e com
uma bem-aventurança, como se fosse a terra prometida. À medida que a ação se desenvolve,
advém a impressão irrefutável de que esta imagem começa a tornar-se viva.” S. Kracauer,
Jacques Offenbach und das Paris seiner Zeit, Amsterdam, 1937, pp. 348-349.
“O Romantismo culmina numa teoria do tédio; o sentimento moderno da vida, numa teoria
do poder, ou, pelo menos, da energia... Com efeito, o Romantismo marca a tomada de
consciência pelo homem de um feixe de instintos que a sociedade está fortemente interessada
em reprimir, mas ele manifesta em grande parte o abandono da luta... O escritor romântico
... volta-se para ... uma poesia de refúgio e de evasão. A tentativa de Balzac e de Baudelaire é
exatamente inversa e tende a integrar na vida os postulados que os Românticos se resignavam
em realizar unicamente no plano da arte... Nisso seu empreendimento era muito próximo
do mito, que significa sempre um acréscimo do papel da imaginação na vida”. Roger
Caillois, “Paris, mythe moderne”, ( Nouvelle Revue Française, XXV, 284, I o de maio de
1937, pp. 695 e 697).
1839: “A França se entedia.” Lamartine.
[D 4a, 31
Baudelaire no ensaio sobre Guys: “O dandismo é uma instituição vaga, tão bizarra quanto
o duelo; muito antiga, pois dela César, Catilina, Alcibíades nos oferecem exemplos brilhantes;
muito geral, pois Chateaubriand encontrou-a nas florestas e às margens dos lagos do Novo
Mundo.” Baudelaire, LArt Romantique, Paris, p. 91. 16
1 [D 4a, 4]
15 Referência a dois personagens, a grisette Metella e o barão sueco Gondremarck, da opereta La Vie
Parisienne (II ato), de Offenbach, Meilhac e Halévy (1866). (J.L.)
16 Baudelaire, OC II, p. 709. (R.T.)
D
[0 Tédio, Eterno Retorno]
151
O capítulo referente a Guys em LArt Romantique, sobre os dândis: “Todos são representantes
... dessa necessidade, hoje muito rara, de combater e destruir a trivialidade... O dandismo
é o último brilho de heroísmo na decadência; e o tipo do dândi, encontrado pelo viajante
na América do Norte, não enfraquece em nada essa idéia, porque nada nos impede de
supor que as tribos que chamamos de selvagens sejam remanescentes de grandes civilizações
desaparecidas... Seria preciso dizer que Monsieur G., quando desenha um de seus dândis
no papel, confere-lhe sempre seu caráter histórico, até mesmo lendário, ousaria dizer, se
não fosse questão do tempo presente e de coisas consideradas geralmente como brincadeira.'
Baudelaire, LArt Romantique (ed. Hachette, tomo III), Paris, pp. 94-95.' 7
[D 5, 1]
Baudelaire define assim a impressão que o dândi perfeito deve despertar: “Eis talvez um
homem rico, mais seguramente um Hércules sem emprego.” Baudelaire, LArt Romantique,
Paris, p. 96. 18
r [D 5, 2]
A multidão aparece como supremo remédio contra o tédio no ensaio sobre Guys: Todo
homem’, disse certa vez Monsieur G., numa dessas conversas que ele ilumina com um
olhar intenso e com um gesto evocativo, todo homem ... que se entedia no meio da multidão
é um tolo! Um tolo! E eu o desprezo!’” Baudelaire, LArt Romantique, p. 65. 19
[D 5, 3]
De todos os objetos cuja expressão lírica Baudelaire foi o primeiro a revelar, um deveria ser
enfatizado: o mau tempo.
[D 5. 4]
A conhecida anedota sobre o artista Deburau, acometido de tédio, atribuída a um certo
“Carlin”, constitui a peça fundamental dos versos do “Eloge de l’ennui” (“Elogio do tédio”),
de Charles Boissière, da Sociedade Filotécnica, Paris, 1 860. — Carlin é um nome de cachorro,
derivado do nome de um ator italiano que representava o papel de Arlequim.
“A monotonia se nutre de novo!” Jean Vaudal, Le Tableau Noir, cit. em E. Jaloux, “Eesprit
des livres”, Nouvelles Littéraires, 20 de novembro de 1937.
[D 5, 6]
Contrapartida da visão de mundo de Blanqui:
Oft
permanentes.
o universo é um lugar de catástrofes
[D 5, 7]
Sobre LEtemité par les Astres: Blanqui, que à beira do túmulo sabe que o Fort Du Taureau
será sua derradeira prisão, escreve este livro para abrir a si mesmo as portas de novos cárceres.
[D 5a. 1]
17 Op. cit, pp. 711-712. (R.T.)
18 Op. c/t., p. 712. (R.T.)
19 Op. c/t, p. 692. (R.T.)
20 Cf. as teses de W. Benjamin "Sobre o Conceito de História", IX (GS I, 697). Na tradução brasileira:
"Onde uma cadeia de eventos aparece diante de nós, e/e [sc. o anjo da história] enxerga uma única
catástrofe, que sem cessar amontoa escombros sobre escombros e os arremessa a seus pés." Teses, p.
87. (J.L.; w.b.)
752 ■ Passagens
Sobre LEtemité par les Astres: Blanqui submete-se à sociedade burguesa. Mas cai de joelhos
diante dela com tanta força que o trono começa a balançar.
[D 5a, 2]
Sobre LEternite par les Astres: neste texto está disposto o céu no qual os homens do século
XIX vêem as estrelas.
[D 5a, 3]
A figura de Blanqui talvez esteja presente nas “Litanias de Satanás” (Baudelaire, CEuvres,
ed. Le Dantec, vol. I, Paris, 1931, p. 138): “Tu que diriges aos proscritos esse olhar calmo
e altivo. De fato, existe um desenho feito de memória por Baudelaire, representando a
cabeça de Blanqui.
[D 5a, 4]
Para entender o significado da nouveauté, é preciso retornar à novidade na vida cotidiana.
Por que todo o mundo comunica as ultimas novidades aos outros? Provavelmente para
triunfar sobre os mortos. Isto apenas quando não há realmente nada de novo.
[D 5a, 5]
O último texto de Blanqui, escrito em sua ultima prisão, permaneceu a meu ver totalmente
despercebido ate hoje. Trata-se de uma especulação cosmológica. É preciso admitir que, ao
primeiro olhar, o texto parece banal e de mau gosto. Entretanto, as desajeitadas reflexões de
um autodidata são apenas o prelúdio de uma especulação que não se imaginaria de modo
algum encontrar neste revolucionário. Na medida em que o inferno é um objeto teológico,
esta especulação pode ser denominada de teológica. A visão cósmica que expõe Blanqui,
tomando seus dados à ciência natural mecanicista da sociedade burguesa, é uma visão do
inferno - e é, ao mesmo tempo, um complemento da sociedade que Blanqui, no fim de sua
vida, foi obrigado a reconhecer como vitoriosa. O que causa um choque é a ausência de
qualquer traço de ironia nesse esboço. É uma rendição incondicional, porém, ao mesmo
tempo, a acusação mais terrível contra uma sociedade que projeta no céu esta imagem do
cosmos como imagem de si mesma. O texto, estilisticamente muito marcante, contém as
mais notáveis relações tanto com Baudelaire quanto com Nietzsche. (Carta de 6 de janeiro
de 1938 a Horkheimer). 2 ’
[D 5a. S
<fase tardia>
Extraído de LEtemité par les Astres, de Blanqui: Qual o homem que não se encontra, as
vezes, em presença de duas carreiras? Aquela da qual ele se desvia lhe daria uma vida bem
diferente, preservando-lhe ao mesmo tempo a mesma individualidade. Uma conduz i
miséria, à vergonha, à servidão. A outra leva à glória, à liberdade. Aqui, uma mulher
encantadora e a felicidade; la, cólera e desolação. Falo pelos dois sexos. Quer se a tome ac
acaso ou por escolha, não importa: não se escapa da fatalidade. Mas a fatalidade não toca :
21 Carta de 6 de janeiro de 1938 a Max Horkheimer, in: Briefe, vol. II, ed. org. por Gershom Schosm
e Theodor W. Adorno, Frankfurt a. M., Suhrkamp, 1978, pp. 740-743: a passagem
encontra-se nas pp. 741-742. (J.L.; w.b.)
D
|0 Tédio, Eterno Retorno]
153
infinito, que não conhece alternativa e tem lugar para tudo. Existe uma terra em que o
homem segue a estrada desdenhada na outra pelo sósia. Sua existência se duplica, um
globo para cada uma, depois se bifurca uma segunda, uma terceira vez, milhares de vezes.
Ele possui assim sósias completos e inúmeras variantes de sósias que se multiplicam e
representam sempre sua pessoa, mas não tomam senão pedaços de seu destino. Tudo o que
poderíamos ter sido aqui em baixo, nós o somos em alguma outra parte. Além de nossa
existência inteira, do nascimento à morte, que vivemos numa multidão de terras, nós a
vivemos em outras terras em mil edições diferentes.” Cit. em Gustave Geffroy, LEnferme,
Paris, 1897, p. 399.
íd 6. i;
Extraído do final da Etemité par les Astres: “O que escrevo neste momento, numa cela do
Fort du Taureau, eu o escrevi e o escreverei por toda a eternidade, à mesa, com uma pena,
vestido como estou agora, em circunstâncias inteiramente semelhantes.” Cit. em Gustave
Geffroy, L Enferme, Paris, 1897, p. 401. Logo em seguida, Geffroy: “Ele escreve assim seu
destino no número sem fim dos astros, e em todos os instantes da duração. Sua cela se
multiplica até o incalculável. Ele é, no universo inteiro, o encarcerado que ele é nesta terra,
com sua força revoltada, seu pensamento livre.”
[D 6, 2]
Extraído do final de L Etemité par les Astres: “Na hora presente, a vida inteira de nosso
planeta, do nascimento à morte, é vivida em parte aqui e em pane lá, dia a dia, em miríades
de astros-irmãos, com todos os seus crimes e suas desgraças. O que chamamos de progresso
está enclausurado em cada terra e desaparece com ela. Sempre e em todo lugar, no campo
terrestre, o mesmo drama, o mesmo cenário, sobre o mesmo palco estreito, uma humanidade
barulhenta, enfatuada de sua grandeza, acreditando ser o universo e vivendo em sua prisão
como numa imensidão, para logo desaparecer com o globo que carregou com o mais
profundo desprezo o fardo de seu orgulho. Mesma monotonia, mesmo imobilismo nos
astros estrangeiros. O universo se repete, sem fim, e patina no mesmo lugar.” Cit. em
Gustave Geffroy, LEnferme, Paris, 1897, p. 402.
1 J [D 6a, 1]
Blanqui enfatiza explicitamente o caráter científico de suas teses, que nada teriam a ver com
as ingênuas fantasias de Fourier. “É preciso admitir que cada combinação particular da
matéria e das pessoas ‘deve se repetir milhares de vezes para enfrentar as necessidades do
infinito.’” Cit. em Geffroy, LEnferme , Paris, 1897, p. 400.
J [D 6a, 2]
Misantropia de Blanqui: “As variações começam com os seres animados que cêm vontades,
dito de outra forma, caprichos. Desde que os homens fazem intervenções, a fantasia
intervém com eles. Não que eles possam afetar muito o planeta... Sua turbulência jamais
perturba seriamente o andamento natural dos fenômenos físicos, mas desequilibra a
humanidade. É preciso, pois, prever essa influência subversiva que ... dilacera as nações
e arruina os impérios. É claro que essas brutalidades acontecem sem sequer arranhar a
epiderme terrestre. O desaparecimento dos perturbadores não deixaria vestígios de sua
presença, que eles julgam soberana, e seria suficiente para devolver à natureza sua virgindade
muito pouco atingida.” Blanqui, L Etemité par les Astres, pp. 63-64.
[D 6a, 3]
154 m Passagens
Capítulo final (VIII - “Résumé”) de U Etemité par les Astres, de Blanqui: "O universo
inteiro é composto de sistemas estelares. Para criá-los, a natureza tem apenas cem corpos
simples a sua disposição. Apesar da vantagem prodigiosa que ela sabe tirar desses recursos,
e do número incalculável de combinações que eles oferecem à sua fecundidade, o resultado
é necessariamente um número finito, como o dos próprios elementos; para preencher sua
extensão, a natureza deve repetir ao infinito cada uma de suas combinações originais ou
tipos. I Todo astro, qualquer que seja, existe portanto em número infinito no tempo e no
espaço, não apenas sob um de seus aspectos, mas tal como se encontra em cada segundo de
sua duração, do nascimento à morte. Todos os seres distribuídos em sua superfície, grandes
ou pequenos, vivos ou inanimados, partilham o privilégio dessa perenidade. / A terra é um
desses astros. Todo ser humano é, pois, eterno em cada um dos segundos de sua existência.
O que escrevo neste momento, numa cela do Fort du Taureau, eu o escrevi e o escreverei
por toda a eternidade, à mesa, com uma pena, vestido como estou agora, em circunstâncias
inteiramente semelhantes. Assim paia cada um. / Todas essas terras se abismam, uma após
a outra, nas chamas renovadoras, para delas renascer e recair ainda, escoamento monótono
de uma ampulheta que se vira e se esvazia eternamente a si mesma. Trata-se do novo
sempre velho, e do velho sempre novo. / Os curiosos em relação à vida extraterrestre poderão,
entretanto, sorrir diante de uma conclusão matemática que lhes conceda não apenas a
imortalidade, mas a eternidade? O número de nossos sósias é infinito no tempo e no
espaço. Em sã consciência, não se poderia exigir mais. Esses sósias são de carne e osso, até
mesmo de calças e paletó, de crinolina e de coque. Não são fantasmas, são a atualidade
eternizada. / Eis, entretanto, uma grande falha: não há progresso. Infelizmente! Não, são
reedições vulgares, repetições. Assim são os exemplares dos mundos passados, e assim
também os dos mundos futuros. Somente o capítulo das bifurcações permanece aberto à
esperança. Não nos esqueçamos que tudo o que poderíamos ter sido aqui em baixo, nós o somos
em alguma outra parte. O progresso aqui embaixo é apenas para nossos descendentes. Eles
têm mais sorte que nós. Todas as coisas belas que o nosso globo verá, nossos futuros
descendentes já as viram, vêem-nas neste momento e as verão sempre, é claro, sob a forma
de sósias que os precederam e que os sucederão. Filhos de uma humanidade melhor, eles já
nos ultrajaram muito e nos vaiaram muito sobre as terras mortas, passando por elas depois
de nós. Continuam a nos fustigar sobre as terras vivas de onde nós desaparecemos, e nos
perseguirão para sempre com seu desprezo sobre as terras a nascer. / Eles e nós - e todos os
hóspedes de nosso planeta - renascemos prisioneiros do momento e do lugar que os destinos
nos designam na série de suas metamorfoses. Nossa perenidade é um apêndice da sua. Não
somos senão fenômenos parciais de suas ressurreições. Homens do século XIX, a hora de
nossas aparições está para sempre fixada e nos reconduz sempre os mesmos, na melhor
hipótese com a perspectiva de variantes felizes. Nada aí que satisfaça muito a sede de algo
melhor. O que fazer? Não procurei meu prazer, procurei a verdade. Não há aqui revelação
nem profeta, mas uma simples dedução da análise espectral e da cosmogonia de Laplace.
Essas duas descobertas nos fazem eternos. Seria um ganho? Aproveitemos. Seria uma
mistificação? Resignemo-nos / ... / No fundo, e melancólica essa eternidade do homem
pelos astros, e mais triste ainda é esse seqüestro dos mundos irmãos pela inexorável barreira
do espaço. Tantas populações idênticas que passam sem ter suspeitado de sua mútua
existência! Pois bem! Nós a descobrimos, enfim, no século XIX. Mas quem desejará acreditar
nisso? / E depois, até aqui, o passado para nós representava a barbárie, e o futuro significava
D
[O Tédio, Eterno Retorno]
155
progresso, ciência, felicidade, ilusão! Esse passado viu desaparecer, sobre todos os nossos
globos-sósias, as mais brilhantes civilizações, sem deixar um rastro, e elas desaparecerão
ainda sem deixar outros. O futuro reverá sobre bilhões de terras a ignorância, as tolices, as
crueldades de nossas velhas eras! / Na hora presente, a vida inteira de nosso planeta, do
nascimento à morte, é vivida em parte aqui e em parte la, dia a dia, em miríades de astros-
irmãos, com todos os seus crimes e suas desgraças. O que chamamos de progresso está
enclausurado em cada terra e desaparece com ela. Sempre e em todo lugar, no campo
terrestre, o mesmo drama, o mesmo cenário, sobre o mesmo palco estreito uma humanidade
barulhenta, enfatuada de sua grandeza, acreditando ser o universo e vivendo em sua prisão
como numa imensidão, para logo desaparecer com o globo que carregou com o mais
profundo desprezo o fardo de seu orgulho. Mesma monotonia, mesmo imobilismo nos
astros estrangeiros. O universo se repete, sem fim, e patina no mesmo lugar. A eternidade
perfaz imperturbavelmente ao infinito as mesmas representações.” A. Blanqui, LEtemité par
les Astrey. Hypothèse Astronomique, Paris, 1872, pp. 73-76. O trecho que falta detém-se no
“consolo” proporcionado pela idéia de que os entes queridos que se foram desta terra fazem
companhia, enquanto sósias, nesta mesma hora, ao nosso sósia, num outro planeta.^ ^ _ .
“Pensemos este pensamento em sua forma mais terrível: a existência, tal como ela é, sem
sentido ou objetivo, porém, repetindo-se inevitavelmente, sem um final, no nada: o eterno
retorno’ . [p. 45] Negamos objetivos finais: se a existência tivesse um, este deveria ter sido
atingido.” Friedrich Nietzsche, Gesammelte Werke , Munique, 1926, vol. XVIII, Der Wille
zur Macht ( A vontade de Poder), Livro I, p. 46.
[D 8, 1]
“A doutrina do eterno retorno teria pressupostos eruditos. Nietzsche, Gesammelte Werke,
Munique, vol. XVIII, p. 49 ( Der Wille zur Macht, Livro I).
Contudo, o velho hábito de imaginar um objetivo para cada acontecimento é tão poderoso
que o pensador precisa se esforçar para não pensar a falta mesma de objetivo do mundo
como intencional. Esta idéia — de que, portanto, o mundo evita intencionalmente um
objetivo ... — impõe-se a todos aqueles que querem atribuir ao mundo a faculdade da eterna
novidade [p. 369] ... O mundo, enquanto força, não deve ser pensado como ilimitado, pois
ele não pode ser pensado dessa forma... Falta, portanto, ao mundo também a faculdade da
eterna novidade.” Nietzsche, Gesammelte Werke, vol. XIX, Munique, 1926, p. 370 ( Der
Wille zur Macht, Livro IV).
IL) o, 0 \
“O mundo ... vive de si mesmo: seus excrementos são seu alimento. Nietzsche, Gesammelte
Werke, vol. XIX, p. 371 ( Der Wille zur Macht, Livro IV). g
O mundo “sem objetivo final, a menos que na felicidade do círculo resida um objetivo
final; sem vontade, a menos que um anel voltando sobre si mesmo tenha boa vontade .
Nietzsche, Gesammelte Werke, Munique, vol. XIX, p. 374 ( Der Wille zur Macht, Livro IV).
[D 8. 51
m Passagens
A propósito do eterno retorno: “O grande pensamento como cabeça de Medusa: todos os
traços do mundo se enrijecem, uma agonia congelada.” Friedrich Nietzsche, Gesammelte
Werke, Munique, 1925, vol. XIV, Aus dem Nachlass 1822-1888 {Do Espólio), p. 188. g ^
“Criamos o pensamento mais pesado - criemos agora o ser para quem esse pensamento seja
leve e bem-aventurado!” Nietzsche, Gesammelte Werke, Munique, vol. XIV {Aus dem Nachlass
1822-1888, p. 179). [D8i7]
Analogia entre Engels e Blanqui: um como o outro se voltou tardiamente para as ciências
naturais. [D 8> 8]
“Se o mundo pode ser pensado como uma grandeza determinada de força e como um
número determinado de centros de força - e qualquer outra representação seria ... inútil-,
resulta daí que ele deve passar por um número calculável de combinações no grande jogo
de dados de sua existência. Num tempo infinito, qualquer combinação possível seria atingida
um dia; além disso, ela seria atingida infinitas vezes. E como entre cada combinação e seu
retorno seguinte precisariam ter sido percorridas todas as combinações ainda possíveis „.
seria provado com isso um círculo de séries absolutamente idênticas... Esta concepção não
é simplesmente mecanicista; pois se o fosse, ela não determinaria um retorno infinito de
casos idênticos, e sim um estado final. Porque o mundo não o atingiu, o mecanicismo deve
nos parecer uma hipótese incompleta e apenas provisória. Nietzsche, Gesammelte Werke,
Munique, 1926, vol. XIX, p. 373 {Der Wille zur Macht, Livro IV). [D ^ ^
Na idéia do eterno retorno, o historicismo do século XIX se derruba a si mesmo. Segundo
ela, toda tradição, mesmo a mais recente, torna-se a tradição de algo que já se passou na
noite imemorial dos tempos. Com isso, a tradição assume o caráter de uma fantasmagoria,
na qual a história primeva desenrola-se nos palcos sob a mais moderna ornamentação^ ^
A observação de Nietzsche, segundo a qual a doutrina do eterno retorno não implica o
mecanicismo, parece invocar o fenômeno do perpetuum mobile (o mundo não seria nada além
disso segundo sua doutrina) como argumento contra a concepção mecanicista do mundo.^
Sobre o problema da Modernidade e Antiguidade: “Esta existência que se tornou inconstante
e absurda e este mundo que se tornou inconcebível e abstrato se conjugam na vontade do
eterno retorno, do igual como tentativa de repetir, no auge da modernidade, no símbolo,
a vida dos gregos no cosmos vivo do mundo visível.” Karl Lüwith, Nietzsches Philosophie der
ewigen Wiederkunft des Gleichen, Berlim, 1935, p- 83. ^
UEtemité par lesAstres foi escrito quatro, no máximo, cinco anos após a morte de Baudelaire
(no mesmo tempo da Comuna de Paris?). - Mostra-se neste texto o que as estrelas
provocam naquele mundo do qual Baudelaire, com justa razão, as excluiu. ^ ? ^
D
(O Tédio, Eterno Retorno] 157
A idéia do eterno retorno faz surgir magicamente a fantasmagoria da felicidade a partir da
miséria dos anos da modernização alemã. 22 Esta doutrina é uma tentativa de conciliar as
tendências contraditórias do prazer: a da repetição e da eternidade. Este heroísmo é uma
contrapartida ao heroísmo de Baudelaire, que faz surgir magicamente a fantasmagoria da
modernidade a partir da miséria do Segundo Império.
[D 9, 2)
O pensamento do eterno retorno surgiu quando a burguesia não mais ousou olhar de
frente a evolução futura do sistema de produção que ela mesma pôs para funcionar. O
pensamento de Zaratustra e o do eterno retorno estão relacionados ao dito bordado no
travesseiro: “Só quinze minutinhos.”
[D 9. 3]
Crítica à doutrina do eterno retorno: “Como estudioso das ciências naturais, ... Nietzsche ;
é um diletante que filosofa, e como fundador de religião, um ‘híbrido de doença e vontade I
de poder’.” [Prefácio a Ecce Homo ], (p. 83) “Toda esta doutrina parece ser nada mais que !
um experimento da vontade humana e uma tentativa de perpetuar o nosso fazer e não !
fazer, um substituto ateísta da religião. A isto corresponde o estilo da prédica e a composição í
de Zaratustra, que muitas vezes imita o Novo Testamento nos mínimos detalhes.” (pp. 86-
87) Karl Lowith, Nietzsches Philosophie der ewigen Wiederkunft des Gleichen, Berlim, 1935.
[D 9, 4]
Existe um esboço no qual César, em vez de Zaratustra, é o portador da doutrina de Nietzsche
(Lowith, p. 73). Isto é importante. Pois indica que Nietzsche pressentia a cumplicidade de
sua doutrina com o imperialismo.
[D 9, 5]
Lowith denomina a “nova adivinhação” de Nietzsche “...a síntese da adivinhação primeira,
baseada nas estrelas do céu, e da adivinhação segunda, inspirada pelo nada, que é a última
verdade no deserto da liberdade da capacidade individual”. Lowith, p. 81.
[D 9, 6]
Extraído de “Les étoiles” (As estrelas), de Lamartine:
“Então esses globos de ouro, essas ilhas de luz,
Que a sonhadora pálpebra procura por instinto,
Jorram aos milhares da sombra fugidia,
Como um pó de ouro sobre os passos da noite;
E o sopro da tarde que voa sobre seu rastro
Semeia-os em turbilhão no brilhante espaço.
Tudo o que procuramos, o amor, a verdade,
Esses frutos caídos do céu, de que a terra provou,
Em vossos brilhantes climas que o olhar inveja
Nutrem para sempre os filhos da vida;
E o homem, um dia talvez, entregue a seu destino,
Encontrará em vossa casa tudo o que perdeu.”
22 Em alemão Gründerjahre, literalmente os "anos dos fundadores". Este período, que se iniciou com a
unificação da Alemanha, em 1871, é caracterizado por um intenso ritmo de industrialização e das
atividades económico-financeiras em geral, (w.b.)
U -ãssagens
Lamartine, CEuvres Completes, vol. I, Paris, 1850, pp. 221 e 224 (Meditations) . A meditação
termina com um sonho, no qual Lamartine se imagina transformado em estrela, entre as
estrelas.
[D 9a, 1]
Extraído de “Linfini dans les cieux” (O infinito nos ceus), de Lamartine:
“E o homem, entretanto, este inseto invisível,
Rastejando nos sulcos de um globo imperceptível,
Mede desses fogos as grandezas e os pesos,
Designa-lhes seu lugar, e sua estrada, e suas leis,
Como se, em suas mãos que o compasso fere,
Ele rolasse esses sóis como grãos de areia!”
“E Saturno obscurecido por seu anel longínquo!”
Lamartine, CEuvres Completes , Paris, 1850, pp. 81-82 e 82 {Harmonies Poétiques et Religieuses).
r [D 9a, 2]
Deslocamento do inferno: “E, finalmente, qual é o lugar das penas? Todas as regiões do
universo com uma condição análoga à da Terra, e piores ainda. Jean Reynaud, Ferre et Ciei,
Paris, 1854, p. 377. O livro, extremamente insensato, quer fazer passar seu sincretismo
teológico, sua philosophie religieuse, como a nova teologia. A eternidade dos castigos infernais
é uma heresia: “A antiga trilogia Terra, Céu, Inferno encontra-se, pois, finalmente reduzida
à dualidade druídica Terra e Céu.” (p. XIII)
A espera é, de certa forma, o lado interior forrado do tédio,
morte.)
(Hebel: O tédio espera pela
[D 9a, 41
“Eu chegava primeiro; fui feito para esperar. J.-J. Rousseau, Les Confessions, ed. Hilsum,
Paris, 1931, vol. III, p. 115.
[D 9a, 5J
Primeira alusão à doutrina do eterno retorno no final do quarto livro de Die fróhliche
Wissenschaft ( A Gaia Ciência)-. “E se, um dia ou uma noite qualquer, um demônio viesse
sorrateiramente atrás de ti, perseguindo-te na tua mais solitária solidão, e te dissesse: ‘Esta
vida que estás vivendo agora e já viveste terá que ser vivida por ti mais uma vez e ainda mais
incontáveis vezes; nada nela será novo, ao contrario, cada dor e cada prazer, cada pensamento
e cada suspiro e tudo o que existe de indescritivelmente pequeno e grande em tua vida terá
de retornar, tudo na mesma sucessão e seqüencia — e assim também esta aranha e este luar
por entre as árvores, e igualmente este instante e eu mesmo. A eterna ampulheta da existência
será sempre virada de novo — e tu com ela, grãozinho de poeira!’ — Não irias tu amaldiçoar
o demônio que assim falasse? Ou terias tu vivido um instante formidável em que irias
responder-lhe: tu és um deus e nunca ouvi coisas mais divinas! Cit. em Lõwith, Nietzsches
Philosophie der ewigen Wiederkunfi des Gleichen, Berlim, 1935, pp. 57-58.
[D 10, 1]
D
[O Tédio, Eterno Retorno]
159
A teoria de Blanqui como uma repetição do mito — um exemplo fundamental da história
primeva do século XIX. Em cada século, a humanidade precisa ficar de casdgo. Cf. a
formulação básica a propósito da história primeva do século XIX [N 3a, 2] e [N 4, 1],
O “eterno retorno” é a forma fundamental da consciência histórica primeva, mítica. (É uma
consciência mítica porque não reflete.)
[D 10, 3]
Confrontar LEtemité par les Astres com o espírito de 1848, que anima Terre et Ciei, de
Reynaud. A esse respeito, Cassou: “O homem, descobrindo seu destino terrestre, tem uma
espécie de vertigem, e não pode, de imediato, conformar-se apenas com esse destino terrestre.
Ele precisa associá-lo à mais vasta imensidão possível de tempo e de espaço. Em sua dimensão
mais extensa, ele quer se embriagar de ser, de movimento, de progresso. Somente então ele
pode, com toda confiança e com todo orgulho, pronunciar esta sublime palavra do mesmo
Jean Reynaud: ‘Durante muito tempo pratiquei o universo’.” “Não encontramos nada no
universo que não sirva para nos elevar, e não podemos nos elevar realmente senão fazendo
uso daquilo que o universo nos oferece. Os próprios astros, em sua sublime hierarquia, não
são senão os degraus superpostos, pelos quais subimos progressivamente até o infinito.”
Jean Cassou, Quarante-huit, Paris, 1939, pp. 49 e 48.
[D 10, 4]
A vida no círculo encantado do eterno retorno garante uma existência que não sai do
aurático.
[D 10a, 1]
Quanto mais a vida é submetida a normas administrativas, mais as pessoas precisam aprender
a esperar. O jogo de azar tem o grande fascínio de liberar as pessoas da espera.
O boulevardier (redator dos suplementos literários) espera por aquilo que no fondo ele
espera. A frase de Hugo “esperar é a vida” aplica-se em primeiro lugar a ele.
A essência do acontecimento mítico é o retorno. Nele está inscrita, como figura secreta, a
inutilidade gravada na testa de alguns heróis dos infernos (Tântalo, Sísifo ou as Danaides).
Retomando o pensamento do eterno retorno no século XIX, Nietzsche assume o papel
daquele em quem se consuma de novo a fatalidade mítica. (A eternidade das penas infernais
talvez tenha privado a idéia antiga do eterno retorno de sua ponta mais terrível. A eternidade
de um ciclo sideral é substituída pela eternidade dos sofrimentos.)
r [D 10a, 4]
A crença no progresso, em sua infinita perfectibilidade - uma tarefa infinita da moral e
a representação do eterno retorno são complementares. São as antinomias indissolúveis a
partir das quais deve ser desenvolvido o conceito dialético do tempo histórico. Diante
disso, a idéia do eterno retorno aparece como o “racionalismo raso”, que a crença no progresso
tem a má fama de representar, sendo que esta crença pertence à maneira de pensar mítica
tanto quanto a representação do eterno retorno.
^ [D 10a, 5]
E_
[Haussmannização, Lutas de Barricadas]
"O reino florido das decorações
O encanto da paisagem, da arquitetura
E todos os efeitos do cenário repousam
Sobre a lei única da perspectiva."
Franz Bohle, Theater-Catechismus oder
humorístische Erklãrung verschiedener vorzüglich
im Bühnenleben üblicher Fremdwõrter, Munique, p. 74
"Tenho o culto do Belo, do Bem, das grandes coisas,
Da bela natureza inspirando a grande arte,
Que ela encante o ouvido ou seduza o olhar;
Amo a primavera em flores: mulheres e rosas!"
Confession d'un Lion Devenu Vieux
(Baron Haussmann, 1888)
"As capitais ofegantes
Abriram-se ao canhão."
Pierre Dupont, Le Chant des Étudiants, Paris, 1849
O verdadeiro e, no sentido estrito, único ornamento das salas Biedermeier 1 era “constituído
pelas cortinas, cujos drapeados extremamente requintados, de preferência numa mistura
de vários xales de diferentes cores, eram arranjados pelo tapeceiro; teoricamente, durante
quase um século, a decoração de interiores limitou-se a fornecer ao tapeceiro orientações
para o arranjo elegante das cortinas.” Max von Boehn, Die Mode im XDC Jahrhundert, II,
Munique, 1907, p. 130. Isto é, portanto, algo como uma perspectiva do intérieur em
direção à janela.
[E 1, 1]
Caráter perspectivista da crinolina com os múltiplos babados. Eram usadas menos
cinco a seis anáguas.
[E 1, 2]
Retórica de câmara óptica, figuras de linguagem perspectivistas: “A primeira figura de
efeito de que, aliás, todos os oradores franceses se utilizam na cátedra e na tribuna é
1 Cf. "<Exposé de 1935>", nota 9.
IHauosmararâação, Lutas de Barricadas] 163
Entre os testemunhos mais expressivos da inextinguível sede de perspectivas que acometia
a época é a perspectiva pintada no palco da ópera no Musee Grevin. Descrever esse arranjo.)
[E i, 9]
“Os edifícios de Haussmann são a representação perfeitamente adequada dos princípios do
regime imperial absoluto, emparedados numa eternidade maciça: repressão de qualquer
organização individual, de qualquer autodesenvolvimento orgânico, o ódio fundamental
de toda individualidade .” J. J. Honegger, Grundsteine einer allgemeinen Kulturgeschichte der
neuesten Zeit , V, Leipzig, 1874, p. 326. Porém, já Luís Filipe era conhecido como “Rei-
Maçon”.
[E la, 1]
Sobre a transformação da cidade sob Napoleão III. “O subsolo foi profundamente escavado
para a instalação de tubos de gás e para a construção dos esgotos... Nunca se empregaram
em Paris tantos materiais de construção, nunca se construíram tantas casas residenciais e
hotéis, nunca se restauraram ou edificaram tantos monumentos, alinharam-se tantas fachadas
em pedra talhada ... era preciso trabalhar depressa e tirar o melhor partido de um terreno
comprado a alto preço: duplo estímulo. Em Paris, os subsolos ocuparam o lugar das caves
que tiveram de se aprofundar um andar sob a terra; o emprego da argamassa e do cimento,
que teve como princípio as descobertas de Vicat, 3 contribuiu para a economia e a ousadia
dessas construções subterrâneas.” E. Levasseur, Histoire des Classes Ouvrières et de Undustrie
en France de 1789 à 1870, II, Paris, 1904, pp. 528-529. ■ Passagens ■
[E la, 2]
“Paris, tal como era logo após a revolução de 1848, tornar-se-ia inabitável; sua população,
sensivelmente aumentada e deslocada pelo movimento incessante das estradas de ferro,
cujo raio se estendia cada dia mais e se ligava às vias férreas das nações vizinhas; sua população
sufocava nas ruelas pútridas, estreitas, emaranhadas, onde ficava forçosamente confinada.”
Du Camp, Paris, VI, p. 253.
[E la, 31
Desapropriações sob Haussmann: “Alguns advogados criaram uma espécie de especialização
nesse gênero de negócios... Pleiteou-se a expropriação imobiliária, a expropriação industrial,
a expropriação locativa, a expropriação sentimental; falou-se do teto dos pais e do berço dos
filhos... ‘Como você fez fortuna?’ perguntava-se a um novo-rico, o qual respondeu: ‘Fui
expropriado’... Uma indústria nova se criou que, sob o pretexto de ter em mãos os interesses
dos expropriados, não recuou diante de nenhuma fraude... Ela se dirigia de preferência aos
pequenos industriais e estava preparada de maneira a lhes fornecer livros de contabilidade
detalhados, falsos inventários, supostas mercadorias que, muitas vezes, eram apenas pedaços
de madeira embrulhados em papel. Conseguia até mesmo numerosos clientes que
atravancavam sua boutique no dia em que o júri vinha fazer a visita regulamentar; inventava
aluguéis exagerados, prolongados, previamente datados sobre folhas de velho papel timbrado,
do qual conseguira se munir; mandava repintar os magazines como novos e ali instalava
calicots improvisados, aos quais pagava três francos por dia. Era uma espécie de gangue que
esvaziava o caixa da Cidade.” Du Camp, Paris, VI, pp. 255-256.
[E la, 4]
3 Louis Vicat (1786-1861): engenheiro especialista em materiais de construção, sobretudo no uso do
concreto. (J.L.)
jjgp4 ■ rassagers
Crítica de Engels à tática das barricadas: “O máximo que a insurreição pode realizar numa
ação realmente tática é o estabelecimento e a defesa de uma unica barricada. Todavia,
“mesmo na época clássica dos combates de rua, a barricada tinha um efeito ... mais moral
do que material. Era um meio de abalar a firmeza dos soldados. Se ela resistisse ate se
atingir esse objetivo, estava assegurada a vitória; caso contrario, era a derrota. Friedrich
Engels na introdução a Karl Marx, Die Klassenkãmpfe in Frankreich 1848 bis 1850, Berlim,
1895, pp- 13 e 14. , E1 „ 51
Tão retrógrada quanto a tática da guerra civil era a ideologia da luta de classes. Marx sobre
a revolução de Fevereiro: “Na idéia dos proletários ... que confundiam a aristocracia financeira
com a burguesia em geral; na imaginação de comportados cidadãos que negavam ate mesmo
a existência de classes ou a admitiam quando muito como uma conseqüência da monarquia
constitucional; nas frases hipócritas das frações burguesas excluídas até agora do podei, o
domínio da burguesia fora abolido com a proclamação da república. Todos os monarquistas
transformaram-se na época em republicanos e todos os milionários de Paris tornaram-se
operários. A palavra que melhor correspondia a esta supressão imaginária das relações de
classe era fratemité.” Karl Marx, Die Klassenkãmpfe in Frankreich, Berlim, 1895, p. 29. ^
Lamartine fala, num manifesto no qual exige o direito ao trabalho, do “advento do Cristo
industrial”. Journal des Économistes , X, 1845, p. 212. 4 ■ Industria ■
J [E la, 7]
“A reconstrução da cidade ... obrigando o operário a morar em bairros de periferia havia
rompido o laço de vizinhança que o ligava ao burguês.” Levasseur, Histoire des Classes Ouvneres
et de llndustrie en France, II, Paris, 1904, p. 775.
IE 2, 1]
“Paris cheira a mofo.” Louis Veuillot, Les Odeurs de Paris, Paris, 1914, p. 14.
[E 2, 2]
Em Paris, a instalação dos jardins, squares, parques, somente sob Napoleão III. Foram
criados entre quarenta e cinqüenta.
^ 1 TF 9 Al
Aberturas no Faubourg St. Antoine: Boulevard Prince Eugène, Mazas, Richard Lenoir
como linhas estratégicas. ^ ^
Encontramos em panoramas a expressão extrema da perspectiva apática. Na verdade, quando
Max Brod escreve a respeito, isto não significa algo negativo, apenas especifica melhor o seu
estilo: “Os intérieurs de igrejas, como os de palácios e galerias de quadros, não ensejam belas
imagens de panoramas. Parecem planos, mortos, obstruídos.” Max Brod, Über die Schónheit
hãsslicher Bilder, Leipzig, 1913, p. 63. Está correto, mas justamente, desse modo, os
panoramas servem à vontade expressiva da época. ■ Dioramas ■
4 A citação é de uma carta aberta de Frédéric Bastiat a Lamartine; segundo esta carta, a formulação de
Lamartine é, por sua vez, uma citação de Fourier. (R.T.)
[Haussmannizaçào, Lutas de Barricadas] 165
Era 9 de junho de 1810, é apresentada pela primeira vez uma peça de Barré, Radet e
Desfontaines, no Théâtre de la Rue de Chartres. Intitula-se: Sr. Dureliefou o embelezamento
de Paris. Numa rápida seqüência de cenas, sucedem-se as transformações a que Napoleão
deu ensejo em Paris. “Um arquiteto, trazendo um desses nomes significativos outrora usados
no palco, Sr. Durelief, fabricou uma Paris em miniatura e a exibe. Depois de trabalhar
trinta anos nessa obra, acreditava tê-la terminado; mas eis que um ‘génio criador' seio lhe
interromper a tarefa, dando-lhe o que corrigir e acrescentar, sem jamais chegar ao fim:
Esta rica e vasta capital
Que ele decora com tão belos monumentos,
Eu a tenho, em papelão, na minha sala,
E sigo seus embelezamentos.
Mas sempre me encontro em atraso.
Por Deus, é muito desesperador:
Nem em miniatura se consegue fazer
O que aquele homem faz em grande escala.”
A peça encerra-se com uma apoteose de Marie-Louise, cujo retrato exibe a deusa da cidade
de Paris aos espectadores, como seu mais lindo enfeite. Cit. em Théodor Muret, LHistoire
par le Théâtre, Paris, 1 865, I, pp. 253-254.
[E 2, 6]
Utilização dos ônibus na construção das barricadas. Desatrelavam-se os cavalos, solicitava-se
aos passageiros que descessem, os ônibus eram tombados e içava-se no timão a bandeira.
[E 2, 7]
Sobre as desapropriações: “Falara-se, antes da guerra, em demolir a Passagem do Cairo,
para construir um circo no lugar. Hoje, falta dinheiro, e os proprietários (são quarenta e
quatro) se mostrariam exigentes. Esperemos que o dinheiro falte por muito tempo e que
esses proprietários se mostrem cada vez mais exigentes. O horrível buraco do Boulevard
Haussmann, na esquina da Rue Drouot, com todas as casas encantadoras que ele jogou por
terra, basta, no momento, para nosso contentamento.” Paul Léautaud, “Vieux Paris”, Mercure
de France, 1927, p. 503.
[E 2, 8]
As Câmaras e Haussmann. “E um dia, nos limites do terror, elas o acusaram de haver
criado, em pleno centro de Paris, um deserto\ O Boulevard Sébastopol...” Le Corbusier,
Urbanisme, Paris, 1925, p. 149.
[E 2, 9]
Muito importante: “Os meios de Haussmann” Ilustrações em Le Corbusier, Urbanisme,
p. 150. Os diferentes tipos de pás, enxadas, carroças etc.
[E 2, 10]
Jules Ferry, Comptes Fantastiques d’Haussmann , 5 Paris, 1868, panfleto contra o autocrático
comportamento financeiro de Haussmann.
[E 2, 11]
5 Cf. "Passagens Parisienses <I>", <0°, 70> e nota.
[Haussmannizaçào, Lutas de Barricadas] 165
Era 9 de junho de 1810, é apresentada pela primeira vez uma peça de Barré, Radet e
Desfontaines, no Théâtre de la Rue de Chartres. Intitula-se: Sr. Dureliefou o embelezamento
de Paris. Numa rápida seqüência de cenas, sucedem-se as transformações a que Napoleão
deu ensejo em Paris. “Um arquiteto, trazendo um desses nomes significativos outrora usados
no palco, Sr. Durelief, fabricou uma Paris em miniatura e a exibe. Depois de trabalhar
trinta anos nessa obra, acreditava tê-la terminado; mas eis que um ‘génio criador' seio lhe
interromper a tarefa, dando-lhe o que corrigir e acrescentar, sem jamais chegar ao fim:
Esta rica e vasta capital
Que ele decora com tão belos monumentos,
Eu a tenho, em papelão, na minha sala,
E sigo seus embelezamentos.
Mas sempre me encontro em atraso.
Por Deus, é muito desesperador:
Nem em miniatura se consegue fazer
O que aquele homem faz em grande escala.”
A peça encerra-se com uma apoteose de Marie-Louise, cujo retrato exibe a deusa da cidade
de Paris aos espectadores, como seu mais lindo enfeite. Cit. em Théodor Muret, LHistoire
par le Théâtre, Paris, 1 865, I, pp. 253-254.
[E 2, 6]
Utilização dos ônibus na construção das barricadas. Desatrelavam-se os cavalos, solicitava-se
aos passageiros que descessem, os ônibus eram tombados e içava-se no timão a bandeira.
[E 2, 7]
Sobre as desapropriações: “Falara-se, antes da guerra, em demolir a Passagem do Cairo,
para construir um circo no lugar. Hoje, falta dinheiro, e os proprietários (são quarenta e
quatro) se mostrariam exigentes. Esperemos que o dinheiro falte por muito tempo e que
esses proprietários se mostrem cada vez mais exigentes. O horrível buraco do Boulevard
Haussmann, na esquina da Rue Drouot, com todas as casas encantadoras que ele jogou por
terra, basta, no momento, para nosso contentamento.” Paul Léautaud, “Vieux Paris”, Mercure
de France, 1927, p. 503.
[E 2, 8]
As Câmaras e Haussmann. “E um dia, nos limites do terror, elas o acusaram de haver
criado, em pleno centro de Paris, um deserto\ O Boulevard Sébastopol...” Le Corbusier,
Urbanisme, Paris, 1925, p. 149.
[E 2, 9]
Muito importante: “Os meios de Haussmann” Ilustrações em Le Corbusier, Urbanisme,
p. 150. Os diferentes tipos de pás, enxadas, carroças etc.
[E 2, 10]
Jules Ferry, Comptes Fantastiques d’Haussmann , 5 Paris, 1868, panfleto contra o autocrático
comportamento financeiro de Haussmann.
[E 2, 11]
5 Cf. "Passagens Parisienses <I>", <0°, 70> e nota.
166 ■ Passagens
“Os traçados de Haussmann eram inteiramente arbitrários; não eram soluções rigorosas de
urbanismo, mas medidas de ordem financeira e militar.” Le Corbusier, Urbanisme, Paris,
1925, p. 250.
ÍE 2a, 1]
“...a impossibilidade de obter autorização para fotografar uma adorável figura de cera que
se pode ver no Museu Grévin, à esquerda, quando se passa da sala das celebridades políticas
modernas à sala ao fundo da qual, atrás de uma cortina, é apresentada uma soirée no teatro:
é uma mulher prendendo, na sombra, sua liga, e que é a única estátua que conheço que
tem olhos, olhos de provocação.” André Breton, Nadja, Paris, 1928, pp. 199-200. Associação
muito pertinente do motivo da moda com o da perspectiva. ■ Moda ■
Da caracterização desse sufocante mundo de pelúcia faz parte a descrição do papel das
flores no intérieur. Após a queda de Napoleao, tentou-se primeiramente uma retomada do
Rococó. Isso, porém, só foi possível de maneira muito limitada. A situação européia após a
Restauração era a seguinte: “E característico o uso, quase que exclusivo, em toda parte, da
coluna coríntia... Esta pompa possui algo de opressivo e a pressa frenética com que se
realiza a transformação da cidade não permite ao parisiense e tampouco ao estrangeiro
tomar fôlego e refletir... Cada pedra traz o signo do poder despótico e toda a pompa toma
o ar vital literalmente pesado e sufocante... Este novo esplendor provoca tonturas, é opressivo,
anseia-se por um pouco de ar, a pressa febril, com a qual a atividade de séculos é comprimida
em uma única década, é asfixiante.” Die Grenzboten, 1861, semestre 2, vol. III, pp. 143-
144 [“Die Pariser Kunstausstellung von 1861 und die bildende Kunst des 19. Jahrhunderts
in Frankreich”] . O autor é provavelmente Julius Meyer. Estas considerações referem-se a
Haussmann. ■ Pelúcia ■
[E 2a, 3]
Tendência curiosa de erguer construções que servem à comunicação e à circulação, como é
o caso das passagens. E esta comunicação vale no sentido literal, espacial, assim como em
sentido figurado, estilístico. Que se pense principalmente na comunicação entre o Louvre
e as Tulherias. “O governo imperial praticamente não mandou construir novos edifícios
independentes além das casernas. Em compensação, dedica-se com maior empenho em
concluir obras iniciadas e semi-acabadas de séculos anteriores... À primeira vista, parece
estranho que o governo tenha se colocado por meta principal a conservação dos monumentos
existentes... Entretanto, ele não quer passar pelo povo como uma simples tempestade, ele
quer se imprimir em sua existência de forma duradoura... As velhas casas podem vir abaixo,
os antigos monumentos têm que permanecer.” Die Grenzboten, 1861, semestre 2, vol. III,
pp. 139-141 [“Die Pariser Kunstausstellung von 1861”]. ■ Morada de sonho ■
[E 2a, 4]
Correlação das estradas de ferro e dos empreendimentos de Haussmann. Em um memorando
de Haussmann: “As estações ferroviárias são hoje as principais entradas de Paris. Fazer sua
comunicação com o coração da cidade por largas artérias é uma necessidade de primeira
ordem.” E. Labédollière, Histoire du Nouveau Paris, Paris, p. 32. Isto se refere principalmente
ao assim chamado Boulevard do Centro: prolongamento do Boulevard de Strasbourg até o
Châtelet, hoje Sébastopol.
[E 2a, 5]
E
■~,au$sr-^r ; zação. Lutas de Barricadas] 167
Inauguração do Boulevard Sébastopol semelhante à inauguração õe um monumento: “Às
duas e meia, no momento em que o cortejo [imperial] se aproximava do boulevard Saint-
Denis, o imenso toldo, que escondia desse lado a entrada do bouimxrã Sébastopol. toi
aberto como uma cortina. Esse toldo fora estendido entre duas colunas mourisca*. =oòre
cujos pedestais estavam representadas as figuras das Artes, das Ciências, da Indústria e uo
Comércio.” Labédollière, Histoire du Nouveau Paris, Paris, p. 32.
A preferência de Haussmann por perspectivas representa uma tentativa de impor formas
artísticas à técnica (urbanística). Isso sempre leva ao kitsch. H ^ _
Haussmann sobre si mesmo: “Nascido em Paris, no antigo Faubourg du Roule, reunido
agora ao Faubourg Saint-Honoré, no ponto onde termina o Boulevard Haussmann e começa
a Avenue de Friedland; aluno do colégio Henri IV, antigo Liceu Napoleão, situado na
Montanha Sainte-Geneviève, onde, mais tarde, segui os cursos da Escola de Direito, e,
durante muito tempo, os da Sorbonne e do Collège de France; mais ainda, andei em todos
os bairros da cidade e, muitas vezes, durante minha juventude, absorvera-me em longas
contemplações diante de um mapa de Paris, tão heterogêneo que me revelou as imperfeições
de sua rede de vias públicas. / Apesar de minha longa residência na província (nao menos
que vinte e dois anos!), conservei de tal modo vivas minhas lembranças e impressões de
outrora, que, chamado subitamente, há alguns dias, para dirigir a obra de transformação
da Capital do Império, discutida entre as Tulherias e o Hôtel de Ville, sentia-me bem mais
preparado que provavelmente se supunha para cumprir essa missão complexa, e pronto,
em todo caso, para entrar de cheio no coração das questões a resolver. Memoires du Baron,
Haussmann , II, Paris, 1890, pp. 34-35. Demonstra muito bem como muitas vezes é
apenas a distância a intercalar-se entre projeto e obra que possibilita a realizaçao do projeto.
Como o Barão Haussmann lutou contra a cidade de sonhos que Paris era ainda em 1860.
Extraído de um artigo de 1882: “Havia montanhas em Paris, até mesmo nos boulevards...
Faltava-nos água, mercados, luz, nesses tempos remotos que não estão ainda ha mais de
trinta anos. Alguns bicos de gás mal começavam a surgir. Faltavam-nos também igrejas.
Entre as mais antigas e mesmo entre as mais belas, muitas serviam de lojas, casernas ou de
escritórios. As outras estavam escondidas por uma quantidade de casebres em ruínas. As
estradas de ferro, no entanto, existiam; elas lançavam todos os dias, em Paris, torrentes de
viajantes que não podiam nem se alojar em nossas casas, nem circular em nossas ruas
tortuosas. / ... Ele [Haussmann] demoliu bairros; poder-se-ia dizer, cidades inteiras. Clamava-
se que ele traria a peste; ele deixava clamar e nos dava, ao contrário, com suas inteligentes
escavações, o ar, a saúde, a vida. Ora era uma Rua que ele criava; ora uma Avenida ou um
Boulevard. Ora uma Praça, um Square, uma Via de passeio. Fundava Hospitais, Escolas,
Grupos de escolas. Trazia-nos um rio inteiro. Perfirrava esgotos magníficos.” Mémoires du
Baron Haussmann, II, Paris, 1890, pp. X, XI. Trechos de um artigo de Jules Simon no Le
Gaulois de maio de 1882. As numerosas letras maiúsculas devem ser intervenções ortográficas
características de Haussmann.
[E 3, 2]
J68 ■ Passagens
De uma conversa tardia entre Napoleao III e Haussmann. Napoleao: “Como voce tem
razão em sustentar que o Povo Francês, tido como tão mutável, é, no fundo, o mais rotineiro
do mundo!” - “Sim, Senhor, contanto que eu acrescente: quanto às coisas!... Quanto a
mim, cometi o duplo erro de haver transtornado demais a População de Paris — bouleversando
ou boulevardizando 6 quase todos os bairros da cidade — , e de obriga-la a olhar, o mesmo
rosto no mesmo enquadramento, por tempo demais.” Mémoires du Baron Haussmann, II,
Paris, 1890, pp. 18-19.
[E 3, 3]
De uma conversa de Napoleao III com Haussmann, por ocasião do início de seu trabalho
em Paris. Haussmann: “Acrescentei que, se a população de Paris, em seu conjunto, era
simpática aos projetos de transformação, ou como se dizia então, de ‘embelezamento’ da
Capital do Império, a maior parte da burguesia e a aristocracia quase toda mostravam-se
hostis.” Mas por quê? Mémoires du Baron Haussmann, II, Paris, 1890, p. 52.
[E 3, 4]
“Deixei Munique em 6 de fevereiro, permaneci 10 dias nos arquivos da Itália Setentrional e
cheguei a Roma sob chuva torrencial. Achei a haussmannização da cidade mais adiantada...”
Briefe von Ferdinand Gregorovius an den Staatssekretãr Hermann von Thtle, ed. por Hermann
von Petersdorff, Berlim, 1894, p. 100.
[E 3, 5]
Apelido de Haussmann: “Osman Paxá”. Ele mesmo sugere, em relação a suas obras de
abastecimento da cidade com água de fonte: “Será necessário fazer-me aqueduque.” Um
outro bon mot : “Meus títulos?... Fui escolhido como artista-demolidor.”
[E 3, 6]
“Ele [Haussmann] adotava, em 1864, para defender o regime arbitrário da capital, um
tom de audácia raro. ‘Paris é para seus habitantes um grande mercado de consumo, um
imenso canteiro de obras, uma arena de ambições, ou apenas um ponto de encontro de
prazeres. Não é a terra deles...’ Eis a palavra que os polemistas hão de fixar, como uma
pedra, à sua reputação: ‘Muitos deles conseguem uma situação honrosa na cidade, ...
outros são verdadeiros nômades no seio da sociedade parisiense, absolutamente desprovidos
do sentimento municipal.’ E, lembrando que tudo, estradas de ferro, administrações,
ramos da atividade nacional, desembocava em Paris, ele concluía: ‘Não é pois surpreendente
que na França, país de concentração e de ordem, a capital tenha sido quase sempre colocada,
quanto à sua organização municipal, sob um regime excepcional.”’ Georges Laronze, Le
Baron Haussmann , Paris, 1932, pp. 172-173. Discurso de 28/11/1864.
[E 3a, 1]
Charges representavam “Paris limitado pelos cais da Mancha e do Midi, pelos boulevards
do Reno e da Espanha, ou, segundo Cahm, a Cidade que se oferece, como presentes, as
casas do subúrbio!... Uma caricatura mostrava a rua de Rivoli perdendo-se no horizonte.”
Georges Laronze, Le Baron Haussmann, Paris, 1932, pp. 148-149.
[E 3a, 2]
6 Jogo de palavras: se boulevard fosse derivado de bouleversement, seria por definição o lugar de
"transtorno"; cf. E 9,1. (w.b.)
; rtous & TTn a nnização, Lutas de Barricadas] 169
“Novas artérias fariam comunicar o coração de Paris com as estações e as descongestionariam.
Outras participariam do combate travado contra a miséria e a revolução; seriam vias
estratégicas, atingindo os núcleos de epidemias, os centros de rebdiao. permitindo, com a
vinda do ar puro, a chegada do exército, ligando, como a ma Turbigp, o governo às casernas
e, como o Boulevard Prince-Eugène, as casernas aos subúrbios.” Georges Laiooze, Lr Baron
Haussmann, pp. 137-138.
JE 3 *. 3]
“Um deputado independente, o conde Dufòrt-Civrac, ... objetou que essas novas artérias,
que deviam facilitar a repressão das rebeliões, favoreceriam também seu surgimento, porque
seria necessário, para construí-las, concentrar uma massa de operários.” Georges Laronze,
Le Baron Haussmann, p. 133.
[E 3a. 41
Haussmann celebra o aniversário — ou o dia onomástico (5 de abril)? — de Napoleão III.
“Da praça da Concórdia à praça da Étoile, cento e vinte e quatro arcadas vazadas que,
repousando sobre uma dupla fileira de colunas, festonavam os Champs-Elysées. ‘E uma
reminiscência, tentou explicar Le Constitutionnel, de Córdoba e da Alhambra.’ ... A visão
era então surpreendente, com o turbilhão dos cinquenta e seis lustres da avenida, os reflexos
do meio-fio dos quinhentos bicos de gás cujas chamas vacilavam.” Georges Laronze, Le
Baron Haussmann, p. 199. ■ Flâneur ■
[E 3a. 5]
Sobre Haussmann: “Paris deixou, para sempre, de ser um conglomerado de pequenas
cidades tendo sua fisionomia, sua vida; onde se nascia, onde se morria, onde se gostava de
viver, que não se pensava em abandonar; onde a natureza e a história tinham colaborado
para realizar a variedade na unidade. A centralização, a megalomania criaram uma cidade
artificial onde o parisiense, traço essencial, não se sente mais em casa. Assim, desde que
pode, ele vai embora e eis uma nova necessidade, a mania da vilegiatura. Inversamente, na
cidade desertada por seus habitantes, o estrangeiro chega com data fixa: é a ‘estação’. O
parisiense, na cidade transformada em encruzilhada cosmopolita, sente-se desenraizado.
Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, Paris, 1926, pp. 427-428.
[E 3a, 6]
“Era preciso, a maior parte do tempo, recorrer ao júri de expropriação. Seus membros,
belicosos de nascença, opositores por princípio, mostravam-se generosos em relação a um
dinheiro que, pensavam, não lhes custava nada, e do qual cada um esperava beneficiar-se
um dia. Numa só audiência, quando a cidade oferecia um milhão e meio, o júri exigia
perto de três. Belo campo da especulação! Quem não gostaria de ter sua parte? Havia
advogados especialistas na matéria; agência assegurando, por meio de comissão, um bom
lucro; procedimentos para simular um aluguel ou uma indústria, para falsificar livros de
contabilidade.” Georges Laronze, Le Baron Haussmann, Paris, 1932, pp. 190-191.
[E 4. 1]
Extraído das “Lamentações” contra Haussmann: “Tu viverás para ver a cidade desolada e
morna. / Tua glória será grande para aqueles do futuro que chamamos arqueólogos, mas os
últimos dias de tua vida serão tristes e envenenados. /.../ E o coração da cidade se endurecera
170 u Passagens
lentamente. 7 /.../ Os lagartos, os cães errantes, os ratos reinarão como senhores sobre essas
pompas. Os estragos do tempo se acumularão sobre o ouro das sacadas, sobre as pinturas
murais. /.../ E a Solidão, a grande deusa dos desertos, virá assentar-se sobre este império
novo que tu lhe terás construído graças a um formidável labor.” Paris Désert: Lamentations
d’un férémie Haussmannisê, Paris, 1868, pp. 7-8.
[E4,2]
“O problema do embelezamento, ou, para ser mais exato, da regeneração de Paris, colocou-
se por volta de 1852. Até então, havia sido possível deixar esta grande cidade em seu estado
de degradação, mas neste momento era preciso prevenir. Foi assim porque, por uma
coincidência fortuita, a França e as nações vizinhas terminavam a construção das grandes
linhas férreas que sulcam a Europa.” Paris Nouveau Jugé par un Flâneur, Paris, 1868, p. 8.
[E 4 , 3]
“Li, num livro que obteve no ano passado um enorme sucesso, que haviam alargado as ruas
de Paris a fim de permitir a circulação das idéias, e, sobretudo, o desfile dos regimentos.
Essa malícia equivale a dizer, além de outras, que Paris foi estrategicamente embelezada.
Pois bem, que seja... Eu não hesitaria em proclamar o embelezamento estratégico o mais
admirável dos embelezamentos.” Paris Nouveau Jugé par un Flâneur, Paris, 1868, pp. 21-22.
[E4,4]
“Dizem que a cidade de Paris está condenada aos trabalhos forçados, no sentido de que, no
dia em que interrompesse seus trabalhos e forçasse seus inúmeros operários a voltar a seus
respectivos departamentos, ela veria a sua arrecadação diminuir consideravelmente.” Paris
Nouveau Jugé par un Flâneur, Paris, 1868, p. 23.
[E 4, 5]
Sugestão de atrelar o ativo direito de voto para o conselho municipal de Paris a um atestado
de residência de quinze meses na cidade. Extraído da justificativa: “Se examinamos de
perto as coisas, não tardamos a reconhecer que é precisamente durante o período agitado,
aventureiro e turbulento de sua existência ... que um homem reside em Paris.” Paris Nouveau
Jugé par un Flâneur, p. 33.
[E 4, 6]
“Entende-se que as loucuras da Cidade fazem parte da razão de Estado.” Jules Feriy, Comptes
Fantastiques dHaussmann, Paris, 1868, p. 6.
[E 4, 7]
“As concessões se distribuem clandestinamente, valendo centenas de milhões: o princípio
da adjudicação pública é relegado, assim como o de concurso.” Ferry, Comptes Fantastiques,
Ferry analisa — pp. 21-23 de seus Comptes Fantastiques — a jurisprudência em questões de
desapropriações que atestou uma tendência desfavorável à cidade no decorrer dos trabalhos
de Haussmann. Após o decreto de 27 de dezembro de 1858 - que Ferry vê apenas como
a normatização de um antigo direito, e Haussmann como a justificativa de um novo
direito - a cidade ficou impossibilitada de desapropriar grande quantidade de terrenos
7 C f . Velho Testamento, Lamentações 3. (w.b.)
E
[Haussmannizaçáo, Lutas de Barricadas]
171
localizados no traçado das novas ruas. A desapropriação limitou-se às partes diretamente
necessárias à construção das novas ruas. Desta maneira, a cidade ficou sem o lucro que
esperava pela venda dos lotes de terreno que ficaram de sobra e cujo valor aumentara
com as obras.
Extraído de um memorando de Haussmann, de 11 de dezembro de 186 : Foi considerado
inalterável, durante muito tempo, que os dois últimos termos de aquisição não faziam
necessariamente cessar os direitos dos locatários: a Suprema Corte julgou, por diversas
sentenças, de 1861 a 1865, que, em relação à Cidade, o julgamento dando ato de
consentimento do vendedor e o contrato amigável têm como efeito resolver ipso jure os
aluguéis dos locatários. Em conseqüência, muitos locatários exercendo atividades industriais
em casas adquiridas pela Cidade, por conciliação ... não quiseram continuar a gozar de seus
aluguéis até a expiração desse prazo; em vez disso, exigiram ser imediatamente desalojados
e indenizados... A Cidade ... pagou enormes indenizações não previstas.” Ferry, Comptes
Fantastiques, p. 24.
7 [E 4a, 3]
“Bonaparte considerava que sua tarefa era a de assegurar a ordem burguesa... Indústria e
comércio, os negócios da burguesia, deveriam florescer. Um grande numero de concessões
de estradas de ferro foi distribuído, subvenções concedidas, o crédito organizado. A riqueza
e o luxo da burguesia aumentam. Nos anos cinqüenta, começam a surgir ... os primeiros
magazines parisienses, o ‘Bon Marché’, o ‘Louvre’, a Belle Jardinière . A movimentação
financeira do ‘Bon Marché’, que em 1852 era de apenas 450.000 francos, subiu para 21
milhões em 1869.” Gisela Freund, Entwicklungder Photographie in Frankreich, [manuscrito]. 8 9
[E 4a, 4]
Por volta de 1830: “As ruas Saint-Denis e Saint-Martin são as grandes artérias desse bairro,
abençoadas pelos agitadores. A guerra das ruas era aí de uma facilidade deplorável, bastava
arrancar o calçamento, amontoar os móveis das casas vizinhas, as caixas do merceeiro; se
necessário, um coche que passava era detido, oferecendo-se galantemente a mão às damas:
foi preciso demolir as casas para dar fim a essas Termópilas 2 A linha de frente avançava a
descoberto, pesadamente equipada e carregada. Um punhado de insurrectos atrás de uma
barricada mantinha em xeque um regimento.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris,
Paris, 1926, pp. 365-366.
Época de Luís Filipe: “Dentro da cidade, a idéia diretriz parece ter sido a de remanejar
as linhas estratégicas que desempenharam o principal papel nos dias de Julho: a linha
dos cais, a linha dos boulevards... Enfim, no centro, a Rue Rambuteau, antepassado das
vias haussmannizadas, apresentou, dos Efalles ao Marais, uma largura que pareceu, na
ocasião, considerável: treze metros.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, Paris, 1926,
pp. 382-383.
[E 5, D
8 Ver agora Gisèle Freund, Photographie und bürgerliche Gesellschaft: Pine kunstsoziologische Studie,
Munique, 1968 (Passagen), p. 67. (R.T.)
9 Desfiladeiro na Grécia, celebrizado pela resistência heróica, em 480 a. C, de trezentos guerreiros espartanos,
sob o comando de Leónidas, contra o exército persa de Xerxes. (w.b.)
Saint-simonianos: “Durante o cólera de 1832, reclamavam o alargamento dos bairros mal
arejados, o que era excelente, mas pediam que Luís Filipe, com uma pá, La Fayette, com
uma enxada, dessem o exemplo; os operários teriam trabalhado sob as ordens de politécnicos
de uniforme, ao som da música militar, e as mais belas mulheres de Paris teriam vindo
encorajá-los.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, pp. 392-393. ■ Desenvolvimento
industrial ■ Organizações clandestinas ■
[E 5, 2]
“Por mais que se construísse, os edifícios novos não bastavam para receber os expropriados.
Daí resultou uma grave crise de aluguéis: eles dobraram. A população, que era de 1.053.000
almas em 1851, passou, depois da anexação, a 1.825.000, em 1866. No fim do Império,
Paris contava com 60.000 casas, 612.000 alojamentos, dos quais 481.000 tinham um
aluguel inferior a 500 francos. Tinham elevado as casas, abaixado o pé-direito: uma lei teve
que fixar um mínimo de 2m 60.” Dubech e DT.spezel, pp. 420-421.
[E 5, 3]
“Os que cercavam o prefeito fizeram fortunas escandalosas. Uma lenda atribui à Sra.
Haussmann, num salão, uma reflexão ingênua: ‘É curioso, todas as vezes que compramos
um imóvel, ali passa um boulevard. Dubech e D’Espezel, p. 423.
[E 5. 4]
“No fim das vastas avenidas, Haussmann construiu monumentos, tendo em vista a
perspectiva: o Tribunal do Comércio no fim do Boulevard Sébastopol; igrejas bastardas de
todos os estilos, Saint-Augustin, onde Baltard copia o bizantino, um novo Saint-Ambroise,
Saint-François-Xavier. No fim da Chaussée-dAntin, a igreja La Trinité imita a Renascença.
Sainte-Clotilde imitava o gótico; Saint-Jean de Belleville, Saint-Marcel, Saint-Bernard,
Saint-Eugène nascem dos horríveis enlaces do falso gótico com a construção em ferro...
Quando Haussmann teve boas idéias, ele as realizou mal. Ateve-se muito às perspectivas;
teve o cuidado de edificar monumentos no fim de suas vias retilíneas; a idéia era excelente,
mas quanta inépcia na execução: o Boulevard Strasbourg enquadra a enorme escadaria do
Tribunal de Comércio e a Avenue de 1’Opéra termina no cubículo do porteiro do Hôtel do
Louvre.” Dubech e D’Espezel, pp. 416, 425.
[E 5. 5]
“Acima de tudo, à Paris do Segundo Império falta terrivelmente beleza. Nenhuma de suas
grandes vias retas tem o encanto da curva magnífica da Rue Saint-Antoine, nem uma só
casa dessa época merece ser vista com o prazer comovido que oferece uma fachada do século
XVIII, de disposição severa e graciosa. Enfim, esta cidade ilógica não é sólida. Já os arquitetos
constataram que a Ópera apresenta rachaduras, que a Trinité se desagrega e que Saint-
Augustin é frágil.” Dubech e D’Espezel, p. 427.
[E 5, 6 ]
“No tempo de Haussmann, eram necessárias novas vias, mas não necessariamente as novas
vias que ele construiu... Eis o primeiro aspecto que choca em sua obra: o desprezo da
experiência histórica. Haussmann faz de Paris uma cidade projetada e artificial, como no
Canadá ou no Faroeste... As vias de Haussmann muitas vezes não têm utilidade e não
possuem nunca beleza. A maior parte são traçados surpreendentes que partem de não
E
'ría-ss^a -- 2&Ç30, Lutas de Barricadas]
173
importa onde, para terminar em parte alguma, derrubando tudo em sua passagem, ao
passo que bastariam alguns desvios para conservar lembranças preciosas... Xão se deve
acusá-lo de ter haussmannizado demais, mas de menos... Apesar de sua megalomania
teórica, em lugar algum, na prática, ele viu com largueza, em lugar algum previu o futuro.
A todas as suas perspectivas falta amplidão, todas as suas vias são estreitas demais. Sua visão
foi grandiosa, mas não grande, nem justa, nem de longo alcance.” Dubech e D Espezel.
pp. 424-426.
r r E H. 1]
“Se fosse preciso definir com uma palavra o espírito novo que ia presidir à transformação de
Paris, nós o chamaríamos de megalomania. O Imperador e seu prefeito querem fazer de
Paris a capital não somente da França, mas do mundo... O resultado será a Paris cosmopolita.
Dubech e D’Espezel, p. 404.
“Três fatos vão dominar os trabalhos da transformação de Paris: um fato estratégico que
comanda, no centro, o alargamento da antiga capital e um novo arranjo do cruzamento
viário de Paris; um fato natural, o crescimento em direção ao oeste; e um fato decorrente da
sistemática concepção megalómana, a anexação dos subúrbios.’ Dubech e D Espezel,
Jules Ferry, o adversário de Haussmann, por ocasião da notícia da derrota de Sedan: Os
exércitos do Imperador foram vencidos.” Dubech e D Espezel, p. 430.
[E 5a, 4]
“Até Haussmann, Paris tinha sido uma cidade de dimensão moderada, na qual predominava
a lógica do empirismo; ela se desenvolvia por etapas comandadas pela natureza, as leis eram
legíveis nos fatos da história e no desenho do solo. Bruscamente, Haussmann coroa e
precipita a obra da centralização revolucionária e imperial... Criação artificial e desmesurada,
saída como Minerva da cabeça de Júpiter; nascida do abuso do espírito de autoridade,
precisava do espírito de autoridade para se desenvolver segundo sua lógica. Mal havia
nascido, ela foi cortada de sua fonte... Viu-se este espetáculo paradoxal de uma construção
artificial, em seu princípio, ser abandonada, de fato, unicamente às regras impostas pela
natureza.” Dubech e D’Espezel, pp. 443-444.
“O barão Haussmann realizou em Paris as mais largas aberturas, as sangrias mais ousadas.
Parecia que Paris não suportaria a cirurgia de Haussmann. Ora, Paris não vive hoje do
que fez esse homem temerário e corajoso? Seus meios? A pá, a enxada, a carroça, a pá de
pedreiro, o carrinho de mão, essas armas pueris de todos os povos ... até o maquinismo
novo. É verdadeiramente admirável o que soube fazer Haussmann. Le Corbusier, Urbanisme,
Paris, 1925, p. 149. rF Sa
Os donos do poder querem manter sua posição com sangue (polícia), com astúcia (moda),
com magia (pompa).
[E 5a, 7]
IJ4 ■ Passagens
O alargamento das ruas, dizia-se, teria sido realizado devido à crinolina.
[E 5a, 8]
O modo de vida dos pedreiros que talvez tenham vindo da Marche ou do Limousin.
(A descrição data de 1851 — o grande afluxo desta camada popular como conseqüência dos
trabalhos de Haussmann deu-se mais tarde.) “Os pedreiros, cujos costumes são mais marcantes
que os dos outros emigrantes, pertencem geralmente a famílias de pequenos proprietários-
agricultores estabelecidos em comunas rurais providas de pastagens comunitárias, comportando
pelo menos a manutenção de uma vaca leiteira por família... Durante sua permanência em
Paris, o pedreiro vive com toda a economia que comporta a situação de celibatário; sua
alimentação ... lhe custa perto de 38 francos por mês; o alojamento ... custa apenas 8 francos
por mês: dez operários da mesma profissão vivem geralmente reunidos num mesmo quarto,
onde se deitam dois a dois. Esse quarto não é aquecido; os companheiros o iluminam com
uma vela de sebo que usam em rodízio... Alcançando a idade de 45 anos, o pedreiro ...
permanece doravante em sua propriedade para cultivá-la ele mesmo... Esses costumes destoam
de modo impressionante dos da população sedentária: entretanto, há alguns anos, tendem
visivelmente a se alterar... Assim, durante sua permanência em Paris, o jovem pedreiro se
mostra menos resistente a contrair uniões ilegítimas, a se entregar a despesas com roupas e a
se mostrar em lugares de reunião e prazer. Ao mesmo tempo que se torna menos apto a se
elevar à condição de proprietário, acha-se mais sujeito aos sentimentos de inveja que nutre
contra as classes superiores da sociedade. Essa depravação, contraída longe da influência da
família, pelos homens ... nos quais o amor do ganho se desenvolveu sem o contrapeso do
sentimento religioso, assume às vezes um caráter de grosseria que não se encontra ... no
operário parisiense sedentário.” F. Le Play, Les Ouvriers Européem, Paris, 1855, p. 277.
[E 6, 1]
Sobre a política financeira sob Napoleão III. “A política financeira do Império foi
constantemente dominada por duas preocupações: compensar a insuficiência das receitas
normais e multiplicar os trabalhos de construção que determinam um grande movimento
de capitais e ocupam uma mão-de-obra numerosa. A estratégia consistia em fazer
empréstimos sem abrir o livro dos débitos e executar muitos trabalhos sem sobrecarregar
imediatamente o orçamento... Assim, no espaço de dezessete anos, o governo imperial foi
obrigado a adquirir, em acréscimo à arrecadação normal dos impostos, uma soma de quatro
bilhões, trezentos e vinte dois milhões. Esse enorme subsídio, tendo sido obtido seja por
empréstimos diretos — pelos quais se devem pagar juros seja por emprego dos capitais
disponíveis - cujos lucros encontram-se alienados — , resultou dessas operações extra-
orçamentárias um crescimento das dívidas e compromissos do estado.” André Cochut,
Opérations et Tendances Financières du Second Empire, Paris, 1868, pp. 13 e 20-21.
[E 6, 2]
Já durante a insurreição de Junho demoliram-se “os muros para facilitar o acesso de uma
casa a outra”. Sigmund Englãnder, Geschichte der Jranzõsischen Arbeiter-Associationen,
Hamburgo, 1864, II, p. 287.
[E 6, 3]
“Em 1852 ... era possível gozar todos os prazeres do mundo, caso se fosse bonapartista.
Os bonapartistas, humanamente falando, eram os mais ávidos por prazeres, por isso foram
vitoriosos. Zola foi tomado de espanto por esse pensamento, ficou surpreso; de repente
[Haussmannização, Lutas de Barricadas! 175
achou-se a fórmula para aquelas pessoas que, cada uma delas em seu lugar e com sua
participação, tinham fundado um império. As especulações, a mais importante função
vital desse império, o enriquecimenco desgovernado, o prazer desmedido, tudo isto
glorificado teatralmente em exposições e festas que evocavam, ca d a vez m ais, a Babilônia: —
e ao lado destas massas brilhantes da apoteose, atrás delas ... massas escuras que despertavam,
que avançavam.” Heinrich Mann, Geist und Tat, Berlim, 1931, p. 167 (“Zola ).
IE&l 1]
Por volta de 1 837, foi lançada por Lupin, Galerie Colbert, uma série de litografias (assinadas
Pruché <?>, 1837), que representavam as diferentes atitudes do público de teatro. Alguns
exemplares da série: Espectadores alegres, Espectadores aplaudindo. Espectadores conspiradores.
Espectadores acompanhando a orquestra, Espectadores atentos. Espectadores chorando.
[E 6a, 2]
Primórdios do urbanismo no Discours Contre les Servitudes Publiques (Discurso Contra as
Servidões Públicas), de Boissel. “Desde que se suprimiu a comunhão natural dos bens
através de sua distribuição, cada um dos proprietários cultivou o que bem entendia. Na
época, a ordem social não sofria com isto, contudo, desde o surgimento das cidades,
construídas de acordo com a preferência dos proprietários e seu máximo proveito, não
houve mais consideração alguma por segurança, saúde e conforto da sociedade. Este foi
principalmente o caso de Paris, onde se construíram igrejas e palácios, boulevards e passeios
públicos, mas não houve a mínima preocupação em alojar a grande maioria da população.
De maneira bastante drástica, ele descreve a sujeira e os perigos que ameaçavam o pobre
transeunte nas ruas de Paris... Boissel posiciona-se então contra esta horrenda disposição
das ruas e soluciona o problema ao transformar o andar térreo das casas em arcadas arejadas
que oferecem proteção contra os veículos e as intempéries, antecipando assim a idéia dos
‘guarda-chuvas’ de Bellamy.” 10 C. Hugo, “Der Sozialismus in Frankreich wâhrend der grofien
Revolution”, parte I, “François Boissel”, Die neue Zeit, Stuttgart, 1893, XI, I, p. 813.
(E 6a, 3]
Sobre Napoleão III, por volta de 1851: “Ele é socialista com Proudhon, reformador com
Girardin, reacionário com Thiers, republicano moderado com os partidários da república
e inimigo da democracia e da revolução com os legitimistas. Ele promete tudo e assina
qualquer coisa.” Friedrich Szarvady, Paris, vol. I [único publicado], Berlim, 1852, p. 401.
[E6a, 4]
<fase média>
“Luís Napoleão..., este reprçsentante do lumpemproletariado e de tudo que é embuste e
fraude atrai lentamente a violência para si... Com divertido elã, ressurge Daumier. Ele cria
o personagem fulgurante de ‘Ratapoil’, um atrevido cafetão e charlatão. E este ladrãozinho
andrajoso que traz sempre escondido às costas um porrete assassino torna-se para ele a
encarnação da decadente idéia bonapartista.” Fritz Th. Schulte, “Honoré Daumier”, Die
neue Zeit, Stuttgart, XXXII, n° 1, p. 835.
[E 7, 1]
10 Edward Bellamy, no capítulo 14 do seu romance utópico Looking Backward: 2000-1887 (1888), descreve
uma construção protetora contra as intempéries que cobrem calçadas e esquinas de ruas. (J.L.; E/M)
776” ■ Passagens
Com relação às transformações da cidade: “É preciso, para nela se orientar, nem mais
menos que uma bússula.” Jacques Fabien, Paris en Songe ; Paris, 1 863, p. 7.
[E7,3U
A seguinte observação lança, por contraste, uma luz interessante sobre Paris: “Quando®
dinheiro, a indústria, a fortuna se desenvolveram, fizeram-se fachadas; as casas adquiriram,
um rosto que servia para marcar a distância entre as classes. Em Londres, mais que eu»
qualquer outro lugar, as distâncias são impiedosamente marcadas... Uma explosão de reie\ra,
de janelas em arco, de cornijas, de colunas - todas as colunas! A coluna é a nobrezx*
Fernand Léger, “Londres”, Lu , ano V, n° 23 (209), 7 jun. 1935, p. 18.
[ET.31
“Do antigo Marais o indígena longínquo
Põe raramente os pés no quartier Antin,
E de Ménil-Montant, tranqüilo observatório,
Ele olha Paris como de um promontório;
Sua longa economia e sua frugalidade
Fixam-no ao chão onde os deuses o jogaram.”
[Léon Gozlan:] Le Triomphe des Omnibus: Poeme Héroi-Comique, Paris, 1828, p. 7.
[E7,d
“Milhares de famílias, que trabalham no centro, dormem à noite na periferia da capital. Esse
movimento se parece com a maré; vê-se, pela manha, o povo descer até Paris, e, à tarde, a
mesma onda popular voltar. E uma triste imagem... Acrescentarei ... que é a primeira vez que
a humanidade assiste a um espetáculo tão desolador para o povo.” A Granveau, LOuvrier
Devant la Société , Paris, 1868, p. 63 (“Les logements à Paris”).
[E7.5J
27 de junho de 1830: “Abaixo da Escola, homens em mangas de camisa já rolavam tonéis,
outros transportavam pedras e areia; começavam uma barricada.” G. Pinet, Histoire de
1’École Polytecbnique, Paris, 1887, p. 142.
[E 7a, 1]
1833: “O projeto de circundar Paris com um cinturão de fortificações ... apaixonava neste
momento os espíritos. Pensava-se que essas fortificações seriam inúteis para a defesa interior
e ameaçadoras apenas à população. A oposição era universal... Disposições foram tomadas
para uma imensa manifestação popular em 27 de julho. Informado desses preparativos...,
o governo abandonou seu projeto... Entretanto, no dia da revista, inúmeros gritos: Abaixo
as fortificações! - Abaixo as bastilhas!’ ressoaram antes do desfile.” G. Pinet, Histoire de
1’École Polytecbnique, Paris, 1887, pp. 214-215. Os ministros procuravam vingar-se com o
caso da “conjuração da pólvora”."
[E 7 a, 2]
11 Depois de ter cedido, em julho de 1833, aos protestos públicos e abandonado o projeto do cinturão
de fortificações, o governo vingou-se, decretando a prisão de um grupo de pessoas (inclusive quatro
estudantes da École Polytechnique) suspeitas de fabricação ilegal de pólvora e armas. O grupo foi
absolvido em dezembro. G. Pinet, Histoire de l'École Polytechnique, Paris, Baudry, 1 887, pp. 214-219.
(E/M)
E
[Haussmannizaçào, Lutas de Barricadas]
177
Representa-se em gravuras de 1830 como os insurgentes jogam das janelas todo tipo de
móveis sobre os soldados, especialmente durante as batalhas na Rue Saint-Antoine. Cabinet
des Estampes.
:E 'a, 3]
Rattier pinta uma Paris em sonho à qual dá o nome de “falsa Paris’ — em oposição à verdadeira:
“a mais pura Paris, ... a mais verdadeira Paris, ... a Paris que não existe íp. 99): “Neste
momento, Paris é grande o bastante para fazer valsar, nos seus limites, Babilónia nos braços
de Mênfis, estreitar Londres no abraço de Pequim... Em uma dessas quatro manhãs, a
França despertada cairá de sua altura vendo-se aprisionada nos limites de Lutécia, com a
qual formará apenas um trivium... No dia seguinte, a Itália, a Espanha, a Dinamarca e a
Rússia serão incorporadas por decreto ao município parisiense; três dias depois, as barreiras
serão recuadas até a Novaia Zemlia e à Terra dos Papuas. Paris será o mundo, e o universo
será Paris. As savanas e os pampas, e a Floresta Negra serão apenas praças dessa Lutécia
expandida; os Alpes, os Pirineus, os Andes, o Himalaia serão a Montanha Sainte-Geneviève
e as montanhas-russas dessa incomensurável cidade, montículos de prazer, de estudo ou de
refúgio. Isso ainda não é nada, Paris subirá às nuvens, escalará os céus dos céus, anexará
como subúrbios planetas e estrelas.” Paul-Ernest de Rattier, Paris Nexiste Pas, Paris, 1857,
pp. 47-49. Estas primeiras fantasias devem ser comparadas às sátiras a Haussmann, datadas
de dez anos depois.
[E 7a, 4]
Rattier atribui a sua falsa Paris “o sistema viário, único e simples, que liga geometricamente
e paralelamente todas as artérias da falsa Paris a um só coração, o coração das Tulherias,
admirável método de defesa e manutenção da ordem.” Paul-Ernest de Rattier, Paris N’existe
Pas, Paris, 1857, p. 55.
[E 8, 1]
“A falsa Paris tem o bom gosto de compreender que nada é mais inútil e imoral que uma
revolta. Mesmo que triunfe por alguns minutos sobre o poder, é subjugada por vários
séculos. Em vez de se ocupar de política, ... vai se prendendo devagarinho às questões
econômicas... Um príncipe inimigo da fraude ... sabe ... bem ... que é preciso ouro, muito
ouro para ... fazer de nosso planeta uma escada para o céu.” Paul-Ernest de Rattier, Paris
N’existe Pas, Paris, 1 857, pp. 62 e 66-6 7.
[E 8, 2]
Revolução de Julho: “As vítimas de balas eram em menor número do que as atingidas por
outros projéteis. Os grandes blocos de granito com os quais Paris é asfaltada foram carregados
até os andares mais altos e jogados nas cabeças dos soldados.” Friedrich von Raumer, Briefe
aus Paris und Frankreich im Jahre 1830, Leipzig, 1831, II, p. 145.
[E 8, 3]
Relato de uma testemunha em Raumer: “Vi como suíços eram assassinados ao som de
piadas enquanto suplicavam de joelhos por sua vida, como se lançavam homens seminus e
gravemente feridos às barricadas, para aumentar-lhes a altura.” Friedrich von Raumer,
Briefe aus Paris und Frankreich im Jahre 1830, Leipzig, 1831, II, p. 256.
[E 8, 4]
Desenhos de barricadas de 1830: Ch. Motte, Revolutions de Paris, 1830: Plan figuratif des
barricades ainsi que des positions et mouvements des citoyens armés et des troupes (publicado pelo
auror).
[E 8, 5]
Legenda de um quadro em A. Liébert, Les mines de Paris: 100 photographies, Paris, 1871,
tomo I: “Barricada dos Federados construída por Gaillard pai.”
[E 8, 6]
“Quando o imperador ... entra na sua capital, no galope dos cinqüenta cavalos de seu
carro, da porta de Paris a seu Louvre, ele pára sob dois mil arcos do triunfo; passa diante de
cinqüenta colossos edificados à sua semelhança, e essa idolatria dos súditos pelo soberano
consterna os últimos devotos que se lembram que seus ídolos jamais receberam tais
homenagens.” Arsène Houssaye, “Le Paris fiitur”, in: Paris et les Parisiens au XIX' Siècle,
Paris, 1856, p. 460.
[E 8, 7]
Altos salários dos deputados sob Napoleão III.
[E 8, 8]
“As 4054 barricadas das ‘Três Gloriosas’ contavam ... 8.125.000 pedras de calçamento.”
O Romantismo [Catálogo da Exposição na Bibliothèque Nationale, 22 de janeiro a 10 de
maiqo de 1930', nota explicativa ao número 635: A. de Grandsagne et M. Plant, Révolution
de 1830, Plan des Combats de Paris \
“Quando, no ano passado, milhares de operários percorriam, numa calma ameaçadora, as
ruas da capital; quando, nos dias de paz e prosperidade comercial, interrompiam o curso
de seu trabalho ... o primeiro dever do governo foi dissipar à força uma revolta tanto mais
perigosa quanto ignorava a si mesma.” L. de Carne, Publications démocratiques et
communistes”, Revue des Deux Mondes, XXVII, Paris, 1841, p. 746.
[E 8a. 1]
“Que destino prepara para a arquitetura o movimento atual da sociedade? Lancemos um
olhar a nossa volta... Nada de monumentos, nada de palácios. Em toda parte levantam-se
grandes blocos de forma quadrada, onde tudo visa ao cheio, pesado e vulgar, um ambiente
no qual o gênio da arte aprisionado não poderia mais manifestar nem sua grandeza, nem
sua fantasia. Toda a imaginação do arquiteto se esgota em desenhar ... sobre a fachada, as
ordens de pavimentos, a ornar frisas e a frisar suportes de janelas. No intérieur, não há mais
pátios, nem peristilo ... quartinhos cada vez mais apertados, escritórios e toaletes nos recantos
da hélice da escada ... escaninhos onde se enlata o homem: o sistema celular aplicado ao
grupo da família. O problema é este: num dado espaço, empregar o mínimo de material e
empilhar o maior número possível de homens (isolando-os entre si)... Essa tendencia, esse
fato já realizado, são os resultados do despedaçamento... Numa palavra, o cada um por si
e cada um em sua casa , tornado cada vez mais o princípio da sociedade, enquanto a
fortuna pública ... se dissemina e se pulveriza: tais são as causas particularmente ativas,
na França, da morte da arquitetura monumental, aplicada a residência do homem. Ora, as
residências particulares, cada vez mais estreitas, não poderiam abrigar senão uma arte estreita.
•‘'"'""•""""■■"'■«"i m: :ç Ba-icadasl 179
i
., £ . , • ; P rec,so > P 0IS > pensar em transportar a todos os lugares da
mais alguns privilegiados, mas Thomem hatki um
palacio, convem que ele vi.» com seus eemelhm.es telações de associação. 72227
[E 8a, 2]
“Procurou-se por muito tempo ... de onde poderia vir esta palavra boulevard. Ouanto a
mim, agora, estou convencido de sua etimologia: é uma variante da palavra boulevmement «
Edouard Fourmer, Chroniques et Legendes des Rues de Paris, Paris, 1864, p.
[E9, I]
defcriTo ::rT' b C,dade de Paris drfcnd “ energicamente os interesses da cidade
o one d a r SenBdo ™ PV& p.é-datados, no momen.o da, exptopriaçfe
Auarncfllpif 7 m0t ° r ° ” l0Ca » *“* f «* fabricado tré anos depois."
g pag , Les Cafes Pohtiques et Littéraires de Paris, Paris, 1874, p. 89
[E 9, 2]
m^£ m ”l“s ” bre 3 &i0l0gk da rCVOla em NiépOV,é: ' Aparentemente, nada mudou,
as ha alguma coisa que nao e costumeira. Os cabrioles, os ônibus, os fiacres parecem ter
um desempenho mais acelerado, os cocheiros voltam a cabeça a todo momento como se
guem os perseguisse. Ha mais grupos parados que de costume... As pessoas se entreolham
uma interrogação amiosa esd em todos os olhates. Será que este gaLo.l es," 3“ó
que come, sabem alguma coisa? Detêm-nos e intertogam-nos. O que hã? petgunLT»
• E ° g “ 0, ° ' ° °P eríri » dspondem com um sorriso de perfeim Mferença-
„ff es, ao se teumndo na Place de la Bastdle, rfe esdo se reunindo petto do Templo o ™
o ra parte , e correm para onde se reúnem. Nesses lugares, „ espetáculo é mtZu 22
este. A população ali se ajunta, tem-se dificuldade em abrir caminho - O calçamento
esta coberto de folhas de papel - O oue P Timo nmd - j . Ç
datada do ano T rio R -lír c q Um p ama Ç ao do Monitor republicano,
datada do ano L da Republica francesa una e indivisível; ela é tecolhida, lida e discutida
H-W Tsúbif "T feCham ' " enhUm »“ d » " ajamos os salvadmeri
■••• súbito, em frente a uma casa, o batalhão sagrado se detém - e, de repente as
jane as e um terceiro andar se abrem e chovem pacotes de munição... A distribuição se faz
num abrir e fechar de olhos, e, isso feito, „ batalhão se divide, e agora d cor” uma paÍ
para um lado, uma parte pam outro... Os carros não circulam mais nas tuas - há menos
12 Cf. E 3, 3 e nota. (w.b.)
180 m Passagens
barulho, e eis por que se ouve, se não me engano... Ouçam, ouve-se o rufar dos tambores.
— E o toque, — as autoridades despertam.” Gaêtan Niépovié, Etudes Physiologiques sur les
Grandes Métropoles de lEurope Occidentale: Paris , Paris, 1840, pp. 201-204, 206.
[E 9, 3]
Uma barricada: “Na entrada de uma rua estreita, um ônibus está virado, as quatro rodas
para o ar. Um punhado de cestos, que talvez serviram para guardar laranjas, levanta-se à
direita, à esquerda e atrás, entre as cambas das rodas e das aberturas; pequenos fogos
brilham, pequenas nuvens de fumaça azulam a cada segundo.” Gaêtan Niépovié, Études
Physiologiques sur les Grandes Metrópoles de lEurope Occidentale: Paris , Paris, 1840, p. 207.
[E 9a, 1]
1868: morte de Meryon.
[E 9a, 2]
“Disseram que Charlet e Raffet prepararam, sozinhos, o Segundo Império em nosso país.”
Henri Bouchot, La Lithographie, Paris, 1895, pp. 8-9.
[E 9a, 3]
Extraído da carta do Sr. Arago sobre o embastilhamento de Paris (“Associations nationales
en faveur de la presse patriote”) [Extraído do National, de 21 de julho 1833]: “Todas as
fortificações projetadas, quanto à distância, agiriam sobre os bairros mais populosos da
capital, (p. 5) Duas das fortificações, as de Italie e de Passy, bastariam para incendiar toda
a parte de Paris situada à margem esquerda do Sena; ... duas outras, as fortificações Philippe
e Saint-Chaumont, cobririam com seu círculo de fogo o restante da cidade.” (p. 8).
[E 9a, 4]
No Figaro de 27 de abril 1936, Gaêtan Sanvoisin cita este trecho de Maxime Du Camp:
“Se não houvesse em Paris senão parisienses, não haveria revolucionários.” A comparar com
o discurso correspondente de Haussmann.
[E 9a, 5]
“Uma peça de um ato escrita rapidamente por Engels, encenada em setembro de 1847 na
Associação Alemã de Trabalhadores de Bruxelas, já apresentava uma luta de barricadas
num pequeno Estado alemão, que terminou com a abdicação do príncipe e a proclamação
da república.” Gustav Mayer, Friedrich Engels, vol. I, Friedrich Engels in seiner Friihzeit, 2 a
ed., Berlim, 1933, p. 269.
[E 9a, 6]
Na repressão da insurreição de Junho utilizou-se pela primeira vez a artilharia na batalha
de ruas.
[E 9a, 7]
A posição de Haussmann relativa à população de Paris compara-se à posição de Guizot em
relação ao proletariado. Guizot designava o proletariado como a “população exterior”. (Cf.
Georg Plechanow, “Üher die Anfánge der Lehre vom Klassenkampf ”, Die NeueZeit, Stuttgart,
1903, XXI, n° 1, p. 285.)
[E 9a, 8]
E
[Haussmannizaçáo, Lutas de Barricadas]
181
A construção de barricadas surge em Fourier como exemplo de um trabalho não-assalariado,
mas apaixonado.
[E 9a, 9]
Driblar a comissão municipal de desapropriação tornou-se uma indústria à época de
Haussmann. “Os agentes desta indústria forneciam livros contábeis e balanços falsos a
pequenos comerciantes e donos de lojas..., mandavam, em caso de necessidade, reformar o
estabelecimento ameaçado de desapropriação e cuidavam para que seus clientes fossem
procurados por muitos fregueses improvisados durante a visita da comissão de
desapropriação.” S. Kracauer, Jacques Offenbach und das Paris seiner Zeit, Amsterdam, 193”.
p. 254.
Urbanismo de Fourier: “Cada avenida, cada ma deve terminar em algum ponto de vista
seja sobre o campo, seja sobre um monumento público. É preciso evitar o costume dos
Civilizados, cujas mas terminam num muro, como nas fortalezas, ou num amontoado de
terra, como na cidade nova de Marselha. Toda casa situada de frente para a rua deve ser
obrigada a ornamentos de primeira classe, tanto em arquitetura quanto em jardins.” Charles
Fourier, Cités Ouvrières: Des Modifications à Introduire dans 1’Architecture des Villes, Paris,
1849, p. 27.
[E 10, 2]
Utilizar a respeito de Haussmann: “Rapidamente, a estrutura mítica se desenvolve: à cidade
numerosa se opõe o Herói lendário destinado a conquistá-la. Na verdade, não há obras do
tempo que não contenham alguma invocação inspirada pela capital, e o célebre grito de
Rasdgnac 13 é de uma discrição desusada... Os heróis de Ponson duTerrail são mais líricos nos
seus inevitáveis discursos à 'Babilônia moderna (não se chama Paris de outro nome), que se
leia, por exemplo, o do ... falso Sir Williams, no Clube dos Valetes de Copas: ‘Ó Paris, Paris!
Tu és a verdadeira Babilônia, o verdadeiro campo de batalha das inteligências, o verdadeiro
templo onde o mal tem seu culto e seus pontífices, e creio que o sopro do arcanjo das trevas
passa eternamente sobre ti, como as brisas sobre o infinito dos mares. Ó tempestade imóvel,
oceano de pedra, quero estar no meio de tuas vagas em fúria, esta águia negra que insulta o
raio e dorme sorrindo sobre a procela, sua grande asa estendida, quero ser o gênio do mal, o
abutre dos mares, deste mar mais pérfido e mais tempestuoso, deste mar onde se agitam e se
derramam as paixões humanas’.” Roger Caillois, “Paris, mythe moderne”, Nouvelle Revue
Française, XXV, 284, I o de maio de 1937, p. 686.
[E 10, 3]
Revolta de Blanqui de 1 2 de maio de 1 839: “Ele havia esperado uma semana para aproveitar
a instalação de tropas novas, mal familiarizadas com o labirinto das ruas de Paris. Os mil
homens com os quais ele contava, para dar início ao levante, deviam se reunir entre a Rue
Saint-Denis e a Rue Saint-Martin... É sob um magnífico sol ... por volta das três horas da
tarde, através da alegre multidão dominical, que o grupo revolucionário, de repente, se
reúne e aparece. Imediatamente, o vazio, o silêncio se fazem em torno dele.” Gustave
Geffroy, UEnfermé, Paris, 1926, I, pp. 81-82.
[E 10a, 1]
13 Trata-se do desafio que Rastignac, herói do romance Le Père Goriot, de Balzac, lança no final da história
à cidade de Paris. Cf. E 10a, 3. (w.b.)
Em 1830, utilizavam-se cordas, entre outros apetrechos, para a construção de barricadas.
[E 10a, 2]
O famoso desafio de Rastignac (cit. Messac, Le “Detective Novel” et 1’Influence de la Pensée
Cientifique , Paris, 1929, pp. 419-420): Rastignac, tendo ficado sozinho, deu alguns passos
em direção ao alto do cemitério e viu Paris sinuosamente disposta ao longo das duas margens
do Sena, onde começavam a brilhar as luzes. Seus olhos se detiveram quase avidamente
entre a coluna da Place Vendome e o Dôme des Invalides, ali onde vivia aquele belo
mundo no qual havia querido entrar. Lançou sobre essa colméia zumbidora um olhar que
parecia antecipadamente sugar-lhe o mel e disse estas palavras grandiosas: ‘Agora, é entre
nós dois!’.”
[E 10a, 3]
Corresponde as teses de Líaussmann o calculo de Du Camp, segundo o qual havia na
Comuna de Paris 75,5% de estrangeiros e de migrantes das províncias.
[E 10a, 4]
Para a revolta de Blanqui de 14 de agosto de 1870, foram colocados à disposição 300
revólveres e 400 punhais. Para as formas de combate de rua, na época, é característico o fato
de os operários preferirem punhais aos revólveres.
[E 10a, 5]
Antes de seu capítulo “A autonomia arquitetônica”, Kaufmann coloca uma epígrafe extraída
do Contrato social-} 4 “uma forma ... pela qual cada um unindo-se a todos não obedece,
entretanto, senão a si mesmo e permanece tão livre quanto outrora. - Este é o problema
fundamental cuja solução é dada pelo contrato social.” (p. 42) Neste capítulo (p. 43):
A separação dos edifícios no segundo projeto para Chaux é justificada por ele” [Ledoux]
“com as palavras: ‘Voltem ao princípio ... consultem a natureza, por todo lado o homem
esta isolado ( Architecture , p. 70). O principio feudal da sociedade pré- revolucionária não
pode mais ser levado em consideração agora... A forma de cada objeto, tomado em si
mesmo, faz parecer absurda toda tentativa que busque um efeito teatral... Repentinamente,
a arte da perspectiva barroca ... desaparece de cena.” E. Kaufmann, Von Ledoux bis Le
Corbusier, Viena, Leipzig, 1933, p. 43.
[E 10a, 6]
<fase tardia>
A renúncia a efeitos pitorescos tem seu contraponto arquitetônico no abandono de
toda a arte da perspectiva. Um sintoma muito significativo é a difusão súbita da
silhueta... A gravura sobre metal e a gravura em madeira substituem a gravura em
cobre que floresceu na época barroca... Antecipando o resultado, ... podemos dizer
que o princípio autônomo nas primeiras décadas após a arquitetura da revolução ...
continua ainda fortemente ativo, tornando-se cada vez mais fraco com o tempo,
regredindo a ponto de tornar-se quase irreconhecível no decorrer do século XIX.”
Emil Kaufmann, Von Ledoux bis Le Corbusier , Viena, Leipzig, 1933, pp. 4 7 e 50.
[Eli, 1]
4 Jean-Jacques Rousseau, Du Contrat Social (1762). (w.b.)
[Haussmannização, Lutas de Barricadas] 183
Napoléon Gaillard: construtor da poderosa barricada que foi erguida em 1871 na entrada
da Rue Royale e da Rue de Rivoli.
[E 11,2]
“Existe na esquina da Rue Chaussée-d’Antin com a Rue Basse-du-Rempart uma casa
admirável pelas cariátides da fachada que dá para a Rue Basse-du-Rempart. Como esta
última rua deve desaparecer, a magnífica casa com cariátides, construída há apenas tinte
anos, vai ser demolida. O júri de expropriação concede três milhões pedidos pelo proprietário
e consentidos pela Cidade. Três milhões! Que despesa útil e produtiva!” Auguste Blanqui,
Critique Sociale, vol. II, Fragments et Notes, Paris, 1885, p. 341.
[Eli. 3]
“Contra Paris. Projeto obstinado de esvaziar Paris, de dispersar sua população de operários.
Sob pretexto de humanidade, propõe-se hipocritamente repartir nas 38.000 comunas da
França 75.000 operários desempregados. 1849.” Blanqui, Critique Sociale, vol. II, Fragments
et Notes, Paris, 1885, p. 313.
[Eli, 4]
“Um Sr. D : I lavrincourt veio expor a teoria da estratégia da guerra civil. Não se deve nunca
deixar as tropas permanecerem nos centros de revolta. Elas se pervertem em contato com os
facciosos e se recusam a metralhar na hora das repressões... O verdadeiro sistema consiste na
construção de cidadelas dominando as cidades suspeitas e sempre prontas a fulminá-las.
Mantêm-se ali os soldados na guarnição, ao abrigo do contágio popular.” Auguste Blanqui,
Critique Sociale , vol. II, Fragments et Notes, Paris, 1885, pp. 232-233 (“Saint-Etienne, 1850”).
[E 11, 5]
“A haussmannização de Paris e das províncias é um dos grandes flagelos do Segundo Império.
Nunca se saberá a quantos milhares de infelizes essas construções insensatas custaram a
vida, pela privação do necessário. A espoliação de tantos milhões é uma das causas principais
da desgraça atual... ‘Quando a construção avança, tudo avança’, diz um adágio popular,
que se tornou um axioma econômico. Nessa lógica, cem pirâmides de Quéops, elevando-
se juntas até as nuvens, atestariam uma superabundância de prosperidade. Cálculo singular.
Sim, num estado bem ordenado, onde a economia não estrangula o câmbio, a construção
seria o termômetro verdadeiro da fortuna pública. Porque então ela revela um crescimento
da população e um excedente de trabalho que ... constrói o futuro. Fora dessas condições,
a colher de pedreiro só testemunha as fantasias assassinas do absolutismo. Quando este
esquece um instante seu furor de guerra, é preso da fúria das construções... Todas as bocas
venais celebraram em coro os grandes trabalhos que renovam a face de Paris. Nada mais
triste que essa imensa agitação de pedras pela mão do despotismo, fora da espontaneidade
social. Não há sintoma mais lúgubre da decadência. À medida que Roma agonizava, seus
monumentos surgiam mais numerosos e gigantescos. Construía seu sepulcro e se fazia bela
para morrer. Mas o mundo moderno, este não quer morrer, e a estupidez humana atinge
seu ápice. Estamos cansados de grandezas homicidas. Os cálculos que perturbaram a cidade,
numa dupla finalidade de compressão e de vaidade, fracassarão diante do futuro, como
fracassaram no presente.” A. Blanqui, Critique Sociale, vol. I, Capital et Travail, Paris, 1885,
pp. 109-111 (Conclusão de “Le Luxe”). A Nota preliminar de Capital et Travail é de 26 de
maio de 1869.
[E 11a, 1]
184 ■ Passagens
“A ilusão sobre as estruturas fantásticas caiu. Nada de outros materiais em parte alguma
senão a centena de corpos simples... É com esse magro sortimento que se deve fazer e refazer
sem trégua o universo. O Sr. Haussmann tinha o suficiente para construir Paris. Tinha os
mesmos materiais. Não é a variedade que brilha em suas edificações. A natureza, que
demole também para reconstruir, consegue um pouco melhor suas arquiteturas. Ela sabe
tirar de sua indigência um partido tão rico que se hesita antes de criar um termo para
designar a originalidade de suas obras. Blanqui, L Éternité par les Astres: Hypothèse
Astronomique, Paris, 1872, p. 53.
[E 11 a, 2]
Die neue Weltbühne, XXXIV, 5, de 3 de fevereiro de 1938 - num ensaio de H. Budzislawski,
Krõsus baut , pp. 120-130 — cita Engels, Zur Wohnungsfrage’’ (Sobre a questão da moradia),
de 1872: “Na realidade, a burguesia tem apenas um método para solucionar a questão da
moradia à sua maneira — isto e, solucioná-la de tal modo que a solução reacende a questão
sempre de novo. Este método denomina-se ‘ Haussmann . Por ‘Haussmann entendo aqui
não apenas a maneira especificamente bonapartista do Haussmann parisiense de abrir ruas
longas, retas e largas no meio de bairros operários de ruas estreitas e cercá-los de grandes
edifícios de luxo em ambos os lados, havendo com isso a intenção - além da utilidade estratégica
de dificultar a construção de barricadas - de propiciar a constituição de um proletariado de
construção especificamente bonapartista, dependente do governo, e a transformação da cidade
em pura cidade de luxo. Por ‘Haussmann entendo a prática generalizada de abrir brechas nos
bairros operários, principalmente naqueles situados no centro de nossas grandes cidades... O
resultado e sempre o mesmo: as ruelas mais escandalosas ... desaparecem sob a máxima
autoglorificação da burguesia..., mas ressurgem logo depois em outro lugar, e muitas vezes na
imediata vizinhança. — Coloca-se aqui também a famosa questão de concurso: por que o
índice de mortalidade nas novas moradias operárias de Londres (por volta de 1890?) é tão
maior do que nos slums ? — Porque as pessoas se alimentam mal, a fim de conseguir pagar os
altos aluguéis. Péladan observa que o século XIX teria forçado as pessoas a assegurar uma
moradia, mesmo que fosse às custas da alimentação e do vestuário.
[E 12, 1]
E correto dizer - como Paul Westheim afirma em seu artigo “Die neue Siegesallee” {Die
neue Weltbühne, XXXIV, n° 8, p. 240) - que Haussmann poupou os parisienses da miséria
das habitações populares berlinenses? 15
[E 12, 2]
Haussmann que retoma o Agora, é entre nos dois! , de Rastignac, diante do mapa de Paris.
[E 12, 3]
“Os novos boulevards introduziram o ar e a luz nos bairros insalubres, mas suprimindo
quase por todo lado, em sua passagem, os pátios e os jardins, os quais, aliás, se tornaram
proibitivos devido ao alto preço dos terrenos.” Victor Fournel, Paris Nouveau et Paris Futur ,
Paris, 1868, p. 224 (“Conclusion”).
[E 12, 4]
1 5 A palavra original é Mietskaserne, literalmente "caserna de aluguel" . O princípio de alojamento de grandes
contingentes de pessoas é transposto do setor militar para a população civil. É o alojamento das massas
operárias típico da cidade de Berlim, na época de sua expansão como metrópole industrial, a partir das
décadas finais do século XIX. Ver o livro de Werner Hegemann, Das steineme Berlin: Geschichte der
grõBten Mietskasernenstadt der Welt, Berlim, Kiepenheuer, 1930, e a resenha de Benjamin sobre esse
livro, publicada em 1930 com o título "Ein Jakobiner von heute" (GS III, 260-265). Cf. E 13a, 2. (w.b.)
E
Tiaussmannizaçáo, Lutas de Barricadas]
185
A velha Paris queixa-se da monotonia das novas ruas; a nova Paris retruca;
“De que você as censura?...
Graças à linha reta, circula-se à vontade.
Evita-se o choque com mais de um veículo.
Ao mesmo tempo, quem tem bons olhos desvia-se
Dos tolos, dos que pedem empréstimo, dos cobradores, dos chatos.
Enfim, cada transeunte, agora, na rua.
Já de longe, ou foge ou cumprimenta seus iguais.”
M. Barthélemy, Le Vieux Paris et le Nouveau Paris, Paris, 1861, p. 8.
[E 12a, 1]
A velha Paris “O aluguel come tudo e se passa fome!” M. Barthélemy, Le Vieux Paris et le
Nouveau Paris, Paris, 1861, p. 8.
[E 12a, 2]
Victor Fournel: Paris Nouveau et Paris Futur, Paris, 1868, faz, principalmente no capítulo
“Um capítulo das ruínas de Paris moderno”, um esboço do tamanho das destruições que
Haussmann provocou em Paris. “A Paris moderna é uma arrivista que começa a contagem
de tempo a partir do seu próprio surgimento, e que destrói os velhos palácios e as velhas
igrejas para construir no lugar belas casas brancas, com ornamentos em gesso e estátuas em
papelão imitando pedra. No último século, escrever os anais dos monumentos de Paris era
escrever os anais da própria Paris, de sua origem e de todas as suas épocas, em breve será
escrever simplesmente os dos vinte últimos anos de nossa existência.” pp. 293-294.
[E 12a, 3]
Fournel, numa apresentação excelente dos malefícios de Haussmann: “Do Faubourg Saint-
Germain ao Faubourg Saint-Honoré, do quartier latin às imediações do Palais-Royal, do
Faubourg Saint-Denis à Chaussée-dAntin, do Boulevard des Italiens ao Boulevard do
Temple, parecia que se passava de um continente a outro. Tudo isso formava na capital
como outras tantas pequenas cidades distintas. — Cidade do estudo, cidade do comércio,
cidade do luxo, cidade do repouso, cidade do movimento e do prazer populares - e,
entretanto, unidas umas às outras, por uma multidão de nuances e transições. Eis o que se
está agora apagando ... rasgando por todo lado a mesma rua geométrica e retilínia, que
prolonga, numa perspectiva de uma légua, suas fileiras de casas, sempre iguais.” Victor
Fournel, Paris Nouveau et Paris Futur, pp. 220-221 (“Conclusion”).
[E 12a, 4]
“Eles ... transplantam o Boulevard des Italiens para a Montanha Sainte-Geneviève, com
tanta utilidade e proveito quanto uma flor de baile numa floresta, e criam ruas de Rivoli na
Cité que não tem o que fazer com elas, esperando que esse berço da capital, demolido
completamente, não contenha mais que uma caserna, uma igreja, um hospital e um palácio.”
Victor Fournel, Paris Nouveau et Paris Futur, Paris, 1868, p. 223. — Isto lembra um verso do
poema “À 1’Arc de Triomphe”, de Hugo.
[E 13, 1]
186 ■ Passagens
A tarefa de Haussmann realiza-se hoje, tal qual demonstra a guerra da Espanha, com meios
bem diferentes. 16
[E 13. 2]
Moradores provisórios (enquanto a moradia ainda apresentava umidade), sob Haussmann:
Os industriais nômades dos novos pavimentos térreos parisienses se dividem em três
categorias principais: os fotógrafos populares, os comerciantes de bugingangas, mantendo
bazares e boutiques de treze centavos, os exibidores de curiosidades e particularmente de
mulheres-gigantes. Até o presente, esses interessantes personagens contam entre aqueles
que mais aproveitaram a transformação de Paris.” Victor Fournel, Paris Nouveau et Paris
Futur, Paris, 1868, pp. 129-130 (“Promenade pittoresque à travers le nouveau Paris”).
[E 13, 3]
Os H alies, segundo opinião universal, constituem o edifício mais irrepreensível erguido
nestes doze últimos anos... Há ali uma dessas harmonias lógicas que satisfazem o espírito
pela evidência de sua significação.” Victor Fournel, Paris Nouveau et Paris Futur , p. 213.
[E 13, 4]
Tissot já estimula a especulação: A cidade de Paris era obrigada a fazer empréstimos sucessivos
de algumas centenas de milhões e ... comprar ao mesmo tempo uma grande parte de um
bairro para reconstruí-lo de maneira conforme às exigências do gosto, da higiene e da
i facilidade das comunicações: há aí com que especular.” Amédée de Tissot, Paris et Londres
Comparés, Paris, 1830, pp. 46-47.
[E 13, 5]
Lamartine já falava em O Passado, o Presente, o Futuro da República , Paris, 1850, p. 31 (cit.
por Cassou, Quarante-huit , Paris, 1939, pp. 174-175), da "parte nômade, flutuante e
excessiva das cidades, que se corrompe por sua ociosidade em praça pública e se desloca
conforme os ventos políticos, seguindo a voz da facção que grita mais alto”.
[E 13a, 1]
Stahl sobre as habitações populares 17 de Paris: “Já era” [na Idade Média] “uma metrópole
superpovoada que foi comprimida nos apertados cinturões junto aos muros de uma fortaleza.
Para a massa da população, não existia a moradia unifamiliar nem mesmo a modesta casinha
própria. Construíam-se muitos andares num terreno extremamente estreito, da largura de,
no máximo, duas janelas, na maioria das vezes, de apenas uma janela (em outros l ug ares, a
regra era a moradia de três janelas). De maneira geral, a construção era totalmente privada
de ornamentos e, quando não terminava simplesmente sem nada, havia lá em cima no
máximo um telhado em ponta... La em cima havia uma situação confusa com construções
sobrepostas baixas e mansardas ao lado das chaminés, muito próximas umas das outras.”
Stahl vê na liberdade em relação à forma dos telhados, à qual se atêm também os arquitetos
modernos de Paris, “um elemento fantástico e inteiramente gótico”. Fritz Stahl, Paris,
Berlim, <1929>, pp. 79-80. 18
[E 13a, 2]
16 Uma das raras referências de Benjamin à sua própria época: a guerra civil espanhola (1936-1939). (J.L.; w.b.)
17 Cf. E 12, 2 e nota. (w.b.)
18 Benjamin não menciona o ano da edição que ele utilizou. A edição consultada para fins de verificação
apresenta o mesmo texto, mas com paginação diferente. (R.T.)
E
[Haussmannização, Lutas de Barricadas]
187
“Por toda parte ... chaminés características intensificam ainda mais a desordem destas
formas” [das mansardas]. “Este é um traço comum a todas as moradias parisienses. Mesmo
nas mais antigas observa-se o paredão alto e íngreme do qual emerge a parte superior dos
condutores de fumaça de barro... Em relação a isto, estamos bem longe do estilo romano
que parecia ser o traço dominante da arquitetura parisiense. Observamos o seu oposto, o
gótico, característica que as chaminés claramente evocam... De maneira menos exagerada,
podemos denominar este caráter de nórdico e constatar que ainda um segundo ... elemento
nórdico atenua o caráter romano da ma. Com efeito, árvores estão plantadas por toda a
extensão dos modernos boulevards e avenidas ... e a fileira de árvores naturalmente confere
à fisionomia da cidade um caráter bastante nórdico.” Fritz Stahl, Paris, Berlim, pp. 21-22.
[13a, 3]
Em Paris, a moradia moderna “desenvolveu-se pouco a pouco a partir daquela já existente.
Isto pôde acontecer porque aquela que já existia era uma moradia própria de cidade grande,
tipo que foi criado aqui no século XVII, na Place Vendôme, cujas construções antigamente
abrigavam moradias luxuosas e hoje dão lugar a estabelecimentos comerciais de todos os
tipos..., sem que suas fachadas tenham sofrido alguma transformação. Fritz Stahl, Paris,
Berlim, p. 18.
r [E 14]
Defesa a favor de Haussmann: “Sabe-se que, ao lado de outros conceitos artísticos
fundamentais, perdeu-se no século XIX a noção de cidade ... como um todo. Não havia,
portanto, mais urbanismo. Sem planejamento algum, construía-se ao longo do antigo
traçado das ruas que era estendido também sem nenhum planejamento... O que se pode
denominar com toda propriedade de história arquitetural de uma cidade ... foi abolido por
toda parte. Paris é a única exceção. Diante dela, o sentimento era de incompreensão e até
de rejeição.” (pp. 13-14) “Durante três gerações não se soube o que era urbanismo. Nós o
sabemos, mas este conhecimento nada mais nos traz do que a mágoa de oportunidades
perdidas... Somente com tais reflexões estamos preparados para apreciar a obra deste único
urbanista genial da época moderna que indiretamente também criou todas as metrópoles
americanas.” (pp. 168-169) “É sob esta perspectiva que as grandes artérias urbanas
construídas por Haussmann adquirem seu total significado. Com elas, a nova cidade ...
penetra na antiga cidade, atraindo-a por assim dizer para junto de si, contudo, sem tocar
no seu caráter. Assim, ao lado de sua utilidade, elas têm o efeito estético segundo o qual a
velha e a nova cidade não se opõem como em outros lugares, ao contrario, estão ligadas
entre si. Logo ao deixar as velhas ruelas para adentrar as ruas de Haussmann, entramos em
contato com esta nova Paris, a Paris dos últimos tres séculos. Pois Haussmann não so
resgatou a forma da avenida e do boulevard da cidade dos reis, tal qual Luís XIV a concebera,
mas também a forma dos edifícios. Somente assim as mas podem preencher a função de
tornar a cidade um conjunto cuja unidade é visível. Não, ele não destruiu Paris e sim a
completou... É preciso dizer isto ... mesmo sabendo quanta beleza teve que ser sacrificada...
Certamente Haussmann foi um obcecado: sua obra, porém, só podia ter sido realizada por
um obcecado.” Fritz Stahl, Paris: Eine Stadt ais Kunstwerk, Berlim, pp. 173-174.
[E 14 a]
_F_
[Construção em Ferro]
"Cada época sonha a seguinte/'
Michelet, "Avenir! Avenir!" ( Europe , 73, p. 6)
Dedução dialética da construção em ferro; ela se diferencia da arquitetura grega em pedra (teto
de vigas) e da arquitetura medieval (teto em arco). “Uma outra arte, na qual o tom é dado por
um outro princípio estático, muito mais magnífico do que os dois primeiros, vai nascer e se
desenvolver... Um novo e inusitado sistema de tetos, que naturalmente acarretará de imediato
um novo reino de formas artísticas, só pode se manifestar quando um material, se não ignorado
are agora, ao menos negligenciado como elemento principal para tal emprego, começa a ter
aceitação... Ora, tal material é o ferro, que o nosso século já começou a u tilizar nesse sentido.
Com a crescente comprovação e o conhecimento de suas qualidades estáticas na arquitetura do
fiituro, o ferro está destinado a servir de base ao sistema de tetos e, do ponto de vista estático, a
destacar este último em relação aos sistemas helénico e medieval tanto quanto o sistema de arcos
deu destaque à Idade Média em relação ao monolítico sistema de vigas de pedra do mundo
antigo... Se o princípio estático de forças é tomado à construção em arcos e transformado num
sistema totalmente novo e inédito, por outro lado, em relação às formas artísticas do novo
sistema, terá de ser retomado o princípio formal à maneira grega.” Zum huridertjãhrigen Geburtstag
Karl Bdttichers, Berlim, 1906, pp. 42 e 44-46. (Os princípios da arquitetura helénica e germânica
com referência à sua transposição para a arquitetura de nossos dias.)
[F 1, 1]
Mdro que surge antes do seu tempo, ferro prematuro. O material mais frágil e o mais forte
foram quebrados, por assim dizer, deflorados nas passagens. Em meados do século passado,
ainda não se sabia como se devia construir com vidro e ferro. Por isso o dia que se infiltra do
alto através das vidraças por entre suportes de ferro é tão sujo e nublado.
[F I, 2]
“Em meados dos anos ttinta, surgem os móveis de ferro, como estrados de cama, cadeiras,
mesinhas, jardineiras, e é muito significativo para a época o fato de lhes ser atribuída uma
vantagem especial: era possível imitá-los com qualquer tipo de madeira. Pouco depois de 1840,
surgem os móveis franceses inteiramente estofados e com eles o estilo de tapeçaria atinge um
domínio absoluto” Max von Boehn, Die Mode im XIX Jahrhundert, II, Munique, 1 907, p. 131.
[F 1, 3]
190 ■ Passagens
As duas grandes conquistas da técnica: o gás 1 e o ferro fundido andam juntos. “Sem contar
a quantidade inumerável de luzes mantidas pelos comerciantes, essas galerias são ilumi nadas
à noite por trinta e quatro bicos de gás hidrogênio sustentados por espirais de ferro fundido
fixados sobre as pilastras. Provavelmente, trata-se da Galerie de 1’Opéra. J. A. Dulaure,
Histoire de Paris ... Depuis 1821 Jusqua Nos Jours, vol. II, Paris, 1835, p. 29.
[F 1. 4]
“A diligência corre a galope pelo cais do Sena. Um raio fulgura no Pont d’Austerlitz. Que
o lápis possa repousar!” 2 Karl Gutzkow, Briefe aus Paris , vol. II, Leipzig, 1842, p. 234. A
Ponte de Austerlitz foi uma das primeiras construções em ferro de Paris. Com a imagem do
raio, ela se torna o emblema da era da técnica que se inicia. Ao lado, a diligência com seus
cavalos, com a faísca romântica que emerge sob seus cascos. E o lápis do autor alemão que
desenha: uma grandiosa vinheta no estilo de Grandville.
[F 1, 51
“Não conhecemos, na realidade, belos teatros, belas estações ferroviárias, belas exposições
universais, belos cassinos, isto é, belos edifícios industriais ou fúteis.” Maurice Talmeyr, La
Cité du Sang, Paris, 1908, p. 277.
[F 1,6]
Magia do ferro fundido: “Hahblle 3 pôde então se convencer de que o anel desse planeta
nada mais era do que uma sacada circular onde, à noite, os habitantes de Saturno vêm
tomar ar fresco.” Grandville, Un Autre Monde, Paris, 1844, p. 139. ■ Haxixe ■
[F 1, 7]
Ao falar das fábricas construídas no estilo das residências, observar o seguinte paralelo
extraído da história da arquitetura: “Eu disse anteriormente que, no período da
Sensibilidade, 4 no século XVIII, construíram-se templos da amizade e da ternura; quando
adveio, então, o gosto pelo antigo, surgiu logo nos jardins, nos parques, nas colinas, um
grande número de templos ou construções em forma de templo não só dedicados às Graças
ou a Apoio e às musas, mas também os edifícios para a produção, os celeiros e os estábulos
foram construídos no estilo dos templos. Jacob Falke, Geschichte des modemen Geschmacks,
Leipzig, 1866, pp. 373-374. Existem, portanto, máscaras da arquitetura, e assim mascarada
surge a arquitetura, por volta de 1 800, por toda parte nos arredores de Berlim, aos domingos,
espectral como que vestida para um baile de gala.
[F la, 1]
Cada industrial imitava o material e a forma do outro, imaginando ter realizado um
milagre de bom gosto se conseguisse fabricar xícaras de porcelana como se feitas por um
toneleiro, copos parecendo porcelana, jóias de ouro lembrando correias de couro, mesas de
ferro imitando vime etc. Nesta arena lançava-se também o confeiteiro, esquecendo totalmente
Vidro e ferro fundido" ( G<l>as und GuBeisen), como quer R.T., ou "gás e ferro fundido" (Gas und
GuBeisen), como propõem E/M? Optamos peia segunda leitura, que, além de não emendar o texto
original, é confirmada pelo contexto, (w.b.)
2 Última das Cartas de Paris, de Gutzkow, que escreveu antes: "Deve ser terrível morrer em Paris." (J.L.)
3 O nome do personagem parece ser derivado de hâbleur, "falador" . (E/M)
Em alemão Empfindsamkeit. O termo — empregado em 1768 por J. J. Bode para traduzir o romance
Sentimental Journey, de L. Sterne- caracteriza a expressão direta, efusiva do sentimento na literatura do
século XVIII. (J.L.)
F
[Construção em Ferro] 191
o domínio próprio e os critérios de sua arte, e tentando ascender a escultor e arquiteto.”
Jacob Falke, Geschichte des modemen Geschmacks, p. 380. Essa falta de critérios advinha, em
parte, da abundância de procedimentos técnicos e de novos materiais com os quais fomos
presenteados da noite para o dia. À medida que se tentava adquirir uma familiaridade mais
profunda com eles, vieram a ocorrer desacertos e experimentos malogrados. Por outro lado,
essas tentativas são os testemunhos mais genuínos de quanto a produção técnica em seus
primórdios estava mergulhada em sonhos. (Também a técnica, e não só a arquitetura, é em
certas fases o testemunho de um sonho coletivo.)
ÍF U 21
“Num gênero secundário, é verdade, a construção em ferro, uma arte nova, se revelava. A
estação ferroviária projetada por Duquesnay, a Gare de 1’Est, mereceu, quanto a isso, a
atenção dos arquitetos. O emprego do ferro aumentou muito nessa época, graças às novas
combinações às quais esse material se prestou. Duas obras notáveis sob vários aspectos, a
Biblioteca Sainte-Geneviève e o mercado central, Les Halles, devem ser mencionadas em
primeiro lugar. Os Halles são ... um verdadeiro protótipo que, muitas vezes reproduzido
em Paris e em outras cidades, começou, então, como outrora o gótico de nossas catedrais,
a aparecer na França inteira... Nos detalhes, notaram-se admiráveis melhoramentos. O
emprego do chumbo nos monumentos tornou-se rico e elegante; as grades, os candelabros,
o calçamento em mosaico testemunharam muitas vezes uma pesquisa feliz do belo. O
progresso da indústria permitiu revestir com folha de cobre o ferro-gusa, procedimento de
que não se deve abusar; o progresso do luxo levou com mais sucesso a substituir o ferro-
gusa pelo bronze, o que fez os candelabros de algumas praças públicas se transformarem
em objetos de arte.” ■ Gás ■ Observação sobre este trecho: “Em 1848, entraram em Paris
5.763 toneladas de ferro; em 1854, 11.771; em 1862, 41.666; em 1867, 61.572.” E.
Levasseur, Histoire des Classes Ouvrieres et de rindustrie en France de 1789 à 1870, vol. II,
Paris, 1904, pp. 531-532.
rr [F la, 3]
“Henri Labrouste, artista de talento sóbrio e severo, inaugurou com sucesso o emprego
ornamental do ferro na construção da Biblioteca Sainte-Geneviève e da Bibliothèque
Nationale.” Levasseur, op. cit, p. 197.
[F la, 4]
Em 1851, iniciou-se a primeira construção do mercado Les Halles, segundo um projeto
que Napoleão III aprovara em 1811. O desagrado foi geral. Denominou-se esta construção
em pedra lefort de la Halle. “A tentativa foi infeliz e ela não foi retomada... Procurou-se um
gênero de construção mais apropriado à finalidade que se tinha em mente. A parte
envidraçada da Gare de 1’Ouest e a lembrança do Palácio de Cristal que havia, em Londres,
abrigado a Exposição universal de 1851, deram, sem dúvida, a idéia de empregar quase
exclusivamente o ferro-gusa e o vidro. Pode-se ver hoje que se teve razão em recorrer a esses
materiais leves que, melhor que todos os outros, preenchem as condições que se deve exigir
em estabelecimentos semelhantes. Desde 1851, as obras nos Halles não pararam e,
entretanto, ainda não estão terminadas.” Maxime Du Camp, Paris, Paris, 1875, vol. II,
pp. 121-122.
[F la, 5]
192 ■ Massagens
Projeto de uma estação ferroviária que deveria substituir a Gare St. Lazare. Esquina da
Piace de la Madeleine e da Rue Tronchet. “Os trilhos instalados sobre elegantes arcos de
ferro-gusa, elevados a 20 pés acima do solo e tendo 615 metros de comprimento’, segundo
o relatório, teriam atravessado as ruas Saint-Lazare, Saint-Nicolas, des Mathurins e Castellani,
as quais teriam, cada qual, uma estação particular. ■ Flâneur. Estação ferroviária junto às
<?> ruas ■ ... Basta vê-lo [o plano] para compreender quão pouco se tinha adivinhado o
futuro reservado às vias férreas. Embora qualificada de ‘monumental’, a fachada dessa estação,
que felizmente jamais foi construída, tem uma dimensão singularmente restrita; não seria
suficiente nem mesmo para comportar uma das lojas que se acham agora nos ângulos de
certos cruzamentos. Ê uma espécie de casa à italiana, de três andares abertos cada um com
oito janelas; a entrada principal está representada por uma escadaria de vinte e quatro
degraus dando para um pórtico em arcada plena, largo o bastante para deixar passar cinco
ou seis pessoas de frente.” Du Camp, Paris, vol. I, pp. 238-239.
[F 2, 1]
A Gare de 1’Ouest (hoje?) oferece “o duplo aspecto de uma fábrica em atividade e de um
ministério”. Du Camp, Paris, vol. I, p. 241. “Quando se volta as costas ao subterrâneo de
túnel tríplice, que passa sob o Boulevard des Batignolles, percebe-se o conjunto da estação,
reconhece-se que ela tem quase a forma de um imenso bandolim do qual os trilhos seriam
as cordas e os postes de sinais, colocados em cada entroncamento, seriam as cravelhas.” Du
Camp, Paris, vol. I, p. 250.
[F 2, 2]
“Caronte ... arruinado pela instalação de uma passarela em fio de ferro sobre o Estige.”
Grandville, Un Autre Monde, Paris, 1844, p. 138.
[F 2. 3]
O primeiro ato de A Vida Parisiense, de Offenbach, passa-se numa estação. “Esta geração
parece ter o movimento industrial no sangue a tal ponto de, por exemplo, Flachat ter construído
sua casa num terreno pelo qual, do lado direito e esquerdo, os trens passavam apitando
incessantemente.” Siegfried Giedion, Bauen in Frankreich, Leipzig e Berlim, 1928, p. 13.
Eugène Flachat (1802-1873), constmtor de estradas de ferro e estações ferroviárias.
[F 2, 4)
A propósito da Galérie d’Orléans no Palais-Royal (1829-1831): “Mesmo Fontaine, um
dos criadores do estilo Império converte-se na velhice ao novo material. Ele substituiu,
inclusive, em 1835-1836, o assoalho de madeira da Galérie des Batailles em Versalhes por
armações de ferro. — Estas galerias, como aquela do Palais-Royal, foram aperfeiçoadas
posteriormente na Itália. Para nós, elas são um ponto de partida para novos problemas de
construção: estações ferroviárias etc.” Sigfried Giedion, Bauen in Frankreich, p. 21.
[F 2, 5]
“A complicada construção em ferro e cobre ... do mercado de cereais, Halle au Blé, em
1811, foi uma obra do arquiteto Bellangé e do engenheiro Brunet. Pelo que se sabe, é a
primeira vez que as funções do arquiteto e do engenheiro não são mais reunidas na mesma
pessoa ... Hittorf, o construtor da Gare du Nord, deve a Bellangé seu primeiro contato
com a construção em ferro. — De fato, trata-se mais de um emprego do ferro do que uma
construção em ferro. Ainda se transfere simplesmente ao ferro a técnica da construção em
madeira.” Sigfried Giedion, Bauen in Frankreich, p. 20.
[F 2, 6]
F
[Construção em Ferro] 193
A respeito do mercado coberto de Veugny perto da Madeleine, de 1824: “A graciosidade
das suaves colunas de ferro fundido lembra as pinturas murais de Pompéia. Ã construção
em ferro e gusa do novo mercado da Madeleine é uma das mais graciosas produções no
gênero; não se poderia imaginar nada mais elegante e de gosto mais apurado...' Eck, TraitéP
Sigfried Giedion, Bauen in Frankreich, p. 21.
[F 2, 7]
"O passo mais importante para a industrialização: fabricar determinadas formas (perfis) de
ferro fundido ou aço por meios mecânicos. Os domínios se interpenetram: em 1832,
começava-se não pelos elementos de construção e sim com os trilhos... Este foi o ponto de
partida dos perfis metálicos, isto é, a base das construções de andaimes. [Nota para esta
passagem: os novos métodos de fabricação são introduzidos lentamente na indústria. Em
1845, por ocasião de uma greve de pedreiros, empregou-se em Paris pela primeira vez o
ferro em duplo T’ como viga de teto: as causas foram o alto preço da madeira, provocado
pela crescente atividade de construção, e os vãos cada vez maiores.]” Giedion, Bauen in
Frankreich, p. 26.
[F 2, 8]
As primeiras construções em ferro tiveram objetivos transitórios: mercados cobertos, estações
de trem, exposições. O ferro associa-se, portanto, imediatamente a momentos funcionais
da vida econômica. Todavia, o que naquela época era funcional e transitório, começa a
parecer formal e estável, no ritmo transformado de hoje.
[F 2, 9]
“O mercado Les Halles se compõe de dois grupos de pavilhões ligados entre si por ruas
cobertas. Trata-se de uma construção em ferro um tanto tímida, que evita os grandiosos
vãos livres de Horeau e Flachat e se atém de maneira evidente ao modelo das estufas.”
Giedion, Bauen in Frankreich, p. 28.
[F 2a, 1]
Sobre a Gare du Nord: “Evita-se aqui ainda o exagero de espaço das salas de espera, saguões
de entrada, restaurantes, como ocorria por volta de 1880, formulando o problema
arquitetônico da estação como um supervalorizado palácio barroco.” Giedion, Bauen in
Frankreich, p. 31.
[F 2a, 2 ]
“Onde o século XIX não se sente observado, ele se torna ousado.” Giedion, Bauen in
Frankreich, p. 33. Nesta formulação genérica, esta afirmação de fato se sustenta: prova
disto é a arte anônima da ilustração das revistas de família e dos livros infantis.
[F 2a, 3]
As estações (. Bahnhõfe ) eram denominadas antigamente “estações ferroviárias” ( Eisenbahnhdfe ). 5 6
[F 2a, 4]
5 No caso desta obra, citada apenas com a palavra inicial, trata-se ou de Ch, Eck, Traité de Construction en
Poteries et Fer, Paris, 1836, ou de Ch. L. Eck, Traité de I' Application du Fer, de ia Fonte et de la Tôle,
Paris, 1841. (R.T.)
6 Em comparação com o termo posterior (Bahnhõfe), a denominação primitiva ( Eisenbahnhófe ) enfatiza o
aspecto material do novo meio de comunicação: trata-se de vias ou estradas "de ferro", (w.b.)
■ Passagens
Fala-se em renovação da arte a partir das formas. Mas não são as formas o verdadeiro
mistério da natureza, que se reserva o direito de recompensar, justamente através delas a
solução objetiva e lógica de um problema proposto de maneira puramente objetiva. Quando
se descobriu a roda a fim de permitir a continuidade do movimento sobre o solo - nao
poderia alguém ter dito com certa razão: e agora, além do mais, ainda é redondo e tem
forma de rodai Todas as grandes conquistas no domínio das formas não se deram a m
assim, como descobertas técnicas? Começamos apenas recentemente a adivinhar quais íormas,
que se tomarão determinantes para nossa época, estão ocultas nas máqumas. O quanto no
início a velha forma do meio de produção domina sua forma nova ... é demonstrado de
maneira talvez mais cabal pela locomotiva que foi experimentada antes da descoberta da
locomotiva atual: com efeito, assim como um cavalo, possuía dois pés que eram erguidos
um após o outro. Apenas após um melhor desenvolvimento da mecânica e a acumulaçao
de experiências práticas, a forma é inteiramente determinada pelo princípio mecânico,
libertando-se de vez da forma corpórea tradicional da ferramenta, que se transmuda em
máquina.” (Neste sentido, por exemplo, também na arquitetura o suporte e o P eso J> a0
“formas corpóreas”.) O trecho encontra-se em Marx, Das Kapital , vol. I, Hamburgo, 1922,
p. 347, nota. [F2a, 5]
Com a École des Beaux-Arts, a arquitetura começou a fazer parte das artes plásticas. Isto
foi sua desgraça. No Barroco, esta união era perfeita e compreensível. No decorrer do
século XIX, porém, tornou-se ambígua e falsa.” Sigfried Giedion, Bauen in Frankreich,
Leipzig e Berlim, 1928, p. 16. Isto não só lança uma nova e importante perspectiva sobre
o Barroco, como mostra, ao mesmo tempo, que a arquitetura foi a primeira a libertar-se do
conceito de arte, ou melhor dito, que foi ela que menos suportou ser definida como arte
- uma definição que o século XIX, sem, no Rindo, ter direito a fazê-lo, impôs às criações da
produtividade intelectual numa proporção antes mal imaginada. [p 3 t]
A miragem empoeirada do jardim de inverno, a sombria perspectiva da estação com o
pequeno altar da felicidade no ponto de intersecção dos trilhos, tudo isto mofa sob íalsas
construções, vidro que surge antes do seu tempo, ferro prematuro. Pois no primeiro terço
do século passado ninguém sabia ainda como se devia construir com vidro e ferro. Mas ha
muito que os hangares e silos resolveram a questão. Agora se dá com o material humano no
interior o mesmo que com o material de construção das passagens. Os cafetões sao os
arrimos de ferro desta ma, e as prostitutas, suas partes quebradiças como vidro.
“A nova ‘arquitetura tem sua origem no instante em que se constitui a indústria, por volta
de 1830, no momento da transformação do processo artesanal em processo industrial.
Giedion, Bauen in Frankreich, Leipzig e Berlim, 1928, p. 2. [F3 3 j
Um exemplo impressionante do tamanho da força simbólica natural que podem ter as
inovações técnicas são os “trilhos da estrada de ferro”, com o mundo onírico peculiar e
inconfundível que a eles se associa. Essa questão se esclarece melhor, quando se toma
conhecimento da acirrada polêmica contra os trilhos nos anos trinta. Assim, A. Gordon,
F
[Construção em Ferro]
195
em A Treatise in Elementary Locomotion, queria fazer rodar os “carros a vapor” - como se
dizia na época - sobre estradas de granito. Não se acreditava ser possível produzir ferro
suficiente para as linhas férreas, então ainda projetadas em escala bem reduzida.
[F3.4]
E preciso observar que as perspectivas grandiosas que as novas construções em ferro oteredam
sobre as cidades — exemplos excelentes encontram-se em Giedion, Bauen in Frankreich, Leipzig
e Berlim, 1928, nas ilustrações 61-63 da ponte de Marselha, a Pont Transbordem - estavam
reservadas exclusivamente e por muito tempo aos operários e engenheiros. ■ Marxismo ■
Pois, quem além do engenheiro e do proletário galgava então os degraus que permitiam
divisar pela primeira vez o novo, o decisivo: a sensação espacial dessas construções?
[F 3, 5]
Em 1791, surge na França a designação “engenheiro” ( ingénieur •) para os oficiais da arte das
fortificações e do assédio. “E nessa mesma época, no mesmo país, começou a manifestar-se
de maneira consciente, e logo com o tom de polêmica pessoal, a oposição entre construção’
e ‘arquitetura’. Isto não existiu absolutamente no passado... Entretanto, nos inúmeros
ensaios estéticos, que reconduziram a arte francesa a caminhos regulares após as tempestades
da revolução, ... os constructeurs se confrontaram com os décorateurs , e imediatamente colocou-
se a questão se os ingénieurs, como seus aliados, não deveriam também ocupar socialmente
o mesmo campo.” A. G. Meyer, Eisenbauten , Esslingen, 1907, p. 3.
[F 3, 6]
“A técnica da arquitetura de pedra é a estereotomia, a da madeira é a tectônica. O que
tem a construção em ferro em comum com esta e com aquela?” Alfred Gotthold Meyer:
Eisenbauten, Esslingen, 1907, p. 5. “Na pedra, sentimos o espírito natural da massa.
O ferro para nós é apenas resistência e tenacidade artificialmente comprimidas.” Op. cit.,
p. 9. “O ferro possui uma resistência quarenta vezes maior que a da pedra e dez vezes
maior que a da madeira; seu peso específico, contudo, é apenas quatro vezes maior que o
da pedra e oito vezes maior que o da madeira. Um corpo de ferro possui, portanto, em
comparação a um igual volume de pedra, com uma massa quatro vezes maior, uma
capacidade de carga quarenta vezes maior.” Op. cit., p. 11.
“Este material já sofreu transformações essenciais em seus primeiros cem anos — ferro fundido,
ferro de solda, ferro maleável - de modo que hoje o engenheiro tem à sua disposição um
material totalmente diferente do que há cerca de cinqüenta anos... No sentido da reflexão
histórica, isto são ‘fermentos’ de instabilidade inquietante. Nenhum outro material oferece
algo que seja minimamente parecido. Encontramo-nos aqui no começo de um
desenvolvimento que evolui com rapidez galopante... As condições do material ...
transformam-se em ‘possibilidades ilimitadas’.” A. G. Meyer, Eisenbauten, p. 11. Ferro
como material de construção revolucionário!
[F 3a, 1]
Como eram as coisas na consciência vulgar é demonstrado de maneira grosseira, mas típica,
pelo comentário de um jornalista da época, 7 segundo o qual a posteridade teria que admitir
que “a arquitetura da Grécia antiga refloresceu no século XIX em sua antiga pureza.”
Europa, Stuttgait e Leipzig, 1837, II, p. 207.
[F 3a, 2]
7 Trata-se provavelmente de S. F. Lahrs; cf. L 2 r 4 e R la, 4. (R.T.)
1 % ■ Passagens
Estações como “centros de arte”. “Se Wiertz tivesse tido à sua disposição ... os monumentos
públicos da civilização moderna: estações ferroviárias, câmaras legislativas, salas de
universidade, mercados, prefeituras ... quem poderia dizer que mundo novo, vivo, dramático,
pitoresco ele teria projetado sobre sua tela?” A. J. Wiertz, CEuvres Littéraires, Paris, 1870,
pp. 525-526.
[F 3a, 3]
O absolutismo técnico que está na base da construção em ferro, em decorrência do próprio
material, fica evidente quando nos inteiramos da oposição em que o ferro se encontrava em
relação as concepções tradicionais do valor e da utilidade de materiais de construção em
geral. “O ferro era visto com uma certa desconfiança, justamente porque não era extraído
diretamente da natureza e sim fabricado artificialmente. Esta era apenas uma aplicação
particular daquele sentimento geral do Renascimento, que Leo Battista Alberti {De Re
Aedificatoria, Paris, 1512, foi. XLIV) expressa com as seguintes palavras: ‘Nam est quidem
cujusquis corporis pars indissolubilior, quae a natura concreta et counita est, quam quae
hominum manu et arte conjuncta atque, compacta est.”’ 8 A. G. Meyer, Eisenbauten,
Esslingen, 1907, p. 14.
[F 3a, 4]
Valeria a pena refletir - e parece que esta reflexão teria um resultado negativo - se também
antigamente as necessidades técnicas na construção (mas igualmente nas outras artes)
determinaram em larga escala as formas e o estilo, como parece ser hoje o caso, a ponto de
tornar-se uma característica de todas as produções daquela época. No caso do ferro como
material de construção isto já é bem evidente, e talvez pela primeira vez. Pois as “formas
básicas, nas quais o ferro aparece como material de construção, são ... por si mesmas
parcialmente novas como configurações individuais. E sua especificidade é, em grande
medida, resultado e expressão das qualidades naturais do material, porque estas foram
desenvolvidas e exploradas técnica e cientificamente justamente para estas formas. Em
comparação com os materiais de construção conhecidos até então, o objetivo do processo
de trabalho, que transforma a matéria-prima em material de construção imediatamente
utilizável, inicia-se com o ferro já em um estágio muito anterior. Entre matéria e material
existe aqui naturalmente uma outra relação do que entre pedra bruta e pedra lavrada, entre
argila e telha, madeira e viga: no caso do ferro, o material e a forma de construção sao por
assim dizer mais homogêneos. A. G. Meyer, Eisenbauten, Esslingen, 1907, p. 23.
[F 3a, 5]
1840-1844. A construção das fortificações, inspirada por Thiers... Thiers, que pensava que as
vias férreas não funcionariam nunca, fez construir portas em Paris, no momento em que a cidade
precisava de estações.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, Paris, 1926, p. 386.
[F 3a, 6]
Já a partir do século XV, esse vidro quase incolor domina como vidraça também a casa.
Todo o desenvolvimento do espaço interior obedece à palavra de ordem: ‘Mais luz!’ 9 -
No século XVII, este desenvolvimento resultou na abertura de janelas que, na Holanda,
ocupam em media a metade da superfície das fachadas ate mesmo das casas burguesas ... /
8 "Pois em cada substância existe uma parte que é confeccionada e reunida pela natureza e que é mais
indissolúvel que a que é produzida e reunida pela mão e pela arte do homem." (w.b.)
9 "Mehr Licht!": últimas palavras de Goethe. (w.b.)
F
(Construção em Ferro] 197
A abundância de luz daí decorrente torna-se ... logo indesejada. Nos quartos, a cortina
proporcionava um auxílio que, no entanto, logo se tomou funesto devido ao excessivo zelo
com a tapeçaria ... / O desenvolvimento do espaço por meio do vidro e do ferro atingiu um
ponto morto. / Súbito, ele recebeu uma nova energia advinda de uma fonte aparentemente
bastante insignificante. / E novamente esta fonte foi uma ‘casa que deveria proteger os
seres frágeis’, porém não foi uma casa para seres vivos nem para a divindade, tampouco
uma casa para a chama do fogão ou para bens sem vida, e sim: uma casa para plantas. /
A origem de toda arquitetura de ferro e vidro da época de hoje é a estufa.” A. G. Meyer,
Eisenbauten, Esslingen, 1907, p. 55. ■ Luz nas passagens ■ Espelhos ■ A passagem é o
emblema do mundo pintado por Proust. É estranho como a passagem, assim como este
mundo, está ligado, em sua origem, à vida das plantas.
[F 4, 1]
Sobre o Palácio de Cristal de 1851: “Dentre todas as grandes coisas desta obra, a mais
imponente - em todos os sentidos — é este saguão central com sua abóbada... Aqui também
não foi primeiramente um arquiteto, responsável pelo espaço, que se pronunciou e sim um
— jardineiro... Isto deve ser tomado ao pé da letra, pois a razão principal para a altura do
saguão central foi que em seu terreno no Hydepark havia magníficos olmos que nem os
londrinos nem o próprio Paxton queriam abater. Ao incluí-los dentro de sua gigantesca
estufa, como antes as plantas meridionais de Chatsworth, Paxton deu à sua construção,
quase inconscientemente, um valor arquitetônico muito mais alto.” A. G. Meyer, Eisenbauten,
Esslingen, 1907, p. 62.
[F 4, 2]
Opondo-se como arquiteto aos engenheiros e construtores , Viel publica sua polêmica, ampla
e extremamente violenta, contra o cálculo estático com o título: De 1’impuissance des
mathématiques pour assurer la solidité des bâtiments (Sobre a inutilidade da matemática para
garantir a estabilidade dos edifícios), Paris, 1805.
[F 4, 3]
O trecho seguinte é válido para as passagens, principalmente como construções em ferro:
“O elemento mais essencial ... é o seu teto. Até mesmo a raiz da palavra [alemã] Halle
deriva dai. 10 Trata-se de um espaço coberto, não de um espaço fechado; as paredes laterais
são por assim dizer ‘encobertas’.” Justamente esta última consideração aplica-se
particularmente às passagens, cujas paredes têm a função de paredes da Halle (cobertura)
apenas secundariamente, sendo sua função principal a de serem paredes ou fachadas de
casas. O trecho é extraído de A. G. Meyer, Eisenbauten, Esslingen, 1907, p. 69.
[F 4, 4]
A passagem como construção em ferro fica na fronteira do espaço largo ( Breitraum ). Esta é
uma das razões decisivas de sua aparência “antiquada”. Ela ocupa aqui uma posição híbrida,
que tem certa analogia com a da igreja barroca: “a cobertura {Halle) em abóbada, que
admite até mesmo as capelas apenas como alargamento do seu próprio espaço, mais largo
que nunca. Mas também nesta cobertura barroca prevalece a tendência ‘para o alto’, o
10 A palavra alemã Halle, assim como seu correspondente Inglês hall, é derivado de um substantivo
germânico designando um "lugar coberto" e remontando a uma raiz indo-européia que significa
"cobrir, encobrir". Em tempos antigos, a Halle - em contraste com a sala -era uma estrutura espaçosa,
semi-aberta (com um teto sustentado por pilares e colunas), com a finalidade de servir de abrigo contra
a chuva ou o sol. - No contexto deste fragmento optamos pela tradução "cobertura". (E/M; w.b.)
198 m Passagens
êxtase dirigido às alturas, como rejubila nos afrescos do teto. Enquanto os espaços das
igrejas pretendem servir a algo mais do que para fins de reunião, enquanto querem abrigar
a idéia do eterno, o espaço único e contínuo apenas poderá satisfazê-los se a altura superar
a largura.” A. G. Meyer, Eisenbauten , p. 74. Inversamente, pode-se dizer que permanece
algo de sagrado, um resquício de nave de igreja, nesta fileira de mercadorias que é a passagem.
Do ponto de vista funcional, a passagem já se encontra no domínio do espaço largo,
porém, do ponto de vista arquitetônico, ainda está no espaço da antiga “cobertura”.
A Galerie des Machines 11 de 1889, foi demolida em 1910 “por sadismo artístico”.
[F 4, 6]
Formação histórica do espaço largo: “O castelo dos reis da França toma emprestada ao
palácio renascentista italiano a ‘galeria’, a qual — como na ‘Galeria de Apoio’ do Louvre ou
na ‘Galeria de Espelhos’ de Versalhes — torna-se símbolo da majestade propriamente dita
... / Seu novo cortejo triunfal no século XIX inicia-se, por sua vez, sob o signo da construção
puramente utilitária, com pavilhões que servem de depósito e mercado, oficina e fábrica: o
lado voltado à arte é determinado pelas estações de trem - e principalmente pelas exposições.
E por toda parte a necessidade de um espaço largo contínuo é tão grande que dificilmente
serão suficientes a abóbada de pedra e o teto de madeira... Na arquitetura gótica, as paredes
crescem em direção ao teto, nos saguões de ferro do tipo ... da Galerie des Machines de
Paris, o teto se transforma sem solução de continuidade em paredes.” A. G. Meyer,
Eisenbauten, pp. 74-75.
[F 4a. 1]
Nunca a medida do “muito pequeno” teve tanta importância quanto agora. Inclui-se aí
também o muito pequeno em quantidade, o “mínimo”. Trata-se de medidas que adquiriram
significado para as construções da técnica e da arquitetura muito antes de a literatura se
dignar de adaptar-se a elas. Basicamente é a primeira manifestação do princípio de
montagem. Sobre a construção da Torre Eiffel: “Aqui a força plástica da imagem silencia
em favor de uma enorme tensão de energia espiritual que concentra a energia inorgânica do
material nas formas mínimas e mais eficazes, associando-as da maneira mais funcional
possível... Cada uma das 12.000 peças de metal é fabricada com exatidão milimétrica,
cada um dos 2,5 milhões de arrebites... Neste canteiro de obras não se ouvia nenhum
golpe de formão que retira da pedra a sua forma; mesmo ali o pensamento dominava a
força muscular, transferindo-a para seguros andaimes e guindastes.” A. G. Meyer, Eisenbauten,
p. 93. ■ Precursores ■
[F 4a. 2]
“Haussmann não soube ter o que se poderia chamar de uma política das estações ferroviárias...
Apesar de uma declaração do imperador, que havia justamente batizado as estações de
novas portas de Paris, o desenvolvimento contínuo das vias férreas surpreendeu todo mundo,
ultrapassou as previsões. Não se soube sair do empirismo cotidiano.” Dubech e D’Espezel,
Histoire de Paris, Paris, 1926, p. 4 19.
[F 4a. 3]
11 Trata-se do Palais des Machines, construído para a Exposição universal de 1889 pelos engenheiros
Contamin, Pierron e Chartron. (J.L.)
F
[Construção em Ferro] 199
Torre Eiffel. Originalmente saudada por um protesto unânime, eia continuou sendo
bastante feia, mas foi útil ao estudo da telegrafia sem fio... Disseram que essa Exposição
havia marcado o triunfo da construção em ferro. Seria mais justo dizer que marcou sua
falência.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, Paris, pp. 461-462.
|F4a,4]
Por volta de 1878, acreditou-se encontrar a salvação na arquitetura em ferro; as aspirações
verticais, como diz o Sr. Salomon Reinach, a predominância dos vazios sobre os cheios e a
leveza da ossatura aparente fizeram esperar que nascesse um estilo que reviveria o essencial
do gênio gódco, rejuvenescido por um espírito e materiais novos. Quando os engenheiros
ergueram a Galerie des Machines e a Torre Eiffel, em 1 889, perdeu-se a esperança na arte
de ferro. Cedo demais, talvez.” Dubech e D’Espezel, op. cit., p. 464.
[F 4a, 5]
Béranger: Sua única reprovação ao regime de Luís Filipe concerniu o fato de este fazer
brotar a república numa estufa quente.” Franz Diederich, “Victor Hugo”, Die Neue Zeit,
XX, I, p. 648, Stuttgart, 1901.
[F 4a, 6]
“O caminho que vai da forma da primeira locomotiva, durante o estilo Império, à sua
forma atual, perfeita e objetiva, caracteriza uma evolução.” Joseph Aug. Lux,
“Maschinenãsthetik”, Die Neue Zeit, XXVII, 2, p. 439, Stuttgart, 1909.
[F 4a, 7]
<fase média>
Homens de fina consciência e sensibilidade artística lançaram do altar da arte maldições
sem fim sobre os engenheiros civis. Basta lembrar-se de Ruskin.” A. G. Meyer, Eisenbauten,
Esslingen, 1907, p. 3.
[F 5, 1]
Sobre a idéia artística do Império. Sobre Daumier: “Ele se entusiasmava muito por
movimentos musculares. Seu lápis não pára de glorificar a tensão e a atividade dos músculos...
No entanto, o público com o qual sonhava tinha uma outra dimensão do que a desta
indigna sociedade dos vendeiros. Ele aspirava por um meio social que, à semelhança da
Antigüidade grega, oferecia aos homens uma base sobre a qual se elevavam, como em um
pedestal, numa beleza vigorosa... Devia, contudo, surgir uma deformação grotesca ... caso
se observasse o burguês com tais pressupostos. Assim, a caricatura de Daumier foi
praticamente o resultado involuntário de um empenho exagerado, que se esforçava
inutilmente em harmonizar-se com o público burguês... Em 1835, um atentado contra o
rei, 12 atribuído à imprensa, ofereceu a oportunidade de pôr um freio em sua audácia. A
caricatura política tornou-se impossível... Por isso, os desenhos de advogados desta época
são aqueles que de longe possuem a mais ardente veemência. O tribunal é ainda o único
lugar onde se pode dar vazão às lutas com sua agitação violenta. Os advogados são as únicas
12 0 atentado de Giuseppe Fíeschi contra Luís Filipe, em 28 de julho de 1835, Boulevard du Temple. (J.L.)
2® ■ r^ssaoe-is
pessoas a quem uma retórica enfaticamente muscular e a dramática pose profissional
resultaram numa elaborada fisionomia do corpo. Fritz 1 h. Schulte, Honoré Daumier ,
Die Neue Zeit, Stuttgart, XXXII, I, pp. 833-835.
A fracassada construção do mercado central, segundo o projeto de Baltard, em 1853,
apresenta a mesma combinação infeliz de alvenaria e ferro, como o projeto original para o
palácio da exposição de Londres, de 1851, de autoria do francês Horeau. Os parisienses
chamavam a construção de Baltard, mais tarde demolida, le jort de ld Hulle.
Sobre o Palácio de Cristal com os olmos no centro: Sob estas abobadas de vidro, graças aos
toldos, aos ventiladores e às fontes que jorram, gozava-se de um frescor delicioso. Tem-se
a impressão, dizia um visitante, de estar sob as ondas de algum rio fabuloso, no palácio de
cristal de uma fada ou de uma náiade . A. Demy, Essãi Historique sur les Expositions
Universelles de Paris, Paris, 1907, p. 40.
“Depois do encerramento da Exposição de Londres, em 1851, perguntou-se, na Inglaterra,
o que aconteceria com o Palácio de Cristal. Mas uma clausula inserida no ato de concessão
do terreno exigia ... a demolição ... do edifício: a opinião publica foi unanime em pedir a
anulação dessa cláusula... Os jornais estavam cheios de propostas de toda espécie, das quais
muitas se destacavam por sua excentricidade. Um médico quis fazer dele um hospital; um
outro, um estabelecimento de banhos... Alguém deu a idéia de uma biblioteca gigantesca.
Um inglês, levando ao excesso a paixão pelas flores, insistiu para que se fizesse do edifício
todo um canteiro.” O Palácio de Cristal foi adquirido por intermédio de Francis Fuller e
transferido para Sydesham. A. S. de Doncourt, Les Expositions Universelles , Lille-Paris, 1889,
p. 77. Cf. [F 6a, 1]. A Bolsa de Valores podia representar tudo, o Palácio de Cristal podia
servir a tudo.
[F 5a, 1]
“A ebanesteria em ... tubos de ferro rivaliza, nlo sem vantagem, com a ebanesteria em
madeira. Os mobiliários em tubos de ferro, pintados ao forno, ... esmaltados de flores, ou
imitando madeira com incrustações, são galantes e bem enlaçados à maneira dos frontÕes
de Boucher.” Edouard Foucaud, Paris Inventeur: Physiologie de 1’Industrie Française, Paris,
1844, pp. 92-93.
A praça diante da Gare du Nord chamava-se Praça Roubaix em 1860.
r [F 5a, 3]
Nas gravuras da época, cavalos brincam nas praças diante das estações; diligências chegam
envoltas em nuvens de poeira.
r [F 5 a, 4]
Inscrição de uma gravura em madeira, representando um cadafalso na Gare du Nord: Últimas
homenagens concedidas a Meyerbeer, em Paris, na Estação Ferroviária do Norte.”
[F 5a, 5]
F
[Construção em Ferro] 201
Construções de fábricas com galerias e escadas de ferro em caracol. Os primeiros prospectos e
ilustrações representam espaços de fabricação e venda — que muitas vezes se encontram sob o
mesmo teto - em forma de corte transversal, como se fossem casinhas de boneca. Assim, por
exemplo, um prospecto da fábrica de calçados Pinet, de 1865. Não raro vêem-se ateliês como
os de fotógrafos, com cortinas que correm, diante da clarabóia. Cabinet des Estampes.
[F 5a, 6]
A Torre Eiffel: “É significativo que a mais famosa construção da época, não obstante seu
gigantismo ... tenha a aparência de um bibelô, o que ... advém do fato de que a sensibilidade
artística subalterna da época só conseguia pensar em termos do espírito de gênero e da técnica
de filigrana.” Egon Friedell, Kulturgeschichte der Neuzeit, III, Munique, 1931, p. 363.
[F 3a, 7]
“Michel Chevalier escreveu um poema sobre seus sonhos com o templo novo:
‘Eu te farei ver meu templo, diz o senhor Deus
As colunas do templo
Eram feixes.
Colunas ocas de ferro fundido
Eram o órgão do templo novo
O vigamento era de ferro, de gusa e de aço
De cobre e de bronze
O arquiteto o havia colocado sobre as colunas
Como um instrumento de cordas sobre um instrumento de sopro.
O templo produzia também a cada instante do dia
Sons de uma harmonia nova
A flecha se elevava como um pára-raio
Ela ia às nuvens
Procurar a força elétrica
A tempestade a enchia de vida e de tensão
No alto dos minaretes
O telégrafo agitava seus braços
E de todo lado trazia
Boas notícias ao povo.’”
Henri-René DAIlemagne, Les Saint-Simoniens, 1827-1837 , Paris, 1930, p. 308.
& [F6, 1]
O “quebra-cabeça chinês” que surgiu na época do Império revela o sentido nascente do
século para a construção. As tarefas que aparecem nos modelos da época como partes
202 ■ Passagens
tracejadas de uma representação paisagística, arquitetônica ou figurai são um primeiro
indício do princípio cubista nas artes plásticas. (A verificar: se em uma representação alegórica
no Cabinet des Estampes, o quebra-cabeça substitui o caleidoscópio ou vice-versa.)
[F 6, 2]
“Paris vista do alto.” Notre-Dame de Paris , vol. I, livro 3 — encerra seu panorama sobre a
história da arquitetura da cidade com uma caracterização irônica do presente que culmina
com a descrição da mediocridade arquitetônica do prédio da Bolsa de Valores. A importância
do capítulo é enfatizada pela nota acrescentada à edição definitiva (1832), na qual o romancista
afirma: “O autor ... desenvolve, num desses capítulos sobre a decadência atual da arquitetura
e sobre a morte — que, segundo ele, é quase inevitável — dessa rainha das artes, uma opinião
infelizmente bem fundamentada nele e bem refletida.” Victor Hugo, CEuvres Completes,
Romances, vol. III, Paris, 1880, p. 3.
[F 6, 3]
Antes de se decidir a construção do Palais de 1’Industrie, 13 havia um projeto que previa
cobrir uma parte dos Champs-Elysées e de suas árvores com um teto de vidro, segundo o
modelo do Palácio de Cristal.
[F 6, 4]
Victor-Hugo em Notre-Dame de Paris, sobre o prédio da Bolsa de Valores: “Se existe a regra
que a arquitetura de um edifício seja adaptada à sua finalidade ... não seria demais maravilhar-
se com um monumento que pode ser indiferentemente um palácio de rei, uma câmara dos
comuns, uma prefeitura, um colégio, um picadeiro, uma academia, um entreposto, um
tribunal, um museu, uma caserna, um sepulcro, um templo, um teatro. Por enquanto ...
é uma Bolsa de Valores... E uma Bolsa na França, como teria sido um templo na Grécia...
Tem-se esta colunata que circunda o monumento, e sob a qual, nos grandes dias de
solenidade religiosa, pode-se desenvolver majestosamente a teoria dos agentes de câmbio e
dos corretores de comércio. Trata-se, sem dúvida, de soberbos monumentos. Acrescentemos
a eles ruas muito belas, divertidas e variadas, como a Rue de Rivoli, e não posso deixar de
esperar que Paris, vista de um balão, apresente um dia ... esta riqueza de linhas, ... esta
diversidade de aspectos, este não sei quê ... de inesperado no belo, que caracteriza um
tabuleiro de xadrez.” Victor Hugo, CEuvres Completes, Romances, vol. III, Notre-Dame de
Paris, Paris, 1880, pp. 206-207.
[F 6a, 1]
Palais de f Industrie: “Impressionamo-nos com a elegância e a leveza do vigamento em
ferro; o engenheiro ... Sr. Barrault deu prova tanto de habilidade quanto de gosto. Quanto
à cúpula de vidro ... à sua disposição falta graça, e a idéia que ela desperta ... é ... a de um
sino imenso. A indústria estava numa estufa... De cada lado da porta haviam colocado duas
enormes locomotivas com seus tênderes.” Este último arranjo aparece provavelmente apenas
na distribuição final de prêmios, de 15 de novembro de 1855. Louis Enault, “Le palais de
findustrie”, in: Paris et les Parisiens au XlX e Siècle, Paris, 1856, pp. 313 e 315.
[F 6a, 2]
Algumas observações de Charles-François Viel, De llmpuissance des Mathématiques pour
Assurer la Solidité des Bâtiments , Paris, 1805. Viel distingue a ordonnance (o planejamento.
13
Construído por Viel e Barrault para a Exposição de 1855 nos Champs-Élysées; cf. F 7a, 2. (J.L.; w.b.)
F
(Construção em Ferro] 203
a disposição do conjunto) da constmction; ele cridca nos jovens arquitetos sobretudo a escassez
de conhecimentos com respeito à primeira. Considera responsável por isso a direção nova
que a instrução pública dessa arte experimentou no meio de nossas tempestades polídcas .
(p. 9) “Quanto aos geômetras que exercem a arquitetura, suas produções, do ponto de vista
da invenção e da construção, provam a inutilidade das matemáticas para a disposição do
conjunto, e sua impotência para a estabilidade dos edifícios.” (p. 10) “Os matemádcos ...
pretendem ter ... reunido a ousadia com a estabilidade. Somente sob o império da álgebra
essas duas palavras podem se encontrar.” (p. 25) (Verificar se esta frase tem um sentido
irônico ou se nela a álgebra é oposta à matemática.) O autor critica as pontes do Louvre e da
Cité (ambas de 1803), segundo os princípios de Leon Batdsta Alberti.
De acordo com Viel, as primeiras construções de pontes sobre base construtiva devem ter
sido realizadas por volta de 1730.
^ [F 7, 1]
Em 1855, construiu-se o Hôtel du Louvre em tempo recorde para estar pronto na
inauguração da exposição universal. “Pela primeira vez os empresários tinham recorrido à
luz elétrica a fim de dobrar o trabalho do dia; atrasos inesperados se produziram; saía-se da
famosa greve dos carpinteiros que acabara com o vigamento em madeira em Paris: assim o
Hôtel du Louvre oferece esta particularidade muito rara de conjugar, na sua estrutura, as
paredes de madeira das casas antigas com os pisos em ferro das constmções modernas.
Visconde G. d’Avenel, “Le mécanisme de la vie moderne”, I, “Les grands magazins , Revue
des D eux Mondes, 15 de julho de 1894, p. 340.
[F 7. 2]
“No começo, os vagões das vias férreas se parecem com as diligências, os coletivos da cidade
com os ônibus intermunicipais, os lampadários elétricos com os lustres a gás e estes com
lâmpadas de querosene.” Léon Pierre-Quint, Signification du cinema , LArt
Cinématographique , II, Paris, 1927, p. 7. ^
Sobre o estilo Império de Schinkel: 14 “A construção que indica o lugar, a estrutura que
contém a verdadeira localização da descoberta ... assemelha-se a um veículo. Ele transporta
os ideais arquitetônicos que só podem ser praticados desta maneira. Cari Linfert, Vom
Ursprung grofier Baugedanken”, Frankfurter Zeitung, 9 de janeiro de 1936. ,
Sobre a Exposição universal de 1889: “Pode-se dizer dessa solenidade que ela foi, acima de
tudo, a glorificação do ferro... Com o propósito de dar aos leitores do Correspondant algumas
observações gerais sobre a indústria, a respeito de Exposição no Champ de Mars, escolhemos
como tema as Constmções metálicas e as Vias férreas. Albert de Lapparent, Le Siecle du
Fer, Paris, 1 890, pp. VII-VIII.
Sobre o Palácio de Cristal: “O arquiteto Paxton e os empresários, srs. Fox e Henderson,
tinham resolvido sistematicamente não empregar peças de grandes dimensões. As mais
14 K. F. von Schinkel (1781-1841): arquiteto alemão que adaptou formas clássicas gregas à arquitetura
moderna. (J.L.; E/M)
pesadas eram vigas ocas em ferro-gusa, de 8 metros de comprimento, das quais nenhuma
ultrapassava o peso de uma tonelada ... o principal mérito consistia na economia... Além
disso, a execução tinha sido notavelmente rápida, sendo todas as peças as que as fábricas
podiam se comprometer a entregar em breve prazo. A. de Lapparent, Le Siecle du Fer, Paris,
1890, p. 59.
[F 7, 6]
Lapparent divide as construções em ferro em duas classes: as construções em ferro com
revestimento de pedra e as construções em ferro propriamente ditas. Em relação às primeiras,
ele considera a seguinte: “Labrouste ... em 1868 ... entregou ao público a sala de trabalho
da Bibliothèque Nationale... É difícil imaginar algo mais satisfatório e mais harmonioso
que esta sala de 1.156 m 2 , com suas nove cúpulas vazadas repousando, por meio de arcos
de ferro cruzado, sobre dezesseis leves colunas de ferro-gusa, das quais doze aderidas às
paredes, enquanto quatro, isoladas por todos os lados, apóiam-se no solo sobre pedestais
do mesmo metal.” Albert de Lapparent, Le Siecle du Fer, Paris, 1890, pp. 56-57.
[F “a. j
O engenheiro Alexis Barrault, que construiu o Palácio da Indústria em 1855, juntamente
com Viel, era irmão de Emile Barrault.
[F 7a, 2]
Em 1779, foi construída a primeira ponte de ferro fundido (de Coalbrookdale); em 1788,
seu construtor 15 é agraciado com a medalha de ouro pela Sociedade Inglesa das Artes.
“Como, aliás, foi em 1790 que o arquiteto Louis terminava em Paris o vigamento em ferro
forjado do Théâtre-Français, é possível dizer que o centenário das construções em metal
coincide quase exatamente com o da Revolução Francesa.” A. de Lapparent, Le Siècle du Fer ,
Paris, 1890, pp. 11-12.
[F 7a, 3]
Em Paris, no ano de 1822, uma greve dos carpinteiros.
[F 7a, 4]
Sobre o quebra-cabeça chinês, uma litografia: “O Triunfo do caleidoscópio ou o Túmulo
do Jogo Chinês.” Um chinês deitado com um quebra-cabeça. Uma figura feminina colocou
o pé sobre ele. Numa das mãos, ela carrega um caleidoscópio, na outra um papel ou uma
tira com motivos de caleidoscópio. Cabinet des Estampes (datado de 1818).
[F 7a, 5]
“A cabeça gira e o coração aperta quando, pela primeira vez, percorre-se essas casas de fadas
nas quais o ferro e o cobre resplandecentes, polidos, parecem valer por si mesmos, parecem
pensar, querer, enquanto o homem pálido e fraco é o humilde servidor desses gigantes de
aço.” J. Michelet, Le Peuple , Paris, 1846, p. 82. O autor não teme que a produção mecânica
possa prevalecer. Parece-lhe, ao contrário, ser barrada pelo individualismo do consumidor
“Cada homem quer agora ser ele mesmo; conseqüentemente, desprezará muitas vezes
produtos fabricados em série, sem individualidade que responda à sua.” Ic p. 78.
[F7a,éJ
15
A ponte de Coalbrookdale, no Shropshire, foi construída em 1779 por T. F. Pritchard. (J.L.)
F
[Construção em Ferro]
205
<fase tardia>
“VioIlet-le-Duc (1814-1879) mostra que os arquitetos da Idade Média foram também
engenheiros e inventores surpreendentes.” Amédée Ozenfant, “La peinture murale ,
Encyclopédie Française, vol. XVI, Arts et Littératures dans la Société Contemporaine, tomo I,
p. 70, col. 3.
r y 8. ii
Protesto contra aTorre Eiffel: “Nós vimos, escritores, pintores, escultores, arquitetos, protestar
... em nome da arte e da história francesas, ameaçadas - contra a edificação, em pleno
coração de nossa capital, - da inútil e monstruosa Torre Eiffel ... que esmaga com seu
volume bárbaro a Notre-Dame, a Sainte-Chapelle, a Torre Saint-Jacques, todos os nossos
monumentos humilhados, todas as nossas arquiteturas diminuídas. Cit. Louis Chéronnet,
“Les trois grand-mères de l’exposition” ( Vendredi , 30 de abril, 1937).
Algumas árvores teriam crescido por dentro do Hall d’Harmonie, de Musard, no Boulevard
Montmartre.
[F 8. 3]
“Foi em 1783, na construção do Théâtre-Français, que o ferro foi empregado pela primeira
vez em grandes dimensões, pelo arquiteto Louis. Talvez nunca se tenha repetido um
trabalho tão audacioso. Quando, em 1900, o teatro foi reconstruído depois de um
incêndio, utilizou-se para a mesma cobertura um peso de ferro cem vezes superior ao do
arquiteto Louis. A construção em ferro propiciou uma série de edifícios, dos quais a
Grande Sala de Leitura da Biblioteca Nacional de Labrouste é o primeiro e um dos
melhores exemplos... Mas o ferro necessita de uma manutenção dispendiosa... A Exposição
de 1889 foi o triunfo do ferro aparente...; na Exposição de 1900, quase todas as armações
em ferro estavam recobertas de estafe.” LEncyclopédie Française, vol. XVI, 16-68, pp. 6-7.
(Aususte Perret, “Les besoins collectifs et farchitecture”).
v & [F 8, 4]
O “triunfo do ferro aparente” na era do gênero: “Pode se compreender ... a partir do
entusiasmo pela técnica das máquinas e da crença na solidez inigualável de seus materiais
o fato de que o atributo ‘de bronze’ ou ‘de ferro’ aparece por roda parte ... toda vez que se
quer enfatizar a força e a necessidade: de bronze são as leis da natureza, como mais tarde
o ‘passo dos batalhões de operários’; ‘de ferro’ é a unificação do Império Alemão ... e de
ferro’ é o próprio chanceler.” Dolf Stemberger, Panorama, Hamburgo, 1938, p. 31. ^
O balcão de ferro. “Em sua forma mais rígida, a casa possui uma fachada totalmente lisa...
A subdivisão ocorre apenas por intermédio do portão e das janelas. A janela francesa é
inteiriça, mesmo nas casas mais humildes, porta-janela, que se abre ate o chão... Isto acarreta
a necessidade de uma grade; nas casas mais humildes, uma barra de ferro lisa, nas mais
ricas, uma obra de arte do serralheiro... A partir de um certo nível, a grade se torna uma
16 D. Stemberger, Panorama oder Ansichten vom 19. Jahrhundert. Ver a resenha deste livro por Benjamin,
GS III, pp. 572-579. (J.L.)
206 ■ Passagens
jóia... Contribui também para a subdivisão ao acentuar a linha inferior da janela..., e
preenche as duas funções sem ultrapassar a superfície. Para a grande massa arquitetônica da
moradia moderna, que se estende em largura, esta subdivisão não foi suficiente. A
sensibilidade dos arquitetos exigia que se acentuasse cada vez mais a tendência horizontal
da moradia... Encontraram então um meio, ao retomar a tradição da grade de ferro
tradicional. Projetaram um balcão que se estendia por um ou dois andares por toda a
extensão da fachada e era ornamentado com uma grade de cor preta que produzia um
grande efeito. Estes balcões ... permaneceram bastante estreitos por muito tempo e, mesmo
que assim se amenizasse a severidade da fachada, aquilo que se pode denominar o relevo da
fachada continuou muito plano e não anulou o efeito produzido pela parede, tão pouco
quanto o costuma fazer uma ornamentação mantida em nível plano. Quando as casas se
juntam umas às outras, as grades dos balcões tornam-se contínuas, dando a impressão de
que a rua inteira é uma parede - aparência reforçada pelo fato de que mesmo nos andares
superiores, utilizados para fins comerciais, não se costuma afixar tabuletas, optando-se
pelas letras douradas sempre idênticas do alfabeto romano que, bem distribuídas sobre as
balaustradas de ferro, produzem um discreto efeito decorativo.” Fritz Stahl, Paris, Berlim,
1929, pp. 18-19.
[F 8a]
G
[Exposições, Reclame, Grandville]
"Sim, quando o mundo todo, de Paris à China,
Ó divino Saint-Simon, aceitar a tua doutrina,
A idade de ouro há de renascer com todo seu esplendor,
Os rios rolarão chá e chocolate;
Saltarão na planície os carneiros já assados,
E os linguados grelhados nadarão no Sena;
Os espinafres virão ao mundo já guisados,
Com pães torrados dispostos ao redor;
As árvores produzirão frutas em compota,
E se colherão temperos e verduras;
Nevará vinho, choverá galetos,
E do céu cairão patos ao nabo."
Ferdlnand Langlé e Emile Vanderburch, Louis-Bronze
et te Saint-Simonien: Parodie de Louis XI
(Théâtre du Palais-Royal, 27 de fevereiro de 1832).
Cit. em Théodore Muret, L'Histoire par te Théâtre
1789-1851, Paris, 1865, vol. III, p. 191.
"Música como a que soa em nossos ouvidos
dos pianos Érard do anel de Saturno.''
Hector Berlioz, A Travers Chants,
edição autorizada alemã de Richard Pohl,
Leipzíg, 1864, p. 104 ("Beethoven im Ríng des Saturn")
Numa perspectiva européia, as coisas se apresentavam assim: na Idade Média, e até o início
do século XIX, o desenvolvimento da técnica em todas as produções artesanais caminhava
muito mais lentamente do que na arte. A arte podia levar o tempo que quisesse para
brincar com os procedimentos técnicos de vários modos. A mudança iniciada por volta de
1800 impôs um ritmo à arte, e quanto mais acelerado se tornava este ritmo, tanto mais a
moda avançava em todos os domínios. Finalmente, chegou-se ao estado de coisas atual:
torna-se plausível a possibilidade de a arte não encontrar mais tempo de inserir-se de
algum modo no processo técnico, O reclame é a asrúcia com a qual o sonho se impõe à \
indústria.
[G 1, 1]
20 % ■ Passagens
Nas molduras dos quadros pendurados na sala de jantar, prepara-se a chegada das
aguardentes dos reclames, do cacau de Van Houten, das conservas de Amieux.
Naturalmente, pode-se dizer que o conforto burguês das salas de jantar perdurou por
mais tempo nos pequenos cafés etc.; mas talvez possa dizer-se também que a partir do
espaço daquelas salas desenvolveu-se o espaço dos cafés, onde cada metro quadrado e
cada hora são pagos mais pontualmente do que em apartamentos de aluguel. A casa a
partir da qual se montava um café é uma imagem oculta com a inscrição: onde está
escondido o capital?
[G 1, 2]
As obras de Grandville são os livros sibilinos da publicidade. Tudo que nele existe sob a
forma germinal da pilhéria, da sátira, atinge sua verdadeira plenitude como reclame.
[Gl,3]
Prospecto de um negociante de tecidos parisiense nos anos trinta: “Senhores e Senhoras /
Peço-lhes lançar um olhar de indulgência sobre as seguintes observações: o desejo que
tenho de contribuir para sua salvação eterna leva-me a dirigi-las a vocês. Permitam-me
chamar sua atenção para o estudo das Sagradas Escrituras, assim como para a extrema
moderação dos preços que fui o primeiro a introduzir em meus artigos de malharia, em
meus tecidos de algodão etc. Rue Pavé-Saint-Sauveur, 13.” Eduard KrolofF, Schilderungen
aus Paris, Eíamburgo, 1839, vol. II, pp. 50-51.
[G 1, 4]
Superposição e reclame: “No Palais-Royal, recentemente, meu olhar foi atraído por um
quadro a óleo entre as colunas do andar superior, representando um general francês em
tamanho natural, com uniforme de gala, de cores muito vivas. Tiro meu monóculo do
bolso para observar mais de perto a representação histórica do quadro, e meu general está
sentado numa poltrona, com um pé descalço estendido em direção a um pedicuro,
ajoelhado diante dele a lhe tirar os calos.” J. E Reichardt, Vertraute Briefe aus Paris, Hamburgo,
1805, vol. I, p. 178.
[G 1, 5]
Em 1861, surgiu nos muros londrinos o primeiro cartaz litográfico: viam-se as costas de
uma mulher branca que, envolta em um xale, acaba de alcançar apressadamente o último
degrau de uma escada e, com a cabeça semivoltada e os dedos sobre os lábios, entreabre
uma porta pesada, através da qual se vislumbra o céu estrelado. Assim anunciava Wilkie
Collins seu novo livro, um dos maiores romances policiais: A Mulher de Branco. Cf. Talmeyr,
La Cité du Sang, Paris, 1901, pp. 263-264.
[G 1,6]
É significativo que o Jugendstil fracassou na decoração dos interiores e também na arquitetura,
enquanto na rua, com os cartazes, encontrou muitas vezes soluções bastante felizes. Isso se
confirma inteiramente na crítica sagaz de Behne: “Em suas intenções originais, o Jugendstil
não tinha nada de ridículo. Procurava uma renovação porque percebera muito bem as
contradições singulares entre a imitação do Renascimento e os novos métodos de produção,
condicionados pela máquina. Porém, ele se tornou paulatinamente ridículo, porque imaginou
poder solucionar as enormes tensões objetivas de maneira formal, no papel, no ateliê.”
■ Intérieur ■ Adolf Behne, Neues Wohnen - Neues Bauen, Leipzig, 1927, p. 15- De maneira
G
[Exposições, Reclame, Grandville] 209
geral, vale para o Jugendstil a lei segundo a qual o esforço produz seu contrário. A verdadeira
libertação de uma época possui a estrutura do despertar, também pelo fato de ser inteiramente
regida pela astúcia. Com astúcia, e não sem ela, libertamo-nos do reino do sonho. Mas
existe também uma falsa libertação: seu signo é a violência. Desde o início, ela sentenciou
o Jugendstil ao declínio. ■ Estrutura do sonho ■
[G 1, 7]
Significado intrínseco e decisivo do reclame: “Só existem bons reclames no domínio da
futilidade, da indústria ou da revolução.” Maurice Talmeyr, La Cité du Sang, Paris, 1901,
p. 277. Encontra-se esta mesma idéia quando o burguês percebe, aqui, desde o início, a
tendência própria ao reclame: “Em resumo, a moral no cartaz não está nunca onde está a
arte, a arte não está nunca onde está a moral, e nada determina melhor o caráter do cartaz.”
Talmeyr, La Cité du Sang, Paris, 1901, p. 275-
[G 1, 8]
Certos modos de apresentação, cenas típicas etc. começam no século XIX a migrar para o
reclame e, igualmente, para o obsceno. O estilo dos Nazarenos, 1 tanto quanto o estilo
Mackart, 2 encontra seus parentes litográficos, em preto ou mesmo coloridos, no domínio
da gravura obscena. Vi uma gravura que à primeira vista poderia representar algo como o
banho de Sigfried no sangue do dragão: uma erma floresta verde, o manto púrpura do
herói, plena nudez, um espelho d’água — era o mais complicado enlace de três corpos,
digno da capa de uma revista barata para jovens. Esta é a linguagem colorida dos cartazes
que floresceram nas passagens. Quando ficamos sabendo que lá estavam pendurados os
retratos de famosas dançarinas do cancan, como Rigolette e Frichette — devemos imaginá-
los assim coloridos. É possível encontrar cores mais artificiais nas passagens; ninguém se
surpreende que pentes sejam vermelhos ou verdes. A madrasta da Branca de Neve possuía
alguns assim, e se o pente não cumpria sua tarefa, lá estava a linda maçã fazendo sua parte,
meio vermelha, meio verde-veneno, como os pentes de preço módico. Por toda parte, as
luvas representam seu papel de atrizes convidadas; luvas coloridas, mas principalmente as
luvas longas e negras, com as quais muitas sonharam com a felicidade - seguindo o exemplo
de Yvette Guilbert 3 -, trazendo-a, como se espera, a Margo Lion. 4 E na mesa vizinha de
uma taberna, as meias formam um etéreo balcão de carnes.
[G la, 1]
A poesia dos surrealistas trata as palavras como nomes de firmas comerciais, e seus textos,
no fundo, são prospectos de empreendimentos que ainda não se estabeleceram. Nos nomes
de firmas aninham-se hoje as fantasias que antigamente se imaginavam guardadas no tesouro
dos vocábulos “poéticos”.
[G la, 2]
1 Grupo de pintores alemães (Overbeck, Pforr, Cornelius) que se estabeleceram em Roma em 1 81 0 e tiraram
sua inspiração "patriótica, alemã e religiosa" de Dürer, das primeiras obras de Rafael e de Perugino. (cf.
Ch. Baudelaire, "L'Art Philosophique", CEuvres Completes, vol. II, p. 599.) (J.L.)
2 Hans Mackart (1840-1 884), pintor vienense, autor de grandes quadros alegóricos e históricos em estilo
"neobarroco". (J.L.)
3 Cantora francesa (1868-1944). (J.L.)
4 Artista alemã de cabaré (1899-1989) dos anos 1920. Intérprete da personagem Jenny na versão
cinematográfica francesa da Ópera dos Três Vinténs, de G. W. Pabst (1931), baseada na peça de
Brecht. (J.L.)
2»" ^assaoers
Em 1867, um negociante de papel de paredes afixa seus cartazes nos pilares das pontes.
[G la, 3]
Há muitos anos vi num trem suburbano um cartaz que, se neste mundo as coisas tivessem
o lugar que lhes cabe, teria encontrado seus admiradores, historiadores, exegetas e copistas
tão certamente como qualquer grande poema ou grande pintura. Com efeito, esse cartaz
era as duas coisas ao mesmo tempo. Mas como acontece às vezes com impressões muito
profundas e inesperadas, o choque foi tão forte, a impressão, se assim posso dizer, causou-
me tanto impacto, que transpassou o solo da consciência e permaneceu por anos escondida
em algum lugar na escuridão. Sabia apenas que se tratava de um certo “Sal de Bullrich”, e
que o entreposto original deste produto localizava-se num porão da rua Flottwell, pela
qual passei anos a fio com a tentação de aí descer e perguntar pelo cartaz. Então, numa
certa tarde desbotada de domingo, encontrei-me naquela parte norte (?) de Moabit que já
me parecera, certa vez, há quatro anos, espectralmente construída justamente nesta hora
do dia. Na ocasião, tive que pagar na rua Lützow 5 os impostos alfandegários de uma cidade
de porcelana chinesa que mandei vir de Roma, de acordo com o peso de seus quarteirões de
casas esmaltadas. Desta vez, certos indícios já me levavam a crer, durante o caminho, que
esta seria uma tarde significativa. De fato, ela terminou com a descoberta de uma passagem,
uma história berlinense demais para poder ser contada neste espaço de lembranças parisienses.
Antes, porém, estava eu com minhas duas belas acompanhantes diante de uma miserável
destilaria, cuja vitrine estava enfeitada com um arranjo de cartazes. Num deles estava
escrito "Sal de Bullrich”. Nada mais continha além destes dizeres; mas, em torno destas
letras, formou-se de repente, com facilidade, aquela paisagem desértica do primeiro cartaz.
Eu o tinha recuperado. Era assim: no primeiro plano do deserto, movia-se um veículo de
carga puxado por cavalos. Estava carregado de sacos com a inscrição “Sal de Bullrich”. Um
deles tinha um buraco do qual escorria o sal, formando uma trilha na terra. Ao fundo da
paisagem desértica, dois postes exibiam uma grande tabuleta com as palavras: “É o melhor”.
Mas o que fazia a trilha de sal na estrada que cortava o deserto? Ela formava letras, e estas
formavam palavras, as palavras: “Sal de Bullrich”. Não era a harmonia preestabelecida de
um Leibniz uma criancice, se comparada a esta predestinação inscrita com absoluta precisão
no deserto? E não havia neste cartaz uma parábola para coisas que ninguém jamais
experimentou nesta vida terrena? Uma parábola para o cotidiano da utopia?
[G la, 4]
“A loja conhecida como Chaussée d’Antin anunciou recentemente suas novas aquisições
em metros. Mais de dois milhões de metros de barege, mais de cinco milhões de metros de
granadina e popeline, e mais de três milhões de metros de outros tecidos, totalizando
aproximadamente onze milhões de metros de tecidos. ‘Todas as estradas de ferro francesas
juntas’, observou então Le Tintamarre— depois de ter recomendado a suas leitoras a Chaussée
d’Antin como a primeira loja de moda do mundo’, e igualmente como a ‘mais séria -,
‘mal atingem dez mil quilômetros, ou seja, apenas dez milhões de metros. Esta única loja
poderia, portanto, montar com seus tecidos um toldo sobre todas as vias férreas da França,
o que, aliás, seria muito agradável no calor do verão'. Outros três ou quatro estabelecimentos
anunciaram metragens semelhantes, de modo que não só Paris ... mas também todo o
département do Sena, poderia ser abrigado sob um grande toldo formado com esses tecidos,
‘o que por sua vez seria muito agradável na chuva’. Mas como (esta pergunta vem
5 A LützowstraBe desembocava na FlottwellstraBe, ao sul do Tiergarten, o parque central de Berlim. Moabit
é um bairro ao norte desse parque. (J.L.; w.b.)
G
[Exposições, Reclame, Grandville]
211
imediatamente à mente) estas lojas conseguem acomodar e armazenar esta enorme
quantidade de mercadorias? A resposta é muito simples, e ainda por cima. muito lógica:
um estabelecimento é na verdade sempre maior do que os outros.
Basta que se ouça: ‘La Ville de Paris, a maior loja da capital’, — ‘Les Villes de France, a maior
loja do Império’, - ‘La Chaussée d’Antin, a maior loja da Europa’, - ‘Le Coin de Rue, a
maior loja do mundo’ — ‘do mundo’, portanto, não haveria uma loja maior na face da terra;
portanto, este deveria ser o limite. Mas não: faltam ainda Les Magasins du Louvre, e estes
levam o título de ‘as maiores lojas do universo’. Do universo! Incluindo-se, provavelmente,
a estrela Sirius, talvez até mesmo as ‘estrelas gêmeas evanescentes’, das quais fala Alexander
von Humboldt em seu Kosmos.” 6
Aqui se torna palpável a correlação entre o reclame capitalista nascente e Grandville.
Lebende Bilder aus dem modemen Paris, 4 vols., Colônia, 1863-1866, vol. II, pp. 292-294.
[G 2, 1]
“Pois bem, príncipes e Estados, decidi-vos a unir riquezas, meios e forças, a fim de jtmtos
acender, à maneira da iluminação a gás, vulcões há muito extintos [mas de cujas crateras
cobertas de neve ainda jorram gases de hidrogênio inflamável] altas torres cilíndricas
deveriam conduzir para os ares as fontes quentes da Europa, que [servindo como aquecedores
do ar] desceriam em forma de cascatas, sendo evitada cuidadosamente a sua imediata
mistura com águas refrescantes. - Espelhos côncavos artificiais, dispostos em semicírculo
em lugares altos, refletindo os raios do sol, multiplicariam estes de modo favorável para o
aquecimento do ar.” E v. Brandenburg, Victoria! Eine neue Welt! / Freudevoller Ausruf in
Bezug darauf, daj? aufunserm Planeten, besonders auf der von uns bewohnten nõrdlichen
Halbkugel eine totale Temperatur-Verànderung hinsichtlich der Vermehrung der atmosphãrischen
Wãrme eingetreten ist, 7 2 a edição ampliada, Berlim, 1835, pp. 4-5. ■ Gás ■
Esta fantasia de um doente mental, sob a influência da nova invenção, tem como resultado
um reclame de iluminação a gás no estilo cômico-cósmico de Grandville. É preciso analisar
a ligação estreita do reclame com o cósmico.
[G 2, 2]
Exposições. “Todas as regiões, e mesmo, em uma retrospectiva, todas as épocas. Da agricultura
e mineração, da indústria e das máquinas, mostradas em funcionamento, até as matérias-
primas e o material manufaturado, até a arte e o artesanato. Há nisso tudo uma necessidade
singular de síntese prematura, que é própria do século XIX também em outros domínios
- pensemos na obra de arte total. Ao lado de motivos inegavelmente utilitários, esse século
queria fazer surgir a visão do cosmos humano lançando-se em um novo movimento.”
Sigfried Giedion, Bauen in Frankreich, Leipzig e Berlim, 1928, p. 37. Expressa-se nestas
“sínteses prematuras” também a tentativa de fechar sempre de novo o espaço da existência
e da evolução. Para impedir a “ventilação das classes”.
[G 2, 3]
6 Obra principal (5 vols., 1845-1862) de A. von Humboldt. As estrelas gêmeas evanescentes ( schwindende
Doppelsterne) são discutidas nos vols. I e III. (J.L.)
7 Vitória! Um novo mundo! /Alegre exclamação em relação ao fato de que em nosso planeta, especialmente
no hemisfério norte habitado por nós, ocorreu uma total alteração da temperatura decorrente do
aumento do calor atmosférico, (w.b.)
Sobre a exposição de 1867, organizada segundo princípios estatísticos: “Dar a volta nesse
palácio, circular como o equador, é literalmente girar em torno do mundo; vieram todos os
povos: inimigos vivem em paz lado a lado. Assim como na origem das coisas o Espírito
divino pairava sobre o orbe das águas, ele paira agora sobre este orbe de ferro.” LExposition
Universelle de 1867 Ilustrée: Publication Internationale Autorisée par la Commission Impériale ,
tomo 2, p. 322 (Giedion, p. 41).
[G 2, 4]
Sobre a exposição de 1867. A respeito de Offenbach: “Durante dez anos, esta verve do
autor cômico e esta inspiração inebriada do músico rivalizaram entre si em fantasia e criação,
para atingir, em 1867, durante a Exposição, seu apogeu de hilaridade, a expressão última
de sua loucura. 8 O sucesso desse teatro, já tão grande, tornou-se então delírio, algo de que
nossas pobres vitórias de hoje não podem dar uma idéia. Paris, naquele verão, teve uma
insolação.” Extraído do discurso acadêmico de Henri Lavedan, 31 de dezembro de 1899.
Sucessão de Meilhac.
[G 2a, 1]
O reclame emancipa-se com o Jugendstil. Os cartazes do Jugendstil “são grandes, sempre
figurativos, de cores requintadas, mas não gritantes; mostram bailes, clubes noturnos,
sessões de cinema; são feitos para uma vida exuberante, à qual as curvas sensuais do Jugendstil
se prestavam incomparavelmente”. Frankfurter Zeitung, assinado por F. L. Sobre uma
exposição de cartazes em Mannheim, em 1927. ■ Consciência onírica ■
[G 2a, 2]
A primeira exposição de Londres reúne as indústrias do mundo. Na seqüência dela, fundação
do museu de South-Kensington. A segunda exposição, a de 1862, também foi em Londres.
Com a exposição de Munique, em 1875, o Renascimento alemão tornou-se moda.
[G 2a, 3]
Wiertz, por ocasião de uma exposição universal: “O que de imediato surpreende não é o
que os homens fazem hoje, mas o que farão mais tarde. / O gênio humano começa a se
familiarizar com o poder da matéria.” A. J. Wiertz, CEuvres Littéraires, Paris, 1870, p. 374.
[G 2a, 4]
Talmeyr chama o cartaz de “a arte de Gomorra”. La Cité du Sang, Paris, 1901, p. 286. ■
Jugendstil m
[G 2a, 5]
As exposições da indústria como esquema secreto de construção dos museus - a arte:
produtos industriais projetados no passado.
[G 2a, 6]
Joseph Nash pintou uma série de aquarelas para o rei da Inglaterra, representando o Palácio
de Cristal, o edifício especialmente construído para a exposição industrial de Londres, em
185 1 . A primeira exposição universal e a primeira construção monumental de vidro e ferro!
Descobre-se com espanto nessas aquarelas como se estava empenhado em decorar esse
colossal espaço interior a maneira dos contos de fadas orientais, e como, ao lado dos depósitos
s 1867 foi o ano do maior sucesso de bilheteria de Offenbach, ia Crande-Duchesse de Gerolstein, com
í breto de Henri Meilhac e Ludovic Halévy. (E/M)
■
G
[Exposições, Reclame, Grandville] 213
de mercadorias sob as arcadas, os gigantescos pavilhões eram preenchidos por grupos
monumentais de bronze, estátuas de mármore e chafarizes. ■ Ferro ■ Intérieur m
[G 2a, 7]
O projeto do Palácio de Cristal era de Joseph Paxton, jardineiro-chefe do duque de
Devonshire, para quem construíra um conservatory (uma estufa) de vidro e ferro em
[ Chattworth. Seu projeto causou uma impressão favorável pela segurança contra o fogo,
pela claridade, pela rápida montagem e pelo baixo custo - vencendo o projeto concorrente
apresentado pelo comitê. Num concurso anterior, não se obteve nenhum resultado. 9
[G 2a, 8]
Sim, viva a cerveja de Viena! Seria ela originária da pátria a ela atribuída? Na verdade, não
faço a menor idéia. Mas não se pode negar que o estabelecimento é elegante, confortável-
não é uma cerveja de Estrasburgo ... ou da Baviera... É a cerveja divina ... clara como o
pensamento do poeta, leve como uma andorinha, firme e carregada de álcool como a pena
de um filósofo alemão. E digerida como a água pura, refresca como a ambrosia.” Anúncio
da Fanta Cerveja de Viena, ao lado da Nouvel Opéra, Rue Halévy, 4. Étrennes (Ano Novo)
1866: Almanach Indicateur Parisien, Paris, 1866, p. 13.
[G 2a, 9]
Mais uma palavra nova: la reclame (o reclame); - ela terá futuro?” Nadar, Quand Fétais
Photographe, Paris, 1900, p. 309.
[G 2a, 10]
Entre a Revolução de Fevereiro e a Insurreição de Junho: “Todos os muros estavam cobertos
com cartazes revolucionários, que Alfred Delvau reproduziu alguns anos mais tarde em
dois grossos volumes com o título Murailles Révolutionaires, de modo que ainda agora se
pode ter uma idéia dessa singular literatura mural. Não havia palácio ou igreja em que não '
estivessem afixados esses cartazes. Nunca antes se viu tal quantidade de cartazes em qualquer
outra cidade. Mesmo o governo usava esse meio para publicar seus decretos e proclamações,
enquanto milhares de indivíduos recorriam aos cartazes para comunicar a seus concidadãos
suas opmioes pessoais sobre toda a sorte de questões. Quanto mais se aproximava a
inauguração da Assembléia Nacional, tanto mais apaixonada e agressiva se tornava a
inguagem dos cartazes... O número dos apregoadores públicos aumentava a cada dia.
Centenas e milhares de pessoas que não tinham outra ocupação tornaram-se vendedores de
jornais, que eles anunciavam aos gritos.” Sigmund Englánder, Geschichte der franzosischen
Arbeiter-Associationen, Flamburgo, 1864, vol. II, pp. 279-280.
[G 3, 1]
Uma pequena e divertida peça de teatro que é habitualmente apresentada aqui antes de
uma peça nova: Harlequin Afficheur (Arlequim Cartazeiro). Numa cena bastante bonita e
cômica, o cartaz da comédia é afixado na casa da Colombina.” J. F. Reichardt, Vertraute
Briefe aus Paris , Hamburgo, 1805, vol. I, p. 457.
[G 3, 2]
Muitas casas parisienses parecem decoradas atualmente ao gosto das roupas de Arlequim;
trata-se de uma composição de grandes pedaços de papel verdes, amarelos, <uma palavra
Depois de os desenhos de Paxton terem sido rejeitados pelo London Building Committee em 1850, ele
os publicou no London News, e a repercussão pública de sua proposta foi tão favorável que o comitê
se resignou a aceitá-la. (E/M)
21 a ■ -^assagens
iiegível> e rosa. Os coladores de cartazes disputam os muros e se batem por uma esquina.
O mais engraçado nisto é que todos esses cartazes se sobrepõem uns aos outros pelo menos
dez vezes por dia.” Eduard Kroloff, Schilderumen aus Paris , Hamburgo, 1839, vol. II, p. 57.
r [G 3, 3]
“Paul Siraudin, nascido em 1814, dedica-se ao teatro desde 1835 - uma atividade à qual
acrescentou, a partir de 1860, realizações práticas no domínio da confeitaria. Os resultados
desse trabalho chamam a atenção na grande vitrine da Rue de la Paix, de forma não menos
atraente que as dramáticas amêndoas torradas, bombons, pãezinhos doces, e balas de estalo,
que são oferecidos ao público nas peças dramáticas de um só ato do Palais-Royal. Rudolf
Gottschall, “Das Theater und Drama des Second Empire”, [in: Unsere Zeit: Deutsche Revue
- Monatsschrift zum Conversationslexikon ], Leipzig, 1867, p. 933.
A partir do discurso de Coppée na Academia — Resposta a Heredia , 30 de maio de 1 895
— toma-se conhecimento de uma curiosa espécie de imagens de escrita que podiam ser
vistas antigamente em Paris: “Obras-primas de caligrafia que se expunham outrora por
todo lado nos cruzamentos, e nas quais admirávamos o retrato de Beranger ou a Tomada da
Bastilha em forma de rubricas.” (p. 46)
No Charivari de 1836 encontra-se uma ilustração mostrando um cartaz que se estende por
metade da fachada de uma casa. As janelas foram poupadas, à exceção de uma,
aparentemente, pois nela se apoia um homem cortando o pedaço do papel que o incomoda.
“Essência d’Amazilly, perfumada e anti-séptica. Higiene de toalete de Duprat e Cia. 10
“Quando demos a esta nossa essência o nome de uma das filhas do Cacique, queríamos
apenas indicar com isso que os componentes vegetais desta mistura, aos quais ela deve sua
surpreendente eficácia, nasceram sob o mesmo clima ardente em que ela nasceu. A segunda
denominação é derivada do vocabulário científico, para indicar que, não obstante os
inigualáveis serviços que nosso produto presta as damas, ele possui também efeitos higiênicos,
capazes de ganhar a confiança de todas aquelas que gentilmente se deixam convencer de
sua ação terapêutica. Embora nossa água não possua, como a da Fonte da Juventude, o
dom de apagar o número dos anos, ela possui ao menos um mérito altamente valioso, alem
de outros: o de rejuvenescer, tonificar e restabelecer, com todo o brilho do antigo esplendor,
aquele órgão perfeito, a obra-prima do Criador, que representa com a elegância, a pureza e
a graça de suas formas o ornamento esplêndido da metade mais bela da humanidade. Sem
a ajuda providencial de nossa descoberta, este ornamento tão precioso quanto delicado,
que, na graça delicada de sua estrutura misteriosa, se iguala a um frágil botão que murcha
no primeiro temporal, estaria destinado apenas a um brilho fugaz, após o qual ele deveria
definhar sob o sopro maléfico da doença, sob as cansativas exigências da amamentação, e
sob o abraço não menos funesto do impiedoso espartilho. Nossa essencia Amazilly, criada
para o interesse exclusivo das damas, responde às exigências mais urgentes e íntimas de sua
toalete. Graças a uma feliz combinação, ela reúne tudo que é necessário para a recuperação,
a conservação e o aperfeiçoamento — sem causar o mínimo dano — de todos os encantos
10 Na tradução do texto que se segue, foi consultado também o original francês traduzido por Benjamin
e reproduzido nas notas da edição alemã (GS V, 1327-1328). (R.T.; w.b.)
G
[Exposições, Reclame, Grandville]
215
com os quais a natureza as presenteou.” Charles Simond, Paris de 1800 à 1900, Paris,
1900, vol. II, p. 510 (“Une reclame de parfumeur en 1857”).
:G 3a, I]
“O homem-sanduíche carrega com seriedade seu fardo duplo e leve. Esta jovem senhora,
cujo ventre redondo é apenas passageiro, ri do cartaz ambulante e, sempre rindo, deseja lê-
lo; o feliz autor de sua protuberância carrega também seu próprio fardo. ’ Texto referente à
litografia: “O homem-sanduíche na Place des Victoires”. Extraído de Nouveanx Tableaux de
Paris, texto da prancha 63 [as litografias são de autoria de Marlet] . Este livro é uma espécie
de Hogarth ad usum Delphini.
"G 3a. 2]
Início do prefácio de Alfred Delvau para Les Murailles Révolutionnaires-. “Estas Muralhas
Revolucionárias — sob as quais colocamos nosso nome modesto - são uma obra imensa,
gigantesca, sobretudo única, e cremos que sem precedentes, na história dos livros. Obra
coletiva que tem como autor o senhor Todo o Mundo — meu senhor Omnes, como dizia
Lutero. Les Murailles Révolutionnaires de 1848, 16 a edição, Paris, 1852, vol. I, p. 1.
[G 3a, 3]
“Quando, sob o Diretório, em 1798, concretizou-se, no Campo de Marte, a idéia das
exposições públicas, contaram-se 110 expositores, aos quais foram distribuídas 25 medalhas.”
Palais de l. 'Industrie (à venda na editora H. Plon).
[G 4, 1]
“A partir de 1801, foram expostos no pátio do Louvre os produtos da indústria em
desenvolvimento.” Lucien Dubech e Pierre D’Espezel, Histoire de Paris, Paris, 1926, p. 335.
[G 4, 2]
“A cada cinco anos, 1834, 1839, 1844, foram expostos no pátio Marigny os produtos da
indústria.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, p. 389.
[G 4, 3]
“A primeira exposição remonta a 1798; foi ... uma exposição no Campo de Marte dos
produtos da indústria francesa, cuja idéia pertence a François de Neufchàteau. Houve três
exposições nacionais sob o Império, em 1801, 1802, 1806, as duas primeiras no pátio do
Louvre, a terceira nos Invalides. E também três "exposições sob a Monarquia de Julho, na
Place de la Concorde e nos Champs-Elysées, em 1834, 1839, 1844; e mais uma sob a
Segunda República, em 1849. Depois, imitando a Inglaterra, que havia organizado, em
1851, uma exposição internacional, a França imperial realizou, no Campo de Marte, em
1855 e 1867, suas exposições universais. A primeira vira nascer o Palais de 1’Industrie,
demolido sob a República; a segunda foi uma festa frenética que marcou o apogeu do
Segundo Império. Em 1878, foi organizada uma nova exposição para testemunhar o
renascimento depois da derrota. Ela aconteceu no Campo de Marte, num palácio efêmero
erguido por Formigé. O caráter dessas feiras desmedidas é serem efêmeras e, entretanto,
cada uma delas deixou um rastro em Paris. A de 1878 viu nascer o Trocadéro, palácio
estranho erguido por Davioud e Bourdais, no alto de Chaillot, e a passarela de Passy,
construída para substituir a Pont d’Iéna que se tornara indisponível. A de 1889 deixara a
Gderie des Machines, que desapareceu, mas a Torre Eiffel continua em pé.” Dubech e
D Espezel, Histoire de Paris, Paris, 1926, p. 461. F
[G 4, 4]
, S m“ J T !ZT merCadorias '- d ™ desprezo, da Exposição de
1855. Paul Morand, 1900, Paris, 1931, p. 71.
[G 4, 5]
\ Sn »T nr" I prol da pr ° paganda ’’ dlz um orador socialista, no congresso de
1900. Paul Morand, 1900, Paris, 1931, p. 129.
[G 4, 6]
“ N o ano de 1798, foi anunciada uma exposição geral da indústria a realizar-se no Campo
de Marte O D.retono incumbira o ministro François de Neufchâteau de organizar uma
lesta popular em comemoração à proclamação da República. O ministro consultou várias
pessoas, que lhe sugeriram o pau-de-sebo e outros jogos. Uma delas falou em organizar
a grande feira a moda das quermesses de aldeia, mas em escala bem maior. Hnalmeme
alguém sugeriu que se acrescentasse uma exposição de quadros. Estas duas últimas sugestões
spiraram François de Neufchâteau a anunciar uma exposição industrial em comemoração
a lesta popular. Assim, esta primeira exposição industrial nasce do desejo de divertir as
LTIrT^-^T P r daS Uma fota da emandpa Ç ão - O crescente caráter
popular dos ofícios salta aos olhos e é animador... Em vez de tecidos de seda, vêem-se
ter e at ° S de a " em veZ , d f ^ndas e cetim, tecidos que são úteis para a vida doméstica do
rceiro estado, o bone de lã e de veludo... Chaptal, o porta-voz desta exposição, chama
p primeira vez o Estado industrial pelo nome.” Sigmund Englãnder, Geschichte der
franzosischen Arbeiter-Associationen, Hamburgo, 1864, vol. I, pp. 51 - 53 .
[G 4, 7]
Por ocasião das festividades do centenário da Grande Revolução, a burguesia francesa fez
IItúT aSSlm dl7 f' ntenC10naJmCnte ’ de dem onstrar ad oculos ao proletariado a
Lu lhe C " T e “ nÔmiCaS de Uma transformação social. A exposição universal
deu-lhe uma excelente noção do incrível grau de desenvolvimento dos meios de produção
ouTdÍ Z^t' 05 “ f VÍllZad ° S ’ ° qUaI UJtrapaSS0U Sobrem “ ^ fantasias mais
ousadas dos utopistas do século anterior... A mesma exposição mostrou além disso que o
desenvolvimento moderno das forças produtivas deve forçosamente levar, dada a anima
™ at l entC ^ Pr ° dUÇã0> a CrÍS€S Sempre mais intensas e, conseqüentemente,
sempre mais destrutivas para o curso da economia mundial.” G. Plekhanov, “Wie die
ií rer o “° n **** ^ Como a burguesia comemora a sua revolução), Die
0\eue Aeit, IX, n° 1, Stuttgart, 1891, p. 138.
[G 4a, 1]
Ap^ do comportamento arrogante com o qual a presunção teutônica procura apresentar
capital do Reich alemao como o incomparável fanal da civilização, Berlim ainda não
conseguiu organizar uma exposição universal... Trata-se de uma evasiva lamentável quando
* ^dissimular ° ver g°nhoso fato com a alegação de que já teria passado o tempo das
^posiçoes universais, que estas nada mais seriam do que feiras da vaidade e ... por aí afora
temOS monvo de c °ntestar os lados negativos de tais exposições...: no entanto
G
[Exposições, Reclame, Grandville)
217
das sempre são alavancas incomparavelmente mais poderosas da cultura humana do que os
incontáveis quartéis e igrejas que inundam Berlim às custas de enormes despesas. As razões
pelas quais os repetidos esforços de organizar exposições universais fracassaram são,
primeiramente, a falta de energia ... da qual padece a burguesia e, em segundo lugar, a
inveja mal disfarçada com a qual o militarismo feudal e absolutista olha para tudo que
poderia prejudicar suas raízes que, lamentavelmente, ainda são poderosas. .Anônimo.
“Klassenkâmpfe”, Die Neue Zeit, XII, n° 2, Stuttgart, 1894, p. 257.
Victor Hugo lançou um manifesto aos povos da Europa por ocasião da Exposição universal
de 1867.
;g 4», 3 ;
Chevalier foi um discípulo de Enfantin. Editor do Le Globe.
'G 4a. 4'
Sobre a Encyclopédie Méthodique de Roland de la Platière: “Falando das manufaturas ...
Roland escreve: ‘Da necessidade nasceu a indústria..! Poderiamos pensar primeiro que o
termo foi empregado no sentido clássico do latim industria', a seqüência vai nos esclarecer:
‘Mas esta jovem fecunda e perversa ... de andar desigual, voltando a toda hora para trás,
inundou os campos com sua fonte, e logo nada mais foi suficiente para suprir as necessidades
que se expandiram pela terra.’ ...O que importa é que a palavra industrie é empregada de
maneira corrente por ele, trinta e tantos anos antes da obra de Chaptal.” Henri Hauser, Les
Débuts du Capitalisme, Paris, 1931, pp. 315-316.
[G 4a, 5]
“Com a etiqueta exibindo o preço, a mercadoria entra no mercado. Sua individualidade
material e qualidade formam apenas o atrativo para a troca, sendo totalmente irrelevantes
para a avaliação social de seu valor. A mercadoria tornou-se uma coisa abstrata. Uma vez
saída da mão do produtor e livre de sua particularidade real, deixa de ser um produto e de
ser dominada pelo homem. Adquire uma objetividade espectral’ e leva uma vida própria.
‘Uma mercadoria parece ser à primeira vista uma coisa óbvia, trivial. De sua análise resulta,
porém, ser ela uma coisa complicada, cheia de sutilezas metafísicas e argúcias teológicas.
Separada da vontade do homem, ela se insere em uma hierarquia misteriosa, desenvolve ou
rejeita a aptidão de troca, age segundo leis próprias tal como atores sobre um palco
fantasmagórico. Nos informes da Bolsa, o algodão ‘sobe’, o cobre cai’, o milho está ‘animado ,
o carvão está ‘fraco’, o trigo atraente’ e o petróleo ‘manifesta tendência’. As coisas
emanciparam-se, assumem um comportamento humano... A mercadoria transformou-se
em ídolo que, embora seja um produto feito por mãos humanas, comanda o homem.
Marx fala do caráter fetiche da mercadoria. Este caráter fetiche do mundo das mercadorias
provém do caráter social específico do trabalho que produz mercadorias... E apenas a
relação social determinada dos homens que assume para eles aqui a forma fantasmagórica
de uma relação de coisas’.” Otto Rtihle, Karl Marx, Hellerau, 1928, pp. 384-385.
V [G 5, 1]
“Segundo uma estimativa oficial, foram cerca de 750 operários, eleitos por seus companheiros
ou designados pelos próprios empresários, que visitaram em 1862 a Exposição universal
218 ■ Passagens
em Londres... O caráter oficial desta delegação, o modo como foi constituída, inspirou
obviamente pouca confiança aos revolucionários e republicanos emigrados da França. Este
fato explica talvez por que a idéia de uma recepção solene desta delegação partiu dos
editores de um órgão do movimento cooperativo... Em julho, por iniciativa da redação do
WorkingMan , formou-se um comitê que deveria preparar uma recepção festiva aos operários
franceses... Mencionam-se entre os participantes ... J. Morton Peto, ... e Joseph Paxton...
Em primeiro plano, deu-se ênfase aos interesses da indústria e à necessidade de um
entendimento entre os operários e os empresários, como o único meio passível de melhorar
a difícil situação dos operários... Não podemos considerar ... esta reunião o nascedouro da
Associação Internacional dos Operários. Trata-se de uma lenda... E verdade apenas que esta
visita adquiriu um grande significado como uma etapa muito importante em direção ao
entendimento entre os operários ingleses e franceses.” D. Rjazanov, “Zur Geschichte der
ersten Internationale”, in: Marx-Engels Archiv, vol. I, Frankfurt a. M., 1928, pp. 157,
159-160.
[G 5, 2]
“Já por ocasião da primeira Exposição universal, em 1851, enviaram para Londres às custas
do Estado alguns operários escolhidos pelos empresários. Entretanto, houve também uma
delegação independente que foi enviada por iniciativa de Blanqui (o economista) e de
Émile de Girardin... Esta delegação apresentou um relatório geral em que não encontramos
nenhum indício da tentativa de estabelecer uma ligação permanente com os operários
ingleses, porém, enfatizou-se a necessidade de relações pacíficas entre a Inglaterra e a França...
Em 1855, realizou-se a segunda Exposição universal, desta vez em Paris. Delegações de
operários, seja da capital, seja da província, foram totalmente excluídas desta vez. Temia-se
que elas oferecessem aos operários a oportunidade de se organizar.” D. Rjazanov, “Zur
Geschichte der ersten Internationale”, in: Marx-Engels Archiv, org. por Rjazanov, vol. I,
Frankfurt a. M., pp. 150-151.
[G 5a, 1]
As especiosidades de Grandville expressam muito bem o que Marx chama de “argúcias
teológicas” da mercadoria.
[G 5a, 2]
“O sentido do gosto é uma carruagem de 4 rodas que são: 1. A Gastronomia; 2. A Cozinha;
3. A Conserva; 4. A Cultura.” Extraído de: (Fourier) Nouveau Monde Industriei et Sociétaire
(1829), cit. por E. Poisson, Fourier, Paris, 1932, p. 130.
[G 5a, 3]
Relação da primeira Exposição universal de Londres, de 1851, com a idéia do livre comércio.
[G 5a, 4]
“As exposições universais perderam muito do seu caráter original. O entusiasmo que em
1851 contaminou os mais amplos círculos dissipou-se e, em seu lugar, adveio uma espécie
de frio cálculo; em 1851, nós nos encontrávamos na época do livre comércio... Agora
encontramo-nos há décadas em um período contínuo e crescente do protecionismo; ...
participar de uma exposição torna-se ... uma espécie de representação ... e enquanto em
1850 colocava-se como princípio supremo: que o governo não devia se preocupar com este
G
[Exposições, Reclame, Grandvillej
219
assunto, chega-se hoje a considerar o governo de cada país como um verdadeiro empresário.”
Julius Lessing, Das halbe Jahrhundert der Weltausstellungen , Berlim, 1900, pp. 29-30.
[G 5a, 5]
No ano de 1851, em Londres, “surgiu ... o primeiro canhão de aço fundido da fabrica
Krupp e, a partir desse modelo, o ministério da guerra prussiano deveria logo encomendar
mais de 200 unidades . Julius Lessing, Das halbe Jahrhundert der Weltausstellunven, Berlim
1900, p. 11.
[G 5 a. 6]
Da linha de raciocínio que gerou a grande idéia do livre comércio, nasceu a idéia de que
ninguém retornaria de uma exposição empobrecido, ao contrário, voltaria enriquecido
desse evento no qual investiu o que possui de melhor, para também poder levar para casa o
que os outros povos tem de melhor... A esta grande idéia — de que resultou a exposição —
correspondeu sua realização. Tudo se concretizou em oito meses. 'Um milagre, que já
entrou para a história. Curiosamente, no cerne do movimento encontra-se o princípio
segundo o qual não o Estado e sim unicamente a livre iniciativa dos cidadãos iria produzir
semelhante obra... Na época, dois cidadãos, os irmãos Munday, ofereceram-se para construir
um palácio de um milhão de marcos, por sua própria conta e risco. Mas optou-se por
construir em uma escala ainda maior, e o fundo de garantia de muitos milhões, necessário
para tanto, foi conseguido em curtíssimo tempo. E então encontrou-se para a grande e
nova idéia uma grande e nova forma. O engenheiro Paxton construiu o Palácio de Cristal.
A notícia fabulosa e sem precedentes ecoou em vários países, anunciando que se pretendia
construir um palácio de vidro e ferro que cobriria um terreno de dezoito acres. Pouco
tempo antes, Paxton tinha feito a cobertura de vidro e ferro em uma das estufas de Kew, na
qual as palmeiras vicejavam em pleno vigor, e isto lhe deu coragem de enfrentar a nova
tarefa. Como local da exposição, escolheu-se o parque mais imponente de Londres, o Hyde
Park, que abrigava em seu centro um grande e extenso gramado, apenas cortado em seu
eixo menor por uma alameda de olmos esplêndidos. Do círculo dos temerosos ecoou um
grito de horror: que não se sacrificassem estas árvores por um mero capricho. Pois então
cobrirei as árvores, foi a resposta de Paxton, e ele desenhou o transepto que abrigou toda a
fileira de arvores sob uma abóbada de 112 pés de altura... É muito estranho e significativo
que esta Exposição universal de Londres — nascida das modernas concepções da força de
vapor, da eletricidade e da fotografia, das modernas concepções do livre comércio — tenha
ao mesmo tempo contribuído com um impulso decisivo para a mudança das formas artísticas
de toda esta época. Construir um palácio de vidro e ferro pareceu então ao mundo uma
espécie de inspiração fantástica para uma obra de ocasião. Reconhecemos agora que foi o
primeiro grande avanço em direção a uma revolução total das formas... O estilo construtivo
contraposto ao estilo histórico tornou-se a palavra de ordem do movimento moderno.
Quando esta idéia espalhou-se pela primeira vez vitoriosamente pelo mundo? Foi em 1851,
no Palácio de Cristal de Londres. A princípio, não se acreditou ser possível construir um
palácio de vidro e ferro de dimensões colossais. Nas publicações daqueles dias, realçou-se
como fato mais notável a composição dos elementos de ferro, algo que agora é rotineiro
para nós. A Inglaterra pode se vangloriar de ter realizado esta tarefa totalmente nova e
inusitada em apenas oito meses, utilizando-se das fábricas disponíveis e sem lançar mão de
outros meios. Em tom triunfante sublinhou-se que no século XVI uma pequena janela
envidraçada ainda representava um objeto de luxo, e agora se consegue erigir uma construção
de 18 acres, totalmente de vidro. Para um homem como Lothar Bucher tornou-se evidente
o que significa esta nova construção. É de sua autoria a frase segundo a qual esta construção
seria a expressão arquitetônica, despojada de qualquer aparência, da capacidade de suporte
de delgados elementos de ferro. Muito além dessa descrição, que ... continha o programa
do futuro, ia o fascínio que esta construção exercia sobre todos os espíritos. A preservação
das esplêndidas fileiras de árvores no transepto central teve um peso decisivo. Reuniram-se
neste espaço todas as plantas magníficas que puderam ser encontradas nas ricas estufas da
Inglaterra. As palmeiras do sul, de folhagens delicadas, misturavam-se às copas frondosas
dos olmos de quinhentos anos, e nesta floresta encantada estavam dispostas as obras-primas
das artes plásticas, esculturas, grandes bronzes e troféus de outras obras de arte. No centro,
uma imponente fonte feita de cristais de vidro. À direita e à esquerda estendiam-se as
galerias, e nelas passava-se de um povo a outro, o conjunto todo parecendo um prodígio
que punha a imaginação a funcionar mais do que a razão. ‘Trata-se de uma sóbria economia
de linguagem quando descrevo a visão deste espaço como incrivelmente feérica. É um
episódio do sonho de uma noite de verão sob o sol da meia-noite.’ (L. B.) Estas impressões
fizeram estremecer o mundo inteiro. Eu mesmo me lembro de quando, em minha infância,
a notícia do Palácio de Cristal chegou até nós na Alemanha, como as reproduções eram
pregadas nas paredes de salas burguesas em longínquas cidades provincianas. Tudo aquilo
que imaginávamos de antigos contos de fadas com suas princesas em caixões de cristal, com
suas rainhas e elfos que habitavam casas de cristal, tudo isto se materializou ... e estas
impressões perduraram por décadas. O grande transepto e uma parte dos pavilhões do
palácio foram transportados para Sydenham, onde a construção se encontra até hoje 11 e foi
lá que a vi no ano de 1 862, com um arrepio de admiração e com o mais puro encantamento.
Foram necessárias quatro décadas, muitos incêndios e calúnias para destruir esta magia
que, porém, não desapareceu totalmente até hoje.” Julius Lessing, Das halbe Jahrhundert
Weltausstellungen, Berlim, 1900, pp. 6-10.
[G 6; G 6a, 1]
A organização da exposição de Nova York, de 1853, coube a Phileas Barnum.
[G 6a, 2]
Le Play calculava que o número de anos necessários para organizar uma exposição era igual
ao número de meses que ela devia durar... Existe aqui, evidentemente, uma desproporção
chocante entre o tempo de preparo e a duração do empreendimento.” Maurice Pécard, Les
Expositions Intemationales au Point de Vue Économique et Social Particulierement en France,
Paris, 1901, p. 23.
[G 6a, 3]
Um cartaz de livraria publicado em Les Murailles Révolutionnaires de 1848 vem acompanhado
da seguinte nota explicativa: “Fornecemos este cartaz, como mais tarde forneceremos outros
que não se referem nem às eleições, nem aos acontecimentos políticos desta época; nós o
fazemos, pois ele informa por que e como certos industriais se aproveitam de certas ocasiões.”
Do cartaz: “Leiam este importante aviso contra os Gatunos. O Sr. Alexandre Pierre, querendo
evitar os abusos de que diariamente somos vítimas, por ignorância que se tem da gíria e do
jargão dos gatunos e dos homens perigosos, dedicou-se a essa fala, durante o triste período
em que foi forçado a passar com eles, como vítima do governo destituído; posto em liberdade
O Palácio de Cristal, que tinha sido transferido para Sydenham ao sul de Londres, foi destruído por um
incêndio em 1936. (E/M)
G
(Exposições, Reclame, Grandville]
221
pela nossa nobre República, ele acaba de publicar o fruto dos tristes estudos feitos nas suas
prisões. Não temeu descer aos pátios desses horríveis lugares, nem mesmo à Fossa dos
Leões, a fim ... de evitar, revelando as palavras-chave das conversas daquela gente, todos os
abusos e as desgraças que podem advir do fato de ignorá-las, e que, entretanto, até hoje, só
foram inteligíveis entre eles... À venda nas vias públicas e com o Autor. Les Murailles
Révoluúonnaires de 1848, Paris, 1852, vol. I, p. 320.
Se a mercadoria era um fetiche, Grandville foi o seu mago-sacerdote.
[G7, 2]
Segundo Império: “Os candidatos do governo ... puderam imprimir suas declarações em
papel branco, cor exclusivamente reservada às publicações oficiais. A. Malet e E Grillet,
XIX Siècle, Paris, 1919, p. 271.
r [G 7, 3]
Com o Jugendstil, concretiza-se pela primeira vez a integração do corpo humano no reclame.
■ Jugendstil ■
J 6 [G 7, 4]
Delegações de operários na Exposição universal de 1867. No centro das negociações estava
a revogação do artigo 1781 do código civil que diz o seguinte: Serão consideradas como
verdadeiras as afirmações do patrão sobre a cota das garantias, o pagamento do salário do
ano anterior e os adiantamentos dados para o ano em curso.” (p. 140) — As delegações
operárias nas Exposições de Londres e de Paris, em 1862 e em 1867, guiaram o movimento
social do Segundo Império, podemos mesmo dizer da segunda metade do século dezenove...
Seus relatórios foram comparados aos cadernos dos Estados Gerais; foram o sinal de uma
evolução social, como os de 1789 haviam determinado uma revolução política e econômica,
(p. 207) [A comparação é de Michel Chevalier.] Exigência de uma jornada de trabalho de
dez horas. (p. 121) — “Quatrocentos mil ingressos gratuitos foram distribuídos aos operários
de Paris e dos départements. Um quartel e mais de 30.000 alojamentos foram colocados à
disposição dos operários visitantes.” (p. 84) Henry Fougère, Les Délégations Ouvrieres anx
Expositions Universelles, Montluçon, 1905.
Assembléias das delegações de operários de 1867, na “Escola da Passage Raoul . Fougère, p. 85.
[G7a, 11
“A Exposição já estava fechada há muito tempo, mas os delegados continuavam a discutir;
e esse parlamento operário mantinha ainda suas assembléias na Passage Raoul. FFenry
Fougère, Les Délégations Ouvrieres aux Expositions Universelles sous le Second Empire,
Montluçon, 1905, pp. 86-87. No total, as reuniões se estenderam de 21 de julho de
1867 a 14 de julho de 1869.
f m 7o ?i
Associação Internacional dos Operários. “A Associação ... data de 1862, momento da
Exposição universal de Londres. Foi ali que os operários ingleses e franceses se viram,
conversaram e procuraram se informar mutuamente. Declaração feita pelo Sr. Tolain, em
222 ■ Passagens
6 de março 1868, ... quando o governo moveu o primeiro processo contra a Associação
Internacional dos Operários.” Henry Fougère, Les Délégations Ouvrières aux Expositions
Universelles sous le Second Empire, Montluçon, 1905, p. 75. O primeiro grande encontro
de Londres apresentou uma moção de simpatia pela libertação dos poloneses.
[G 7a, 3]
Nos três ou quatro relatórios das delegações de operários que participaram da Exposição
universal de 1867, exige-se a dissolução dos exércitos permanentes e o desarmamento.
Delegações de pintores de porcelana, fabricantes de pianos, sapateiros e mecânicos. Cf.
Henry Fougère, pp. 163-164.
[G 7a, 4]
1867. “Quem visitava pela primeira vez o Campo de Marte era tomado por uma impressão
singular. Fora da avenida central, pela qual se chegava, via-se num primeiro momento ...
apenas ferro e fumaça... Essa primeira impressão exercia uma tal sedução sobre o visitante
que, negligenciando as distrações que o tentavam de passagem, apressava-se para se reunir
ao movimento e ao barulho que o atraíam. Em todos os lugares ... em que as máquinas
estavam momentaneamente paradas, explodiam os acordes dos órgãos movidos a vapor e as
sinfonias dos instrumentos de cobre.” A S. de Doncourt, Les Expositions Universelles, T llle /
Paris, 1889, pp. 111-112.
[G 7a, 5]
Peças teatrais na Exposição universal de 1855: Paris trop petit , 4 de agosto de 1855, Théâtre
du Luxembourg; Paul Meurice, Paris , 21 de julho, Porte Saint-Martin; Thédore Barrière e
Paul de Kock, Lhistoire de Paris e Les grands siecles , 29 de setembro; Les modes de Lexposition-,
Dzim Boum Boum: Revue de Lexposition ; Sébastien Rhéal, La Vision de Faustus, ou Lexposition
universelle de 1855. Cf. Adolphe Démy, Essai Historique sur les Expositions Universelles de
Paris, Paris, 1907, p. 90.
[G 7a, 6]
Exposição universal de Londres, de 1862: “Nada mais restara da impressão edificante
deixada pela Exposição de 1851... De qualquer modo, a exposição registrara alguns
acontecimentos bem notáveis... A maior surpresa ficou por conta da China... Até então,
em nosso século, a Europa só tomara conhecimento da arte chinesa através das mercadorias
comuns. Agora, porém, acontecera a guerra anglo-chinesa... O Palácio de Verão fora reduzido
a cinzas — como medida de punição, conforme se disse. 12 Na verdade, os ingleses, muito
mais do que os franceses que também participaram do conflito, obtiveram êxito em seqüestrar
grandes quantidades dos tesouros lá acumulados, e estes tesouros foram expostos em Londres
em 1862. Por modéstia, não foram os homens, mas as mulheres que figuraram como
expositoras.” Julius Lessing, Das halbe Jahrhundert der Weltausstellungen, Berlim, 1900, p. 16.
[G 8, 1]
Lessing ( Das halbe Jahrhundert der Weltausstellungen, Berlim, 1900, p. 4) chama a atenção
para a diferença entre as exposições universais e as feiras. Nestas, os comerciantes carregam
consigo todo o estoque de mercadorias. Já as exposições universais pressupõem um grande
desenvolvimento do crédito comercial e também do crédito industrial, ou seja, do crédito
tanto por parte dos clientes quanto das firmas encarregadas dos pedidos.
[G 8, 2]
12 No fim da segunda Guerra do Ópio (1856-1860), as forças aliadas da Inglaterra e da França tomaram
Pequim e incendiaram o Palácio de Verão do imperador chinês. (E/M)
G
[Exposições, Reclame, Grandville) 223
"boia preciso fechar deliberadamente os olhos à evidência para não reconhecer que o tipo
feira do Campo de Marte no ano de 1789, assim como os soberbos pórticos do Pátio do
Louvre e dos Invalides, nos anos seguintes, e, por fim, a memorável ordenança real de 13
de janeiro de 1819 13 contribuíram em muito para o grande desenvolvimento da indústria
francesa... Estava reservado a um rei da França transformar nossas magníficas galerias de seu
Palácio em um imenso bazar, para que fosse dado a seu povo contemplar ... esses troféus
nao sangrentos, erguidos pelo gênio das artes e da paz.” Chenou e H. D., Notice sur 1’Exposition
des Produits de llndustrie et des Arts qui a eu Lieu à Douai en 1827, Douai, 1 827, p. 5.
[G 8, 3]
Tres diferentes delegações de operários foram enviadas a Londres em 1851; nenhuma
obteve algum resultado significativo. Duas delas eram oficiais: uma partiu da Assembléia
- acionai, a outra da municipalidade de Paris; a delegação particular formou-se com apoio
■ imprensa ’ pnnapalmente de Émile de Girardin. Os operários não tiveram nenhuma
influência sobre a composição destas delegações.
[G 8, 4]
As dimensões do Palacio de Cristal em A. S. Doncourt, Les Expositions Universelles, Lille /
Paris, 1889, p. 12. As paredes laterais mediam 560 metros.
[G 8, 5]
Sobre a delegação de operários que ia participar da Exposição universal de 1862, em Londres:
Os comitês eleitorais se organizaram rapidamente quando, às vésperas das eleições um
incidente ... veio entravar as operações. A prefeitura de polícia de Paris ... inquietou-se com
esse movimento sem precedente, e a Comissão operária recebeu ordem de suspender seus
trabalhos. Convencidos de que tal medida ... não era senão o resultado de um desprezo, os
membros da Comissão ... se dirigiram imediatamente à Sua Majestade... O Imperador ...
autorizou a Comissão a prosseguir sua tarefa. Nas eleições ... foram escolhidos duzentos
delegados... A cada grupo concedeu-se um período de dez dias para cumprir sua missão.
Ao partir, cada delegado recebia uma soma de 115 francos, uma passagem de segunda
classe, ida e volta; o alojamento e uma refeição por dia, assim como as entradas para a
Exposição... Esse grande movimento popular aconteceu sem ter ocorrido o mínimo
incidente. Rapports des Délégués des Ouvriers Parisiens à 1’Exposition de Londres en 1862,
Publiés par la Commission Ouvrière, Paris, 1862-1864, [1 vol.!] pp. III-IV. (O relatório
abrange 53 relatórios de delegações de diversos grupos profissionais.)
[G 8a, 1]
Paris, 1855. “Quatro locomotivas guardavam a entrada do anexo das máquinas, semelhantes
aqueles grandes touros de Nínive ou às esfinges na entrada dos templos egípcios. O anexo
era a terra do ferro, do fogo e da água; os ouvidos ficavam surdos, os olhos ofuscados ... tudo
estava em movimento; via-se fiar a lã, torcer o pano, cortar o fio, bater o grão, extrair o
carvão, fabricar o chocolate etc. O movimento e o vapor chegavam a todos indistintamente,
ao contrário do que ocorrera em Londres, em 1851, onde apenas os expositores inglesa
gozaram o benefício do fogo e da água.” A. S. Doncourt, Les Expositions Universelles, Lille /
Paris, 1889, p. 53.
[G 8a, 2]
13 A ordenança real de 13 de janeiro de 1819 fomentou a exposição pública de produtos da indústria
francesa "nas dependências e galerias do Louvre"; em intervalos não superiores a quatro anos; um júri
ficou incumbido de decidir quais seriam os expositores a serem premiados pelo governo. (E/M)
224 ■ Passa9 en s
Em 1867, o “bairro oriental” foi o centro das atrações.
15.000.000 de visitantes na exposição de 1867.
[G 8a, 3]
[G 8a, 4]
Em 1855, as mercadorias puderam pela primeira vez exibir etiquetas com o preço.
[G 8a, 5]
<fase média>
Le Play havia . . . pressentido o quanto seria necessário encontrar o que chamamos hoje
um atrativo . Havia previsto também que essa necessidade ... daria às exposições a má
orientação que ... fazia o Sr. Claudio-Janet dizer, em 1889: ‘Um economista, homem de
bem, Sr. Eredéric Passy, denuncia ja há muitos anos ao Parlamento e à Academia o abuso
das festas de feira. Tudo o que ele diz da feira popular ... pode, guardadas as proporções, se
dizer da grande celebração do centenário. O comentário: “O sucesso das atrações, na
verdade, foi tal que a Torre Eiffel, que custara seis milhões, já ganhara, em 5 de novembro
de 1889, 6.459.581 francos. Maurice Pécard, Les Expositions Intemationales au Point de
Vue Économique et Social Particulierement en France , Paris, 1901, p. 29.
[G 9, 1]
O palácio de exposições de 1867 no Campo de Marte, que foi comparado ao Coliseu: “A
distribuição imaginada pelo comissário geral Le Play foi das mais felizes: os objetos eram
agrupados segundo sua matéria-prima em oito galerias concêntricas: doze alas ... partiam
do grande eixo. as principais nações ocupavam os setores limitados por essas divisões. Desse
modo..., percorrendo as galerias, podia-se ter uma idéia do estágio de uma determinada
indústria nas diferentes nações ou, percorrendo as alas transversais, do estágio dos diferentes
ramos da indústria, em cada país. Adolphe Démy, Estai Historique sur les Expositions
Universelles de Paris, Paris, 1907, p. 129. No mesmo texto, uma citação do artigo de
Théophile Gautier sobre o Palácio das Exposições, publicado no Le Moniteur em 17 de
setembro de 1867: “Parece que estamos diante de um monumento erguido em um outro
planeta, Júpiter ou Saturno, num gosto que não conhecemos e em colorações às quais
nossos olhos não estão habituados.” Uma frase anterior: “O grande abismo azulado com
sua borda cor de sangue produz um efeito vertiginoso e desorienta as idéias que tínhamos
sobre a arquitetura.”
[G 9, 2]
Resistência à Exposição universal de 1851: “O Rei da Prússia proibia ao príncipe e à
princesa reais ... irem a Londres... O corpo diplomático recusava apresentar à rainha uma
mensagem de felicitações. 'Neste momento’, escrevia..., em 15 de abril de 1851, o príncipe
Albert à sua mãe... ‘os adversários da Exposição se esforçam sobremaneira... Os estrangeiros,
anunciam eles, começarão aqui uma revolução radical, matarão Vitória e a mim mesmo, e
proclamarão a república vermelha. Uma peste deve certamente resultar da afluência de
G
[Exposições, Reclame, Grandville)
225
multidões tão enormes e devorar aqueles que ainda não tenham sido afugentados pelo
aumento do preço de todas as coisas.”’ Adolphe Démy, Essai Historique sur les Exposiríons
Universelles de Paris, Paris, 1907, p. 38.
[G 9. 3]
François de Neufchâteau sobre a exposição de 1798 (cf. Démy, Essai Historique sur les
Expositions Universelles ): “Os franceses, dizia ele..., surpreenderam a Europa com a rapidez
de seus êxitos guerreiros; eles devem se entregar com o mesmo ardor à carreira do comércio
e das artes da paz.” (p. 14) “Esta primeira exposição ... é realmente uma primeira campanha,
uma campanha desastrosa para a indústria inglesa.” (p. 18) - Desfile inaugural de caráter
bélico: I o um contingente de trompetes; 2 o um destacamento de cavalaria; 3 o os dois
primeiros pelotões de guarda-portões; 4 o tambores; 5 o músicos militares a pé; 6 o um
pelotão de infantaria; 7 o os arautos; 8 o o regente da festa; 9 o os artistas inscritos para a
exposição; 10° o júri.” (p. 15) — A medalha de ouro, segundo Neufchâteau, seria reservada
a quem provocasse mais prejuízos à indústria inglesa.
[G 9a, 1]
A segunda exposição, no ano IX, 14 deveria reunir as obras da indústria e das artes plásticas '
no pátio do Louvre. Mas os artistas recusaram a ultrajante sugestão de participar da exposição j
juntamente com industriais (Démy, p. 19). !
[G 9a, 2]
Exposição de 1819. “O rei, por ocasião da exposição, conferiu a Ternaux e a Oberkampf o
título de barão... A concessão de títulos de nobreza a industriais havia provocado críticas.
Em 1 823, não houve qualquer outorga de nobreza.” Démy, Essai Historique, p. 24.
[G 9a, 3]
Exposição de 1844. A propósito, a Sra. de Girardin, in: Visconde de Launay, Lettres
Parisiennes, vol. IV, p. 66 (cit. em Adolphe Démy, Essai Historique, p. 27): ‘“E um prazer’,
dizia ela, ‘que se parece singularmente com um pesadelo’. E ela enumerava as singularidades
que não faltavam: o cavalo esfolado, o besouro colossal, a mandíbula movente, o Turco em
forma de pêndulo que marcava as horas pelo número de suas cambalhotas, sem se esquecer
do Sr. e Sra. Pipelet, os porteiros de Les Mysteres de Paris , 15 convertidos em anjos.”
[G 9a, 41
Exposição universal de 1851: 14.837 expositores; em 1855, 80.000 expositores.
[G 9a, 5]
A exposição egípcia de 1867 foi montada numa construção que imitava um templo egípcio.
[G 9a, 6]
Walpole descreve em seu romance The Fortress as medidas tomadas para alojar os visitantes
da. Exposição universal de 1851 em um hotel especialmente construído para esse fim.
Entre elas, a permanente vigilância policial do hotel, a presença de um clérigo ligado ao
hocd e a visita matinal diária de um médico.
[G 10, 1]
14 Isto é, em 1801, de acordo com o calendário da Revolução Francesa. (E/M)
15 Les Mystères de Paris (1842-1843), romance de enorme repercussão popular, de Eugène Sue. (E/M)
226 ■ Passagens
Walpole descreve o Palácio de Cristal com a fonte de vidro no centro e os olmos, “que
pareciam leões aprisionados numa rede de vidro” (p. 307). Descreve as acomodações
decoradas com tapetes de luxo, mas sobretudo as máquinas. “Nesta sala de máquinas havia
máquinas de fiar automáticas, a máquina de fazer rendas Jacquart, máquinas que fabricavam
envelopes, teares a vapor, locomotivas em miniatura, bombas centrífugas e locomoveis;
todas elas trabalhavam como loucas, enquanto milhares de pessoas ao lado delas, usando
cartolas e chapéus, esperavam sentadas calmamente, passivamente, sem imaginar que a era
do homem neste planeta chegava ao fim.” Hugh Walpole, The Fortress, Hamburgo / Paris
/ Bolonha, 1933, p. 306. 16
[G 10, 2]
Delvau fala de “pessoas que têm os olhos pregados, todas as noites, nas vitrines dos magazines
da Belle Jardinière, para ver o rendimento do caixa do dia”. Alfred Devau, Les Heures
Parisiennes, Paris, 1866, p. 144 (“Huit heures du soir”).
[G 10, 3]
Em um discurso no Senado, de 31 de janeiro de 1868, Michel Chevalier tenta salvar da
demolição o Palais de 1’Industrie construído no ano anterior. Dentre as inúmeras
possibilidades de utilização que sugere, a mais curiosa é a de utilizar seu interior para
exercícios militares - já que sua forma circular o tomaria adequado para esse fim. Sugere
também usar a construção como local de uma feira permanente de produtos estrangeiros.
A intenção do lado adversário parece ter sido a de manter o Campo de Marte livre de
construções por motivos militares. Cf Michel Chevalier, Discours sur une Pétition Réclamant
Contre la Destmction du Palais de 1’Exposition Universelle de 1867, Paris, 1868.
[G 10,4]
“As exposições universais ... não deixam de suscitar comparações precisas entre os preços e
a qualidade dos mesmos produtos em diferentes povos: que a escola da liberdade absoluta
do comércio se regozije, pois! As exposições universais tendem ... a reduzir, senão a surprimir
as taxas alfandegárias.” Achille de Colusont < ? >, Histoire des Expositions des Produits de
1’Industrie Française, Paris, 1855, p. 544.
[G 10a, 1]
“Cada indústria, expondo seus troféus
Neste bazar do progresso geral,
Parece ter em mãos a varinha de condão
Para enriquecer o Palácio de Cristal.
Ricos, sábios, artistas, proletários.
Cada qual trabalha para o bem comum;
E, unindo-se como nobres irmãos,
Querem, todos, a felicidade de cada um.”
Clairville e Jules Cordier, Le Palais de Cristal, ou Les Parisiens à Londres (Théâtre de la Porte
Saint-Martin, 26 de maio de 1851), Paris, 1851, p. 6.
[G 10a, 2]
16 Hugh Walpole, The Fortress, reimpressão Phoenix Mill, Alan Sutton, 1995, pp. 248 e 247. A descrição
do hotel (um "monster lodging-house") mencionado em G 10, 1 encontra-se à p. 239. (E/M)
G
[Exposições, Reclame, Grandville]
227
Os últimos dois quadros cênicos do Palais de Cristal, de Clairville, passam-se diante do
Palácio de Cristal e em seu interior. As indicações cênicas para o <pen>último quadro: “A
galeria principal do Palácio de Cristal: à esquerda, na frente, uma cama em cuja cabeceira
há um grande relógio. No meio, uma pequena mesa sobre a qual estão pequenos sacos e
potes de terra; à direita, uma máquina elétrica; ao fundo, a exposição dos diversos produtos
segundo a gravura descritiva copiada de Londres” (p. 30).
Anúncio do chocolate Marquis do ano de 1846: “Chocolate da Maison Marquis, 44 Rue
\lvienne, na Passage des Panoramas — É chegada a época em que o chocolate pralinado e
andas as variedades de chocolat defantaisie serão fabricadas ... pela casa Marquis nas formas
unais diversas e ... graciosas... As confidências que recebemos nos permitem anunciar aos
■ossos leitores que, também desta vez, belos versos criteriosamente escolhidos entre o que
se produziu este ano de mais puro, gracioso e mais desconhecido da plebe profana,
acompanharão as raras doçuras do chocolate Marquis. Por toda essa favorável acolhida que
usos anima, nós o felicitamos por reunir tão generosamente sua poderosa publicidade com
«esses belos versos.” Cabinet des Estampes.
[G 10a, 4]
fccacio da Indústria de 1855: “Seis pavilhões circundam a construção nos quatro lados; no
contam-se 306 arcadas no andar inferior. Um enorme teto de vidro clareia o espaço
io. Os materiais empregados foram somente pedra, ferro e zinco; os custos da construção
1 1 milhões de francos... Especialmente dignas de nota são duas grandes pinturas
ce:; ridro a leste e a oeste da galeria principal... Todas as pessoas parecem reproduzidas em
■taman ho natural, não têm, porém, menos de seis metros de altura.” Acht Tage in Paris ,
s, julho de 1855, pp. 9-10. As pinturas em vidro representam a França industrial e a
[G 11, 1]
“fLiji escrevi com meus colaboradores do Atelier , que chegara o momento de fazer a
nmhtção econômica..., embora estivéssemos de acordo, algum tempo antes, que as
pffiiiiaubções operárias de toda a Europa eram solidárias, e que era preciso se ater, antes de
nmuiiftiip i. i idéia da federação política dos povos.” A. Corbon, Le Secret du Peuple de Paris, Paris,
■E3. pp. 196 e 242: “Em resumo, a opinião política da classe operária de Paris está quase
UDiiási ao desejo apaixonado de servir ao movimento de federação das nacionalidades.”
[G 11.2]
NÍikib Lassavc. a amante de Fieschi, é contratada após a execução deste em 19 de fevereiro
«■ como caixa no Café de la Renaissance, Place de la Bourse.
ÍG 11.3]
SMDjrfjqgp animal em Toussenel: a toupeira. “A toupeira não é ... o emblema apenas de
1111*1 crrrir. é o emblema de todo um período social, o período do nascimento da indústria,
iiiDiii]piBsrm::iirio ddópico ... ela é a expressão alegórica ... do predomínio absoluto da força bruta
Bernes íorça intelectual... Há uma semelhança marcante entre as toupeiras que remexem o
Hkiic mam vias de comunicação subterrâneas ... e os monopolizadores de vias férreas e de
BBllIpireas:: de transporte... A extrema sensibilidade nervosa da toupeira que teme a luz ...
228 ■ Passagens
caracteriza admiravelmente o obscurantismo obstinado desses monopolizadores de bancos
e de transportes que também temem a luz.” A. Toussenel, LEsprit des Bêtes: Zoologie
Passionnelle — Mammiferes de France, Paris, 1884, pp. 469 e 473-474.
IG 11,4]
Simbologia animal em Toussenel: a marmota. “A marmota perde seu pêlo no trabalho:
alusão à miséria dos pobres limpadores de chaminé, cujo ofício pesado tem como primeiro
efeito desgastar as roupas.” Toussenel, LEsprit des Bêtes , Paris, 1884, p. 334.
[G 11, 5]
Simbologia vegetal em Toussenel: a videira. “A vinha gosta de tagarelar ... ela sobe com
familiaridade nos ombros das ameixeiras, das oliveiras, dos olmos; ela trata por você todas
as árvores.” Toussenel, LEsprit des Bêtes, Paris, 1884, p. 107.
[G 11, 6]
Toussenel expõe sua teoria do círculo e da parábola em relação aos diferentes jogos de
ambos os sexos. Isso lembra os antropomorfismos de Grandville. “As figuras queridas da
infância assumem invariavelmente a forma esférica: a bola, o arco, a bolinha de gude;
também as frutas preferidas: a cereja, a groselha, a maçã, a torta de frutas... O analogista
que observou esses jogos com uma atenção contínua não deixou de notar uma diferença
específica na escolha das brincadeiras e dos exercícios favoritos das crianças dos dois sexos...
O que notou, pois, nosso observador no caráter dos jogos infantis femininos? Notou uma
tendência acentuada à elipse. Menciono, com efeito, entre os exercícios favoritos da infância
feminina, a peteca e a corda... A corda e a peteca descrevem curvas elípticas ou parabólicas.
Por que isso? Por que, tão jovem ainda, essa preferência do sexo menor pela curva elíptica,
e esse desprezo manifesto pela bolinha de gude, a bola e o pião? Porque a elipse ... é a curva
do amor, como o círculo é a da amizade. A elipse é a figura com a qual Deus ... desenhou
a forma de suas criaturas favoritas: a mulher, o cisne, o corcel da Arábia, as pombas; a elipse
é a forma atraente por natureza... Os astrônomos geralmente ignoravam ... por qual motivo
os planetas descreviam elipses e não circunferências em torno de seu eixo de atração;
conhecem agora esse mistério tanto quanto eu.” Toussenel, op. cit., pp. 89-91.
[G 11a, 1]
Toussenel estabelece uma simbologia das curvas, segundo a qual o círculo representa a
amizade, a elipse, o amor, a parábola, o sentido da família, a hipérbole, a ambição. O
parágrafo sobre a hipérbole aproxima-se especialmente de Grandville: “A hipérbole é a
curva da ambição... Admirai a persistência teimosa da ardente assintota, perseguindo a
hipérbole numa corrida desenfreada; ela se aproxima, se aproxima cada vez mais do ponto
de chegada ... sem jamais alcançá-lo.” A. Toussenel, LEsprit des Bêtes, Paris, 1884, p. 92.
[G 11a, 2]
Simbologia animal em Toussenel: o ouriço. “Voraz e de aspecto repulsivo é também o
retrato do escrevinhador ínfimo, traficante de biografia e de chantagem, vendendo patentes
de chefes de correio e concessões de teatro ... e tirando de sua consciência de alcachofra ...
falsos juramentos e apologias a preço fixo... Diz-se que o ouriço é o único dos quadrúpedes
da França sobre o qual o veneno da víbora não tem efeito. Eu teria adivinhado a exceção
unicamente pela analogia... Como vocês querem ... que a calúnia (víbora) morda o vagabundo
literário...! A. Toussenel, LEsprit des Bêtes, Paris, 1884, pp, 476 e 478.
[G 11a, 3]
G
[Exposições, Reclame, Grandville]
229
"‘"O raio é o beijo das nuvens, tempestuoso, mas fecundo. Dois amantes que se adoram e
«metero dizê-lo, apesar de todos os obstáculos, são duas nuvens animadas de eletricidades
«aramiárias e enfunadas de tragédias.” A Toussenel. LEsprit des Betes , Paris, 1884, pp. 100-
■ni (4 a edição).
[G 12, 1]
primeira edição de LEsprit des Betes , de Toussenel, data de 1847.
[G 12. 2]
'“Consultei inutilmente a antigüidade para nela encontrar traços do perdigueiro... Interroguei
a época do aparecimento dessa raça às lembranças dos mais lúcidos sonâmbulos;
Unias as informações terminam na seguinte conclusão: o perdigueiro é uma criação dos
nneros modernos.” A. Toussenel, LEsprit des Betes, Paris, 1 884, p. 1 59.
[G 12, 31
"Caca mulher jovem e bonita é uma verdadeira pilha voltaica ... em quem o fluido cativo é
ihesiwi<~.~ ' pelas formas da superfície e pela virtude isolante dos cabelos; disso resulta que esse
Síiuico, guando quer escapar de sua doce prisão, é obrigado a incríveis esforços, os quais
~m, por sua vez, por influência , sobre os corpos diversamente animados, assustadoras
" -ões de atração... A história do gênero humano fervilha de exemplos de homens de
asptirko, de sábios, de heróis intrépidos ... fulminados por uma simples olhadela feminina...
)> «mm rei Davi deu provas de compreender perfeitamente as propriedades condensadoras
aà* superfícies elípticas polidas quando se uniu à jovem Abisag.” A Toussenel, LEsprit des
Paris, 1884, pp. 101-103.
[G 12, 4]
lEmmiattm ei explica a rotação da terra como resultante da força centrífuga e da atração. Mais
,;«iáii£z:e: "“O astro ... começa a valsar sua valsa frenética... Tudo murmura, se move, se
■ flmwy- mdo cintila na superfície do globo, mergulhado, ainda na véspera, no frio silêncio
«a nr.Tf Espetáculo maravilhoso para o observador bem posicionado; troca de cenários à
com um efeito admirável; porque a revolução aconteceu entre os dois sóis, e, na
gpDixa noite, uma nova estrela cor de ametista fez sua aparição nos céus.” (p. 45) E,
niin iii" - - m ao vulcanismo de épocas remotas da terra: ' São conhecidos os efeitos da primeira
màst sobre as organizações delicadas... A Terra também foi rudemente sacudida na sua
piaiinDicra prova.” A. Toussenel, LEsprit des Bêtes: Zoologie Passionnelle, Paris, 1884, pp. 44-4 5.
[G 12, 5]
da zoologia de Toussenel: “ A classificação das espécies está em razão direta de sua
. com o homem.” A. Toussenel, LEsprit des Bêtes, Paris, 1 884, p. I. Cf. a epígrafe
““O que há de melhor no homem é o cão.’ - Charlet.”
[G 12a, 1]
''ipiiEjiiaaCir por grande publicidade, Poitevin empreendeu com seu balão uma "subida a
IBehcii: acompanhado em sua gôndola de moças vestidas como figuras mitológicas. ( Paris
■mim *£ rsTablique de 1848: Exposition de la Bibliothêque et des Travaux Historiques de la Ville
, m Km m, 1909 , p. 34.)
[G 12a, 2]
23 $ ■ ^assagers
Não só em relação à mercadoria pode-se falar de uma autonomia fetichista, mas também
em relação aos meios de produção, como demonstra a seguinte passagem de Marx:
“Examinando o processo de produção sob o ponto de vista do processo de trabalho, o
operário comportava-se em relação aos meios de produção ... como simples meio ... de sua
atividade produtiva objetiva... É bem diferente tão logo examinemos o processo de produção
sob o ponto de vista do processo da mais-valia. Os meios de produção transformam-se
imediatamente em meios de apropriação do trabalho de outrem. Não é mais o operário
que emprega os meios de produção, e sim são os meios de produção que empregam o
operário. Em vez de serem consumidos por ele como elementos materiais de sua atividade
produtiva, eles o consomem como força motriz de seu próprio processo de vida... Altos-
fornos e fábricas que ficam parados durante a noite, não absorvendo trabalho vivo algum,
são puro prejuízo’ para o capitalista. Por isso, os altos-fornos e as fabricas constituem uma
reivindicação ao trabalho noturno’ dos operários.” 17 Estas considerações devem servir para
analisar Grandville. Em que medida o trabalhador assalariado é a “alma” dos objetos de
Grandville, animados de forma fetichista?
[G 12a, 3]
“A noite asperge perfume estelar nas flores adormecidas. Todos os pássaros que voam têm
no pé o fio do infinito.” Victor Hugo, CEuvres Completes, Romances, vol. VIII, Les Misérables,
Paris, 1881, p. 114.
[G 1 2a, 4]
Drumont considera Toussenel “um dos maiores prosadores do século”. Édouard Drumont,
Les Héros et les Pitres, Paris, 1900, p. 270 (“Toussenel”).
[G 12a, 5]
Técnica da exposição: “Uma regra fundamental, que logo se percebe através da observação,
é que nenhum objeto deve ser colocado diretamente no solo no mesmo nível das vias de
circulação. Os pianos, os móveis, os instrumentos de física, as máquinas devem ser exibidos
sobre um pedestal ou um piso elevado. As instalações que convêm empregar compreendem
dois sistemas bem distintos: as exposições em vitrines e aquelas ao ar livre. De fato, certos
I produtos devem, por sua natureza ou por seu valor, estar ao abrigo do ar ou da mão; outros
ganham em ser expostos a descoberto.” Exposition Universelle de 1867, à Paris: Album des
.! Imtallations les plus Remarquables de LExposition de 1862, à Londres, Publiépar la Commission
Impériale pour Servir de Renseignement aux Exposants des Diverses Nations , 18 Paris, 1866, p. 5-
Álbum com pranchas em formato grande-fólio, com ilustrações muito interessantes, algumas
em cores, reproduzindo cortes transversais e longitudinais de estandes da Exposição universal
de 1862. Bibliothèque Nationale, V. 644.
[G 13, 1]
Paris no ano de 2855: “Os hóspedes que nos chegam de Saturno e Marte se esqueceram, ao
desembarcar aqui, do planeta materno! Paris é doravante a metrópole da criação!... Onde
estão vocês, Champs-Elysées, tema favorito dos romancistas do ano de 1855?... Nesta
alameda, pavimentada em ferro, coberta de telhas de cristal, zumbem as abelhas e os
zangões das finanças! Os capitalistas da Ursa-Maior discutem com os agiotas de Mercúrio!
17 Marx, Das Kapital, I, MEW, vol. XXIII, 3 a ed„ Berlim, 1969, pp. 328-329. (R.T.)
18 Exposição universal de 1867, em Paris: álbum das instalações mais notáveis da exposição de 1862 , em
Londres, publicado pela comissão imperial para servir de informação aos expositores das diversas
nações, (w.b.)
G
[Exposições, Reclame, Grandville]
231
Hoje mesmo, colocaram-se no mercado de ações os destroços de Vénus incendiada pela
metade, por suas próprias chamas!” Arsène Houssaye, “Le Paris futur in: Paris etles Parisiens
au XÍX e Siècle, Paris, 1856, pp. 458-459.
[G 13, 2]
Sobre a instalação do Conselho Geral da Internacional Operária 19 em Londres corria a
frase: “A criança nascida nas oficinas de Paris tinha sua ama seca em Londres.” Ver Ch.
Benoist, “Le inythe’ de la classe ouvrière”, Revue des Deiix Mondes, I o de março de 1914,
p. 104.
[G 13, 3]
“Já que o baile é a única reunião em que os homens sabem se comportar, habituemo-nos a
modelar nossas instituições a partir do baile onde a mulher é rainha.” A Toussenel, Le Monde
des Oiseawc, vol. I, Paris, 1853, p. 134. “Muitos homens galantes e bem-comportados num
baile nem suspeitam que o galanteio é um mandamento de Deus.” Op. cit., p. 98.
[G 13, 4]
Sobre Gabriel Engelmann: “Quando ele publicar, em 1816, seus Essais Lithographiques,
terá o cuidado de colocar esta medalha no frontispício de seu livro, com uma legenda:
‘Concedida ao Sr. G. Engelmann, de Mulhouse (Alto Reno). Execução ampliada e
aperfeiçoamento da arte litográfica. Medalha de incentivo. 1816.”’ Henri Bouchot, La
Lithogmphie, Paris, 1895, p. 38.
[G 13, 5]
Sobre a Exposição universal de Londres: “No meio dessa imensa exposição, o observador logo
percebia que para não se perder ... deveria reunir os diversos povos num certo número de
grupos, e que o único modo útil e eficaz de compor esses grupos industriais consistia em
tomar por base, o quê? As crenças religiosas. A cada uma das grandes divisões religiosas nas
quais se reparte o gênero humano, corresponde, com efeito ... um modo de existência e de
atividade industrial que lhe é própria.” Michel Chevalier, Du Progrès, Paris, 1852, p. 13.
[G 13a, 1]
Extraído do primeiro capítulo de O Capital: “Uma mercadoria parece ser à primeira vista
uma coisa óbvia, trivial. Sua análise mostra que ela é uma coisa complicada, cheia de
sutilezas metafísicas e argúcias teológicas. Enquanto valor de uso, não há nada de místico
nela... A forma da madeira é modificada quando se faz uma mesa com ela; não obstante, a
mesa continua sendo madeira, uma coisa sensível e comum. Porém, tão logo ela se apresenta
como mercadoria, torna-se uma coisa sensível supra-sensível. Não só se coloca com suas
pernas sobre o chão, mas se põe de cabeça para baixo em relação a todas as outras mercadorias
e inventa maluquices em sua cabeça de madeira que são mais estranhas do que se começasse
repentinamente a dançar.” Cit. em Franz Mehring, “Karl Marx und das Gleichnis”, in:
Karl Marx ais Denker, Mensch und Revolutionãr, ed. org. por Rjazanov, Viena / Berlim,
1928, p. 57 (originalmente publicado em Die Neue Zeit , 13 de março de 1908).
[G 1 3a, 2]
Renan compara as exposições universais às grandes festas gregas, aos jogos olímpicos, às
panatenéias. Mas o que diferencia as primeiras das últimas é o fato de lhes faltar a poesia.
19 A Associação Internacional dos Operários (a Primeira Internacional), cujo Conselho Geral tinha sua sede
em Londres, foi fundada em setembro de 1864. (E/M)
Duas vezes a Europa se deslocou para ver mercadorias expostas e comparar produtos
materiais e, de volta dessas peregrinações de um novo tipo, ninguém se queixou de que
alguma coisa llie faltasse. Algumas paginas adiante: 'Nosso século não caminha nem para
o bem, nem para o mal; ele caminha em direção à mediocridade. E o que tem sucesso em
qualquer domínio, hoje, é a mediocridade.” Ernest Renan, Essais de Morale et de Critique ,
Paris, 1859, pp. 356-357 e 373 (“La poésie de rexposition”).
[G 13a, 3]
Visão sob o efeito do haxixe no salão de jogos de Aix-la-Chapelle. “O pano verde de Aix-la-
Chapelle é um congresso hospitaleiro no qual as moedas de todos os reinos e de todos os
países são admitidas... Uma chuva de leopoldos, de frederico-guilhermes, de rainhas vitórias
e de napoleões se instalava ... sobre a mesa. De tanto considerar esse brilhante aluvião
pensei perceber ... que as efígies dos soberanos ... se apagavam irrevogavelmente de seus
escudos, guinéus ou ducados respectivos, para dar lugar a outros rostos inteiramente novos
para mim. A maior parte desses rostos ... fazia caretas de desapontamento, de avidez ou de
furor. Algumas eram alegres, mas eram em numero muito pequeno... Logo esse fenômeno
... empalideceu e desapareceu diante de uma visão não menos extraordinária... As efígies
burguesas, que haviam suplantado as Majestades, não tardaram, por sua vez, a se agitar no
círculo metálico ... em que estavam confinadas. Logo elas saíram dali, primeiro pelo volume
exagerado de seu relevo; depois as cabeças se destacaram em alto-relevo. Adquiriram em
seguida ... não apenas a fisionomia, mas a carnação humana. Tomaram a forma de corpos
liliputianos; o todo se modelou..., bem ou mal, e criaturas inteiramente semelhantes a nós,
exceto no tamanho ... começaram a animar o pano verde de onde todo numerário havia
desaparecido. Eu ouvia bem o tilintar do dinheiro no choque com o aço dos ratôs, mas era
tudo o que restava da antiga sonoridade ... dos luíses e escudos transformados em homens.
Esses pobres mirmídones fugiam desvairados diante do ratô homicida do crupiê ... mas em
vão... Então a jogada anã, forçada a confessar-se vencida, era impiedosamente presa e seu
corpo arrastado, pelo fatal ratô que a devolvia à cúpida mão do crupiê. Este - que horror! -
pegava o homem delicadamente entre dois dedos e o mordia com todos os dentes! Em
menos de meia hora, eu vi abismar-se nesse terrível túmulo uma meia dúzia desses
imprudentes liliputianos... Mas o que me causou o maior espanto foi quando, levantando
os olhos por acaso em direção à galeria que rodeava este terrível campo de morte, observei
não somente uma perfeita semelhança, mas uma completa identidade entre diversos pontos
que pareciam jogar muito alto e as miniaturas humanas que se debatiam sobre a mesa... E
mais! Esses pontos ... me pareceram esmorecer-se à medida que seus fac-símiles infantis
adquiriam velocidade ... pelo formidável ratô. Pareciam compartilhar todas as sensações de
seus pequenos sósias; e nunca em minha vida me esquecerei do olhar e do gesto raivoso,
desesperado, que um desses jogadores dirigiu à banca justo no instante em que seu delicado
duplo, apanhado pelo ratô, ia saciar a fome voraz do crupiê.” Félix Mornan, La Vie des
Eaux, Paris, 1862, pp. 219-221 (“Aix-la-Chapelle”).
[G 14]
É útil comparar a maneira como Grandville apresenta as máquinas à maneira como Chevalier
fala da estrada de ferro ainda em 1 852. Ele calcula que duas locomotivas, tendo juntas 400
cavalos-força, corresponderiam à força de 800 cavalos de verdade. Como deveriam eles ser
atrelados? Como arranjar ração para alimentá-los? E acrescenta em uma nota: “Deve-se
levar em conta também que os cavalos de carne e osso precisam repousar depois de um
G
[Exposições, Reclame, Grandville]
233
curto trajeto; de modo que, para fazer o mesmo serviço de uma locomotiva, seria necessário
ter na estrebaria um número muito grande de animais.” Michel Chevalier, Chemins de Fer:
Extrait du Dictionnaire d’Économie Politique, Paris, 1852, p. 10.
[G 14a, 1]
Os princípios de disposição dos objetos expostos na Galerie des Machines, de 1867, são da
autoria de Le Play.
[G 14a, 2]
Uma apresentação profédca dos aspectos arquitetônicos das exposições universais posteriores
encontra-se no ensaio de Gogol, “Sobre a arquitetura de nosso tempo”, publicado em
meados dos anos trinta em sua antologia Arabescos. “Quando, pois — exclama ele - vai
acabar esta maneira escolástica de impor a tudo o que se constrói um gosto comum e uma
medida comum? Uma cidade deve comportar uma grande diversidade de massas, se
quisermos que ela proporcione alegria aos olhos. Que possam aí se casar os gostos mais
contrários! Que numa só e mesma ma se ergam um sombrio edifício gótico, uma construção
decorada segundo o gosto mais rico do Oriente, uma colossal construção egípcia, uma
residência grega de harmoniosas proporções! Que se veja lado a lado a cúpula láctea
ligeiramente côncava, a alta torre religiosa em flecha, a mitra oriental, o telhado plano da
Itália, o telhado de Flandres, escarpado e coberto de ornamentos, a pirâmide tetraédrica, a
coluna redonda, o obelisco anguloso!” Nikolai Gogol, “Sur farchitecture du temps présent”,
cit. em Wladimir Weidlé, Les Abeilles dAristée, Paris, 1936, pp. 162-163 (“Eagonie de 1’art”).
[G 14a, 3]
Fourier evoca a sabedoria popular, que definiu há muito a civilização como le monde à
rebours (“o mundo às avessas”).
[G 14a, 4]
Fourier não resiste ao prazer de descrever um banquete às margens do Eufrates, no qual
foram homenageados os vencedores tanto do concurso dos 600.000 zelosos operários que
trabalharam na construção dos diques, quanto os do concurso simultâneo de confeiteiros.
Os 600.000 adetas da indústria apoderaram-se das 300.000 garrafas de champanhe, cujas
rolhas foram estouradas simultaneamente a um sinal da torre de comando. O eco foi
ouvido nas “montanhas do Eufrates”. Cit. em Armand e Maublanc, Fourier, Paris, 1937,
rr. 1 8-179.
[G 14a, 5]
<fase tardia>
THHbxx estrelas! Seu papel de esplendor não é senão um papel de sacrifício. Criadoras e
■mi da potência produtora dos planetas, elas mesmas não a possuem e devem resignar-se
m inmiexa ingrata e monótona de tochas. Elas têm o brilho sem o prazer; atrás delas se
inpM wmiiA-r- invisíveis, as realidades vivas. Essas rainhas-escravas são, entretanto, da mesma
iiinjiriu cje suas felizes súditas... Agora chamas resplandecentes, elas serão um dia trevas e
234 ■ Passagens
gelo e só poderão renascer para a vida como planetas, depois do choque que volatilizará
o cortejo e sua rainha em nebulosa.” A. Blanqui, ÜEternité par les Astres, Paris, 1872,
pp. 69-70. Cf. Goethe: “Euch bedaurich, unglückselge Sterne” 20 (“Lamento por vós,
estrelas desditosas”).
[G 15, 1]
“A sacristia, a Bolsa e o quartel, esses três antros associados para vomitar sobre as nações a
noite, a miséria e a morte. Outubro de 1869.” Auguste Blanqui, Critique Sociale, vol. II,
Paris, 1885, p. 351 (“Fragments et notes”).
[G15.2]
“Um rico morto é um abismo fechado.” Dos anos cinqüenta. A. Blanqui, Critique Sociale,
vol. II, Paris, 1885, p. 315 (“Fragments et notes”).
[G 15, 3]
Uma imagem de Épinal, de Sellerie, representa a Exposição universal de 1855.
[G 15, 4]
Elementos inebriantes 21 no romance policial, cujo mecanismo (que lembra o universo do
comedor de haxixe) é assim descrito por Caillois: “Os caracteres do pensamento infantil, o
artificialismo em primeiro lugar, regem esse universo estranhamente presente; nada se
passa aí que não seja premeditado de longa data; nada responde às aparências; tudo está
preparado para, no momento certo, ser utilizado pelo herói todo-poderoso, que é o senhor
de tudo. Reconhecemos a Paris das publicações de Fantômas.” Roger Caillois, “Paris, mythe
moderne”, Nouvelle Revue Française, XXV, n° 284, I o de maio de 1937, p. 688.
[G 15, 5]
“Vejo diariamente passar sob minha janela um certo número de calmucos, osagianos,
indianos, chineses e gregos antigos, todos mais ou menos parisianizados.” Charles Baudelaire,
CEuvres, ed. org. por Y.-G. Le Dantec, Paris, 1932, vol. II, p. 99 (“Salon de 1846 — De
1’idéal et du modèle”). 22
[G 15, 6]
Publicidade no Império, segundo Ferdinand Brunot, Histoire de la Langue Française des
Origines à 1900, vol. IX, La Révolution et lEmpire, parte 9: “Les événements, les institutions
et la langue”, Paris, 1937; “Podemos imaginar de bom grado que um homem de gênio
tenha concebido a idéia de empregar, enquadrando-os na banalidade da língua vulgar,
vocábulos feitos para seduzir leitores e compradores, e que tenha escolhido o grego — não
apenas porque forneceu inesgotáveis recursos à formação, mas porque, menos familiar que
o latim, tinha a vantagem de ser ... incompreensível a uma geração muito pouco versada no
estudo da Grécia antiga... Acontece que não sabemos como esse homem se chama, nem se
é francês e nem mesmo se existiu. É possível que ... as palavras gregas tenham vencido
pouco a pouco, até o dia em que se formou a idéia geral de ... que eram, por sua própria e
única virtude, um reclame... Quanto a mim, acreditaria de bom grado que ... várias gerações,
20 Goethe, Gedenkausgabe, ed. org. por Ernst Beutler, vol. I, Sâmtliche Gedichte, I, 2 a ed., Zurique, 1961,
p. 339 ("Nachtgedanken"). (R.T.)
21 Cf. Baudelaire, que fala da "embriaguez" provocada pelo haxixe ( Les Paradis Artificieis, in: CEuvres
Completes, vol. I, p. 408). (J.L.)
22
Baudelaire, OC II, p. 456. (J.L)
G
[Exposições, Reclame, Grandville]
235
várias nações contribuíram para criar o emblema verbal, o monstro grego que atrai
surpreendendo. Creio que a época de que me ocupo aqui é aquela em que o movimento
começou a se definir... A idade do óleo comagene ia chegar” pp. 1229-1230 ("Les causes du
momphe du grec”) (“As causas do triunfo do grego”). 23
[G 15a, 1]
*0 que diria um Winckelmann moderno ... diante de um produto chinês, produto estranho,
bizarro, de forma arredondada, de cor intensa, e algumas vezes delicado até o esvaecimento?
Entretanto, é uma verdadeira amostra da beleza universal; mas é preciso, para que seja
compreendido, que o crítico, o espectador opere em si mesmo uma transformação que é
um mistério, e que, por um fenômeno da vontade agindo sobre a imaginação, ele aprenda
por si mesmo a participar do meio que deu origem a essa floração insólita.” Mais abaixo,
figuram na mesma página: “Essas flores misteriosas cuja cor profunda entra despoticamente
nos olhos, enquanto sua forma inquieta o olhar.” Charles Baudelaire, GEuvres, ed. org. por
Le Dantec, Paris, 1932, vol. II, pp. 144-145 (“Exposition universelle de 1855”). 24
[G 15a, 2]
“Na poesia francesa, e mesmo de toda a Europa, o gosto e os tons do Oriente não foram,
até Baudelaire, senão um jogo quase pueril e factício. Com as Flores do Mal, a cor estrangeira
só se compreende juntamente ao sentido agudo da evasão. Baudelaire ... se convida à
ausência... Baudelaire em viagem nos proporciona a emoção da natureza desconhecida na
qual o viajante se abandona a si mesmo... Ele não muda certamente de espirito, mas
apresenta uma visão nova de sua alma. Ela é tropical, é africana, é negra, é escrava. Os
países se tornam verdadeiros, uma África real e índias autênticas.” André Suarès. Prefácio,
in: Charles Baudelaire, Les Fleurs du Mal, Paris, 1933, pp. XXV-XXVII.
[G 16. 1]
Prostituição do espaço no haxixe, onde ele serve a tudo o que foi. 25
[G 16. 2]
O mascaramento da natureza — tanto do cosmos e também do mundo animal e vegetal — ,
realizado por Grandville no espírito da moda reinante em meados do século, faz a história,
na figura da moda, surgir do eterno ciclo da natureza. Quando Grandville apresenta um
novo leque como Leque de íris, quando a Via-Láctea representa uma avenida noturna,
iluminada por candelabros de gás, e quando A lua pintada por si mesma parece descansar,
não sobre nuvens, mas em almofadas de pelúcia da última moda, a historia é seculanzada
e integrada no contexto natural de maneira tão impiedosa quanto o foi trezentos anos antes
pela alegoria.
v b [G 16. 3]
As modas planetárias de Grandville são outras tantas paródias, desenhadas pela natureza,
da história da humanidade. As arlequinadas de Grandville tornam-se baladas morais em
Blanqui.
T rr. v, i
23 Em 1939, Benjamin publicou uma resenha sobre a obra de Brunot; cf. GS III, 561-564. (J.L.; w.b.)
24 Baudelaire, OC vol. II, p. 576. (J.L.)
25 Sobre essa prostituição do espaço, cf. os textos de Benjamin que descrevem experiências de haxixe: GS
VI, 561 e 564. Cf. fl 2, 6], (J.L)
236 ■ Passagens
“As exposições são as únicas festas genuinamente modernas.” Hermann Lotze, Mikrokosmos,
vol. III, Leipzig, 1864, p. ?.
[G 16, 5]
As exposições universais foram a escola superior na qual as massas excluídas do consumo
aprenderam a empada pelo valor de troca. “Tudo olhar, nada tocar.”
[G 16, 6]
A indústria do entretenimento refina e multiplica as variedades do comportamento reativo
das massas. Ela as prepara, assim, para serem adestradas pelo reclame. A ligação desta
indústria com as exposições universais é, portanto, bem fundada.
[G 16, 7]
Proposta urbanística para Paris: “É conveniente variar a forma das casas e empregar, conforme
os bairros, diferentes ordens de arquitetura e mesmo aquelas que, tais como a arquitetura
gótica, turca, chinesa, egípcia, birmanesa etc., não são clássicas.” Amédée de Tissot, Paris et
Londres Comparés , Paris, 1 830, p. 1 50. - A arquitetura das exposições posteriores!
[G 16a, 1]
“Enquanto esta infame edificação [o Palais de 1’Industrie] subsistir ... renego com prazer
meu título de homem de letras... A arte e a indústria! Sim, foi para elas, com efeito, e
somente para elas, que se reservou, em 1855, esta inextrincável rede de galerias, onde estes
pobres literatos não obtiveram nem mesmo seis pés quadrados, o espaço de um túmulo!
Glória a ti, fabricante de papel... Sobe ao Capitólio, impressor...! Triunfai artistas, triunfai
industriais, vocês tiveram as honras e o lucro de uma exposição universal, enquanto esta
pobre literatura ...” (pp. V-VI) “Uma exposição universal para os homens de letras, um
Palácio de Cristal para os autores-modistas!” Insinuações de um demônio grotesco a quem
Babou pretende haver encontrado certo dia no Champs-Elysées, segundo sua “Carta a
Charles Asselineau”. Hippolyte Babou, Les Payens Innocents, Paris, 1858, p. XIX.
[G 16a, 2]
Exposições: “Estes eventos passageiros, em geral, não influenciaram a configuração urbanística
das cidades... Em Paris ... é diferente. O fato de que aqui as gigantescas exposições podiam
ser montadas no meio da cidade, e que praticamente cada uma delas deixou um monumento
que se inseriu muito bem na paisagem urbana, mostra os bem-feitos de um plano geral
grandioso e de uma tradição urbanística contínua. Paris conseguiu ... organizar mesmo a
mais vasta exposição de tal maneira que era acessível a partir da ... Place de la Concorde. Ao
longo dos cais, que conduzem a oeste a partir desta praça, a urbanização das margens
estende-se por vários quilômetros, deixando à disposição largas faixas laterais de terreno
que, adornadas com muitas fileiras de árvores, transformaram-se nas mais belas avenidas
para exposições. Fritz Stahl, Paris, Berlim, 1929, p. 62.
[G 16a, 3]
H
[O Colecionador]
"Todas essas velharias têm um valor moral."
Charles Baudelaire 1
"Eu creio ... em minha alma: a Coisa."
Léon Deubel, CEuvres, Paris, 1929, p. 193.
Foi aqui o último refúgio das criaturas-prodígio que viram a luz do dia em exposições
universais como mala com iluminação interna, canivete de um metro de comprimento ou
cabo de guarda-chuva patenteado, com relógio e revólver. E ao lado dessas gigantescas
criaturas degeneradas, a matéria semi-acabada, atolada. Percorremos o corredor estreito e
escuro até o lugar onde, entre uma livraria com liquidações, na qual maços de papel
empoeirados e amarrados com barbante expressam todas as formas de falência, e uma loja
só de botões (de madrepérola e outros que em Paris são chamados de botões-fantasia)
localizava-se uma espécie de sala de estar. Uma lâmpada a gás iluminava um papel de
parede de um colorido pálido, cheio de quadros e bustos. Junto dela lia uma velha senhora.
Está ah, sozinha, como há anos, procurando dentaduras “de ouro, de cera ou quebradas”.
A partir deste dia também ficamos sabendo de onde o doutor Milagre tirou a cera com a
qual fabricou a Olympia. 2 ■ Bonecas ■
[H 1, 1]
“A multidão se comprime na Passage Vivienne, onde não é percebida, e deixa a Passage
Colbert onde, talvez, seja percebida demais. Um dia, quiseram chamá-la, a multidão,
enchendo cada noite a rotunda com uma música harmoniosa, que saía invisível das
janelas de uma sobreloja. Mas a multidão veio xeretar na porta e não entrou, suspeitando
nessa novidade uma conspiração contra seus hábitos e seus prazeres rotineiros.” Le Livre
des Cent-et-un, vol. X, Paris, 1833, p. 58. Há quinze anos, tentou-se igualmente e também
inutilmente ir em socorro da loja de departamentos W. Wertheim. 3 Realizavam-se
concertos na grande passagem que a percorria.
1 Carta de 30 de dezembro de 1857 à sua mãe. (E/M)
2 0 doutor Milagre e Olímpia, a boneca autòmata, são personagens da ópera Les Contes d'Hoffmann, de
Offenbach (1880); cf. "O Homem de Areia”, de E. T. A. Hoffmann. (J.L.) — O fragmento todo retoma
boa parte do a°, 1 . (w.b.)
3 Loja de departamentos em Berlim. (J.L.)
Nunca se deve confiar naquilo que os escritores dizem a respeito de suas próprias obras.
Quando Zola quis defender sua Therèse Raquin das críticas hostis, explicou que seu livro
era um estudo científico sobre os temperamentos. Sua intenção teria sido a de demonstrar
detalhadamente, a partir de um exemplo, como o temperamento sangüíneo e o nervoso
reagem um sobre o outro - em detrimento de ambos. Esta declaração não satisfez a ninguém.
Tampouco explica o elemento de colportagem, o caráter sanguinário, a atrocidade
cinematográfica da ação. Não é à toa que esta se desenrola em uma passagem. 4 Se este livro
de fato demonstra algo cientificamente, é a agonia das passagens parisienses, o processo de
decomposição de uma arquitetura. A atmosfera do livro está prenhe de seus venenos, e
estes fazem suas personagens sucumbir.
[H 1, 3]
Em 1893, as cocotes são expulsas das passagens.
[H 1,4]
A música parece ter se estabelecido nestes espaços apenas no momento de seu declínio,
quando as próprias orquestras começaram a tornar-se antiquadas, porque estava prestes a
surgir a música mecânica. De modo que essas orquestras de fato aí buscaram refúgio.
(O “teatrofone” nas passagens foi de certa maneira o precursor do gramofone.) E, no
entanto, havia música no espírito das passagens, uma música panorâmica que só se ouve
hoje em concertos elegantes, porém, antiquados, como, por exemplo, os da orquestra do
cassino de Monte Cario: as composições panorâmicas de David, 5 por exemplo - Le
Désert, Christophe Colomb , Herculanum. Foi motivo de orgulho poder executar Le Désert
no grande teatro da Ópera (?), por ocasião da visita a Paris de uma delegação política
árabe nos anos sessenta (?).
[H 1, 5]
“Cineoramas; Grande Globo celeste, esfera gigantesca de 46 metros de diâmetro onde será
tocada música de Saint-Saéns.” Jules Claretie, La Vie à Paris 1900, Paris, 1901, p. 61.
■ Diorama ■
[H 1, 6]
Muitas vezes, estes espaços interiores abrigam ofícios antiquados, mas também os atuais
adquirem nesses espaços um ar obsoleto. É o local dos serviços de informações e investigações
que ficam lá na luz mortiça das galerias do entressolho ao encalço do passado. Nas vitrines
dos cabeleireiros vêem-se as últimas mulheres de cabelos compridos. Ostentam cabeleiras
volumosas, ricamente onduladas que são agora “encaracolados permanentes”, penteados
artísticos petrificados. Devia-se consagrar pequenas placas votivas àqueles que criaram um
mundo próprio a partir destas construções capilares, Baudelaire e Odilon Redon, cujo
nome cai como uma mecha lindamente cacheada. Em vez disso, foram traídas e vendidas,
e a cabeça da própria Salomé foi utilizada, caso aquilo que sonha no console não seja o
corpo embalsamado de Anna Czillag. 6 E enquanto essas cabeleiras se petrificam, o
revestimento das paredes tornou-se quebradiço, na parte de cima. Quebradiços são também
■ Espelhos ■
[H Ia, 1]
4 Na Passage du Pont Neuf. (E/M)
5 Félicien David (1810-1876): músico saint-simoniano. Depois de uma viagem pelo Oriente, ele compôs o
oratório Le Désert (1846). Cf. S. Kracauer, Schriften, vol. VIII, p.,102. (J.L.)
6 Esta referência permanece obscura. (J.L.; E/M)
H
[O Colecionador] 239
É decisivo na arte de colecionar que o objeto seja desligado de todas as suas funções primitivas,
a fim de travar a relação mais íntima que se pode imaginar com aquilo que lhe é semelhante.
Esta relação é diametralmente oposta à utilidade e situa-se sob a categoria singular da
completude. O que é esta “completude” <?> É uma grandiosa tentativa de superar o
caráter totalmente irracional de sua mera existência através da integração em um sistema
histórico novo, criado especialmente para este fim: a coleção. E para o verdadeiro
colecionador, cada uma das coisas torna-se neste sistema uma enciclopédia de toda a ciência
da época, da paisagem, da indústria, do proprietário do qual provém. O mais profundo
encantamento do colecionador consiste em inscrever a coisa particular em um círculo
mágico no qual ela se imobiliza, enquanto a percorre um último estremecimento (o
estremecimento de ser adquirida). Tudo o que é lembrado, pensado, consciente torna-se
suporte, pedestal, moldura, fecho de sua posse. Não se deve pensar que o tópos hyperouranios,
que, segundo Platão, 7 8 abriga as imagens primevas e imutáveis das coisas, seja estranho para
o colecionador. Ele se perde, certamente. Mas possui a força de erguer-se novamente
apoiando-se em uma tábua de salvação, e a peça recém-adquirida emerge como uma ilha
no mar de névoas que envolve seus sentidos. — Colecionar é uma forma de recordação
prática e de todas as manifestações profanas da “proximidade”, a mais resumida. Portanto,
o ato mais diminuto de reflexão política faz, de certa maneira, época no comércio antiquário.
Construímos aqui um despertador, que sacode o kitsch do século anterior, chamando-o à
reumao .
[H n, 2]
Natureza morta: a loja de conchas das passagens. Strindberg, em “As Tribulações do Piloto”,
fala de “uma passagem cujas lojas estavam iluminadas”. “Depois ele avançou para dentro
da passagem... Havia ali lojas de todos os tipos, contudo, não se via uma só pessoa, nem
atrás dos balcões nem diante deles. Após ter andado por algum tempo, ficou parado diante
de uma grande vitrine por detrás da qual se via uma exposição completa de conchas. Como
a porta estava aberta, ele entrou. Do chão ao teto havia prateleiras com conchas de todas as
espécies, coletadas em todos os mares da Terra. Pessoa alguma se encontrava ali, mas uma
nuvem de tabaco flutuava no ar como um anel... E então ele retomou seu caminho, seguindo
o tapete azul e branco. A passagem não era em linha reta e fazia curvas, de modo que não
se via nunca o fim; e sempre novas lojas, mas não havia gente; e os proprietários eram
invisíveis.” A imensidão das passagens mortas é um tema significativo. Strindberg, Mãrchen,
Munique e Berlim, 1917, pp. 52-53, 59.
[H la, 3]
É preciso reexaminar as Fleurs du Mal para ver como as coisas são elevadas à condição de
alegoria. Deve ser observado o emprego de letras maiúsculas.
[H la, 4]
Ao final de Matière et Mémoire, Bergson desenvolve a idéia de que a percepção é uma função
do tempo. 9 Poder-se-ia dizer que, se vivêssemos segundo um outro ritmo — mais serenos
diante de certas coisas, mais rápidos diante de outras não existiria para nós nada
7 "Lugar supraceleste"; cf. Platão, Fedro, 247c. (w.b.; E/M)
8 Jogo de palavras entre Sammeln, "colecionar", e Versammlung, "reunião", com a conotação de "reunião
das coisas colecionadas", (w.b.)
9 Cf. provavelmente H. Bergson, Matière et Mémoire, in: CEuvres, Paris, P.U.F., Éd. du Centenaire, 1970,
p. 359. (J.L.)
2SÚ ■ ^ssaoers
duradouro , mas tudo se desenrolaria diante de nossos olhos, tudo viria de encontro a nós.
Ora, é exatamente isso que se passa com o grande colecionador em relação às coisas. Elas vão
de encontro a ele. Como ele as persegue e as encontra, e que tipo de modificação é provocada
no conjunto das peças por uma nova peça que se acrescenta, tudo isto lhe mostra suas coisas
em um fluxo contínuo. Aqui se observam as passagens parisienses como se fossem possessões
na mão de um colecionador. (No fundo, pode-se dizer, o colecionador vive um pedaço de
vida onírica. Pois também no sonho o ritmo da percepção e da experiência modificou-se de
tal maneira que tudo - mesmo o que é aparentemente mais neutro - vai de encontro a nós,
nos concerne. Para compreender as passagens a fundo, nós as imergimos na camada mais
profunda do sonho, falamos delas como se tivessem vindo de encontro a nós.)
[H la, 5]
“A compreensão da alegoria assume para vocês proporções que vocês mesmos ignoram;
notaremos, en passant, que a alegoria, esse gênero tão espiritual, que os pintores canhestros
nos acostumaram a desprezar, mas que é verdadeiramente uma das formas primitivas e
mais naturais da poesia, retoma sua legitima dominação na inteligência iluminada pela
embriaguez.” Charles Baudelaire, Les Paradis Artificieis, Paris, 1917, p. 73. (Do que se
segue resulta indubitavelmente que Baudelaire de fato tem em mente a alegoria, não o
símbolo. O trecho foi extraído do capitulo sobre o haxixe.) O colecionador como alegorista.
■ Haxixe ■
[H 2, 1]
A publicação da Histoire de la Société Française Pendant la Révolution et sous le Directoire
inaugurou a era do bibelo. — E não se veja nessa palavra uma intenção depreciativa; o
bibelo historico outrora chamou-se relíquia. Remy de Gourmont, Fe Deuxibne Livre des
Masques, Paris, 1924, p. 259. Comenta-se a obra dos irmãos Goncourt.
[H 2, 2]
O verdadeiro método de tornar as coisas presentes é representá-las em nosso espaço (e não
nos representar no espaço delas). (Assim procede o colecionador e também a anedota.)
As coisas, assim representadas, não admitem uma construção mediadora a partir de
“grandes contextos”. Também a contemplação de grandes coisas do passado - a catedral
de Chartres, o templo de Paestum — (caso ela seja bem-sucedida) consiste, na verdade,
em acolhê-las em nosso espaço. Não somos nós que nos transportamos para dentro
delas, elas é que adentram a nossa vida.
[H 2, 3]
No fundo, é um fato bastante estranho que objetos de coleção sejam fabricados como tais
de maneira industrial. Desde quando? Seria preciso pesquisar as diferentes modas que
dominaram a arte de colecionar no século XIX. A mania das xícaras foi característica do
Biedermeier — também o foi na França? Pais, filhos, amigos, parentes, os superiores e
subordinados exprimem seus sentimentos sob a forma de xícaras; a xícara é o presente
preferido, o enfeite predileto; assim como Frederico Guilherme III enchia seu escritório de
pirâmides de xícaras de porcelana, assim também o burguês colecionava nas xícaras de seu
aparador a lembrança dos acontecimentos mais importantes, as horas mais preciosas de sua
vida.” Max von Boehn, Die Mode im XIX Jahrhundert, vol. II, Munique, 1907, p. 136.
[H 2, 4]
H
[O Colecionador]
241
Possuir e ter estão relacionados ao caráter tátil e se opõem em certa medida à percepção
visual. Colecionadores são pessoas com instinto tátil. A propósito, com o abandono do
naturalismo terminou recentemente a primazia do óptico que dominou o século anterior.
■ Flâneur ■ Flâneur óptico, colecionador tátil . 10
’H 2, 5]
Matéria fracassada: é a elevação da mercadoria à condição de alegoria. Caráter fetiche da
mercadoria e alegoria.
.H 2, £
Pode-se partir do fato de que o verdadeiro colecionador retira o objeto de suas relações
funcionais. Esse olhar, porém, não explica a fundo esse comportamento singular. Pois não
é esta a base sobre a qual se constrói uma contemplação “desinteressada” no sentido de Kant
e de Schopenhauer, de tal modo que o colecionador consegue lançar um olhar incomparável
sobre o objeto, um olhar que vê mais e enxerga diferentes coisas do que o olhar do proprietário
profano, e o qual deveria ser melhor comparado ao olhar de um grande fisiognomonista.
Entretanto, o modo como este olhar se depara com o objeto deve ser presentificado de
maneira ainda mais aguda através de uma outra consideração. Pois é preciso saber: para o
colecionador, o mundo está presente em cada um de seus objetos e, ademais, de modo
organizado. Organizado, porém, segundo um arranjo surpreendente, incompreensível para
uma mente profana. Este arranjo está para o ordenamento e a esquematização comum das
coisas mais ou menos como a ordem num dicionário está para uma ordem natural. Basta
que nos lembremos quão importante é para cada colecionador não só o seu objeto, mas
também todo o passado deste, tanto aquele que faz parte de sua gênese e qualificação
objetiva, quanto os detalhes de sua história aparentemente exterior: proprietários anteriores,
preço de aquisição, valor etc. Tudo isso, os dados “objetivos”, assim como os outros, forma
para o autêntico colecionador em relação a cada uma de suas possessões uma completa
enciclopédia mágica, uma ordem do mundo, cujo esboço é o destino de seu objeto. Aqui,
portanto, neste âmbito estreito, é possível compreender como os grandes fisiognomonistas 1 1
(e colecionadores são fisiognomonistas do mundo das coisas) tornam-se intérpretes do
destino. Basta que acompanhemos um colecionador que manuseia os objetos de sua vitrine.
Mal segura-os nas mãos, parece estar inspirado por eles, parece olhar através deles para o
longe, como um mago. (Seria interessante estudar o colecionador de livros como o único
que não necessariamente desvinculou seus tesouros de seu contexto funcional.)
[H 2. 7; H 2a, 1]
Pachinger, o grande colecionador, amigo de Wolfskehl, formou uma coleção que, pelo
caráter proscrito e degradado dos objetos, se podia comparar com a de Figdor em Viena.
Ele mal se lembra como as coisas se situam no mundo e explica a seus visitantes não apenas
os aparelhos antigos, mas também os lenços, espelhos de mão etc. Conta-se que um dia,
passando pelo Stachus , 12 ele se abaixou para pegar alguma coisa no chão. Era algo que
10 Ver, no entanto, H 2, 7; H 2a, 1, sobre o "olhar" do colecionador. (E/M)
11 0 termo "fisiognomonista" (physiognomoniste) é empregado também por Baudelaire e Proust (á la
Recherche du Temps Perdu, I, p. 855). (J.L.)
12 Nome familiar da Karlsplatz, grande praça de Munique, perto da estação central. Albert Figdor (1843-
1927): grande colecionador austríaco, aconselhado por Alois Riegl. Anton Maximilían Pachinger
(1864-1938): outro colecionador. (J.L.)
242 ■ Massagens
estava procurando há semanas: uma passagem de bonde com erros de impressão, que
circulara apenas por umas poucas horas. 2a 2]
Uma apologia do colecionador não deveria passar ao largo destas invectivas: “A avareza e a
velhice, observa Gui Patin, andam sempre juntas. A necessidade de acumular é dos sinais
precursores da morte, tanto nos indivíduos quanto nas sociedades. Ela surge em seu estado
agudo nos períodos pré-paralíticos. Há também a mania da coleção, em neurologia o
colecionismo’. / Desde a coleção de grampos de cabelo até a caixa em papelão trazendo a
inscrição: Pequenos pedaços de barbante não servindo para nada. Les 7 Péchés Capitaux,
Paris, 1929, pp. 26-27 (Paul Morand, “Lavarice”). C£, no entanto, a arte de colecionar
das crianças!
“Não estou certo se teria me envolvido totalmente na observação deste único acontecimento
se não tivesse visto esta quantidade de coisas fantasticas misturadas aleatoriamente na loja
do vendedor de antigüidades. Vinham-me ao espírito constantemente quando pensava
naquela criança e, amontoados em torno dela, fizeram passar ante meus olhos a situação
desta pequena criatura com clareza palpável. Sem dar asas a minha imaginação, vi o retrato
de Nell cercado por tudo que contrariava sua natureza e se distanciava inteiramente dos
desejos de sua idade e sexo. Se este ambiente não tivesse existido e eu tivesse que imaginar
a criança em um quarto comum, no qual nada fosse extraordinário ou insolito, sem duvida
sua vida singular e solitária teria me impressionado muito menos. Assim sendo, pareceu-
me que ela vivia numa espécie de alegoria. Charles Dickens, Der Rãritãtenladen (A loja de
antigüidades), Leipzig, ed. Insel, pp. 18-19. 13 ^
Wiesengrund em um ensaio não publicado 14 sobre A Loja de Antigüidades, de Dickens: “A
morte de Nell é contida nesta frase: ‘Havia ali mais algumas miudezas, objetos pobres, sem
valor, que talvez ela tivesse gostado de levar - mas era impossível.’ ...Mas Dickens reconheceu
que a possibilidade da transição e da salvação dialética é inerente a esse mundo das coisas,
rejeitadas, perdidas. E o exprimiu melhor do que a superstição romântica da natureza
jamais seria capaz, naquela poderosa alegoria do dinheiro que serve de desfecho a
representação da cidade industrial: ...eram duas moedas de centavo, velhas, gastas, de um
marrom enfumaçado. Quem sabe se não brilham mais gloriosas nos olhos dos anjos que as
letras douradas inscritas nos túmulos?’”
13 Ch. Dickens, The Old Curiosity Shop, Londres, Heron Books, 1970, p. 16 (cap. 1). (E/M)
14 Diferentemente do que informa Benjamin, o ensaio de Adorno foi publicado. Rede über den
'Raritãtenladen' von Charles Dickens", Frankfurter Zeitung, 18/04/1931 (ano 75, n° 285), pp. 1-2;
reimpresso in: Adorno, Gesammelte Schriften, vol. XI, Noten zur Literatur, ed. org. por R. Tiedemann,
Frankfurt a. M„ 1974, p. 522. - As passagens de Dickens, The Old Curiosity Shop, encontram-se
respectivamente nos capítulos 1 2 e 44. (R.T.; E/M)
H
[O Colecionador] 243
<fase média>
vsrfil 01 r ted0S r a Í 0reS COmpÕe SUa C0leçã0 deixa ndo-se guiar pela sorre, como os
, 7 OS bUqUlnand °- ° Sn Thiers Procedeu diferentemente: antes de reunir sua colecão
de a formara mtetramente em sua cabeça; fizera seu plano, e esse plano, ele levou tteía
:;7- P ai a executa - 10 - ° T hiers possui o que quis possuir... De que se tratavar De
0 - K Cm d 7' U , m reSUmo do unlvers °. isto é, conter num espaço de aproximadamente
;,; R a metros quadrados, Roma e Florença, Pompéia e Veneza, Dresde e Haia, o Vaticano
; Sr “ ’ °7 USC nramC0 e ° prniita 8 e > o Alfiambra e o Palácio de Verão... Pois bem
- - • hiers pode realizar um projeto tão amplo com despesas moderadas, feitas cada ano
7™ rnnra anOS "‘- Q 7 rendo flxar ’ de rodo, sobre as paredes de sua residência os
r 5 PreaOSOS SU 7 mrS de SUas vla S e ” s ’ o Sr. Thiers mandou executar ... cópias reduzidas
^ pmturas mais famosas... Assim, entrando em sua casa, encontramo-nos, antes de tudo
- ^ obraS / pnm 7 qUe eclodiram na Itália durante o século de Leão X. A parede em
tente as janelas e ocupada pelo Ultimo Julgamento, colocado entre A Disputa do Santo-
t^Tco C \ 7 t A t enaS - A AttUnÇb ^ TÍClan ° deC ° ra 3 Parte SU P edor da Wa,
7r C A Co ™ Unhao * Saojerommo e a Transfiguração. A Madona cU São-Sixto faz par com a
t-" ’ 6 7 S CSpaÇOS Cntre 35 Í andaS eStão ^qttadradas as Sibilos de Rafael, entre o
7 adr ° re P resent ando Gregório IX que entrega as bulas papais a um advogado
PK--7 a prand T “ P T’ à mesma escaR ou fi uase - o olhar encontra com
^ S: itx Sío pintadas a " ch “ fa bi - *
[H 3, I]
Tasimir Périer disse um dia, visitando a galeria de quadros de um ilustre amador...: Tudo
C^wL T' maS Sã0 , capitais que do troem’... Hoje... poderiamos responder a
, - que - os quadros..., quando sao mesmo autênticos, os desenhos, quando
«reconhece neles o traço do mestre ... dormem um sono reparador e proveitoso .. A ...
i ate - -5n ^ r OS1 - 3 eS i e i d0S quadros do Sr> R ' • ■ ' Provou por algarismos que as obras de
Va °res tao solldos quanto os títulos da companhia ferroviária Orléans e um
5T“ malS S . e 77 qUe 05 das lo l' as de departamentos. ” 1 5 Charles Blanc, Le Trésor de k
, vol. II, Paris, 1858, p. 578.
I [H 3, 2]
oposto ao colecionado, que , x mesmo tempo, representa seu a r»rfrirmm,n,„
que real, za a l.bertaçáo das cisas da serndão de serem úreis, deve se, apresentado
C“° fo J muUçi0 ‘A propriedade pnvada , ornou-nos ráo rolos e inerres
»=«_- ob,eto e nosso apenas quando o possuímos, portanto, quando existe para nós oomo
?T ^“ do e - Por nós." Karl Marx, Der historische Maurialhmm: Die
P^WmieZ 1^“' ' Ml? “' 1923 ’ ™‘- '• -
[H 3a. 1J
ho W de rodos os sentidos físicos e espirituais ... foi tomado pela simples alienação de
l=SKS ^ nn ° S ’ 0 sentldo do ter - (Sobre a categoria do ter, ver Hess em “21 Bogen” (21
- -ara compreender as referências lacônicas do original francês, T Orléans" e "les docks" nós nos
apoiamos na tradução de E/M. (w.b.)
244 ■ Massagens
Folhas).) Karl Marx, Der historische Materialismus, Leipzig, vol. I, p. 300 (“Nationalõkonomie
und Philosophie”).
r [H 3a, 2]
“Praticamente, só posso ter um comportamento humano em relação à coisa quando a coisa
tem um comportamento humano em relação ao homem.” Karl Marx, Der historische
Materialismus, Leipzig, I, p. 300 (“Nationalõkonomie und Philosophie ).
[H 3a, 3]
As coleções de Alexandre de Sommerard no fundo do Museu Cluny.
[H 3a, 4]
O quodlibe possui algo do engenho do colecionador e do flâneur.
[H 3a, 5]
O colecionador atualiza latentes representações arcaicas da propriedade. Estas representações
poderiam de fato ter relação com o tabu, como indica a seguinte observação: “É certo que o
tabu é a forma primitiva da propriedade. Primeiro emotivamente e sinceramente’, depois
como procedimento corrente e legal, o uso do tabu constituía um título. Apropriar-se de um
objeto é torná-lo sagrado e temível para qualquer outra pessoa, é torná-lo participante de si
mesmo.” N. Guterman e H. Lefebvre. La Conscience Mystifiée, Paris, 1936, p. 228.
[H 3a, 6]
Trechos de Marx, extraídos de “Nationalõkonomie und Philosophie”: “A propriedade privada
tornou-nos tão tolos e inertes que um objeto é nosso apenas quando o possuímosP “O lugar
de todos os sentidos físicos e espirituais ... foi tomado pela simples alienação de todos estes
sentidos, o sentido do ter.” Cit. por Hugo Fischer, Karl Marx und sein Verhãltnis zu Staat
und Wirtschafi, Jena, 1 932, p. 64.
[H 3a, 7]
Os ancestrais de Balthazar Claès 1 ' eram colecionadores.
[H 3a, 8]
Modelos para o Primo Pons\ Sommerard, Sauvageot, Jacaze.
[H 3a, 9]
<fase tardia>
É importante o lado fisiológico do ato de colecionar. Não deixar de ver, ao analisar este
comportamento, que o ato de colecionar adquire uma evidente função biológica na construção
dos ninhos pelos pássaros. Parece haver uma alusão a isso no Trattato suWArchitectura, de
Vasari. Pavlov também teria se interessado por colecões.
[H 4, 1]
16 Composição musical que combina os mais diversos tipos de melodias, (w.b.)
17 O herói de La Recherche de 1'Absolu, de Balzac. (J.L)
H
[O Colecionador] 245
\ásaii teria afirmado - no Trattato suWArchitecturàt - que o conceito de “grotesco” deriva
das grutas nas quais os colecionadores guardam seus tesouros.
Coiecionar é um fenômeno primevo do estudo: o estudante coleciona saber.
[H 4, 2]
[H 4, 3]
m. relação do homem medieval com suas coisas é descrita por Huizinga por ocasião da
pnbse do gênero literário testamento : Esta forma literária só é ... compreensível quando
se esquece que, através do testamento, o homem medieval realmente estava acostumado
a dispor em detalhe e completamente mesmo sobre a coisa mais ínfima (!) dentre seus
- tes. Uma mulher pobre legou à sua paróquia seu vestido de domingo e seu capuz; sua
cama a seu afilhado, uma peliça à sua enfermeira, sua roupa de todos os dias a uma pobre
c quatro libras tornesas (sic) que constituíam sua fortuna, além de mais um vestido e uma
Mapa aos Frades Menores (Champion, Villon, vol. II, p. 182). Não se reconhece aqui também
■ma expressão bastante trivial da mesma linha de pensamento que fazia de cada virtude
■m exemplo eterno, de todo costume uma disposição divina?” J. Huizinga, Herbst des
mOttelalters (O Declínio da Idade Média), Munique, 1928, p. 346. O que chama sobretudo
(■ atenção neste trecho significativo é que uma tal relação com os bens móveis não seria mais
— fvel, por exemplo, na era da produção em massa estandardizada. Com isso, chegaríamos
ia perguntar se estas formas de argumentação a que alude o autor e certas formas de raciocínio
escolástica em geral (referência à autoridade herdada) não estariam relacionadas às formas
Ur produção. O colecionador - para quem as coisas se enriquecem através do conhecimento
Ur sua gênese e sua duração na história — estabelece com elas uma relação semelhante que
agora parece arcaica.
[H 4, 4]
Talvez
a mi;
o motivo mais recôndito do colecionador possa ser circunscrito da seguinte forma:
empreende a luta^contra a dispersão. O grande colecionador é tocado bem na origem
confusão, peIã~3lspefsao em que se encontram as coisas no mundo. Foi o mesmo
'culo que ocupou tanto os homens da era barroca; em especial, não se pode explicar
lagem de mundo do alegorista sem o envolvimento passional provocado por esse
culo. O alegorista é por assim dizer o pólo oposto ao colecionador. Ele desistiu de
r dar as coisas através da pesquisa do que lhes é afim e do que lhes é próprio. Ele as
~a de seu contexto e desde o princípio confia na sua meditação 18 para elucidar seu
içado. O colecionador, ao contrario, reúne as coisas que são afins; consegue, deste
! o, informar a respeito das coisas através de suas afinidades ou de sua sucessão no
. No entanto — e isto e mais importante que todas as diferenças que possa haver entre
— , em cada colecionador esconde-se um alegorista e em cada alegorista, um colecionador,
que se refere ao colecionador, sua coleção nunca está completa; e se lhe falta uma única
\ tudo que colecionou não passará de uma obra fragmentária, tal como são as coisas
e o princípio para a alegoria. Por outro lado, justamente o alegorista, para quem as
is representam apenas verbetes de um dicionário secreto, que revelará seus significados
iniciado, nunca terá acumulado coisas suficientes, sendo que uma delas pode tanto
s substituir a outra que nenhuma reflexão permite prever o significado que a meditação
reivindicar para cada uma delas.
[H 4a, 1]
18
Meditação'’ traduz Tiefsinn ; d. o penúltimo segmento de ODBA: Grenze des Tiefsinns = "Limites da
meditação", (w.b.)
Passaoerts
Animais (pássaros, formigas), crianças e velhos como colecionadores.
[H 4a, 2]
Uma espécie de desordem produtiva é o cânone da “memória involuntária” assim como do
colecionador. “E minha vida já era bastante longa para que dentre os seres que ela me
oferecia eu encontrasse, em regiões opostas de minhas lembranças, um outro ser para
completá-lo... Assim um amante da arte, a quem se mostra uma parte de um retábulo,
lembra-se em qual igreja, em qual museu, em qual coleção particular estão dispersas as
outras; (assim também, ao seguir os catálogos de vendas ou freqüentando os antiquários,
ele acaba por encontrar o objeto gêmeo daquele que possui e que faz par com ele; ele pode
reconstituir em sua cabeça a predela, o altar inteiro).” Marcei Proust, Le Temps Retrouvé ,
Paris, vol. II, p. 158. 19 A memória voluntária, ao contrário, é um fichário que fornece um
número de ordem ao objeto, atrás do qual ele desaparece. “Foi aí que estivemos.” (“Vou
registrar este momento na minha memória.” 20 ) Resta examinar qual o tipo de relação que
existe entre a dispersão dos acessórios alegóricos (da obra fragmentária) e esta desordem
criativa.
[H 5, 1]
19 M. Proust À la Recherche du Temps Perdu, III, pp. 972 etseq. (J.L.) - Sobre a relação do colecionador
com a memória e o mundo das coisas, cf. Q°, 7. (E/M)
20 Esta tradução livre da frase "Es war mirein Erlebnis" (literalmente: "Foi uma vivência para mim") procura
realçar a diferença, fundamental para Benjamin, entre a memória voluntária, ativada pela "vivência",
Erlebnis, e a memória involuntária, que surge a partir da "experiência", Erfahrung. (w.b.)
I
[0 Intérieur, o Rastro]
“Em 1830, o Romantismo triunfava na literatura. Invadiu a arquitetura e exibiu na fachada
das casas um gótico de fantasia, exibição muitas vezes moldada em gesso. Impôs-se à
ebanisteria. ‘De repente’, diz o relator da exposição de 1834, ‘surge um entusiasmo pelo
mobiliário de formas estranhas: foram copiadas dos velhos castelos, dos antigos guarda-
móveis e dos depósitos de móveis usados, a fim de decorar salões, modernos quanto a todo
o resto...’ Os fabricantes seguiam essa inspiração e eram pródigos em utilizar em seus
móveis ‘ogivas e balestreiros’: viam-se camas e armários guarnecidos de ameias, como fortalezas
do século XIII.” E. Levasseur, Histoire des Classes Ouvrières et de Llndustrie en Frartce de 1780
à 1870, Paris, 1904, vol. II, pp. 206-207.
[ii. 0
Em Behne, esta boa observação a propósito de um armário medieval: “O mobiliário
desenvolveu-se muito claramente a partir do imobiliário.” Além disso, o armário é comparado
a uma “fortificação medieval. Da mesma forma em que nesta um diminuto compartimento
habitável é circundado por muros, valas e fossos, que se ampliam em anéis cada vez mais
largos ao seu redor, como uma poderosa obra exterior, também aqui o conteúdo de gavetas
e prateleiras está comprimido sob uma forte obra exterior.” Adolf Behne, Neues Wohnen,
Neues Bauen, Leipzig, 1927, pp. 59, 61-62.
[ 11 , 2 ]
A importância do mobiliário junto com o imobiliário. Aqui, a nossa tarefa torna-se
ligeiramente mais fácil. É mais fácil abrir um caminho até o coração das coisas abolidas,
para decifrar os contornos do banal como uma imagem oculta, enxotar das entranhas
silvosas um Guilherme Tell escondido, ou poder responder à pergunta “onde está a noiva?”.
Há muito, a psicanálise descobriu as imagens ambíguas como esquematismos do trabalho
onírico. Nós, porém, com a mesma convicção, estamos menos no rastro da alma do que
no rastro das coisas. Procuramos a árvore totêmica dos objetos na selva da história primeva.
A última careta, a careta ao topo desta árvore totêmica, é o kitsch.
[I 1. 3]
O confronto com o mobiliário em Poe. Luta pelo despertar do sonho coletivo.
[I 1. 4]
24 S ■ Massagens
Como o intérieur defendeu-se da iluminação a gás: “Hoje, quase todas as casas novas têm
gás; ele queima nos pátios internos e na escada, mas ainda não tem direito de cidadania nos
apartamentos; é admitido na sala de espera, algumas vezes mesmo na sala de jantar, mas
não é aceito no salão. Por quê? Ele desbota o papel de parede. Este foi o único motivo que
puderam me dar, e isso não tem valor algum.” Du Camp, Paris , vol. V, p. 309.
Ui, 51
Hessel fala da “época sonhadora do mau gosto”. Sim, esta época estava decorada para o
sonho, estava mobiliada de sonho. A alternância de estilos - gótico, persa, renascença etc.
- significava: ao intérieur da sala de jantar burguesa sobrepunha-se uma sala de banquetes
de César Bórgia, do boudoir da dona da casa emerge uma capela gótica, o escritório do dono
da casa transmuda-se de forma irisante no aposento de um sheik persa. A fotomontagem
que fixa tais imagens para nós corresponde à forma de intuição mais primitiva destas
gerações. Apenas gradualmente as imagens sob as quais elas viviam desligaram-se e
depuseram-se em anúncios, etiquetas, cartazes, como as figuras da publicidade.
Uma série de litografias por volta de 1 8<---> 1 mostrava mulheres estendidas de forma
voluptuosa sobre a otomana, em um boudoir à meia-luz, envolto em cortinas, e estas
folhas traziam a inscrição: À beira do Tejo , À beira do Neva, A beira do Sena, e assim por
diante. O Guadalquivir, o Ródano, o Reno, o Aare, o Tâmisa, todos entraram em cena.
Não se deve imaginar que um traje típico nacional tivesse diferenciado estas figuras femininas
umas das outras. Cabia à legenda destas imagens femininas projetar o encantamento de
uma paisagem de fantasia sobre os espaços interiores aí representados.
Apresentar a imagem daqueles salões em cujos umbrais acortinados e almofadas intumescidas
o olhar se enredava, em cujos espelhos se refletiam portais de igrejas, e cujas conversadeiras
se revelavam como gôndolas, ante o olhar dos convidados, sobre as quais incidia a iluminação
a gás vinda de um globo de vidro, como a lua.
[II, 8]
“Vimos o que nunca acontecera antes: o casamento de estilos que podíamos pensar
que jamais ‘se casariam’: chapéus do Primeiro Império ou da Restauração com jaquetas
Luís XV; vestidos no estilo Diretório com botas de salto alto - melhor ainda, redingotes
de cintura baixa enfiados sobre vestidos de cintura alta.” John Grand-Carteret, Les
Elégances de la Toilette, Paris, p. XVI.
[I la, 1]
Nome de diferentes tipos de vagões de trem dos primórdios da estrada de ferro: berlindas
(fechadas ou abertas), diligências, vagões decorados, vagões não decorados. ■ Construção
em ferro ■
[1 la, 2 ]
“Neste ano também a primavera chegou mais cedo e mais linda do que nunca, tanto que
mal conseguimos nos lembrar se aqui existe inverno e se as lareiras servem para outra coisa
senão para acomodar os lindos pêndulos e candelabros que, como se sabe, não devem faltar
em aposento algum - pois o verdadeiro parisiense prefere comer diariamente uma refeição
1 Benjamin deixou um espaço em branco, para poder acrescentar o ano exato. (R.T.)
I
[O Intérieur, o Rastro] 249
a menos do que renunciar ao seu enfeite de lareira’.” Lebende Bibier aus dem modemen
Paris , 4 vols., Colônia, 1863-1866, vol. II, p. 369 (“Um quadro familiar do Império”).
[I la, 3]
Magia do limiar. Na entrada da pista de patinação, da cervejaria, da quadra de tênis, dos
pontos turísticos: penates. A galinha que bota ovos dourados de chocolate, a máquina que
imprime nosso nome, máquinas de jogos de azar, a máquina que lê a sorte e, principalmente,
balanças de peso automáticas - o moderno gnothi sedutor? de Delfos — guardam o limiar.
Surpreendentemente, elas não prosperam na cidade — fazem parte dos pontos turísticos,
das cervejarias dos subúrbios. E nas tardes de domingo o passeio não se dirige apenas para
lá, para o campo, mas também para os limiares misteriosos. De forma mais oculta, este
mesmo encanto reina também no intérieur da casa burguesa. Cadeiras postas ao lado de
um limiar, e fotos que flanqueiam o caixilho da porta, são decadentes deuses do lar, e a
violência que eles têm de atenuar atinge através da campainha o nosso coração ainda hoje.
Que se experimente resistir a ela. Sozinhos numa casa, tentemos não atender a uma
campainha insistente. Perceberemos que é tão difícil quanto um exorcismo. Como toda
substância mágica, também esta, em algum momento, se rebaixou no sexo, como
pornografia. Por volta de 1830, Paris divertia-se com litografias insinuantes, com portas e
janelas corrediças. Eram as images dites à portes et à fenêtres, de Numa Bassajet.
[I la, 4 ]
Sobre o intérieur sonhador, se possível, oriental: “Todos aqui sonham com a felicidade
repentina, todos querem obter de uma só vez tudo aquilo que se conquistaria, em tempos de
paz e de trabalho, com o esforço de toda uma vida. As invenções dos poetas estão cheias de
súbitas metamorfoses de existências domésticas; todos vibram por marquesas, princesas, pelos
milagres das mil e uma noites. Há uma embriaguez de ópio que acometeu o povo inteiro.
A indústria fez mais estragos nesse sentido do que a poesia. A indústria produziu o logro
das ações da Bolsa, a exploração de todas as coisas que se queira transformar em necessidades
artificiais, e os ... dividendos.” Gutzkow, Briefe aus Paris, Leipzig, 1842, vol. I, p. 93.
[I la, 5]
“Enquanto a arte busca o intimismo ... a indústria marcha avante.” Octave Mirbeau, in: Le
Figaro, 1889 (cf. Encyclopédie dArchitecture, 1889, p. 92).
[I la, 6]
Sobre a exposição de 1867. “Estas galerias altas, de quilômetros de extensão, tinham uma
grandeza indiscutível. O barulho das máquinas as preenchia. Não se deve esquecer que,
por ocasião de celebrações que ficaram famosas durante esta exposição, ainda havia carruagens
puxadas a oito cavalos. Como nos aposentos modernos, tentou-se suavizar estas galerias de
25 metros de altura com instalações que lembravam o mobiliário, e atenuar o ar austero da
construção. Tinha-se medo de sua própria grandeza.” Sigfried Giedion, Bauen in Frankreich,
Leipzig e Berlim, 1928, p. 43.
[I la, 7]
O caráter de fortificação permanece tanto nos móveis quanto nas cidades sob a burguesia:
“A cidade fortificada foi até aqui o empecilho que sempre paralisou o urbanismo.” Le
Corbusier, Urbanisme, Paris, 1925, p. 249.
[I la, 8]
2 "Conhece-te a ti mesmo"; cf. M°, 24. (w.b.)
A antiquíssima correspondência entre casa e armário adquire uma nova variante através da
utilização de vidros de fundo de garrafa nas portas de armário. Desde quando? Isto também
existiu na França?
[I la, 9]
O paxá burguês na fantasia dos contemporâneos: Eugène Sue. Ele possuía um castelo na
Sologne. Dizem que ali havia um harém cheio de mulheres de cor. Após sua morte, surgiu
a lenda segundo a qual os jesuítas o teriam envenenado.
[12,1]
Gutzkow relata que os salões de exposição estariam cheios de cenas orientais que deveriam
despertar o entusiasmo pela Argélia.
[I 2, 2]
Sobre o ideal da “distinção”. “Tudo tende ao arabesco, à chanfradura e à torção complicada.
Mas o que o leitor talvez não perceba à primeira vista é que também na maneira de colocar e
dispor as coisas a distinção se impõe - e justamente isto nos leva de volta precisamente ao
cavaleiro. / O tapete no primeiro plano está colocado em diagonal, atravessado. As cadeiras à
frente estão colocadas em diagonal, atravessadas. Certamente isto poderia ser uma
casualidade. Mas quando encontramos esta tendência de colocar os objetos em diagonal e
atravessados, por toda parte, em todas as moradias de todas as camadas e classes sociais — e isto
é um fato — então já não pode ser uma casualidade... Primeiramente: colocar em diagonal,
atravessado, confere uma aparência distinta. Também neste caso, em sentido literal. Através
dessa disposição em diagonal, o objeto se destaca do todo, como no caso deste tapete... Mas
o motivo mais profundo disso tudo reside, aqui também, na insistência em manter uma atitude
de luta e de defesa que continua a atuar no inconsciente. / Para defender um pedaço de terra,
posiciono-me convenientemente em diagonal, pois assim tenho uma visão livre para os dois
lados. Por essa razão, os bastiões das fortalezas foram construídos em ângulos salientes... E não
é que o tapete assim colocado fãz lembrar tal bastião?... / Assim como o cavaleiro, quando fareja
um ataque, se coloca em diagonal, pronto para mover-se para a direita e para a esquerda,
também o inofensivo burguês, séculos depois, dispõe seus objetos de arte de forma que qualquer
um deles, seja por um simples distanciamento dos demais, continue a ter ao seu redor o fosso
e a vala. De fato, ele é um pequeno-burguês de arma em punho, um Spkssbürger 0 . ” Adolf Behne,
Neues Wohnen - Neues Bauen , Leipzig, 1927, pp. 45A8. À guisa de explicação, em tom semi-
sério, o autor observa: “Os senhores que podiam se dar ao luxo de possuir uma mansão queriam
marcar sua posição superior. Era, pois, normal que tomassem de empréstimo formas feudais,
formas cavaleirescas.” Behne, op. cit, p. 42. Uma abordagem mais universal é oferecida por Lukács,
que afirma ser característico para a burguesia, do ponto de vista histórico-filosófico, que seu novo
adversário, o proletariado, tivesse adentrado o campo de batalha antes de ela ter dominado
o adversário antigo, o feudalismo. E ela nunca seria capaz de vencê-lo totalmente.
[I 2. 3]
Maurice Barrès caracterizou Proust como “um poeta persa num quarto de conciergé’. Poderia
o primeiro autor a penetrar o enigma do intérieur do século passado ser alguém diferente?
(Cit. em Jacques-Émile Blanche, Mes Modeles , Paris, 1929 (?)). 3 4
d 2, 4]
3 A palavra Spiessbüiyer, que significava originalmente "cidadão armado de lança", passou a designar um
indivíduo de visão restrita, um pequeno-burguês filisteu. (Giorgio Agamben)
4 Cf. M. Barrès, cit. em J.-É. Blanche, Mes Modeles, Paris, 1929, p. 117: "Un conteur arabe dans la loge
de la portière!" Parece que Benjamin, na referida citação, substituiu de propósito a palavra "portière"
por "concierge"; cf. GS II, 318 e 1067-1068. (R.T.)
I
[0 /ntérieur, o Rastro] 251
Anúncio publicado nos jornais: “Aviso. — O senhor Wiertz se oferece para pintar
gratuitamente quadros para amantes da pintura que possuam um Rubens ou um Rafael —
originais — , e queiram colocar sua obra ao lado de um ou de outro desses mestres. A. J.
Wiertz, CEuvres Littéraires, Paris, 1870, p. 335.
1 2. 5]
O intérieur do século XIX. O espaço se disfarça, assumindo a roupagem dos estados de
ânimo como um ser sedutor. O pequeno-burguês satisfeito consigo mesmo deve experimentar
algo da sensação de que no aposento ao lado pudessem ter ocorrido tanto a coroação do
imperador Carlos Magno como o assassinato de Henrique IV, a assinatura do Tratado de
Verdun ou o casamento de Otto e de Teófano. Ao final, as coisas são apenas manequins, e
mesmo os grandes momentos da história universal são apenas roupagens sob as quais elas
trocam olhares de conivência com o nada, com o trivial e o banal. Semelhante niilismo é o
cerne do aconchego burguês; um estado de espírito que se condensa na embriaguez do
haxixe em satisfações satânicas, em saber satânico, em quietude satanica, mas que assim
revela como o intérieur dessa época é, ele mesmo, um estimulante da embriaguez e do sonho.
Aliás, este estado de espírito implica uma aversão contra o espaço aberto, por assim dizer,
uraniano, que lança uma nova luz sobre a extravagante arte decorativa dos espaços interiores
da época. Viver dentro deles era como ter se enredado numa teia de aranha espessa, urdida
por nós mesmos, na qual os acontecimentos do mundo ficam suspensos, esparsos, como
corpos de insetos ressecados. Esta é a toca que não queremos abandonar.
Sobre minha segunda experiência com o haxixe. Escada no ateliê de Charlotte Joél. Eu
disse: “Uma estrutura na qual apenas figuras de cera podem habitar. Com isso posso realizar
tantas coisas plasticamente. Piscator e companhia podem ser esquecidos. Tenho a
possibilidade de modificar toda a iluminação com minúsculas alavancas. Posso transformar
a casa de Goethe na ópera de Londres. Posso fazer a partir daí uma leitura de toda a historia
do mundo. Percebo no espaço por que coleciono as imagens de colportagem. Posso ver
tudo na sala: os filhos de Carlos III e tudo que o senhor desejar.” 5
“As golas pontudas e os enchimentos nas mangas ... que se imaginava erroneamente ser o
traje das antigas damas medievais.” Jacob Falke, Geschichte des modernen Geschmacks , Leipzig,
1866, p. 347.
[I 2a, 2]
“Desde que foram abertas as cintilantes passagens entre as ruas, o Palais-Royal perdeu
muito. Dizem alguns que isso se deu desde que ele se tornou virtuoso. Os antigos e diminutos
cabinets particuliers , outrora tão mal-afamados, tornaram-se agora a sala de fumantes dos
cafés. Todo café tem uma sala de fumantes que é denominada divan .’ Gutzkow, Briefe aus
Paris, Leipzig, 1842, vol. I, p. 226. ■ Passagens ■
“A grande exposição industrial de Berlim está cheia de salas imponentes no estilo renascença; até
mesmo o cinzeiro tem ares de antigo, os reposteiros rêm de ser segurados por arqueiros, e o vidro
dc fundo de garrafa reina na janela e no armário.” 70 Jabre deutsche Mode, 1925, p. 72. ^ ^
5 A experiência foi realizada em janeiro de 1 928. A anotação é de Ernst Bloch; cf. Benjamin, Proíokolle zu
Droqenversuchen", GS VI, pp. 558-618, a passagem citada encontra-se na p. 567. (R.T.; J.L.)
2^2 ■ =1 assaçens
Uma observação do ano de 1837. “Era então a época na qual reinava a antigüidade clássica
como hoje em dia reina o rococó. Com um toque de sua varinha mágica, a moda ...
metamorfoseou o salão em um átrio, as poltronas de braços em cadeiras curul, os vestidos
de cauda em túnicas, os copos em taças, os sapatos em coturnos, e as guitarras em liras.”
Sophie Gay, Der Salon der Fraulein Contet (in: Europa: Chronik der gebildeten Welt, ed. por
August Lewald, 1837, vol. I, Leipzig e Stuttgart, p. 358). Daí a piada: “Qual é o cúmulo
do embaraço?” “Quando alguém traz uma harpa a uma festa e ninguém lhe pede para
tocar.” Esta piada, que também lança luz sobre um tipo de intérieur, tem sua origem
provavelmente no Império.
[I 2a, 5]
“Quanto ao mobiliário baudelairiano, que certamente era o do seu tempo, que ele sirva de
lição às damas elegantes de nossos últimos vinte anos, as quais não admitiam em sua residência
a menor falta de gosto. Que diante da pretensa pureza de estilo que tiveram tanta dificuldade
em atingir, elas considerem que foi possível ser o maior e o mais artístico dos escritores, não
pintando senão camas com cortinas’ que se fecham ... salas parecidas com estufas..., camas
cheias de suaves odores, divãs profundos como túmulos, aparadores com flores, lâmpadas
que não iluminavam por muito tempo..., de forma que não se tinha mais que a luz de um
fogo de carvão.” Marcei Proust, Chroniques, Paris, 1927, pp. 224-225. (As referências
bibliográficas, marcadas por..., não foram indicadas.) Estas observações são importantes
porque permitem estender igualmente ao intérieur a antinomia formulada para os museus
e para o urbanismo: a de confrontar o novo estilo com a força expressiva místico-niilista do
convencional, do ‘antiquado’. Aliás, não só esta passagem de Proust, mas sua obra toda (cf.
renfermé - “fechado”, “mofado” 6 ) revela para que lado desta alternativa ele teria se inclinado.
[I 2a, 6]
Altamente desejável é a derivação da pintura de gênero. Que função ela ocupava nos espaços
que a exigiam? Ela era o último estágio, o prenúncio de que os espaços logo não poderiam
mais acolher quadro algum. “Pintura de gênero... A arte, assim compreendida, não poderia
deixar de recorrer às especialidades, tão favoráveis ao comércio: cada artista quer ter a sua,
do pastiche da Idade Média até a pintura microscópica, dos costumes de bivaque às modas
parisienses, dos cavalos aos cães. O gosto público não faz nenhuma diferença nesse domínio
... o mesmo quadro pode ser recopiado vinte vezes, sem esgotar a venda, e, quando estão
em voga, cada salão bem cuidado quer ter um desses móveis da moda.” Wiertz, CEuvres
Littéraires, Paris, 1870, pp. 527-528.
[I 2a, 7]
A decoração dos interiores defende-se contra a armadura de vidro e ferro com seus tecidos.
[I 3, 1]
Dever-se-ia estudar atentamente a fisionomia das moradas de grandes colecionadores.
Ter-se-ia então a chave para o intérieur do século XIX. Assim como lá as coisas aos poucos
vão tomando posse da morada, aqui um mobiliário quer recolher e concentrar os rastros
estilísticos de todos os séculos. ■ Mundo das coisas ■
[I 3, 2]
6 Cf, a expressão de Louis Veuillot, recorrente nas Passagens: "Paris sent le renfermé” - "Paris cheira a
mofo"; ver 0°, 33, 0 o , 34, E 2, 2. (w.b.)
I
[O Intérieur, o Rastrol 253
Por que o olhar lançado através de janelas desconhecidas sempre recai sobre uma família à
mesa durante uma refeição, ou sobre um homem solitário sentado à mesa, sob a lâmpada
que pende do teto, ocupado com coisas misteriosamente nulas? Tal olhar é a célula primeva
da obra de Kafka.
;i 3, 3i
A mascarada de estilos que se estende pelo século XIX afora é uma conseqüência do fato de
que as relações de dominação se tornam opacas. Os burgueses donos do poder freqüentemente
não o exercem mais no lugar onde vivem (de rendas) e também não mais sob formas diretas
e imediatas. O estilo de suas moradias é seu falso caráter imediato. Álibi financeiro no
espaço. Álibi do intérieur no tempo.
'I 3, 4]
“"Seria uma arte, porém, sentir saudades de casa mesmo estando em casa. Para tanto, é
preciso entender de ilusão.” Kierkegaard, Sãmtliche Werke <recte: Gesammelte Werke>, vol.
IV, “Stadien auf dem Lebensweg” (Etapas no percurso da vida), Jena, 1914, p. 12. Eis a
fórmula do intérieur.
[I 3, 5]
“A interioridade é a prisão histórica do homem da história primeva.’ Wiesengrund-Adomo,
Kierkegaard, Tübingen, 1933, p. 68. ^
Segundo Império. “É dessa época que data a especialização lógica por espécie e por gênero,
que perdura ainda na maior parte de nossos apartamentos, reservando o carvalho e a nogueira
maciça para a sala de jantar e para o gabinete de trabalho, as madeiras douradas, as lacas
para a sala, a marchetaria e o plaque para o quarto de dormir.” Louis Sonolet, La Vie
Parisienne sous le Second Empire, Paris, 1929, p. 251.
H3, 7]
“O que predominava de maneira marcante nessa concepção do mobiliário, a ponto de
resumi-la inteiramente, era o gosto pelos tecidos drapeados, as amplas tapeçarias e a arte de
harmonizá-los numa visão de conjunto.” Louis Sonolet, La Vie Parisienne sous le Second
Empire, Paris, 1929, p. 253.
e r [ 13 , g]
“Encontrava-se ... nos salões do Segundo Império um móvel recentemente inventado e
hoje já completamente desaparecido: era a fumeuse. Nela se assentava a cavalo, apoiando-se
num espaldar com braços forrados, para saborear um charuto. Louis Sonolet, La Vie
Parisienne sous le Second Empire, Paris, 1929, p. 253. ^ ^
Sobre a “filigrana das chaminés” como “miragem” do intérieur : Quem olha para cima em
direção aos telhados dos enormes blocos cinzentos dos boulevards, ... cercados no alto por
grades ... descobre ... toda a diversidade e riqueza inesgotável da noção de chaminé’: os
tubos de dispersão de todas as larguras, alturas e diâmetros erguem-se sobre cada embocadura
dos altos pedestais coletivos — há desde o simples tubo, um conduto de cerâmica muitas
vezes entortado pelo uso ou semiquebrado, passando pela chaminé de lata com cobertura
2yz ■ Passagens
plana ou chapeuzinho de três pontas ... até os capuzes de vento giratórios, artisticamente
perfurados como viseiras ou abertos de um so lado, com uma bizarra asa de lata, suja de
fuligem... É a suave ... ironia da forma individual ... graças à qual Paris soube preservar a
magia da intimidade... Xudo se apresenta como se a coexistência urbana, tao significativa
para esta cidade, fosse resgatada ... mais uma vez na altura dos telhados. Joachim von
Helmersen, “Pariser Kamine”, Frankfurter Zeitung, 10 de fevereiro de 1933. ^
Wiesengrund cita e comenta um trecho do Diário de um Sedutor como chave para a obra
inteira” de Kierkegaard: “O meio, a moldura da imagem, tem um significado especial. É
algo que se grava de maneira mais firme e profunda na memória, ou melhor, na alma
inteira, e por isso nunca é esquecido. Por mais que eu envelheça, nunca poderei imaginar
Cordélia em outro lugar a não ser naquele pequeno aposento. Quando venho visitá-la, a
empregada abre a porta e me conduz ao vestíbulo. No instante em que abro a porta da sala
de estar, Cordélia também chega de seu quarto, e nossos olhares se cruzam enquanto ainda
estamos junto à soleira. A sala de estar é pequena, muito aconchegante; na verdade, é uma
espécie de gabinete. Gosto de olhar este espaço a partir do sofá, onde tantas vezes sento-me
ao lado dela. Diante do sofá, há uma mesa de chá redonda, sobre a qual uma linda toalha
cai em ricas dobras. Sobre a mesa, uma luminária em forma de flor que se eleva vicejante e
forte; sobre a corola, um véu de papel recortado, tão leve que está sempre balançando. Este
abajur, com sua forma inusitada, evoca em mim o Oriente, e o movimento incessante do
véu, a suave brisa que sopra por lá. O assoalho está coberto por um tapete feito de junco,
tecido de maneira muito especial, provocando uma impressão tão exótica quanto o abajur.
Em minha fantasia, estou ali sentado junto dela no chão, sob esta flor maravilhosa; ou
encontro-me num navio, na cabine do oficial, e juntos navegamos no meio do vasto oceano.
Como o peitoril da janela é bastante alto, olhamos direto para a imensidão do céu... Com
Cordélia não combina nenhum primeiro plano, mas apenas a audácia infinita do horizonte.”
A propósito deste trecho - Kierkegaard, Gesammelte Schriften <recte: Werke>, vol. I, Entweder/
Oder, parte I, Jena, 1911, pp. 348-349 - Wiesengrund observa entre outras coisas: “Assim
como a história externa ‘se reflete’ na história interna, o espaço é aparência no intérieur.
Assim como Kierkegaard não reconheceu a aparência de toda a realidade subjetiva interior,
que é apenas refletida e reflexiva, também não percebeu a aparência do elemento espacial
na imagem do intérieur. Mas aqui as coisas o traem... Todas as figuras espaciais do intérieur
são mera decoração; estranhas à finalidade que representam, desprovidas de valor de uso
próprio, produzidas apenas a partir da moradia isolada... O eu é surpreendido em seu
próprio domínio por mercadorias e a natureza histórica delas. Seu caráter de aparência é
produzido histórica e economicamente pela alienação de coisa e valor de uso. Mas no
intérieur as coisas não permanecem estranhas... Nas coisas alienadas, a estranheza transforma-
se em expressão; as coisas mudas falam como ‘símbolos’. A disposição das coisas na moradia
chama-se decoração. Objetos historicamente aparentes são dispostos ali como aparência de
uma natureza imutável. Imagens arcaicas desabrocham no intérieur-. a imagem da flor
como a da vida orgânica, a imagem do Oriente como a da patria nominal da saudade, a
imagem do mar como a da própria eternidade. Pois a aparência à qual as coisas estão
condenadas por seu momento histórico é eterna.” Theodor Wiesengrund- Adorno,
Kierkegaard , Tübingen, 1933, pp. 46-48.
I
[O Intérieur, o Rastro] 255
O burguês que ascendeu com Luís Filipe faz questão de transformar a natureza em intérieur.
No ano de 1839, realiza-se um baile na embaixada inglesa. Encomendam-se duzentas
roseiras. “O jardim” - assim relata uma testemunha ocular — “estava coberto por um toldo
e parecia um salão. E que salão! Os canteiros, cheios de flores perfumadas, tinham se
transformado em enormes jardineiras, a areia das alamedas desaparecia sob tapetes
deslumbrantes, em lugar de bancos de ferro fundido foram colocados canapés revesndos
de tecido adamascado e seda; uma mesa redonda expunha livros e álbuns; o som distante
da orquestra ecoava dentro deste imenso boudoir .”
[I 4. 1]
Os jornais de moda da época traziam conselhos para a conservação dos buquês.
[I 4, 2]
“Como uma odalisca em um divã de bronze reluzente, a orgulhosa cidade alonga-se pelas
tépidas colinas do vale sinuoso do Sena, cobertas de vinhedos.” Friedrich Engels, “Von
Paris nach Bem”, Die Neue Zeit, XVII, n° 1, Stuttgart, 1899, p. 10.
[i 4, 3]
A dificuldade de refletir sobre o habitar: por um lado, deve-se reconhecer nele o elemento
mais antigo - talvez eterno o reflexo da estada do homem no ventre materno; por outro,
independentemente deste motivo da história primeva, é preciso compreender o habitar,
em sua forma mais extrema, como um modo de existência do século XIX A forma primeva
de todo habitar é a existência não numa casa, mas num casulo. Este traz a impressão de seu
morador. A moradia transforma-se, no caso mais extremo, em casulo. O século XIX, como
nenhum outro, tinha uma fixação pela moradia. Entendia a moradia como o estojo do
homem, e o encaixava tão profundamente nela com todos os seus acessórios, que se poderia
pensar no interior de um estojo de compasso, onde o instrumento se encontra depositado
com todas as suas peças em profundas cavidades de veludo, geralmente de cor violeta. Não
existiria um só objeto para o qual o século XIX não tenha inventado um estojo. Para
relógios de bolso, chinelos, porta-ovos, termômetros, baralhos - e, na falta de estojos: capas
protetoras, passadeiras, cobertas e guarda-pós. O século XX, com sua porosidade e
transparência, seu gosto pela vida em plena luz e ao ar livre, pôs um fim à maneira antiga
de habitar. À casinha de bonecas no apartamento do arquiteto Solness opõem-se as
“residências para seres humanos”. 7 O Jugendstil abalou profundamente a mentalidade do
casulo. Hoje isso desapareceu, e as dimensões do habitar se reduziram: para os vivos, com
os quartos de hotel, para os mortos, com os crematórios.
[14, 4]
Habitar como verbo transitivo - por exemplo, na noção da “vida habitual” - dá uma idéia
da atualidade frenética que está oculta neste comportamento. Consiste em confeccionar
para nós um casulo.
[I 4, 5]
“Eles saíam de cada ramo de coral e de cada arbusto, de debaixo de cada mesa e de cada
cadeira, de cada gaveta dos antigos armários e cômodas que se encontravam neste estranho
clube; em suma, de toda parte onde houvesse um diminuto esconderijo para o mais
7 A proposta do arquiteto Solness, na peça homônima de Ibsen, de construir tais residências
(Heimstãtten) para tornar os homens felizes, faz parte das "fórmulas de emancipação" do
dramaturgo: cf. P°, 3 e S 8,1. (J.L.)
256 ■ Massagens
minúsculo peixinho, eles surgiram subitamente vivos e saíram à luz do dia.” Friedrich
Gerstâcker, Die versunkene Stadt [Berlim, Neufeld e Henius, 1921], p. 46.
[I 4a, 1]
Extra/do de uma resenha sobre U]uifEnant (O Judeu Enm.e), de Eugène Sue, criticado
entre outros motivos, por ter caluniado os jesuítas e pela quantidade excessiva de personagens
que apareçam e logo desapamdami “Um romance não é uma ptaça que se atiavessa, é um
lugar em que se habita. Paulin Limayrac, “Du roman actuel e, de nos romandea”, «nm
ctes Deux Mondes, XI, n° 3, Paris, 1845, p. 951.
[I 4a, 2]
Sobre o Império na literarura. Népomucène Lemercier põe em cena a monarquia, a Igreja,
a nobreza, a demagogia, o Império, a polícia, a literatura e a coalizão das potências européias
sob nomes alegóricos disfarçados. Seu meio artístico: “O fantástico emblematicamente
ap içado. Sua maxima: As alusões são minhas armas, a alegoria meu escudo.” Népomucène
ixmeraer, State de la Panhypocrisiade ou Le Spectacle Infernal du Dix-neuvieme Siècle, Paris
1832, pp. IX e VII.
[I 4a, 3]
Extraído do “Exposé préliminaire” de Lampélie et Daguerre, de Lemercier: “É necessário
que um breve preambulo introduza com clareza meus ouvintes no artificio de composição
do poema cujo tema é o elogio da descoberta do célebre artista, Sr. Daguerre. Essa descoberta
interessa tanto a Academia das Ciências quanto à Academia de Belas-Artes, porque ela diz
respeito, ao mesmo tempo, aos estudos do desenho e aos da física... Por ocasião da
omenagem prestada aqui, eu gostaria de ver o emprego de uma nova invenção poética
aplicado a essa descoberta extraordinária. Sabe-se que a antiga mitologia ... explicava os
enomenos naturais através de seres simbólicos, representações ativas de cada princípio das
coisas... As imitações modernas não aproveitaram até agora senão as formas da poesia antiga-
esrorcei-me em apropriar o seu princípio e a sua forma. A tendência dos versificadores de
nosso século e rebaixar a arte das musas às realidades práticas e triviais, facilmente
compreensíveis pelo homem vulgar. Isso não é progresso, é decadência. O entusiasmo
original dos antigos tendia, ao contrário, a valorizar a inteligência humana, iniciando-a nos
segredos da natureza revelados por fábulas elegantemente ideais... É com entusiasmo que
es exponho o fundamento de minha teoria, o qual já apliquei ... à filosofia newtoniana,
o meu Atlanttade. O sabio geômetra Lagrange dignou-se a aprovar minha tentariva de
criar para as musas de nossa era o maravilhoso de uma teosofia ... de acordo com nossos
conhecimentos adquiridos.” Népomucène Lemercier, Sur la Découverte de llngénieux Peintre
pp “ SeanC£ Pub lque Annueíle ^ Cinq Académies de Jeudi 2 mai 1839, Paris, 1839,
[ I 4a, 4]
I
(O Intérieur, o Rastro] 257
<fase média>
Sobre a pintura ilusionista Ao juste milieu : 8 “O pintor deve ... ser um bom dramarurgo,
mm bom figurinista e um hábil diretor... O público ... interessa-se muito mais pelo assunto
qpe pelo aspecto plástico. ‘O que há de mais difícil não é a mistura das cores? — ‘Não’,
respondeu um conhecedor, ‘é a escama do peixe’. Esta era a idéia de estética entre professores,
advogados, médicos; por todo lado admirava-se o milagre do trompe-Voeil. A menor imitação
bem-sucedida conferia prestígio.” Gisela Freund, La Photographie du Point de Vue Sociologique
(manuscrito, p. 102). 9 Cit. em Jules Breton, Nos Peintres du Siècle, p. 41.
P 5, 1]
Itíúcia — a matéria na qual se imprimem mais facilmente os rastros.
[I 5, 2]
Favoreci mento da moda dos bibelôs por conta dos progressos da metalurgia, cujos primórdios
se situam na época do Império. “Nessa época surgiram, pela primeira vez, grupos de
Cupidos e de Bacantes... Hoje, a arte tem lojas e expõe as maravilhas de suas produções
mbre aparadores de ouro e de cristal; então as obras-primas da estatuária, reduzidas com
exatidão, são vendidas a preço baixo. — As Três Graças de Canova são instaladas no boudoir ,
oaquanto As Bacantes e O Fauno de Pradier têm as honras do quarto nupcial.” Edouard
Eoucaud, Paris Inventeur: Physiologie de llndustrie Française, Paris, 1844, pp. 196-197.
“A dência do cartaz ... chegou a este raro grau de perfeição no qual a habilidade torna-se
ane. Não me refiro a esses placares extraordinários ... nos quais professores de caligrafia ...
conseguem representar Napoleão a cavalo, por meio de uma engenhosa combinação de
tinhas em que se encontra ao mesmo tempo relatada sua história. Não; quero limitar-me
aos cartaz es comuns. Basta ver até que ponto se levou a eloqüência tipográfica, as seduções
da vinheta, as fascinações da cor, usando-se as tintas mais variadas e mais brilhantes, para
dar um pérfido apoio às tramóias dos editores!” Victor Fournel, Ce Quon Voit dam les Rues
Jt Paris, Paris, 1858, pp. 293-294 (“Enseignes et aíFiches”).
[I 5, 4]
Smeérieur de Alphonse Karr: “Ele mora como ninguém: habita hoje um 6 o ou 7 o andar da
Rue Vivienne — a Rue Vivienne para um artista! Seu quarto é forrado de negro; suas
vidraças em violeta ou branco desbotado. Não tem mesa nem cadeiras (ou uma cadeira, no
máximo, para as visitas muito extraordinárias), e ele se deita - todo vestido, segundo me
ifisseram - num divã. Vive à moda turca, sobre almofadas, e escreve no chão... Suas paredes
são ornadas com velharias...; vasos chineses, crânios, floretes, cachimbos decoram todos os
oratDS. Tem como empregado um mulato que ele veste de vermelho dos pés à cabeça.”
fliiDirs Lecomte, Les Lettres de Van Engelgom, Ed. Almeras, Paris, 1925, pp. 63-64.
8 0 reino de Luís Filipe era conhecido como o regime do juste milieu, do "meio-termo". Num discurso de
1831, ele declarou: "Não devemos apenas zelar pela paz; devemos também evitar tudo que possa
provocar a guerra. Quanto à política interna, nós nos esforçaremos em manter um juste milieu." Cit. em
Daumier: 120 Oreat Lithographs, ed. org. por Charles E. Ramus, Nova Iorque, Dover, 1978, p. XI. (E/M)
9 Cf. a edição em livro (Bibliografia, n° 329), pp. 85-86. (R.T.)
258 ■ Passagens
Extraído de Croquis Pris au Salon (Croqui Feito no Salão), de Daumier. Um diletante
solitário, apontando para um quadro que representa dois míseros choupos em uma paisagem
plana: “Que sociedade degenerada e corrompida a nossa ... todas essas pessoas olham
apenas os quadros representando cenas mais ou menos monstruosas; nenhuma se detem
diante de uma tela representando a imagem da bela e pura natureza... ^ ^ ^
Por ocasião de um caso de assassinato em Londres, em que foi decisiva a descoberta de
um saco contendo panes do corpo da vítima, além de restos de roupa; a partir destes, a
polícia chegara a certas conclusões. “‘Quantas coisas num minueto!’, dizia um célebre
dançarino. Quantas coisas num paletó, quando as circunstâncias e os homens o fazem
falar! Vocês me dirão que seria bastante duro, toda vez que se veste um redmgote, pensar
que ele talvez esteja destinado a lhes servir de mortalha. Concordo que minhas suposições
não são cor-de-rosa. Mas como eu disse ... a semana é triste.” H. de Pène, Paris Intime,
Paris, 1859, p. 236. [I5a>2 ]
Móveis à época da Restauração: “Canapés, divãs, otomanas, conversadeira s, espreguiçadeiras,
méridienne P°.” Jacques Robiquet, LArt et le Gôut sous la Restauration, Paris, 1928, p. 202
[I 3a, d \
“Dissemos ... que o homem retorna à caverna etc., mas retorna a ela sob uma forma
alienada, hostil. O selvagem em sua caverna ... sente-se ... em casa... Mas o porão em que
vive o pobre é um domicílio hostil, um poder estranho que só se entrega a ele na medida
em que ele lhe entrega seu sangue e suor, domicílio que ele não pode considerar como seu
lar - onde finalmente poderia dizer aqui estou em casa . Ao contrário, ele se encontra na
casa de um outro ... que fica diariamente à espreita e o despeja quando não paga o aluguel.
O pobre está igualmente ciente da diferença de qualidade entre seu domicílio e a da outra
moradia humana, situada no além, no céu da riqueza.” Karl Marx, Der histonsche
Materialismus, ed. org. por Landshut e Mayer, Leipzig, 1932, vol. I, p. 325
(“Nationalõkonomie und Philosophie”).
Valéry sobre Poe. Ele enfatiza a incomparável percepção deste em relação às condições e às
leis do efeito da obra literária em geral: “O próprio do que é verdadeiramente geral é ser
fecundo... Não surpreende, pois, que Poe, possuindo um método tão poderoso e tão seguro,
tenha sido o inventor de vários gêneros, tenha dado os primeiros ... exemplos do conto
científico, do poema cosmogônico moderno, do romance de instrução criminal, ^da
introdução na literatura dos estados psicológicos mórbidos. Valéry, Introduction a
Baudelaire, Les Fleurs du Mal, Paris, 1 926, p. XX.
10 Canapés para fazer a sesta, (w.b.)
I
(O Intérieur, o Rastro] 259
<fase tardia>
Nesta descrição de um salão parisiense, Gautier expressa de maneira drástica a integração do
homem ao intérieur : “O olho fascinado volta-se para o grupo de mulheres que, agitando o
leque, escutam os que conversam, meio inclinados; os olhos cintilam como diamantes, os
ombros brilham como cetim, os lábios se abrem como flores.” (Imaginam-se flores artificiais!)
Paris et les Parisiens aux XIX Siècle, Paris, 1 856. (Théophie Gautier, “Introducdon”, p. IV.)
. 1 6 . i]
O intérieur de Balzac em sua propriedade mal-acabada, Les Jardies:" “Esta casa ... foi um
dos romances nos quais Balzac mais trabalhou em sua vida, mas sem poder jamais acabá-
lo... Liam-se nestas muralhas pacientes, como diz o Sr. Gozlan, inscrições a carvão assim
concebidas: ‘aqui um revestimento em mármore de Paros’; aqui um pedestal em madeira
de cedro’; aqui um, teto pintado por Eugène Delacroix’; aqui uma lareira em mármore
cipolino’.” Alfred Nettement, Histoire de la Littérature Française sous le Gouvemement de
Juillet, Paris, 1859, vol. II, pp. 266-267.
[I 6, 2 ]
Conclusão do capítulo sobre o intérieur : entrada do acessório no filme.
[I 6. 3]
E. R. Curtius cita o seguinte trecho de Petits Bourgeois, de Balzac: “A especulação repugnante,
desenfreada, que diminui a cada ano a altura dos andares, que retalha um apartamento
inteiro para que caiba em um espaço ocupado anteriormente por um salão, que declara
uma batalha de vida ou morte contra os jardins, influenciará inexoravelmente os costumes
de Paris. Logo seremos forçados a viver mais fora do que dentro de casa.” Ernst Robert
Curtius, Balzac, Bonn, 1923, p. 28. Importância crescente da rua, por muitos motivos.
[I 6. 4]
Talvez exista uma correlação entre a diminuição do espaço habitável e a crescente decoração
do intérieur. A propósito do primeiro, Balzac faz considerações importantes: “Existe uma
demanda apenas para quadros pequenos, porque não é mais possível pendurar os grandes!
Acomodar sua biblioteca logo se tornará um grave problema... Não se acha mais lugar para
guardar mantimentos! Compram-se, portanto, mercadorias que durem pouco. As camisas
e os livros não serão duráveis, eis tudo. A solidez dos produtos desaparece em toda parte’.”
Emst Robert Curtius, Balzac, Bonn, 1923, pp. 28-29.
[I 6, 5]
“Os crepúsculos que dão cores tão ricas à sala de jantar ou ao salão são filtrados por belos
Becidos ou por estas janelas altas, trabalhadas, que o chumbo divide em inúmeros
compartimentos. Os móveis são grandes, curiosos, bizarros, ornados de fechaduras e de
segredos como almas refinadas. Os espelhos, os metais, os tecidos, a ourivesaria e a faiança
ai executam para os olhos uma sinfonia muda e misteriosa.” Charles Baudelaire, “Linvitation
ao voyage”, Le Spleen de Paris, Ed. Simon, Paris, p. 27.
[I 6a. 1]
11
Uma casa um tanto bizarra perto de Versaílles, que Balzac construiu em 1838 e deixou em 1840. (E/M)
Etimologia de “conforto”: “O termo significava outrora, em inglês, consolação ( Comforter é
o epíteto do Espírito Santo, Consolador); depois o sentido tornou-se, de preferência, bem-
estar. Hoje, em todas as línguas do mundo, a palavra não designa senão a comodidade
racional.” Wladimir Weidlé, Les Abeilles dAristée , Paris, 1936, p. 175 (Tagonie de 1’art”).
[I 6a, 2]
“As midinettes-artistes (costureirinhas-artistas) ... não moram mais em quartos, mas em
studios (aliás, cada vez mais designa-se por studio qualquer moradia de um só cômodo,
como se os homens se tornassem cada vez mais artistas ou estudantes).” Henri Pollès, “L’art
du commerce” ( Vendredi , 12 de fevereiro de 1937).
Multiplicação dos rastros devido ao aparato administrativo moderno. Balzac chama a atenção
para esse fato: “Tentem, pois, permanecer desconhecidas, pobres mulheres da França, viver
o menor romance de amor no meio de uma civilização que anota nas praças publicas a hora
da partida e da chegada dos fiacres; que conta o número de cartas e as sela duplamente - no
momento exato em que são jogadas nas caixas e quando são distribuídas - -, que numera as
casas...; que vai, em breve, ter todo seu território mapeado em suas mínimas divisões ...
sobre vastas folhas de cadastro - uma obra de gigante, comandada por um gigante. Balzac,
Modeste Mignon, cit. em Régis Messac, Le “Detective Novel” et 1’Influence de la Pensée
Scientifique , Paris, 1929, p. 461. 4
“Victor Hugo trabalha em pé, e como não encontra móvel antigo que sirva convenientemente
de escrivaninha, escreve sobre uma pilha de tamboretes e de in-folios, cobertos por um
tapete. É sobre a Bíblia , é sobre a Crônica de Nuremberg que o poeta apóia os cotovelos e
estende o papel.” Louis Ulbach, Les Contemporains, Paris, 1883 (cit. em Raymond Escholier,
Victor Hugo Raconté par Ceux qui Vont Vu, Paris, 1931, p. 352). ^
O estilo Luís Filipe: “O ventre invade tudo, até os pêndulos.”
Existe um intérieur apocalíptico, por assim dizer, um complemento do intérieur burguês
em meados do século. Encontra-se em Victor Hugo. Sobre as revelações espiritas ele escreve.
“Por um momento fiquei contrariado em meu miserável amor-próprio humano pela
revelação atual que vinha jogar em volta de minha pequena lâmpada de mineiro uma luz
de relâmpago e de meteoro.” Lê-se nas Contemplações :
“Espreitamos ruídos nesses vazios fúnebres;
Escutamos a respiração, errando nas trevas,
Fazendo tremer a escuridão;
E por momentos, perdidos nas noites insondáveis,
Vemos iluminar-se com suas luzes terríveis
A vidraça da eternidade.”
(Cit. em Claudius Grillet, Victor Hugo Spirite, Lyon e Paris, 1929, pp. 52 e 22.)
[I 7, 3]
I
[0 Intérieur, o Rastro] 26 J
_ 13 domicílio por volta de 1860: “O apartamento situava-se na Rue d’Anjou. Era decorado
„„ com tapetes, reposteiros, lambrequins franjados, cortinas duplas que faziam pensar que
. m . aidbde da pedra fora sucedida pela idade das tapeçarias.” Louise Weiss, Souvenirs d’une
BjBrfiaK? Républicaine, Paris, 1937, p. 212.
[i 7, 4J
A odacão do intérieur do Jugendstil com aquele que o precedeu consiste no fato de que o
ikiixmjés encobre seu álibi na história com um álibi ainda mais distante, na história natural
iiitECT particular, no reino vegetal).
[I 7. 5]
Cte estojos, as capas protetoras, as caixinhas - com os quais se recobriam os pertences
éosnésncos burgueses do século anterior - eram outros tantos dispositivos para registrar e
var rastros.
[I 7, 6]
SHare a história do intérieur : a semelhança das primeiras fábricas com as moradias, não
'MDKnr-tc toda inconveniência e estranheza, dava-lhes uma atmosfera familiar, a ponto de se
jnBiáer imaginar o proprietário dentro delas, junto às máquinas, como uma figura ornamental,
iq|iQi£ sonha não apenas com sua própria grandeza, mas também com a futura grandeza
«mias; Com a separação do empresário de seu lugar de trabalho, este caráter de sua fábrica
Joararece. O capital aliena-o também de meios de produção, e o sonho relativo à sua
es grandeza terminou. Com o surgimento da casa própria, completa-se este processo
ac aEenacão.
[I 7a, 1]
TNias primeiras décadas do século XIX, o mobiliário doméstico, os objetos que nos rodeiam
uso e decoração, ainda era de uma simplicidade e durabilidade relativamente grandes
íHiipria as necessidades tanto das classes inferiores quanto das camadas mais cultas. Daí
eu aquele ‘afeiçoamento’ das pessoas aos objetos de seu ambiente... A diferenciação
ins abjetos interrompeu esta situação em três dimensões diversas... Primeiramente, a mera
3 UK~ndade de objetos muito especificamente talhados dificulta uma estreita relação ...
i imirai des tomados individualmente. Isto se expressa na queixa das donas-de-casa de que o
ciiácsdo com o serviço doméstico exigiria um verdadeiro ritual fetichista... O mesmo resultado
ilbci diferenciação por simultaneidade observa-se também na ordem de sucessão dos objetos.
■ Mudança da moda interrompe aquele ... processo de enraizamento entre sujeito e objeto...
fcan terceiro lugar..., existe uma multiplicidade de estilos, com a qual nos defrontam os
ísfcjictDS que temos diariamente diante dos olhos.” Georg Simmel, Philosophie des Geldes,
llldfrâ. 1900, pp. 491-494.
[I 7a, 2]
SsBifcurí a teoria do rastro: “Para ele” (o “mestre dos portos, ... uma espécie de vice-Netuno ...
aios) mares circunvizinhos”, pp. 44-45), “com a superioridade artificial do escrevinhador
iBE seiação àqueles que lutam com a realidade fora dos muros sagrados dos edifícios públicos,
cl era. assim como todos os outros marinheiros que se detinham neste porto, um mero
oifciijaSD de papeladas oficiais e formulários a preencher. Devíamos parecer fantasmas para
ale Meios números que serviam apenas para serem anotados em livros e registros enormes,
262 ■ Passagens
sem cérebro ou músculos ou problemas existenciais, algo sem utilidade e decididamente
inferior.” Joseph Conrad, Die Schattenlinie (A Linha de Sombra ), 1926, p. 51. 12 (Comparar
com a passagem de Rousseau) [r 7a 3 j
Sobre a teoria do rastro. A prática é expulsa do processo de produção pela maquinaria. No
aparato administrativo, o crescimento exagerado da organização produz um efeito análogo.
O conhecimento da natureza humana que o funcionário experiente talvez pudesse adquirir
com a prática não é mais algo decisivo. Isto fica claro quando se compara as reflexões de
Conrad em A Linha de Sombra com uma passagem das Confissões, de Rousseau.
Sobre a teoria do rastro: a administração no século XVIII. Rousseau abolira as taxas para a
obtenção de visto para os franceses quando foi secretário da embaixada francesa em Veneza.
“Desde que souberam da reforma que eu fizera na taxa dos passaportes, não se apresentaram
para obtê-los senão multidões de pretensos franceses que, com sotaques abomináveis, diziam
ser ou provençais, ou picardos, ou bourguignons. Como tenho o ouvido muito apurado,
não caí na armadilha, e duvido que um único italiano me tenha tirado um tostão e que um
único francês o tenha pago.” Jean-Jacques Rousseau, Confessions , Ed. Hilsum, Paris, 1931,
tomo II, p. 137. [■] 8 2 }
Baudelaire na introdução à “Filosofia do mobiliário” (de Poe), originalmente publicada em
outubro de 1852, em Le Magasin des Familles: “Qual dentre nós, nas longas horas de lazer,
não experimentou um delicioso prazer em construir para si um apartamento modelar, um
domicílio ideal, um ‘sonhadouro’?” Charles Baudelaire, CEuvres Completes , Ed. Crépet,
Histoires Grotesques et Sérieuses par Poe, Paris, 1937, p. 304. 13 g
12 J. Conrad, " The Shadow Une " and Two Other Tales, Nova Iorque, Anchor, pp. 189, 193. (E/M)
13 Baudelaire, OC II, p. 290. (J.L.)
J_
[Baudelaire]
NOTA INTRODUTÓRIA
Willi Bolle
Com quase 200 páginas (GS V, 301-489), o arquivo temático “J - Baudelaire”
i de longe o mais volumoso das “Notas e Materiais”. Na terceira e última fase do trabalho
cü Passagens, em 1937-1938, Benjamin reuniu nesse arquivo mais de 1.000 fragmentos,
ame constituíram aproximadamente a metade dos materiais a serem aproveitados para o
"T&vto modelo das Passagens' ’, o qual se intitularia Charles Baudelaire, Um Poeta Lírico no
JtMge do Capitalismo, mas ficou inacabado. Estas anotações resultaram de uma intensa
ílrirura e releitura de todos os escritos de Baudelaire, como também de uma detalhada
pesquisa sobre a recepção de sua obra. Com o intuito de proporcionar uma visão de conjunto
cos textos baudelairianos citados por Benjamin, contra o pano de fundo da obra integral
de Baudelaire, apresentamos aqui um mapa destes textos em forma de sumário da edição
anaia-inente mais usada: Charles Baudelaire, CEuvres Completes, 2 vols., org. por Claude
ftchois, Paris: Gallimard, 1975 e 1976, e citada como referência nas edições alemã, francesa
e norte-americana das Passagens. Nesta sinopse, o leitor encontra o título original de cada
«mo de Baudelaire citado por Benjamin, a tradução para o português e a indicação da(s)
pigjna(s) na edição de Pichois, abreviada OC. Para facilitar a localização de cada um dos
■fenos citados ao longo dos mais de 1.000 fragmentos - e também para economizar
algumas centenas de notas de rodapé — indicamos a sigla, o volume e a página da edição de
Peio is nos respectivos fragmentos, entre cotovelos, logo após a referência dada por
5cn : amin. Exemplo: [J 54a, 4]: “La Beauté” <OC I, p. 21>. Na tradução dos textos
dfc Baudelaire para o português foram consultadas as seguintes edições: Ch. Baudelaire,
264 ■ Passagens
As Flores do Mal, trad. de Ivan Junqueira, Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1985;
e Ch. Baudelaire, Poesia e Prosa , ed. org. por Ivo Barroso, Rio de Janeiro, Ed. Nova
Aguilar, 1995.
A seguir, a lista dos textos de Baudelaire citados por Benjamin, pela ordem
do Sumário da edição crítica organizada por Claude Pichois:
CEuvres Completes, vol. I (1 975)
I, p. 1 LES FLEURS DU MAL [2 a ed., 1861] {AS FLORES DO MAL)
I, p. 5 Au Lecteur (Ao leitor)
I, p. 7 SPLEEN ET IDEAL [SPLEEN E IDEAL)
I, p. 7 Bénédiction (Bênção)
I, p. 11 Correspondances (Correspondências)
I, p. 13 Les Phares (Os faróis)
I, p. 14 La Muse Malade (A musa doente)
I, p. 1 5 La Muse Vénale (A musa venal)
I, p. 16 LEnnemi (O inimigo)
I, p. 17 La Vie Antérieure (A vida anterior)
I, p. 18 Bohémiens en Voyage (Boêmios em viagem)
I, p. 2 1 La Beauté (A beleza)
I, p. 22 La Géante (A giganta)
I, p. 26 La Chevelure (A cabeleira)
I, p. 27 Je tadore à 1’égal de la voüte nocturne (Eu te adoro como à abóbada noturna)
I, p. 27 Tu mettrais Funivers entier... (Porias o universo inteiro...)
I, p. 28 Sed non satiata
I, p. 29 Avec ses vêtements ondoyants et nacrés (Envolta em ondulante traje nacarado)
I, p. 31 Une Charogne (Uma carniça)
I, p. 32 De Profundis Clamavi
r »
I, p. 34 Remords Posthume (Remorso póstumo)
I, p. 36 Le Balcon (A varanda)
I, p. 37 Le Possédé (O possuído)
I, p. 40 Je te donne ces vers (Eu te dou estes versos)
I, p. 41 Semper eadem
I, p. 42 Toute entière (Toda ela)
I, p. 43 Que diras-tu ce soir (O que dirás esta noite)
I. p. 44 Réversibilité (Reversibilidade)
I, p. 45 Confession (Confissão)
I, p. 47 Harmonie du Soir (Harmonia da tarde)
I. p. 5 1 Le Beau Navire (O belo navio)
L p. 53 LInvitation au Voyage (O convite à viagem)
1 p. 54 LIrréparable (O irreparável)
1», p. 56 Chant d’Automne (Canto de outono)
1, p. 58 A Une Madone (A uma Madona)
1, p. 65 Sonnet d’Automne (Soneto de outono)
H, jul 69 Sépulture (Sepultura)
H, (JL 69 Une Gravure Fantastique (Uma gravura fantástica)
H, p. 70 Le Mort Joyeux (O morto alegre)
li jp. Spleen I
l;L ;*• 73 Spleen II
L pu. 74 Spleen IV
II„ fu., 75 Obsession (Obsessão)
76 Le Goüt du Néant (O gosto do nada)
~~ Horreur Sympathique (Horror simpático)
m, ~ - L Héautontimorouménos (O Heautontimoruménos)
11., ,m. S2 7 \BLEAUX PARISIENS (QUADROS PARISIENSES)
lip. A 1 LLrrémédiable (O irremediável)
,.p. 131 LHorioge (O relógio)
MHüfT ■ Passagens
I, p. 82 Paysage (Paisagem)
I, p. 83 Le Soleil (O sol)
I, p. 85 Le Cygne (O cisne)
I, p. 87 Les Sept Vieillards (Os sete velhos)
I, p. 89 Les Petites Vieilles (As velhinhas)
I, p. 92 À Une Passante (A uma transeunte)
I, p. 92 Les Aveugles (Os cegos)
I, p. 93 Le Squelette Laboureur (O esqueleto lavrador)
I, p. 94 Le Crépuscule du Soir (O crepúsculo da tarde)
I, p. 95 Le Jeu (O jogo)
I, p. 96 Danse Macabre (Dança macabra)
I, p. 98 LAmour du Mensonge (O amor à mentira)
I, p. 99 Je ríai pas oublié (Nunca mais esqueci)
I, p. 100 La Servante au Grand Cceur (A servente de grande coração)
I, p. 100 Brumes et Pluies (Brumas e chuvas)
I, p. 101 Rêve Parisien (Sonho parisiense)
I, p. 103 Le Crépuscule du Matin (O crepúsculo da manhã)
I, p. 105 LE VIN (O VINHO)
I, p. 105 LAme du Vin (A alma do vinho)
I, p. 106 Le Vin des Chiffonniers (O vinho dos trapeiros)
I, p. 1 07 Le Vin de 1’Assassin (O vinho do assassino)
I, p. 109 Le Vin des Amants (O vinho dos amantes)
I, p. 111 FLEURS DU MAL (FLORES DO MAL)
I, p. 111 La Destmction (A destruição)
I, p. 111 Une Martyre (Uma mártir)
I, p. 113 Femmes Damnées (Mulheres malditas)
I, p. 1 14 Les Deux Bonnes Soeurs (As duas boas irmãs)
J
[Baudelaire] 267
I, p. 116 Allégorie (Alegoria)
I, p. 116 La Béatrice (A Beatriz)
I, p. 117 Un Voyage à Cythère (Uma viagem a Cítera)
I, p. 119 LAmour et le Crâne: Vieux Cul-de-Lampe (O amor e o crânio: velha vinheta)
I, p. 121 Le Reniement de Saint-Pierre (A negação de São Pedro)
I, p. 121 REVOLTE (REVOLTA)
I, p. 122 Abel et Cain (Abel e Caim)
I, p. 123 Les Litanies de Satan (As litanias de Satã)
I, p. 126 LA MORT (A MORTE)
I, p. 126 La Mort des Amants (A morte dos amantes)
I, p. 128 La Fin de la Journée (O fim do dia)
I. p. 128 Le Rêve d un Curieux (O sonho de um curioso)
I. p. 129 Le Voyage (A viagem)
I- p. 137 LES FLEURS DU MAL [Poemas acrescentados à 3 a ed., 1868]
L p. 140 LAvertisseur (O admoestador)
L p. 140 Recueillement (Recolhimento)
L p. 141 Le Couvercle (A tampa)
I, p. 142 Le Gouffre (O abismo)
I, p. 144 LExamen de Minuit (O exame da meia-noite)
I, p. 147 LES ÉPAVES (OS DESTROÇOS)
1, p. 149 Le Coucher du Soleil Roman tique (O pôr-do-sol romântico)
P- 150 PÍÈCES CONDAMNÉES (POEMAS CONDENADOS)
1> p- 150 Lesbos
268 ■ Passagens
I, p. 152 Femmes Damnées: Delphine et Hippolyte
(Mulheres malditas: Delfina e Hipólita)
I, p. 161 Les Yeux de Berthe (Os olhos de Berta)
I, p. 163 Les Promesses d’un Visage (As promessas de um rosto)
I, p. 167 Vers pour le Portrait de M. Honoré Daumier
(Versos para o retrato do Sr. Honoré Daumier)
I, p. 168 Sur Le Tosse en Prison d’Eugène Delacroix
(Sobre Tosso na prisão , de Eugène Delacroix)
I, p. 170 La Voix (A voz)
I, p. 171 LImprévu (O imprevisto)
I, p. 173 La Rançon (O resgate)
I, p. 179 DOSSIER DES FLEURS DU MAL (DOSSIÊ DAS FLORES DO MAL)
I, p. 191 [Projets d’un Épilogue pour rédition de 1861] [Projetos de um epílogo para a
edição de 1861]
I, p. 193 Notes et documents pour mon advocat
(Notas e documentos para meu advogado)
I, p. 197 [POÉSIES DIVERSES] [POEMAS DIVERSOS]
I, p. 203 Je ríai pas pour maitresse une lionne illustre
(Não tenho como amante uma leoa ilustre)
I, p. 216 Quant à moi, si j’avais un beau pare planté d’ifs
(Quanto a mim, se eu tivesse um belo parque plantado de teixos)
I, p. 225 VERS LATINS (VERSOS EM LATIM)
I, p. 273 LE SPLEEN DE PARIS ( Petits Pobnes en Prose)
(O SPLEEN DE PARIS — Pequenos Poemas em Prosa )
I, p. 280 La Chambre Double (O quarto duplo)
I, p. 282 Chacun sa Chimère (A cada um sua quimera)
I, p. 285 Le Mauvais Vitrier (O mau vidraceiro)
J
[Baudelaire] 269
I. p. 316 La Belle Dorothée (A bela Dorotéia)
I, p. 332 Les Vocations (As vocações)
I, p. 352 Perte cTAuréole (Perda da auréola)
I, p. 375 PARADIS ARTIFICIELS (PARAÍSOS ARTIFICIAIS)
I, p. 377 Du Vin et du Hachisch (Do vinho e do haxixe)
I. p. 399 LES PARADIS ARTIFICIELS [1860] (OS PARAÍSOS ARTIFICIAIS)
I, p. 426 LHomme-Dieu (O Homem-Deus)
I, p. 521 ESSAIS ET NOUVELLES (ENSAIOS E NOVELAS)
I, p. 546 Choix de maximes consolantes sur Pamour
Seleção de máximas consoladoras sobre o amor)
I, p. 553 La Fanfarlo
I. p. 647 JOURNAUX INTIMES (DIÁRIOS ÍNTIMOS)
I. p. 649 Fusées (Projéteis)
I, p. 676 Mon Coeur Mis à Nu (Meu coração a nu)
L p. 787 NOTICES, NOTES ET VARIANTES (NOTAS E VARIANTES)
I, p. 1254 Un Jour de Pluie (Um dia de chuva)
duvres Completes, vol. II (1976)
0, P . 1 CRITIQUE LITTÉRAIRE (CRÍTICA LITERÁRIA)
D, p. 6 Comment on Paie ses Dettes Quand on a du Génie
Como um gênio paga suas dívidas)
II, p. 13 Conseils aux Jeunes Littérateurs (Conselhos aos jovens literatos)
II, p. 26 Pierre Dupont [I]
li, p. 37 [Pensée d’Album] [Pensamento para um álbum]
JJ®» rassagens
D, p. 38 Les Drames et les Romans Honnêtes (Os dramas e os romances honestos)
II, p. 44 LÉcole Paienne (A escola pagã)
II, p. 55 [Compte rendu de 1’ Histoire de Neuilly de 1’abbé Bellanger]
[Resenha da História de Neuilly do abade Bellanger]
II, p. 66 [Notes sur Les Liaisons Dangereuses] [Nota sobre As Relações Perigosas]
II, p. 7 6 Madame Bovary par Gustave Flaubert
II, p. 129 Réflexions sur q-uelques-uns de mes contemporaim
( Reflexões sobre alguns de meus contemporâneos)
II, p. 129 Victor Hugo
II, p. 141 Auguste Barbier
II, p. 145 Marceline Desbordes- Valmore
II, p. 162 Théodore de Banville
II, p. 169 Pierre Dupont
II, p. 175 Leconte de Lisle
II, p. 192 1’Esprit et le Style de M. Villemain (O espírito e o estilo do Sr. Villemain)
II, p. 217 Les Misérables par Victor Hugo
II, p. 231 Lettre à Jules Janin (Carta a Jules Janin)
II, p. 319 Notes nouvelles sur Edgar Poe (Novas notas sobre Edgar Poe)
II, p. 349 CRITIQUE D’ART (CRITICA DE ARTE)
II, p. 351 Salon de 1845 ( Salão de 1845)
II, p. 351 Quelques mots d’introduction (Algumas palavras como introdução)
II, p. 353 Tableaux d’Histoire (Quadros históricos)
II, p. 402 Sculptures (Esculturas)
II, p. 408 Le Musée Classique du Bazar Bonne-Nouvelle
(Museu clássico do Bazar Bonne-Nouvelle)
II, p. 415 Salon de 1846 ( Salão de 1846)
J
[Baudelaire] 271
II, p. 415 Aux Bourgeois (Aos burgueses)
II, p. 420 Qúest-ce que le romantisme? (O que é o romantismo?)
II, p. 422 De la couleur (Sobre a cor)
II, p. 427 Eugène Delacroix
II, p. 469 De M. Horace Vemet
II, p. 472 De fEdectisme et du Doute (Do ecletismo e da dúvida)
II, p. 477 De Quelques Douteurs (De alguns céticos)
II, p. 479 Du Paysage (Sobre a paisagem)
II, p. 490 Des Écoles et des Ouvriers (Das escolas e dos operários)
II, p. 493 De PHéroTsme de Ia Vie Moderne (Do heroísmo da vida moderna)
II, p. 525 De 1’Essence du Rire (Da essência do riso)
II, p. 544 Quelques Caricaturistes Français (Alguns caricaturistas franceses)
II, p. 564 Quelques Caricaturistes Étrangers (Alguns caricaturistas estrangeiros)
II, p. 575 Exposition Universelle, 1855 (Exposição Universal de 1855)
II, p. 598 LArt Philosophique (A arte filosófica)
II, p. 608 Salon de 1859 ( Salão de 1859)
II, p. 608 EArtiste Moderne (O artista moderno)
II, p. 619 La Reine des Facultés (A rainha das faculdades)
II, p. 628 Religion, Histoire, Fantaisie (Religião, história, fantasia)
II, p. 654 Le Portrait (O retrato)
II, p. 660 Le Paysage (A paisagem)
II, p. 669 Sculpture (Escultura)
II, p. 683 Le Peintre de la Vie Moderne (O pintor dã vida moderna)
II, p. 687 Lartiste, homme du monde, hommes des foules et enfant
(O artista, homem mundano, homem da multidão e criança)
II, p. 694 La Modernité (A modernidade)
2~~2 ■ Massagens
II, p. 697 L’Art Mnémonique (A arte mnemónica)
II, p. 704 Pompes et Solennités (Pompas e solenidades)
II, p. 707 Le Militaire (O militar)
II, p. 709 Le Dandy (O dândi)
II. p. 714 Eloge du Maquillage (Elogio da maquiagem)
II, p. 718 Les Femmes et les Filies (As mulheres e as raparigas)
II, p. 722 Les Voitures (As carruagens)
II, p. 737 Peintres et Aquafortistes (Pintores e gravuristas)
II, p. 742 LCEuvre et la Vie d’Eugène Delacroix (A obra e a vida de Eugène Delacroix)
II, p. 777 CRITIQUE MUSICALE (CRITICA MUSICAL)
II, p. 779 Richard Wagner et Tannbãuser à Paris (Richard Wagner e Tannhãuser em Paris)
II, p. 817 SUR LA BELGIQUE (SOBRE A BÉLGICA)
II, p. 938 Architecture, Églises, Culte (Arquitetura, igrejas, culto)
II, p. 946 Promenade à Malines (Passeio a Malines)
II, p. 953 [Notes] [Notas]
II, p. 981 JOURNALISME LITTÉRAIRE ET POLITIQUE
(JORNALISMO LITERÁRIO E POLÍTICO)
II, p. 1028 Le Salut Public (1848) (A salvação pública)
II, p. 1060 Le Représentant de llndre (1848) (O representante do Departamento Indre)
Outras principais edições das obras de Baudelaire
(por ordem cronológica)
(Ver também os títulos citados na “Bibliografia utilizada por Benjamin”)
CEuvres Completes, 7 vols., Paris, Michel Lévy, 1868-1870:
J
[Baudelaire] 273
- vol. I: Les Fleurs du Mal [= 3 a ed.; a V é de 1857, a 2 a de 1861]
- vol II: Curiosités Esthétiques [I. Salon de 1845; LI. Salon de 1846; III. Le Musée Classique
du Bazar Bonne-Nouvelk; IV Exposition Universelle, 1855, Beaux-Arts; 16 Salon de 18}9; VI.
De lEssence du Rire...; VIL Quelques Caricaturistes Fmnçais; VIII. Quelques Cancatunstes
Etrangers.}
- vol. III: LArt Romantique [I. IXEuvre et la Vie dEugene Dekcroix; ... III LePeintre de la Vie
Moderne; IV. Peintres et Aqua-fortistes; ... VI. LArt Philosophique; ... IX. Pierre Dupont,
Richard Wagner et Tannhãuser à Paris; ...XII. Conseils auxjeunes Littérateurs; XIII. Les Drames
et les Romans Honnêtes; XIV: LÉcole Paienne; XV: Réflexions sur Quelques-uns de mes
Contemporains; XVI: Critiques Litterairesl\
- vol. IV: Petits Poemes en Prose, Les Paradis Artificieis [contém também La Fanfarlo e Le
Jeune Enchanteurl\
- vol. V: [Traduções, tomo I] Histoires Extraordinaires.
- vol. VI: [Traduções, tomo II] Nouvelles Histoires Extraordinaires.
- vol. VII: [Traduções, tomo III] Aventures dArthur Gordon Pym - Eureka.
CEuvres Completes, ed. crítica e comentada, org. por Jacques Crépet, concluída por Claude
Pichois, 1922-1953. [Contém a primeira Correspondance Générale e, entre outros, os
volumes:]
— vol. I: Les Fleurs du Mal. Les Épaves.
- vol. VII: Traductions: Nouvelles Histoires Extraordinaires par Edgar Poe.
CEuvres, ed. org. por Yves-Gérard Le Dantec, 2 vok, Paris, 1931-1932 (Bibliothèque de la
Plêiade, 1 e 7).
Correspondance, ed. org. por Claude Pichois, com a colaboração de Jean Ziegler, 2 vok,
Paris, 1973 (Bibliothèque de la Plêiade, 247 e 248):
— vol. I: Correspondance (janeiro de 1 832 - fevereiro de 1 860)
- vol. II: Correspondance (março de 1860 - março de 1866)
J
[Baudelaire]
"Pois agrada-me para te fazer aqui remar
Meus próprios remos sobre meu próprio mar,
E voar ao céu por uma via estranha
Cantando-te da Morte o não-dito louvor."
Pierre Ronsard, "Hymne de la Mort",
A Lou/s des Masures . 1 2
“O problema de Baudelaire ... devia colocar-se assim: ‘ser um grande poeta, mas não ser
nem Lamartine, nem Hugo, nem Musset . Não digo que esse propósito tenha sido consciente,
mas estava necessariamente em Baudelaire — era até mesmo essencialmente Baudelaire. Era
sua razão de Estado ... Baudelaire observava Victor Hugo; não é impossível conjeturar o
que pensava dele... Tudo ... o que podia chocar, e, portanto, instruir e orientar para sua arte
pessoal futura um observador jovem e implacável, Baudelaire devia notá-lo ... e separar, da
admiração que lhe suscitaram os dons prestigiosos de Hugo, as impurezas, as imprudências
_ isto é ... as oportunidades de glória que um artista tão grande deixava para ainda serem
colhidas. Paul Valéry, “Introduction” a Charles Baudelaire, Les Fleurs du Mal , Paris, 1926,
pp. X, XII-XIV. Problema do poncif. 1
[Ji.i]
“Durante alguns anos, anteriores à Revolução de 1848, hesita-se ainda entre a arte pura e
a arte social, e é somente bem depois de 1852 que a ‘arte pela arte supera a segunda.” C.
L. Liefde, Le Saint-Simonisme dans la Poésie Française entre 1825 et 1865, Haarlem, 1927,
Leconte de Lisle no prefácio aos Poémes et Poésies, 1855: “os hinos e as odes inspirados pelo
vapor e pela telegrafia elétrica me emocionam mediocremente”. Cit. em C. L. de Liefde, Le
Saint-Simonisme dans la Poésie Française entre 1825 et 1865, p. 179.
[J 1,3]
1 Pierre de Ronsard, duvres Completes, ed. org. por Gustave Cohen, vol. II, Paris, 1 976, p. 282 (Bibliothèque
de la Plêiade, 46). (R.T.)
2 Poncif: "clichê", "estereótipo”, "lugar comum"; cf. Ch. Baudelaire, "Du Chie et du Poncif" ("Salon de
1846"), OC II, p. 468; "Criar um poncif, isto é gênio. Devo criar um poncif." ("Fusées"), OC I, p. 662.
(w.b)
Comparar com “Les deux bonnes sceurs” <OC I, p. 1 14>, de Baudelaire, o poema saint-
simoniano “La rue” (A rua) de Savinien Lapointe, sapateiro. Este trata apenas da prostituição
e ao final evoca as lembranças de juventude das raparigas decaídas:
“Oh! Não aprendeis nunca tudo o que a devassidão
Faz abortar de flores e quantas ela ceifa;
Ela é, como a morte, ativa antes do tempo.
Faria de vós velhas apesar de vossos dezoito anos.
Lamentai-as! Lamentai-as!
Haver podido, quando o retorno ao bem encanta sua visão,
Chocar sua fronte de anjo na esquina da rua. ”
Olinde Rodrigues, Poésies Sociales des Ouvriers, Paris, 1841, pp. 201 e 203.
6 1 J 1, 4]
Datas: primeira carta de Baudelaire a Wagner, 17 de fevereiro de 1860; concertos parisienses
de Wagner, I o e 2 de fevereiro de 1860; estréia parisiense de Tannhduser , 13 de março de
1861. De quando é o artigo de Baudelaire na Revue Européenne ?
Baudelaire projetava “um enorme trabalho sobre os Pintores de costumes" . Crépet cita neste
contexto suas palavras: “As imagens, minha grande, minha primitiva paixão.” Jacques Crépet,
“Miettes baudelairiennes”, Mercure de France, ano 46, vol. 262, n° 894, pp. 531-532.
[J1.6]
“Baudelaire ... escreve ainda, em 1852, no prefácio às Chansons de Dupont: A arte é
doravante inseparável da moral e da utilidade’, e fala da ‘utopia pueril da escola da arte pela
arte ... Entretanto, pouco depois de 1852, ele muda. Essa concepção da arte social talvez se
explique por suas relações de juventude. Dupont era seu amigo no momento em que
Baudelaire, ‘republicano até o fanatismo, durante a monarquia, pensava numa poesia
realista e comunicativa.” C. L. Liefde, Le Saint-Simonisme dans la Poésie Française entre
1825 à 1865, Haarlem, 1927, p. 115.
[Jla. 1]
Baudelaire logo esqueceu a Revolução de Fevereiro. Jacques Crépet publicou uma instrutiva
prova disto em “Miettes baudelairiennes”, Mercure de France, ano 46, vol. 262, n° 894,
p. 525. Trata-se de uma resenha da Histoire de Neuilly et de ses Châteaux, de autoria do abade
BeOanger, que Baudelaire deve ter escrito a pedido do seu amigo, o advogado Ancelle, e que
provavelmente foi publicada na ocasião pela imprensa. Nessa resenha, Baudelaire fala da
história do lugar “desde a época romana até os terríveis dias de Fevereiro, quando o castelo foi
o cenário e a presa das paixões mais ignóbeis: a orgia e a destruição” <OC II, p. 55>.
[ J la, 2 ]
Nadar descreve o traje de Baudelaire, a quem encontra nas proximidades do Hotel Pimodan,
onde este morava: “Uma calça preta bem apertada sobre a bota de verniz, um blusão gola
J
[Baudelaire] 277
rulê azul de pregas novas bem esticadas; como único penteado seus longos cabelos negros,
naturalmente cacheados, a roupa branca de algodão brilhante, rigorosamente sem goma,
algumas penugens nascendo sob o nariz e no queixo, e luvas cor-de-rosa bem novas...
Assim vestido e não penteado, Baudelaire percorria seu bairro e a cidade com um andar aos
trancos, nervoso e lânguido ao mesmo tempo, como o de um gato, e escolhendo cada
paralelepípedo como se evitasse esmagar um ovo.” Cit. em Firmin Maillard, La Cité des
Intellectuels, Paris, 1905, p. 362. n , ,,
Baudelaire foi - depois da viagem além-mar à qual o obrigaram 3 - um homem que viajou
o mundo. [ju.4]
Baudelaire a Poulet-Malassis em 8 de janeiro de 1860, após uma visita de Meryon:
“Depois que ele me deixou, perguntei-me como podia acontecer a mim, que sempre tive
no espírito e nos nervos tudo para tornar-me louco, não o tenha sido. Com seriedade
dirigi ao céu os agradecimentos do fariseu.” Cit. em Gustave Geffroy, Charles Meryon ,
Paris, 1926, p. 128. n ia 51
Extraído do <sétimo> capítulo do “Salon de 1859” de Baudelaire <OC II, pp. 660-668>.
Lá se encontra a propósito de Meryon esta observação: “o encanto profundo e complicado
de uma capital idosa e envelhecida nas glórias e tribulações da vida . E mais adiante:
'Raramente vi representada com mais poesia a solenidade natural de uma cidade imensa.
A majestade da pedra aglomerada; os campanários apontando o céu com o dedo ; os obeliscos
da indústria vomitando contra o firmamento suas fumaças concentradas; os prodigiosos
andaimes dos monumentos em reparação, aplicando sobre o corpo sólido da arquitetura
sua arquitetura vazada, de beleza paradoxal; o céu tumultuoso e carregado de cólera e
rancor; a profundidade das perspectivas aumentada pelo pensamento de todos os dramas
hwLk contidos; nenhum dos elementos complexos de que se compõe o doloroso e glorioso
cenário da civilização fora esquecido... Mas um demônio cruel tocou o cérebro do Sr.
Meryon... E desde então esperamos, sempre com ansiedade, notícias consoladoras deste
singular oficial, que se tornou um dia um poderoso artista, e que dissera adeus as solenes
aeenturas do Oceano para pintar a negra majestade da mais inquietante das capitais. Cit.
na Geffroy, Charles Meryon, Paris, 1926, pp. 125-126. []2,i]
3 editor Delâtre planejou publicar um álbum de gravuras de Meryon com um texto de
—idelaire. O plano não deu certo, na verdade já tinha sido frustrado por Meryon, que
râri n uma explicação pedante dos monumentos representados, em vez de um texto
do ao poeta. Baudelaire se queixa disso em sua carta de 16 de fevereiro de 1860 a
~t"^dcÜ.â.SSlS. [ J 2 2]
an colocou sob sua água-forte do “Pont Neuf” os versos seguintes:
3 A fim de afastar o jovem Baudelaire da vida desregrada que levava em Paris, seu padrasto, o general
Aupick, o enviou em junho de 1841 para uma viagem a Calcutá. Depois de ter passado cerca de dois
meses na Ilha de Réunion, Baudelaire regressou à França em fevereiro de 1842. (E/M)
''g ■ Passagens
“Aqui jaz do Pont Neuf
A exata semelhança
Toda reparada como nova
Por recente ordem.
Ó sábios médicos,
Hábeis cirurgiões.
Por que não fazer de nos
Como a ponte de pedra. ’
Charles Meryon, Paris, 1926, p. 59. [ j 2 , 3]
Curiosidades nas pranchas de 'A Rue des Chantres": em
l O Collège Henry IV”; a este respeito, escreve GeíFroy: Em volta do colégio, jar ms,
espaço l s»o e de repente, Met^n ~ “
uma paisagem de montanha e de mar, substituindo o oceano de Paris, aparecem ,
Astros de navio alevantam-se revoadas de pássaros do mar, e esta fantasmagoria envolve o
mais rigoroso plano, altas construções do colégio travejadas de janelas, os panos planu ^os
de árvores e o entorno das casas próximas, de telhados sombrios, de chaminés apertadas
. , , , » ( -' pr op Clt p 151. - “O Ministério da Marinha : um tropel de
as fachadas brancas. Gettroy, op. cu., p. ui- „ m ; n ictérin- navios e
cavalos carruagens e delfins desloca-se sobre as nuvens em direção ao ministério, navios
r P emcs do mar também fazem parte do cortejo; percebem-se na multidão algumas criaturas
com formas humanas. “Esta será a última vista de Paris gravada por Meryon. Ele se despede
nÍrnaZl sofreu o assalto de tantos sonhos em sua casa, resistente como uma
£££>£.« re g* s trada sua srtuaçáo de serviço de jo»
vida, quando preparava sua viagem para ilhas longínquas. Op. p. ■ []2a> u
“O modo como Meryon executa seus trabalhos é incomparável diz Beraldi. Uma coisa
slldo “surpreeln.e; a belea, a alrivea dessas Unhas t d„ fi™ « : £ “
f nrmas retas dizem que as executava assim; a prancha colocada P
cavalete segurando com o braço estendido o buril (como uma espada), e a mao descen o
kZtente do alto par» baixo." R. Castinelli, “Charles Meryon", Inrroduçao « Charles
Meryon, Eaux-fortes sur Paris, p. III. [ j 2 a, 2 ]
As 22 águas-fortes de Meryon relativas a Paris foram executadas entre 1852 e 1854 ^
Quando surgiu o article de Parisl
[ ] 2a, 4]
O que Baudelaire diz de uma prancha de Daumier sobre o cólera pode servir também para
^águas-fortes de Meryon: “O céu parisiense, fiel a seu hábito tronico nas grandes
J
[Baudelaire] 279
calamidades e nos grandes remanejamentos políticos, o céu é esplêndido; é branco,
incandescente de ardor.” Charles Baudelaire, Les Dessins de Dãumier, Paris, 1924, p. 13.
<OC II, p. 554> ■ Pó, Tédio ■
A I 'o **1
“A cúpula spleenática do céu”... Charles Baudelaire, Le Spleen de Paris, Paris, Éd. Simon, p.
8 <OC I, p. 283> (“Chacun sa chimère”).
r [ J 2a, 6]
“O catolicismo ... filosófico e literário de Baudelaire precisava de um lugar intermediário ...
onde se alojar entre Deus e o Diabo. O título Les Limbes (Os Limbos) marcava essa localização
geográfica dos poemas de Baudelaire; permitia perceber melhor a ordem que Baudelaire
quis estabelecer entre eles, que é a ordem de uma viagem e, precisamente, de uma quarta
viagem, uma quarta viagem depois das três viagens dantescas do Inferno, do Purgatório e do
Paraíso. O poeta de Florença continua no poeta de Paris.” Albert Thibaudet, Histoire de Ia
Littérature Française de 1789 à nos Jours, Paris, 1936, p. 325.
1 J 3, 1]
Sobre o elemento alegórico. “Dickens ... falando dos cafés para onde se retirava nos dias
ruins ... comenta sobre um deles que se achava na Saint-Martins Lane: ‘Só me lembro de
uma coisa: que ele se situava perto de uma igreja e, na porta, havia um emblema oval de
vidro, com a palavra COFFEE ROOM voltada para os transeuntes. Ocorre me ainda hoje,
quando me encontro num café completamente diferente, mas onde há também essa inscrição
em espelho, que a leio ao inverso ( MOOR EEFFOC), como o fazia muitas vezes em meus
devaneios sombrios, e o sangue me sobe à cabeça . Esta palavra barroca MOOR EEFFOC é
o lema de todo verdadeiro realismo.” G. K. Chesterton, Dickens ( Vi es des Hommes Illustres,
n° 9), traduzido do inglês por Laurent e Martin-Dupont, Paris, 1927, p. 32. ^
Dickens e a estenografia: “Ele conta como, depois de ter aprendido todo o alfabeto,
‘encontrou uma procissão de novos enigmas, os caracteres ditos convencionais, os mais
inimagináveis que jamais conheci. Não tinham a pretensão de significar; um deles, por
exemplo, que parecia um começo de teia de aranha, significava antecipação ; e um outro,
espécie de foguete voador, desvantajoso . Ele concluiu: Era quase desespeiador. Mas e de se
notar que um de seus colegas declarou: Nunca houve um estenografia assim! G. K.
Chesterton, Dickens ( Vies des Hommes Illustres, n° 9), traduzido do inglês por Laurent e
Martin-Dupont, Paris, 1927, pp. 40-41. [j 3 3 ]
Valéry, na “Introduction aux Fleurs du Mal” , Paris, 1926, p. XXV, fala de uma combinação
de “eternidade e intimidade” em Baudelaire.
! J 3, 4]
Extraído do artigo de Barbey dAurevilly in Articles Justifcãtifs pour Charles Baudelaire,
Auteur des Fleurs du Mal (Paris, 1857) - um opúsculo de 33 páginas, com contribuições
também de Dulamon, Asselineau e Thierry, publicado às expensas de Baudelaire em vista
do processo: “O poeta, terrível e terrificado, quis nos fazer respirar a abominação por esta
medonha corbelha que ele carrega, pálida canéfora, sobre sua cabeça eriçada de horror...
280 ■ Passagens
Seu talento ... é, ele mesmo, uma flor do mal vinda das estufas quentes de uma Decadência...
Com efeito, existe um Dante no autor das Fleurs du Mal, mas é o Dante de uma época
decaída, um Dante ateu e moderno, um Dante vindo depois de Voltaire.” Cit. em W. T.
Bandy, Baudelaire Judged by bis Contemporaries, Nova York, 1933, pp. 167-168.
[ J 3a, 1]
Anotação de Gautier sobre Baudelaire em Les Poetes Français: Recueil des CheJs-d’CEuvres de
la Poésie Française , ed. org. por Eugène Crépet, Paris, 1862, vol. IV, Les Contemporains-.
“Nunca lemos as Fleurs du Mal ... sem pensar, involuntariamente, neste conto de Hawthorne
(“A filha de Rappucinni”)... Sua musa se parece com a filha do doutor a quem nenhum
veneno podia atingir, mas cuja pele, por sua palidez exangue, trai a influência do meio em
que vive.” Cit. em W. T. Bandy, Baudelaire Judged by bis Contemporaries, Nova York, p. 174.
[ J 3a, 2]
Temas principais da estética de Poe segundo Valéry: filosofia da composição, teoria do
artificial, teoria da modernidade, teoria do excepcional e do estranho.
[ J 3a, 3]
“O problema de Baudelaire podia, pois - devia, pois — colocar-se assim: ‘ser um grande
poeta, mas não ser nem Lamartine, nem Hugo, nem Mussefl. Não digo que esse propósito
tenha sido consciente, mas estava necessariamente em Baudelaire - era até mesmo
essencialmente Baudelaire. Era sua razão de Estado. Nos domínios da criação, que são
também os domínios do orgulho, a necessidade de se distinguir é inseparável da própria
existência.” Paul Valéry, “Introduction aux Fleurs du Mal, Paris, 1928, p. X.
[ J 3a, 4]
Régis Messac {Le “Detective Novel ” et llnjluence de la Pensée Scientijique, Paris, 1 929, p.
421) aponta para a influência dos “dois crepúsculos” (“Le crépuscule du soir”, “Le crépuscule
du matin”, em Les Fleurs du Mal) — que foram publicados em I o de fevereiro, em La
Semaine Théâtrale — sobre certas passagens de Drames de Paris, de Ponson du Terrail, que
começam a sair em 1857.
[ J 3a, 5]
Para Le Spleen de Paris fora escolhido, a princípio, o título Le Promeneur Solitaire. — E Les
Fleurs du Mal se chamariam Les Limbes.
[ J 4, 1]
Extraído de “Conseils aux jeunes littérateurs”: “Para quem quiser viver numa contemplação
obstinada da obra do futuro, o trabalho diário servirá à inspiração.” Charles Baudelaire,
LArt Romantique, tomo 3, Paris, Éd. Hachette, p. 286 <OC II, p. 18>.
[ J 4, 2]
Baudelaire confessa “ter tido, enquanto criança, a felicidade ou infelicidade de ler somente
livros de adultos”. Charles Baudelaire, LArt Romantique, Paris, p. 298 <OC II, p. 42>
(“Les drames et les romans honnêtes”).
[ J 4, 3]
Sobre Heine: “sua literatura podre de sentimentalismo materialista”. Baudelaire, LArt
Romantique, Paris, p. 303 <OC II, p. 45> (“LÉcole paienne”).
[ J 4, 4]
J
[Baudelaire] 281
Um motivo que se desgarrou do Spleen de Paris para a École paienne : Por que,, então,
os pobres não calçam luvas para mendigar? Eles fariam fortuna.’ Charles Baudelaire,
LArt Romantique, Paris, p. 309 <OC II, p. 49>.
“Não está longe o tempo em que se compreenderá que toda literatura que se recuse a
caminhar fraternalmente com a ciência e a filosofia será uma literatura homicida e suicida.
Baudelaire, LArt Romantique, Paris, p. 309 <OC II, p. 49> (Conclusão de “L’École paienne ).
[ J 4, 6]
Baudelaire sobre a criança que cresceu no círculo da École paienne: "Sua alma,
constantemente irritada e insaciada, vai-se através do mundo, o mundo ocupado e
laborioso; ela se vai, digo, como uma prostituta, gritando: Plástica! Plástica! A plástica,
esta palavra terrível, me dá arrepios.” Baudelaire, LArt Romantique, Paris, p. 30/ <OC
II, p. 48>; cf. J 22a, 2.
r > j i r i á ti
Uma passagem do retrato de Victor Hugo na qual Baudelaire, como um gravurista numa
observação, desenhou a si mesmo, numa frase incidental. “Se ele pinta o mar, nenhuma
marinha igualará as suas. Os navios que sulcam a superfície ou que atravessam suas agitações
terão, mais que em qualquer outro pintor, este aspecto de lutadores apaixonados, este
caráter de vontade e de animalidade que se desprende tão misteriosamente de um aparelho
geométrico e mecânico de madeira, de ferro, de cordas e de tecido; animal monstruoso
criado pelo homem, ao qual o vento e a onda acrescentam a beleza do movimento.
Baudelaire, LArt Romantique, Paris, p. 321 <OC II, p. 135> (“Victor Hugo ). ^
Uma formulação a propósito de Auguste Barbier: “A indolência natural dos inspirados .
Baudelaire, LArt Romantique, Paris, p. 335 <OC II, p. 144>.
7 [ J 4a, I]
Baudelaire descreve a poesia do poeta lírico — no ensaio sobre Banville — de maneira tal
que traz à tona ponto por ponto o contrário de sua própria poesia: “A palavra apoteose é
uma das que se apresentam irresistivelmente à pena do poeta quando deve descrever ...
uma mistura de glória e de luz. E, se o poeta lírico encontra ocasião dc falar de si mesmo,
não se pintará curvado sobre uma mesa, ... lutando contra uma frase rebelde..., nem
num quarto pobre, triste ou em desordem; nem tampouco, se quiser aparecer como um
morto, mostrar-se-à apodrecendo sob os lençóis, numa caixa de madeira. Isto seria mentir.
Baudelaire, LArt Romantique, Paris, pp. 370-371. <OC II, pp. 165-1 66>.
7 [ J 4a, 2]
Baudelaire menciona no ensaio sobre Banville a mitologia juntamente com a alegoria
e prossegue: “A mitologia é um dicionário de hieróglifos vivos. Baudelaire, LArt
Romantique, Paris, p. 370 <OC II, p. 165>.
Conjunção do moderno e do demoníaco: “A poesia moderna faz parte, ao mesmo tempo,
da pintura, da música, da estatuária, da arte arabesca, da filosofia zombeteira, do espírito
m ■ Passagens
analítico... Alguns poderiam ver nisso, talvez, sintomas de depravação. Mas esta é uma
questão que não quero elucidar aqui...” Não obstante, lê-se uma página adiante, após uma
referência a Beethoven, Maturin, Byron e Poe: “Quero dizer que a arte moderna possui
uma tendência essencialmente demoníaca. E parece que esta parte infernal do homem...
aumenta diariamente, como se o diabo se divertisse em engordá-la com procedimentos
artificiais, como num sistema de engorda, empanturrando pacientemente o gênero humano
nos seus galin heiros, para preparar para si mesmo um alimento mais suculento.” Baudelaire,
LArt Romantique, Paris, pp. 373-374 <OC II, pp. 167-168>. O conceito do demoníaco
surge onde o da modernidade aparece em conjunção com o catolicismo.
& [J4a,4]
A propósito de Leconte de Lisle: “Minha predileção natural por Roma impede-me de
sentir tudo o que deveria apreciar na leitura de suas poesias gregas.” Baudelaire, LArt
Romantique, Paris, pp. 389-390 <OC II, p. 178>. Concepção ctônica. Catolicismo.^
É muito importante que o moderno em Baudelaire não apareça sozinho como marca de
uma época, e sim como uma energia, graças à qual esta época se apropria imediatamente
da Antigüidade. De todas as relações que a modernidade estabelece, a relação que mantém
com a Antigüidade é especial. Assim se apresenta para Baudelaire, amando em Hugo, “a
fatalidade que o levou ... a transformar a antiga ode e a antiga tragédia até este ponto, isto
é, até os poemas e dramas que conhecemos”. Baudelaire, LArt Romantique , Paris, p. 401
<OC II, p. 22 1> (Les Misérables). Esta função é, em Baudelaire, também a de Wagner.
[ J 5, 1]
O gesto com o qual o anjo castiga o incrédulo: “Não seria útil que, de tempos em tempos,
o poeta, o filósofo peguem um pouco a Felicidade egoísta pelos cabelos e lhe digam,
sacudindo-lhe o focinho no sangue e na imundície: ‘Veja tua obra e beba tua obra’?”
Charles Baudelaire, LArt Romantique , Paris, p. 406 <OC II, p. 224> ( Les Misérables).
[ J 5, 2]
“A Igreja ... esta Farmácia onde ninguém tem o direito de cochilar!” Baudelaire, LArt
Romantique, Paris, p. 420 <OC II, p. 85> ( Madame Bovary).
1 [ J 5, 3]
“Madame Bovary, por aquilo que há nela de mais enérgico e ambicioso, e também de
mais sonhador, ... permaneceu um homem. Como Palas armada saiu do cérebro de
Zeus, este bizarro andrógino conservou todo o poder sedutor de uma alma viril num
corpo feminino encantador.” Sobre Flaubert: “Todas as mulheres intelectuais lhe serão
gratas por ter elevado a fêmea a uma potência tão alta ... e por tê-la feito participar desse
duplo caráter de cálculo e devaneio que constitui o ser perfeito.” Baudelaire, LArt
Romantique, pp. 415 e 419 <OC II, pp. 81 e 83-84>. ^
“A histeria! Por que este mistério fisiológico não constituiria o fundo e o tufo de uma obra
literária, esse mistério que a Academia de Medicina ainda não resolveu, e que, expressando-
se nas mulheres pela sensação de uma bola ascendente e asfixiante ... traduz-se nos homens
J
[Baudelaire] 283
nervosos por codas as impotências e também pela disposição para todos os excessos: 1
Baudelaire, LArt Romantique, Paris, p. 418 <OC II, p. 83> (Madame Bovary).
Extraído de “Pierre Dupont”: “É impossível, não importando o partido ao qual se pertença
... não se comover com o espetáculo desta multidão doentia que respira a poeira das
fábricas ... dormindo na sarjeta...; esta multidão suplicante e lânguida ... que lança um
longo olhar cheio de tristeza sobre o sol e a sombra dos grandes parques. Baudelaire,
LArt Romantique, Paris, pp. 198-199 <OC II, p. 31>.
Extraído de “Pierre Dupont”: “A utopia pueril da escola da arte pela arte, excluindo a
«moral, e muitas vezes mesmo a paixão, era necessariamente estéril... Quando um poeta,
às vezes, mas quase sempre grande, veio, numa linguagem inflamada, proclamar a
sde da insurreição de 1830, e cantar as misérias da Inglaterra e da Irlanda, apesar
suas rimas insuficientes, apesar de seus pleonasmos ... a questão esvaziou-se e a arte,
daí em diante, tornou-se inseparável da moral e da utilidade.’ Baudelaire, LArt
Romantique, Paris, p. 193 <OC II, pp. 26-27>. Esta passagem refere-se a Barbier.^ ^
«o otimismo de Dupont, sua ilimitada confiança na bondade nativa do homem, seu
amor fanático pela natureza, são a parte maior de seu talento.’ Baudelaire, LArt
Romantique, Paris, p. 201 <OC II, p. 32>.
Ü5a, 3]
"“Encontrei... em Tannhãuser, em Lohengrin e no Navio Fantasma, um método de
construção excelente, um espírito de ordem e divisão que lembra a arquitetura das
tragédias antigas.” Baudelaire, LArt Romantique , Paris, p. 225 <OC II, p. 790>
'íi“Ríchard Wagner e Tannhàuser’).
l J 5a. 4|
“Se. pela escolha de seus temas e seu método dramático, Wagner se aproxima da Andgüidade,
pela energia apaixonada de sua expressão ele é atualmente o representante mais verdadeiro
da natureza moderna.” Baudelaire, LArt Romantique. Paris, p. 250 <OC II, p. 806>.
[ J 5a, 5]
Baudelaire em “A arte filosófica” - um ensaio que trata principalmente de Alfred Rethel:
“Lá. os lugares, o cenário, os móveis, os utensílios (ver Hogarth), tudo é alegoria, alusão,
«crógiifos, rébus.” Baudelaire, LArt Romantique. p. 131 <OC II, p. 600>. Segue-se
'imrr.a
referência à interpretação de Michelet da Melencolia I, de Dürer.
[J5a,6]
«ia passagem sobre Meryon citada por GefFroy, em ‘ Peintres et aqua-fortistes ,
B : TSer. recentemente, um jovem artista americano, o Sr. Whistler, expunha ... uma
■ «■mffir Ar águas-fortes, ... representando as margens do Tamisa; maravilhosa confusão de
. vergas, cordames; caos de brumas, de fornos e de fumaças espiraladas; a poesia
c complicada de uma vasta capital... O Sr. Meryon, o verdadeiro tipo de
água-fortista completo, não podia deixar de ser lembrado... Pela severidade, finura e
segurança de seu desenho, Meryon lembra o que há de melhor nos antigos água-fortistas.
Raramente vimos, representada com mais poesia, a solenidade natural de uma grande
capital. A majestade da pedra aglomerada; os campanários apontando o céu com o dedo-, os
obeliscos da indústria vomitando contra o firmamento suas fumaças concentradas; os
prodigiosos andaimes dos monumentos em reparação, aplicando sobre o corpo sólido da
arquitetura sua arquitetura vazada, de uma beleza aracnídea e paradoxal; o céu nebuloso
carregado de cólera e rancor, a profundidade das perspectivas aumentada pelo pensamento
dos dramas nelas contidos; nenhum dos elementos complexos de que se compõe o doloroso
e glorioso cenário da civilização fora esquecido.” Baudelaire, LArt Romantique, Paris,
pp. 119-121 <OC II, pp. 740-741 >.
[J6,l]
A propósito de Guys: “As festas de Báfram... no fundo das quais aparece, como um sol
pálido, o tédio permanente do sultão defunto.” Baudelaire, LArt Romantique , Paris,
p. 83 <OC II, p. 704>.
[J6,2]
A propósito de Guys: “Nosso observador está sempre com precisão em seu posto, por toda
a parte onde fluem os desejos profundos e impetuosos, os Orenocos do coração humano, a
guerra, o amor, o jogo.” Baudelaire, L Art Romantique, Paris, p. 87 <OC II, p. 707>.
Baudelaire como antípoda de Rousseau na máxima extraída do ensaio sobre Guys: “Assim
que saímos da ordem das necessidades e das carências, para entrar na do luxo e dos prazeres,
percebemos que a natureza não pode aconselhar senão o crime. Foi essa natureza infalível
que criou o parricídio e a antropofagia.” Baudelaire, LArt Romantique, Paris, p. 100
<OC II, p. 71 5>-
[J6,4]
“Muito difícil de estenografar” - eis a observação, evidentemente muito moderna, de
Baudelaire, no ensaio sobre Guys, sobre o movimento das carruagens. Baudelaire,
LArt Romantique, Paris, p. 113 <OC II, p. 724>.
7 í ] 6. 5]
Frases finais do ensaio sobre Guys: “Ele procurou por toda a parte a beleza passageira,
fugaz, da vida presente, o caráter daquilo que o leitor nos permitiu chamar a modernidade.
Muitas vezes bizarro, violento, excessivo, mas sempre poético, ele soube concentrar em
seus desenhos o sabor amargo ou capitoso do vinho da Vida.” Baudelaire, LArt Romantique,
Paris, p. 1 14 <OC II, p. 724>.
[J6â. 1J
A figura do “moderno” e a da “alegoria” devem ser relacionadas entre si. “Ai daquele que
estuda na Antiguidade outra coisa senão a arte pura, a lógica, o método geral! Por mergulhar
demais nela ... ele abdica ... dos privilégios fornecidos pela circunstância; pois quase toda a
nossa originalidade vem da marca que o tempo imprime em nossas sensações.” Baudelaire,
LArt Romantique, p. 72 <OC II, p. 696> (“Le peintre de la vie moderne”). O privilégio
J
[Baudelaire] 285
do qual fala Baudelaire entra em vigor, porém, de forma mediata, também com respeito à
Antigüidade: o cunho do tempo que se imprime nela faz surgir a sua configuração alegórica.
Sobre “Spleen e ideal”, estas reflexões extraídas do ensaio sobre Guys: “A modernidade é
o transitório, o fugidio, o contingente, a metade da arte, cuja outra metade é o eterno e
o imutável... Para que toda modernidade seja digna de se tornar antigüidade, é preciso
que a beleza misteriosa que a vida humana ali coloca involuntariamente tenha sido extraída
dela. É a esta tarefa que se dedica particularmente o Sr. G.” Baudelaire, LArt Romantique,
Paris, p. 70 <OC II, p. 695>. - Em outra passagem (p. 74 <OC II, p. 698>), ele fala
desta “tradução legendária da vida exterior”.
[ J 6a, 3]
Motivos de poemas na prosa teórica: “Le coucher du soleil romantique : O dandismo é
um sol poente; como o astro que declina, é soberbo, sem calor e cheio de melancolia. Mas,
ai! A maré alta da democracia ... afoga dia-a-dia esses últimos representantes do orgulho
humano.” ( LArt Romantique, p. 95 <OC II, p. 712>) - “Le soleil”: “Na hora em que os
outros dormem, este [Guys] está inclinado sobre sua mesa, dardejando sobre uma folha de
papel o mesmo olhar que há pouco dirigia às coisas, esgrimando com seu lápis, sua pena,
seu pincel, fazendo jorrar a água do copo ao teto, enxugando a pena em sua camisa, apressado,
violento, ativo, como se temesse que as imagens lhe escapassem, lutador, embora só, e
atropelando-se a si mesmo.” (LArt Romantique, p. 67 <OC II, p. 693>)
f J 6a, 4]
Nouveauté : “A criança vê tudo como novidade', está sempre embriagada. Nada se parece
mais ao que se chama inspiração que a alegria com a qual a criança absorve a forma e a cor...
É a essa curiosidade profunda e alegre que se deve atribuir o olhar fixo e extático, como o dc
um animal, das crianças diante do novod Baudelaire, LArt Romantique, Paris, p. 62
<OC II, p. 690> (“Le peintre de la vie moderne”). Talvez isto explique a observação sombria
em “Lceuvre et la vie d’Eugène Delacroix”: “Pode-se dizer que a criança, em geral, é,
relarivamente ao homem, em geral, muito mais próxima do pecado original. ( LArt
Romantique, p. 41 <OC II, p. 767>)
O sol: “O sol turbulento tomando de assalto as vidraças da janela ; As paisagens da grande
cidade ... esbofeteadas pelo sol” (LArt Romantique, pp. 65 e 65-66 <OC II, p. 692>).
I J 7 j 2J
Em “Loeuvre et la vie d Eugène Delacroix : Todo o universo visível não e senão um
magazine de imagens e de signos.” Baudelaire, LArt Romantique, p. 13 <OG II, p. 750>.
Extraído do ensaio sobre Guys: “O belo é feito de um elemento eterno, invariável ... e de
um elemento relativo, circunstancial, que será ... a época, a moda, a moral, a paixão. Sem
esse segundo elemento, que é como o invólucro divertido, palpitante, apetitoso do bolo
divino, o primeiro elemento seria indigesto.” Baudelaire, LArt Romantique, pp. 54-55
<OC II, p. 685>.
Q7, 4]
286 ■ Passagens
A propósito da nouveauté : “Como me agradarias, ó noite! sem estas estrelas! / Cuja luz fala
uma linguagem conhecida!” Les Fleurs du Mal, Éd. Payot, p. 139 <OC I, p. 75>
(“Obsession”). [J7, 5]
A aparição da flor posteriormente no Jugendstil tem significado para o título Les Fleurs du
Mal. Esta obra estende o arco que vai do taedium vitae dos romanos ao Jugendstd.
Seria importante investigar a relação de Poe com a latinidade. O interesse de Baudelaire
pela técnica de composição deveria - em última instância - tê-lo vinculado de maneira tao
duradoura ao mundo latino quanto seu interesse pelo artificial o direcionou para a cultura
anglo-saxã. Este círculo cultural determina, através de Poe, em primeira instância, também
a teoria baudelairiana da composição. Tanto mais premente a questão se esta teoria, em
última instância, não possui uma marca latina. [ 17 . 7]
As Lésbicas - um quadro de Courbet.
A natureza, segundo Baudelaire, conhece um único luxo: o crime. Daí o significado do
artificial. Talvez deva-se utilizar esta idéia para interpretar a concepção de que as crianças
seriam as criaturas mais próximas do pecado original. Seria assim porque elas, de maneira
exagerada, porém, natural, não conseguem evitar o delito? No fimdo, Baudelaire pensa
no parricídio (Cf. LArt Romantique, Paris, p. 100 <OC II, p. 715>). (J7a _
A chave para emancipar-se da Antigüidade - que (cf. no ensaio sobre Guys, LArt
Romantique, p. 72 <OC II, p. 696>) deve fornecer apenas o cânone da composição -
está para Baudelaire na alegorização. [ j 7 a, 2 ]
O modo como Baudelaire recitava: Ele reunia os amigos - Antonio Watnpon, Gabriel
Dantrague, Malassis, Delvau - “em algum modesto café da rua Dauphine... O poeta
começava pedindo um ponche; depois, quando nos via dispostos à benevolência..., recitava
para nós com uma voz preciosa, doce, aguda, melíflua e, ao mesmo tempo, cáustica, uma
barbaridade qualquer: “Le vin de 1’assassin ou “Une charogne” <OC I, pp. 107 e 31>.
O contraste era realmente surpreendente entre a violência das imagens e a placidez afetada,
a pronúncia suave e precisa da dicção.” Jules Levallois, Milieu de Siècle: Mémotres dun
Critique, Paris, 1895, pp- 93-94. [J 7 í, 3 ]
“A famosa frase: ‘Eu que sou filho de padre’; a alegria que supunha experimentar ao comer
nozes, porque imaginava triturar cérebros de criancinhas; a história do vidraceiro que, so
uma pesada carga de vidraças, num sufocante dia de verão, ele fazia subir até o sexto andar,
para então lhe declarar que não precisava dele - tantas insanidades e provavelmente mentiras
que ele se deleitava em acumular.” Jules Levallois, Milieu de Siècle: Mémoires dun Cntique,
Paris, pp. 94-95.
[J7a,4]
J
[Baudelaire] 287
Uma observação notável de Baudelaire sobre Gautier (cit. em Jules Levaliois: Milieu de
Siècle: Mémoires d’un Critique, Paris, p. 97). Segundo Charles de Lovenjoul (“Ln demier
ehapitre de 1’histoire des ceuvres de Balzac”), ela se encontra em LEcho des Théâtres, de
I 5 ago./1846, e diz o seguinte: “Gordo, preguiçoso, linfático, ele nao tem idéias, e nao
fez mais que enfileirar palavras, como pérolas, com a máxima perfeição, a maneira ue
colares da tribo dos Osage <OC II, p. 8>. j y
-Carta extremamente notável de Baudelaire a Toussencl: “Segunda-feira, 21 de janeiro de
1*56. Meu caro Toussencl. Quero muito lhe agradecer o presente que me enviou. Não
aochecia a qualidade de seu livro; confesso-o ingenuamente e abertamente... Ha muito
*mpo que rejeito quase todos os livros com desgosto. - Há muito tempo também nao ia
aisuma coisa tão absolutamente instrutiva e divertida. - O capítulo sobre o falcão e os passaros
«jme caçam para o homem é, por si só, uma obra. - Há palavras que fazem lembrar os
srandes mestres, gritos de verdade, toques filosóficos irresistíveis, tais como; Todo animal
e uma esfinge , e a propósito dessa analogia: como o espírito se repousa numa doce quietude
ao abrigo de uma doutrina tão fecunda e tão simples para a qual nada é mistério nas obras
de Deus!...’ O positivo é que você é poeta. Há muito tempo digo que o poeta e soberanamente
inteligente ... e que a imaginação é a mais científica das faculdades, porque só ela compreende
a analogia universal, ou aquilo que uma religião mística denomina correspondance. Mas
ujpando quero imprimir essas coisas, dizem-me que sou louco... O que há de ceito, entretanto,
r ;uc tenho um espírito filosófico que me faz ver claramente o que é verdade, mesmo em
jBologia, embora eu não seja nem caçador nem naturalista... Uma idéia me preocupa
oesd/o início deste livro - porque você é um verdadeiro espírito perdido numa seita; cm
irsumo - o que você deve a Fourierl Nada ou bem pouca coisa. - Sem Founer, você teria
«do o que você é. O homem sensato não esperou que Fourier viesse à terra para compreender
sue a natureza é um verbo, uma alegoria, um molde, um relevo, se você quiser... Seu livro
desperta em mim muitas idéias adormecidas - e a respeito do pecado original, e da forma
moldada segundo a idéia, pensei muitas vezes que os insetos nocivos c nojentos nao seriam
pBLuü ..a., a vivificação, a corporificação ... dos maus pensamentos do homem - Assim, a
WEnza inteira participa do pecado original. Nao me queira mal por minha audacia e
minha liberdade, e creia-me seu devoto Ch. Baudelaire.” Henri Cord.er, Notules sur
Baudelaire, Paris, 1900, pp. 5-7. A parte central da carta polem.za contra a crença no
progresso de Toussenel e sua difamação de De Maistre. [J8]
-Origem do nome de Baudelaire. Eis o que escreveu a esse respeito o Sr. Georges Barrai, na
Rnme des Curiosités Révolutionnaires : Baudelaire me expôs a etimologia de seu nome, que
não veio absolutamente de bei ou beau, mas de band ou bald, ‘Meu nome é terrível,
continuou ele. Na verdade, o badelaire era um sabre de lâmina curta e larga, de corte
convexo, a ponta voltada para o dorso da arma... Introduzido na França depois das Cruzadas,
foi empregado em Paris até aproximadamente 1560, como arma de execução. Ha alguns
anos, em 1861, encontrou-se, durante as escavações feitas perto da Pont-au-Change, o
badelaire que serviu ao carrasco do Grand Châtelet, ao longo do século XII. Ele foi consigna o
no museu Cluny. Veja-o. Seu aspecto é terrível. Estremeço ao pensar que o perfil de meu
rosto aproxima-se do perfil do badelaire. - Mas seu nome é Baudelaire, repliquei, e nao
4 índios da tribo dos Osage vieram a Paris em
1827; cf. Claude Pichois in; OC II, p- 1083. (J.L; w.b.!
J8? ■ Passagens
Badekire. - Badelaire, Baudelaire é uma corruptela. É a mesma coisa. - De modo algum,
disse, seu nome vem de Baud (alegre), Baudiment (alegremente), sébaudir (alegrar-se).
Você é bom e alegre. - Não, não, eu sou do mal e triste.” Louis Thomas, Curiosités sur
Baudelaire, Paris, 1912, pp. 23-24.
[J8a, 1]
Em 1865, Jules Janin repreendeu Heine, em Llndépendence Belge, por causa de melancolia.
Baudelaire concebeu uma carta-resposta. “Baudelaire sustenta que a melancolia é a fonte
de toda poesia sincera.” Louis Thomas, Curiosités sur Baudelaire, Paris, 1912, p. 17.
[ J 8a, 2]
Baudelaire refere-se, cm visita a um acadêmico, às Fleurs du Bien, de 1865, e reivindica o
nome do autor - Henry (provavelmente: Henri) Bordeaux - como seu próprio pseudônimo.
(Cf. L. Thomas, Curiosités sur Baudelaire, Paris, 1912, p. 43).
[ J 8a, 3]
“Na ilha Saint-Louis, Baudelaire em toda parte sentia-se em casa; na ma ou nos cais, ficava
tão perfeitamente à vontade como se estivesse em seu quarto. Sair na ilha, para ele, não era
deixar sua morada: assim, era visto de chinelos, sem chapéu e vestido com um camisão que
lhe servia de roupa de trabalho.” Louis Thomas, Curiosités sur Baudelaire, Paris, 1912, p. 27,
1 J 8a, 4]
“Quando eu ficar absolutamente só, escrevia em 1864, procurarei uma religião (tibetana ou
japonesa), porque desprezo demais o Corão-, e, no momento da morte, abjurarei esta última
religião para mostrar bem meu nojo da tolice universal.” Louis Thomas, Curiosités sur
Baudelaire, Paris, 1912, PP- 57-58.
[ J 8a, 5]
Á produção de Baudelaire se estabelece de maneira magistral e determinada desde o início.
( J 9, 1]
Datas: Les Fleurs du Mal, 1857, 1861, 1866; Poe, 1809-1849; descoberta de Poe, em fins
de 1846.
í J 9, 2]
Rémy de Gourmont teria traçado um paralelo entre o sonho de Athalie e “Les métamorphoses
du vampire”; 5 na mesma linha, Fontainas procura estabelecer um paralelo entre “Fantômes”,
de Hugo (Les Orientales ) e “Les petites vieilles”. Hugo: “Ai! vi morrer tantas jovens!... Sobretudo
uma...”
[ J 9, 3]
Laforgue sobre Baudelaire: “Ele foi o primeiro a encontrar, depois de todas as a udácias do
Romantismo, estas comparações cruas, a tal ponto que, de repente, na harmonia de uma
frase, ele mete os pés pelas mãos: comparações palpáveis e óbvias, numa palavra: americanas.
Assim temos: palissandro, vulgaridade desconcertante e revigorante: A noite se adensava
igual a uma clausura!’ (Os exemplos são abundantes.)... Uma serpente na ponta de um
5 Isto é, entre uma passagem (II, 3) da tragédia Athalie (1690), de Racine, e o poema de Baudelaire;
cf. R. de Gourmont, "Baudelaire et le Songe d'Athalie", Promenades Littéraires, 2 e série, Mercure
de France, 1906. (w.b.)
J
[Baudelaire] 289
bastão; tua cabeleira um oceano; tua cabeça balança com a indolência de um jovem
elefante; teu corpo se inclina como um delicado navio mergulha suas vergas na água; ma
saliva sobe a teus dentes como uma onda que se avoluma pelo degelo das geleiras com
seu estrondo; teu pescoço uma torre de marfim; teus dentes, ovelhas suspensas no flanco
do Hebron. - Trata-se do americanismo aplicado às comparações do Cântico dos Cânticos .”
Jules Laforgue, Mélanges Posthumes, Paris, 1903, pp. 113-114 (“Notes sur Baudelaire”).
Cf. J 86a, 2.
[ J 9. 4]
“A tempestade de sua juventude e os sóis marinhos de suas lembranças distenderam, nas
brumas dos cais do Sena, as cordas da viola bizantina movidas por um pranto e uma aflição
incuráveis.” Jules Laforgue, Mélanges Posthumes, Paris, 1903, p. 1 14 (“Notes sur Baudelaire”).
rj9, 5]
Quando foi publicada a primeira edição de Les Fleurs du Mal, Baudelaire tinha 36 anos.
[ J 9. 6]
Por volta de 1844: “Byron vestido por Brummel.” (Le vavasseur)
[ J 9. 7]
Os Petits Poémes en Prose foram reunidos em coletânea apenas postumamente.
[ J 9. 8]
“O primeiro a romper com o público.” Laforgue, Mélanges Posthumes, Paris, 1903, p. 115.
1 J 9, 9]
“Baudelaire gato, hindu, ianque, episcopal, alquimista. - Gato: sua maneira de dizer ‘minha
querida, nesta passagem solene que se abre com ‘Seja sensata, ó minha dor’”. - Ianque:
seus ‘muito’, diante de um adjetivo; suas paisagens abruptas - e este verso: ‘Meu espírito,
tu te moves com agilidade’, que os iniciados escandem com uma voz metálica; seu ódio da
eloqüência e das confidências poéticas; ‘O prazer efêmero fugirá para o horizonte! Assim
como...’ O quê? Antes dele, Hugo, Gautier etc. ... teriam feito uma comparação francesa,
oratória; ele a fez ianque, sem tomar posição firme, mantendo-se aéreo: Assim como uma
sílfide no fundo dos bastidores’. Yêem-se os fios dos andaimes e toda a parafernália teatral...
— Hindu: ele tem essa poesia mais que Leconte de Lisle com toda sua erudição e seus
poemas carregados e ofuscantes. ‘Jardins, fontes chorando nos alabastros, / Beijos, pássaros
cantando noite e dia’. Nem coração grande nem grande espírito, mas que nervos lastimosos!
Que narinas abertas a tudo! Que voz mágica!” Jules Laforgue, Mélanges Posthumes, Paris,
1903, pp. 118-119 (“Notes sur Baudelaire”).
[ J 9a, 1 ]
Uma das poucas passagens claramente articuladas do Argument du Livre sur la Belgique —
no capítulo XXVII, “Promenade à Malines”: “Árias profanas, adaptadas aos carrilhões.
Através das árias que se cruzavam e se sobrepunham, pareceu-me perceber algumas
notas da Marseillaise. O hino do populacho, lançando-se dos campanários, perdia um
de sua aspereza. Cortado em pedaços pelos martelos, não era mais o grave urrar
í, mas parecia ganhar tuna graça infantil. Dir-se-ia que a revolução aprendia a
2JW ■ Passagens
balbuciar a língua do céu.” Baudelaire, CEuvres, ed. org. por Y.-G. Le Dantec, vol. II,
p. 725 é <OC II, p. 948>.
[ J 9a, 2]
Extraído da “Note détachée” relativa ao livro sobre a Bélgica: “Não sou ingênuo, jamais
fui ingênuo! Digo ‘Viva a Revolução’, como diria ‘Viva a Destruição!’, ‘Viva a Expiação!’,
‘Viva o Castigo!’, ‘Viva a Morte!’ Baudelaire, CEuvres, ed. org. por Y.-G. Le Dantec,
pp. 727-728 <OC II, p. 961>.
[ J 9a, 3]
Argument du Livre sur la Belgique , capítulo XXV (“Arquitetura, Igrejas, Culto”): “Bruxelas.
Igrejas. — Sainte-Gudule. Magníficos vitrais. Cores belas e intensas como aquelas com as
quais uma alma profunda reveste todos os objetos da vida.” Baudelaire, CEuvres, ed. org.
por Y.-G. Le Dantec, vol. II, p. 722 <OC II, p. 942>. - “La mort des amants” <OC I,
p. 126>, Jwendstil - Haxixe.
[ J 9a, 4]
“Eu me perguntei se Baudelaire ... não procurara, por cabotinagem e transferência psíquica,
renovar a aventura do príncipe da Dinamarca... Não havería nada de surpreendente se ele
tivesse atribuído a si mesmo a comédia de Elsinor”. Léon Daudet, Flambeaux, Paris, 1 929,
p. 210 (“Baudelaire”).
tJ io, 1]
“A vida interior ... de Charles Baudelaire ... parece ... ter se passado entre as alternativas da
euforia e da aura. Daí o duplo caráter dc seus poemas que representam, alguns, uma
beatitude luminosa, e outros, um estado de ... taedium vitae." Léon Daudet, Flambeaux,
Paris, 1929, p. 212 (“Baudelaire”)
[J 10,21
Jeanne Duval, Mme. Sabatier, Marie Daubmn.
[J 10, 3]
“Baudelaire estava deslocado no estúpido século XIX. Ele pertence à Renascença... Percebe-se
isso até em seus pontos de partida poéticos, que lembram muitas vezes os de Ronsard.”
Léon Daudet, Flambeaux, Paris, p. 216 (“Baudelaire: le malaise et 1’aura”) 6 7 .
ü 10, 4]
Léon Daudet julga desfavoravelmente o Baudelaire de Sainte-Beuve.
[ J 10, 5]
Entre os que escreveram sobre a cidade de Paris, Balzac é, por assim dizer, o primitivo; seus
personagens são maiores do que as mas nas quais circulam. Baudelaire foi o primeiro que
evocou o mar de casas com suas ondas da altura de vários andares. Talvez relacionado a
Haussmann.
[ J 10, 6]
6 É a primeira vez, dentro deste arquivo "J", que Benjamin se refere à edição Ch. Baudelaire, CEuvres, org.
por Yves-Gérard Le Dantec, 2 vols., Paris, 1931-1932 (Bibliothèque de la Plêiade, 1 e 7). Doravante, o
termo CEuvres refere-se a essa edição - ao passo que a sigla OC = CEuvres Completes continua
remetendo à edição mais recente, também em 2 vols., org. por Claude Pichois. (R.T.; w.b.)
7 O termo "aura", na análise de Baudelaire, talvez tenha sido tomado emprestado por Benjamin a Léon
Daudet ( Flambeaux , 1929). (J.L.)
J
[Baudelaire] 291
“O baudelaire ... é uma espécie de facão... O baudelaire largo e curto, de dois gumes...,
entra com um golpe certeiro e selvagem, porque a mão que o segura está próxima da
ponta.” Victor-Émile Michelet, Figures dFvocateurs, Paris, 1913, p. 18 (“Baudelaire ou le
divinateur douloureux”).
[J 10,7]
“O dândi, disse Baudelaire, deve aspirar a ser sublime ininterruptamente. Deve viver e
dormir em frente a um espelho.” Louis Thomas, Curiosités sur Baudelaire , Paris, 1912,
pp. 33-34.
[J 10, 8]
Duas estrofes de Baudelaire que teriam sido encontradas na folha de um álbum:
“Nobre mulher de braço forte, que durante os longos dias,
Sem pensar bem nem mal dormes ou sonhas sempre,
Altivamente vestida à moda antiga,
Tu que há dez anos, lentos para mim
Minha boca experiente em beijos suculentos
Acalentou com um amor mondsrico.
Sacerdotisa de orgia e minha irmã no prazer,
Que sempre desprezou carregar e nutrir
Um homem em tuas cavidades santas.
Tanto temes e foges o estigma alarmante
Que a virtude cavou com seu arado infamante
No ventre das matronas grávidas. ”
omas, Curiosités sur Baudelaire , Paris, 1912, p. 37.
U io, 9]
“Ele foi o primeiro a falar de si de forma moderada, como num confessionário, c não
representou o papel de poeta inspirado. O primeiro que falou de Paris como um condenado
coddiano da capital (os bicos de gás, que sc acendem nas ruas e que atormenta o vento da
Prostituição, os restaurantes e suas clarabóias, os hospitais, o jogo, a madeira serrada em
tmh a que recai no calçamento dos pátios, e a lareira, e os gatos, cantas, meias, bêbedos e
perfumes de fabricação moderna), mas isso de maneira nobre, longínqua, superior... O
primeiro que não se faz triunfante, mas se acusa, mostra suas chagas, sua preguiça, sua
inutilidade entediada, no meio deste século trabalhador e devoto. O primeiro que trouxe
a nossa literatura o tédio na volúpia e seu cenário bizarro: a alcova triste ... e nela se
compraz ... a Maquilagem que se prolonga até os céus, aos crepúsculos ... o spleen e a
àoença (não a Tísica poética, mas a neurose), sexn ter escrito este termo uma só vez.”
Laíoreue, Mélanges Posthumes, Paris, 1903, pp. 111-112.
[JlOa, 1]
“Da sombra misteriosa de onde germinaram, estenderam suas raízes secretas, ergueram
mxK hastes fecundas, as Fleurs du Mal iam brotar e desabrochar magnificamente suas
ninpj ■ mangens
ria e
de
sombrias corolas despedaçadas e estriadas das cores da vrda, | Ré ier ,
escândalo, exalam seus vertiginosos perfumes de amor, de dor e de mone. Henr, Keg
em Charles Baudelaire, La Fkun du Md ttAum, Poma, Paro, 1930, p. ■ (]
"Ele é sempre cortês com
o feio.” Jules Laforgue, Mélanges Posthumes , Paris, 1903, p. H4.
Ro°er Allard, Baudelaire et “ VE** Nouveau (Parts, 1918, p. 8), compara os poemas
dedicados a Mme. Sabatier aos poemas de Ronsard a Helene.
( ] 10a, 4]
■Dois escrirores, ou melhor dois livros,
o delicioso DM Ammreux de Caaotte; o ourro, ^ £ escam
vários poemas citaçío'd„ texto de Apollinaire que
1^ SLa de
^ — — * -
TEsprit Nouveau”, Paris, 1918, pp. 9-10. e1
-o sabo, do outono ... que Baudelaire experimentava na decomposição litetdri» d»
latinidade tardia.” Roger Allard, Baudelaire et lEspnt Nouveau , Paris, 1918, p. ■ j n> t]
“Baudelaire ... é o - musical dos poetas hnc^s, ao lado de ICoine
enquanto Racine sd toca violino, Baudelaire toca toda a André Suares,
a Charles Baudelaire, Les Fleurs du Mal. Paus, 1933, p. [J 11 , 2 ]
“Se Baudelaire possu, essa concentração soberana, como ninguém desde
Fleurs du Mal , Paris, 1933, p- XIII. [ J n, 4]
“Não há nenhum ardsta do verso superior a Baudelarre." André Suares, “Prefácio" [C. B„
F. d. M, Paris, 1933], p. XXIII. [j 11 , 5]
Apollinaire-, “Baudelaire é filho de Lados e de Edgar Poe." Cir. em Roger Allard, taU*>
et ‘TEsprit Nouveau”, Paris, 1918, p. 8.
[] 11 , 6 ]
J
[Baudelaire] 293
O texto “Choix de maximes consolantes sur 1’amour” traz um excurso sobre a feiúra (3 de
março de 1846, no Corsaire-Satan). A amada teria sido acometida de varíola, da qual
ficaram cicatrizes que, a partir de então, constituíram a felicidade do amante. “Você corre
um grande risco, se sua amante que tem varíola o trai, de só poder se consolar com uma
mulher que tem varíola. Para alguns espíritos mais curiosos e blasés, o prazer da feiúra
provém de um sentimento ainda mais misterioso, que é a sede do desconhecido, o gosto do
horrível. É esse sentimento ... que leva certos poetas às clínicas e às salas de cirurgia, e certas
mulheres às execuções públicas. Eu lamentaria muito quem não o compreendesse; - uma
harpa à qual faltaria uma corda grave!” Baudelaire, CEuvres, ed. org. por Y.-G. Le Dantec,
vol. II, p. 612 <OC I, pp. 548-549>.
r [J 11, 7]
A idéia das “Correspondances” <OC I, p. 11> já aparece no “Salon de 1846”, onde é
citada uma passagem de Kreisleriana } (Cf. nota de Le Dantec, CEuvres , I, p. 585 <OC II,
pp. 425-426>).
1 J 11, 8]
Na análise do catolicismo agressivo que demonstra o Baudelaire tardio, é preciso levar em
consideração o sucesso limitado de sua obra em seu tempo de vida. Isto poderia ter levado
Baudelaire a adaptar-se e amoldar-se à obra acabada de maneira pouco habitual. Sua
sensualidade particular alcançou seus equivalentes teóricos apenas no processo de criação
poética; destes equivalentes, porém, o poeta se apropriou sem reservas e sem qualquer
espécie de revisão. Eles portam o rastro desta origem justamente em sua agressividade.
[ J 11 a , i]
“Ele usa uma gravata vermelho-sangue e luvas cor-de-rosa. Sim, estamos em 1840... Em
certos anos, tivemos até luvas verdes. Foi somente a contragosto que a cor desapareceu da
roupa. Ora, Baudelaire não era o único a usar essa gravata púrpura ou brique. Nem o único
a se enluvar de rosa. Sua marca está na combinação desses dois efeitos sobre o preto da
roupa.” Eugène Marsan, Les Cannes de M. Paul Bourget et le Bon Choix de Philinte, Paris,
1923, pp. 236-237.
[ J I la, 2]
“Gautier via nas suas falas maiúsculas e itálicos’. Parece ... surpreso com o que ele pronuncia,
como se ouvisse, em sua própria voz, os dizeres de um estranho. Mas é preciso convir que
«aias mulheres e seu céu, seus perfumes, sua nostalgia, seu cristianismo e seu demônio, seus
oceanos e seus trópicos compunham uma matéria de chocante novidade... Não critico
nem mesmo o seu caminhar aos trancos ... pelo qual era comparado a uma aranha. Era o
começo da gesticulação angulosa que, pouco a pouco, ia substituindo as graças arredondadas
do mundo antigo. Também nisso ele é um precursor.” Eugène Marsan, Les Cannes de M.
Paul Bourget et le Bon Choix de Philinte, Paris, pp. 239-240. ^ ^
"Ele tinha gestos nobres, lentos, próximos do corpo. Sua polidez pareceu amaneirada
porque era um legado do século XVIII, sendo Baudelaire filho de um velho homem
s Kreisleriana'. título de um conjunto de contos publicado por E. T. A. Hoffmann (1776-1822) como parte
de Fantasiestücke in Callofs Manier (Peças Fantasiosas à Maneira de Callot, 1 8 1 4); a figura fictícia do
maestro Johannes Kreisler é porta-voz das criticas musicais do autor, (w.b.)
294 ■ Passagens
familiarizado com a vida dos salões!” Eugène Marsan, Les Cannes de M. Bourget et le Bon
Choix de Philinte, Paris, 1923, p. 239.
[ J 11a, 41
Sobre a estréia de Baudelaire em Bruxelas existem duas versões diferentes, sendo que Georges
Rency, que reproduz ambas, dá preferência à do cronista Tardieu. “Baudelaire”, escreve
este, “tomado de um medo terrível, lia e gaguejava, tremendo e batendo os dentes, com 0
nariz no manuscrito. Foi um desastre.” Camille Lemonnier, ao contrario, fala da impressão
de um magnífico conversador”. Georges Rency, Physionomies Littéraires, Bruxelas, 1907,
pp. 267-268 (“Charles Baudelaire”).
“Ele ... nunca se esforçou seriamente em compreender o que lhe era exterior.
Rency, Physionomies Littéraires, Bruxelas, 1907, p. 274 ( Charles Baudelaire ).
“Baudelaire é tão impotente para o amor quanto para o trabalho. Ele ama como escreve,
aos trancos, depois recai no seu egoísmo flâneur e debochado. Nunca teve curiosidade pelo
homem ou o sentido da evolução humana... Sua arte devia, pois, ... pecar por sua estreiteza
e singularidade: e são exatamente esses defeitos que afastam dele os espíritos sadios e retos,
que amam as obras claras e de alcance universal.” Georges Rency, Physionomies Littéraires ,
Bruxelas, 1907, p. 288 (“Charles Baudelaire”).
K [J12.3]
I J 12, 1]
Georges
[J 12, 2]
“A exemplo de muitos outros autores de nossos dias, não é um escritor, é um estilista. Suas
imagens são quase sempre impróprias. Ele dirá que um olhar é ‘penetrante como uma
verruma... Chamará o arrependimento de o último albergue.’... Baudelaire é ainda pior
escritor em prosa que em verso... Não sabe nem mesmo gramática. ‘Todo escritor francês,
diz ele, ardoroso pela glória de seu país, não pode, sem altivez e sem pesar, dirigir seus
olhares...’ A incorreção aqui não é apenas flagrante, é inepta.” Edmond Scherer, Études sur
la Littérature Contemporaine, vol. IV, Paris, 1886, pp. 288-289 (“Baudelaire”).
r [J12.4]
“Baudelaire é um sinal não de decadência nas letras, mas de rebaixamento geral nas
inteligências.” Edmond Scherer, Études sur la Littérature Contemporaine , vol. IV, Paris, 1 886,
p. 291 (“Charles Baudelaire”).
v [ J 12, 5]
Brunetière reconhece que Baudelaire, como disse Gautier, abriu novos espaços para a poesia.
Entre as reservas críticas que o historiador da literatura tem em relação a ele, está a seguinte:
“Foi um poeta ao qual faltou mais de um elemento de sua arte, e, sobretudo, segundo o
que dizem, o dom de pensar diretamente em versos.” F. Brunetière, LEvolution de la Poésie
Lyriaue en France au XLX Siècle , vol. II, Paris, 1894, p. 232 ( Le Symbolisme ).
Brunetière {LEvolution de la Poésie Lyrique en France au XLX Siècle, vol. II, Paris, 1 894) opõe
Baudelaire, de um lado, à escola de Ruskin, de outro, aos romancistas russos. Nestes dois
movimentos, ele observa correntes que, com razão, resistiram à decadência proclamada por
J
[Baudelaire] 295
Baudelaire e opunham ao homem supercultivado a simplicidade primitiva e a inocência
do homem natural. Uma síntese destas tendências antitéticas seria representada por Wagner.
- Brunetière só chegou tardiamente (1892) a esta apreciação relativamente positiva de
Baudelaire.
[J 12a, 1]
Sobre Baudelaire em relação a Hugo e Gautier: “Ele trata seus mestres como trata as mulheres:
adora-as e as deprecia.” U.-V Chatelain, Baudelaire, 1’Homme et le Poete, Paris, p. 21.
[ J 12a, 2]
Baudelaire sobre Hugo: “Ele não apenas expressa claramente, traduz literalmente a letra
explícita e clara; mas ele exprime com a obscuridade indispensável o que é obscuro e
confusamente revelado.” Com razão, diz Chatelain ( Baudelaire , 1’Homme et le Poete, Paris,
p. 22), citando esta frase, que Baudelaire talvez tenha sido o único em seu tempo a
compreender o “mallarmismo discreto” de Hugo.
[ J 12a, 3]
“Somente sessenta pessoas seguiram o carro fúnebre debaixo de um calor sufocante; Banville,
Asselineau pronunciaram, sob a ameaça de uma tempestade, belos discursos que não foram
ouvidos. A imprensa, exceto Veuillot no LUnivers, foi cruel. Tudo se encarniçava sobre seu
cadáver; uma tromba d’ água dispersava seus amigos; seus inimigos ... o trataram de ‘louco’.”
U.-V. Chatelain, Baudelaire, 1’Homme et le Poete , Paris, p. 16.
[ J 1 2a, 4]
Com respeito à experiência das correspondances, Baudelaire remete ocasionalmente a
Swedenborg e também ao haxixe.
& [ J 12a, 5]
Baudelaire no concerto: “Dois olhos negros agudos, penetrantes, cintilavam com um brilho
particular, animando, só eles, o personagem que parecia paralisado em sua concha.” Lorédan
Larchey, Fragments et Souvenirs, Paris, 1901, p. 6 (“Le boa de Baudelaire — Limpeccable
Banville”).
[J 12a. 61
Larchey é testemunha ocular da primeira visita acadêmica de Baudelaire, feita a Jules
Sandeau. Larchey adentra o vestíbulo logo após Baudelaire. “Eu chegara ... bem cedo,
quando um espetáculo bizarro alertou-me de que alguém me precedera. Em volta do
cabideiro do vestíbulo enrolava-se uma longa estola de chenile escarlate, uma dessas estolas
que as pequenas operárias então adoravam.” L. Larchey, op. cit, p. 7.
Quadro da decadência: “Vejam nossas cidades grandes sob a bruma de tabaco que as
envolve, embrutecidas nos subterrâneos pelo álcool, corroídas no alto pela morfina; é aí que
se deteriora a humanidade. Tenham certeza: dali sairão mais epiléticos, idiotas e assassinos
que poetas.” Maurice Barrès, La Folie de Charles Baudelaire , Paris, 1926, pp. 104-105. ^
“Ao término deste ensaio, imagino facilmente que um governo, tal como o desejamos nos
termos de Hobbes, se preocuparia em deter, por alguma vigorosa higiene, semelhantes
doutrinas, tão fecundas em doentes e em agitadores, quanto estéreis em cidadãos... Mas
penso que o déspota sensato, após reflexão, tardaria em intervir, fiel à tradição de uma
agradável filosofia: ‘Depois de nós, o dilúvio’.” Maurice Barrès, La Folie de Charles Baudelaire,
Paris, pp. 103-104.
[ J 13, 2]
“Baudelaire talvez não tenha sido senão um espírito laborioso que sentiu e compreendeu,
através de Poe, coisas novas e esforçou-se durante toda sua vida em se especializar.” Maurice
Barrès, La Folie de Charles Baudelaire, Paris, p. 98.
[J 13,3]
“Evitemos aclamar, apressadamente, esses poetas como cristãos. A liturgia, os anjos, os
satãs ... são apenas uma encenação para o artista que julga que o pitoresco vale bem uma
missa.” Maurice Barrès, La Folie de Charles Baudelaire , Paris, pp. 44-45.
[J13.4]
“Suas melhores páginas nos esmagam. Ele punha em versos difíceis uma prosa magnífica.”
Maurice Barrès, La Folie de Charles Baudelaire , Paris, p. 54.
[J13.5]
“As estrelas espalhadas pelo céu como sementes cintilantes, douradas e prateadas, brilhando
na profunda escuridão da noite, simbolizam [para Baudelaire] o ardor e a força da fantasia
humana.” Elisabeth Schinzel, Natur und Natursymbolik bei Poe, Baudelaire und den
franzõsischen Symbolisten, Düren (Renânia), 1931, p- 32. [j . 6]
“Sua voz ... abafada como a circulação de veículos na noite das alcovas acolchoados.” Maurice
Barrès, La Folie de Charles Baudelaire, Paris, p. 20.
[ J13, 7]
“No início, a obra de Baudelaire pareceu pouco fecunda Espíritos inteligentes compararam-
na a um tanque d’água estreito, cavado com esforço, num lugar sombrio e coberto de
vapores... A influência de Baudelaire se revelou no Pamasse Contemporain ... em 1865---
Três figuras se destacam... Stephane Mallarmé, Paul Verlaine e Maurice Rollinat.” Maurice
Barrès, La Folie de Charles Baudelaire, Paris, pp. 61, 63, 65.
[J 13, 8]
“E o lugar que ocupam as palavras nobres no meio da plebe, neste período!” Maurice
Barrès, La Folie de Charles Baudelaire, Paris, p. 40.
[J 13a, 1]
Flaubert a Baudelaire: “Você canta a carne sem amá-la, de um modo triste e desprendido
que me é simpático. Ah! Você! Você compreende o tédio da existência!” Cit. em Maurice
Barrès, La Folie de Charles Baudelaire, Paris, p. 31.
[ J 13a, 2]
A preferência de Baudelaire por Juvenal poderia bem ser a preferência por um dos primeiros
poetas citadinos. Compare-se a observação de Thibaudet: “Vemos, nas grandes épocas da
vida urbana, a poesia expulsa tão mais violentamente para fora da cidade, quanto mais a
J
(Baudelaire] 2*)7
cidade propicia ao poeta e ao homem sua vida intelectual e moral. Quando esta vida ... do
mundo grego tem como centro as grandes cidades cosmopolitas, Alexandria e Siracusa,
nasce dessas cidades a poesia pastoral. Quando o mesmo lugar é ocupado pela Roma de
Augusto, a mesma poesia de pastores..., da natureza fresca aparece nas Bucólicas e nas
Geórgicas de Virgilio. E, no século dezoito francês, no momento mais brilhante ... da vida
parisiense, volta a poesia pastoral, como parte de um retorno ao antigo... O único poeta no
qual já se encontraria algum traço do urbanismo baudelaireano (e ainda de outras coisas
baudelairianas), seria, talvez, no seu momento, Saint-Amand.” Albert Thibaudet, Intérieurs ,
Paris, 1924, pp. 7-9.
[ J 13a. 3]
“Passando de todos esses poetas românticos a Baudelaire, passa-se de um cenário de
natureza a um cenário de pedra e de carne... O temor religioso da natureza, que fazia
parte, para os românticos, de sua familiaridade com a natureza, tornou-se em Baudelaire
ódio à natureza.” [?]
[ J 13a. 4]
Baudelaire sobre Musset: “Exceto na idade da primeira comunhão, isto é, numa idade em
que tudo que diz respeito às prostitutas e às meias de seda tinha o efeito de uma religião,
nunca pude suportar este mestre dos afetados, sua impudência de criança mimada que
invoca o céu e o inferno para aventuras narradas na mesa de jantar, sua torrente lamacenta
de erros de gramática e de prosódia, enfim, sua incapacidade total de compreender o
trabalho pelo qual um devaneio se torna um objeto de arte. Thibaudet, que cita esta
observação ( Intérieurs , p. 15), dá-lhe como paralelo (p. 16) a observação de Brunetière
sobre Baudelaire: “Não é mais que um Satã de quarto mobiliado, um Belzebu de mesa de
jantar.”
[ J 13a, 5]
“Um soneto como ‘À une passante’ <OC I, p. 92>, um verso como o último deste soneto
... só pode surgir no ambiente de uma grande cidade, onde os homens vivem juntos,
estranhos uns aos outros e como viajantes, um perto do outro. E, de todas as capitais,
somente Paris produzirá versos assim, como um fruto natural.” Albert Thibaudet, Intérieurs ,
p. 22 (“Baudelaire”).
“Ele carregou como doloroso troféu ... o que se poderia chamar um peso espesso de
lembranças, como se vivesse numa paramnésia contínua... O poeta carrega em si uma
duração viva que os odores despertam ... e com a qual se confundem... Esta cidade, ... é
uma duração, uma forma inveterada da vida, uma memória... Se ele amou numa ... Jeanne
Duval, não se sabe que noite imemorial..., isso não será senão um símbolo ... dessa verdadeira
duração..., consubstanciai à vida e ao ser de Paris, a duração desses seres muito velhos e
desgastados, que lhe parecem dever formar, como a própria capital, blocos maciços, bancos
k^sgotávaeis de lembranças.” (Referência a “Les petites vieilles ) Albert Thibaudet, Intérieurs,
ftuis, pp. 24-27 (“Baudelaire”). [ji4 2 ]
*Ihibaudet aproxima do poema de Baudelaire, “Une charogne’ <OC I, p. 3 1 >, a Comédie
de k mort”, de Gautier, e “Eépopée du ver”, de Hugo. Op. cit., p. 46.
[J 14, 3]
298 ■ Passagens
Muito apropriadamente, Thibaudet aponta para a correlação entre confissão e mistificação
em Baudelaire. Através da segunda, seu orgulho compensa a primeira. “Parece que, depois
das Confissões de Rousseau, toda nossa literatura pessoal tenha saído de um móvel cultual
quebrado, de um confessionário revirado.” Thibaudet, Intérieurs, Paris, p. 47 (“Baudelaire”).
A mistificação, uma figura do pecado original. _ ^
Thibaudet ( Intérieurs , p. 43) cita uma observação de 1887, na qual Brunetière considera
Baudelaire “uma espécie de ídolo oriental, monstruoso e disforme, cuja deformidade natural
é realçada com cores estranhas.”
[ J 14. 5]
Em 1859, saiu a publicação de Mireille , de Mistral. Baudelaire ficou revoltado com o
sucesso do livro.
[J 14,61
Baudelaire a Vigny: “O único elogio que peço para esse livro é que se reconheça que ele não
é um mero álbum, mas que tem um começo e um fim.” Cit. Thibaudet, Intérieurs , Paris,
p. 5 (“Baudelaire”).
F 1114,7)
Thibaudet conclui seu ensaio sobre Baudelaire com a alegoria da Musa doente que, postada
sobre a colina de Rastignac na margem direita do Sena, faz contraponto com a Montagne
Sainte-Geneviève, na margem esquerda, (p. 60-61)
[ J 14, 8]
Baudelaire - “de nossos grandes poetas, aquele que escreve pior, se não existisse Alfred de
Vigny.” Thibaudet, Intérieurs, Paris, p. 58 (“Baudelaire”).
b 1J 14, 9]
Poulet-Malassis tinha sua boutique na Passage des Princes, na época, Passage Mirès.
[J 14a, 1]
“Estola violeta sobre a qual se enrolavam longos cabelos grisalhos, cuidadosamente arranjados,
que lhe davam uma certa aparência clerical.” Champfleury, Souvenirs et Portraits de Jeunesse,
Paris, 1872, p. 1 44 (“Rencontre de Baudelaire”).
[J 1 4a, 2]
“Ele trabalhava, e nem sempre conscientemente, no mal-entendido que o isolava de sua
época; trabalhava nisso tanto mais que esse mal-entendido nascia dele mesmo. As notas
íntimas, que se publicaram postumamente, são, desse ponto de vista, dolorosamente
reveladoras... Desde que fala de si mesmo, esse artista incomparavelmente sutil, o faz com
uma inabilidade que espanta. Falta-lhe irremediavelmente orgulho; a tal ponto que conta
incessantemente com os tolos, seja para surpreendê-los, seja para escandalizá-los, seja,
enfim para lhes dizer que não precisa de maneira alguma deles.” André Gide, “Introduction
a Charles Baudelaire, Les Fleurs du Mal, Paris, Édouard Pelletan, 1917, pp. XIII-XIV.
[ J 14a, 3]
‘“Não foi para minhas mulheres, minhas filhas ou minhas irmãs que foi escrito este livro’,
diz ele, falando das Fleurs du Mal. Que necessidade tem ele de nos prevenir? Por que essa
J
[Baudelaire] 299
frase? Oh! Simplesmente pelo prazer de afrontar a moral burguesa com esta palavra minhas
mulheres, inserida ali como por negligência, mas que foi colocada de propósito, uma vez
que a reencontramos em seu diário íntimo: ‘Isso não poderá escandalizar minhas mulheres,
nem minhas filhas nem minhas irmãs’.’’ André Gide, “Introduction a Charles Baudelaire.
Les Fleurs du Mal, Paris, Édouard Pelletan, 1917, p. XIV.
; J 14a. 4]
“Baudelaire é provavelmente o artista sobre o qual se escreveu mais bobagens. .André
Gide, “Introduction” a Charles Baudelaire, Les Fleurs du Mal, Paris, Édouard Pelletan,
1917> p- ™-
“As Fleurs du Mal slo dedicadas ao que Gautier pretendia ser: o mágico das letras francesas,
o artista puro, o escritor impecável, — e era uma maneira de dizer: Não se enganem, o que
venero é a arte e não o pensamento; meus poemas não valerão nem pelo movimento, nem
pela paixão, nem pelo espírito, mas pela forma.” André Gide, “Introduction a Charles
Baudelaire, Les Fleurs du Mal, Paris, Édouard Pelletan, 1917, pp. XI-XII.
[ J 14a, 6]
“Agora mesmo, em voz baixa, ele conversa com cada um de nós.” André Gide, “Introduction’
a Charles Baudelaire, Les Fleurs du Mal, Paris, Édouard Pelletan, 1917, p. XV.
[J 14a, 7]
Lemaítre em seu artigo sobre “Baudelaire”, originalmente publicado no Feuilleton
dramatique” do Journal des Débats, escrito por ocasião das CEuvres Posthumes e Correspondances
Inédites, publicadas por Crépet: “O pior é que sinto este infeliz perfeitamente incapaz de
desenvolver estas notas sibilinas. Os ‘pensamentos’ de Baudelaire não são, no mais das
vezes, senão uma espécie de balbucio pretensioso e penoso... Não se imagina uma cabeça
menos filosófica.” Jules Lemaítre, Les Contemporains, série IV, Paris, 1895, p. 21
(“Baudelaire”). Meditação!
Após Calcutá. “Quando de seu retorno, ele toma posse de seu patrimônio, setenta mil
francos. Em dois anos gasta a metade... Vive, pois, durante vinte anos, da renda dos trinta
e cinco mil francos que lhe restavam... Ora, ele não faz, durante esses vinte anos, mais de
dez mil francos de novas dívidas. Você pode imaginar que, nessas condições, ele não deve
ter se entregue, com muita freqüência, a orgias neronianas!” Jules Lemaítre, Les Contemporains,
série IV, Paris, 1895, p. 27. ^ ^
Bourget tece uma comparação entre Leonardo e Baudelaire: Uma perigosa curiosidade
força a atenção e convida aos longos devaneios diante desses enigmas de pintor e de poeta.
Olhado por muito tempo, o enigma libera seu segredo. Paul Bourget, Essais de Psychologie
Contemporaine, vol. I, Paris, 1901, p. 4. (“Baudelaire”)
“Ele é admirável ao começar um escrito por palavras de uma solenidade ao mesmo tempo
trágica e sentimental, que nao se esquece mais: ‘Que me importa que sejas sensata! Seja
300 ■ Passagens
bela e seja triste...’ E em outro lugar: ‘Tu, qual um golpe de faca, / No meu coração
queixoso entraste...’ E em outro lugar: ‘Como um gado pensativo sobre a areia deitadas /
Elas voltam seus olhos para o infinito dos mares...’.” Paul Bourget, Essais de Psychologie
Contemporaine, vol. I, Paris, 1901, pp. 3-4.
[J 15,4]
Bourget vê afinidades entre Benjamin Constant, Amiel e Baudelaire - inteligências
determinadas pelo espírito de análise, tipos marcados pela decadência. O alentado anexo
ao “Baudelaire” detém-se em Adolphe. Ao lado do espírito de análise, Bourget considera
como elemento de decadência o tédio. O terceiro capítulo, o último, do ensaio sobre
Baudelaire, Teoria da decadência”, desenvolve esta teoria a partir da situação do império
romano tardio.
[J 15,5]
Em 1849 ou 1850, Baudelaire desenha de memória a cabeça de Blanqui. (Ver Philippe
Soupault, Baudelaire , Paris, 1931, ilustração à p. 15.)
[J 15,6]
“Trata-se de todo um conjunto de artifícios, de contradições voluntárias. Tentemos anotar
algumas delas. Aí se encontram misturados o realismo e o idealismo. É a descrição excessiva
e complacente dos mais desoladores detalhes da realidade física, e é, ao mesmo tempo, a
tradução depurada das idéias e crenças que mais ultrapassam a impressão imediata que
exercem sobre nós os corpos. — E a união da sensualidade mais profunda com o asceüsmo
cristão. ‘Nojo da vida, êxtase da vida, escreve em algum lugar Baudelaire... É ainda, no
amor, a aliança do desprezo com a adoração da mulher... A mulher é considerada como
uma escrava, como um animal..., e, no entanto, a ela são dirigidas as mesmas homenagens,
as mesmas preces que à Virgem imaculada. Ou, então, ela é vista como a armadilha universal
... e adorada por seu funesto poder. E não é tudo: no momento que se pretende expressar
a paixão mais ardente, cuida-se em procurar a forma ... mais imprevista..., isto é, a que
exige mais sangue-frio e mesmo ausência de paixão... Acredita-se, ou finge-se acreditar, no
diabo; ele é visto alternadamente, ou ao mesmo tempo, como o pai do Mal ou como o
grande Vencido e a grande Vítima; há um regozijo em expressar sua impiedade na linguagem
dos ... crentes. O ‘Progresso’ é amaldiçoado; detesta-se a civilização industrial desse século,
... e, ao mesmo tempo, desfruta-se do pitoresco especial que esta civilização introduziu na
vida humana... Acredito que seja este o esforço essencial do baudelairismo: unir sempre
duas ordens de sentimentos contrários ... e, no fundo, duas concepções divergentes do
mundo e da vida, a cristã e a outra, ou, se quiserem, o passado e o presente. É a obra-prima
da Vontade (escrevo, como Baudelaire, com maiuscula), a última palavra da invenção no
que concerne aos sentimentos.” Jules Lemaítre, Les Contemporains, série IV, Paris, 1895,
pp. 28-31 (“Baudelaire”).
[J 15a, 1]
Lemaítre observa que Baudelaire teria de fato, tal qual se impusera, criado um poncif.
[J 15a, 2]
“O aparelho sanguinário da destruição” - onde se encontra esta formulação em Baudelaire?
Em “La destruction” <OC I, p. 1 1 1 >.
[ J 15a, 3]
[Baudelaire] 301
: pode ser considerado o exemplar acabado de um pessimista parisiense . duas palavras
routrora soariam estranhas se acopladas.” Paul Bourget, Essais de Psychologie Contemporaine,
. I, Paris, 1901, p. 14.
' I 15 a- <
Bsudelaire imaginou por um momento colocar uma dança dos mortos de H. Langlois no
írondspício da segunda edição das Fleurs du Mal.
15a.
Tfe homens vivem ao mesmo tempo neste homem... Esses três homens são bem modernos,
c mais moderna é sua reunião. A crise de uma fé religiosa, a vida em Paris e o espirito
õccrihco do tempo ... ei-los ligados até parecer inseparáveis... A fé irá embora, mas o
■Ésõcismo, mesmo expulso da inteligência, permanecerá na sensação... Pode-se citar o
(OBjpreso de uma terminologia litúrgica para ... celebrar uma volúpia... Ou ainda esta
prosa curiosamente trabalhada no estilo da decadência latina que ele intitula: ‘hranciscae
■esse laudes’... Seus gostos de libertino, em compensação, lhe vieram de Paris. Há todo um
mno do vício parisiense, como há todo um cenário dos ritos católicos em ... seus poemas.
: atravessou, vê-se, e com que ousadas experiências, advinha-se, os piores antros da cidade
ica. Comeu às mesas dos hotéis, ao lado das jovens maquiadas, cuja boca sangra
ia máscara de alvaiade. Dormiu cm prostíbulos c conheceu o rancor do dia clareando,
arniniT j as cortinas lanadas, o rosto mais fanado da mulher vendida. Procurou ... o espasmo
reflexão que ... cura do mal de pensar. E, ao mesmo tempo, conversou em todas as
ias desta cidade... Levou a existência de um literato ... e aguçou a lâmina de seu
Èto em lugares onde a dos outros teria perdido o gume para sempre.’ Paul Bourget,
Mmaãr de Psychologie Contemporaine, vol. I, Paris, 1901, pp. 7-9 (“Baudelaire”).
ia de comentários muito felizes sobre o procedimento poético de Baudelaire em
JBpicr" “Estranho arranjo de palavras! Ora como uma fadiga da voz ... uma palavra cheia
iiiler ifaqueza: ‘E quem sabe se as flores novas com as quais sonho / Encontrarão neste solo
IjjjjjniOi; ;omo a praia de um rio / O místico alimento que fariã seu vigor . Ou então: Cibele
ipr » ama, aumente seus verdores’... Como os que se sentem perfeitamente senhores do
ipir jurerem dizer, ele procura primeiro os termos mais distantes; depois os reconduz, os
aiiaHET-u e lhes infunde uma propriedade que desconhecíamos... lai poesia não pode ser
iiilt imsjjiração... E assim como o pensamento que se eleva ... arranca-se sem pressa da
hdc em que estava, assim o jato poético retém de sua longa virtualidade uma
: Amo de vossos longos olhos a luz esverdeada’... Cada poema de Baudelaire é um
)... É uma certa frase, questão, lembrança, invocação ou dedicatória que tem
tacques Rivière, Etudes, Paris, pp. 14-18.
' n i J 16, 21
íuo de Rops para a coletânea de poemas Les Épaves <OC I, pp. 147-178>. Ele
■ni'i j| iriii.,.ii - uma alegoria complexa. — Projeto de uma água-forte de Bracquemond para a
iiiiaiiiiB de mosto das Fleurs du Mal. Descrição de Baudelaire: “Um esqueleto arborescente, as
ipomia: : as costelas formando o tronco, os braços estendidos em cruz desabrochando em
Hyilliiis r botões, e protegendo várias fileiras de plantas venenosas, dispostas ordenadamente
— pnrçna£r.cõ ootes, como numa estufa de jardineiro.” ^ _
302 ■ P assa 9 ens
Curiosa idéia de Soupault: "Quase rodos os poemas são mais ou menos diretamente
inspirados numa gravura ou num quadro... Pode-se afirmar que eram oferendas à moda?
Temia ficar só... Sua fraqueza o obrigava a procurar pontos de apoio.” Philippe Soupault,
Baudelaire, Paris, 1931, p. 64.
“Chegado aos anos da maturidade, da resignação, nunca teve uma palavra de arrependimento
ou de pranto por esta infância.” Arthur Holitscher, Charles Baudelaire , Die Literutur ,
vol. XII, pp. 14-15.
“Essas imagens não buscam acariciar nossa imaginação; são longínquas e estudadas como o
tom da voz quando ela insiste... Como uma palavra chega ao ouvido, quando não se esperava
por isso, o poeta chega de repente muito perto de nós: Tu te lembras? Lembras-te do que
eu disse? Onde o vimos juntos, nós que não nos conhecemos?’” Jacques Rivière, Etudes,
Paris, pp. 18-19. [ i !6 a . 3 !
“Baudelaire conhecia esta clarividência do coração que não admite inteiramente o que ele
sente... É uma hesitação, um suspense, um olhar de modéstia. Jacques Rivière, Etudes ,
Paris, p. 21.
[ J 16a, 4]
“Versos tão perfeitos, tão medidos que, de início, hesita-se em lhes dar todo seu sentido;
uma esperança persiste alguns instantes, uma dúvida sobre sua profundidade. Mas é só
esperar. Jacques Rivière, Études, Paris, p. 22.
Sobre o “Crépuscule du matin” <OC I, pp. 103-104>: “Cada verso do ‘Crépuscule du
matin , sem grito, com devoção, desperta um infortúnio. Jacques Rivière, Études, Paris,
“A devoção de um coração que a fraqueza enche de êxtase... Ele falará das coisas mais
horríveis, e a violência de seu respeito lhe da r á uma decência sutil. Jacques Rivière, Etudes,
Paris, pp. 27-28.
[J 16a, 7]
Segundo Champfleury, Baudelaire teria comprado em bloco os não vendidos do Salão de
1845.
[ J 16a, 8]
“Baudelaire tinha a arte de transformar sua máscara como um criminoso que frigiu da
prisão.” Champfleury, Souvenirs et Portraits de Jeunesse , Paris, 1872, p. 135 (“Rencontre
avec Baudelaire”). - Courbet queixou-se de não poder levar a cabo o retrato de Baudelaire;
a cada dia tinha uma fisionomia diferente.
[ J 16a, 9]
Preferência de Baudelaire pela cerveja Porter.
[ ] 16a, 10]
J
[Baudelaire] 303
“As flores preferidas de Baudelaire não eram nem a margarida, nem o cravo, nem a rosa;
com vivo entusiasmo ele parava diante de plantas suculentas que pareciam serpentes lançando-
se sobre uma presa ou ouriços encolhidos. Formas atormentadas, formas culpadas, este foi
o ideal do poeta.” Champfleury, Souvenirs et Portmits de Jeunesse, Paris, 1872, p. 143.
i J I6a.nl
Em seu prefácio às Fleurs du Mal, Gide enfatiza a força “centrífuga e desagregadora" que
Baudelaire, à semelhança dc Dostoiévski, teria conhecido em seu íntimo, e que confhtava
com sua força produtiva (p. XVII).
[J1-. n
“Este gosto por Boileau, por Racine, não era, em Baudelaire, uma afetação... Havia algo a
mais nas Fleurs du Mal que ‘um arrepio novo’; havia um retorno ao verso francês tradicional...
Até em seu mal-estar nervoso Baudelaire conserva alguma coisa de sadio.” Rémy de
Gourmand, Promenades Littéraires , série II, Paris, 1906, pp. 85-86 ( Baudelaire et le songe
d’Athalie”).
[J 17, 21
Poe (cit. em R. de Gourmont, Promenades Littéraires, Paris, 1904, p. 371, “Marginalia sur
Edgar Poe et sur Baudelaire”): “A certeza do pecado ou do erro contido num ato é, muitas
vezes, a única força, invencível, que nos arrasta para sua execução.”
U 17.3]
Estrutura de ÜÉchec de Baudelaire, de René Laforgue, Paris, 1931. Baudelaire teria
presenciado o coito de sua babá ou de sua mãe com seu (primeiro ou segundo?) marido;
colocado, dessa forma, na posição da terceira pessoa no relacionamento amoroso, ele teria
se fixado nesse papel e se tornado voyeur, possivelmente teria freqüentado bordéis, basicamente
como voyeur ; por causa dessa fixação no olhar, teria se tornado um crítico que sente a
necessidade de ser objetivo, “para não ‘perder nada de vista’”. Perrenceria a um tipo claramente
definido de paciente. “Ver, para eles, significa planar como as águias acima de tudo, com
toda segurança, e realizar uma espécie de onipotência pela identificação, ao mesmo tempo,
com o homem e com a mulher... São esses os seres que desenvolvem então o gosto funesto
do absoluto ... e que, refugiando-se no domínio da pura imaginação, perdem o uso de seu
coração.” (pp. 201 e 204).
[ .117,4]
“Inconscientemente Baudelaire amou Aupick, e ... talvez fosse para conseguir ser amado
por seu padrasto, que ele o teria provocado incessantemente... Se, para a afetividade do
poeta, Jeanne Duval desempenhou um papel análogo ao de Aupick, compreendemos
porque Baudelaire foi ... sexualmente possuído por ela. E essa união representaria, assim,
... antes de mais nada uma união homossexual, em que Baudelaire desempenhava
sobretudo um papel passivo, o da mulher. ” René Laforgue, L’Echec de Baudelaire, Paris,
1931, pp. 175, 177.
[ J 17, 5]
.Amigos chamavam Baudelaire ocasionalmente de Monseigneur Brummel.
[J 17, 6]
Sobre a compulsão à mentira cm Baudelaire: “Expressar urna verdade espontaneamente,
diretamente, torna-se para essas consciências sutis e atormentadas o equivalente do êxito ...
304 ■ Passagens
no incesto, ali onde se pode realizá-lo simplesmente com seu ‘bom senso’... Ora, no caso
em que a sexualidade normal é recalcada, o bom senso está condenado a não alcançar seu
fim.” René Laforgue, L'Échec de Baudelaire, Paris, 1931, p. 87.
[J 17,7]
Anatole France — La Vie Littéraire, vol. III, Paris, 1891 — sobre Baudelaire: “Sua lenda,
criada por admiradores e amigos, está cheia de traços de mau gosto.” (p. 20) “A mais
miserável criatura, encontrada à noite, na sombra de uma ruela suspeita, guarda em seu
espírito uma grandeza trágica: sete demônios estão nela (!) e todo o céu místico olha essa
pecadora cuja alma está em perigo. Ele se diz que os beijos mais vis repercutirão por toda
a eternidade, e mistura aos encontros de uma hora dezoito séculos de diabruras.” (p. 22)
“Ele não experimenta prazer com as mulheres senão apenas o suficiente para perder com
certeza sua alma. Não é nunca um enamorado e não seria nem mesmo um devasso se a
luxúria não fosse essencialmente ímpia... Ele deixaria as mulheres em paz se não esperasse,
por meio delas, ofender a Deus e fazer chorar os anjos.” (p. 22)
[ J 17a, 1]
“No fundo, ele nunca teve senão uma meia fé. Nele, apenas o espírito era inteiramente
cristão. O coração e a inteligência permaneciam vazios. Conta-se que, um dia, um de seus
amigos, oficial da marinha, mostrou-lhe um manitu que trouxera da África, uma pequena
cabeça monstruosa, talhada num pedaço de madeira por um pobre negro. — ‘Ela é muito
feia, disse o marinheiro. E a jogou fora desdenhosamente. — Tome cuidado! disse Baudelaire
inquieto. E se fosse o verdadeiro deus!’ Eis a palavra mais profunda que ele jamais pronunciou.
Acreditava nos deuses desconhecidos, sobretudo pelo prazer de blasfemar.” Anatole France,
La Vie Littéraire, vol. III, Paris, 1891, p. 23 (“Charles Baudelaire”).
[ J 17a. 2]
Carta a Poulet-Malassis, 18 de fevereiro de 1860.
[ J 17a. 3]
“A hipótese da P. G. [paralisia geral] de Baudelaire persistiu durante meio século, apesar de
tantas oposições, e reina ainda nos espíritos. Entretanto, como é fácil demonstrar, trata-se
de um erro grosseiro, que não se apoia em nenhuma aparência de verdade... Baudelaire não
morreu de P G., mas de um enfraquecimento cerebral, das conseqüências de uma apoplexia
... de um desgate de suas artérias cerebrais.” Louis-Antoine-Justine Caubert, La Névrose de
Baudelaire, Bordeaux, 1930, pp. 42-43. A hipótese de paralisia geral é igualmente
contestada, e também numa “tese”, por Raymond Trial, La Maladie de Baudelaire, Paris,
1926 (cf. p. 69). Ele reconhece na doença cerebral, porém, uma conseqüência da sífilis,
enquanto Caubert considera a sífilis de Baudelaire não suficientemente diagnosticada
(p. 46). Ele cita (p. 41) Remond e Voivenel, Le Génie Littéraire, Paris, 1912: “Baudelaire
foi vítima de uma esclerose das artérias cerebrais.”
[J 17». 4]
Cabanès, em seu ensaio “O sadismo em Baudelaire”, publicado na Chronique Médicale de
15 de novembro de 1902, defende a tese de que Baudelaire teria sido um “louco sádico”,
(p. 727)
[J 18. 1]
J
[Baudelaire] 305
Du Camp sobre a viagem de Baudelaire “às índias”: “Ele cuidava da provisão de carne para
o exército inglês ... passeava sobre elefantes e fazia versos.” Numa nota ele acrescenta:
“Disseram-me que essa anedota é duvidosa; eu o ouvi de Baudelaire, de cuja veracidade
não tenho direito de suspeitar, mas talvez ele tenha pecado por excesso de imaginação.”
Maxime du Camp, Souvenirs Littémires, vol. II, Paris, 1906, p. 60.
[J18.2]
Uma característica da reputação que precedeu Baudelaire, antes de ele ter publicado algo
de essencial, é esta afirmação de Gautier: “Temo que aconteça com Baudelaire o mesmo
que aconteceu com Petrus Borel. No tempo de nossa juventude ... dizíamos: Hugo deve
ficar atento: quando Petrus publicar, ele desaparecerá... Hoje, ameaçam-nos com Baudelaire,
dizem-nos que, quando ele publicar seus versos, Musset, Laprade, eu, nós nos evanesceremos
como fumaça. Não creio em nada disso, Baudelaire será um fogo de palha assim como
Petrus.” Maxime du Camp, Souvenirs Littéraires, vol. II, Paris 1906, pp. 61-62.
[J18.3]
“Baudelaire, como escritor, cinha um grande defeito do qual não se dava conta: era ignorante.
O que sabia, sabia-o bem, mas sabia pouco. A história, a fisiologia, a arqueologia, a filosofia
lhe escapavam... O mundo exterior pouco lhe interessava; talvez o percebesse, mas certamente
não o estudava.” Maxime du Camp, Souvenirs Littéraires, vol. II, Paris, 1906, p. 65-
[ J 18, 4]
Extraído de avaliações de professores do colégio Louis-le-Grand sobre Baudelaire: “É espirituoso.
Um pouco de mau gosto” (em Retórica). “Conduta algumas vezes bastante dispersa. Este
aluno, e ele mesmo o diz, parece persuadido de que a história é perfeitamente inútil” (em
História). — Carta ao padrasto, de 1 1 de agosto de 1839, após ser aprovado: “Meu exame foi
bem medíocre, exceto o de latim e o de grego - muito bem -, foi o que me salvou.” Charles
Baudelaire, Vers Latins, ed. org. por Tules Mouquet, Paris, 1933, pp. 17, 18, 26.
[J18.5]
Segundo Péladan, “Théorie plastique de 1’androgyne” ( Mercure de France , XXI, p. 650,
1910), o andrógino aparece em Rossetti e Burne Jones.
& [J 18 . 6 ]
Ernest Seillière, Baudelaire, Paris, 1931, p. 262, sobre “La mort des artistes”: “Relendo esse
poema, eu me dizia que, na pena de um iniciante das letras, não somente ele não seria
notado, mas seria julgado de inábil.”
b ! J 18, 71
Seillière refere-se a “La Fanfarlo” <OC I, pp. 553-580> como um documento que não foi
suficientemente explorado para a biografia de Baudelaire; op. cit., p. 72. ^ ^
“Baudelaire conservará até o fim essa inabilidade intermitente que foi tão diferente da
técnica brilhante de um Hugo.” Ernest Seillière, Baudelaire, p. 72.
[ J 18a, 1]
Passagens principais sobre a inconveniência da paixão na arte: o segundo prefácio a Poe, o
estudo sobre Gautier.
[J 18a, 2]
3W5 ■ Passagens
A primeira conferência em Bruxelas é dedicada a Gaurier. Camille Lemonnier a compara a
uma missa celebrada em homenagem ao mestre. Baudelaire teria se apresentado com “a
beleza grave de um cardeal das letras oficiando diante do Ideal.” Cit. em Seillière, Baudelaire,
Paris, 1931, p. 123.
[J 18a. 3]
“Baudelaire se fez introduzir sob a etiqueta de discípulo fervoroso no salão da Place Royale,
mas... Hugo, em geral tão hábil em deixar seus visitantes contentes na hora da despedida,
não compreendeu o caráter artificialista’ e as predileções parisienses exclusivas do jovem...
Suas relações permaneceram, entretanto, cordiais, sendo que Hugo provavelmente não leu
o ‘Salon de 1846; e também Baudelaire, nas suas ‘Réflexions sur quelques-uns de mes
contemporains’, se mostrou um admirador bastante lúcido, embora sem grande
profundidade.” Ernest Seillière, Baudeldire, Paris, 1931, p. 129.
[ J 18a, 4]
Baudelaire teria feito passeios freqüentes e prazerosos ao longo do Canal de 1’Ourcq, relata
Seillière (p. 120).
ÍJ 18a, 5]
Nada se sabe sobre os Dufay — ancestrais maternos de Baudelaire.
[J 18a, 6]
“Em 1876, num artigo intitulado ‘Chez feu mon maítre’ (Em casa de meu finado mestre),
Cladel evocará ... o traço macabro da fisionomia do poeta. Nunca, dirá essa testemunha...,
ele era mais lúgubre que quando desejava parecer jovial, porque tinha a palavra perturbadora
e sua veia cômica dava arrepios. Sob pretexto de divertir seus ouvintes, contava, entre duas
gargalhadas pungentes como soluços, sabe-se lá que histórias de além-túmulo que lhes
gelava o sangue nas veias.” Ernest Seillière, Baudelaire, Paris, 1931, p. 150.
[ J 18a, 7]
Onde se encontra em Ovídio a passagem na qual se diz que o rosto teria sido feito para
emitir o reflexo das estrelas? 9
[ J 18a, 8]
Seillière observa que os poemas apócrifos, atribuídos a Baudelaire, seriam todos necrófilos
152 ).
[J 18a, 9]
“Enfim, a anomalia passional tem seu lugar, como se sabe, na arte baudelairiana, pelo
menos num de seus aspectos, o de Lesbos: o outro ainda não tinha se tornado confessável
pelo progresso do naturismo moral.” Ernest Seillière, Baudelaire, Paris, 1931, p. 154.
[J 18a, 10]
O soneto “Quant à moi, si j’avais un beau pare plante d’ifs” <OC I, pp. 216-217>, que
Baudelaire dedicou provavelmente a uma jovem de Lyon, por volta de 1839-1840, faz
lembrar em seu verso final — “E tu também o sabes, bela de olhos por demais astuciosos...”
- o último verso de “À une passante” <OC I, p. 93>.
[ J 19, 1]
9 Ovídio, Metamorfoses, I, 84-85. Cf. Ch. Baudelaire, "Le Cygne" <OC I, p. 86>. (J.L.)
J
[Baudelaire] 307
Prestar atenção ao texto “Les vocations” do Spleen de Paris e, principalmente, ao relato da
terceira personagem de “voz mais baixa: - ‘Isso produz um efeito especial, certamente, de
não estar deitado sozinho e estar numa cama com sua empregada, nas trevas... Tente,
quando puder, fazer como eu e verá!’ O jovem autor dessa prodigiosa revelação unha. ao
fazer seu relato, os olhos arregalados por uma espécie de estupefação diante daquilo que
sentia ainda, e os raios do sol poente, deslizando através dos cachos ruivos de sua cabeleira
despenteada, iluminavam-na como uma auréola sulfurosa de paixão.” <OC I, p. 333>
A passagem é tão característica da concepção baudelairiana do pecador, quanto da aura
da confessio pública.
J r [J19.2]
Baudelaire a sua mãe, em 11 de janeiro de 1858 (cit. em Charles Baudelaire, Vers Latins,
ed. org. por Jules Mouquet, Paris, 1933, p. 130): “A senhora não reparou, pois, que havia
nas Fleurs du Mal duas peças que lhe diziam respeito, ou pelo menos alusivas a lembranças
íntimas de nossa vida passada, dessa época de viuvez que me deixou recordações singulares
e tão tristes: uma, ‘Je n’ai pas oublié, voisine de la ville (Não me esqueci, vizinha da
cidade) (Neuilly); e a outra que se segue: ‘La servante au grande coeur dont vous étiez
jalouse’ (A ama bondosa de quem você tinha ciúme) (Mariette)? Deixei essas peças sem
título e sem indicações claras, porque tenho horror de prostituir as coisas íntimas da
família...” 10
[J 19. 3]
A opinião de Leconte de Lisle — de que Baudelaire teria escrito seus poemas cm versos a
partir de uma versão em prosa - é retomada por Pierre Louys, CEuvres Completes, vol. XII,
Paris, 1930, p. LIII (“Suite à poétique”). A esse propósito, Jules Mouquet em Charles
Baudelaire, Vers Latins, Introdução e notas de Jules Mouquet, Paris, 1933, p. 131: “Leconte
de Lisle e Pierre Louys, levados por sua antipatia pelo poeta cristão das Fleurs du Mal,
negam-lhe o dom poético! - Baudelaire, segundo testemunho de seus amigos de juventude,
começou escrevendo milhares de versos fáceis, ‘sobre todo e qualquer assunto , o que ele
não poderia ter feito se não tivesse ‘pensado em forma de versos’. Ele conteve voluntariamente
sua facilidade quando ... se pôs a escrever, por volta dos 22 anos, os poemas que intitulou
primeiro Les Lesbiennes, depois Les Limbes... A composição dos Petits Poèmes en Prose, ... nos
quais o poeta retomou temas já tratados por ele em verso, é posterior a pelo menos dez anos
às Fleurs du Mal. Baudelaire escrevendo com dificuldade seus versos é uma lenda que ele
mesmo talvez ... tenha contribuído a propagar.”
[J19.4]
Segundo Raymond Trial, La Maladie de Baudelaire, Paris, 1926, p. 20, a julgar por novas
pesquisas, a sífilis hereditária e a adquirida não se excluem mutuamente. Assim, no caso de
Baudelaire, além da sífilis hereditária, transmitida pelo pai e que se manifestou através da
hemiplegia em seus dois filhos e na mulher, ocorreu a sífilis adquirida.
^ & [J 19a, 1]
Baudelaire, 1846: “Vocês já experimentaram, todos vocês, cuja curiosidade de flâneur
muitas vezes já os meteu em alguma manifestação pública, a mesma alegria que eu ao ver
um guardião do sono público, um sargento de cidade ou municipal, espancar um
10 Depois da morte do pai, em 1 827, Baudelaire viveu algum tempo com sua mãe e a governanta Mariette
numa casa em Neuilly, nos arredores de Paris. (E/M)
308 ■ Passagens
republicano? E, como eu, vocês disseram em seu coração: espanca, espanca um pouco mais
... o homem que você espanca é um inimigo das artes e dos perfumes, um fanático das
ferramentas; é um inimigo de Watteau, um inimigo de Rafael.” Cit. em R. Trial, La
Maladie de Baudelaire, Paris, 1926, p. 51.
[ J 19a, 2]
“...não falar de ópio nem de Jeanne Duval para criticar as Fleurs du Mal.” Gilbert Maire,
“La personnalité de Baudelaire”, Mercure de France, XXI, 16 jan. 1910, p. 244.
[ J 19a. 3]
“Compreender Baudelaire sem recorrer à sua biografia, este é o objetivo essencial e o fim
último de nosso procedimento.” Gilbert Maire, “La personnalité de Baudelaire”, Mercure
de France, XXI, 16 jan. 1910, p. 244.
[ J 19a. 4]
“O Sr. Jacques Crépet gostaria que se examinasse Baudelaire para que a sinceridade de sua
vida nos assegurasse do valor da obra, e que, sentindo compaixão por esse homem,
aprendêssemos a gostar de ambas?” Gilbert Maire, “La personnalité de Baudelaire”, Mercure
de France, XXI, 1 fev. 1910, p. 4l 4.
[J19a,5]
Maire escreve (p. 417) que a “sensibilidade incomparável” de Barrès teria sido influenciada
por Baudelaire.
[ J 19a. 6]
A Ancelle, 1865: “Alguém pode ser ao mesmo tempo um gênio e um tolo: Victor Hugo
nos prova isso muito bem... O próprio Oceano entediou-se com ele.”"
L J 19a, 7]
Poe: “Eu só poderia amar, dirá ele claramente, se a morte misturasse seu alento ao da
Beleza!” Cit. em Ernest Seillière, Baudelaire , Paris, 1931, p. 229- O autor lembra que aos
quinze anos, após a morte da Sra. Jane Stanard, Poe passava longas noites, muitas vezes sob
chuva, no cemitério, junto ao túmulo dela.
[ J 19a. 8]
Baudelaire a sua mãe, sobre as Fleurs du Mal. “Este livro ... é ... de uma beleza sinistra e fria;
foi feito com furor e paciência.” 12
[ J 19a, 9]
Carta de Ange Pechméja a Baudelaire, fevereiro de 1866. O autor fala de sua admiração,
principalmente pelo encanto sensual da linguagem do poeta. (Cf. Ernest Seillière, Baudelaire,
Paris, 1933, pp. 254-255).
[J 19a, 10]
Baudelaire atribui a Hugo um caráter poético e “interrogativo”.
[J20. 1]
11 Ch. Baudelaire, Correspondance, vol. II, Paris, 1973, pp. 459-460 (Carta de 12 fev. 1865 a Narcisse
Ancelle). (R.T.)
12 Ch. Baudelaire, Correspondance, vol. I, Paris, 1973, pp. 410-41 1 (Carta de 9 jul. 1857 à Sra. Aupick).
(R.T.)
J
[Baudelaire] 309
Existe provavelmente uma correlação entre a fraqueza de vontade de Baudelaire e a
onipotência que certas drogas conferem à vontade, em certas circunstâncias. '.Arquiteto de
minhas feerias, / Eu fazia, segundo minha vontade, / Sob um túnel de pedrarias / Passar
um oceano domado.” (“Rêve parisien” <OC I, p. 102>).
ÍJ 20, 2]
Experiências íntimas de Baudelaire — “Falsificou-se um pouco seu sentido ... insistindo
demais na teoria da analogia universal formulada no soneto “Correspondances”, e
negligenciando o devaneio com o qual Baudelaire foi favorecido... Houve, em sua existência,
instantes de despersonalização, de esquecimento do eu e de comunicação com os paraísos
revelados’... No fim de sua vida ... ele renegará o sonho ... responsabilizando sua
‘inclinação ao devaneio’ pelo seu naufrágio moral.” Albert Béguin, LAme Romantique
et le Rêve, Marselha, 1937, vol. II, pp. 401, 405.
[ ] 20, 3]
Em seu livro Le Pamasse, Thérive chama a atenção para a influência decisiva da pintura ou
das artes gráficas sobre muitos poemas baudelaireanos. Ele vê nisso um traço característico
do Parnaso. Ademais, considera a poesia de Baudelaire como uma interpenetração das
tendências do Parnaso e do Simbolismo.
I J 20, 4]
“Uma tendência a imaginar até mesmo a natureza através da visão que outros expressaram
em relação a ela. ‘La géante’ <OC I, p. 22> é Michelângelo; o ‘Rêve parisien <OC I, p.
1 0 1 > é Martynn; ‘À une Madone’ <OC I, p. 58> é uma estátua barroca de capela
espanhola.” André Thérive, Le Pamasse, Paris, 1929, p. 101.
[ J 20, 5]
Thérive encontra em Baudelaire “inabilidades sobre as quais hoje se pergunta se não são
traços sublimes.” André Thérive, Le Pamasse, Paris, 1929, p. 99.
[J20,ft]
Sob o título de “Une aneedote controuvée sur Baudelaire” (Um caso inventado sobre
Baudelaire), Ernest Gaubert, que consultou todos os jornais de Châteauroux, contesta na
“Revue de la quinzaine” do Mercure de France, de 15 de maio de 1921, a estada de Baudelaire
em Châteauroux e sua atividade em um jornal conservador, atribuindo a história a A.
Ponroy, um amigo de Baudelaire de Châteauroux, de quem Crépet a tirou. ( Mercure de
France, CXLVIII, pp. 281-282).
[ J 20, 7]
Uma formulação feliz de Daudet menciona, a propósito de Baudelaire, seu “porta-segredos
- que é também o do príncipe Hamlet.” Léon Daudet, Les Pelerins dÉmmaüs (Courrier des
Bns-Bas, 4), Paris, 1928, p. 101. (“Baudelaire: le malaise et 1’aurá’).
[ J 20, 81
“Tema ... da ... afirmação de uma presença misteriosa, por trás das coisas, como no fundo
da alma, presença da Eternidade. Daí a obsessão pelos relógios e a necessidade de sair da
própria vida através do imenso prolongamento da memória dos ancestrais e das vidas
, anteriores.” Albert Béguin, LÂme Romantique et le Rêve, Marselha, 1937, vol. II, p. 403.
[ I 20a. 1]
3J#« ^^Bssagens
Roger Allard em uma polêmica contra a introdução de Guillaume Apollinaire a LCEuvre
Poétique de Charles Baudelaire (Paxis, Bibliothèque des Curieux). Apollinaire, o organizador
dessa edição, defende a tese de que Baudelaire, que inaugurara o espírito moderno, mal
teria participado de seu desenvolvimento; sua influência estaria prestes a desaparecer.
Baudelaire seria um cruzamento de Lados e Poe. A réplica de Allard: “Em nossa opinião,
dois escritores, ou melhor, dois livros, influenciaram profundamente Baudelaire... Um é ...
Le Diable Amoureux, de Cazotte, o outro, La Religieuse, de Diderot.” Ele acrescenta duas
notas: “(1) O Sr. Apollinaire não podia deixar de referir-se ao autor do Diable Amoureux,
numa nota relativa ao último verso do soneto ‘Le possédé’ (O possuído): ‘Talvez não seja
um engano pensar que Cazotte foi o traço de união que teve a honra de juntar, na cabeça de
Baudelaire, o espírito dos escritores da Revolução com o de Edgar Poe.’ (2) Na edição
organizada pelo Sr. Apollinaire, encontramos o poema que acompanha uma carta de
Baudelaire a Sainte-Beuve:
...o olho mais negro e mais azul que o da Religiosa
de quem todos conhecem a história obscena e dolorosa.
Algumas linhas mais adiante, encontra-se o primeiro esboço de uma estrofe de ‘Lesbos’.”
Roger Allard, Baudelaire et “LEsprit Nouveau", Paris, 1918, p. 10.
[ J 20a, 2]
Léon Daudet lança, em “Baudelaire: le malaise et haura”, a questão se Baudelaire não teria
representado em certa medida o papel de Hamlet diante de Aupick e de sua mãe.
[ J 20a, 3]
Vigny escreveu “Le Mont des Oliviers” em parte para refutar De Maistre, com o qual ficara
profundamente impressionado.
[ J 20a, 4]
Julcs Romains (Les Homrnes de Bonne Volonté, vol. II, Crime de Quinette , Paris, 1932,
p. 171) compara o flâneur ao “bom nadador de Baudelaire, ‘que se extasia nas ondas’.”
[J 20a, 51
Comparar “No coração imortal que deseja sempre florescer” (“Le soleil” <OC I, p. 83>) e
“Quando no coração nossa colheita finda / Viver é um mal” (“Semper eadem” <OC I,
p. 41 >). Estas formulações têm a ver com a consciência artística potenciada de Baudelaire:
a floração faz o diletante, a fruta, o mestre.
[ J 20a, 6]
O ensaio sobre Dupont foi encomendado pelo editor.
[ 121 , 1 ]
Por volta de 1839, poema a Sarah <“Je n’ai pas pour maítresse... ”>. Nele a estrofe:
“Para ter sapatos, ela vendeu sua alma;
Mas o bom Deus riria se, perto dessa desprezível,
Eu posasse de hipócrita e fingisse grandeza,
Eu que vendo meu pensamento e quero ser autor.” <OC I, p. 203>
L J 21, 2]
J
[Baudelaire] 311
“Le mauvais vitrier” <OC I, p. 285>
a comparar com o “ato gratuito’ , de Lafcadio. 13
IJ 21.3]
‘“Quando, o coração inflado de esperança e valentia,
Tu chicoteaste todos esses vis mercadores com força,
Quando foste senhor, enfim! - O remorso não
Entrou em teu flanco antes da lança?’ <OC I, p. 122>
Ou seja, o remorso de ter deixado passar uma ocasião tão bela de proclamar a ditadura do
proletariado!” De maneira tão besta, Seillière ( Baudelaire , Paris, 1933, p. 193) comenta
“Le reniement de Saint Pierre”.
!Ücc “De Safo que morreu no dia de sua blasfêmia, / Insultando o rito e o culto inventado d
Seüuere [pp. cit., p. 216) observa: “Reconhece-se, pois, facilmente, que o ‘deus, objeto
ififessa religião augusta que sc completa pela blasfêmia e pelo insulto aos ritos tradicionais,
é outro senão Satã.” Não seria a blasfêmia o amor por um jovem?
L J 21, 51
Extraído do necrológio “Charles Baudelaire”, de Jules Vallès, publicado em 7 de setembro de
1867 em Ia Rue. “lerá ele dez anos de imortalidade?” (p. 190). Mau momento, aliás, este,
pera os biblicistas de sacristia ou de cabaré. Época risonha e desconfiada, a nossa, e que não se
icietém por muito tempo o relato dos pesadelos e o espetáculo dos êxtases. Era uma clara
amostra de falta de visão do futuro empreender semelhante campanha quando Baudelaire a
, começou.” (pp. 190-191). “Por que ele não se tornou professor de retórica ou vendedor de
escapulários, este didático que queria imitar os fulminados, este clássico que queria chocar
ftudhomme, que não era, como disse Dusolier, senão um Boileau histérico, e ia representar
D&nte pelos cafés?” (p. 192). Apesar do erro decisivo de avaliação quanto à importância da
dbra de Baudelaire, o necrológio contem algumas partes clarividentes, principalmente as que
se leferem ao comportamento de Baudelaire: “Havia nele algo de padre, de mulher velha e de
ffldbocmo. Era sobretudo um cabotino.” (p. 189). O necrológio encontra-se em André Billy,
La- Écrivains de Combat , Paris, 1931; originalmente em La Situation.
| liiacir
[J21.6]
ipais passagens sobre as estrelas em Baudelaire (ed. org. por Le Dantec): Como eu te
lia. ó noite! Sem estas estrelas / Cuja luz fala uma linguagem conhecida! / Porque
■pirzono o vazio, o negro e o nu!” (“Obsession”; vol. I, p. 88 <OC I, p. 75>). — Final de Les
ses d’un visage” (vol. I, p. 170 <OC I, p. 163>): A enorme cabeleira / ... que te
ly s em espessura, / Noite sem astros, Noite escura!” - “No mais, nem astros nem
^■fnos / De sol, sequer nos céus mais baixos” (“Rêve parisien”; vol. I, p. 116 <OC I,
1Q2>!. - “Se o céu e o mar são negros como tinta” (“Le voyage”, vol. I, p. 149 <OC I,
i.. 134> . — Cf., por outro lado: “Les yeux de Berthe (vol. I, p. 169 <OC I, p. 161>), a
«mio. exceção digna de nota e, eventualmente, a combinação das estrelas com o eter, como
gfl pwginr em “Delphine et Hippolyte” (vol. I, p. 160 <OC I, p. 153>) e em Le voyage
iliaroÍL L p. 146 <OC I, p. 13 1>). Em contraposição, é novamente muito característico que
« TLe erepuscule du soir” <OC I, pp. 94-95> não se faça nenhuma menção às estrelas.
r [ J 21a, 1]
■m
*- Lrcacio - personagem do romance de André Gide, Les Ceves du Vatican (1914). (R. i.)
3/2 ■ Passagens
“Le mort joyeux” <OC I, p. 70> é provavelmente uma réplica às fantasias de putrefação em
Poe. “E diga-me se há ainda alguma tortura...”
& [ J 21a, 2]
Um tom zombeteiro subjaz à passagem onde se diz o seguinte das estrelas: Na hora em
que as castas estrelas / Fecham seus olhos sonolentos.” (“Sépulture <OC I, p. 69>).
M f J 21a, 3]
Baudelaire introduz na poesia lírica a figura da perversão sexual que procura seus objetos
na rua. O mais característico, porém, é que ele o faz com o verso “crispado como um
extravagante” em um de seus poemas de amor mais perfeitos, “À une passante” <OC I,
pp. 92-93>.
[ J 21a, 4]
Figura da grande cidade cujos habitantes são amedrontados pelas catedrais: “Vastos bosques,
vós me assustais como catedrais.” (“Obsession” <OC I, p. 75>).
[ J 21a. 5]
“Le voyage”, VII: “Vinde, pois, vos embriagar ao doce clima / Dessa tarde que flui e nunca
finda!” <OC I, p. 133> Seria temerário ver na ênfase que recai sobre esta hora do dia algo
específico da grande cidade?
[ J 21a, 6]
A figura-chave oculta de “Le balcon”: a noite, envolvendo os amantes que após o pôr do
sol sonham com a aurora, é sem estrelas: “A noite se adensava igual a uma clausura.”
<OC I, p. 3 7>
r [ J 21a, 7]
Em relação ao olhar que se fixa na “Passante” <OC I, pp. 92-93>, contrapor o poema de
George, “Von einer Begegnung” (Sobre um encontro):
“Os olhares meus me desviaram do caminho
No doce corpo ao andar o arco esbelto
Enlouquecidos, eles estremeceram no abraço
E partiram úmidos de desejo
Antes que ousassem mergulhar nos teus.”
Stefan George, Hymnen, Pilgerfahrten, Algabal, Berlim, 1922, pp. 22-23. ^ ^
‘“O olhar sing ular de uma mulher galante / Que desliza até nós como o raio branco / Que
a lua ondulosa envia ao lago trêmulo.’ Assim se inicia o último poema, e Berg respondeu
longa e avidamente a este olhar singular, que faz jorrar lágrimas copiosas nos olhos daquele
que o encontra desarmado. Porém, assim como para Baudelaire, também para Berg o olhar
J
[Baudelaire] 313
venal tornou-se um olhar vindo da história primeva. A lua da grande cidade, em forma de
lâmpada em arco, parece-lhe vir do tempo das heteras. 14 Ele precisa apenas refleti-lo,
assim como o lago, e o banal apresenta-se como algo ocorrido há muito tempo; a mercadoria
do século XIX revela seu tabu mítico. Foi com esse espírito que Berg compôs a Lulu.”
Wiesengrund-Adorno, “Konzertarie: ‘Der Weih” (em Willi Reich, Alban Berg, com os
escritos do próprio Berg e contribuições de Theodor Wiesengrund-Adorno e Ernst Krenek,
Viena, Leipzig, Zurique, 1937), p. 106.
O que acontece com a dilatação do céu na gravura de Meryon?
[J 22, 3]
O poema “Le crépuscule du matin” <OC I, p. 103> ocupa uma posição-chave. O vento
matinal expulsa as nuvens do mito. O olhar sobre os homens e como eles agem está livre.
Neste poema desponta a aurora do Vormãrz. (Foi provavelmente escrito após 1850.)^ ^
É preciso desenvolver claramente a antítese entre alegoria e mito. Foi graças ao gênio da
alegoria que Baudelaire não caiu no precipício do mito que acompanhava constantemente
seu caminho.
1 ] 22, 5]
“As profundidades sendo multidões, a solidão de Victor Hugo toma-se então uma solidão
invadida, intensamente povoada.” Gabriel Bounoure, ‘‘Abímes de Victor Hugo , Mesures ,
15 jul. 1936, p. 39. O autor enfatiza o caráter passivo na vivência da multidão em Hugo.
J [ J 22, 6]
“Nachtgedanken” (Pensamentos noturnos), de Goethe: “Eu vos lamento, estrelas desditosas,
/ Tão belas sois e brilhais esplêndidas, / A iluminar o barqueiro aflito, / Sem recompensas
de deuses e homens; / Pois não amais, não conhecestes o amor! / Incessantes, as horas
eternas / Conduzem vossas rondas pelo vasto véu. / Que caminhos já percorrestes! / Enquanto
eu repousava nos braços da amada / Esquecendo- me de vós e da meia-noite. 1 '
r [ J 22a, 1]
A argumentação seguinte, de uma época na qual se manifesta o declínio da escultura,
evidentemente anterior ao da pintura, é muito esclarecedora. Baudelaire desenvolve em
relação à escultura, do ponto de vista da pintura, exatamente o mesmo raciocínio referente
hoje à pintura do ponto dc vista do cinema. “Um quadro é somente o que ele quer; não
há meios de olhá-lo de outro modo que não o seu. A pintura não tem senão um ponto
de vista; ela é exclusiva e despótica: assim a expressão do pintor é muito mais forte.”
Baudelaire, CEuvres, vol. II, p. 128 (“Salon de 1846”). Imediatamente antes (pp. 127-128):
“O espectador que gira em torno da figura pode escolher cem pontos de vista diferentes,
exceto o bom.” Cf. J 4, 7.
[ J 22a, 2]
14 Alusão aos trabalhos de Johann Jakob Bachofen sobre a história da família (Das Mutterrecht, 1861).
O heterismo designa um estágio primitivo da humanidade, caracterizado por relações sexuais livres.
Cf. o artigo de Benjamin sobre Bachofen, GS II, 219-233. (J.L.)
15 Cf. Nota para G 1 5,1 .
m Passagens
Sobre Victor Hugo, por volta de 1840: “Na mesma época, ele se convence cada vez mais de
que se o homem é o animal solitário, o solitário é o homem das mulddões... (p. 39) Foi Victor
Hugo quem deu a Baudelaire o sentimento da vida irradiante das multidões, e quem lhe
ensinou que ‘multidão e solidão são termos iguais e intercambiáveis pelo poeta ativo e fecundo...’
Que diferença, entretanto, entre a solidão que o grande artista em spleen experimentava em
Bruxelas, para conquistar uma tranqüilidade individual inalienável’, e a solidão, no mesmo
momento, do mago de Jersey, perseguido pelas aparições tenebrosas!... Ela não é um invólucro,
um noli me tangere, o recolhimento do indivíduo na sua diferença. E uma participação no
mistério cósmico, uma entrada no reino das forças originais.” (p. 40-41). Gabriel Bounoure,
“Abimes Victor Hugo”, Mesures, 15 jul. 1936, pp. 39-41.
[J 22a, 3]
Extraído de Collier des Jours, vol. I, citado por Rémy de Gourmont em Judith Gautier, Paris,
1904, p. 15: “... Um toque de sineta nos interrompeu, e logo um personagem muito
singular entrou, sem ruído algum, e saudando com a cabeça. Parecia um padre sem batina.
Ah! Eis Baldelarius! exclamou meu pai, sem estender a mão ao recém-chegado.” Baudelaire
acrescenta uma brincadeira sinistra acerca do sobrenome de Judith, “Furacão”.
[J23, 1]
“Baudelaire no divã Lepeletier”. “Théodore de Banville o via sentado, feroz, perto do doce
Asselineau e como um Goethe colérico’.” Léon Daudet, Le Stupide XIX Siècle, Paris, 1922,
pp. 139-140.
[ J 23, 2]
A propósito de “La servante au grande cceur” e do final de “Le voyage” (“Ó Morte, velha
capita”) <OC I, pp. 100 e 134>, L. Daudet fala de um vôo ronsardiano. (Cf. Le Stupide
XIX Siècle, p. 140)
1 J 23, 3]
“Meu pai havia visto Baudelaire por um momento, e me disse que lhe parecia um príncipe
atrabiliário e bizarro, entre vadios.” Léon Daudet, Le Stupide XIX Siècle, Paris, 1922, p. l4l.
[J23.4]
Baudelaire chama Hugo de “gênio sem fronteiras”.
[ J 23, 5]
Não é certamente um acaso que Baudelaire, ao procurar um poema de Hugo para lhe dar
o que lhe correspondesse, escolheu o mais banal dentre os banais — “Les fantômes". Nessa
sequência de seis poemas, o primeiro inicia-se assim: ‘Ai! Como vi morrer tanta menina-
moça!” O terceiro: “Uma, sobretudo — Um anjo, uma jovem espanhola!” E em seguida:
“Ela gostava demais de baile, foi o que a matou”..., para narrar como ela se resfriou pela
manhã e por fim desceu ao túmulo. O sexto poema lembra o desfecho moralizante de uma
balada popular: “Todas vós que a seus jogos o baile risonho convida, / Pensai na espanhola
que se apagou sem volta.” 16
1 J 23, 6]
Comparar com o poema de Baudelaire “La voix” <OC I, p. 170> o de Hugo “Ce quon
entend sur la montagne” (O que se ouve no cimo da montanha). O poeta está ouvindo o
murmúrio do mundo:
16 Victor Hugo, CEuvres Completes: Poésies, vol. II, Paris, 1880, pp. 171, 174 e 178 ( Les Orientales). (R.T.)
J
[Baudelairel 315
“Logo distingui, confusas e veladas,
Duas vozes nesta voz, uma à outra misturadas,
E as distingui no rumor profundo,
Como se vêem duas correntes que se cruzam sob a onda.
Uma vinha dos mares; canto de glória! Hino feliz!
Era a voz das vagas que falavam entre si.
A outra, que subia da terra em que estamos,
Era triste; era o murmúrio dos homens.”
O poema tem por objeto a dissonância da segunda voz que contrasta com a harmonia da
primeira. Final do poema:
por que o Senhor...
Mistura eternamente num fatal himeneu
O canto da natureza e o grito do gênero humano?” 17
[ J 23, 7]
Formulações isoladas de “M. Charles Baudelaire”, de Barbey dAurevilly: Muitas vezes se
imagina ... que sc Timon de Atenas tivesse tido o gênio de Arquíloco, teria escrito assim
sobre a natureza humana, insultando-a enquanto a descrevia! (p. 381) Imaginai esta
língua, mais plástica ainda que poética, manipulada e talhada como o bronze e a pedra, e
na qual a frase tem espirais e ranhuras.” (p. 378). “Esse profundo sonhador ... perguntou-
se ... o que seria da poesia se passasse, digamos, por uma cabeça organizada como a de
Calígula ou de Heliogábalo.” (p. 376) - “Pois, como o velho Goethe, que se transformou
em comerciante turco de pastilhas em seu Divã, o autor das FLeurs du Mal se fez criminoso,
blasfemado r, ímpio pelo pensamento.” (pp. 375-376). Barbey d’Aurevilly, XIX' Siècle: Les
CEuvres et les Hommes, vol. III: Les Poetes, Paris, 1 862.
[ J 23a, 1]
“Um crítico (o Sr. Thierry, do Moniteur) disse, outro dia, numa apreciação superior: para
encontrar algum parentesco para essa poesia implacável ... é preciso retroceder a Dante.J
(p. 379) O autor se apropria expressamente desta analogia. Assim: A musa de Dante viu
sonhadoramente o Inferno’; a das Fleurs du Mãl o respira com uma narina crispada como
a de um cavalo que inspira uma carga de artilharia!” (p. 380). Barbey dAurevilly, XIX
Siècle: Les CEuvres et les Hommes, vol. III: Les Poetes , Paris, 1862.
[ J 23a, 2]
Barbey dAurevilly sobre Dupont: “Caim supera o doce Abel nesse talento e nesse
pensamento. Caim grosseiro, ávido, invejoso e selvagem, que se foi para as cidades para
beber o bagaço das cóleras que ali se acumulam e partilhar das idéias falsas que ali triunfam!
17 Victor Hugo, op. c/t., pp. 267-270 ( Les Feuilles d'Automne). (R.T.)
316 ■ Passagens
Barbey d’Aurevilly, XIX' Siècle: Les CEuvres et les Hommes, vol. III: Les Poetes, Paris, 1862,
p. 242 (“M. Pierre Dupont”).
[J23a, 3]
O poema “Nachtgedanken” (Pensamentos noturnos), de Goethe, traz manuscrita a
observação: “Imitado do grego.”
[J23a,4]
Baudelaire presenciou aos onze anos, em 1 832, a revolta dos operários em Lyon. Parece não
ter restado nele nenhum vestígio de impressões desse episódio.
[J23a,5]
“Um dos argumentos que ele sugere a seu advogado é bastante curioso. Parece-lhe que o novo
regime napoleônico, depois das ilustrações mostrando a guerra, deve procurar as ilustrações
nas letras e nas artes’.” Alphonse Séché, La Vie des Fleurs du Mal, Paris, 1928, p. 172.
[ J 23a, 6]
O sentido “abismal”’ 8 deve ser definido como “significado”. Trata-se sempre de um sentido
alegórico.
[124,1]
Em Blanqui, o espaço cósmico tornou-se abismo. O abismo de Baudelaire não possui
estrelas. Não deve ser definido como espaço cósmico. Não é tampouco o abismo exótico da
teologia. E um abismo secularizado: o do saber e dos significados. O que constitui o seu
índice histórico? Em Blanqui, o abismo tem o índice histórico da ciência mecanicista da
natureza. Será que em Baudelaire o abismo não possui o índice social da nouveauté. ? Não
seria o arbítrio da alegoria um irmão gêmeo da moda?
[J 24, 2]
Pesquisar a questão se existe um nexo entre as obras da imaginação alegórica e as
correspondances. Em todo caso, trata-se de duas fontes totalmente distintas na produção de
Baudelaire. É certo que a primeira delas tem maior participação nas qualidades específicas
de sua poesia. A correlação dos significados pode ter parentesco com a fiação. Caso se possa
distinguir nos poetas a atividade de fiar e a de tecer, a imaginação alegórica pertence à
primeira. - Por outro lado, não seria impossível que as correspondances desempenhem ao
menos um papel, na medida em que uma palavra evoca uma imagem; nesse sentido, a
imagem poderia então determinar o significado da palavra ou a palavra determinaria o da
imagem.
[ ] 24, 3]
Inexistência da alegoria em Victor Hugo.
[124,4]
Seriam as flores desprovidas de alma? Será que isso repercutiu no título Les Fleurs du Mal ?
Em outras palavras: seriam as flores um símbolo da prostituta? Ou será que com este título
as flores seriam colocadas no seu devido lugar? Ver a esse respeito a carta a Fernand Desnoyers
que acompanha o envio dos dois “Crépuscules” para o seu Fontainebleau: Paysages, Légendes,
Souvenirs, Fantaisies (1855).
[ J 24, 5]
18
Cf. "Le Gouffre" <0C I, p. 142>, J 70, 4 e J 78, 2. (J.L.)
J
[Baudelaire] 317
Total desligamento de Poe da grande poesia. Ele troca cinqüenta Molières por um Fouqué. 19
A Ilíada e Sófocles não lhe dizem nada. Esta perspectiva está provavelmente relacionada
com a teoria da arte pela arte. Qual era a posição de Baudelaire?
[J 24,6]
A propósito do envio dos “Crépuscules” a Fernand Desnoyers para o Fontainebleau, Paris.
1855: “Meu caro Desnoyers, você me pede versos para sua pequena antologia, versos sobre
a Natureza, não é? Sobre os bosques, os grandes carvalhos, a vegetação, os insetos, o sol.
talvez? Mas você bem sabe que sou incapaz de me enternecer com os vegetais, e que minha
alma e rebelde a esta singular Religião nova... Não acreditarei nunca que a alma dos Deuses
habita as plantas... Ate mesmo sempre pensei que em toda Natureza florescente e
rejuvenescida, havia qualquer coisa de aflitivo, de duro, de cruel - um não sei quê que beira
a impudência.” Cit. em A. Séché, La Vie des Fleurs du Mal, Amiens, 1928, pp. 109-110.
[ J 24a, 1]
Les aveugles <OC I, p. 92> - Crépet dá como fonte uma passagem sobre a postura da
cabeça dos cegos, extraído de Des Vetters Eckfenster” (A janela de esquina do meu primo).
Hoffmann considera edificante o olhar voltado para cima.
[ J 24a, 2]
Louis Goudall criticou Baudelaire em 4 de novembro de 1855 baseando-se na publicação
prévia de poemas em La Revue des Deux Mondes. “Poesia ... asquerosa, glacial, de carniça c
de abatcdouro. Cit. em François Porché, La Vie Douloureuse de Charles Baudelaire (Le
Roman des Grandes Existences, vol. VI), Paris, 1926, p. 202.
I J 24a, 3]
As críticas de D’Aurevilly e de Asselineau foram recusadas tanto por Le Pays quanto pela
Revue Française.
\ J 24a, 4]
A famosa observação de Valéry sobre Baudelaire remonta no fundo às sugestões de Sainte-
Beuve enviadas a Baudelaire para sua defesa. “No domínio da poesia, tudo era tomado.
Lamartine havia tomado os céus. Victor Flugo, a terra e mais que a terra. Laprade, as florestas.
Musset, a paixão e a orgia fascinante. Outros, o lar, a vida rural etc. Théophile Gautier, a
Espanha e suas cores vivas. O que restava? O Baudelaire pegou. Ele foi como que forçado a
isso...” Cit. em Porché, La Vie Douloureuse de Charles Baudelaire, Paris, 1926, p. 205.
r J 24a, 5]
Porché aponta de maneira pertinente para o fato de que Baudelaire não teria encontrado as
inúmeras variantes decisivas de seus poemas permanecendo simplesmente sentado à
escrivaninha. (Cf. Porché, p. 109).
[ J 24a, 6]
“Uma noite em que entrou num baile público, Charles Monselet o abordou: ‘O que você
faz aqui? — Meu caro , respondeu Baudelaire, Vejo passar cabeças de mortos!’” Alphonse
Séché. La Vie des Fleurs du Mal , Amiens, 1928, p. 32.
[J25, 1]
,9 Cf. Edgar Allan Poe, The Complete Works [Virgínia Edition], vol. XI, Nova York, 1902, pp. 89-90. (R.T)
"Fez-se a conta de seus ganhos: peia vida inteira, o total não atinge dezesseis mil francos.
Catulle Mendès calculou que o autor ... devia ter recebido em torno de um franco e serenta
centavos por dia, como preço de seu labor literário.” Alphonse Séché, La Vie des Fleurs du
Mal, Amiens, 1928, p. 34.
[J25.2]
Segundo Séché, a aversão de Baudelaire pelo céu “demasiadamente azul” — ou
“demasiadamente claro” — adviria de sua estada nas Ilhas Maurício. (Cf. Séché, p. 42).
[J 25,3]
Séché fala de uma semelhança muito flagrante entre as canas a Mlle. Daubrun c a Mme.
Sabatier. (Cf. p. 53)
[ J 25, 4]
Segundo Séché (p. 65), Champfleuiy teria participado ao lado de Baudelaire da fundação
de Le Salut Public.
L J 25, 5]
Prarond sobre a época por volta de 1 845: “Conhecemos pouco o uso das mesas para
trabalhar, pensar, compor... De minha parte, eu o via apanhando versos no vôo, ao longo
das ruas; não o via sentado diante de uma folha de papel.” (Cit. em Séché, La Vie des Fleurs
du Mal, 1928, p. 84).
[ J 25, 6]
Atitude de Baudelaire durante a conferência em Bruxelas sobre Gautier, segundo Camille
Lemonnier, La Vie Belge-. “Baudelaire parecia um homem de igreja e de belos gestos de
púlpito. Os punhos da camisa, em tecido leve, agitavam-se como os patéticos hábitos
monacais. Desenvolvia seu tema com uma unção quase evangélica; promulgava seus ternos
amores por um mestre venerado com a voz litúrgica de um bispo enunciando um
mandamento. Indubitavelmente celebrava para si mesmo uma missa de gloriosas imagens;
tinha a beleza grave de um cardeal das letras oficiando diante do Ideal. Seu rosto imberbe
e pálido se fazia penumbra na meia-luz do abajur; cu percebia seus olhos se moverem
como sóis negros; sua boca tinha uma vida que se destacava pela vivacidade e pela expressão
do rosto, era delgada e trêmula, de uma fina vibração sob o arco das palavras. E toda sua
cabeça dominava do alto de uma torre a atenção atônita dos assistentes.” Cit. em Séché, La
Vie des Fleurs du Mal, 1928, p. 68.
L J 25, 7J
Baudelaire transferiu sua candidatura à Academia da cadeira de Scribe para a cadeira de
Lacordaire.
I J 25a, 1J
Gautier: “As palavras polissílabas agradam a Baudelaire, e, com três ou quatro delas, ele faz
muitos versos que parecem imensos e cujo som vibrante prolonga a medida.” Cit. em A.
Séché, La Vie des Fleurs du Mal, Amiens, 1928, p. 195.
í J 25a, 2]
Gautier: “Tanto quanto possível, ele bania da poesia a eloqüência.” Cit. A. Séché, La Vie des
Fleurs du Mal, 1928, p. 197.
[ J 25a, 3]
J
[Baudelaire) 319
E. Faguet em um artigo de La Revue: “A neurastenia, depois de 1857, diminuiu pouco
entre nós e poder-se-ia talvez afirmar que, ao contrário, fez até alguns progressos. Logo,
"não é preciso espantar-se’, como dizia Ronsard, que Baudelaire tenha ainda devotos...’’
Cit. em Alphone Séché, La Vie des Fleurs du Mal, 1928, p. 207.
: J 23a, 41
O Figa.ro publica (data?) um artigo de Gustave Burdin, escrito a pedido de Billaut. Pouco
antes, Billaut tinha sofrido — como juiz ou promotor - uma derrota por conta da absolvição
ie Flaubert no processo devido a Madame Bovary. Poucos dias depois, o artigo de Thierry
no Moniteur. “Por que Sainte-Beuve ... deixou a Thierry o cuidado de falar aos leitores do
Moniteur sobre as Fleurs du Malí Sainte-Beuve teria se recusado a escrever sobre o livro de
Baudelaire porque julgava que devia manter prudência, para apagar o efeito negativo
produzido junto ao governo por seu artigo sobre Madame Bovary." Alphonse Séché, La Vie
des Fleurs du Mal, 1928, pp. 156-157.
[ J 25a, 5]
A denúncia no artigo de Burdin está mascarada de forma pérfida como elogio justamente
í poemas sobre os quais recaía a acusação. Após uma enumeração, em que manifesra
sei desgosto pelos temas baudelaireanos, ele escreve: “E no meio de tudo isso, quatro
peças, Te reniement de Saint Pierre’, depois Tesbos’, e duas que têm como título ‘Femmes
damnées’ <OC I, pp. 121, 150, 113 e 152>, quatro obras-primas de paixão, de arte e de
noesia: — se compreendemos que aos vinte anos a imaginação de um poeta se deixa levar a
ratar de semelhantes assuntos, nada pode justificar que um homem de mais de trinta anos
tenha publicado um livro com semelhantes monstruosidades.” Cit. em Alphonse Séché,
La Vie des Fleurs du Mal, 1928, p. 158.
[J25a,6]
Extraído da crítica das Fleurs du Mal, publicada por Edouard Thierry ( Le Moniteur, 14 jul.
. 357?): “O velho florentino reconheceria mais de uma vez no poeta francês sua
impetuosidade, sua palavra assustadora, suas imagens implacáveis e a sonoridade de seus
«sos de bronze... Deixo seu livro e seu talento sob a austera caução de Dante.” Cit. em
Ajjhone Séché, La Vie des Fleurs du Mal, 1928, pp. 160-161.
I J 26, 1]
Grande insatisfação de Baudelaire com o frontispício que Bracquemond tinha esboçado
segundo indicações do poeta que, por sua vez, tirara a idéia de Histoire des Danses Macabres,
áb Hyacinthe Langlois. As indicações do poeta: “Um esqueleto arborescente, as pernas e as
costelas formando o tronco, os braços estendidos em cruz desabrochando em folhas e
botões, e protegendo várias fileiras de plantas venenosas, dispostas ordenadamente em
nyuenos potes como numa estufa de jardineiro.” Cit. em Alphonse Séché, La Vie des
r du Mal. Manifestamente, Bracquemond encontra dificuldades; não consegue executar
as menções do poeta ao encobrir a bacia do esqueleto com flores e ao deixar de dar aos
a forma de galhos. O artista, segundo Baudelaire, não tem idéia do que seria um
esqueleto arborescente, e não consegue visualizar como os vícios poderiam ser representados
conto flores. Cit. em Alphonse Séché, La Vie des Fleurs du Mal, Amiens, 1928, p. 136-137,
iBBHtbrme as cartas. Finalmente, esse projeto foi substituído por um retrato do poeta, feito
ifiar Bracquemond. Um projeto semelhante surgiu por volta de 1862, quando Poulet-
■ ^assagens
Malassis planejou uma edição de luxo das Fleurs du Mal. Ele encomendou as ilustrações a
Bracquemond que se constituíram principalmente de bordas e vinhetas. As divisas
emblemáticas exerceram aí um papel importante (cf. Séché, p. 138). — O tema no qual
Bracquemond fracassou foi retomado por Rops no frontispício de Les Epaves (Os Destroços)
(1866).
[J26.2]
Lista dos resenhistas das Fleurs du Mal e dos jornais que Baudelaire tinha em vista com eles;
Buloz - Lacaussade - Gustave Rouland ( Revue Europémnê) - Gozlan ( Monde Illustré ) -
Sainte-Beuve (Le Moniteur ) - Deschanel (Journal des Débats ) - d’Aurevilly (Le Pays ) - Janin
(Le Nord ) — Armand Fraisse ( Salut Public — de Lyon) - Guttinger ( Gazette de France)
(segundo Séché, p. l40).
[ J 26, 3]
Todos os direitos autorais de Baudelaire foram comprados após sua morte por Michel Lévy
num leilão pela quantia de 1.750 francos.
n [J26,4]
Os “Tableaux Parisiens” <OC I, pp. 82-1 10> fazem parte das Fleurs du Mal apenas a partir
da 2 a edição.
[J26. 5]
Sugestão do título definitivo por Hippolyte Babou no Café Lamblin.
[ J 26a. 1]
“Lamour et le crâne” <OC I, p. 119>. “Este poema foi inspirado a Baudelaire por duas
obras do gravador Henri Goltizius.” Alphonse Séché, La Vie des Fleurs du Mal , Annens,
1928, p. 111.
[ J 26a, 2]
“À une passante” <OC I, p. 92>. “O Sr. Crépet indica como fonte possível uma passagem
de ‘Dina, la belle juive’ (Dina, a bela judia), em Champavert, de Pétrus Borel... ‘Para mim,
o pensamento de que não se reverá jamais este relâmpago que nos ofuscou...; que duas
existências feitas ... para serem felizes juntas, nesta vida e na eternidade, estão para sempre
afastadas ... para mim, este pensamento é profundamente doloroso.” Cir. em Alphonse
Séché, La Vie des Fleurs du Mal, p. 108.
[ J 26a, 3]
“Rêve parisien” <OC I, p. 101>. Como o poeta do poema, também Constantin Guys
acordaria por volta do meio-dia; por este motivo, a dedicatória, segundo Baudelaire - carta
de 13 de março de 1860 a Poulet-Malassis.
[ J 26a. 4]
Baudelaire cita - onde? - o terceiro livro da Eneida como fonte de “Le cygne” <OC I, p. 85>-
(Cf. Séché, p. 104).
[ J 26a, 51
À direita ou à esquerda da barricada. É muito significativo que, para grande parte da classe
burguesa, houvesse apenas uma nuance entre essas duas posições. Isto muda somente a
J
[Baudelaire] 321
partir de Luís Napoleão. Baudelaire — mesmo que isto não fosse fácil de conseguir — pôde
ser amigo de Pierre Dupont, pôde participar da Insurreição de Junho ao lado do proletariado
e pôde evitar qualquer complicação ao encontrar-se com seus amigos Chennevières e La
Vavasseur da Ecole Normande que, por sua vez, estavam em companhia de um guarda
nacional. — Neste contexto, convém lembrar que a nomeação de Aupick como embai x a d or
em Constantinopla, em 1848, deve-se a Lamartine, que era ministro do exterior na ocasião.
:j 26 x, 6 ]
Tempo de elaboração das Fleurs du Mal até a primeira edição: 15 anos.
Sugestão de um farmacêutico de Bruxelas a Poulet-Malassis: em rroca de uma subscrição
de 200 exemplares, ele poderia, ao final de Les Paradis Artificieis, oferecer aos leitores um
produto à base de haxixe fabricado por seu estabelecimento. Baudelaire consegue com
muito custo fazer valer o seu veto.
[J26*. 8]
Extraído da carta de d’Aurevilly a Baudelaire, de 4 de fevereiro de 1859: “...crápula de
gênio! Eu sabia que, em poesia, você é danada víbora injetando seu veneno nos seios das g
... e das g... Mas eis que cresceram asas na víbora e ela sobe de nuvem em nuvem, monstro
magnífico, para arremessar seu veneno até nos olhos do sol!” Cit. em Ernest Seillière,
Baudelaire, Paris, 1931, p. 157.
[J27. 1]
Em Honfleur, havia dois quadros pendurados sobre sua cama — um deles pintado pelo seu
pai, como correspondente ao outro, representava uma cena galante, o outro, uma obra
antiga, representava uma tentação de Santo Antônio. No centro do primeiro quadro, uma
bacante.
[ J 27, 2]
U G. Sand é inferior a Sade!” <OC II, p. 68>.
[ J 27, 3]
“Nós cobramos caro pelas nossas confissões” <OC I, p. 5> — isto deve ser comparado à
prática de suas carras.
r [J27.4]
Seillière cita (p. 234) d’Aurevilly: “A finalidade oculta de Poe era aterrorizar a imaginação
de seu tempo... Hoffmann não possui esse terrível poder.” Isto provavelmente também
vale para Baudelaire.
[J27.5]
Sobre Delacroix, segundo Seillière, p. 1 14: “Delacroix é o artista mais bem dotado para
exprimir as manifestações heróicas da mulher moderna seja no sentido do divino, seja no
sentido do infernal... Parece que a cor pensa por si mesma, independentemente dos objetos
que ela recobre. A impressão de conjunto torna-se quase musical.”
Fourier teria apresentado suas minuciosas descobertas muito pomposamente <cf. OC II,
p. 132>.
[ J 27, 7]
J7? m Passagens
Seillière apresenta como seu propósito aquilo que caracteriza o padrão da literatura
baudelairiana: “Na verdade, são as conclusões teóricas, ditadas a Charles Baudelaire por
sua experiência vital, que desejo sobretudo estudar nessas páginas.” Ernest Seillière, Baudelaire,
Paris, 1931, p. 1.
[J27, 8]
Comportamento excêntrico em 1848: “Acabaram de prender De Flottes, dizia ele. Será
por que suas mãos cheiravam a pólvora? Cheirem as minhas!” Seillière, Baudelaire, Paris,
1931, p. 51.
[ J 27, 9]
Seillière (p. 59) confronta com razão o postulado de Baudelaire, segundo o qual é preciso
interpretar o surgimento de Napoleão III do ponto de vista providencial no sentido de De
Maistre, com este outro comentário “Minha fúria contra o golpe de Estado. Quantos tiros
de fuzil sofri! Mais um Bonaparte! Que vergonha!” Ambos em “Mon coeur mis à nu” <OC
I, p. 679>.
[ J 27a, 1]
O livro de Seillière está totalmente impregnado pela posição do autor, que é presidente da
Académie des Sciences Morales et Politiques. Um motivo básico característico: “A questão
social é uma questão moral.” (p. 66) Cada uma das frases de Baudelaire é acompanhada
constantemente pelas notas do autor.
[ J 27a, 2]
Bourdin - genro de Yillemessant. O Figaro publica em 1863 um ataque violento de
Pontmartin contra Baudelaire. Em 1864, é interrompida a edição dos Petits Poèmes en
Prose, após duas publicações. Villemessant: “Os poemas do Sr. enfastiavam todo o mundo.”
Cf. François Porché, La Vie Douloureuse de Charles Baudelaire {Le Rornan des Grandes Existences,
vol. 6), Paris, 1926, p. 261.
[ J 27a, 3]
Sobre Lamartine: “um tanto venal, um tanto prostituído”. Cit. em François Porché, La Vie
Douloureuse de Charles Baudelaire (. Le Roman des Grandes Existences, vol. 6), Paris, p. 248.
[J27a,4]
Relação com Victor Hugo: “Ele lhe havia solicitado um prefácio ao estudo sobre Gautier,
e, na intenção de forçar a colaboração de Victor Hugo, até lhe dedicara alguns versos.”
François Porché, La Vie Douloureuse de Charles Baudelaire ( Le Roman des Grandes Existences,
vol. 6), Paris, p. 251.
[ J 27a, 5]
Título das primeiras publicações extraídas de Les Paradis Artificieis, na Revue Contemporaine,
1858: “De 1’idéal artificiei”.
[ J 27a, 6]
Artigo de Sainte-Beuve em Le Constitutionnel, de 20 de janeiro de 1862. Logo em seguida,
em 9 de fevereiro do mesmo ano, diante da veleidade de Baudelaire de candidatar-se à
cadeira de Lacordaire, em vez daquela originalmente ocupada por Scribe, a advertência:
J
[Baudelaire) 323
“Deixe a Academia como ela está, mais surpresa que chocada.” Baudelaire retira sua
candidatura. Cf. Porché, La Vie Douloureuse de Charles Baudelaire , Paris, p. 247.
[ J 27a, 7]
‘“Notai que esse inovador não tem nenhuma idéia nova. É preciso esperar, de Vigny até
Smilh-Prudhomme, para encontrar idéias novas nos poetas franceses. Nunca Baudelaire vai
akrr. do lugar-comum, desgastando-o até o fastio. Ele é o poeta árido da banalidade.
Tlmédiction (Bênção): o artista nesta terra é um mártir. ‘Lalbatroz’: o poeta tropeça na
■alidade. ‘Les phares’ (Os faróis): os artistas slo as luz.es da humanidade... Brunetière tem
«ia razão: não há outra coisa em ‘La charogne’ (A carniça) que a palavra do Eclesiastes:
««ser ssz interitus hominum etjumentorum . 20 ” Émile Faguet, “Baudelaire”, La Revue, LXXXVII,
1910 , p. 619.
[J28, 1]
“Be tem muito pouca imaginação. Seu fôlego é prodigiosamente curto.” É. Faguet,
“ttaudelaire”, La Revue , LXXXVII, 1910, p. 616.
1 J 28, 21
estabelece uma semelhança entre Sénancourt e Baudelaire - aliás, em benefício do
ro.
IJ28.3]
rj_ Weiss ( Revue Contemporaine, janeiro de 1858): “O verso ... parece muito um pião
indo na sarjeta.” Cit. em Camille Vergniol, “Cinquante ans après Baudelaire” ( Revue
■m Pkns. ano 24, 1917, p. 687).
ÍJ28.4]
IfcaiBEarin, em sua crítica sobre o retrato de Baudelaire por Nargeot: “Esta gravura nos
immininri um rosto inquietante, sinistro, destruído, malvado; o rosto de um herói de tribunal,
mu de um pensionista de Bicêtre.” Cf. B 2a, 6. Vischer, “O recém-guilhotinado”.
[J28.5]
desfavoráveis de Brunetière em 1887 e 1889. Em 1892 e 1893, vêm as correções,
da; Questions de Critique (junho 1887) — Essais sur la Littérature Contemporaine
— Xouveaux Essais sur la Littérature Contemporaine (1892) —Evolution de la Poésie
ert France (1893). 21
. I 28, 6]
ia do Baudelaire tardio: “Ele tem uma aridez cm todos os traços, contrastando
mente com a intensidade do olhar. Tem, sobretudo, o ricto de uma boca que está há
iinniuiiri: nernpo habituada a mastigar apenas cinza.” François Porché, La Vie Douloureuse de
iQiii/stIIb Baudelaire {Le Roman des Grandes Existences, vol. 6), Paris, 1926, p. 291.
[ J 28, 7]
llllf. ! impulsos de suicídio. Arsène Houssaye da Revue Contemporaine vem a saber que
. üpuiins dos Petits Poèmes en Prose já haviam sido publicados na Revue Fantaisiste. A publicação
20 T-adução: "A sorte do homem e do animal é idêntica." Bíblia. Eclesiastes, 3: 19. (w.b.)
- Senjamin errou nestas datas; eis as indicações corretas: Questions de Critique (2 a ed., 1 889) - Essais sur
'a Littérature Contemporaine (1892) - Nouveaux Essais sur la Littérature Contemporaine (1895) -
Evolution de la Poésie Lyrique en France (1894). (R.T.)
SM m Passagens
é suspensa. - A Revue des Deux Mondes recusa o ensaio sobre Guys <OC II, pp. 683-724>.
- O Figaro publica-o com uma “nota redacional” de Bourdin. g]
Primeiras conferências na Bélgica; Delacroix, Gautier. ^ ^ 2ga ^
O Ministério do Interior recusa-se a dar sua estampilha aos Paradis Artificieis. (Cf. Porché,
p. 226). O que isto significa? [J2ga21
Porché chama a atenção para o fato de Baudelaire ter mantido durante toda a vida a
mentalidade de um filho de boa família. - Muito instrutivo neste sentido: “Há em
toda transformação alguma coisa de infame e de agradável ao mesmo tempo, um
elemento de deslealdade e de mudança de situação. Isso basta para explicar a Revolução
Francesa.” A observação faz lembrar Proust - que também foi um filho de boa família.
O histórico projetado no íntimo. ^ 2ga ^
Encontro entre Baudelaire e Proudhon em 1848, no escritório do jornal Le Représentant du
Peuple ; este encontro é casual e termina com um jantar comum na Rue Neuve-Vmenne.
* [ J 28a, 4]
A hipótese segundo a qual Baudelaire teria participado da fundação do jornal conservador
Le Représentant de llndre, em 1848 - mais tarde, Ponroy dirigiu o jornal - é de autoria de
René Johannet. O jornal apoiava a candidatura de Cavaignac. A colaboração de Baudelaire,
caso tenha havido alguma, teria sido na ocasião possivelmente uma mistificação. A viagem
a Châteauroux foi subvencionada por Aupick, por intermédio de Ancelle, sem o
conhecimento de Baudelaire. 2ga ^
Segundo Le Dantec, o segundo terceto de “Sed non satiatá <OC I, pp. 28> deve em certa
medida ser ligado a “Les lesbiennes”. 2ga
Em 1843, segundo Prarond, um número considerável de poemas das Fleurs du Mal já
havia sido escrito. , . 71
Em 1845, “The Gold Bug” é traduzido por Alphonse Borghers como “Le scarabée dor”
(O escaravelho de ouro) na Revue Britannique. No ano seguinte, aparece uma adaptação,
com o nome do autor em código, do “Duplo assassinato na Rue Morgue” em La Quotidienne,
onde o nome de Poe não é mencionado. Para Baudelaire, segundo Asselineau, foi decisiva
a tradução de “O gato negro”, em La Démocratie Pacifique , por Isabelle Meunier (1847).
É significativo que, a julgar pela publicação, a primeira tradução de Poe por Baudelaire
foi a “Revelação magnética” . g .
Em 1855, Baudelaire escreve a George Sand parqdhe recomendar Marie Daubrum ^ ^
J
[Baudelaire] 325
“Sempre muito educado, muito altivo e muito afetado ao mesmo tempo, havia nele algo
de monge, de soldado e de mundano. ’ Judith Cladel, Bonshommes, Paris 18 9, cit. em
E. e I. Crépet, Charles Baudelaire. Paris, 1906, p. 23 7.
J r [ J 29, lj
Em “Notes et documents pour mon avocat”, Baudelaire refere-se às cartas sobre arte e
moral que Balzac em La Semaine dirigiu a Hippolyte Castille <OC I, p. 194>.
Lyon é conhecida por sua espessa neblina.
[ J 29, 31
Em 1845, falsa tentativa de suicídio: facada no peito.
. J 29, 41
“Foi graças ao lazer que, em parte, cresci. — Para meu prejuízo, porque o lazer sem fortuna
aumenta as dívidas... Mas também para meu grande proveito, relativamente a sensibilidade,
à meditação... Os outros homens de letras são, na maior parte, vis picaretas muito
ignorantes.” Cit. em Porché, La Vie Douloureuse de Charles Baudelaire, Paris, 1926, ]a. I j 6.
O artigo de Louis Gondaíl em Le Figaro, de 4 de novembro de 1855, que teve como objeto
a publicação dos poemas na Revue des Deux Mondes, deu ensejo a que Michel Lévy deixasse
a edição das Fleurs du Mal a cargo de Poulet-Malassis.
~ ° \ t /a
Em 1848, Le Salut Public, com Champfleury e Toubin. O primeiro número, de 27 de
fevereiro, foi redigido em menos de duas horas. Nele — provavelmente escrito por Baudelaire:
‘Alguns irmãos desnorteados quebraram as impressoras mecânicas... Toda mecânica é sagrada
como um objeto de arte.” (Cit. em Porché, p. 129 <OC II, p. 1030>.) - Cf. ‘Uappareil
sanglant de la déstruction ’ <OC I, p. 1 1 1 > .
Em 1849, Le Reprêsentant de llndre <OC II, pp. 1060-1063>- — A colaboração de Baudelaire
não está comprovada. Caso o artigo “Atualmente seja de sua autoria, não se exclui uma
mistificação dos mandantes conservadores do jornal. ^
I J 29, 8]
Em 1 85 1 , com Dupont e La Chambaudie, La Republique du Peuple: Almanach Démocratique.
“Editor: Baudelaire”. Ali, com sua assinatura, apenas “L’âme du vin <OC I, p. 105>.^ ^
Em 1852, com Champfleury e Monselet, La Semaine Théâtrale.
Endereços:
fevereiro de 1854:
maio:
1858:
dezembro de 1859:
verão de 1858:
Hôtel de York, rue Saintc-Anne
Hôtel du Maroc, me de Seine
Elôtel Voltaire, quai Voltaire
22 rue Beautreillis
Hôtel de Dieppe, rue dAmsterdam.
[J 29, 11]
326 ■ Passagens
Aos 27 anos, Baudelaire tinha as têmporas grisalhas.
[ J 29, 12]
Extraído de Charles Assellineau, Baudelaire: Recueil d’Anecdotes (em Crépet, Charles Baudelaire,
Paris, 1908, pp. 279-280, in extenso)-, a história do lenço de Asselineau. A teimosia de
Baudelaire. Efeitos provocadores de sua “diplomacia”. Sua mania de escandalizar.
£ J 29a, 1]
Do necrológio de Gautier, Le Moniteur , 9 de setembro de 1867: “Nascido na índia e
conhecendo a fundo a língua inglesa, ele começou por traduções de Edgar Poe.” Théophile
Gautier, Portraits Contemporains , Paris, 1847, p. 159.
[ J 29a, 2]
O necrológio de Gautier é dedicado pelo menos em sua metade a Poe. A parte dedicada às
Fleurs du Mal repousa nas metáforas que Gautier toma emprestadas a um conto de
Hawthorne: “Nunca lemos as Fleurs du Mal, de Ch. Baudelaire sem pensar,
involuntariamente, neste conto de Hawthorne; elas têm essas cores sombrias e metálicas,
essas folhagens verde-acinzentadas e esses odores que sobem à cabeça. Sua musa se parece
com a filha do doutor, que nenhum veneno poderia atingir, mas cuja tez, por sua palidez
exangue, revela o ambiente em que habita.” Théophile Gautier, Portraits Contemporains,
Paris, 1874, p. 163.
[ J 29a, 3]
A caracterização de Baudelaire por Gautier em Histoire du Romantisme nada mais é do que
uma seqüência de metáforas duvidosas. “Cada poesia é reduzida por esse talento concentrador
a uma gota de essência fechada num frasco de cristal talhado em mil facetas” (etc., p. 350).
Toda a análise está impregnada de banalidades. “Ainda que ele ame Paris, como a amava
Balzac, que ele caminhe, em busca de rimas, por suas ruelas mais sinistramente misteriosas,
quando os reflexos das luzes transformam as poças de chuva em charcos de sangue, e
quando a lua gira sobre as concavidades dos tetos negros, como um velho crânio de
marfim amarelo; que ele se detenha, às vezes, diante dos vidros enfumaçados de cafés de
má fama, ouvindo o canto rouco do bêbado e a risada estridente da prostituta..., muitas
vezes recorrências de pensamento levam-no de volta à índia.” Théophile Gautier, Histoire
du Romantisme , Paris, 1874, p. 349 (“Le progrès de la poésie française depuis 1830”).
Cí. Rollinat!
[J29a,4]
O intérieur do Hôtel Pimodan: nada de bufê, mesa de refeições, vidraças opacas. Naquele
tempo, Baudelaire tinha um mordomo.
[ J 29a, 5]
Em 1851, novos poemas no Messager de l’Assemblée. A Revue Politique, de tendência saint-
simoniana, recusa manuscritos. Porché afirma que tudo indica que Baudelaire mal tinha a
opção de escolher onde publicar.
[130,1]
A fortuna de 75.000 francos (em 1926 = 450.000 francos) paga a Baudelaire em 1842.
Ele era visto por colegas — Banville — como muito rico. Pouco tempo depois, ele se afasta
discretamente de casa.
[ J 30, 2 ]
J
[Baudelaire] 327
Segundo uma bela formulação de Porché {La Vie Douloureuse de Charles Baudelaire , Paris,
1926, p. 98), Ancelle era a encarnação do país legal.
ÍJ30.3]
Em 1841, viagem a Bordeaux, de diligência, uma das últimas. — Uma tempestade muito
fone que Baudelaire presenciou a bordo do navio comandado por Saliz — o Paquebm-des-
Mers-du-Sud - parece ter deixado poucos rastros em sua obra.
ÍJ 30.4]
A mãe de Baudelaire tinha 26 anos e seu pai, 60, quando se casaram em 1819.
; J 30, 5!
No hotel Pimodan, Baudelaire escrevia com uma pena de ganso vermelha.
; J 30, 6]
A “Revelação magnética”, que certamente não tem grande peso na obra de Poe, é a única
novela do autor traduzida por Baudelaire enquanto Poe ainda vivia. Em 1852, biografia de
Poe na Revue de Paris-, em 1854, início do trabalho de tradução.
[J30.7]
Lembrar que Jeanne Duval foi o primeiro amor de Baudelaire.
I J 30, 81
Durante os anos de desavença com Aupick, encontros com a mãe no Louvre.
[J.30,9]
Os jantares organizados por Philoxène Boyer. Baudelaire faz a leitura de “La charogne”,
“Le vin de fassassin”, “Delphine et Hippolyte”. (Porché, La Vie Douloureuse de Charles
Baudelaire , Paris, 1926, p. 158).
I J 30, 10]
Porché (p. 98) chama a atenção sobre o fato de que os encontros de Baudelaire com Saliz,
Ancelle, Aupick eram de tipo específico.
ÍJ30, 11]
Preocupação sexual, como o revelam os títulos dos romances planejados: “Os Ensinamentos
de um Monstro”, “Uma Infame Adorada”, “A Amante do Idiota”, “As Lésbicas”, “O Cafetão”.
I J 30, 12J
A observar que Baudelaire nao raramente gostava de envilecer-se em longas conversas com
Ancelle. Nisso também era um filho de boa família. Mais a este respeito em sua carta de
despedida: “É provável que eu seja obrigado a levar uma vida dura, mas estarei melhor.” 22
L J 30, 13]
Cladel menciona uma “nobre e transcendente dissertação” de Baudelaire sobre a fisionomia
da linguagem, as cores das palavras, suas particularidades como fontes de luz e por fim suas
características morais.
[ J 30a, 1]
A carta de Champfleury de 6 de março de 1 863 revela um tom coloquial que talvez não
fosse incomum entre os escritores. Em uma carta que se perdeu, Baudelaire recusara a
22 Ch. Baudelaire, Correspondance, vol. I, p. 130 (Carta a sua Mãe, Paris, 1845). (R.T.)
jgi»'
proposta de Champfleury de travar conhecimento com uma apreciadora dos escritos de
Baudelaire e Poe, sob pretexto de sua dignidade. Champfleury replicou: Quanto a mi a
dignidade comprometida, eu lhe contesto. Não vá aos lugares de má fama; procure imitar
minha vida de trabalho, seja tão independente quanto eu; não tenha nunca necessidade
dos outros e então você poderá falar em dignidade. / Entretanto, não dou mais tanta
importância à palavra, deixando-a por conta de sua esquisitice factícia e natural ao mesmo
tempo.” (Cit. em E. e J. Crépet. Charles Baudelaire. Paris, 1906, apendice, p. 341.)
Baudelaire (Lettres, pp. 349-350) responde no mesmo dia. ( 30a 2]
Hugo, em 30 de agosto de 1857, a Baudelaire. Ele confirma o recebimento das Fleun du
Mal “A arte é como o azul, é o campo infinito: você acabou de prová-lo. Suas Fleun du Mal
brilham e fascinam como estrelas.” Cit. em Crépet, p. 113. Cf. a grande carta de 6 de
agosto de 1859 com a fórmula e o credo do progresso. ( ] 30a 3]
Paul de Molènes, em 14 de maio de 1860, a Baudelaire: “Você tem o dom do novo que
sempre me pareceu coisa preciosa, e diria quase sagrada. Cit. em Crepet, p. 413-^^ ^
Ange Pechméja, Bucareste, 11-23 de fevereiro de 1866. Na longa carta que expressa sua
alta admiração, esta percepção exata da poesia pura: “Eu direi outra coisa: estou convencido
de que se as letras, que contribuem para formar versos desse gênero, fossem traduzidas
pelas formas geométricas e pelas nuances coloridas que a analogia lhes empresta
respectivamente, eles ofereceriam a textura agradável e o belo tom de muitos tapetes persas
ou de xales da índia. / Minha idéia lhe parecerá burlesca: às vezes veio-me o desejo de
desenhar e colorir seus versos. Cit. em Crepet, p. 415.
Vigny, em 27 de janeiro 1862, a Baudelaire: “Quanto ... acho você injusto para com este
buquê, muitas vezes tão deliciosamente perfiimado de odores primaveris, por ter-lhe dado
este título indigno; e quanto me revolta esse ar envenenado, algumas vezes, por nao sei que
emanações do cemitério de Hamlet. Cit. em Crepet, p. 441. [j30a. 6]
Extraído da cana que Baudelaire dirigiu à Imperatriz, em 6 de novembro de 1857: Mas
a multa, aumentada de despesas incompreensíveis para mim, ultrapassa as possibilidades
da pobreza proverbial dos poetas, e ... persuadido de que o coração da Imperatriz esta
aberto à piedade para com todas as tribulações, tanto espirituais quanto materiais, concebi
o projeto, depois de uma indecisão e uma timidez de dez dias, de solicitar a graciosa
bondade de Vossa Majestade e suplicar-lhe que intervenha por mim junto ao Sr. Ministro
de Justiça.” H. Patry, “Eépilogue du procès des Fleun du Mal: Une iettre inédite de Baudelaire
à rimpératrice”, Revue d‘Histoire Littéraire de la France, ano 29, 1922, p. 71. []311]
Extraído de Schaunard, Souvenirs, Paris, 1887 (cit. em Crépet, p. 160): “Detesto o campo,
diz Baudelaire, para explicar sua pressa em deixar Honfleur, sobretudo no bom tempo.
A persistência do sol me oprime... Ah! fele-me dos céus parisienses sempre mutáveis, que
J
[Baudelaire] 329
riem e choram ao sabor do vento, e sem que jamais suas alternâncias de calor e de umidade
possam ser úteis a estúpidos cereais... Eu ofenderei talvez suas convicções de paisagista,
mas lhe direi que a água em liberdade é, para mim, insuportável; quero-a prisioneira, na
canga, nos muros geométricos de um cais. Meu passeio preferido é a margem do canal de
1’Ourcq.”
Crépet compara com a anotação de Schaunard a carta a Desnoyers e observa por fim: "O que
concluir de tudo isso' Talvez, simplesmente, que Baudelaire pertencia à família desses infelizes
que só desejam o que não têm, e só gostam dos lugares onde não estão.” Crépet, p. 161.
: j 31. 3 :
A sinceridade de Baudelaire foi muito discutida. Rastros desse debate encontram-se ainda
em Crépet (cf. p. 172).
£ J 31, 4 ;
O riso das crianças é como o desabrochar da flor... É uma alegria de planta. Assim,
geralmente, o sorriso é, antes, alguma coisa de análogo ao sacudir da cauda dos cães ou ao
ronrom dos gatos. E, entretanto, observe bem que se o riso das crianças difere ainda das
expressões de contentamento animal, é que esse riso não é inteiramente isento de ambição,
como convém a projetos de homens, isto é, a satãs em potencial.” “De Tessence du rire”,
(Euvres , ed. org. por Lc Dantec, vol. II, p. 174 <OC II, pp. 534-535>.
[J3I, 5]
Cristo conheceu a cólera e também as lágrimas; Ele não ria. Virginie não riria ao ver uma
caricatura. O sábio não ri; tampouco a inocência. “O cômico é um elemento condenável e
de origem diabólica.” “De Tessence du rire”, CEuvres, ed. Le Dantec, vol. II, p. 168 <OC
II, p. 528>.
[ J 31a, 1]
Baudelaire faz distinção entre o “cômico significativo” e o “cômico absoluto”. Somente o
ultimo e um objeto digno de reflexão: o grotesco.
I J 31a, 2]
Interpretação alegórica da roupa masculina moderna no “Salon de 1846”: “Quanto ao
vestuário, a pele do herói moderno ... não é ela a vestimenta necessária de nossa época,
sofredora e carregando até em seus ombros negros e magros o símbolo de um luto perpétuo?
Vede bem que a roupa negra e a sobrecasaca têm não apenas sua beleza política, que é a
expressão da igualdade universal, mas também sua beleza poética, que é a expressão da
alma pública; - um imenso desfile de papa-defuntos, papa-defuntos políticos, papa-defuntos
enamorados, papa-defuntos burgueses. Todos nós celebramos algum enterro.” CEuvres, ed.
org. por Le Dantec, vol. II, p. 134 <OC II, p. 494>.
í J 31a, 3]
A incomparável força da descrição da multidão cm Poe. Pensa-se nas primeiras litografias
de Senefelder, como O Clube de Jogo , A Multidão Apos o Cãir da Noite : “Os raios dos bicos
de gás, fracos de início, quando lutavam com a luz do poente, tinham agora intensidade e
lançavam sobre todas as coisas uma luz cintilante e agitada. Tudo era escuro, mas brilhante
330 ■ Passagens
- como este ébano ao qual se comparou o estilo de Tertuiiano.” Edgar Poe, Nouvelles
Histoires Extraordinaires , tradução de Charles Baudelaire, Paris, 1886, p. 94. ■ Flâneur ■
[ J 31a, 4]
“A imaginação não é a fantasia... A imaginação é uma faculdade quase divina que percebe
... as relações íntimas e secretas das coisas, as correspondances e as analogias.” Baudelaire,
“Nouvelles notes sur Edgar Poe” ( Nouvelles Histoires Extraordinaires, pp. 13-14).
[ J 31a, 5]
Ornamento de livro enfeitado com divisas, de caráter puramente emblemático, que
Bracquemond desenhara para a edição de luxo das Fleurs du Mal, planejada por volta de
1862. O único exemplar da plaqueta foi vendido por Champfleury e adquirido mais tarde
por Avery (Nova York).
[ J 31a, 6]
Quanto à concepção da multidão em Victor Hugo, há duas passagens muito significativas
em “La pente de la rêverie” (A inclinação do devaneio):
“Multidão sem nome! Caos! Vozes, olhos, passos.
Os que nunca foram vistos, os que não conhecemos.
Todos os vivos! — cidades zumbindo aos ouvidos
Mais que um bosque da América ou colméias de abelhas.”
A passagem seguinte mostra a multidão como se tivesse sido talhada pelo buril do gravador:
“A noite, com a multidão, neste sonho hediondo,
Vinham, adensando-se juntas todas as duas,
E nessas regiões que nenhum olhar alcança.
Quanto mais numeroso era o homem, mais a sombra era profunda.
Tudo se tornava duvidoso e vago; apenas
Uma brisa que passava de momento em momento,
Como para me mostrar o imenso formigueiro,
Abria na sombra ao longe vales de luz,
Assim como faz. uma ventania, sobre as ondas inquietas,
Embranquecer a espuma, ou cavar uma onda nos trigais.”
Victor Hugo, CEuvres Completes: Poésie, vol. II [Les Orientales e Feuilles dAutomne),
Paris, 1880, pp. 363 e 365-366.
1 J 32, 1]
Jules Troubat - o secretário de Sainte-Beuve -, em 10 de abril de 1866, a Poulet-Malassis:
‘Eis, pois, como sempre hão de acabar os poetas! Embora a máquina social esteja a serviço
dos burgueses, dos profissionais, dos operários e se ajuste a eles ... nenhuma lei benfazeja se
estabelecerá para dar a essas naturezas indisciplinadas e avessas a qualquer jugo, com o que,
pelo menos, assegurar sua morte em seu próprio leito. - Mas a aguardente, dirão? - Boa
solução! Vocês a bebem, vocês, burgueses, merceeiros, vocês têm tantos vícios e mesmo
J
[Baudelaire] 331
«k que o poeta... Balzac se excita com café, Musset se embrutece com absinto e produz
ainda assim suas mais belas estrofes, Murger está morrendo em uma casa de saúde, como
Baudelaire neste momento, aqui. E nenhum desses escritores é socialista!” (Cit. em Crépet.
Bauãeíaire, Paris, 1906, pp. 196-197). O mercado literário.
Nb esboço da carta a Jules Janin (1865), Baudelaire invoca Juvenal, Lucano e Petrònio
aanma Horácio.
[J32, 3]
Cana a Jules Janin: “a melancolia, sempre inseparável do sentimento do belo . CEuvres , ed.
'.Ti re; por In Dantec, vol. II, p. 610 <OC II, p. 238>. ^
Toda intenção épica resulta ... de um sentido imperfeito da arte.” (Baudelaire, “Notes
■ouvelles sur Edgar Poe” ( Nouvelles Histoires Extraordinaires), Paris, 1886, p. 18. Eis aqui
«pim germe toda a teoria da poesia pura. (Imobilização!) ^ ^
Segundo Crépet ( Baudelaire , Paris, 1906, p. 155), a maioria dos desenhos deixados por
Baudelaire representa “cenas macabras”.
r [J32a.ll
“Hoje, de todos os livros do mundo, com exceção apenas da Bíblia, Les Fleurs du Mal é o
mk editado, o mais traduzido em todas as línguas.” André Suarás, Trois Grands Vivants ,
Parts 1938, p. 269 (“Baudelaire et Les Fleurs du Mal").
r r t n . ■>!
sida de Baudelaire é um deserto para anedotas.” André Suares, Trois Grands Vivants,
I Bmrk . p. 270 (“Baudelaire et Les Fleurs du Mal").
K I J 32a, 3]
TBaudelaire não descreve.” André Suarès, Trois Grands Vivants, Paris, p. 294 (“Baudelaire
et Les Fleurs du Mal”).
[ J 32a, 4]
laFEectiva veemente contra o Amor no “Salon de 1859” — por ocasião de uma crítica da
escala neogrega: “Não estamos já bastante cansados de ver a cor e o mármore desperdiçados
iom lavor desse velho vadio...? ... sua cabeleira é frisada e volumosa como uma peruca de
cocheiro; suas faces salientes oprimem suas narinas e seus olhos; sua pele, ou melhor, sua
«rs Tire, almofadada, tubulosa e inchada, como as gorduras suspensas nos ganchos dos
3 ti— asueiros, talvez esteja distendida pelos suspiros do idílio universal; nas suas costas
mijEtanhosas estão penduradas duas asas de borboleta. ” Ch. B., CEuvres, ed. org. por Le
Dantec- Paris, vol. II, p. 243 <OC II, p. 638>,
*Hí um valente jornal, no qual cada um sabe tudo e fala de tudo; no qual cada redator ...
ensinar alternadamente política, religião, economia, belas artes, filosofia, literatura.
Nesse vasto monumento da tolice, inclinado para o futuro como a Torre de Pisa, e no qual
se elabora a felicidade do gênero humano...” Ch. B„ CEuvres, ed. org. por Le Dantec, Paris,
vol. II, p. 258 <OC II, p. 653> (“Salon de 1859”). {Le Globe ?)
[J32a .6]
Por ocasião da apologia de Ricard: “A imitação é a vertigem dos espíritos flexíveis e brilhantes,
e, muitas vezes, até mesmo uma prova de superioridade.” Ch. B., CEuvres , ed. org. por Le
Dantec, vol. II, p. 263 <OC II, p. 658> (“Salon de 1859”)- Pro domo\
L J 32a, 7]
“Este ... não sei quê de malicioso que está sempre misturado à inocência.” Ch. B. CEuvres ,
ed. org. por Le Dantec, vol. II, p. 264 <OC II, p. 659> (“Salon de 1859”). Sobre Ricard.
[ J 32a, 8]
Vigny em “Le Mont des Oliviers” contra De Maistre:
“Sabemos que nascerão, no longínquo das idades,
Intransigentes dominadores escoltados de falsos sábios
Que perturbarão o espírito de cada nação
Dando um falso sentido à minha redenção.” 23
1 J 33, 1]
“Talvez somente Leopardi, Edgar Poe e Dostoiévski tenham experimentado um tal despojamento
de felicidade, semelhante poder de desolação. Em torno dele, este século que parece, aliás,
florescente e múldplo, apresenta o terrível aspecto de um deserto.” Edmond Jaloux, “Le centenaire
de Baudelaire”, La Remte Hebdomadaire, ano 30, n° 27, 2 jul. 1921, p. 77.
[J33.2]
“Somente Baudelaire fez da poesia um método de análise, uma forma de introspecção. Por
isso, ele é certamente da mesma época que Flaubert ou Claude Bernard.” Edmond Jaloux,
“Le centenaire de Baudelaire”, La Revue Hebdomadaire, ano 30, n° 27, 2 jul. 1921, p. 69.
[ J 33, 3]
Registro dos temas baudelairianos em Jaloux: “irritabilidade nervosa do indivíduo voltado
para a solidão...; horror da condição humana e necessidade de conferir-lhe dignidade através
da religião ou através da arte...-, amor ao deboche para esquecer-se ou se punir...; paixão das
viagens, do desconhecido, do novo; ...predileção por tudo o que faz pensar na morte
(crepúsculo, outono, espetáculos fúnebres) ... adoração do artificial; comprazimento no
spleen’ . Edmond Jaloux, “Le centenaire de Baudelaire”, La Revue Hebdomadaire, ano 30,
n° 27, 2 jul. 1921, p. 69. Aqui é evidente que a consideração exclusiva de fatos psicológicos
impede a percepção da verdadeira originalidade de Baudelaire.
Influência das Fleurs du Mal, por volta de 1885, sobre Rops, Moreau, Rodin.
[J33.5Í À
Influência das “Correspondances” sobre Mallarmé.
[ J 3Sk filil'
23 Alfred de Vigny, ffuwes Completes, vol. I: Poésies, Paris, 1883, pp. 251-252. (R.T.)
J
[Baudelaire] 333
Influência de Baudelaire sobre o Realismo, em seguida sobre o Simbolismo. Moréas, no
manifesto simbolista de 18 de setembro de 1886, em Le Figaro\ Baudelaire deve ser
considerado o verdadeiro precursor do movimento poético atual.”
Claudel: “Baudelaire cantou a única paixão que o século XIX pôde experimentar com
sinceridade: o Remorso.” Cit. em Le Cinquantenaire de Charles Baudelaire, Paris, 1917,
P- 43- [J 33, 8]
“Um pesadelo dantesco.” Leconte de Lisle, cit. em Le Cinquantenaire de Charles Baudelaire ,
ftris, Maison du Livre, 1917, p. 17. ^ ^
Édouard Thierry compara as Fleurs du Mal à ode que Mirabeau teria escrito na prisão de
Vrncennes. (Cit. em Le Cinquantenaire de Charles Baudelaire, Paris, 1917, p- 19.)
[ J 33ã> 2J
\terlaine (onde?): “A profunda originalidade de Baudelaite consiste em ... representar
poderosamente e essencialmente o homem moderno... Refiro-me aqui apenas ao homem
finco moderno... o homem moderno, com seus sentidos aguçados e vibrantes, seu espírito
samente sutil, seu cérebro saturado de tabaco, seu sangue ardendo de álcool... Essa
idualidade de sensitivo, por assim dizer, Ch. Baudelaire ... a representa como tipo,
«mano Herói, se quiserem. Em lugar algum, nem mesmo em Heinrich Heine, você a
ntrará tão fortemente acentuada.” Cit. em Le Cinquantenaire de Charles Baudelaire,
fenii. 1917, p. 18. [j 33a, 3]
'Trincas lésbicos em Balzac {La Filie aux Yeux d’Or), Gautier {Mlle. de Maupirí), Delatouche
lettd).
II 33a, 4]
para
Maric Daubrun: “Chant dautomne”, “Sonnet d automne <OC 1, pp. 56 e 65>.
[ J 33a, 51
e Baudelaire nasceram no mesmo ano; Meryon morreu um ano após Baudelaire.
[ J 33a, 6]
■D:
r ■moita de 1842-1845, Baudelaire ficou fascinado por um retrato de mulher de El Greco
,, JLouvrc _ segundo Prarond. (Cit. em Crépet, Charles Baudelaire, Paris, 1906, p.70).^
de maio de 1846: “Les amours et la mort de Lucain” (Os amores e a morte de
L [J 33a, 81
> rinha vinte e dois anos e havia de imediato encontrado um emprego na prefeitura do
jtrmndissement, ‘no Registro de Óbitos’, repetia ele muitas vezes com complacência.
; ■ Passagens
Maurice Roilinai, Fin lO-mm, em Gusrave Geffroy, Mmric, Rollíml, 1846-1903, Paris,
1919, p- 5. li 33a, 9]
Barbey cl Aurevilly colocou
Dante”, op. cit., p. 8.
Rollinat entre Poe e Baudelaire; e diz: “um poeta da família de
[ J 33a, 10]
Composições de poemas baudelairianos por Rollinat.
| J 33a, 111
“La voix”: “no mais negro
p. 170 >
abismo, / Distintamente eu vejo mundos singulares.’ <OC I,
[ J 33a, 121
Segundo Charles Toubin, Baudelaire rinha dois domicílios em 1847: Rue dc Scme e ue
de B.bylone. Em dias de término de prazo de aluguel dorma frequentemente em cara
amigos em um terceiro domicílio. (Cit. em Crépet, CharUl Bavlelm Parrs, 1906, p. 48).
Entre 1842 e 1858, sem contar Honfleuc e outros alojamentos provisórios, Crcpet (p. 47)
enumera ca, orne endemços onde Baudelaire morou: Quarr.er du Temp le, Ile Samr-Lours,
Quarder Sainr-Germam, Quartier Montmarrre, Quarr.er de 1» Repuhhque... ;j j4>
-Você atravessa uma cidade grande envelhecida na civilização, uma dessas que contêm os
arquivos mais importantes da vida umversal, e seus olhos são atraídos para o alro, ,ur.m« ad
„1„. p orq „e nas praças públicas, nos ângulos dos cruramentos, personagens rmo.e.s,
que aqueles que passam ascu, pés, lhe contam, numa linguagem muda, as pomposas
"da glória, da guerra, da ciência e do marrírio. Uns mostram o ceu, a que
incessanremenre aspiram; ourros designam o solo de onde se elevaram. Hes a^rurn ou
contemplam o que foi a paixão de suas vidas e que se totnou seu emblema: uma fer ame ,
uma espada, um livro, uma tocha, vitdi lampadé. Seja você o mais negligente dos homens
Tml infeUz ou mais vil, mendigo ou banqueiro, o fantasma de pedra □ -ade durante
^ — , c lhe ordena, em nome £
toUI £ pp ^4-275^00 if S p. 670>. Baudelaire fala aqui da escultura como se ela só se
encontrasse L cidade grande" Trat,se dc uma esculrura que arravessa o cárneo do
transeunte. Nesta descrição há algo profético mesmo que a
participação naquilo que esta predição deveria cumprir. So na cidade existem <.> esculturas.
Baudelaire fala de sua predileção pela paisagem romanesca que parecia ser negligenciada. Sua
cÍcL revela que ele pensa em obras essencialmente barrocas. “Nossos paisanas sao antnuus
herbívoros demás. Não se alimentam de bom-grado de ruínas... lamento ... as abadias chanfkdas
que se miram em tépidos lagos, as pontes gigantescas, as construções —
vertigem, e, enfim, tudo o que seria preciso inventar, se tudo lsso nao exisusse! Ch. B„ CEuvres, ed.
Le Dantec, vol. II, p. 272 <OC II, p. 667> (“Salon de 1859 ). [J34 , 4]
J
(Baudelairel 335
“'À imaginação ... decompõe toda a criação e, com os materiais recolhidos, e dispostos
«saindo regras cuja origem não podemos encontrar senão no mais profundo da alma,
dia ciia um mundo novo, produz a sensação do novo.” Ch. B., CEuvres, p. 226 <OC II,
pu. 62I> (“Salon de 1859”).
Sioòre a incultura dos pintores, com referência especial a Troyon: “Ele pinta, pinta e trava
■sua -ima , e pinta ainda, até que se pareça, enfim, com o artista na moda... O imitador do
anuodor encontra seus imitadores, e cada um persegue assim seu sonho de grandeza,
■asseando cada vez mais sua alma, e, sobretudo, não lendo nada , nem mesmo o Parfait
Cmmmer que, entretanto, teria podido lhe abrir uma carreira menos lucrativa, porém mais
fciirea " Ch. B., CEuvres, vol. II, p. 219 <OC II, p. 613> (“Salon de 1859”).
[ J 34a, 21
'“O prazer de estar nas multidões é uma expressão misteriosa do prazer sensual da
ímdhiphcação do número... O numeroso está em tudo... A embriaguez é um número...
H., - ii?riaçuez religiosa das grandes cidades.” Ch. B., CEuvres, vol. II, pp. 626-627 <OC I,
m#. 649 e 65 1 > (“Fusées”). Desdinamização do ser humano.
““O desenho arabesco é o mais espiritualista dos desenhos.” Ch. B., CEuvres, vol. II, p. 629
«aOC L p. 652> (“Fusées”).
[J 341,41
“Quanto a mim, eu digo: a volúpia única e suprema do amor reside na certeza de fazer o
mm il E o homem e a mulher sabem, de nascença, que no mal se encontra toda volúpia.”
Ch- B., CEuvres, vol. II, p. 628 <OC I, p. 652> (“Fusées”).
[ J 34a, 5]
""'ikinfcaBE ironiza aquela alma imortal que residiu, durante nove meses, entre excrementos
::: 'inm iras .. Pelo menos, teria podido adivinhar em tal situação uma malícia ou uma sátira da
, lioicia contra o amor, e, na forma de gerar, um signo do pecado original. Na verdade,
miãuj podemos fazer amor senão com órgãos excrementícios.” Ch. Baudelaire, CEuvres,
'WffliL II. p. 651 <OC I, pp. 687-688> (“Mon coeur mis à nu”). A comparar com a defesa
iiifc Ladv Chatterley por Lawrence.
[J34a, 6]
ülimiiooSs em Baudelaire, de uma racionalização errônea da atração que a prostituição exerceu
■mtcmz de: "O amor pode derivar de um sentimento generoso: o gosto da prostituição; mas
lltiiçr de é corrompido pelo gosto da propriedade.” (“Fusées”) “Gosto inerradicável da
ipmsstir—ção no coração do homem, de onde nasce seu horror da solidão... O homem de
aáBiiio quer ser um, logo, solitário. A glória é permanecer um, e se prostituir de uma maneira
l. mimnniLr ~ V 0 1. II, pp. 626 e 661 <OC I, pp. 649 e 700> (“Mon coeur mis à nu”).
[ J 34a, 7]
Im 1535 surge Le Diable Amoureux, de Cazottc, com um prefácio de Gérard de Nerval.
"“ Mr ' caro Belzebu, eu te adoro” é uma citação explícita de Cazotte por Baudelaire.
mases de Baudelaire produzem um som demoníaco muito diferente do diabolismo
336 • Passagens
de Luís Filipe.” Claudius Grillet, Le Diable dans la Littérature du XIX e Siècle, Lyon- Paris,
1935, pp. 95-96.
[ J 35, 1]
Carta à mãe de 26 de dezembro de 1853: “Aliás, esrou tão acostumado aos sofrimentos
físicos, sei tão bem ajustar duas camisas sob uma calça e um casaco rasgado que o vento
atravessa; sei tão habilmente adaptar solas de palha ou mesmo de papel em sapatos furados,
que quase não sinto senão dores morais. Entretanto, é preciso confessar, cheguei a ponto de
não ousar fazer movimentos bruscos nem mesmo caminhar demais, com medo dc me
dilacerar ainda mais.” Charles Baudelaire, Demières Lettres Inédites à sa Mère, prefácio e
notas de Jacques Crépet, Paris, 1926, pp. 44-45.
[ J 35, 2]
Os Goncourt relatam - em seu diário de 6 de junho de 1883 - a visita de um jovem pelo
qual tomam conhecimento de que, no colégio, os letrados dividiram-se nessa época em
dois campos. Os futuros estudantes da École Normale Supérieurc teriam como modelos
About e Sarcey, os modelos dos outros seriam Edmond de Goncourt e Baudelaire. Journal
des Goncourts, vol. VI, Paris, 1892, p. 264.
1 J 35, 3]
Em 4 de março de 1860, à sua mãe, sobre as águas-fortes de Meryon: “A figura horrível e
colossal que serve de frontispício é uma das figuras que decoram o exterior de Notre-Dame.
Ao fundo está Paris, vista do alto. Com mil diabos, como este homem consegue desenhar
tranquilamente sobre um abismo, não sei explicar.” Ch. B., Demières Lettres à sa Mère ,
prefácio e notas de Jacques Crépet, Paris, 1926, pp. 132-133.
[J 35,4]
Nas Demières Lettres (p. 145) para Jeanne, esta formulação: “esta velha beleza transformada
em enferma” — ele deseja deixar-lhe uma pensão após sua morte.
[J35.5]
Para a confrontação entre Baudelaire e Hugo é decisiva uma passagem da carta que o último
dirigiu a Villemain em 1 7 de novembro dc 1 859: “Passo algumas vezes noites inteiras pensando
no meu destino, diante do abismo ... e não consigo senão exclamar: astros! astros! astros!” Cit.
em Claudius Grillet, Victor Hugo Spirite, Lyon-Paris, 1929, p. 100.
IJ35.6]
As multidões em Hugo: “O profeta busca a solidão... Vai ao deserto pensar, em quem? Nas
multidões.” Hugo, William Shakespeare, 2 a parte, livro VI.
[J35.7]
Alegoria nos protocolos espíritas de Jersey: “Mesmo puras abstrações ffeqüentavam Marine-
Terrace: a Idéia, a Morte, o Drama, o Romance, a Poesia, a Crítica, a Zombaria. Elas se
apresentavam, de preferência, durante o dia, enquanto os mortos vinham à noite.” Claudius
Grillet, Victor Hugo Spirite, Lyon-Paris, 1929, p. 27.
[ J 35a, 1]
As multidões em Hugo figuram como o fundo da sombra em Les Châtiments (“La Caravane”,
IV), CEuvres Completes-. Poésie, IV, Paris, 1882, p. 397:
J
[Baudelaire] 337
“No dia em que nossos ladrões, em que nossos tiranos sem número
Compreenderem que alguém se move no fundo da sombra.
[ J 35a, 2]
Sobre as Fleurs du Mal. “Em lugar algum faz-se alusão direta ao haxixe ou às visões do ópio.
Quanto a isso, é preciso admirar o gosto supremo do poeta, unicamente preocupado com
a construção filosófica de seu poema.” Georges Rodenbach, UÉlite , Paris, 1899, pp. 18-19.
[ J 35a, 3]
Rodenbach (p. 19) enfatiza, como Béguin, a experiênáa das correspondances em Baudelaire.
[J35*,4]
Baudelaire para dlAurevilly: “Você deve comungar com o punho sobre os quadris?” Georges
Rodenbach, UÉlite, Paris, 1899, p. 6.
1 J 35a, 51
Três gerações movimentam-se (segundo Georges Rodenbach, LElite , Paris, 1899, pp. 6-7)
ou torno da “esplêndida restauração de Notre-Dame”. A primeira, que forma um círculo,
por assim dizer exterior, é representada por Victor Hugo; a segunda forma o círculo interior
<h devoção: representam-na dAurevilly, Baudelaire, Hello; a terceira é formada pelo grupo
dos satanistas: Huysmans, Guaita, Péladan.
[ J 35a, 6]
“Por mais bela que seja uma casa, ela tem, antes de tudo — antes que sua beleza se exiba —
ontos metros de altura por tantos de largura. - Assim também a literatura, que é a matéria
■tais incomensurável, é, antes de tudo, preenchimento de colunas; e o arquiteto literário,
cujo mero nome não é nenhuma garantia de benefícios, deve vender a qualquer preço.”
(li. B., CEuvres, vol. II, p. 385 <OC II, pp. 14-15> (“Conseils aux jeunes littérateurs”).
[ J 35a, 7]
Nota dos “Fusées”: “O retrato de Serenus, por Sêneca; o retrato de Stagirus, por São João
Cnsóstomo. A acedia, doença dos monges. O Taedium vitae Charles Baudelaire, CEuvres,
D, p. 632 <OC I, p. 656>.
[J 35a, 81
Gsaries-Henry Hirsch considera Baudelaire, em comparação a Hugo, “muito mais capaz
de se adaptar aos temperamentos mais diversos, graças à sua inteligência precisa das idéias,
Jawt sensações e das palavras... O ensinamento de Baudelaire persiste pelo ... poder da
far m a estrita que o impõe às meditações.” Cit. em Le Cinquantenaire de Charles Baudelaire,
hns. 1917, p. 41.
U 36. 1]
I ferihr relata, em Souvenirs, que o diretor de um escritório de compilação de recortes da
ÜBjwcnsa lhe disse, por volta de 1911, que o nome de Baudelaire encontrava-se nos jornais
mnniE-i a mesma freqüência que o de Hugo, Musset, Napoleão. (Cf. Le Cinquantenaire de
Ikds Baudelaire, Paris, 1917, p. 43).
1 J 36, 21
Ofc rim artigo no Salut Public, atribuído por Crépet a Baudelaire: “Que os cidadãos não
SDcditem ... nos senhores Barthélemy, Jean Journet e outros que cantam a República
33 » ■ Passagens
em versos execráveis. O imperador Nero tinha o hábito louvável de reunir num circo os
maus poetas e fazê-los chicotear cruelmente.” Cit. em Crépet, Charles Baudelaire, Paris,
1906. p. 81.
Passagem de um artigo no Salut Public , atribuído por Crepet a Baudelaire: As inteligências
evoluíram. Nada de tragédias, nada de história romana. Náo somos maiores hoje que
Brutus?...” Cit. em Crépet, p. 81. n
Crépet cita (p. 82) as Notes de M. Champfleury: “De Flotte pode ser colocado, com Wronski,
Blanqui, Swedenborg e outros, no Panteão, um pouco bizarro, que erguia Baudelaire,
seguindo suas leituras, os acontecimentos do dia e a notoriedade conquistada repentinamente
por certas figuras.”
“A obra de Edgar Poe, com exceção de alguns belos poemas, é o corpo de uma arte que
Baudelaire dotou de uma alma.” André Suarès, Sur la Vie, vol. II, Paris, 1925, p. 99 ( Idées
sur Edgar Poe”). [J36>6]
A teoria da imaginação e, igualmente, a doutrina do poema curto e da novela, em Baudelaire,
são influenciadas por Poe. A teoria da arte pela arte aparece, em sua formulação, como plágio.
[J36.7]
Em seu discurso comemorativo, Banville refere-se à técnica clássica de Baudelaire.
LI 36, 81
“Comment on paie ses dettes quand on a du génie” foi publicado em 1846. Sob a referencia
“o segundo amigo”, o texto contém o seguinte retrato de Gautier: “O segundo amigo era,
e é ajnda, gordo, preguiçoso e linfático; além do mais, não tem idéias, e só sabe enfileirar
palavras, como pérolas, à maneira de colares da tribo dos Osage. Ch. B., CEuvres, vol. II,
p. 393 <OC II, p. 8>.
^ V [ J 36a. 1]
Hugo: “E eu, eu sinto o abismo estrelado na minha alma.” “Ave, dea; moriturus te salutar. A
Tudith Gautier.” Victor Hugo, CEuvres Choisies: Poésies et Drames en Vers, Paris, 1912, p. 404.
[ J 36a, 2]
Camille Lemonnier, em sua célebre descrição da conferência de Baudelaire sobre Gautier,
em Bruxelas, apresenta de maneira fascinante a perplexidade que percorreu o público,
provocada pela glorificação desmedida de Gautier pelo orador. O publico ficara na expectativa
de que Baudelaire iria revelar, com uma única observação sarcástica, que tudo o que acabara
de dizer não era mais do que um faz-de-conta, para então se voltar para uma outra concepção
de poesia. E esta expectativa paralisava os ouvintes. ^ ^
Baudelaire - o poeta preferido de Camille Pelletan. Segundo Robert de Bonnières, Mémoires
d’Aujourdkui, vol. III, Paris, 1888, p. 239.
[ J 36a, 4]
J
[Baudelaire] 339
Boberr de Bonnières, Mémoires d’Aujourd’hui, vol. III, Paris, 1888, publica, nas páginas 287-
288 , uma carta irritada, dirigida em 19 de janeiro de 1864 pelo diretor da Revue Libérale a
Tãine, na qual se queixa da intransigência de Baudelaire com relação a ele, durante negociações
sobre cortes no texto “Les vocations” (Le Spleen de Paris ) <OC I, pp. 332-335>.
[ J 36a, 5]
Uma passagem em Rodenbach que dá a conhecer algo de típico para a descrição da cidade
— a metáfora forçada:
“Nestas cidades que um coro de galos-de-ventos entristece,
Pássaros de ferro sonhando (! ) em fugir para o alto dos ares.”
Cit. em G. Tourquet-Milnes, The Influence of Baudelaire in France and England, Londres,
1913, p. 191. Modernidade parisiense!
[ J 36a, 6]
Já no “Salon de 1846” pode-se ver a precisão do conceito baudelaireano de política artística
naquela época: os capítulos XII (“De 1’eclectisme et du doute”) e XIV (“De quelques douteurs”)
tornam evidente que Baudelaire muito cedo tomou consciência da necessidade de ligar a
produção artística a certos pontos fixos. No capítulo XVTT (“Des écoles et des ouvriers”),
Baudelaire fala da atomização como sintoma de fraqueza; ele elogia as escolas: “Lá, escolas, e
aqui, operários emancipados... — uma escola, isto é ... a impossibilidade da dúvida.” Ch. B.,
CEuvres, vol. II, p. 131 <OC II, pp. 472-474, 477-579 e 49 1>. Cf. le poncif\
[ J 36a, 7]
Sobre uma folha com uma figura feminina e duas cabeças masculinas, estas palavras cm
uma escrita antiga: “Retrato de Blanqui (Auguste) muitíssimo parecido, feito de memória
por Baudelaire em 1850, talvez 1849?” Reprodução em Féli Gauticr, Charles Baudelaire,
Bruxelas, 1904, p. LII.
I J 37, 1]
“Ele quebrava a cabeça para produzir espanto.” Esta frase de Leconte de Lisle encontra-se
no texto de Jules Claretie, que — sem título — está inserido no Tombeau e reproduz passagens
do necrológio de Claretie. Le Tombeau de Charles Baudelaire, Paris, 1896, p. 91. Efeito das
conclusões dos poemas!
[J37.2]
“Ó poeta, que revirou a obra de Dante
E pôs Satã no alto e desceu até Deus.”
Versos finais de “À Charles Baudelaire”, de Verhaeren. Le Tombeau de Charles Baudelaire,
Paris, 1896, p. 84.
[ J 37, 31
Em Le Tombeau de Charles Baudelaire, Paris, 1896, encontra-se um texto de Alexandre
Ourousofi “A arquitetura secreta das Fleurs du Mal” . Trata-se de uma tentativa, reiterada desde
então, de estabelecer ciclos distintos. Ela consiste, essencialmente, na seleção separada dos poemas
inspirados por Jeanne Duval. Refere-se ao artigo publicado por dAurevilly em 24 de julho de
1857, no Pays, no qual pela primeira vez se afirma que haveria, no livro, uma arquitetura secreta.
IJ37.4]
340 " Passagens
“Os ecos do inconsciente são nele tão fortes — a criação literária é para ele tão próxima do
esforço físico, as nervuras das paixões são tao fortes, tão longas, lentas e dolorosas — que todo
o seu ser psíquico vive com seu ser físico. Ch. Baudelaire, Mon Cceur Mis à Nu e Fusées,
prefácio de Gustave Kahn, Paris, 1909, p. 5. ^ ^ __
“Se Poe tivesse tido sobre ele uma real influência, encontraríamos traços dela na maneira de
Baudelaire imaginar ... ações. Ora, ele se afasta dessas fantasias à medida que penetra na
obra do contista americano... Os planos, os títulos de romances ... estão todos relacionados
com ... crises psíquicas. Nenhum deles supõe a aventura.” Ch. Baudelaire, Mon Cceur Mis
à Nu e Fusées, prefácio de Gustave Kahn, Paris, 1909, pp. 12-13-
Kahn reconhece em Baudelaire a “recusa da ocasião, oferecida pela natureza do pretexto
lírico ” Ch. B., Mon Cceur Mis à Nu e Fusées, prefácio de Gustave Kahn, Paris, 1901, p. 15-
rj37, 71
A respeito do volume das Fleurs du Mal ilustrado por Rodin para Paul Gallimard, escreve
Mauclair: “Sentimos que Rodin manuseou o livro, retomou-o e deixou-o cem vezes, eu-o
andando, abriu-o novamente, de súbito, sob a lâmpada, nas noites de fauga, obcecado por
uma estrofe, e usando a pena. Adivinhamos onde ele parou, qual a página que amassou (.),
sem poupar o volume. Não se trata de um belo exemplar que lhe foi confiado e quetemia
estragar Trata-se então de ‘seu Baudelaire de bolso, eis o que dizia a si mesmo. Charles
Baudelaire, Vingt-sept Poètrns des Fleurs du Mal lüustréspar Rodin, Paris, 1918, p. 7 (prefacio
de Camille Mauclair). [ j 37a> q
O penúltimo parágrafo de “Chacun sa chimère”, na segunda metade, lembra muito Blanqui:
“E o cortejo passou ao meu lado e mergulhou na atmosfera do horizonte, no lugar em que
a superfície arredondada do planeta se esquiva da curiosidade do olhar humano. Ch. B.,
CEuvres, vol. I, p. 412 <OC I, p. 283>. [ j 3 7a , 2 ]
Sobre o pintor Jules Noêl: “Ele é provavelmente daqueles que se impõem um progresso
diário.” “Salon de 1846”, CEuvres, vol. II, p. 126 <OC II, p. 485>. [J37a>3]
No comentário das Fleurs du Mal, que Sainte-Beuve apresenta a Baudelaire em sua carta de
20 de [??] de 1857, ele encontra esta formulação relativa ao estilo da obra: Um talento
curioso e um abandono quase precioso na forma de expressão.” logo em seguida: “polindo o
detalhe, petrarquizando sobre o horrível”. Cit. em Étienne Charavay, A. de Vigny et Charles
Baudelaire Candidats à lAcadémie Française, Paris, 1879, p. 134. [137aj4]
“Parece-me que, em muitas coisas, você mesmo não se leva a sério.” Vigny, em 27 de
janeiro de 1862, a Baudelaire, a respeito da candidatura deste para a Academia. Cit. em
Etienne Charavay, A. De Vigny et Charles Baudelaire Candidats à lAcadémie Française, I aris,
1879, pp. 100-101. [J37j>5]
J
[Baudelaire] 341
Jules Mouquet examina na <introdução da> edição <por ele orgamzada>, Charles Baudelaire,
Vers Retrouvés (Paris, Manoel, 1929, <pp. 7-50>), as relações existentes entre Baudelaire e
os versos publicados em Vers por G. Le Vavasseur, E. Prarond e A. Argonne (Paris, 1843).
Constata-se uma série de correspondências. À exceção das contribuições propriamente
ditas de Baudelaire, são importantes as correspondências que se encontram na segunda
parte, assinada por Prarond: principalmente entre “Le rêve d’un curieux” <OC I, p. 128>
e “O sonho”, de Argonne (pseudônimo de Auguste Dozon) < Vers, pp. 16-1 7>-
[J 37a, 61
Dos 23 poemas das Fleurs du Mal, já prontos no verão de 1 843, fazem parte: “Allégorie” -
“Je n’ai pas oublié” - “La scrvante au grand cceur” - “Le crépuscule du matin” <OC I,
pp. 116, 99, 100, 103>.
[J38, 1]
“Baudelaire tem pudor de revelar seus versos ao público; ele os publica sucessivamente
com o nome de Prarond, de Privat dAnglemont, de Pierre de Fayis. ‘Ia Fanfarlo’, de I o de
janeiro de 1847, está assinado Charles Dufays.” Charles Baudelaire, Vers Retrouvés, ed. org.
por Jules Mouquct, Paris, 1929, p. 47.
1 J 38, 2)
Mouquet atribui a Baudelaire o seguinte soneto que se encontra na série de Prarond:
“De uma jovem sem nome ele nasceu em Bourbe.
Criança, ele gaguejava frases de gíria;
Sujava, aos dez anos, as águas de chuva do povo;
Homem, vendia sua irmã e fazia todos os serviços.
De um arco cansado seu dorso descreve a curva;
Do vício barato, percorre todas as trilhas;
O orgulho no seu olhar se mistura à hipocrisia;
Ele serve, quando é preciso, dc cão aos amotinadores.
Um fio embebido em resina amarra seu sapato;
Em sua cama sem lençol, uma suja femea
Ri do marido enganado por esta vergonhosa Paris.
Orador plebeu de botequim,
Na loja da esquina cie fala de política:
Eis o que se chama um filho de Paris."
ies Baudelaire, Vers Retrouvés, ed. org. por Jules Mouquet, Paris, 1929, p. 103-104.
[ J 38, 3]
liffliccnc quer provar “que a musicalidade do poema não se apresenta como uma qualidade
ifeaíca ... particular, e sim que ela nada mais é do que o verdadeiro éthos do poeta...
341 ■ ? *s»oe r,s
A musicalidade é a forma que a arte pela arte assume na poesia.” Cajetan Freund, Der Vers
Baudekim , Munique, 1927, p. 46.
Sobre os poemas publicados sob o título “Les limbes”, no Messager de 1’AssembUe, dc 9 de
abril de 1851: “Num pequeno livro intitulado La Presse de 1848, lê-se o seguinte: Hoje,
vemos anunciado no Écho des Marchands de Vin uma coletânea de poemas, intitulada ‘Les
limbes’. São, sem dúvida, versos socialistas e, conseqüentemente, maus versos. Mais um
discípulo de Proudhon por excesso ou falta de ignorância.” A. de la Finelière e Georges
Descaux, Charles Baudekire (Essais de bibliographie contemporaine, vol. I), Paris, 1868,
p- 12- _ [ J 38, 5]
A modernidade - anticlássica e clássica. Anticlássica: como antítese ao Classicismo. Clássica:
como feito heróico do tempo que imprime sua marca em sua expressão. 3ga ^
Provavelmente existe uma correlação entre a acolhida desfavorável de Baudelaire na Bélgica
- sua reputação de ser um espião da polícia - e a carta ao Figaro sobre o banquete de Victor
^ U §°' ( J 38a, 2]
Chamar a atenção sobre o rigor e a elegância do titulo Curiosités Esthétiques.
L j joa, o\
O ensinamento de Fourier: “Embora haja na natureza plantas mais ou menos santas, ...
animais mais ou menos sagrados, e que seja legitimo concluir ... que algumas nações ...
tenham sido preparadas ... pela Providência para um fim determinado..., não quero aqui
outra coisa senão afirmar sua igual utilidade aos olhos DAQUELE que é indefinível.
Ch. B., CEuvres, vol. II, p. 143 <OC II, p.'575> (“Exposition universelle de 1855”).
1 [ J 38a, 4J
“Um desses modernos professores juramentados de estética - como os chamava Heinrich
Heine”- “ciência ... cujos dedos crispados, paralisados pela pena, não podem correr com
agilidade sobre o imenso teclado das correspondances !” Ch. B., CEuvres, vol. II, p. 145
<OC II, p. 577> (“Exposition universelle de 1855”). [J38a>5]
“Há nas produções múltiplas da arte alguma coisa de sempre novo que escapará eternamente
à regra e às análises de escola!” Ch. B., CEuvres, vol. II, p. 146 <OC II, p. 578> (“Exposition
universelle de 1855”)- Analogia com a moda. 3ga 6 j
À idéia do progresso na história da arte Baudelaire opõe uma concepção monadológica.
“Transportada para a ordem da imaginação, a idéia de progresso ... ergue-se com uma
absurdidade gigantesca... Na ordem poética e artística, todo inovador tem raramente um
precursor. Toda floração é espontânea, individual. Seria Signorelli mesmo o gerador de
Michelângelo? Será que Perugino continha Rafael? O artista não depende senão de si
24 Título do vol. II das CEuvres Completes de Baudelaire, publicado em 1868 por Asselineau e Banville e
reunindo boa parte de sua crítica de arte. (E/M)
J
(Baudelaire] 343
mesmo. Ele não promete aos séculos vindouros senão suas próprias obras. Ch. B., CEuvres,
vol. II, p. 149 <OC II, p. 58 1 > (“Exposition universelle de 1855”).
[J38a.7]
Sobre a crítica do conceito de progresso em geral: “Os discípulos dos filósofos do vapor e
dos fósforos químicos o compreendem assim: o progresso não lhes aparece senão na forma
de uma série indefinida. Onde está essa garantia?” Ch. B., CEuvres, vol. II, p. 149 <OC II,
p. 58 1 > (“Exposition universelle de 1855”)-
[ J 38a, 8‘
“Conta-se que Balzac ... encontrando-se um dia diante de um ... quadro de inverno, bastante
melancólico e carregado de bruma, semeado de cabanas e de camponeses miseráveis —
depois de haver contemplado uma casinha de onde subia uma pequena fumaça, exclamou:
‘Como é belo! Mas o que fazem eles nesta cabana? Em que pensam, quais são sua aflições?
As colheitas foram boas? Eles têm certamente dívidas a pagar C Ria quem quiser do Sr. Balzac.
Desconheço o pintor que teve a honra de fazer vibrar, conjeturar e inquietar a alma do
grande romancista, mas penso que ele nos deu assim ... uma excelente lição de crítica.
Vocês me verão muitas vezes apreciar um quadro unicamente pela soma de idéias ou de
devaneios que ele oferece ao meu espírito.” Ch. B CEuvres, vol. II, p. 147 <OC II, p. 579>
(“Exposition universelle de 1855”).
r [J39, i]
Conclusão do “Salon de 1845”: “O pintor, o verdadeiro pintor, será aquele que saberá tirar
da vida atual seu lado épico, e nos fazer ver e compreender, através da cor ou do desenho,
o quanto somos grandes e poéticos com nossas gravatas e nossas botas envernizadas. —
Possam os verdadeiros pesquisadores nos dar, no próximo ano, esta alegria singular de
celebrar a chegada do novo'? Ch. B., CEuvres, vol. 11, pp. 54-55 <OC II, p. 407>.
[J39.2]
“Quanto ao vestuário, a pele do herói moderno — ... não tem ela sua beleza, seu encanto
natural...? Não é ela a vestimenta necessária de nossa época, sofredora e carregando até em
seus ombros negros e magros o símbolo de um luto perpémo? Vede bem que a roupa negra
e a sobrecasaca têm não apenas sua beleza política, que é a expressão da igualdade universal,
mas também sua beleza poética, que é a expressão da alma pública; - um imenso desfile de
papa-defuntos, papa-defuntos políticos, papa-defuntos enamorados, papa-defuntos
burgueses. Todos nós celebramos algum enterro. / Uma libré uniforme de desolação
testemunha a igualdade... Essas pregas excessivas, que parecem serpentes envolvendo uma
carne mortificada, não terão elas uma graça misteriosa? / ... Pois os heróis da Ilíada não
chegam a vossos pés, ó Vautrin, ó Rastignac, ó Birotteau, - e nem a vós, ó Fontanarès, que
não ousastes contar ao público vossas dores sob o fraque fúnebre e convulsionado que todos
nós vestimos; - e nem a vós, ó Honoré de Balzac, vós, o mais heróico, o mais singular, o
mais romântico c o mais poético entre todos os personagens que tirastes de vosso peito!
Ch. B., CEuvres, vol. II, pp. 134-136 <OC II, pp. 494 e 496> ( Salon de 1846 — De
1’héroísme de la vie moderne”). A última frase é a que conclui o capítulo.
[J39.31
“Quando ouço levarem até as nuvens homens como Rafael e Veronese, com uma intenção
visível de diminuir o mérito que se produziu depois deles..., eu me pergunto se um mérito,
344 ■ Passagens
que é pelo menos igual ao deles (admitamos, por um instante, por pura complacência, que
lhe seja inferior), nao é infmitamente mais meritório , uma vez que se desenvolveu
vitoriosamente numa atmosfera e num terreno hostis?” Ch. B., CEuvres , vol. II, p. 239
<OC II, pp. 633-634> (“Salon de 1859”). Lukács diz que, para fabricar uma mesa decente
hoje em dia, um homem precisa do mesmo gênio que bastou a Michelângelo para arquear
a cúpula da igreja de São Pedro.
[ J 39a, 1]
A posição de Baudelaire em relação ao progresso nem sempre foi a mesma. Formulações do
“Salon de 1846” distinguem-se claramente de posteriores. Lê-se lá entre outras: “Há tantas
belezas quanto há maneiras de procurar a felicidade. A filosofia do progresso explica isso
claramente... O romantismo não consistirá numa execução perfeita, mas numa concepção
análoga à moral do século.” (p. 66) No mesmo texto: “Delacroix é a última expressão do
progresso na arte.” (p. 85) Ch. B., CEuvres , vol. II <OC II, pp. 420-421 e 44l>.
[ J 39a, 2]
O significado que a teoria tem para a criação do artista não estava claro para Baudelaire
desde o início. No “Salon de 1845”, afirma o seguinte em relação a um pintor, Haussoullier:
“Seria ele daqueles homens que conhecem demais sua arte? Este é um flagelo bem perigoso.”
Ch. B., CEuvres, vol. II, p. 23 <OC II, p. 360>
[ J 39a, 3J
A crítica da idéia de progresso, que possivelmente se fará necessária no contexto de uma
apresentação de Baudelaire, deve ser diferenciada, com o máximo cuidado, de sua própria
crítica da idéia de progresso. Algo análogo vale de maneira ainda mais imprescindível para a
crítica do século XIX por parte de Baudelaire e para aquela contida em sua biografia. Uma
característica do retrato deformado, marcado pela mais completa ignorância, que Peter Klassen
traça de Baudelaire, é o fato de o poeta aparecer aí diante do pano de fundo de um século
pintado com as cores das profundezas do inferno. A única coisa digna de ser louvada nesse
século, na opinião do autor, é um rito clerical, o momento “em que, para manifestar o
restabelecimento do reino da graça de Deus, o Santo Sacramento era carregado pelas ruas de
Paris cercado de armas brancas. Esta deve ter sido uma experiência decisiva, pois essencial, de
toda sua existência.” Assim inicia-se esta apresentação do poeta, escrita com as categorias
depravadas do círculo de George. Peter Klassen, Baudelaire, Weimar, 1931, p. 9. 25
[ J 39a, 4]
Provocação em Baudelaire: “Bela conspiração a se organizar para o extermínio da Raça
Judia. / Os Judeus, Bibliotecários e testemunhos da Redenção.” Ch. B., CEuvres , vol. II, p.
666 <OC I, p. 706> (“Mon coeur mis à nu”). Céline deu prosseguimento a esta linha.
(Assassinos jocosos!).
[ J 40, 1]
“A acrescentar às metáforas militares: os poetas combatentes, os literatos de vanguarda.
Esses hábitos de metáforas militares denotam espíritos não militantes, mas feitos para a
disciplina, isto é, para o conformismo, espíritos congenitamente domésticos, espíritos belgas,
que só podem pensar em sociedade.” Ch. B., CEuvres, vol. II, p. 654 <OC I, p. 69 1>
(“Mon coeur mis à nu”).
[ J 40, 2]
25
Cf. a resenha de Benjamin sobre o livro de Klassen, GS III, 303-304. (J.L.)
J
[Baudelaire] 345
“Se um poeta pedisse ao Estado o direito de ter alguns burgueses na sua estrebaria, isto iria
rançar grande espanto, ao passo que, se um burguês pedisse um poeta assado, seria muito
natural.” Ch. B., CEuvres, vol. II, p. 635 <OC I, p. 660> (“Fusées”).
:J40,3]
“Este livro não é feito para minhas mulheres, minhas filhas e minhas irmãs. - Tenho pouco
dessas coisas.” Ch. B., CEuvres , vol. II, p. 635 <OC I, p. 660> (“Fusées ).
[ J 40, 4]
Baudelaire desambientado no século: “Diga-me em que salão, em que cabaré, em que
■cunião mundana ou íntima você ouviu uma palavra espiritual pronunciada pela criança
mimada' [cf. p. 217 “O artista de hoje ... é... uma simples criança mimada"} “uma palavra
profunda..., que faça pensar ou sonhar...! Se tal palavra foi lançada, provavelmenre não foi
nem por um político nem por um filósofo, mas antes por algum homem de profissão
bizarra, um caçador, um marinheiro, um empalhador; por um artista... jamais! Ch. B.,
CEuvres, vol. II, p. 217 <OC II, p. 61 1> (“Salon de 1859”). Trata-se de uma espécie de
evocação dos admiráveis viajantes.
Zombaria em Baudelaire: “No sentido mais generico, francês quer dizer vaudevilista...
Tudo o que é abismo, seja no alto, seja em baixo, o faz fugir prudentemente. O sublime
sempre lhe causa o efeito de um motim, e ele não aborda nem mesmo seu Molière senão
tremendo e porque lhe persuadiram que era um autor alegre.” Ch. B., CEuvres , vol. II,
p. 111 <OC II, p. 469> (“Salon de 1846 - Dc M. Horace Vernet”).
r r T 40. 61
Baudelaire conhece no “Salon de 1846 ; A lei fatal do trabalho atraente. Ch. B., CEuvres,
toI. II, p. 1 14 <OC II, p. 472>. t ] 4Qj 7]
Sobre o título “Les limbes”, cf. no “Salon de 1846”, em relação a Mulheres de Argel, de
Delacroix: “Este pequeno poema de intérieur ... exala não sei que alto perfume de lugar
mal-aíamado que nos leva de imediato aos limbos insondáveis 2< * da tristeza. Ch. B., CEuvres,
toL II, p. 85 <OC II, p. 440>.
A propósito de um quadro de Dccamps representando Sansao, no
.amvrion primo de Hércules e do barão de Munchhausen. Ch. B.,
<OC II, p. 361>.
Salon de 1 845”: “Este
CEuvres, vol. II, p. 24
[J 40a, 1J
Miram a França, contrariando a sua essência, tornou-se - como demonstrou Baudelaire -
joctadora da desespiritualização, da animalização’ do povo e de seu Estado. Peter Klassen,
Meudelaire, Weimar, 1931, p. 33.
1 I 40o 7
7'èrso final de La Legende des Siècles, parte III, seção 38 ( Um homem de olhos profundos
jBBsssva"): “Ó sábio apenas das coisas do abismo!” Victor Hugo, CEuvres Completes: Poésie ,
wL IX, Paris, 1883, p. 229.
26 Grifo de Benjamin. (R.T.)
“A rocha de perfil pensativo”. Victor Hugo, CEuvres Complètes: Poésie, vol. IX, Paris, 1883,
p. 191 (Le Groupe des Idylles, XII, “Dante ). [j 4 o a 4 ]
“A sombria esfinge Natureza, agachada no cimo,
Sonha, petrificando com seu olhar de abismo
O mago de impulsos inauditos,
Todo o grupo pensativo dos pálidos Zoroastros,
Os vigias, os esprcitadores dos sóis e os espiões dos astros,
Os assustados, os fascinados.
A noite em torno da esfinge dá voltas tumultuadas. —
Se se pudesse levantar sua pata monstruosa,
Que contemplaram sucessivamente
Newton, o espírito de ontem, e o antigo Mercúrio,
Sob a palma sinistra e sob a garra obscura
Encontrar-se-ia esta palavra: Amor.”
“O homem se engana! Percebe que para ele tudo é sombrio.” Victor Hugo, La Légende
des Siècles, parte III (“Téncbres ), in: CEuvres Completes: Poésie, vol. IX, Paris, 1883,
pp. 164-165. Final do poema.
Final de “La nuit! La nuit! La ntiit!” (A noite! A noite! A noite!)
“Ó sepulcros! Ouço o órgão assustador da sombra,
Formado por todos os gritos da natureza sombria
E do barulho de todos os recifes;
A morte está no teclado que freme nos galhos,
E as teclas, ora negras e ora brancas,
São suas lápides e suas urnas.”
Victor Hugo, La Légende des Siècles , parte III (“Ténèbres”), in: CEuvres Complètes:
Poésie, vol. IX, Paris, 1883, p. 161.
Em La Légende des Siècles, parte III, poemas como “Les chutes: fleuves et poètes” (As cataratas:
rios e poetas) e “Désintéressement” (Desinteresse) 27 - um deles dedicado às cataratas do
Reno, o outro, ao Montblanc - dão uma idéia especialmente convincente da visão da
natureza no século XIX. Nestes poemas, entrecruzam-se de maneira característica a visão
alegórica e o espírito da vinheta.
Extraído de Théodore de Banville, Mes Souvenirs, Paris, 1882, capitulo VII ( Charles
Baudelaire”). O primeiro encontro: “A noite chegou, clara, suave, encantadora; nós havíamos
27 Victor Hugo, CEuvres Complètes: Poésie, vol. IX, Paris, 1883, pp. 49-50 e 261-262. (R.T.)
J
[Baudelaire] 347
saído do Luxembourg, caminhávamos nos boulevards externos e nas mas, das quais o poeta
das Fleurs du Mal sempre estimou com curiosidade o movimento e o misterioso tumulto.
Privat dlAnglemont caminhava em silêncio, um pouco afastado de nós” (p. 77).
Extraído de Théodore de Banville, Mes Souvenirs, Paris, 1882: Eu não sei mais em qual
paic da África, hospedado com uma família a quem seus pais o tinham recomendado, ele
wã r> demorou a se entediar com o espírito banal de seus anfitriões, e foi viver sozinho numa
montanha com uma jovem e alta moça de cor, que não sabia francês e que lhe cozinhava
guisados estranhamente apimentados, num grande caldeirão de cobre polido, em torno do
qual gritavam e dançavam negrinhos nus. Oh! Esses guisados, como falava bem deles e
como todos nós os teríamos comido de bom grado!” (p. 79).
“Em sua casa, pois, no hotel Pimodan, quando ali fui pela primeira vez, não havia dicionários,
min gabinete de trabalho, nem mesa com o necessário para escrever, tampouco aparadores e
sala-de-jantar, nada que lembrasse a decoração dos apartamentos burgueses. 1 héodore de
Banville, Mes Souvenirs, Paris, 1882, pp. 81-82.
Joseph de Maistre “respondia às pretensões e às insolências da metafísica com a historia .
J. Barbey d'Aurevilly, Joseph de Maistre - Blanc de Saint-Bonnet - Lacordaire - Gratry -
Caro, Paris, 1910, p. 9.
t J 41, 4]
“Alguns, como Baudelaire ... identificaram o demônio, depois, titubeando se recolocaram
mo eixo e de novo honraram a Deus. Seria injusto, entretanto, exigir desses precursores um
abandono tão completo das faculdades humanas que aquele necessário, por exemplo, nesta
espécie de aurora misteriosa, onde parece que hoje começamos a viver. Stanislas Fumet,
Notre Baudelaire ( Le Roseau d’Or, vol. VIII), Paris, 1926, p. III.
t J 41, 5]
“Este grande sucesso poético representa, pois, se aproximamos desses 1500 exemplares a
tiragem de 1000, aumentados com as folhas suplementares da primeira edição, o número
total de 2790 exemplares — máximo em circulação. Que poeta atual, salvo Victor Hugo,
poderia orgulhar-se de semelhante demanda?” A. de la Finelière e Georges Descaux, Essais
de Bibliographie Contemporaine , vol. I, Charles Baudelaire, Paris, 1868. Nora sobre a segunda
cdkão das Fleurs du Mal.
rVxr. “Cyrano de Bergerac, discípulo de Arago” - Journal des Goncourt, 16 jul. 1856 - “Se
Edgar Poe destronava Walter Scott e Mérimée, se o realismo e a boêmia triunfavam em
ioda linha, se certas poesias das quais não tenho nada a dizer, porque a justiça se encarrega
disso, fossem levadas a sério pelas ... pessoas sensatas, não seria mais a decadência, seria a
oegia” Pontmartin, Le Spectateur, 19 set. 1857. Cit. em Léon Lemonnier, Edgar Poe et la
Critique Française de 1845 à 1875, Paris, 1928, pp. 187 e 214.
1 41 a. 1
Sobre a alegoria: “Seus braços vencidos, jogados como armas inúteis. <OC I, p. 152
rFemmes damnées: Delphine et Hippolyte”)>.
[ J 41a, 2)
34# ■ Passagens
Swinburne adota a tese segundo a qual a arte nada tem a ver com a moral.
[ J 41a, 3]
“As Fleurs du Mal são uma catedral.” Ernest Raynaud, Ch. Baudelaire, Paris, 1922, p. 305
(segundo Gonzague de Reynold: Charles Baudelaire).
IJ 41a, 4)
“Baudelaire se atormenta e trabalha para dar à luz a menor palavra que seja... Para ele a arte
é um duelo em que o artista dá um grito de pavor antes de ser vencido’.” Ernest Raynaud,
Ch. Baudelaire , Paris, 1922, pp. 317-318.
[ J 41a, 5]
Raynaud reconhece a incompatibilidade entre Baudelaire e Gautier. Dedica a isso um
longo capítulo (pp. 310-345).
[ J 4la, 6]
“Baudelaire sofreu as exigências dos ... diretores-flibusteiros que exploram a vaidade das pessoas
da alta-roda, dos interessados e dos iniciantes, e que só publicam aqueles que garantem
assinaturas.” Ernest Raynaud, Ch. Baudelaire, Paris, 1922, p. 319. - O comportamento de
Baudelaire é o complemento desta situação. Ele coloca o mesmo manuscrito à disposição
de várias redações. Autoriza reimpressões sem apresentá-las como tais.
[ J 41a, 7]
o ensaio de Baudelaire sobre Gautier, de 1859: “Gautier ... não pôde se enganar, e o que
nos garante isso é que, ao escrever o prefácio das Fleurs du Mal, ele retribuiu espiritualmente
a Baudelaire o preço de sua obra” Ernest Raynaud, Ch. Baudelaire, Paris, 1922, p. 323.
[J 41a, 81
“Aliás, o testemunho mais irrecusável do malefício da hora é a história de Balzac ... que ...
se torturou a vida inteira, com obstinação, para conquistar um estilo, sem consegui-lo...
[Nota:] O que sublinha a incoerência da hora é que edificam as prisões de La Roquette e de
Mazas com a mesma dedicação com que se plantam por todo lado as árvores da Liberdade.
Oprime-se com o máximo rigor a propaganda bonapartista, mas reconduzem-se as cinzas
de Napoleao... Desobstrui-se o centro de Paris e arejam-se suas ruas, mas a cidade é
estrangulada com um cinturão de fortificações.” Ernest Raynaud, Ch. Baudelaire, Paris,
1922 , pp. 287 - 288 .
[ J 41a, 9]
Após uma referência ao casamento do antigo Olimpo com os sátiros e fadas em Banville:
“Por seu lado, Baudelaire, pouco desejoso de se juntar à caravana dos imitadores que crescia
loucamente, de minuto a minuto, na grande estrada romântica, procurava à direita e à
esquerda uma trilha por onde escapar em direção à originalidade... Qual seria a opção?
Grande era seu embaraço... quando fez esta observação: que o Cristo, Jeová, Maria, Madalena,
os anjos e suas ‘falanges’ abarrotavam essa poesia, mas que Satã nunca se mostrou ali. Uma
falta de lógica: ele resolveu corrigi-la... Vi Hugo havia feito da ‘diabrura’ um cenário fantástico
com algumas lendas antigas. Ele, Baudelaire, encerrou realmente na prisão do inferno o
homem moderno, o homem do século dezenove.” Alcide Dusolier, Nos Gens de Lettres,
Paris, 1864, pp. 105-106 (“M. Charles Baudelaire”). *
[ J 42, 1]
J
[Baudelaire] 349
‘Ele teria sido, certamente, um agradável relator nos processos de feitiçaria. Alcide Dusolier,
Nos Gens de Lettres, Paris, 1864, p. 109 (“M. Ch. B.”). Baudelaire certamente apreciou ter
Lido isto. [ j 42, 2 ]
Há em Dusolier um grande número de perspicazes intuições dos detalhes; entretanto,
Édta-lhe totalmente a perspectiva geral: “O misticismo obsceno ou, se você preferir, a
obscenidade mística, eis, digo-o e repito, o duplo caráter das Fleurs du Mal. Alcide Dusolier,
Nos Gens de Lettres, 1864, p. 112 ( M. Ch. B. ). [ 142 , 3 ]
«É preciso dizer tudo, mesmo o elogio. Constato, pois, na galeria poética do Sr. Baudelaire,
a presença de alguns quadros parisienses (eu preferiria águas-fortes como mais justo e mais
característico) de um grande vigor e de uma precisão singular. Alcide Dusolier, Nos Gens de
Lettres, Paris, 1864, pp. 112-113 (“Meryon”). []42j4]
Em Dusolier encontra-se, a propósito de “Femmes damnées” <OC I, p. 113>, a referencia
a Lá i Religieuse — contudo, Diderot não é citado. ^ j 42> 5 j
IM outro julgamento de Dusolier (p. 114): “Mas, pode-se dizer: eis aí um poeta? Sim, se
inen retórico fosse um orador.” A lenda sobre a relação entre verso e prosa em Baudelaire
i rm sua origem em Dusolier. Choque! j j 42 , 6]
usão: “Se eu tivesse que designar com uma palavra o que é o Sr. Baudelaire,
litamente, e o que ele gostaria de nos persuadir que é, eu o chamaria de bom grado
«. Boileau histérico. 6 de maio de 1863.” Alcide Dusolier, Nos Gens de Lettres, Paris,
1864 . p. 119.
[ J 42, 7]
MHbaéscopo de Baudelaire, feito para Raynaud por Paul Flambart: “O enigma psicoíogico
Jic Baudelaire está quase todo nessa aliança entre duas coisas que comumente são as menos
lamas a se unirem: um grande fôlego de inspiração e um pessimismo transbordante Ernest
Raynaud, Ch. Baudelaire, Paris, 1922, p. 54. A antinomia psicológica de Baudelaire em
«na formulação mais banalizada. [ j 42>
“Seria o caso de assimilar Baudelaire a Dante, como o faz o Sr. Raynaud? A quem F.rnest
Stwnaud havia indicado o caminho? Se se trata do gênio poético, a admiraçao ... nao
iwkria chegar a esse ponto. Se se trata de tendência filosófica, observaremos que Dante ...
iüroduz cm sua obra idéias já modernas, muito adiantadas para sua época, como o mostrou
muito bem Lamennais; ao passo que Baudelaire ... exprime o espírito da Idade Media
integral e sc encontra, pois, atrasado em relação a seu tempo. Se formos ao fôndo das coisas,
loooe de dar continuidade a Dante, ele difere dele inteiramente.’ Paul Souday, Charles
MtsLdelaire, de Gonzague de Reynold”, Le Temps, 21 abr. 1921 (“Les livres”).
[] 42a, 1]
350 ■ Passagens
As novas edições das Fleurs du Mal st anunciam ou começam a aparecer. Não existiam, até
agora, no comércio, senão duas, uma de seis francos, outra de três francos e cinqüenta. Eis
aqui uma de vinte centavos. ’ Paul Souday, “Le cinquantenaire de Baudelaire”, Le Temps
4 jun. 19 17. 28 r ’
[ J 42a, 2J
Segundo Souday - na resenfra sobre as cartas de Baudelaire {Le Temps , 17 ago. 1917) -
Baudelaire ganhou 15.000 francos em 25 anos.
r J 42a, 3]
Em sólidos navios de aparência dc abandono e nostalgia” < OC I, p. 655 (“Fusées”)>
I J 42a, 4]
Tese de Paul Desjardins: “Baudelaire não possui verve; o que significa que ele tem apenas
sensações e não idéias.” Paul Desjardins, “Charles Baudelaire”, Revue Bleue, Paris, 1887
p. 22. ’
[ J 42a, 5]
“Baudelaire não representa vivamente os objetos; está mais preocupado em mergulhar a
imagem na lembrança do que em orná-la e pintá-la.” Paul Desjardins, “Charles Baudelaire”
{Revue Bleue, Paris, 1887, p. 23).
[ J 42a, 6]
Souday procura resolver a questão das veleidades cristãs de Baudelaire com uma referência
a Pascal.
I J 42a. 7]
Kafka diz: a dependência mantém a juventude.
[ J 42a, 81
Essa sensação é, em seguida, renovada pela surpresa... De repente, Baudelaire recua diante
do que lhe e mais familiar e o expõe com assombro... Ele recua diante de si mesmo ; encontra-se
inteiramente novo e prodigiosamente interessante, embora um pouco descuidado no asseio:
Õ meu Deus, dai-me força e coragem
Para contemplar meu coração e meu corpo sem nojo!
Paul Desjardins, “Charles Baudelaire”, Revue Bleue, Paris, 1887, p. 18,
1 J 42a, 9]
Fatalismo de Baudelaire: “Na ocasião do golpe de Estado de Dezembro, ele teve uma
reaçao de revolta. ‘Que vergonha!’ exclamou primeiro; depois viu os acontecimentos ‘do
ponto de vista da providência e se submeteu como um monge.” Desjardins, “Ch B ”
Revue Bleue, 1887, p. 19.
f J 42a, 10]
Baudelaire — segundo
de Jansenius.
Desjardins aliou a sensibilidade do Marquês de Sade às doutrinas
[J43, 1]
28 No Le Temps de 4 jun. 1917 não se encontra o citado artigo de Souday. (R.T.)
J
[Baudelaire] 351
“A verdadeira civilização não está ... nas mesas giratórias” - alusão a Hugo. < Mon coeur
mis à nu”, OC I, p. 697>
*Que diras-tu ce soir”... citado como verso de um “poeta no qual uma decidida apddão
pelas mais árduas especulações não excluía uma poesia sólida, quente, colorida,
essencialmente original e humana.” Charles Barbare, VAssassinat du Pont-Rouge, Paris, 1859,
p. 79 (o soneto, pp. 82-83 <OC I, p. 43>).
f [ J 43. 3]
Barres: “Nele, o menor vocábulo trai o esforço pelo qual alcançava um nível tão alto. Cit.
em Gide, “Baudelaire et M. Faguet”, Nouvelle Revue Française, 1 nov. 1910, p. 513-
[ J 43. 4]
“Uma frase de Brunetière vai nos ajudar ... ainda mais: Faltam-lhe o movimento, a
imaginação’... Admitamos que movimento e imaginação lhe faltem... E então permitido
perguntar, uma vez que aí estão as Fleurs du Mal, se e mesmo essencialmente a imaginação
que faz o poeta; ou, uma vez que decididamente agrada aos Srs. Faguet e Brunetière chamar
poesia apenas um certo desenvolvimento oratório versificado, se não convém chamar
Baudelaire de outra coisa e saudar nele mais que um poeta: o primeiro artista em poesia.
André Gide, “B. et M. Faguet”, NRF, II, 1 nov. 1910, pp. 513-514. - Gide cita em
seguida (p. 517) a frase de Baudelaire: “A imaginação, esta rainha das faculdades” e admite
aue o poeta não estava consciente deste fato.
^ r [ J 43, 5]
a A aparente impropriedade dos termos, que tanto irritará alguns críticos, esta sábia imprecisão
que Racine já usava com maestria ... este espaçamento, este intervalo entre a imagem e a
idéia, entre a palavra e a coisa, é precisamente o lugar onde a emoção poética poderá vir a
habitar.” A. Gide, “B. et M. Faguet”, NRF, 11, 1 nov. 1910, p. 512.
“A imortalidade só é prometida àqueles escritores capazes de oferecer às sucessivas gerações
alimentos renovados; pois cada geração traz uma fome diferente.” A. Gide, B. et M.
Faguet”, NRF, II, 1 nov. 1910, p. 503.
Faguet deplora a ausência de movimento em Baudelaire. Gide — fazendo referência ao
verso “Je hais le mouvement” (Abomino o movimento) <OC I, p. 21 (“Ia beauté )> e aos
poemas com versos reiterados 29 - escreve: “A maior novidade de sua arte não foi,
precisamente, imobilizar seus poemas, desenvolvê-los em profundidade?! A. Gide, B. et
M. Faguet”, NRF, II, 1 nov. 1910, pp. 507-508. [j4j g]
Em relação aos versos “Seus braços vencidos” <OC I, p. 152>, no prefacio a Paul Morand,
Tendres Stocks, Paris, 1921, p. 15, Proust diz que eles parecem extraídos de Britannicus. -
Caráter heráldico da imagem!
29 Rahmengedichte, no original. Estes poemas, segundo Gide, caracterizam-se pela "reiteração periódica
de um mesmo verso, de vários versos ou de uma estrofe inteira": por exemplo: "Le Balcon", Le Beau
Navire", 'Tlnvitation au Voyage". (J.L)
352 ■ Passagens
Julgamento extremamente arguto de Proust sobre o comportamento de Sainte-Beuve em
relação a Baudelaire no prefácio a Tendres Stocks.
[ J 43a, 2J
A propósito “desses concertos ... algum heroísmo no coração dos cidadãos...” <OC I,
p. 91>, Proust observa (“À propos de Baudelaire”, Nouvelle Revue Française , 1 jun. 1921,
p. 646): “Parece impossível ir mais além.”
[ J 43a, 3]
“Não tive tempo de falar do papel das cidades antigas em Baudelaire e da cor escarlate que
elas imprimem aqui e ali em sua obra.” Marcei Proust, “À propos de Baudelaire”, NRF,
1 jun. 1921, p. 656 (VIII).
[ J 43a, 4]
Em relação aos versos finais de Andrômaca <de Racine>, assim como de “Le voyage” <de
Baudelaire>, Proust considera que eles terminam insípidos. Ele estranha a extrema
simplicidade desses desfechos.
[ J 43a, 5]
“Uma capital não é absolutamente necessária ao homem.” Senancour, Obermann, Paris,
Fasquelle, 1901, p. 248. 30
[ J 43a, 6]
“Primeiramente..., ele mostra a mulher na alcova , não somente entre suas bijuterias e
perfumes, mas com sua maquiagem, com sua roupa íntima e em suas vestes, agitando o
festão e o debrum. Ele a compara a animais, ao elefante , ao macaco, à serpente .” John
Charpentier, “La poésie britannique et Baudelaire”, Mercure de France, CXLVII, 1 maio
1921, p. 673.
[ J 43a, 7]
Sobre a alegoria: “Sua maior glória, escreveu Théophile Gautier (prefacio à edição <das
Fkurs du Mal> de 1863), ‘será ter feito entrar nas possibilidades do estilo séries de coisas,
de sensações e de efeitos inominados por Adão, o grande nomeador’. Ele nomeia ... as
esperanças e os pesares, as curiosidades e os temores que se agitam nas trevas do mundo
interior.” John Charpentier, “La poésie britannique et Baudelaire”, Mercure de France,
CXLVII, 1 maio 1921, p. 674.
[ J 43a, 8]
“Linvitation au voyage”, na tradução de Merejkovski para o russo, tornou-se uma romança
cigana: “Holubka moía”.
[ J 43a, 9]
Sobre “Lirrémédiable” <OC I, p- 79>, Crépet cita ( Les Fleurs du Mal, ed. org. por Jacques
Crépet, Paris, 1931), p. 449, a seguinte passagem de Les Soirées de Saint-Petersbourg\ “Este
rio que se atravessa só uma vez; este tonel das Danaides, sempre cheio e sempre vazio; este
fígado de Tityus, sempre renascendo sob o bico do abutre que o devora sempre ... são outros
tantos hieróglifos falantes, sobre os quais é impossível enganar-se.”
[J 43a, 10]
30 Esta frase foi escolhida por Benjamin (GS I, 512) como epígrafe de "Das Paris des Second Empire in
Baudelaire" (A Paris do Segundo Império em Baudelaire), a parte central do planejado livro sobre
Baudelaire. (w.b.)
J
[Baudelaire] 353
Carta a Calonne, o editor da Revue Contemporaine, de 11 de fevereiro de 1859: ‘“Dança
macabra’ <OC I, p. 96> não é uma pessoa, é uma alegoria. Maiusculas parecem-me
desnecessárias, alegoria arquiconhecida.” Les Fleurs du Mal, ed. org. por Jacques Crépet,
ftuis, 1931, p. 459.
[ J 44, 1]
Sobre “L’amour du mensonge” <OC I, pp. 98-99>. Extraído de uma carta a Alphonse de
Calonne: “A palavra royale facilitará ao leitor a compreensão dessa metáfora que faz da lembrança
uma coroa de torres, como as que inclinam a cabeça das deusas da maturidade, da fecundidade
e da sabedoria .” Les Fleurs du Mal, ed. org. por J. Crépet, Paris, 1931, p. 461.
[ J 44, 2]
Projeto de um ciclo de poemas “Onéirocritie” (Interpretação de sonhos): “Sintomas de
minas. Construções imensas, pelágicas, uma sobre a outra. Apartamentos, quartos, templos,
g* 1 erias, escadas, becos sem saída, belvederes, postes de luz, fontes, estátuas. — Fendas,
nchaduras. Umidade proveniente de um reservatório situado perto do céu. - Como alertar
2 S pessoas, as nações? - Alertemos ao pé do ouvido os mais inteligentes. / Bem no alto uma
coluna estala e suas duas extremidades se deslocam. Nada ainda desabou. Não consigo
encontrar a saída. Desço, depois subo. Uma torre. - Labirinto. Nunca consegui sair. Morarei
para todo o sempre numa construção que vai desabar, uma construção afetada por uma
doença secreta. - Calculo, mentalmente, para me divertir, se uma tão prodigiosa massa,
pedras, mármores, estátuas, paredes que vão se chocar umas contra as outras, serão infectadas
por essa multidão de cérebros, de carnes humanas e de ossadas trituradas. Vejo coisas tão
«níveis em sonho que gostaria algumas vezes de não mais dormir, se tivesse certeza de não
«me fatigar demais.” Nadar, Charles Baudelaire Intime, Paris, 1911, pp. 136-137. [Baudelaire,
CEuires, vol. II, ed. Le Dantec, p. 696 <OC I, p. 372>, Le Spleen de Paris, Notas.]
1 ) 44 , 3]
ftnusr sobre “Le balcon” <OC I, p. 36>: “Muitos versos de ‘Le balcon’, de Baudelaire, dão
rambem esta impressão dc mistério” (p. 644). Isto em oposição a Hugo: “Victor Hugo faz
sempre maravilhosamente o que deve ser feito... Mas ... a fabricação - a própria fabricação
«lo impalpável - é visível.” Marcei Proust, “A propos de Baudelaire”, NRF, XVI, Paris,
1921 , pp. 643-644.
[J44.4]
Sobre os poemas com versos reiterados: “O mundo de Baudelaire é um estranho
anedonamento do tempo, no qual aparecem apenas raros dias dignos de nota; é o que
«■plica as frequentes expressões, tais como “Se certa tarde” etc. M. Proust, “A propos de
llmdelaire”, NRF, XVI, 1 jun. 1921, p. 652.
I J 44, 5]
Carta de Meryon de 31 de março de 1860 a Nadar; não quer ser fotografado por ele.
[144,6]
“iQHanto ao mobiliário baudelairiano ... que ele sirva de lição às damas elegantes de nossos
últimos anos... Que diante da pretensa pureza de estilo que elas tiveram tanta
dade em atingir, pensem que pode ter sido o maior e o mais artista dos escritores,
do apenas camas de ‘cortinas’ móveis ( Pièces Condamnées <OC I, pp. 150-159>),
halls parecidos com estufas (“Une martyre” <OC I, p. 111>), camas cheias de aromas
suaves, divãs profundos como túmulos, aparadores com flores, lâmpadas que não iluminavam
por muito tempo ( Pièces Condamnées), e assim não se tinha mais que a luz de um fogo de
carvão. Mundo baudelaireano que vem por momentos molhar e encantar um sopro perfumado
do alto mar ... graças a esses pórdcos ... abertos aos céus desconhecidos’ (A Morte <OC I,
pp. 126-1 34>), ou ‘que sóis marinhos tingiam de mil fogos’ (“La vie antérieure”
<OC I, p. 17>).” M. Proust, “A propos de Baudelaire”, NRF, XV I, p. 652, 1 jun. 1921.
r [ J 44a, 1]
Sobre as Pièces Condamnées <OC I, pp. 150-159>: “Estes poemas têm seu lugar entre os
mais belos do livro, como essas altivas ondas de cristal que se elevam majestosamente,
depois das noites dc tempestade, e que ampliam com suas cristas intercaladas o imenso
quadro do mar.” Proust, op. cit., p. 655-
M l J 44a, 2]
“Como pôde ele se interessar tão particularmente pelas lésbicas...? Quando Vigny, irritado
com a mulher, explicou-a pelos mistérios do aleitamento ... por sua psicologia ‘Sempre este
companheiro, cujo coração não é seguro’, compreende-se que no seu amor desiludido e
ciumento ele tenha escrito: a Mulher terá Gomorra e o Homem terá Sodomá. Mas, pelo
menos, é como irreconciliáveis inimigos que os coloca longe um do outro... Não e em
absoluto o que se passa em Baudelaire... Esta ‘relação’ entre Sodoma e Gomorra, que nas
últimas partes de minha obra ... confiei a alguém grosseiro, Charles Morei (são, aliás, os
grosseiros aos quais este papel é habitualmente atribuído), parece que Baudelaire se sentiu
ele mesmo ‘afetado’ por ela de um modo muito privilegiado. Esse papel, como seria
interessante saber por que Baudelaire o escolheu, como o desempenhou. O que é
compreensível em Charles Morei permanece profundamente misterioso no autor das Fleurs
du Mal.” Marcei Proust, “A propos de Baudelaire”, NRF, XVI, pp. 655-656, 1 jun. 1921.
I J 44a, 3j
Louis Ménard — que publicara Prométhée Delivré , sob o pseudônimo de Louis de Senneville
- no caderno de setembro de 1857 da Revue Philosophique et Religieuse (cit. em Fleurs du
Mal, ed. org. por J. Crépet, Paris, 1930, pp. 362-363): “Por mais que ele fale
incessantemente dos insetos e dos escorpiões que tem na alma e se faça o exemplo de todos
os vícios, é fácil perceber que seu maior defeito consiste em uma imaginação por demais
libertina, defeito bastante comum entre os eruditos que passaram sua juventude isolados...
Que ele entre na vida comum e saberá modelar, com essa forma que possui em tão alto
grau, criações vivas e sadias. Será pai de família e publicará livros que poderão ser lidos por
seus filhos. Até então, ele permanecerá um estudante de 1828, tendo sofrido o que Geoflroy
Saint-Hilaire chama de paralisia do desenvolvimento.”
[ J 45, 1]
Extraído do requisitório do Sr. Pinard: “Eu pinto o mal com seus inebriamentos, mas
também com suas misérias e opróbrios, dirão vocês! Que seja; mas todos os numerosos
leitores para os quais você escreve, pois a tiragem do seu livro é de vários milhares de
exemplares e você vende a baixo preço, esses múltiplos leitores, de todo tipo, de todas as
idades, de todas as condições, tomarão eles o antídoto do qual você fala com tanta
complacência?” Cit. em Les Fleurs du Mal, ed. Crépet, Paris, 1 930, p. 334.
ÍJ45.2]
J
[Baudelaire] 355
Ui*» JC-íio o caminho para a crítica dos pedantes universitários foi Louis Goudall, com
Maaáaetn Le Figaro, de 4 de novembro de 1855. Após a publicação de poemas na
i Mondes, ele escreveu: ‘‘Baudelaire, privado de sua súbita fama, não será mais
Wb Pfmante senão entre os frutos secos da poesia contemporânea.” Cit. em Les Fleurs
■Mlut tmépet. Paris, 1930, p. 306.
[J45.3]
üfim
W* Ass f üneau viu na casa de Baudelaire um exemplar dos poemas, escrito por um
BÍNHta iavn ílmr t 1 , ■ Ma i «
PPP®^ m dois volumes in-quarto, cartonados e dourados.
[ J 45, 4]
Mv te Fleurs du Mal, ed. org. por J. Crépet, p. 300) diz que, por volta de 1846
^S 05 conheciam os poemas de Baudelaire de cor. Nessa época, apenas trfc
«■wm impressos.
! J 45, 5]
W" de 1852: “ teUmbes (Os Limbos) poesias íntimas de Georges Duram, recolhidas
e inmusnijicadas por seu amigo Th. Véron.”
[J45, 61
de Les Limbes no número 2 de LÊcho des Marchands de Vin : “ Les Limber. Poesias de
" S 3U C 3116 ‘ Ivro a P arecerá em Paris e em Lcipzig, em 24 de fevereiro de 1849.”
1 J 45, 71
Leconte de Lisle na iW Européenne de 1“ de dezembro de 1861. Ele fala, entre outras
oisas, desta estranha mama de revestir com rimas muito ruins as descobertas industriais
modernas . Ele considera a obra de Baudelaire “marcada com o dmbre enérgico de uma
onga meditaçao . O inferno desempenha um papel importante em seu artigo Cit. em Les
^ leurs du Mal \ ed. org. por J. Crépet, pp. 385-386.
[ J 45a, 1]
2 .dàde ^ SWÍnbUme n ° SpeCtãt0r de 6 de setembro de 1862. O autor tinha então 25 anos
[ J 45a, 2]
cm De Reynold, Paris como antecâmara do inferno baudelairiano. O que contém o segundo
capitulo, A arte e a obra , da segunda parte denominada de “A visão de Paris”, nada mais
- ao que uma lasndiosa e subalterna paráfrase de poemas.
[ J 45a, 3]
^° n C , Baudelaire. Em um, encontra-se o cristianismo macabro e místico de uma época
,ae esta perdendo a fé; no outro, o cristianismo de alguma forma secularizado de uma
l qUe ,om CUra Ó eenC ° ntrar a Fé ” Gonza S ue de Reynold, Charles Baudelaire, Paris,
bra, 1920, p. 220.
[ J 45a, 4]
■ Reynold traça um paralelo esquemático entre os séculos XV e XIX como épocas da
Aencia onde reinam um extremo realismo e um extremo idealismo, além de inquietude
ismo e egoísmo.
t J 45a, 5J
356 m Passagens
Imitatio Christi, I, 20, “De amore solitudinis et silentii”: “Quid potes alibi videre, quod hic
non vides? Ecce caelum et terra et omnia elementa: nam ex istis omnia sunt facta.” 31
[ J 45a, 6)
Mallarmé: “Outrora, à margem de um Baudelaire”: “Essa torrente de lágrimas iluminadas
pelo fogo de artifício do pirotécnico Satã que se move atrás?’ Stéphane Mallarmé,
Divamtions , Paris, 1897, p. 60.
6 [ J 45a, 7]
Em 4 de dezembro de 1847: “A partir do dia do Ano Novo começo um novo ofício ... o
Romance. É inútil que cu lhe demonstre aqui a gravidade, a beleza e o lado infinito dessa
arte. Charles Baudelaire, Lettres à sa Mire, Paris, 1932, p. 26.
[ J 45a, 8]
Em 8 de dezembro de 1848: “Uma outra razão pela qual eu me sentiria feliz, se você
pudesse satisfazer meu pedido, é que temo extremamente aqui um movimento insurrecional,
e nada é mais deplorável que estar absolutamente privado de dinheiro nesses momentos.”
Ch. Baudelaire, Lettres à sa Mère, Paris, 1 932, p. 33.
[ J 45a, 9]
“Do fim do Segundo Império até nossos dias, o movimento filosófico e o desabrochar das
Fleurs du Mal são simult ân eos. É o que explica o destino singular de uma obra cujas partes
essenciais estão ainda envoltas em sombra, mas a cada dia aparecem melhor.” Alfred Capus,
Le Gaulois , 1921. Cit. em Les Fleurs du Mal, ed. org. por J. Crépet, Paris, 1931, p. 50.
[ J 46, i]
Em 27 de março de 1852, ele fala à sua mãe da "confecção de artigos doentios feitos às
pressas”. Charles Baudelaire, Lettres à sa Mère, Paris, 1932, p. 39.
[ J 46, 2]
27 de março de 1852: “Procriar é a única coisa que dá à fêmea a inteligência moral; quanto
às mulheres jovens, sem status, sem condições e sem filhos, só exibem coqueteria,
implacabilidade e elegância debochada.” Lettres à sa Mère, Paris, 1932, p. 43.
r [ J 46, 3]
Em carta à mãe, Baudelaire diz que o gabinete de leitura é seu refúgio para trabalhar, além
do café.
[ J 46, 4]
Em 4 de dezembro de 1854: “Devo resignar-me a me deitar e permanecer deitado por
falta de roupas?” Lettres à sa Mère, Paris, 1932, p. 74 (à p. 101 pede que lhe emprestem
lenços).
[ J 46, 5]
Em 20 de dezembro de 1855, Baudelaire aventa a possibilidade de requerer uma subvenção:
“Jamais meu nome aparecerá nas ignóbeis papeladas de um governo.” Lettres à sa Mère, p. 83-
[ J 46, 6]
31 Thomas a Kempis, De Imitatio Christi, in: Opera Omnia, ed. por Joseph Pohl, vol. VII, Freiburg, 1904, p.
38. (R.T.) - Tradução: A Imitação do Cristo, "Do Amor da Solidão e do Silêncio": "O que podes ver
alhures que não vejas aqui? Eis o céu e a terra e todos os elementos, pois é deles que são feitas todas
as coisas." (w.b.)
J
[Baudelaire] 357
Passagem problemática de uma carta de 9 de julho de 1857, relativa às Fleurs du Mal:
‘‘Aliás, assustado, eu mesmo, com o horror que ia inspirar, eliminei um terço delas nas
provas.” Lettres à sa Mère , p. 110.
[J 46,7]
O Spleen de Paris parece ter recebido em 1857 (cf. p. 111, carta de 9 de julho de 1857),
provisoriamente, o título de “Poèmes nocturnes”. 32
[146,8]
Projeto de ensaio ( Lettres à sa Mère, p. 139) sobre Maquiavel e Condorcet.
[ J 46, 9]
6 de maio de 1861: ‘“E Deus!’ dirá você. Desejo de todo meu coração (com uma sinceridade
que ninguém pode saber senão eu) acreditar que um ser exterior e invisível se interessa pelo
meu destino; mas como fazer para crer nisso?” Lettres à sa Mère , p. 173.
1146,10]
6 de maio de 1861: “Tenho quarenta anos e não consigo pensar nos colégios sem dor, nem
no temor que me inspirava meu padrasto.” Lettres à sa Mère, Paris, 1932, p. 176.
1146a, 1]
Sobre a planejada edição de luxo, em 10 de julho de 1861: “Qual é a mamãe que dará as
Fleurs du Mal de presente a seus filhos? E mesmo qual papai?” Lettres à sa Mère, p. 1 86.
11 46a, 2]
Seus olhos estão cansados devido aos trabalhos no Louvre: “Duas bolas esbugalhadas e
sangrentas.” Lettres à sa Mère, p. 191.
[ 1 46a, 3]
Sobre Os Miseráveis - 1 1 de agosto de 1862. “Este livro é imundo e estúpido. Mostrei, a
esse respeito, que eu possuía a arte de mentir.” Lettres à sa Mère, p. 212.
[ J 46a, 4]
3 de junho de 1863. Ele fala de Paris “onde me entedio há vários meses, como ninguém
neste mundo jamais se entediou.” Lettres à sa Mère, p. 218.
I J 46a. 5]
final do “Crépuscule du soir” <OC I, pp. 94-95>: a própria musa, que se afasta do poeta
para sussurrar solitária as palavras da inspiração.
[ J 46a, 6]
Baudelaire planejava uma “refutação do Prefácio da vida de César por Napoleao III”.
[ 1 46a, 7]
Em data de 4 maio de 1865, Baudelaire menciona à mãe um “artigo imensamente longo,
ma Revue Germaniqué\ ( Lettres à sa Mère, p. 260).
[ J 46a, 8]
5 de março de 1866: “O que mais amo é estar só. Mas não é possível e parece que a escola
Baudelaire existe.” Lettres á sa Mère, p. 301.
[J 46a, 9)
32
Ch. Baudelaire, Correspondance, vol I, p. 411. (R.T.)
35S ■ Massagens
23 de dezembro de 1865: “Se eu pudesse recuperar o verdor e a energia de que fruí
algumas vezes, eu aliviaria minha ira por meio de livros pavorosos. Gostaria dc colocar a
espécie humana inteira contra mim. Isso me daria um prazer que me consolaria de tudo.”
Lettres à sa Mère, p. 278.
[ J 46a, 10]
“À medida que o homem avança na vida ... aquilo que o mundo convencionou chamar
beleza perde sua importância... A partir de então a beleza não será mais que a promessa de
felicidade... A beleza será a forma que garante o máximo de bondade, de fidelidade ao
juramento, de lealdade na execução do contrato, de finura na compreensão das relações.”
p. 424. E prossegue, referindo-se à “École paienne”, à qual estas observações constituem
uma espécie dc nota: “Que meios poderia eu eficazmente empregar para persuadir um
jovem desmiolado que a irresistível simpatia que tenho pelas mulheres velhas, esses seres
que sofreram muito por seus amantes, seus maridos, seus filhos, e também por suas próprias
faltas, não está misturado a nenhum apetite sexual?” Ch. B., CEuvres Complètes, ed. org.
por Y.-G. Le Dantec, pp. 424-425 <OC II, p. 37>.
[J47,l]
“Há algum tempo ... parece-me que tenho um sonho ruim, que giro no vazio e que uma
multidão de ídolos de madeira, de ferro, de ouro e de prata caem comigo, me perseguem
em minha queda, me batem e me quebram a cabeça e os quadris.” Ch. B., CEuvres Complètes ,
vol. II, pp. 420-421 (“L’École paienne” <OC II, p. 46>). Cf. a anedota de Baudelaire e o
ídolo mexicano. 33 <J 17a, 2?>
[J47.2]
Próximo do final do Segundo Império, quando o regime abranda sua pressão, a teoria da
arte pela arte perde prestígio.
[ J 47, 3]
Percebe-se na apresentação do ensaio sobre Guys que este artista fascinou Baudelaire
sobremaneira, principalmente pelo modo como tratou os panos de fundo que mal diferem
dos de teatro. Como, porém, estes desenhos, ao contrário das decorações do palco, devem
scr olhados de perto, a magia do longínquo desvaloriza-se para o observador sem que este
renuncie a explorá-la. O olhar que Baudelaire dirige ao longínquo aqui e em outros textos foi
caracterizado por ele mesmo no ensaio sobre Guys. Baudelaire define a expressão da
prostituta oriental: “Ela dirige o olhar até o horizonte, como o animal predador; mesma
desambientação, mesma distração indolente e, também, às vezes, mesma fixidez de atenção.”
Ch. B., CEuvres, vol. II, p. 359 <OC II, p. 720>. 34
[ J 47. 41
O próprio Baudelaire fala de sua voz estridente em “Ehéautontimorouménos” <OC I,
p. 78>.
[J 47,51
33 Cf. J 17a, 2 (J.L.) e, sobretudo, a epígrafe da imagem de pensamento de W. Benjamin, "Mexikanische
Botschaft" (Embaixada mexicana) in: EinbahnstraBe (Rua de Mão Única), que diz: "Nunca passo
diante de um fetiche de madeira, um Buda dourado, um ídolo mexicano, sem me dizer: Este é talvez
o verdadeiro Deus. / Charles Baudelaire." GS IV, 91; OE II, p. 17. (w.b.)
34 A partir desta citação, os fragmentos do arquivo "J - Baudelaire" estão estreitamente relacionados com
as notas sobre Baudelaire em "Zentralpark", GS I, 655-690; "Parque Central", in: W. Benjamin,
Sociologia, pp. 123-152. (J.L; w.b.)
J
[Baudelaire] 359
Deve-se valorizar de maneira decisiva o esforço de Baudelaire para captar o olhar no qual se
apagou a magia do longínquo (cf. “Lamour du mensonge” <OC I, pp. 98-99>). Em
relação a isto, minha definição da aura como a distância do olhar que desperta no objeto
observado . 35 [ j 47 , 6]
O olhar no qual se apagou a magia do longínquo: “Mergulha teus olhos nos olhos fixos /
Das Satiresas ou Ninfas” (“Lavertisseur” <OC I, p. 140>).
Dentre os poemas em prosa projetados, mas não escritos, está “La fin du monde . Sua
temática parece ser esboçada na seguinte passagem de “Fusées”, XXII: “O mundo vai
acabar. A única razão pela qual ele poderia durar é a de que ele existe. Uma razão afinal bem
fiaca, comparada a todas aquelas que anunciam o contrário, e em particular a seguinte: o
que é que ainda lhe resta a fazer no universo? - Com efeito, mesmo que admitamos que o
mundo continue materialmente a existir, tratar-se-ia de uma existência digna desse nome
e de figurar no dicionário da história?... Quanto a mim, que por vezes me sinto no ridículo
papel de um profeta, sei que jamais encontrarei mão caridosa que me assista. Perdido neste
mundo adverso, acotovelado pelas multidões, sou como um homem desiludido cujo olhar,
quando se volta para trás e procura fixar-se nos anos revolutos, não vc senão desencanto e
amargura e, à sua frente, apenas um tumulto que não encerra nada de novo. Parece-me que
derivei... De qualquer modo deixarei estas páginas, - pois eu quero datai' a minha ira. Ch.
B., CEuvres, vol. II, pp. 639, 641-642 <OC I, pp. 665 e 667>. - No manuscrito, encontra-
se para a última palavra a variante tristeza . ( j 47a ^ 2]
O fragmento “Le monde va finir” (“Fusées”, XXII) contém, nas malhas de uma visão
apocalíptica, uma crítica terrivelmente acerba da sociedade do Segundo Império (talvez
inspirada, em alguns pontos, na idéia nietzscheana do “último homem”). Esta crítica
possui certos traços proféticos. Sobre a sociedade fritura escreve Baudelaire: Nada, em
meio aos devaneios sanguinários, sacrílegos ou antinaturais dos utopisras, poderá comparar-
se a seus resultados positivos ... os governantes serão forçados, para guardar o poder e criar
ema aparência de ordem, a recorrer a meios que fariam estremecer nossa humanidade
amai, no entanto tão endurecida?... A justiça, se é que nesta época afortunada pode ainda
existir uma justiça, interditará os cidadãos que não souberem fazer fortuna... Tal época
pode estar bem próxima, quem sabe se já não chegou, e se a grosseria de nossa natureza nao
co único obstáculo que nos impede de nos apercebermos da atmosfera na qual já respiramos.
Ch Baudelaire, CEuvres, vol. II, pp. 640-641 <OC I, pp. 665 -667>. 1 1 4 7a , 3 ]
"Em resumo, diante da história e diante do povo francês, a grande glória de Napolcão III
Bi sido provar que o primeiro recém-chegado pode, apoderando-se do telégrafo e da
Imprensa nacional, governar uma grande nação. Imbecis são os que pensam que semelhantes
■nmksK podem se realizar sem a permissão do povo.” Ch. B., CEuvres, vol. II, p. 655 <
jk 692> (“Mon cceur mis à nu”, XI. IV). ^ 4g ^
35 Cf. GS I, 646-647 e nota; W. Benjamin. "Sobre Alguns Temas em Baudelaire", OE III, p. 140 e nota
(R.T.; w.b.)
560 ■ Passagens
“Sentimento de solidão desde minha infinda. Apesar da família, e entre os companheiros,
sobretudo, - sentimento de um destino eternamente solitário.” Ch. B., CEuvres, vol. 11,
p. 645 <OC I, p. 680> (“Mon cceur mis à nu”). [J48i 2]
“A verdade, por ser múltipla, náo é dupla.” Ch. B., CEuvres, vol. II, “Salon de 1846”, p. 63
<OC II, p. 4l6> (“Aux bourgeois”). [J48> 3]
“A alegoria é um dos mais belos gêneros da arte.” Ch. B., CEuvres, vol. II, p. 30 <OC II,
p. 368> (“Salon de 1845 ). [j48, 4]
“É preciso que a vontade seja uma faculdade muito bela e sempre frutuosa para imprimir
uma individualidade ... a obras ... de ordem secundária... O espectador goza do esforço, e
o olho bebe o suor.” Ch. B., CEuvres, vol. II, p. 26 <OC II, p. 363> ( Salon de 1845 )•
“A idéia do progresso. Este fanal obscuro, invenção do filosofismo atual, brevidade sem
garantia da natureza ou da Divindade, esta lanterna moderna lança suas ttevas sobre todos
os objetos do conhecimento; a liberdade se esvai, o castigo desaparece.” Ch. B., CEuvres,
vol. II, p. 148 <OC II, p. 580> (“Exposition universeUe de 1855”). [J486]
“A tolice é muitas vezes o ornamento da beleza, é ela que dá aos olhos esta limpidez morna
dos lagos enegrecidos e esta calma oleosa dos mares tropicais.” Ch. B., CEuvres, vol. II,
p. 622 <OC I, p. 549> (“Choix de maximes consolantes sur ramour”). [J4g>7]
“Regra sumária e geral: no amor, evite a lua e as estrelas, evite a Vénus de Milo. Ch. B.
CEuvres, vol. II, p. 624 <OC I, p. 55 1> ("Choix de maximes consolantes sur 1’amourj.
Baudelaire nunca deixou de insistir no teor. Sua época proibia-o de formula-lo de tal
maneira que sua posição social se tornasse imediatamente compreensível. Aliás, isto lhe
escapou justamente lá onde tentou dar-lhe compreensibilidade - nos ensaios sobre Dupont
- como também nos ensaios teóricos orientados pelo Cristianismo. Entretanto, a formulação
que ele elabora ocasionalmente neste contexto: “Quanto se obtém de empréstimo por uma
lira na Casa de Penhor?”, contém uma expressão feliz de sua insistência em uma arte capaz
de identificar-se diante da sociedade. A frase encontra-se em Ch. B., CEuvres, vol. II, p. 22
<OC II, p. 47> (“EÉcole parenne”). (J4g> 9]
Sobre a alegoria: “O que você espera do céu ou da tolice do público? Uma fortuna suficiente
para erguer em suas mansardas altares a Priapo e a Baco?... Eu compreendo os furores dos
iconoclastas e dos mulçumanos contra as imagens. Reconheço todos os remorsos de Santo
Agostinho quanto ao prazer excessivo dos olhos.” Ch. B„ CEuvres, vol. II, pp- 422- 3
<OC II, pp. 47 e 49> (TÉcole parenne”).
[ J 48a, 1]
J
(Baudelaire) 361
Faz parte do modelo fisionômico de Baudelaire o fato de ele forçar o gestiis do poeta às
custas das características profissionais do escritor. Ele se comporta da mesma maneira que
a prostituta que força sua fisionomia como objeto sexual ou como “amante para ocultar
suas práticas profissionais.
' J 4 Si. 2'.
Se os poemas de Les Épuves <OC I, pp. 147-178> são, segundo a grandiosa imagem de
Proust, as cristas de ondas altivas no mar da poesia baudelaireana <cf. J 44a, 2>, os Tableaux
Parisiens <OC I, pp. 82-104> são seu porto seguro. Sobretudo nestes poemas mal se
encontra um eco das tormentas revolucionárias que se abateram sobre Paris. Nesse sentido,
eles fazem lembrar a poesia de <Georg> Heym, escrita quarenta anos depois, na qual o
conteúdo correspondente atingiu a consciência enquanto a “Marselhesa” foi soterrada; os
dois últimos tercetos do soneto “Berlim III”, que descreve o pôr do sol na Berlim hibernal,
soam assim:
“ Um cemitério de pobres emerge, negro, pedra sobre pedra.
Os mortos olham o rubro crepúsculo
De suas covas. Ele tem o sabor de vinho forte.
Estão sentados a tricotar ao longo do muro,
Bonés dc fuligem sobre têmporas nuas.
Ao som da Marselhesa, o velho canto de assalto.”
Kcorg Heym, Dichtungen, Munique, 1922, p. 11.
[ J 48a, 3]
Uma verso decisivo para a comparação com Blanqui:
cáabciuço horrendo.” (“Spleen, IV” <OC I, p. 75>).
“Quando a terra se transforma em
[ J 48a, 4]
A iâflw-a da imobilização da natureza surge em Georg Heym imediatamente antes da guerra,
j n&CT-* amo refúgio da fantasia premonitória em imagens que o spleen baudelaireano ainda
iniác podia encontrar:
“Mas os mares estacam. Nas ondas
Pairam os navios podres e enfadonhos.”
CásErsr Hevm, Dichtungen, Munique, 1922, p. 73. (“Umbra virae”).
■ " * [ J 48a, 5J
‘ fa-s im grande erro ver nas posições de Baudelaire, em termos de teoria da arte após 1852
que diferem bastante daquelas de 1848 a expressão de uma evolução. (Piá
I» artistas cuja produção manifesta tão pouco uma evolução quanto a de Baudelaire.)
; posições trata-se de extremos teóricos cuja mediação dialética é dada pela obra de
laire. sem estar totalmente presente em sua reflexão. Ela consiste em seu caráter
>, purificador. Esta arte é útil na medida em que é destrutiva. Sua ira destrutiva
cularmente o conceito fetichista de arte. Desta forma, ela serve à arte pura no
de uma arte purificada.
1 J 49. 1]
362 • Passagens
Os primeiros poemas das Fleurs du Mal são inteiramente dedicados à figura do poeta. Fica
claro, à luz desses poemas - justamente na medida em que o poeta invoca para si uma
tarefa e uma missão que a sociedade não tem mais tarefa ou missão a lhe conceder.^ ^
A pesquisa do surgimento do “eu” nos poemas de Baudelaire possibilitaria, talvez, chegar a
um agrupamento classificatório. Nos primeiros cinco poemas das Fleurs du Mal, este eu
aparece apenas uma única vez. Também mais adiante, não são raros os poemas nos quais o
“eu” esteja ausente. Mais essencial - e ao mesmo tempo mais consciente - é o modo como,
em certos poemas, por exemplo, “Réversibilité” ou “Harmonie du soir” <OC I, pp. 44-45
e 47>, o “eu” é mantido num plano de fundo. [J49( 3]
“La belle Dorothée” - ela precisa comprar a liberdade de sua irmã de onze anos. <OC I,
pp. 316-317> [ j 49, 4)
“Asseguro-lhe que os segundos agora são intensamente e solenemente acentuados, e, cada
um jorrando do pêndulo, diz: - ‘Eu sou a Vida, a insuportável, a implacável Vida!” Ch. B.,
CEuvres, vol. I <OC I, p. 282> ( La chambre double ). ^
Extraído de “Quelques mots d’introduction” do “Salon de 1845”: “E antes de mais nada,
a propósito desta designação impertinente, o burguês, declaramos não participar
absolutamente dos preconceitos de nossos confrades artísticos que, há muitos anos, vem-se
empenhando em condenar este ser inofensivo... E, enfim, há tantos burgueses entre os
artistas que é melhor, afinal de contas, suprimir uma palavra que não caracteriza nenhum
vício particular de casta.” CEuvres, vol. II, pp. 15-16. <OC II, pp. 351-352>. A mesma
tendência na introdução “Aux bourgeois” do “Salon de 1846”.
A figura da lésbica fez parte dos modelos heróicos de Baudelaire. [Ele mesmo expressa isso na
linguagem de seu satanismo. Isso é igualmente perceptível numa linguagem crítica, não
metafísica.] O século XJX começou a incluir a mulher sem reservas no processo de produção de
mercadorias. Os teóricos estavam de acordo quanto ao fato de que a sua feminilidade específica
estaria assim ameaçada; traços masculinos deveriam necessariamente aparecer na mulher no
decorrer do tempo. Baudelaire aprova estes traços. Simultaneamente, porém, ele quer eximi-los
da dominação econômica Chega assim a conferir um acento puramente sexual a esta tendência
da evolução feminina. O modelo da lésbica expressa a posição ambivalente da “modernidade ’
frente à evolução técnica. (O que ele não pôde perdoar a George Sand foi provavelmente o feto
de ela, por suas convicções humanitárias, ter profenado esta imagem, cujos traços lhe eram
próprios. Baudelaire dizia que ela era pior do que Sade.) ^ ^
A noção de ineditismo não era tão corrente nem tão determinante na época de Baudelaire
quanto é hoje. Muitas vezes, Baudelaire enviava seus poemas para uma segunda ou terceira
publicação, sem que ninguém o desaprovasse. Dificuldades surgiram para ele somente no
final de sua vida, com os Petits Poèmes en Prose.
[ J 49a, 2]
J
[Baudelairel 363
Desde os dezessete anos, Baudelaire vivia a vida de um <literato?>. Não se pode dizer que
alguma vez ele tenha se definido como um “homem espiritual ou que tivesse se empenhado
pelas “coisas espirituais”. A marca registrada para a produção artística ainda não tinha sido
inventada. (De resto, ele se beneficiou nesse sentido de sua necessidade imperiosa de se
distinguir e se isolar.) Ele se opõe à difamação do burguês sob cujo signo se concretizava
uma solidariedade entre os artistas e literatos que lhe era suspeita. Assim em Le musée
classique du Bazar Bonne-Nouvelle” {GEuvres, vol. II, p. 61): “O burguês, que tem poucas
noções científicas, vai para onde o empurra a grande voz do artista-burguês. - Se se suprimisse
este, o merceeiro carregaria E. Delacroix em triunfo. O merceeiro é uma grande coisa, um
homem celeste que devemos respeitar, homo bonae voluntatis\ <OC II, p. 4l4>. Mais
detalhadamente, um ano antes, na introdução ao “Salon de 1845”.
[ J 49a, 3]
A excêntrica maneira de ser de Baudelaire era uma máscara sob a qual, pode-se mesmo
dizer por pudor, ele tentava ocultar a necessidade supra-individual de sua forma de vida e,
até certo ponto, também do curso de sua vida. Q y
Interromper o curso do mundo — era esta a vontade mais profunda de Baudelaire. A vontade
de Josué. [Não tanto uma vontade profética, pois ele não pensava em retorno.] Desta vontade
emergia sua violência, sua impaciência e sua ira; dela emergiam também as tentativas sempre
reiteradas de golpear o coração do mundo [ou de embalá-lo pelo canto]. Por conta desta
vontade, ele acompanhava a morte em suas obras, encorajando-a.
Sobre “Elarmonie du soir” e outros poemas com versos reiterados: Baudelaire observa em Poe
“repetições do mesmo verso ou de vários versos, retornos obstinados de frases que simulam as
obsessões da melancolia ou da idéia fixa.” “Notes nouvelles sur Edgar Poe” ( Nouvelles Histoires
Extmordinaires, Paris, 1886, p. 22 <OC , 11, p. 336>), Imobilização! Q ^
“-Ah! Senhor! Dai-me força e coragem
Para contemplar meu coração e meu corpo sem asco!”
A este respeito: “O Dândi deve procurar ser inintermptamente sublime. Deve viver e dormir
como sc estivesse diante de um espelho.” CEuvres, vol. II, p. 643 <OC I, p. 678> ( Mon
coeur mis à nu, V”). Os versos são extraídos de “Un voyage à Cythère <OC I, p. 1 19>^ ^
O final de “La destruction” (1855: “La volupté”!) representa a imagem da inquietude
petrificada (“Era como um escudo de Medusa / a imagem da inquietude petrificada -
Goctfried Keller, “Verlorenes Recht, verlorenes Gliick.’). I j 5 U s]
Soibre a estrofe inicial de “Le voyage”: o sonho do longínquo pertence à infância. O viajante
«u as terras distantes, mas perdeu a fé no longínquo. 1 j 50 61
USMüdelaire — o melancólico a quem a estrela indica o caminho do longínquo. Mas ele não
a sesuiu. As imagens do longínquo aparecem [em seus poemas] apenas como ilhas que
364 ■ Passagens
emergem do mar da vida anterior ou da nevoa parisiense. Nelas raramente falta a mulher
negra. E é em seu corpo profanado que esse longínquo se coloca aos pés daquilo que era
próximo de Baudelaire: a Paris do Segundo Império.
[J50.7]
O olho que se apaga no momento da morte é o fenômeno primevo da aparência que se
dissipa.
[ J 50, 81
“Les petites vieilles”: “Olhos ... luzentes como as poças na noite tranqüila” <OC I, p. 89>.
[ J 50, 9]
A ira de Baudelaire faz parte dc sua natureza destrutiva. Aproximamo-nos mais da questão
quando se reconhece nestes acessos também um estranho seccionamento do tempo.
[J 50a, I]
Baudelaire é freqüentemente áspero em seus melhores versos - jamais sonoro. Nestas
passagens, sua maneira de falar distancia-se tão pouco de sua experiência quanto o gestus de
um perfeito prelado distancia-se dc sua pessoa.
í J 50a, 2]
Embora a noção de alegoria já tivesse perdido seu contorno, ela não tinha no primeiro
teiço do scculo XIX o caráter insólito que lhe é próprio hoje. Em sua crítica de Poésies de
Joseph Delorme, publicada em Le Globe, de 11 de abril de 1829, Charles Magnin aproxima
Victor Hugo e Sainte-Beuve com as seguintes palavras: “Ambos procedem quase
continuamente por figuras, alegorias, símbolos.” Vie, Poésies et Pensées de Joseph Delorme,
Paris, 1863, vol. I, p. 295.
[ J 50a, 3]
Uma comparação entre Baudelaire e Sainte-Beuve só pode ocorrer nos limites estreitos dos
temas e da feitura poética. Pois Sainte-Beuve era um autor cordial, até mesmo bonachão.
Com razão, Charles Magnin escreve em Le Globe, em 1 1 de abril de 1829: “Ainda que sua
alma se perturbe, quando ela se acalma, um fundo de bondade natural reaparece na
superfície.” (Aqui, não é decisiva a bondade e sim a superfície!) “Daí vêm, provavelmente,
a indulgência e a simpatia que ele nos inspira. ’ Vie, Poésies et Pensées de Joseph Delorme , Paris,
1863, vol. I, p. 294.
f J 50a, 4]
Medíocre soneto de Sainte-Beuve ( Les Consolations, Paris, 1863, pp. 262-263): “Amo
Paris de belos crepúsculos de outono”, com os versos finais: “E sigo misturando em meu
pensamento/ Com Paris, ítaca de belos crepúsculos.”
[ J 50a, 5]
Charles Magnin na crítica de Poésies de Joseph Delorme, em Le Globe de 1 1 de abril de 1829:
“Certamente o alexandrino de cesura móvel pede uma rima mais severa.” Vie, Poésies et
Pensées de Joseph Delorme, Paris, 1863, vol. I, p. 298.
t J 50a, 6]
Concepção do poeta em Joseph Delorme: “A idéia de se associar aos seres eleitos que
cantam aqui suas penas, e de gemer harmoniosamente segundo seu exemplo, sorri-lhe do
J
[Baudelaire] 365
fundo de sua miséria e anima-o um pouco.” Vie, Poésies et Pensées de Joseph Delorme , Paris,
1863, voi. I, p. 16. O livro apresenta uma epígrafe de Obermann-, a influência que Obermann
pode ter exercido sobre Baudelaire é determinada em seus limites por este fato.
[J 51, 1]
Sainte-Beuve, assim observa Charles Magnin, em parte aprovando, em parte negando,
“satisfaz-se com uma certa crueza de expressão, e se abandona ... a uma espécie de impudor
de linguagem... A palavra mais áspera, ainda que choque, é quase sempre a palavra que ele
prefere.” Le Globe, 11 de abril de 1829, cit. em Vie, Poésies et Pensées de Joseph Delorme,
Paris, 1863, vol. I, p. 296. Em seguida, Magnin censura o poeta pelo fato de ter representado
a menina como tuberculosa no poema “Ma muse”: “Poderíamos dispensar o poeta de nos
mostrar sua Musa pobre, triste, malvestida; mas tuberculosa!” A negra tuberculosa em
Baudelaire. Versos como os seguintes dão uma idéia das inovações de Sainte-Beuve: próximo,
abre-se um regato; / Uma jovem o tempo todo lava nele uma roupa velha” (“Ma muse”, in:
vol. I, p. 93), ou ainda um poema em que fantasia sobre o suicídio: algumas pessoas do
lugar /.../ Misturando gracejos a alguns tolos relatos, / Conversarão muito tempo sobre
meus restos enegrecidos, / E, finalmente, os levarão num carrinho ao cemitério. ( Le
creux de la vallée”, in: vol. I, p. 11 4).
[ J 51, 2]
Característica de sua poesia, segundo o próprio Sainte-Beuve: “Tratei de ser original à
minha maneira, humildemente e burguesamente, ... nomeando as coisas da vida privada
por seu nome, mas preferindo a palhoça ao boudoir.” Vie, Poésies et Pensées de Joseph Debrme,
Paris, 1863, vol. I, p. 170 (“Pensées”, XIX).
[ J 51, 3]
Norma da sensibilidade em Sainte-Beuve: “Desde que nossos poetas ... em vez de dizerem
um bosque romântico, um lago melancólico, ... dizem um bosque verde e um lago azul, o
alerta expandiu-se entre os discípulos de madame de Staél e na escola genovesa; e já se
levanta uma indignação como se fosse a invasão de um materialismo novo... Teme-se
sobretudo a monotonia, e parece ser fácil demais e simples demais dizer que as folhas são
verdes e as ondas azuis. Nisso talvez os adversários do pitoresco se enganem. As folhas, com
efeito, não são sempre verdes, as ondas nao são sempre azuis; ou melhor, não há na natureza
... nem verde, nem azul, nem vermelho propriamente dito: as cores naturais das coisas são
cores sem nome... O pitoresco não é uma caixa de lápis de cor que se derrama.” Sainte-
Beuve, Vie, Poésies et Pensées de Joseph Delorm, Paris, 1863, pp. 166-167 ( Pensées , XVI).
^ í J 51, 41
“O alexandrino ... se parece bastante com um par de pinças, brilhantes e douradas, mas
retas e duras: ele não pode perscrutar os recantos. — Nossos versos modernos são um pouco
quebrados e articulados à maneira dos insetos, mas, como eles, têm asas. Vie, Poésies et
Pensées de Joseph Debrme , Paris, 1863, vol. I, p. 161 (“Pensées”, IX).
[J 51a, 1]
Sob o número VI de Pensées de Joseph Delorme, reúne-se um certo número de exemplos e
precursores do alexandrino moderno, de Rotrou e Chénier, Lamartinc, Hugo e Vigny.
Reconhece-se como traço comum: “o pleno, o largo, o copioso . Um exemplo típico e este
verso de Routrou: “Eu mesmo os vi, [os cristãos] com um rosto sereno / Elevar cantos aos
céus em touros de bronze .” (p. 154).
[ J 51a, 21
366 ■ Passagens
“A poesia de André Chénier ... é, de alguma forma, a paisagem para a qual Lamartine fez o
céu.” Delorme, vol. I, pp. 159-160 (“Pensées”, VIII).
[J 51a, 3]
Na introdução de fevereiro de 1829, Saintc-Beuve dá aos poemas de Joseph Delorme um
índice social mais ou menos preciso. Ele confere peso à sua origem de boa família e ainda
mais à sua pobreza e às humilhações às quais ela o expôs.
[J 51a, 4]
O que pretendo é mostrar como Baudelaire está incrustado no século XIX. A impressão
que nele deixou deve surgir tão nítida e intacta como a de uma pedra que, certo dia, é
movida de seu lugar depois de aí ter jazido por décadas.
í J 5la, 51
A importância única de Baudelaire consiste no fato de ele ter sido o primeiro — e da
maneira mais imperturbável possível — a apreender o homem estranho a si mesmo no
duplo sentido da palavra 36 — ele o identificou e o muniu de uma couraça contra o mundo
coisificado.
[J 51a, 6]
Na concepção de Baudelaire, nada se aproxima tanto da tarefa do herói antigo em seu
século do que dar uma forma à modernidade.
(J 51a, 7]
No “Salon de 1846” ( CEuvres , vol. II, p. 134 <OC II, p. 494>), Baudelaire descreveu sua
classe a partir da roupa. Fica claro nesta descrição que o heroísmo se situa não no sujeito
descrito, mas naquele que descreve. O heroísmo da vida moderna representa uma maneira
de captar a benevolência do leitor — ou, caso se queira, um eufemismo. A idéia da morte, da
qual Baudelaire jamais se livrou, é a forma (. Hohlform ) destinada a receber um saber que
não era o seu. Sua concepção da modernidade heróica talvez fosse principalmente esta:
uma enorme provocação. Analogia a Daumier.
[ J 52, 1]
A postura mais autêntica de Baudelaire não é afinal a de Hércules em repouso, e sim a do
mímico que tirou a maquiagem. Essa mesma postura encontra-se-se nas deficiências
estruturais de seu verso, que pareceu a alguns observadores ser o elemento mais valioso de
sua arte poética.
i J 52, 2]
Em 15 de janeiro de 1866, sobre o Spleen dc Paris : “Enfim, tenho esperança de poder
mostrar, um dia desses, um novo Joseph Delorme ligando seu pensamento rapsódico a
cada incidente de seu flanar.” Charles Baudelaire, Lettres , Paris, 1915, p. 493.
[J52.3J
Em 15 de janeiro de 1866 a Sainte-Beuve: “Em certas passagens de Joseph Delorme, encontro
um pouco demais de alaúdes, de liras, de harpas e de Jeovás. Isso causa nódoas nos poemas
parisienses. Aliás, você veio para destruir tudo isso.” Ch. B., Lettres, Paris, 1915, p. 495.
[ J 52, 4]
36 Trocadilho: o original ding-fest machen significa, ao mesmo tempo, "apreender" e "tornar resistente às
coisas", isto é, ao mundo coisificado (die verdinglichte Welt). (w.b.)
J
[Baudelaire] 367
Uma imagem à qual Baudelaire recorre como explicação de sua teoria do poema curto,
principalmente do soneto, em carta a Armand Fraisse, de 19 de fevereiro de 1860, serve
melhor do que qualquer outra descrição para caracterizar a maneira como o céu aparece em
Meryon: “Você já observou que um pedaço do céu visto através de uma clarabóia, ou entre
duas chaminés, duas rochas, ou através de uma arcada, dava uma idéia mais profunda do
infinito que o grande panorama visto do alto de uma montanha? Ch. B., Lettres, Paris,
1915, pp. 238-239.
A propósito de Pinelli em “Quelques caricaturistes étrangers”: “Eu gostaria que se criasse
um neologismo, que se fabricasse uma palavra destinada a acabar com esse gênero de
estereótipo (poncif ), o estereótipo na postura e na conduta que se introduz na vida dos
artistas assim como nas suas obras.” Ch. B, CEuvres, p. 21 1 <OC II, p. 572>.
[ J 52, 6]
Nem sempre o emprego da noção de alegoria é absolutamente seguro cm Baudelaire: esta
alegoria da aranha que teceu sua teia entre a linha e o braço desse pescador que a
impaciência não faz nunca tremer.” Ch. B., CEuvres , vol. II, p. 204 <OC II, p. 565>
(“Quelques caricaturistes étrangers”).
Contra a frase: “o gênio se
étrangers”).
impõe”. Ch. B„ CEuvres , vol. II, p. 203 (“Quelques caricaturistes
[ J 52a, 2]
Sobre Gavarni: “Como todos os homens de letras, ele mesmo homem de letras, ele é
Eigeiramente tingido de corrupção.” Ch. B., CEuvres , vol. II, p. 199 <OC II, p. 559>
fOuelques caricaturistes français”).
' ^ H Y L J 52a, 3]
F.-m "Quelques caricaturistes français”, a propósito de um desenho de Daumier sobre o
fflotera: “O céu parisiense, fiel a seu hábito irônico nas grandes calamidades e nos grandes
tnmanejamentos políticos, o céu é esplêndido; é branco, incandescente de ardor ... a praça
é deserta e abrasadora, mais desolada que uma praça populosa depois de uma insurreição. ’
CL B., CEuvres, vol. II, p. 193 <OC II, p. 554>.
Wm- Globe de 15 de março de 1830, Duvergier de Hauranne constata o seguinte a respeito
àt Le Consolations-, “Não é certo que o Posilippo tenha inspirado Sainte-Beuve tanto quanto seu
.'ard d’Enfer.” (Cit. em Sainte-Beuve, Les Consolations, Paris, 1863, p. 114).
[ ] 52a, 5]
7 imcri » -3 de Farcy, um combatente de julho que tombou pouco depois de redigir estas
■lhas. sobre Joseph Delorme e Les Consolations-. “A libertinagem é poética quando é o ímpeto
lt pm princípio apaixonado em nós, quando é filosofia audaciosa, mas não quando é
— "3s uma transgressão furtiva, uma confissão vergonhosa. Este estado ... cai ... mal para
poeta que deve sempre caminhar com simplicidade c de cabeça erguida, e que precisa do
V^mo ou das amarguras profundas da paixão.” Extraído do manuscrito publicado
mnr A. Sainte-Beuve, Les Consolations. Pensées dAoüt , Paris, 1863, p. 125.
[ J 52a, 6]
365 ■ Passagens
Extraído da crítica de Sainte-Beuve por Farcy: “Se a multidão lhe é insuportável, a vastidão
do espaço o oprime mais ainda, o que é menos poético. Ele ainda não mostrou bastante
orgulho e categoria para dominar toda essa natureza, para escutá-la, compreendê-la, traduzi-
la nos seus grandes espetáculos. Em Sainte-Beuve, Les Consolations. Pensées d‘Aoüt [Poésies de
Sainte-Beuve , Parte II], Paris, 1863, p. 125. “Ele tinha razão”, comenta Sainte-Beuve, p. 126.
[ J 52a, 7]
A obra de Baudelaire provavelmente ganhou não só peso literário, mas também peso moral
pelo fato de ele- não ter legado nenhum romance.
I J 52a, 8]
As faculdades da alma que figuram tanto em Baudelaire são “lembranças” ( Andenken ) do
ser humano, assim como as alegorias- medievais são lembranças dos deuses. “Baudelaire”,
assim escreveu Claudel certa feita, “tem como objeto a única experiência interior que era
dada ao ser humano do século XIX: ou seja, o Remorso”. Isto provavelmente significa ver
as coisas de maneira muito cor-de-rosa. Dentre as experiências interiores, o Remorso tinha
se extinguido tanto quanto as outras experiências anteriormente canonizadas. O Remorso
em Baudelaire é apenas uma lembrança, como o Arrependimento ou a Virtude, a Esperança
ou mesmo a Angústia, que foram surpreendidas no momento em que cederam seu lugar à
morna indiferença ( incuriosité ). <Cf. J 33, 8>
[ J 53, 1]
Quando Baudelaire adotou, após 1850, a doutrina da arte pela arte, ele renunciou
resignadamente à idéia que abandonara de maneira soberana a partir do instante em que
fez da alegoria a armadura de sua poesia: ele renunciou a colocar a arte como categoria da
totalidade da existência.
I J 53, 2]
O homem meditativo ( Grübler ) cujo olhar, assustado, recai sobre o fragmento em sua mão,
torna-se alegorista.
t J 53. 31
Caso se queira ter presente o quanto Baudelaire tinha que respeitar como poeta suas próprias
regras, suas próprias concepções, seus próprios tabus e, por outro lado, com que precisão
eram definidas as tarefas de seu trabalho poético, se perceberá nele um traço heróico. Não
existe livro de poemas no qual o poeta como tal se revele mais despojado de vaidade e ao
mesmo tempo mais forte do que em Baudelaire. Encontra-se aqui uma justificativa para a
reiterada comparação com Dante.
t J 53, 4]
O que fascinou Baudelaire de maneira tão exclusiva na literatura latina tardia, principalmente
cm Lucano, deve ter sido o emprego que essa literatura fez dos nomes dos deuses, uma
prática que preparou o emprego alegórico. É dessa questão que trata Usener. 37
1 J 53, 5J
O horror em Lucano: Erichtho, a bruxa tessálica, a profanação dos mortos [Bellum Civile, V,
507-569), a profanação da cabeça de Pompeu (VIII, 663-691), a Medusa (IX, 624-653).
[ J 53, 6]
37 Hermann Usener, Gótternamen: Versuch einer Lehre von der religiósen Begriffsbildung Bonn 1896
(R.T.)
J
[Baudelaire] 369
“Le coucher du soleil romantique” <OC I, p. 149> — a paisagem como alegoria.
[J53.7]
A Antiguidade e o Cristianismo determinam a armadura histórica da visão alegórica: eles
representam os rudimentos permanentes da primeira experiência alegórica: a da alta Idade
Média. “A concepção alegórica tem sua origem no contraste entre uma physis culpada,
instituída pelo Cristianismo, e uma natura deorum mais pura, que se encarnava no Pantheon.
Na medida em que a Renascença renova o elemento pagão, e a Contra-Reforma, o elemento
cristão, a alegoria precisa também renovar-se, como forma de sua confrontação.” (Walter
Benjamim Ursprung des deutschen Trauerspiels , Berlim, 1928, p. 226). 38 Para Baudelaire,
chega-se mais perto do fato quando se inverte a fórmula. Para ele, a experiência alegórica foi
primária; pode-se dizer que ele se apropriou, tanto no que concerne à experiência antiga
quanto à cristã, apenas daquilo de que necessitou para pôr em prática em sua poesia aquela
experiência primária — que possuía um substrato sui generis.
f J 53a, II
A paixão em Baudelaire pelos navios ou pelos brinquedos animados é, talvez, apenas uma
outra expressão do descrédito que atingiu para ele o mundo do orgânico. Aqui manifesta-
se claramente uma inspiração sádica.
[ J 53a, 2]
‘Todos os incrédulos do melodrama, malditos, condenados, fatalmente marcados por um
ricto que vai de orelha a orelha, estão na ortodoxia pura do riso... O riso é satânico, portanto,
é profundamente humano.” Ch. B., CEuvres, vol. II, “De 1’essence du rire”, p. 171 <OC II,
pp. 531-532>.
[J53a,3]
É um choque que faz sair da imersão o homem imerso em pensamentos. A típica experiência
de choque daquele que se entregou à magia, movido pelo desejo de ir mais longe do que a
sabedoria humana, é citada nas lendas medievais como a “gargalhada sarcástica do inferno”.
“Nela ... o emudecimento da matéria é vencido. Justamente o riso, a matéria se espiritualiza
de forma exuberante, distorcida de modo altamente excêntrico. Ela se torna tão espiritual,
que vai muito além da linguagem. Ela quer chegar mais alto e termina em uma gargalhada
estridente.” ( Ursprung , p. 227). 39 Não apenas esta gargalhada frenética era própria de
Baudelaire; ela ressoava em seus ouvidos e deu-lhe muito que pensar.
I J 53a, 4]
A gargalhada é a articulação destroçada.
[ J 54, 1]
Sobre a fuga de imagens ( Bilderflucht ) e sobre a teoria da surpresa, que Baudelaire
compartilhou com Poe: “As alegorias envelhecem porque faz parte de sua essência provocar
a estupefação.”'* 0 A seqüência de publicações alegóricas no Barroco representa uma espécie
de fuga de imagens.
[ J 54, 2]
38 GS I, 400; ODBA, p. 249 {R.T.; w.b.).
39 GS I, 401; ODBA, pp. 250-251, com interpolações. (R.T.; w.b.)
40 GS I, 359; ODBA, p. 205, com interpolações. (R.T.; w.b.)
370 ■ Passagens
Sobre a inquietude enrijecida e sobre a fuga de imagens: “O mesmo movimento é peculiar
à poesia lírica barroca. Em seus poemas não existe nenhum movimento progressivo, e sim
uma intumescência a partir de dentro.’ A fim de contrabalançar a imersão em pensamentos,
a alegoria precisa desenvolver-se de forma sempre nova e sempre surpreendente.” Ursprung,
p. 182 (citação de Fritz Strich). 41
[ J 54, 3]
Quando se determinou o esquema da alegoria de maneira metafísica, segundo sua natureza
triplamente ilusória, como “aparência da liberdade - na investigação do proibido; ... aparência
da autonomia — no ato de segregar-se da comunidade dos fiéis; ... ilusão do infinito — no abismo
vazio do Mal” ( Ursprung , p. 230), 42 nada é mais fácil do que ordenar grupos inteiros de poemas
baudelaireanos segundo este esquema. A primeira parte pode ser representada pelo ciclo “Fleurs
du Mal”, a segunda, pelo ciclo “Revolta” e a terceira pode ser facilmente reunida a partir de
“Spleen e ideal” <OC I, pp. 111-120, 121-125 e 7-81>.
[J54.4]
A imagem da inquietude petrificada no Barroco é “a confusão desesperada da cidade das
caveiras, que pode ser vista, como esquema das figuras alegóricas, em milhares de gravuras
e descrições da época”. ( Ursprung , p. 232). 43
[ J 54, 5]
O grau da impaciência de Baudelaire pode ser medido a partir dos versos de “Sonnet d automne”:
“Meu coração, que tudo irrita, / Exceto a candura do antigo animal” <OC I, p. 65>.
[ J 54, 6]
As vivências esvaziadas, privadas de sua substância: “Enfim nós temos.../ Nós, sacerdote orgulhoso
da Lira, / ... / bebido sem sede e comido sem fome!” (“E examen de minuit” <OC 1, p. 144>).
[J54.7]
A arte aparece de fato desnudada e severa à luz da observação alegórica:
“Para alcançar do juiz a graça,
Quando da impiedosa devassa
Nos vier o dia do terror.
Há que mostrarmos o porão
Cheio de messes e de flores
Cujas sutis formas e cores
Ganham dos Anjos o perdão.”
“La rançon” <OC I, p. 173>. A comparar com “Le squelette laboureur” <OC 1, p. 93>.
[ J 54, 8]
A propósito do “seccionamento estranho do tempo”, a ultima estrofe de “L’ avertisseur”:
41 GS I, 359; ODBA, p. 205, com interpolações. (R.T.; w.b.)
42 GS I, 404; ODBA, p. 253, com interpolações. (R.T.; w.b.)
43 GS I, 405; ODBA, p. 255. (R.T.; w.b.)
J
[Baudelaire] 371
“Seja o que for que espere ou sonhe,
O homem não vive um só momento
Sem sofrer a advertência
Da insuportável Víbora.” <OC I, p. 140>
A comparar com “L’ horloge” e “Rêve parisien” <OC I, pp. 81 e 101>.
[ j Ma. i;
A propósito da gargalhada:
“Os risos inebriantes de que se enche a prisão
Para o estranho c o absurdo levam sua razão.”
“Sur Le Tosse en Prison <OC I, p. 168>.
“Seu riso não é a máscara
De Melmoth ou de Mefisto
Sob a tocha de Aleto
Que os queima, mas que nos gela.”
“Vers pour le portrait de M. Honoró Daumier” <OC I, p. 167>.
[ J 54a, 2]
A gargalhada sarcástica nas nuvens em “La Béatrice” <OC I, p. 1 16>.
“Não sou acaso um falso acorde
Na divina sinfonia,
Graças à voraz Ironia
Que me sacode e que me morde?”
*L’ héautontimorouménos” <OC I, p. 78>.
'“TLa beauté” <OC I, p. 21 > — ela dá o enrijecimento. Mas não a
recai o olhar do alegorista.
[ J 54a, 3]
inquietude sobre a qual
í J 54a, 4]
Sobre o fetiche:
“Seus olhos claros são feitos de minerais sedutores,
E nesta natureza estranha e simbólica
Onde o Anjo indecifrável se mistura à esfinge antiga,
Onde tudo é ouro, aço, luz e diamantes.
Resplende para sempre, como um astro inútil,
A fria majestade da mulher estéril.”
“Avec ses vêtements....” <OC I, p. 29>-
[ J 54a, 5]
“Por muito tempo! Sempre! minha mão em tua cabeleira ondulante
Cultivarei a pérola, a safira e o jade,
Para que meu desejo em teus ouvidos cante!”
“La chevelure” <OC I, p. 27>. j j 54llj
Indo ao encontro da negra tuberculosa na metrópole, Baudelaire percebeu um aspecto
muito mais verdadeiro do império colonial da França do que Dumas, que tomou um navio
para Tunis numa missão encomendada por Salvandy. ^ j 54a 7 j
Sociedade do Segundo Império:
“O algoz, que se diverte, o mártir que padece;
A festa que perfuma o sangue e que o tempera;
O veneno do poder que ao déspota enraivece,
E o povo em êxtase ante o látego que o espera.
“Le voyage” <OC I, p. 132>. [ j 55i q
As nuvens: “Le voyage , IV, 3. ” [ j 55 2 ]
Tema do outono:
“L ennemi”, “L imprévu”,
“Semper eadem” <OC I, PP- 16, 171, 41>.
[J55.31
Satã em “Litanies”: “grande rei das coisas subterrâneas
“Tu cujo olhar claro conhece os profundos arsenais
Onde dorme sepulto o povo dos metais. <OC I, p. 124>
[ J 55, 4]
A teoria do sub-homem de Granier de Cassagnac, a propósito de “Abel et Cain” <OC I,
p. 122>. [ j 55 , 5 ]
A propósito da determinação cristã da alegoria: ela não tem lugar em “Révolte” <OC I, pp.
121-1 25>- [ j 55 , ei
Sobre a alegoria: “Lamour et le crâne: vieux cul-de lampe”, “Allégone , Une gravure
fantastique” <OC I, pp. 119, 116, 69>-
[ J 55, 71
J
[Baudelaire] 373
“—Translúcido era o céu, o mar em calmaria;
Mas para mim tudo era escuro e solitário,
E o coração, como entre as sombras de um sudário,
Eu envolvera nessa estranha alegoria."
“Ün voyage à Cythère” <OC I, p. 119>.
[J 55, 8]
"Retesando meus nervos como um herói” (“Les sept vieillards” <OC I, p. 87>).
[ .1 55, y]
"Les sept vieillards” a propósito do eterno retomo do igual. Dançarinas do teatro de revista.
[J55, 10]
lista de alegorias: a Arte, o Amor, o Prazer, o Arrependimento, o Tédio, a Destruição, o
Agora, o Tempo, a Morte, o Medo , a Dor, o Mal, a Verdade, a Esperança, a Vingança, o
Ódio, o Respeito, o Ciúme, os Pensamentos.
[J55, 11]
“L irrémediáble” <OC I, p. 79> — catálogo dc emblemas.
[J 55, 12]
% alegorias representam aquilo que a mercadoria faz com as experiências que têm os homens
lácste século.
[J 55, 13]
O desejo de dormir. “Abomino a paixão e o espírito me faz mal.” “Sonnet d’automne”
<OC 1, p. 65>.
[ J 55, 141
“Um soberbo tosão.../ que é igual a li em espessura, / Noite sem astros, Noite escura!” “Les
promesses d’un visage” <OC I, p. 163>.
I J 55, 15]
“Escada de vertigem onde se abisma sua alma.” “Sur Le Tosse en Prison’ <OC I, p. 168>.
I J 55, 16J
A afinidade que Baudelaire sentia pela latinidade tardia tem provavelmente a ver com sua
paixão pelo alegórico, cujo primeiro florescimento ocorreu na alta Idade Média.
[J 55, 171
É errôneo querer julgar a força de pensamento de Baudelaire segundo suas digressões
filosóficas, como o fez Jules Lemaítre. Baudelaire foi um filósofo ruim, foi melhor como
teórico da arte, porém, foi incomparável como homem meditativo ( Grübler ). Do homem
meditativo ele tem a estereotipia dos temas, a capacidade imperturbável de afastar tudo
que pudesse incomodá-lo, a disposição de colocar a qualquer momento a imagem a serviço
da idéia. O meditativo sente-se em casa entre as alegorias.
[J 55a, 1]
J'“4 ■ Passagens
A atração que algumas poucas situações fundamentais exerceram constantemente sobre
Baudelaire faz parte do conjunto de sintomas da melancolia. Ele parece ter sido vítima da
compulsão de ter que retomar pelo menos uma vez a cada um de seus temas principais.
[ J 55a, 2]
A alegoria de Baudelaire contém traços da violência que era necessária para demolir a
fachada harmoniosa do mundo que o cercava.
[ J 55a, 3]
A inquietude petrificada torna-se, na visão de mundo de Blanqui, o status do próprio
cosmos. O curso do mundo parece assim de fato uma única e grande alegoria.
[ J 55a, 4 ]
A inquietude petrificada e alias a fórmula para a história de vida de Baudelaire, a qual não
conhece desenvolvimento algum.
[ J 55a, 5]
A relação de tensão em que se situa a sensibilidade mais cultivada em relação à contemplação
mais concentrada é característica de Baudelaire. Ela se reflete teoricamente na doutrina das
corrcspondanc.es c na preferência pela alegoria. Baudelaire nunca fez. a tentativa de estabelecer
qualquer espécie de relação entre elas. Mas estas relações existem.
[ J 55a, 6]
A miséria e o horror que em Baudelaire têm sua armadura na visão alegórica tornaram-se,
em Rollinat, objeto de um gênero. (Este gênero teve seu “santuário artístico” no café Le
Chat Noir. É possível encontrar, caso se queira, seu modelo em um poema como “Le vin de
I assassin <OC I, p. 107>. Rollinat foi um poeta com cadeira cativa no Chat Noir.)
[ J 55a, 7]
De L essence du rire contém a teoria da gargalhada satânica. Neste ensaio, Baudelaire
chega a considerar mesmo o sorriso como satânico por natureza. Alguns contemporâneos
chamaram a atenção para o caráter assustador da maneira de rir do próprio Baudelaire.
í J 55a, 8]
O objeto atingido pela intenção alegórica é segregado das correlações da vida: ele é ao
mesmo tempo quebrado em pedaços e conservado. A alegoria agarra-se às ruínas. O impulso
destrutivo de Baudelaire em parte alguma está interessado na abolição daquilo que ele
atinge. (Cf., porém, “Revolte”, J 55,6)
[ I 56, 1]
A alegoria barroca vê o cadáver apenas de fora, Baudelaire o representa por dentro.
’ L J 56, 2]
inventivas de Baudelaire contra a mitologia fazem lembrar aquelas dos clérigos medievais,
bochechudo Cupido é objeto de seu ódio particular. A aversão de Baudelaire por ele tem
as mesmas raízes de seu ódio por Béranger.
[ J 56, 31
Baudelaire vê a oficina da própria arte [como um lugar de confusão], como “o aparelho da
destruição” que as alegorias gostam de representar. Nas notas póstumas para um prefácio
J
[Baudelaire] 375
da terceira edição das Fleim du Mal , planejada por ele, lê-se o seguinte: "Mostra-se ao
público ... o mecanismo que está atrás dos efeitos? ... Revelam-se-lhe todos os panos velhos,
as maquiagens, as roldanas, as correntes, os arrependimentos, as provas rabiscadas, enfim,
todos os horrores que compõem o santuário da arte?” Ch. B., CEuvres, vol. I, p. 582 <OCI,
p. 185>.
í [J56.4]
Baudelaire como mímico: “Casto como o papel, sóbrio como a água, inclinado à devoção
como um comungante, inofensivo como uma vítima, não me desagradaria passar por um
debochado, um bêbado, um ímpio e um assassino.” Ch. B., CEuvres, vol. I, p. 582. (Estudos
para um prefácio para Les Fleurs du Mal <OCI, p. 185>.) ^
Somente para a publicação das Fleurs du Mal e dos Petits Pobnes en Prose, Baudelaire dirigiu-
se a mais de 25 revistas, sem contar os jornais.
[J56.6]
Detalhamento barroco do corpo feminino: “Le beau navire”. Do lado oposto: “Toute
entière” <OC I, pp. 51 e 42>.
[ J 56, 71
Alegoria:
“Semear nos corações é sucumbir ao pranto;
Finda-se o amor vem a saudade,
Até que o Esquecimento os arremesse a um canto
E os lance enfim à Eternidade!”
«se Qia “Confession” <OC I, p. 46>.
[ J 56, 8]
“Ser maldito a quem, do abismo profundo
Até o mais alto do céu, nada, senão eu, responde!
Estátua dos olhos de jade, grande anjo de fronte de bronze!”
■Jc me: <4onne ces vers” <OC I, p. 4l>.
“Michelângelo, espaço ambíguo em que vagueiam
Cristos e Hércules...”
I J 56, 91
Hb, pisares" <OC I, p. 13>.
“Um eco a percorrer mil labirintos.”
M^jiares <OC I, p. 14>.
[ J 56a, 1]
[ J 56a, 2]
-La muse vénale” <OC I, p. 15> mostra o quanto Baudelaire considerava por vezes a
publicação de obras poéticas uma forma de prostituição. (
“E que o sangue cristão te fluísse na cadência
Das velhas sílabas de uníssona freqüência.”
“La muse malade” <OC I, pp. 14-15>.
A marca verdadeiramente decisiva que define Baudelaire como traidor de sua própria classe
não se deve à integridade que o impedia de pleitear subvenções do governo, e sim a sua
incompatibilidade com os costumes jornalísticos. ^ ^
A alegoria vê a existência, como a arte, colocada sob o signo da fragmentação e das ruínas.
O princípio da art pour 1’art constrói o domínio da arte fora da existência profana. Ambos
têm em comum a renúncia à idéia da totalidade harmoniosa segundo a qual arte e existência
profana se mesclariam, como querem as doutrinas do idealismo alemão e do ecletismo francês.
O retrato da multidão em Poe mostra que a descrição da confusão não e o mesmo que uma
descrição confusa.
Com flores é enfeitada cada uma das estações deste calvario [da sexualidade masculina].
Com as flores do Mal.
[ J 56a, o]
As Fleurs du Mal constituem o último livro de poemas que tiveram repercussão em toda a
Europa. Antes: Ossian, e Heine, Das Buch der Lieder (O livro dos cantos) .
r f J 56a, 9]
A dialética da produção dc mercadorias no auge do capitalismo*, a novidade do produto adquire
— como estímulo da demanda — uma importância até então desconhecida. Ao mesmo tempo,
o retorno do sempre igual manifesta-se de maneira patente na produção de massa.
Na cosmologia de Blanqui, tudo gira em torno das estrelas que Baudelaire baniu de seu
mundo.
[ J 56a, 11]
A renúncia à magia do longínquo é um momento decisivo na poesia linca de Baudelaire, que
encontrou sua formulação soberana na primeira estrofe de “Le voyage” <OC I, p. 129>.
[ J 56a, 12]
Faz parte do calvário da sexualidade masculina, em Baudelaire, o fato de ele ter considerado
a gravidez de certa forma como uma concorrência desleal. Por outro lado, solidariedade
entre impotência e esterilidade.
J
[Baudelaire] 377
A passagem em que Baudelaire confessa a fascinação que exercem sobre ele as pinturas nos
cenários dos teatros. - Onde? <OC II, p. 668> Q 4a, 4.
í J 57, 21
O impulso destrutivo de Baudelaire jamais se interessa pela abolição daquilo sobre o qual
ele recai. Isso se manifesta na alegoria e constitui sua tendência regressiva. Por outro lado,
porém, a alegoria, precisamente em seu furor destrutivo, visa a aniquilação da aparência
baseada na “ordem estabelecida” seja da arte, seja da vida - a aparência de uma totalidade
ou de um mundo orgânico que transfigura essa ordem, para torná-la suportável. E esta é a
tendência progressiva da alegoria.
[ J 57, 3]
Quando o ser humano, aspirando a uma existência mais pura, mais inocente e mais espiritual
que aquela que lhe foi reservada, buscava uma garantia para isso na natureza, ele a encontrou,
na maioria das vezes, em algumas planras ou animais. Não é o caso de Baudelaire. Seu
sonho de uma existência melhor rejeita a comunhão com qualquer natureza terrena e se
prende às nuvens. Muitos poemas desenvolvem temas ligados às nuvens [sem falar da
transfiguração de Paris em “Paysage” <OC I, p. 82>], A profanação mais terrível é a das
nuvens (“La Béatrice” <OC I, pp. 116-1 17>).
[ J 57, 4]
Para o spleen, o homem sepultado é o “sujeito transcendental” da história.
I J 57. 5]
A miséria econômica de Baudelaire é um elemento de sua via crucis. Associada à sua miséria
«ótica, ela forneceu os traços essenciais para a imagem do poeta que perdurou na tradição.
A via crucis de Baudelaire como uma redenção.
[ J 57, 61
A solidão de Baudelaire deve ser enfatizada como um contraponto àquela de Blanqui.
Também Blanqui teve um “destino eternamente solitário”. (Cf. “Mon coeur mis à nu”, XII
<OC I, p. 680>).
f J 57, 71
A propósito da imagem da multidão em Poe: que imagem da cidade grande se pode
ter quando o registro de seus perigos físicos — sem falar dos perigos a que ela mesma
está exposta - permanece ainda tão incompleto quanto na época de Poe ou Baudelaire?
A multidão expressa um pressentimento desses perigos.
I J 57, 8]
Os leitores de Baudelaire são homens. São eles os responsáveis por sua glória. Ele os resgatou.
1 J 57, 9]
Baudelaire não teria escrito poemas se tivesse, para escrever poesia, apenas os motivos de
que os poetas comumente dispõem.
[ J 57a, 1]
Sobre a impotência. Baudelaire é um “maníaco, revoltado contra sua própria impotência’.
Ik&rapaz de satisfazer as necessidades sexuais da mulher, Baudelaire transformou o vício em
3/8 ■ Passagens
virtude, sabotando as necessidades espirituais de seus contemporâneos. Esta correlação não
lhe escapou. A consciência disso manifesta-se sem dúvida mais claramente na natureza de
seu humor. Trata-se do humor desagradável do rebelde, que não se confunde nem por um
instante com o humor agradável dos homicidas que já começava na época. Esta forma de
reação é tipicamente francesa; sua denominação, la rogne, não pode ser facilmente traduzida
em outra língua.
[J57a,2]
O traço com que a modernidade se aparenta definitivamente e da maneira mais íntima à
Antiguidade é seu caráter fugaz. A ressonância ininterrupta que as Fleurs du Mal encontraram
até hoje vincula-se a um aspecto peculiar sob o qual a cidade grande apareceu pela primeira
vez na poesia. E o aspecto menos esperado. Quando evoca Paris em seus versos, Baudelaire
faz ressoar a decrepitude e a caducidade de uma cidade grande. Talvez seu mais perfeito
exemplo esteja no “Crépuscule du matin” que é a reprodução, a partir dos materiais da
cidade, do soluçar do homem prestes a despertar. Este aspecto, porém, é mais ou menos
comum a todo o ciclo dos “Tableaux Parisiens”. Ele vem à tona, magicamente, na cidade
translúcida, em um poema como “Le soleil”, assim como aparece também na evocação
alegórica do Louvre em “Le cygne”.
[ J 57a, 3]
Sobre a fisionomia de Baudelaire como a do mímico: Courbet relata que o poeta, todos os
dias, tinha uma aparência diferente.
[ J 57a, 4]
Entre os povos latinos, o refinamento sensorial não diminui a energia da apreensão sensível.
Entre os alemães, o refinamento, a crescente cultura do prazer dos sentidos, é pago geralmente
com uma perda na arte da apreensão; a aptidão ao prazer perde em consistência aquilo que
ganha em sutileza. (Cf. “o cheiro dos tonéis” em “Le vin des chiffonniers” <OC I, p. 106>).
[ J 57a, 5]
A extraordinária capacidade de sentir prazer de um Baudelaire é totalmente desprovida de
aconchego na intimidade. Esta incompatibilidade fundamental entre o prazer sensível e o
aconchego é o traço distintivo da verdadeira cultura dos senddos. O esnobismo de Baudelaire
é a renúncia excêntrica ao aconchego, e seu “satanismo” é a resoluta disposição de perturbá-
lo onde e quando ele vier a se instalar.
(J58, 11
Em Meryon, as mas parisienses são poças sobre as quais, bem acima, vagueiam as nuvens.
[J58.2]
Baudelaire queria criar espaço para seus poemas e por isso teve que deslocar outros. Depreciou
certas liberdades poéticas dos românticos por meio do seu manejo clássico da rima e
desvalorizou o alexandrino clássico por meio da inserção de irregularidades e pontos de
ruptura. Em suma, seus poemas continham disposições específicas para eliminar poemas
concorrentes.
[J58, 3]
Baudelaire talvez tenha sido o primeiro a ter a idéia de uma originalidade adaptada ao
mercado que, justamente por este motivo, foi a mais original de todas, naquela época.
J
[Baudelaire] 379
A "‘criação” do seu poncif\evarO a adotar procedimentos comuns na concorrência comercial.
Disso fazem parte tanto suas observações difamatórias sobre Musset ou Béranger, quanto
suas contrafações de Victor Hugo.
[J58.4]
A relação entre multidão e indivíduo se apresenta, quase por si só, como uma metáfora por
meio da qual é possível compreender a inspiração destes dois poetas: Hugo e Baudelaire.
Para Hugo, as palavras se oferecem, assim como as imagens, como uma massa ondulante.
Em Baudelaire, elas representam sobretudo 0 solitário que está submerso na multidão,
umas que se apresenta com uma fisionomia inconfundível àquele que se detém para olhá-lo.
^ r ( J 58, 5]
De que adianta falar de progresso para um mundo tomado por uma rigidez cadavérica?
Baudelaire encontrou a experiência de tal mundo, configurada com força incomparável, na
idbra de Poe. O que tornou Poe insubstituível para Baudelaire foi ele ter descrito um
mundo no qual a poesia e o comportamento de Baudelaire encontraram sua razão de ser.
A idéia da paixão estética de Baudelaire deu à grande parte da bibliografia corrente sobre
dk o caráter de uma irnüge d' Épinal. Como se sabe, estas gravuras coloridas representam
muitas vezes imagens da vida dos santos.
[ J 58a, 1]
São circunstâncias bem fundamentadas, históricas, que tornaram o calvário da impotência,
seguido por Baudelaire, um calvário previamente traçado pela sociedade. Apenas assim
-se compreender que ele tenha recebido como viático, para percorrer este caminho,
na antiga e valiosa moeda proveniente do tesouro acumulado desta sociedade. Ela tinha
ma fere a alegoria do Esqueleto com a foice e, no reverso, a Melancolia imersa em meditação.
^ [ J 58a, 2 ]
ü «iséncia de estrelas, em Baudelaire, dá a noção mais exata da tendência de sua poesia
Ora a dissolver a aparência.
[ J 58a, 3]
i chave para a relação entre Baudelaire e Gauticr deve ser procurada na consciência mais
.«he menos clara do mais jovem [?] de que seu impulso destrutivo não encontraria um limite
luto nem mesmo na arte. De fato, este limite não resiste à intenção alegórica,
rente Baudelaire poderia ter escrito seu ensaio sobre Dupont, se à crítica ao conceito
iir arre. que está incluída na práxis deste último, não tivesse correspondido a sua própria,
immir . menos radical. Baudelaire tentou dissimular estas tendências, com sucesso, recorrendo
r de de Gautier.
[ J 58a, 4]
o flâneur, assim se pode dizer, retorna o tipo ocioso que Sócrates escolheu como
ítor no mercado de Atenas. Porém, não há mais nenhum Sócrates. E também
o trabalho escravo que lhe permitia a ociosidade.
1 J 58a, 5]
i jMupõsito da prostituição nas ruas. Nao obstante a importância das manifestações
am-adas da sexualidade na vida e na obra de Baudelaire, é significativo que o prostíbulo
380 ■ Passagens
não represente papel algum nem em documentos particulares, nem em sua obra. Não existe,
nesta esfera, qualquer equivalente a um poema como “Le jeu” <OC I, p. 95>. Apenas uma
vez os lupanares são mencionados em “Les deux bonnes soeurs” <OC I, p. 1 14>.
[ J 58a, 6]
Em Hugo, é por meio da multidão que a natureza exerce seu direito elementar sobre a
cidade: “cidades zumbindo nos ouvidos / mais que um bosque da América”. 44
[ J 59, 1]
A “multidão” é um véu que esconde a “massa” do flâneur.
[ J 59, 21
O mais notável na poesia de Hugo talvez não seja o fato de lançar mão de temas próprios
a mesas-falantes, mas de ter sido produzida regularmente na presença desses fenômenos.
O mundo dos espíritos que afluem cm número incalculável substitui, para Hugo, o público
durante seu exílio.
[J59,3]
Na origem, o interesse pela alegoria não é verbal, e sim ótico. “As imagens, minha grande,
minha primitiva paixão.” <OC I, p. 701>
[ J 59. 4]
Os complicados teoremas - com os quais os defensores à época e também a história da
literatura formularam a doutrina da art pour 1’art — resumem-se, ao fim e ao cabo, neste
princípio: a sensibilidade é o verdadeiro tema da poesia. Por sua própria natureza, a
sensibilidade é sofredora. Se ela atinge sua máxima concretude, sua melhor determinação
e seu mais rico teor no erotismo, ela encontraria sua perfeição absoluta em sua transfiguração
na paixão. Ela definiria a noção de uma “paixão estética”; a noção do estético apresentar-se-
ia aqui com o mesmo significado que lhe conferiu a erotologia de Kierkegaard.
t J 59, 5]
A poética da art pour Vart insere-se sem solução de continuidade na paixão estética das
Fleurs du Mal.
[ J 59, 6]
A perda da auréola concerne em primeiro lugar ao poeta. Ele é obrigado a expor-se
pessoalmente no mercado. Baudelaire empenhou-se nisso com toda energia. Sua célebre
mitomania foi um artifício publicitário.
ÍJ59.7]
O novo aspecto desolado de Paris, tal como descrito por Veuillot, assim como o espetáculo
desolado do vestuário masculino, constitui um momento essencial da imagem da
modernidade.
[J 59, 8]
A mistificação em Baudelaire é uma magia apotropaica, à semelhança da mentira das
prostitutas.
[J59, 9]
44 Este fragmento falta nas edições alemã, francesa e norte-americana. Ele foi recuperado através de
consulta ao manuscrito original das Passagens (Ms. 231 1) no Walter Benjamin Archiv (Berlim). Eis o
texto original: "Bei Hugo ist es die Menge, mit der die Natur ihr elementares Recht an der Stadt übt:
'cités bourdonnants aux oreilles / Plus qu’un bois d'Amérique’". (w.b.)
J
[Baudelaire] 381
A forma da mercadoria manifesta-se em Baudelaire como o conteúdo social da forma
de percepção alegórica. Forma e conteúdo confundem-se em uma síntese que é a
prostituta.
r [J59. 10]
Baudelaire percebeu a importância do artigo de massa tão claramente quanto Balzac. Nisto
seu “americanismo”, do qual fala Laforgue, encontra seu fundamento mais sólido. Pretendeu
criar um poncif. Lemaitre lhe confirma que obteve sucesso.
^ [ J 59a. 1]
A propósito da reflexão de Valéry sobre a situação de Baudelaire. É importante que Baudelaire
tenha descoberto a relação de concorrência na produção poética. Naturalmente, as rivalidades
entre poetas são antiquíssimas. Desde 1830, entretanto, essas rivalidades começaram a ser
resolvidas no mercado. F.ra o mercado que precisava ser conquistado, e não mais a proteção
da nobreza, dos príncipes ou do clero. Esta condição pesou mais para a poesia lírica do que
para outras formas da poesia. A desorganização de estilos e escolas poéticas é o complemento
do mercado que se abre ao poeta como “o público”. Baudelaire não se baseou em nenhum
estilo e não se apoiou em nenhuma escola. Foi uma autêntica descoberta dele o fato de
estar competindo com indivíduos.
[ J 59a, 2]
As Fleurs du Mal podem ser consideradas um arsenal. Baudelaire escreveu certos poemas
para destruir outros que tinham sido escritos antes dele.
[ J 59a, 3]
Ninguém se sentiu tão pouco em casa, em Paris, como Baudelaire. Toda intimidade com as
coisas é estranha à intenção alegórica. Tocar as coisas significa para ela: violentá-las. Reconhecê-
las significa traspassá-las com o olhar. Onde ela reina, não é possível que se formem hábitos.
Mal a coisa ou a situação é apreendida, logo é rejeitada pela intenção alegórica. Envelhecem
mais rápido do que um novo corte para uma modista. Envelhecer, porém, significa tornar-
se estranho. O spleen coloca séculos entre o momento presente e aquele que acabou de ser
vivido. É ele que, incansavelmente, fabrica a “antigüidade”. E, de fato, em Baudelaire, a
modernidade nada mais é do que a "mais nova antigüidade . A modernidade não e, para
ele, única ou principalmente o objeto de sua sensibilidade: é, antes, o objeto de uma
conquista; ela tem como armadura o modo de visão alegórica.
H [ J 59a, 4]
A correspondência entre antigüidade e modernidade é a única concepção construtiva da
história em Baudelaire. Por sua armadura rígida, excluiu toda concepção dialética.
[ J 59a, 5]
A propósito de “tenho pouco dessas coisas” no projeto do prefácio às Fleurs du Mal.
Baudelaire, que não constituiu família, deu à palavra “familiar” em seus poemas um tom
repleto de significado e promessa que ela jamais possuíra antes. É como a lenta carroça
carregada de feno, com a qual o poeta leva ao celeiro tudo aquilo a que precisou renunciar
durante a vida inteira. Cf. “Correspondances”, “Bohémiens en voyage”, “Obsession
<OC I, pp. 11, 18, 75>.
[J60, 1]
3S2 ■ Passagens
Para a passagem “Onde tudo, mesmo o horror, torna-se encantamento” <OC I, p. 89>
dificilmente pode-se encontrar uma exemplificação melhor do que o retrato da multidão
em Poe.
[ J 60, 2]
A propósito do verso “A servente de grande coração...”: o acento não recai sobre “... de
quem tinhas ciúme ” <OC I, p. 100>, como se poderia esperar. A voz, por assim dizer,
retira-se de “ciúme”. Nisto reside a caducidade desta situação já de há muito passada.
r J 60, 3]
A propósito de “Spleen I” <OC I, p. 72>: com a palavra “mortalidade”, a cidade com seus
escritórios e registros públicos está inserida no spleen como uma imagem oculta em outra
imagem ( Vexierbild ).
& t J 60, 4]
A prostituta é o mais valioso espólio no triunfo da alegoria - a vida que significa a morte. Esta
qualidade é a única que nao se pode negociar e, para Baudelaire, é a única coisa que importa.
Em meados do século, modificaram-se as condições da produção artística. A modificação
consistiu no fato de que, pela primeira vez, a forma da mercadoria impôs-se de maneira
radical à obra de arte, e a forma da massa a seu público. A poesia lírica mostrou-se especialmente
vulnerável a esta modificação, como ficou patente em nosso século. O caráter único das Flenn
du Mal advém de que Baudelaire respondeu a esta modificação com um livro de poemas. É o
melhor exemplo de atitude heróica que se pode encontrar em sua vida.
[J60.6]
A atitude heróica de Baudelaire tem afinidade com a de Nietzsche. Mesmo que Baudelaire
goste de mencionar o catolicismo, sua experiência histórica é aquela que Nietzsche condensou
na frase: “Deus está morto.” Esta experiência, em Nietzsche, projeta-se cosmologicamente
na tese: não advirá mais nada de novo. Em Nietzsche, a ênfase recai sobre o eterno retorno
que o homem enfrenta com atitude heróica. Já para Baudelaire, trata-se sobretudo do
“novo”, que deve ser extraído com esforço heróico do sempre igual.
[J60.7]
As experiências históricas que Baudelaire foi um dos primeiros a fazer - não por acaso ele
pertence à geração de Marx, cuja obra principal foi publicada no ano de sua morte - expandiram-
se cada vez mais e de forma mais duradoura. Os traços ostentados pelo capital, em junho de
1848, gravaram-se desde então mais profundamente nos poderosos. E as dificuldades específicas
de apropriar-se da poesia de Baudelaire são o reverso da facilidade de entregar-se a esta poesia.
Em poucas palavras: nada ainda envelheceu nesta poesia. Isto determina o caráter da maioria
dos livros que dela se ocuparam; trata-se de folhetins ampliados.
[ J 60a, 1]
Baudelaire, sobretudo ao fim de sua vida e diante do pouco sucesso obtido por sua obra,
acabou por colocar-se à venda junto com a obra. Ele se oferecia por um preço irrisório,
confirmando assim, quanto à sua pessoa, a inevitabilidade da prostituição do poeta.
[ J 60a, 2]
J
[Baudelaire] 383
Encontramos em Baudelaire uma profusão de estereótipos, como nos poetas barrocos.
[ J 60a, 3]
De importância especial para o declínio da aura, no contexto da produção em massa, é a
reprodução massificada da imagem. .
A impotência é a figura -chave da solidão de Baudelaire. Um abismo o separa de seus
semelhantes. É desse abismo que falam seus poemas.
[ J 60a, :>]
í de supor que a multidão, tal como aparece em Poe, com movimentos precipitados e
intermitentes, seja descrita de maneira particularmente realista. Sua descrição contém uma
nerdade superior. Estes movimentos são menos os de pessoas que se ocupam de seus negócios
30 que os movimentos das máquinas por elas operadas. Poe parece ter modelado,
jnrcmonitoriamente, a atitude e as reações das multidões ao ritmo das máquinas. De qualquer
o, o flâneur não compartilha este comportamento. Ao contrário, interrompe-o, e sua
sidade não seria senão um protesto inconsciente contra a velocidade do processo de
iução. (Cf. D 2a, 1).
» neblina é o consolo do solitário. Ela preenche o abismo que o cerca.
[J 60a, 7]
& candidatura de Baudelaire à Academia foi uma experiência sociológica.
[ J 61, 1]
i série de tipos desde o guarda nacional Mayeux, passando por Gavroche, até o Trapeiro
que e Ratapoil. 45
J 61, 2]
n contemporâneo compreendeu o modo de visão alegórica de Baudelaire, razão
per; qual passou inteiramente despercebida.
[ J 61, 31
ações surpreendentes e as maquinações, os ataques inesperados e a ironia
rei fazem parte da razão de Estado do Segundo Império e foram traços característicos
ão III. Encontram-se, igualmente, nos escritos teóricos de Baudelaire.
[ J 61, 4]
po cósmico de Victor Hugo tem bem pouca semelhança com o puro terror que se
de Baudelaire no spleen. Na verdade, Hugo sentia-se à vontade no mundo dos
Ee é o complemento de sua existência doméstica da qual o horror não estava
[ ] 61, 5]
« Mayeux e o Trapeiro (le Chiffonnier) são personagens criados pelo desenhista Charles Joseph Traviès de
VHIers (1 804-1 859) (cf. Baudelaire, "QuelquesCaricaturistesFrançais", OC II, p. 562), Thomas Vireloque
é um personagem de Gavarni, e o bonapartista Ratapoil é uma criação de Daumier. 0 menino
Gavroche é um personagem de Victor Hugo, Les Misérdbles (1862). Cf. b 1, 9. (J.L., E/M)
■ rassagens
O significado oculto de “Chant dautomne”, I <OC I, pp. 56-57>: o outono só é mencionado
na minúscula frase: “eis o outono!”, e o verso seguinte diz que essa estação não significa
senão um presságio de morte. Para Baudelaire o outono não trouxe colheita alguma.
r ^ [J61.6]
Na atitude de quem recebe esmolas, Baudelaire submeteu a sociedade burguesa a um teste
permanente. Sua dependência da mãe, voluntariamente provocada, quando não alimentada,
tem não apenas uma causa revelada pela psicanálise, mas também uma causa social.
[J 61. 7]
O labirinto é o caminho certo para aquele que sempre chega em tempo a sua meta. Esta
meta é, para o flâneur, o mercado.
[J61, 8]
O caminho daquele que receia alcançar sua meta traçará facilmente um labirinto. [Esta
meta é, para o flâneur, o mercado.] Assim também se comporta a classe que não quer saber
qual será sua sorte. Aliás, não se exclui que ela sinta prazer neste desvio, substituindo desta
maneira o frêmito de prazer pelo estremecimento da morte. Foi este o caso da sociedade do
Segundo Império.
U 61, 9]
Baudelaire não tinha em vista a demanda manifesta e de curto prazo, e sim a demanda
latente e de longo prazo. As Fleurs du Mal comprovam não apenas que ele a avaliou
corretamente, mas sobretudo que este acerto na avaliação está intimamente ligado à
importância de Baudelaire como poeta.
[J61, 10]
A prostituição ganha um de seus atrativos mais poderosos apenas com o surgimento da
cidade grande. Trata-se do efeito que ela exerce na massa e através da massa. Somente a
massa permite à prostituição dissiminar-se por bairros inteiros da cidade, sendo que,
anteriormente, ela estava segregada, senão em casas, ao menos em certas mas. Somente a
massa permite ao objeto sexual refletir-se em centenas de efeitos excitantes que ela própria
produz, ao mesmo tempo. Ademais, a própria venalidade pode tornar-se um estimulante
sexual; e este atrativo aumenta quando uma oferta copiosa de mulheres enfatiza o seu
caráter de mercadoria. Mais tarde, o teatro de revista introduziu de maneira explícita,
através da exibição de girls vestidas de maneira rigorosamente uniforme, o artigo de massa
na vida libidinal do habitante da grande cidade.
[ J 6 la, 1]
Com efeito: se o domínio da burguesia um dia se estabilizasse — o que nunca foi o caso nem
nunca será as vicissitudes da história, na verdade, não poderiam interessar o pensador mais
do que o caleidoscópio que, na mão de uma criança, decompõe, em cada uma de suas voltas,
a ordem antiga, para compor uma ordem nova. De fato, os conceitos da classe dominante
foram sempre os espelhos graças aos quais se constituiu a imagem de uma “ordem”.
[ J 6la, 2]
Em L’ Étemité par les Astres, Blanqui não manifestou nenhum ódio em relação à fé no
progresso, implicitamente, porém, cobriu-a de escárnio. Isso não significa, de maneira
J
[Baudelaire] 385
alguma, que ele tenha traído seu credo político. A atividade de um revolucionário profissional
como Blanqui não pressupõe a fé no progresso, mas apenas a firme determinação de acabar
com a injustiça reinante. O insubstituível valor político do ódio de classe consiste justamente
no fato de prover a classe revolucionária de uma saudável indiferença contra as especulações
relativas ao progresso. De fato, é tão digno do homem insurgir-se contra a injustiça reinante
quanto procurar melhorar a existência de gerações futuras. Sim, é igualmente digno do
homem e, além do mais, assemelha-se mais ao homem. De mãos dadas com esta indignação
estará a firme determinação de, no último momento, resgatar a humanidade da catástrofe
que a ameaça a cada instante. Foi o caso de Blanqui. Ele sempre recusou-se a elaborar
planos para algo que viria a acontecer “mais tarde”.
í J 61a. 3]
Baudelaire viu-se obrigado a reinvidicar a dignidade do poeta em uma sociedade que não
rinha mais nenhum tipo de dignidade a oferecer. Daí a bouffonnerie de sua apresentação
em público.
[J62, 1]
A figura de Baudelaire faz parte de sua glória. Sua história é para a massa pequeno-burguesa
de leitores uma image d’Épinak a ilustração da “biografia de um libertino”. Esta imagem
contribuiu decisivamente para a glória de Baudelaire - mesmo que muitos de seus
divulgadores não contassem entre seus amigos. A esta imagem sobrepõe-se uma outra,
menos divulgada, mas, em compensação, mais duradoura: ela mostra Baudelaire como
representante de uma paixão estética.
[ J 62, 2]
O esteta, em Kierkegaard, está predestinado à paixão. Cf. “O mais infeliz”. 46
[J62,3]
A sepultura é a câmara secreta onde Eros e Sexus põem termo à sua antiga disputa.
[J62,4]
As estrelas representam, em Baudelaire, a imagem oculta ( Vexierbild ) da mercadoria. Elas
mo o retorno em massa do sempre igual.
[ J 62, 5]
delaire não possuía o idealismo humanitário de um Victor Hugo ou de um Lamartine.
Não dispunha da sentimentalidade de um Musset. Não conseguia sentir prazer com sua
, como Gautier, nem iludir-se com ela, como Leconte de Lisle. Não lhe foi possível,
0 a Verlaine, refugiar-se na devoção, e tampouco, como a Rimbaud, intensificar a
a juvenil do elã lírico através da traição da idade adulta. Com as ricas informações de
delaire sobre seu ofício contrasta seu desamparo em inventar subterfúgios para enfrentar
época. E mesmo o grande papel trágico que ele compôs para o palco de seu tempo — o
1 do “moderno” - podia, afinal, ser representado tão-somente por ele. Baudelaire, sem
da alguma, sabia disso. As excentricidades com as quais ele se comprazia eram as de
mímico obrigado a representar diante de um público incapaz de acompanhar a ação
nada, um mímico que sabe disso e expressa esse saber em sua representação.
[ J 62, 6]
46
Assim se intitula um capítulo da obra Entweder-Oder (A Alternativa), de Kierkegaard; cf. também J 63, 4.
(R.T.)
386 » Passagens
Na economia psíquica, o artigo de massa aparece como idéia obsessiva. [Não existe para eie
nenhuma necessidade natural.] O neurótico é compelido a introduzi-la, à força, entre as
representações que pertencem ao processo de circulação natural. -j 62 a.il
A idéia do eterno retorno faz do próprio acontecimento histórico um artigo de massa. Ora,
esta concepção mostra, ainda sob um outro ponto de vista - poder-se-ia dizer no reverso -
as marcas das circunstâncias econômicas às quais deve sua repentina atualidade. Esta
manifestou-se no momento em que a estabilidade das condições de vida foi drasticamente
reduzida pela sucessão acelerada das crises. A idéia do eterno retorno devia todo seu esplendor
ao fato de não ser mais possível contar com certeza com o retorno de certas situações em
prazos mais curtos do que aqueles oferecidos pela eternidade. Paulatinamente, as constelações
cotidianas começaram a tornar-se menos cotidianas. Seu retorno foi-se tornando cada vez
mais raro e com isso surgiu um sombrio pressentimento de que seria preciso contentar-se
com constelações cósmicas. Em suma, o hábito dispôs-se a ceder alguns de seus direitos.
Nietzsche diz: “Amo os hábitos breves”, 47 e Baudelaire foi incapaz, a vida inteira, de criar
hábitos estáveis. Os hábitos são a armadura da experiência, enquanto as vivências os
desagregam. [J62a,a
Uma passagem de “Diapsalmata ad se ipsum” trata do tédio. E termina com a frase: “Minha
alma é como o Mar Morto que pássaro algum pode sobrevoar, pois, em pleno vôo, precipita-se,
exaurido, na ruína e na morte.” Soeren Kierkegaard, Entweder-Oder (A Alternativa), Jena.
191 1, vol. I, p. 33. Cf “Eu sou um cemitério desprezado pela lua” (“Spleen II” <OC T, p. 73>h
A melancolia, a soberba e as imagens. “Minha tristeza é minha fortificação que, tal um
ninho de águias, se ergue no cume dc uma montanha até as nuvens. Ninguém pode
assaltá-la. Desta morada vôo abaixo, em direção à realidade e capturo minha presa. Porém,
não permaneço lá embaixo; levo-a para meu castelo. Minhas presas são imagens. ^ Soeren
Kierkegaard, Entweder-Oder , Jena, 1911, vol. I, p. 38 ( Diapsalmata ad se ipsum h 62j J
Sobre o uso do termo “estético” em Kierkegaard. Quando se contrata uma babá, leva-se
também em consideração, segundo ele, “um ponto de vista estético: saberá da entreter as
crianças?” Soeren Kierkegaard, Entweder-Oder, Jena, 1911, vol. I, p. 255 ( Die Wechsd-
Wirtschaft” (A economia da troca)).
A viagem de Blanqui: “Quando nos entediamos no campo, viajamos para a capital; quando
nos entediamos em nosso país, viajamos para exterior; cansados da Europa, viajamos para
a América, e assim por diante. Abandonamo-nos à extravagante esperança de uma viagem
sem fim, de estrela em estrela.” Soeren Kierkegaard, Entweder-Oder, Jena, 1911, p. 260
(“Die Wechsel-Wirtschaft”).
47 Friedrich Nietzsche, Werke in drei Banden, ed. org. por Karl Schlechta, vol. II, Munique, 1 955, p. 1 73 (Die
frôhliche Wissenschaft. livro 4, aforismo 295). (R.T.)
J
[Baudelaire] 387
O tédio: “Ele é infinito, causando uma vertigem semelhante àquela provocada quando se
olha as profundezas de um abismo sem fundo.” Kierkegaard, Entweder-Oder , vol. I, p. 260
(“Die Wechsel-Wirtschaft”).
_ J 63. 3]
Sobre a paixão do esteta em Kierkegaard e o fundamento da paixão na recordação: “A recordação
é o elemento por excelência do infeliz... Se imaginasse um homem que não teve infância ...
mas que descobrisse agora toda a beleza que há nela e procurasse sua própria infância na
recordação, fixando permanentementc os olhos naquele vazio do próprio passado: este seria o
exemplo máximo do infeliz.” Soeren Kierkegaard, Entweder-Oder, Jena, 1911, vol. I,
pp. 203-204 (“Der Unglücklichste” [O mais infeliz]).
[J63.4]
O desejo de Baudelaire de escrever um livro no qual pudesse cuspir no rosto da humanidade
toda sua aversão faz lembrar a passagem na qual Kierkegaard confessa utilizar o seu ou...,
ou... ( entweder-oder ) como “uma interjeição”, com a qual “interpelaria a humanidade,
assim como se grita buu-buu a um judeu”. Kierkegaard, Entweder-Oder, Jena, 1913, vol.
EL p. 133 (“Das Gleichgewicht des Àsthetischcn und des Ethischen in der Ausarbeitung
óer Personlichkeit” (O equilíbrio do estético e do ético na formação da personalidade).
IJC3, 5]
Sobre o “seccionamento do tempo”: “A expressão mais adequada para a existência estética é
dizer ela está no momento. Daí as enormes oscilações às quais está exposta a vida estética.”
Kierkegaard, Entweder-Oder, vol. II, p. 196 (“Das Gleichgewicht des Asthetischen und des
Ethischen in der Ausarbeitung der Personlichkeit”).
[ J63,6|
Sobre a impotência. Em meados do século, a classe burguesa deixa de preocupar-se com o
íkruro das forças produtivas que ela mesma engendrou. (Surgem, assim, as obras que
correspondem às grandes utopias de um Thomas Morus ou de um Campanella, que
saudaram a ascensão desta classe e a identidade entre seus interesses e as exigências da
Herdade e da justiça - surgem, portanto, as utopias de um Bellamy ou de um Moilin,
empenhados, sobretudo, em fazer retoques no consumo e seus atrativos.) 48 Para poder
continuar a ocupar-se com as forças produtivas que ela mesma pôs em andamento, a
Imrguesia teria de renunciar, antes de mais nada, à idéia de renda. Que o hábito do
“‘aconchego”, típico do prazer burguês cm meados do século, esteja intimamente relacionado
cdcj. o enfraquecimento da imaginação burguesa; e que seja idêntico à satisfação de “jamais
precisar pensar vir a saber como as forças produtivas tiveram que desenvolver-se em suas
mãos — sobre isto não há qualquer dúvida. O sonho dc rcr filhos é um estímulo pobre,
quando não vem impregnado pelo sonho de uma nova natureza das coisas, na qual estas
onanças um dia hão de viver ou pela qual deverão lutar. Mesmo o sonho dc uma “humanidade
«melhor”, na qual nossos filhos possam ter “uma vida mais feliz”, é apenas uma quimera ao
pasto de Spitzweg, se, no fundo, não for o sonho de uma natureza melhor na qual eles
doam viver. (Aí reside o direito inalievável da utopia de Fourier, que Marx reconhecera [e
que a Rússia começara a pôr em prática].) Este último sonho é a fonte viva da força biológica
da humanidade, enquanto aquele primeiro sonho nada mais é que o lago turvo de onde a
aoEonha vem retirar as crianças. A tese desesperada de Baudelaire, segundo a qual as crianças
43 Edward Bellamy (1850-1898), Looking Beckward, 2000-1887 (1888): Tony Moilin (1832-1871), Paris
en l'An 2000 (1869). (J.L.)
S* as criaturas mais próximas do pecado original, é um complemento em nada impróprio
paia esra imagem. [j 63a, i]
\ respeito das danças macabras: “Os artistas modernos negligenciam demais «as magmficas
abrias da Idade Média." Ch. B„ vol. II, p. 257 <OC II, p. 652> ( Salon de
1859”). [ J 63a. 21
1 impotência encontra-se na base da i* cruds da sexualidade masculina. Provem desta
impotência tanto a ligação de Baudelaire à imagem seráfica da mulher quanto seu ^chisma
Contudo, o “pecado do poeta” dc Keller - de “inventar doces .magens femininas, I Tais
como a terra amarga náo as produz”* 1 - certamente náo é o seu. As personagens femininas
de Keller possuem a doçura das quimeras. Baudelaire permanece extremamente preciso
em suas imagens femininas e, neste sentido, francês, porque nele o elemento fetichista e o
seráfico não se reúnem, como é sempre o caso em Keller.
-Marx e Engels naturalmcnte ironizaram a fé absoluta dos idealistas no progresso. (Engels
elogia Fourier por ter introduzido, em sua reflexão sobre a história, também o
desaparecimento fiituro da humanidade, como Kant o fez em relaçao ao desaparecimento
futuro do sistema solar.) Neste contexto, Engels zomba também da conversa fiada sobre a
ilimitada perfectibilidade do homem’.” 50 Carta de Hermann Duncker a Grete Steffin, e
18 de julho de 1938. [ ] 64, 2 ]
A noção mítica da tarefa do poeta deve ser definida a partir da noção profana do utensílio
( Werkzeur). - O grande poeta nunca se coloca diante de sua obra (Werk) como um simples
produtor; ele é ao mesmo tempo seu consumidor. Na verdade, diferentemente do publico,
ele não a consome como um estímulo, e sim como um utensílio. Este carater de utensi io
representa um valor de uso que dificilmente se insere no valor de troca. ( j 64 _ 3)
Sobre o “Crépuscule du soir” <OC I, p. 94>: a cidade grande não conhece um verdadeiro
crepúsculo da tarde. Em todo caso, a iluminação artificial impede sua lenta transformaçao
em noite. A mesma circunstância faz com que as estrelas desapareçam do ceu na cidade
orande; e menos ainda percebe-se seu surgimento. A maneira como Kant descreve o sublime
através “da lei moral dentro de mim e do céu estrelado acima de mim ■ nao poderia ter
sido concebida por um habitante da cidade grande. j j 64 4]
O spleen de Baudelaire é o sofrimento devido ao declínio da aura. “A primavera adorável
perdeu seu perfume” <OC I, p. 7 6>. [ j 64, 5]
*9 Gottfried Keller, Werke, ed. org. por Daniel Bodmer, vol. I: Gedichte, Fragmente kleinere Erzãhlungen,
Aufsàtze, amtliche Kundmachungen, Zurique, 1971, p. 385 ("Tod und Dic ter
50 Friedrich Engels, Herrn Eugen DühringS Umwãlzung der Wissenschaft, in: MEW, vol, XX. 2 a ed., Berlim,
1968, p. 243. (R.T.)
51 Cf. Immanuel Kant, Kritik der praktischen Vernunft. (R.T.)
J
[Baudelaire] 389
A produção em massa é a principal causa econômica, a luta de classes, a principal causa
social do declínio da aura.
I J 64a, 1]
De Maistre sobre o “selvagem”, uma reflexão dirigida contra Rousseau: “Não seria possível
fixar um instante sequer o olhar sobre o selvagem sem ler o anátema escrito ... até na forma
exterior de seu corpo... Uma mão aterradora pesando sobre essas raças devotas apaga nelas
os dois caracteres distintivos de nossa grandeza: a previdência e a perfectibilidade. O selvagem
corta a árvore para colher o fruto; desatrela o boi que os missionários acabam de lhe confiar
e o cozinha com a lenha do arado.” Joseph de Maistre, Les Soirées de Saint-Pétersbourg. Paris,
Ed. Hatier, 1922, p. 23 (Segundo diálogo).
t ] 64a, 2]
O cavaleiro no terceiro diáogo: “Gostaria, ainda que me custasse muito, de descobrir tuna
verdade feita paia chocar todo o gênero humano: eu a revelaria à queima-roupa. Joseph de
Maistre, Les Soirées de Saint-Pétersbourg, Ed. Hatier, p. 29.
[ J 64a, 3]
“Desconfie sobretudo de um preconceito bastante difundido... : pensar que a grande
reputação de um livro supõe um conhecimento amplamente divulgado e bem fundamentado
desse livro. Não é nada disso, eu lhe asseguro. Uma vez que a imensa maioria não julga nem
pode julgar senão a partir da palavra de outros, apenas um número restrito de homens fixa
inicialmente a opinião. Estes homens morrem, mas sua opinião sobrevive. Chegam novos
livros e não resta mais tempo para ler os outros; e, logo, estes também serão julgados apenas
por uma vaga reputação.” Joseph de Maistre, Les Soirées de Saint-Pétersbourg, Ed. Hatier,
Paris, p. 44 (Sexto diálogo).
[ J 61a, 4]
“A terra inteira, continuamente embebida de sangue, não é senão um imenso altar onde
tudo o que vive deve ser imolado ininterruptamenre, sem medida, sem descanso, até a
consumação de todas as coisas, até a extinção do mal, até a morte da morte.” De Maistre,
Soirées, Ed. Hatier, p. 61. (Sétimo diálogo: “A guerra”).
[J 64a, 51
Os personagens das Soirées de Saint-Pétersbourg-, o Cavaleiro sofreu a influência de Volraire,
o Senador é um místico, o Conde representa a doutrina do próprio autor.
[J64a,6]
“Mas sabem vocês, senhores, de onde vem o transbordamento destas insolentes doutrinas,
que julgam Deus sem nenhuma cerimônia e lhe pedem que preste contas de seus decretos?
Elas vêm dessa falange numerosa a que se chama os sábios, e que não soubemos manter,
neste século, em seu devido lugar, ou seja, o segundo. Outrora havia poucos sábios, e um
número muito pequeno desse pequeno número era ímpio; hoje só se veem sábios-, é uma
profissão, é uma multidão, é um povo; e, entre eles, a exceção, em si mesma tão triste,
tomou-se regra. Por todo lado eles se arrogaram uma influência sem limites; e, no entanto,
se há uma coisa certa neste mundo, na minha opinião, não cabe à ciência conduzir os
homens. Nada do que é necessário lhe é confiado: seria preciso ter enlouquecido para
acreditar que Deus tenha encarregado as academias de nos ensinar o que Ele é, e o que lhe
390 m Passagens
devemos. Pertence aos prelados, aos nobres, aos grandes oficiais do Estado ser os depositários
e os guardiões das verdades conservadoras; ensinar às nações o que e mal e o que e bem. o
que é verdadeiro e o que é falso na ordem moral e espiritual: ninguém mais tem o direito
de legislar sobre essa matéria. Eles têm as ciências naturais para seu divertimento: do que
poderiam se queixar?” De Maistre, Les Soirées de Saint-Pétersbourg, Paris, Ed. Hatier, p. "2
(Oitavo diálogo). [j 65 ,H
Sobre processos judiciais: “Sob o império da lei maometana, a autoridade pune até mesmo
com a morte o homem que ela julga merecê-la, no próprio lugar e momento do flagrante;
e essas súbitas execuções, às quais não faltam cegos admiradores, são, entretanto, uma das
incontáveis provas do embrutecimento e da devida reprovação desses povos. Entie nós, a
ordem é bem outra: é preciso que o culpado seja preso; que seja acusado; que se defenda; é
preciso, sobretudo, que se volte para sua consciência e pense em seus negócios; é preciso
preparativos materiais para seu suplício; é preciso, enfim, para dar conta de tudo, um certo
tempo para conduzido ao local do castigo, que é determinado. O cadafalso é um aliar : ele,
portanto, só pode ser colocado ali ou deslocado pela autoridade; e esses atrasos, respeitáveis
até em seus excessos, aos quais ilgualmente não faltam cegos detratores, não deixam de ser
uma prova de nossa superioridade.” De Maistre, Les Soirées de Saint-Pétersbourg , Paris,
Ed. Hatier, p. 78 (Décimo diálogo).
Deus aparece em De Maistre como mysterium tremendum.
r [ J 65. 3]
No sétimo diálogo, “A guerra”, há uma série de períodos que se iniciam com a fórmula:
“a guerra é divina”. Entre eles, um dos mais extravagantes: “A guerra é divina na proteção
concedida aos grandes capitães, mesmo aos mais temerários, que são raramente atingidos
nos combates.” Soirées de Saint-Pétersbourg, pp. 61-62.
Há, em Baudelaire, uma tensão latente entre a natureza destrutiva e a natureza idílica da
morte, entre sua natureza sangrenta e a apaziguadora.
[ J 65a, 2 :
Os torneios à maneira do Jugendstil ainda podem
ser considerados progressistas em Baudelaire.
[ J 65a, 3]
“O aparelho sangrento da Destruição” <OC 1, p. 111> é o halo da alegoria. ^
O historicismo do século XIX é o pano de fundo diante do qual se destaca a recherche
baudelairiana de la modemité. (Villemain, Cousin).
[ J 65a, 5]
Enquanto houver uma aparência histórica, ela encontrará seu último refugio na natureza.
A mercadoria, que é o último espelho ustono da aparência histórica, celebra seu triunfo no
fato de a própria natureza assumir o caráter de mercadoria. Esta aparência de mercadoria
J
[Baudelaire] 391
da natureza encarna-se na prostituta. “O dinheiro transmite sensualidade’' é o que se
diz, e esta fórmula delineia apenas o contorno mais grosseiro de um estado de coisas que
vai muito além da prostituição. Sob o domínio do fetichismo da mercadoria, o sex appeal
da mulher toma mais ou menos intensamente as cores dos apelos da mercadoria. Não é
à toa que as relações do cafetão com sua mulher — que ele considera uma "coisa a ser
posta à venda por ele no mercado — excitaram intensamente a fantasia sexual da burguesia.
O reclame moderno demonstra, por um lado, quanto os atrativos da mulher e da mercadoria
podem se confundir. A sexualidade que, anteriormente, fora estimulada pela fantasia do
fut uro das forças produtivas , de um pomo de vista social , é agora mobilizada pela fantasia
dc poder do capital.
[ J 65a, 61
Quem ensina melhor o que é realmente “o novo” é sem dúvida o flâneur. O que aplaca a
sede do flâneur pelo “novo” é a aparência de uma multidão animada pelo seu próprio
movimento e tendo sua própria alma. Na verdade, este coletivo não é senão aparência. Esta
“multidão”, com a qual se deleita o flâneur, é o molde oco ( Hohlform ) que serviu setenta
anos mais tarde para forjar “a comunidade do povo” ( Volksgemeimchafi ). 52 O flâneur, que
tanto se orgulhava de sua vivacidade de espírito e de seu não-conformismo, precedeu seus
contemporâneos também no fato de ter sido a primeira vítima de uma ilusão que, a partir
dc então, ofuscou milhões dc pessoas.
[J66.ll
Baudelaire idealiza a experiência da mercadoria ao indicar-lhe como cânone a experiência
da alegoria.
1J66.2]
Se é a fantasia que oferece as correspondances à recordação, é o pensamento que lhe consagra
a alegoria. A recordação faz com que a fantasia e o pensamento se encontrem.
[ J 66, 31
Com os novos processos de fabricação, que dão ensejo a todo tipo de imitações, a aparência
se consolida na mercadoria.
I J 66, 4]
Entre a teoria das correspondências naturais e a renúncia à natureza subsiste uma contradição.
Ela se resolve quando, na recordação, as impressões se desligam da vivência, dc maneira que a
experiência vinculada a essas impressões se liberta e pode ser acrescida ao patrimônio alegórico.
[ J 66, 5]
<Stefan> George traduziu “Spleen et ideal” <OC I, pp. 7-81) como “Trübsinn und
Vergeistigung” (melancolia e espiritualização), acertando assim a essência do significado
do “ideal” em Baudelaire.
[J66. 6]
Em Meryon ganham realce a majestade e a decrepitude de Paris.
[ J 66, 7]
Na forma assumida pela prostituição nas grandes cidades, a mulher aparece não só como
mercadoria, mas como artigo de massa, no sentido exato do termo. Com isto, alude-se ao
52 Referência ao vocabulário político do nacional-socialismo. (J.L.)
. ,. - , i „ nrn i A a exoressão profissional, levado a termo pela
disfarce da expressão individual em prol J rcvista e nfetizam este fato.
maquiagem. Mais tarde, as gtrk uniformizadas do teatro de rev „ 66. 8]
A oposição categórica de Baudelaire ao progresso^ «^9*° grande parece
permitiu apoderar-se de Paris em sua poesia. ° * F^lta-lhe justamente essa distância
« “ ” â ° :° m m BaudXre^ ao progresso
em relação a seu tema que, em Baudelaire, surgiu [ J 66a, i]
Em Baudelaire, Paris, como emblema da Amigüidade, conrmsra com a massa, emblema
da modernidade. I J 66a ' 21
Sobre o Spleen de Paris-, o noticiário cotidiano é o fermento que
grande cidade na imaginação de Baudelaire.
faz crescer a massa da
[ J 66a, 3]
O spleen é o sentimento que corresponde a catástrofe em permanência. t j 6 6a, 41
A experiência que o prol.rariado fc na cidade grande é muno expedí, ca. A ela a^melha-se,
sob vários aspectos, a do emigrante. [ 1 66a, 51
Para o flâneur, sua cidade - mesmo que ele tenha
mais a cidade natal (Heimat). Ela representa para
nascido nela, como Baudelaire não é
ele, tão-somente, um cenário de teatro.
cidade), n°5.) 53 U 66a - 71
Prefácio a Dupont, de 1851 <OC II, p. 26>, ensaio
p. 169>.
sobre Dupont, de 1861 <OC II,
l j 66a, 8]
Na erotologia do
zt:
r:^”lTpSd dê uma mancr. geral, na sociedade acud,
para os movimentos instintivos decisivos do homem. [ j 66a, 9 ]
sa ». » adir Mn*r. «1 IV, Frankfuna. M.. ,967. pp. 27,-273 C* bfc
ein Dreck"). (R-T-)
J
[Baudelaire] 393
O valor social do casamento baseia-se, de maneira decisiva, em sua duração, na medida em
qpe esta contém a idéia de uma “confrontação” ( Auseinandersetzung ) dos cônjuges, última
c definitiva, que é, porém, adiada pela vida a fora. Os cônjuges são poupados deste confronto
enquanto dura o casamento, portanto, em princípio, por toda a vida.
Ué- i]
Kdação entre mercadoria e alegoria: o “valor” como natural espelho ustório da aparência
Üstórica ofusca o “significado”. Sua aparência é mais difícil de ser dissipada. Aliás, ela é a
mais recente. O caráter fetiche da mercadoria ainda era relativamente pouco desenvolvido
m© Barroco. A mercadoria ainda não imprimira tão profundamente seu estigma — a
pmletarização dos produtores — ao processo de produção. Por isso, a visão alegórica pôde
set criadora de estilo no século XVII, mas não mais no século XIX. Como alegorista,
Baude laire estava isolado. Ele procurava relacionar a experiência da mercadoria à experiência
afeç: rica. Isso estava fadado ao fracasso e, nessa ocasião, ficou evidente que a truculência de
aaa zxoposta foi superada pela truculência da realidade. Daí uma marca em sua obra que
fpoiáe parecer patológica ou sádica, mas somente porque não acertou a realidade, embora
sapecas por um triz.
[ J 67. 2]
pEsma-se da mesma noite da história, em cujo anoitecer a coruja de Minerva (com Hegel)
auliça seu vôo, e Eros (com Baudelaire) diante do leito vazio, a tocha apagada, sonha com os
Dbbços de outrora.
[J67, 31
eterna.
1167 , 4 ]
Jil pMnáção pode ter a pretensão de considerar-se “trabalho”, a partir do momento em
ugpir : trabalho se torna prostituição. De fato, a lorette foi a primeira a renunciar de forma
uiímSicl a disfarçar-se como amante. Ela já exige ser paga pelo seu tempo; a partir daí, é só
muimni jasso até aquelas que exigem um “salário”.
1 J 67, 5]
ência da alegoria que se apega às ruínas é, na verdade, a da fugacidade
^tojpgpuisril, já se nota a tendência burguesa de confrontar a namreza e a técnica como
!ii|||mikiils absolutos. Mais tarde, o futurismo imprimiu à técnica um acento destrutivo e
lilMEScll z natureza; no Jugendstil, tendem a desenvolver-se forças destinadas a agir neste
■miEiiác A idéia dc um mundo exorcizado pelo desenvolvimento técnico e por assim dizer
■JÍÍlfaaBniig8inff^ad.o está presente em muitas de suas criações.
( J 67, 61
jsilPBBSHrn^ não vende sua força de trabalho; sua profissão, entretanto, implica a ficção de
llir alia vende sua aptidão ao prazer. Na medida em que este comércio representa a extensão
ms. que a mercadoria pode alcançar, a prostituta foi, desde sempre, uma precursora da
«aiiii]iiii:rnu mercantil. Mas porque, de resto, o caráter mercantil estava pouco desenvolvido,
fipr .anfiect; da prostituta não precisou sobressair tao cruamente quanto mais tarde. De
pEOsctuição medieval, por exemplo, não mostra o despudor vulgar que se tornou a
liao» século XIX.
[J 67a, 1]
JlJbp ■ ^assôgens
A tensão entre emblema e imagem publicitária permite medir as transformações que
ocorreram a partir do século XVII no mundo das coisas.
[ J 67a. 2]
Fortes fixações no olfato, tal como parecem ter-se produzido em Baudelaire, podem tornar
verossímil o fetichismo.
[ J 67a, 3]
O novo fermento, que, introduzindo-se no taedium vitae , transforma-o em spleen, é a auto-
alienaçao.
[J67a,4]
Esvaziamento da vida interior. Da regressão infinita da reflexão - que, no Romantismo,
alargava o espaço da vida, como em um jogo, em círculos cada vez mais vastos e, ao mesmo
tempo, o diminuía em âmbitos cada vez mais restritos -, restou a Baudelaire apenas o “tête-
à-tête sombrio e límpido” <OC I, p. 80> consigo mesmo, tal qual ele o representa na
imagem de uma conversação entre o valete de copas e a dama de espadas num antigo
baralho <OC I, p. 72>. Mais tarde, Jules Renard diz: “Seu coração ... mais solitário que
um ás de copas num jogo de baralho.” 54
[ J 67a, 3]
Provavelmente existe uma estreitíssima relação entre a imaginação alegórica e a imaginação
que se submete ao pensamento na embriaguez do haxixe. Nesta última, entram em ação
gênios de naturezas diversas: um gênio da profundidade melancólica e o outro, da
espiritualidade alada como Ariel.
[ J 67a, 6]
“Une martyre” <OC I, p. 1 1 1 > evoca inúmeras ressonâncias pelo lugar que lhe coube
imediatamente após “La destruction”. A intenção alegórica cumpriu seu papel nesta mártir:
ela foi deixada em pedaços.
[J67a,7]
Em “La mort des amants” <OC I, p. 126>, as correspondances se entretecem sem nenhuma
intervenção da intenção alegórica. O pranto e o sorriso - como formas nebulosas do rosto
humano - reúnem-sc nos tercetos. Villiers de l’Isle-Adam viu neste poema - como escreveu
a Baudelaire — a aplicação das “teorias musicais” do próprio Baudelaire.
[ J 67a, 8J
“La destruction” sobre o “Demônio”: “Sinto-o queimando meu pulmão / E inflando-o de
um desejo eterno e condenável” <OC I, p. 111>. O pulmão como sede de um desejo é a
mais ousada perífrase que se possa imaginar para um desejo irrealizável. Cf. o “rio invisível”
de “Bénédiction”.
[ J 68,1]
Dentre todos os poemas baudelairianos, “La destruction” contém a mais impiedosa
presentificação da intenção alegórica. O “aparelho sangrento”, cuja visão o Demônio impõe
ao poeta, é o halo da alegoria: os instrumentos dispersos com os quais ela tanto desfigurou
54
Jules Renard, Journal Inédit 1887-1895, Paris, 1925, p. 11, (R.T.)
J
[Baudelaire] 395
e danificou o mundo das coisas a ponto de apenas sobrarem fragmentos que lhe servem
como objeto de meditação. O poema termina abruptamente; ele próprio — o que é
duplamente surpreendente em um soneto — dá a impressão de ter algo de fragmentário.
I J 68, 2]
Comparar “Le vin des chififonniers” <OC I, 106> a “Dans ce cabriolet”, de Sainte-Beuve
(Les Consolations, Paris, 1863, vol. II, p. 193):
“Neste cabriole de aluguel examino
O homem que me conduz, que não é mais que máquina.
Medonho, barba espessa, longos cabelos pastosos:
Vício e vinho e sono sobrecarregam seus olhos embriagados.
Como o homem pode assim decair? Pensei,
E recuei para o ourro canto do assento.”
Segue então a pergunta do poeta a si mesmo, se sua alma não foi relegada ao abandono à
semelhança da alma do cocheiro. Baudelaire menciona este poema em sua carta de 15 de
janeiro de 1866 a Sainte-Beuve. 55
[ J 68, 3]
O trapeiro é a figura mais provocadora da miséria humana. Lumpemproletário num duplo
iddo: vestindo trapos e ocupando-se de trapos. “Eis um homem encarregado de recolher
© lixo de cada dia da capital. Tudo o que a cidade grande rejeitou, tudo o que ela perdeu,
■ado o que desdenhou, tudo o que ela destruiu, ele cataloga e coleciona. Ele consulta os
ijuivos da orgia, o cafamaum dos detritos. Faz uma triagem, uma escolha inteligente;
lhe, como um avaro um tesouro, as imundícies que, ruminadas pela divindade da
listria, tornar-se-ão objetos de utilidade ou de prazer.” (“Du vin et du hachisch”, CEuvres,
I, pp. 249-250 <OC 1, p. 38 1>). Como se constata nesta descrição em prosa de 1851,
Baudelaire se reconhece no trapeiro. No poema <“Le vin des chiffbnniers”, OC I, p. 106>,
aresentada ainda uma outra afinidade com o poeta, de forma explícita: “Vê-se um
dro cambaleante, a fronte inquieta, / Rente às paredes a esgueirar-se como um poeta,
E, alheio aos guardas e alcagüetes mais abjetos, / Abrir seu coração em gloriosos projetos.”
[J68.4J
Moiros indícios levam a crer que “Le vin des chiffonniers” tenha sido escrito quando
elaire declarou-se favorável ao “belo útil”. (Não é possível detalhar mais a respeito,
apareceu pela primeira vez somente na edição das Fleurs du Mal. — “Le vin dc
lassassin” foi publicado pela primeira vez em 1848 - em LÉcho des Marchands de VimX)
D poema sobre o trapeiro refuta veementemente as profissões de fé reacionárias de
'laire. A literatura sobre o poeta o negligenciou.
1 J 68a, 1]
-me, os impostos sobre o vinho nas barreiras da cidade pouparam de muitos
as estruturas governamentais.” Édouard Foucaud, Paris Inventeur: Physiologie de
e Française, Paris, 1844, p. 10.
[J 68a, 2]
55
Ch. Baudelaire, Correspondance, vol. II, p. 584. (R.T.)
■ Passagens
Sobre “Le vin des chiffonniers”: “Temos algumas moedas, / Pierre é preciso se casar; /
Quanto a tnint, veja, àa acudas / Gosto de viaja ,1 Conheço vinho de
não é cetvejinha, / Pa, a brincar, subamos, / Subamos are » barrem. H. Gourdon
Genouillac, Les Refrains de la Rue de 1830 à 1870, Paris, 79, p. • [ j 6 Sa , 3]
Traviès desenhou, com frequência, a figura do trapeiro
! ] 68a, 4]
Em “Eâme du vin”, o filho do proletário aparece nas palavras “este frágil atleta 1
p. 105> - uma correspondência infinitamente triste entre modernidade e Antiguidade^
Sobre o “seccionamento do tempo”: A estrutura oculta de “Le vin des amants” consiste em
que, apenas tardiamente, recai a luz, e agora de forma inesperada e surpreendente sobre a
situação descrita no poema: a embriaguez que os amantes devem ao vinho e uma embriaguez
matutina. “No azul cristalino da manhã” <OC I, p. 110> - é o sétimo verso deste poema
de catorze versos. [ j 68a, 6]
É possível supor uma reminiscência de Fourier nos amantes^ “docemente levados na asa /
Do turbilhão inteligente” <OC I, p. H0>. “Os turbilhões , segundo o Dictionnam de
Sociologie Phalanstérienne de Silberling, Paris, 1911, p. 433, “de mundos planetários, tao
comedidos em seu movimento, que percorrem em minutos cronometrados milhares de
léguas, são a nossos olhos o selo da justiça divina em um movimento material . (Fourier,
Théorie en Concret ou Positive, p. 320.) [ j 7 -j
Baudelaire constrói estrofes onde parece quase impossível consegui-lo. Por exemplo, na
sexta estrofe de “Lesbos”: "... aos corações sedentos, / Que atrai, longe de nos. o ^
bendito / Vagamente entrevisto em outros firmamentos!” <OC J, p. 15 1> . ^
Sobre a profanação das nuvens: “Vi em pleno meio-dia descer sobre minha cabeça / Uma
nuvem fiínebre e carregada de tempestade, / Que trazia um rebanho de demomos viciosos _
_ eis uma imagem que poderia vir diretamente de um quadro de Meryon. []69 t
É raro na poesia francesa que a cidade grande seja evocada através da representação imediata
de seus habitantes e não de outra maneira. É o que ocorre com força insuperável no poema de
Shelley sobre Londres. (Não tinha a Londres de Shelley mais habitantes que a Paris Ue
Baudelaire?) Em Baudelaire, encontram-se apenas traços de uma visão semelhante, embora
em boa quantidade. Em poucas passagens, porém, ele desenhou a cidade grande tao
exclusivamente a partir daquilo que ela faz de seus habitantes, como em Spleen 1 . O poema
mostra, em seu conteúdo latente, a complementaridade entre as massas sem alma da granae
cidade e a existência inexoravelmente vazia do indivíduo. As primeiras sao representadas peto
“cemitério” e pelos “subúrbios” - concentrações em massa dos citadinos; a segunda, pdg
“valete de copas” e a “dama de espadas” <OC I, p. 72>.
J
[Baudelaire] 397
A irremediável caducidade da cidade grande expressa-se de maneira especialmente clara na
primeira estrofe de “Spleen I”. ^
No poema introdutório das Fleurs du Mal <OC I, p. 5> Baudelaire dirige-se ao público de
modo inteiramente inabitual. Ele se avilta e o avilta, ainda que o faça sem bonomia. Poder-
se-ia dizer que ele reúne em torno de si os leitores como uma camarilha.
n [J69.4]
A consciência do tempo que escoa no vazio e o taedium vitae são os dois pesos que mantêm
em movimento a engrenagem da melancolia. Nesse sentido, há uma correspondência exara
entre o último poema do ciclo “Spleen et idéal” e o ciclo “La mort”.
v v [J69.5]
O poema “Lhorloge” <OC I, p. 81> vai a fundo no tratamento alegórico. Em tomo do
relógio - que ocupa uma posição especial na hierarquia dos emblemas - o poema agrupa o
Prazer, o Agora, o Tempo, o Acaso, a Virtude e o Arrependimento. (A propósito da “sílfide”,
cf. o “teatro banal” em “Lirrcparablc”, e a propósito de “o albergue”, o Albergue no
mesmo poema <OC I, p. 55>).
[ J 69, 6]
O “céu bizarro e lívido” de “Horreur sympathique”
<OC I, p. 77> é o de Meryon.
[J69.7]
Sobre o “seccionamento do tempo”, em particular em “Lhorloge” <OC I, p. 81>, confira-
se o “Colóquio entre Monos e Una”, de Poe: “Parecia que em meu cérebro havia nascido esta
alguma coisa, para a qual não há palavras que possam transmitir à inteligência meramente
humana nem mesmo uma noção confusa. Permita-me denominá-lo uma pulsação do
pêndulo mental. Era a personificação moral da idéia humana abstrata do Tempo... Foi
assim que medi as irregularidades do pêndulo sobre a lareira e dos relógios das pessoas
presentes. Seus tique-taques enchiam meus ouvidos com suas sonoridades. Os mais leves
desvios da medida exata ... afetavam-me do mesmo modo como, entre os vivos, as violações
da verdade abstrata afetavam meu senso moral.” (Edgar Allan Poe, Nouvelles Histoires
Extraordinaires, Paris, 1886, pp. 336-337). Esta descrição nada mais é do que um único e
grande eufémisno do vazio total do decurso do tempo à mercê do qual se encontra o
homem no spleen. , , ,
r f I Ma. 1
“... logo que no horizonte / Cresce a noite voluptuosa, / Apaziguando mdo, ate a fome, /
Apagando tudo, até a vergonha.” (“La fin de la journee <OC I, p. 128>). Eis o lampejo
dos conflitos sociais no céu noturno da cidade grande.
[ J 69a, 2]
“...tu me pareces, ornamento de minhas noites, / Mais ironicamente acumular as léguas /
ue separam meus braços das imensidões azuis.” (“Je fadore à 1’égal...” <OC I, p. 27>).
este respeito: “E o rosto humano, que Ovídio pensava ser feito para refletir os astros, ei-lo
não expressa (?!) nada a não ser uma louca ferocidade, ou se distende numa espécie de
” CEuvres, vol. II, p. 628 (“Fusées”, III).
rte.
[J69a,3]
JSW" Passagens
No esrudo do elemento alegórico na obra de Baudelaire, não seria justo subestimar *
aspecto medieval em prol do barroco. É difícil defini-lo. A melhor forma de apreendé-lo á|
perceber a que ponto certas passagens, certos poemas (“Vers pour le portrait de M. Hoooaq
Daumier”, “Lavertisseur”, “Le squelette laboureur” <OC I, pp. 167, 140, 93) contrasnmid
em sua pungente simplicidade, com outros, sobrecarregados de significações. Enei.
despojamento confere-lhes uma expressão que pode ser encontrada nos quadros de Foikjuhk.
[ J «M-*
Um olhar à Blanqui sobre o globo terresue: “Contemplo do alto o globo em sua redondeza, I £ .
não procuro ali o abrigo de uma cabana” (“Le goüt du néant” <OC I, p. 76>). ... O pcen
instalou sua morada no espaço cósmico — pode-se também dizer, no abismo.
[J«Mi
As representações desfilam vagarosamente diante do melancólico, à semelhança de ím»
procissão. A imagem, típica desta sintomatologia, não é freqüente em Baudelaire. Encontcn-
se em “Horreur sympathique”: “Vossas imensas nuvens em luto / São os cortejos
de meus sonhos” <OC I, p. 78>.
m
“Sinos explodem de repente com fúria
E lançam ao céu um terrível gemido.”
(“Spleen IV” <OC I, p. 75>). O céu tomado de assalto pelos sinos é o mesmo em que
movem as inquietações especulativas de Blanqui.
u-mm
“Por trás dos cenários
Da existência imensa, na escuridão do abismo,
Vejo distintamente mundos singulares.”
(“La voix” <OC I, p. 170>). São os mundos de UÉternité par les Astres. Cf. “Le goufiíl
<OC I, p. 143>: “Por toda parte, vejo apenas o infinito.”
[jmí
Se relacionarmos a “Lirrémédiable” o poema “Un jour de pluie”, atribuído a Baud
por Mouquet, fica evidente que é o sentimento de estar à mercê do abismo que ir
Baudelaire e onde, de fato, se abte este abismo. A referência ao Sena permite
“Un jour de pluie” em Paris. Lê-se: “Numa neblina carregada de exalações sutis / ■
homens escondidos como obscuros répteis, / Orgulhosos de sua força, em sua cegue
Passo a passo deslizam, penosamente, sobre o chão” (vol. I, p. 212 <OC I, p. 1255>lS
Em “Lirrémédiable”, esta imagem das ruas de Paris tornou-se uma das visões alegóricas '
abismo que o final do poema designa como “claros emblemas”: “Um condenado a
sem lanterna, / Rente a um abismo... / Onde velam monstros horríveis / Cujos fo
olhos fazem / Mais escura a noite em que jazem.” (vol. I, pp. 92-93 <OC I, p. 80>).
[JTilJI
56 Ch. Baudelaire, Vers Retrouvés (Juvenilia-sonnets), ed.org. por Jules Mouquet, Paris, Manoel, 1 929 . 15 :*.
57-59. (R.T.)
J
[Baudelaire] 399
A propósito do catálogo de emblemas representado pelo poema “Lirrérnédiable”, Crépet
cita uma passagem das Soirées de Sãint-Pétersbourg: "Este rio que so se atravessa uma vez;
este tonel das Danaides sempre cheio e sempre vazio; este fígado de Tityus sempre renascendo
sob o bico do abutre que sempre o devora ... são outros tantos hieróglifos eloqüentes sobre
os quais é impossível enganar-se.” 57 _ ^
O gesto da bênção com os braços erguidos, em Fidus (também em ZaratustmT) - o gesto
de alguém que carrega um fardo.
[ J 70, 6]
No “Projet d’un épilogue”: “Teus paralelepípedos mágicos erguidos em fortalezas, /
Teus pequenos oradores, empolados à maneira barroca, / Pregando o amor, e depois teus
esgotos cheios de sangue, / Abismando-se no Inferno como Orenocos.” (vol. I, p. 229
<OC I, p. 192>).
[J 70a. 1]
“Bénédiction” apresenta a vida do poeta como uma paixão. “Ele se embriaga cantando a via
crucis" <OC I, p. 8>. Em certas passagens, o poema lembra vagamente a visão na qual
Apollinaire em Le Poete Assassine descreveu o extermínio dos poetas pelo filisteu desenfreado:
“E os imensos clarões de seu espírito lúcido / Dissimulam-lhe o aspecto dos povos furiosos.”
L J 70a, 2]
Um olhar à Blanqui sobre a humanidade (ao mesmo tempo, um dos raros versos de
Baudelaire que desenvolvem um aspecto cósmico): “Ó Céu! / tampa sombria da imensa
marmita / Onde ferve a imperceptível e vasta Humanidade.” (“Le couvercle” <OC I,
p. 141>).
[ J 70a, 3]
São sobretudo os suvenires aos quais se aplica o “olhar familiar” (este olhar, que não é senão
o olhar de certos retratos, lembra Poe).
[ J 70a, 4]
“Nestas noites solenes de celestes vindimas” (“Limprévu” <OC I, p. 172>) — uma ascensão
do outono aos céus.
[ J 70a, 5]
“Cibele, que os ama, aumenta suas verduras” <OC I, p. 18> - segundo a bela tradução de
Brecht: “Cybele, die sie liebt, legt mehr Grün vor” (Cibele, que os ama, aumenta o verde).
Eis aqui um deslocamento do elemento orgânico.
^ [ J 70a, 6]
“Le gouffre” <OC I, p. 142> é o equivalente baudelairiano da visão de Blanqui.
6 [ J 70a, 7]
“Ó vermes! Negros companheiros sem ouvido e sem olhos” <OC I, p. 70> - há, nisto,
como que uma simpatia pelos parasitas. ^ ^
57 Ch. Baudelaire, CEuvres Complètes, vol. I: Les Fleurs du Mal. Les Épaves, ed. org. por Jacques Crépet, 2 a
ed., Paris, 1930, p. 449. (R.T.)
Comparação dos olhos com vitrines iluminadas: “Teus olhos, iluminados como butiques /
e rútilos teixos que ardem nos festejos públicos, / Exibem arrogantes uma vã nobreza” (“Tu
mettrais funivers entier...” <OC I, pp. 27-28>.)
A propósito de “La servante au grand coeur” <OC I, p. 100>: Não há no primeiro verso,
em ”... de quem sentias ciúme", exatamente o tom que se poderia esperar. A voz, por assim
dizer, retira-se de “ciúme”. Este refluxo da voz é extremamente significativo. (Observação
de Pierre Leyris.) [jyoa. io]
A fantasia sádica tende a construções mecânicas. Quando fala da “elegância sem nome da
humana armadura” <OC I, p. 97>, Baudelaire talvez veja no esqueleto uma espécie de
maquinaria. Ele diz mais claramente em “Le vin de fassassin”: “Essa devassa indiferente, /
Como qualquer engenho hodierno, / Jamais, no verão ou inverno, / Sentiu do amor o apelo
ardente” <OC 1, p. 108>. E, com veemência: “Máquina cega e surda, em cmeldades tão
fecunda!” (“Tu mettrais funivers” <OC I, p. 28>).
“Antiquado" e “imemorial” ainda estão unidos em Baudelaire. As <coisas> que sobreviveram a si
mesmas tomaram-se receptáculos inesgotáveis de recordações. É assim que as mulheres velhas
aparecem na poesia de Baudelaire (“Les perites vieilles”), assim também os anos que se foram
(“Recueillement”), e o poeta se compara a si mesmo a uma “velha alcova” repleta de rosas fanadas,
/ Onde jaz, acumulado, um amontoado de modas antiquadas ( Spleen II <OC I, p. 73>)^ ^
Sadismo e fetichismo entrecruzam-se nas fantasias que pretendem anexar toda vida orgânica
ao reino inorgânico. “Doravante não és mais, ó matéria viva! / Que um granito envolvido
de vago espanto, / Adormecido no fundo de um Saara nevoento.” (“Spleen II” <OC I,
p. 73>). A assimilação da matéria viva à matéria mona foi, na mesma época, uma intensa
preocupação de Flaubert. As visões de Santo Antônio são um triunfo do fetichismo, digno
daquele que Bosch celebrou no altar de Lisboa. ^
Se “Le crépuscule du matin” começa com o toque de recolher no pátio dos quartéis, é
preciso lembrar que, na época de Napoleão III, por motivos facilmente compreensíveis, o
centro da cidade estava ocupado com quartéis.
O. sorriso e o pranto são, como formas nebulosas do rosto humano, uma insuperável
manifestação de sua espiritualidade.
Em “Rêve parisien”, as forças produtivas parecem paralisadas. O cenário deste sonho é a
miragem ofuscante da paisagem turva e desolada que se torna o universo em “De profimdis
clamavi”. “Um sol sem calor plaina acima por seis meses, / E nos outros seis meses a noite
cobre a terra; / É uma terra mais nua que a solidão polar; / Nem animais, nem regatos, nem
floresta alguma!” <OC I, p. 32>.
[J71 ,6]
J
[Baudelaire] 401
A fantasmagoria de “Rêve parisien” lembra a das exposições universais onde a burguesia
grita ao sistema da propriedade e da produção: “Oh! pára enfim! — és tão formoso!"'^
Proust, sobre “derramam algum heroísmo no coração dos cidadãos” <OC I, p. 91>: “Parece
impossível ir mais além.” <Cf. T 43a, 3>-
I J 71*. li
TE quem, nestas noites douradas em que se sente reviver ’ <OC I, p. 91> — a segunda metade
do verso recai sobre si mesmo. Do ponto de vista prosódico, ela contradiz aquilo que
enuncia. É um procedimento característico de Baudelaire.
[ J 71a, 2]
“... da qual o auxiliar de cena / Enterrado, conhece o nome” <OC 1, p. 90> — isto provém
do universo de Poe. (Cf. “Remords posthume”, “Le mort joyeux”.)
[ J 71a, 3]
A única passagem das Fleurs du Mal que contradiz a concepção baudelairiana da infância é
a quinta estrofe da primeira parte de “Les petites vieilles”: “Eles têm os olhos divinos de
menina criança / Que se espanta e ri a rudo que reluz”. Para chegar a esta visão da infância,
o poeta toma o caminho mais longo - aquele que passa pela velhice.
[ J 71a, A]
Os poemas XCIX <“Je rí ai pas oublié, voisine de la ville”> e C <“La servante au grand
coeur”> das Fleurs du Mal são estranhos e isolados na obra de Baudelaire, como as grandes
estátuas da Ilha da Páscoa. Sabe-se que eles pertencem às partes mais antigas do livro; o
próprio Baudelaire afirmou, com insistência, à mãe que se referiam a ela e não lhes deu
títulos porque achava uma falta de decoro revelar esta conexão secreta. O que caracteriza
estes poemas é a atmosfera de um idílio fúnebre. Ambos, mas sobretudo o primeiro,
respiram uma paz rara de ser encontrada em Baudelaire. Ambos apresentam a imagem
da família órfã de pai; o filho, porém, longe de tomar o lugar do pai, deixa-o vazio.
O longínquo sol crepuscular no primeiro poema simboliza o pai cujo olhar - “grande
olho aberto no céu curioso” <OC I, p. 99> - repousa com simpatia distante e sem
ciúmes na refeição que compartilham mãe e filho. O segundo poema evoca a imagem da
tãmília sem pai, reunida não em torno dc uma mesa, e sim de uma sepultura. O calor
sufocante da vida grávida de possibilidades cedeu aqui completamente o lugar à fresca
brisa noturna da morte.
I J 71a, 5J
Os “Tableaux Parisiens” iniciam-se com uma transfiguração da cidade. O primeiro e o
segundo e, caso se queira, também o terceiro, contribuem, juntos, para isso. “Paysage” é o
téte-à-tête da cidade com o céu. Pouca coisa da cidade entrou no horizonte do poeta além da
“oficina que canta e que conversa”, das “chaminés” e dos “campanários”. Com “Le soleil”
acrescenta-se o subúrbio; não há presença de qualquer massa urbana nos três primeiros
poemas dos “Tableaux Parisiens”. O quarto poema inicia-se com a evocação do Louvre.
No meio da <segunda> estrofe, porém, logo se transforma em lamento sobre a caducidade
«áa cidade grande.
[ J 72, 1]
58 Goethe, Fausto II, verso 1 1.582; trad. Jenny Klabin Segall (J.L.; w.b.)
402 ■ Passagens
“Desenhos aos quais a gravidade / E o saber de um velho artista, / ... / Comunicaram a
Beleza” <OC I, p. 93>. A Beleza parece, pelo uso do artigo definido, sóbria e “apática”.
Tornou-se uma alegoria de si mesma. ?2 2 ,
A propósito de “Brumes et pluies” <OC I, pp. 100-101>: a cidade tornou-se estranha para
o flâneur. Cada leito é para ele “um leito perigoso”. (Grande quantidade de alojamentos
onde Baudelaire passou a noite.) ^ /2 ^
Pode surpreender encontrar o poema “Brumes et pluies” nos “Tableaux Parisiens , pois
evoca imagens campestres. Porém, já Sainte-Beuve escrevera: Oh! como é triste a planície
em volta do boulevardl” (“A planície - outubro” - mencionada por Baudelaire contra
Sainte-Beuve em 15 de janeiro de 1866). 59 A paisagem do poema de Baudelaire é, de fato,
a da cidade mergulhada na neblina. É a tela preferida para se bordar o tedio.
“Le cygne” possui o movimento de um berço que balança entre a modernidade e a
Antigüidade. Baudelaire escreve em suas notas: “Conceber uma tela como uma bufonaria
lírica ou feérica, como pantomima... Afogar tudo numa atmosfera anormal e sonhadora, —
na atmosfera dos grandes dias. — Que isso seja algo que embale ( Fusees , XXII <OC I,
p. 664>). Estes grandes dias são os dias do retorno.
Sobre os “demônios insalubres na atmosfera” <OC I, p. 94>: Eles reaparecem em Georg
Heym como “os demônios das cidades”. Tornaram-se mais violentos; mas, por negarem sua
semelhança com os “homens-de-negócio”, têm um significado menor.
Estrofe final de “Dãmonen der Stádte” (“Demônios na cidade ), de Heym:
“Mas os demônios crescem e se agigantam.
O chifre de sua testa dilacera o céu sangrento.
A terra treme e ruge no coração das cidades
Sob seus cascos, mais flamejante que o fogo.”
Georg Heym, Dichtungen {Poemas), Munique, 1922, p. 19.
I J / J
“Je t adore à legal de la voüte nocturne” <OC I, p. 27> - em nenhum outro lugar o Sexo
se opõe a Eros mais claramente do que neste poema. É preciso compará-lo a Selige
Sehnsucht” (“Bem-aventurada saudade”), 60 para compreender quais as forças, ao contrário,
que fornece “à fantasia” a união entre Sexo e Eros.
T- I T 72a, 2
59 Ch. Baudelaire, Correspondance, vol. II, p- 585. (R,T.)
60 Goethe, Gedenkausgabe, vol. III: Epen, West-óstlicher Divan, Theatergedichte, 3 a ed. r Zurique, 1966,
p. 299. (R.T.)
J
[Baudelaire] 403
O “Sonnet cTautomne” indica de maneira discreta, porém, precisa, os sentimentos
subjacentes às experiências eróticas de Baudelaire: “O meu coração que se irrita, / ... / Não
te quer revelar seu segredo infernal, I ... I Abomino a paixão... / Amemo-nos em paz.” Tudo
isto parece uma réplica distante à estrofe de Goethe no Divã que evoca, graças às huris e seu
poeta, uma imagem de erotismo que parece uma variante paradisíaca da sexualidade: “Que
elas lhe concedam, em recompensa, / amáveis e complacentes, / Deixá-lo morar com elas: /
Todos os bons espíritos se contentam, satisfeitos.” 61
[J72a,3]
Marx sobre a Segunda República: “Paixões sem verdade, verdades sem paixão, heróis sem
feitos heróicos, história sem acontecimentos; desenvolvimento cuja única força motora
parece ser o calendário, monótono pela constante repetição das mesmas tensões e distensões...
Se existe um período histórico pintado de cinzento sobre cinzento, foi bem este.” Karl
Marx, Der achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte, ed. Rjazanov, Viena-Berlim, 1927,
pp. 45-46.
f J 72a, 4]
Os pólos opostos da sensibilidade de Baudelaire encontram igualmente seus símbolos
(Sinnbilder) no céu. O céu plúmbeo, sem nuvens, é o símbolo da sensualidade acorrentada
pelo fetichismo, as formações de nuvens são o símbolo da sensualidade espiritualizada.
I J 72a, 5]
Carta de Engels a Marx em 3 de dezembro de 1851: “Pelo menos por hoje este asno está
tão solto ... quanto o velho na noite do 18 Brumário; está tão completamente sem escrúpulos
que não pode deixar de exibir o seu ser asnal em todas as direções. Terrível perspectiva a
ausência de oposição!” 62 Karl Marx, Der achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte, ed. Rjazanov,
Viena-Berlim, p. 9.
1 J 73, 1J
Engels a Marx, em 11 de dezembro de 1851: “Se o proletariado desta vez não lutou em
massa”, isto se deu “por estar completamente consciente de sua impotência e se resignou
com fatalismo ao círculo repetitivo de República, Império, Restauração, e nova Revolução,
até ... poder renovar suas forças.” Marx, Der achtzehnte Brumaire, p. 10.
[ 1 73, 2]
“Como se sabe, o 15 de maio [1848] não teve outro resultado senão o de afastar da cena
pública, e pelo tempo inteiro do ciclo, Blanqui e companheiros, ou seja, os verdadeiros
líderes do partido proletário, os comunistas revolucionários.” Marx, Der achtzehnte Brumaire,
ed. Rjazanov, p. 28.
[ J 73, 3]
O mundo dos espíritos da América desempenha um papel na descrição da multidão em
Poe. Matx fala da república que na Europa “significa, de maneira geral, apenas a forma
61 Goethe, Gedenkausgabe, vol. III, p. 393 ("Anklang"); grifos de Benjamin. (RJ.)
62 O "asno" em questão é Luís Bonaparte, que acabou então de dissolver a Assembléia Nacional e o
Conselho de Estado, fazendo-se proclamar o Imperador Napoleão III. O 18 Brumário (9 de novembro
de 1799) é a data do golpe de Estado de Napoleão I, que extinguiu o Diretório e dissolveu o Conselho
dos Quinhentos. (E/M)
40t * Passagens
política de transformação da sociedade burguesa, e não a sua forma de vida conservadora,
como, por exemplo, nos Estados Unidos da América do Norte, onde ... classes ... ainda não
se fixaram..., onde os modernos meios de produção ... compensam... a falta relativa de
cabeças e braços, e onde, finalmente, o movimento jovem e febril da produção material ...
não deixou nem tempo, nem oportunidade para se abolir o antigo mundo dos espíritos”.
Marx, Der achtzehnte Brumaire , p. 30. E curioso que Marx lance mão do mundo dos
espíritos para explicar a República americana.
Se a multidão é um véu, o jornalista envolve-se nele como em um manto, realçando suas
numerosas relações como um número igual de arranjos sedutores desse manto.
I J 73, 5]
As eleições revolucionárias suplementares de 10 de março de 1850, em Paris, conduziram
ao parlamento apenas representantes social-democratas. Mas elas deveriam encontrar “na
eleição posterior de abril, quando foi eleito Eugène Sue, um comentário sentimental
atenuante”. Marx, Der achtzehnte Brumaire, p. 68.
[ J 73, 6]
A propósito do “Crépuscule du matin”: Marx vê em Napoleão III “não um homem que
decide à noite para executar durante o dia, e sim um homem que decide durante o dia para
executar à noite.” Marx, Der achtzehnte Brumaire, ed. Rjazanov, p. 79.
LJ 73a, 1]
A propósito do “Crépuscule du matin”: “Rumores de golpe de Estado assolam Paris. Diz-
se que a capital será ocupada por tropas durante a noite e que no dia seguinte serão publicados
decretos.” Citado segundo a imprensa diária européia de setembro e outubro de 1851.
Marx, Der achtzehnte Brumaire, p. 105.
[ J 73a, 2]
Marx chama os líderes do proletariado parisiense de “chefes de barricadas”. Der achtzehnte
Brumaire, p. 113.
[ J 73a, 3]
A observação de Sainte-Beuve sobre Lamartine, cujos poemas representariam o céu das
paisagens de André Chénier (J 51a, 3), deve ser comparada com esta formulação de
Marx: “Se a parcela recém-constituída, em seu acordo com a sociedade, em sua
dependência das forças da natureza e sua submissão à autoridade que a protegia do alto,
era naturalmente religiosa, a parcela endividada, em conflito com a sociedade e a
autoridade, impelida para além de suas próprias limitações, torna-se naturalmente
irreligiosa. O céu foi um agradável suplemento ao estreito e recém-adquirido pedaço de
terra, ainda mais que é ele que faz o bom e o mau tempo; mas ele se torna um insulto tão
logo se queira impô-lo como substituto para a parcela.” Marx, Der achtzehnte Brumaire,
p. 122. A observação de Sainte-Beuve, combinada com esta passagem de Marx, fornece
a chave para a natureza e a duração da influência política que Lamartine derivou de sua
poesia. Cf., sobre isso, suas negociações com o embaixador da Rússia, tal como relatadas
por Pokrowski. <Cf. d 12, 2>.
[ J 73a, 4)
J
[Baudelaire] 405
Ambigüidade do elemento heróico na figura do poeta: o poeta tem algo da soldadesca
indigente, do saqueador. Seu esgrimir ( Fecbten ) lembra por vezes o senddo que esta palavra
possui na gíria dos vagabundos. 63 ~)~ 5 a. 5 ]
Marx sobre os parasitas do Segundo Império: Para não se atrapalhar com o cálculo dos
anos, eles contam por minutos.” Marx, Der achtzehnte Brumaire, p. 126.
r [ J 3 ^ 6_
Ambigüidade da concepção do heróico oculta na imagem baudelaireana do poeta: O ponto
culminante das ‘idéias napoleônicas’... é a preponderância do exército. O exército foi o ponto
de honra’ dos pequenos camponeses parcelares, eles mesmos transformados em heróis... Porém,
cs inimigos contra os quais o camponês francês precisa agora defender sua propriedade ... são
os cobradores de impostos. A parcela de terra não se situa mais na assim chamada pátria, e
ãm no registro de hipotecas. O próprio exército não é mais a fina flor da juventude camponesa,
c a flor de lodo do lumpemproletariado rural. Ele se compõe em boa parte dc substitutos
assim como o segundo Bonaparte foi, ele também, apenas o substituto, o sucedâneo de
Napoleão... Como se vê: todas as ‘idéias napoleônicas são idéias afins aos interesses da
parcela ainda não desenvolvida, tendo ainda o frescor da juventude. Mas são um contra-
senso em relação à parcela que envelheceu.” Marx, Der achtzehnte Brumaire , ed. Rjazanov,
PP- 122-123. T , 74 . ti
A propósito do satanismo: “Quando os puritanos queixaram-se, no concílio de Constança,
«áa vida dissoluta dos papas..., o cardeal Pierre d Ailly vociferou contra eles: Só o diabo em
pessoa pode salvar a Igreja católica e vós exigis anjos. Assim clamou a burguesia francesa
após o golpe de Estado: Só o chefe da Sociedade do 10 de Dezembro pode salvar a sociedade
Elg uesa! Só o roubo pode ainda salvar a propriedade, só o perjúrio pode salvar a religião;
a. bastardia, a família; a desordem, a ordem.” Marx, Der achtzehnte Brumaire, ed. Rjazanov,
P- ^- 4 - [ J 74, 2]
“TPóde-se ter uma idéia concreta desta camada superior da Sociedade do 10 de Dezembro,
se considerarmos que seu moralista é Veron-Crevel, e seu pensador: Granier de Cassagnac.
>*»■ Der achtzehnte Brumaire , p. 127. ^ ^
“paralelepípedos mágicos erguidos em fortalezas , do Projet d un épilogue <OC I,
ip L J92>. indicam o limite da poesia de Baudelaire no tratamento direto dos temas sociais.
<© poeta não diz uma palavra sequer das mãos que manusearam estes paralelepípedos. Em
'“Lr vin des chiffonniers”, Baudelaire conseguiu ultrapassar este limite. ^ ^
limai is ~Le vin des chiffonniers”, em 1852:
“Deus o doce sono já havia criado;
Ele acrescentou o vinho, do sol filho sagrado. <OC I, p. 1 05 1 >
63 Fechren: “esgrimir" e "mendigar", (w.b.)
406 ■ Passagens
A oposição entre Deus e o Homem <“0 Homem o Vinho fez...”, cf. OC I, p. 107> data
de 1857. [J 74a. í]
No último capítulo do “Salon de 1846” (XVIII, “De l’héroisme de la vie moderne”), o
suicídio aparece significativamente como “paixão particular” - a única com certa envergadura,
dentre as outras paixões mencionadas. Ele representa a grande conquista da modernidade
no domínio da paixão: “Exceto Hércules no monte Eta, Catão de Útica e Cleópatra ...
quais os suicídios que você vê nos quadros antigos?” Ch. B., Qiuvres , vol. II, pp- 133-13
<OC II, p. 494>. O suicídio aparece, pois, como a quintessência da modernidade^ ^
No capítulo XVIII do “Salon de 1846”, Baudelaire fala do “fraque fúnebre e convulsionado
que todos nós vestimos” (p. 136); e, um pouco antes, desta “libré uniforme de desolação”.
“Essas pregas excessivas, que parecem serpentes envolvendo uma carne mortificada, não
terão elas uma graça misteriosa?” (p. 134). Ch. B., CEuvres, vol. II <OC II, pp. 496 e^ 9^ >.
Nietzsche sobre o inverno de 1882-1883, na baía de Rapallo: “Pela manhã segui em
direção ao sul pela estrada magnífica subindo até Zoagli, em meio aos pinheiros e
contemplando o vasto mar; à tarde ... fiz a volta de toda a baía ... até ... Porto Fino. Este
lugar e esta paisagem tocaram-me o coração mais de perto pelo grande amor que nutria por
eles o Imperador Frederico III... Nestes dois caminhos veio-me à mente o primeiro Zaratustra,
sobretudo o próprio Zaratustra, como dpo: mais precisamente, ele me tomou de assalto.”
Friedrich Nietzsche, Also sprach Zarathustra, Leipzig: Krõner, pp. XX-XXI. Confrontar
com uma descrição do Forte do Taureau.
Nietzsche distingue sua “filosofia do meio-dia” - a doutrina do Eterno Retorno - dos
primeiros estágios de seu pensamento: a filosofia da aurora e da manhã. Também ele
conhece o “seccionamento do tempo” e suas grandes divisões. É legítimo perguntar se
esta apercepção do tempo não foi um elemento do Jugendstil. Se assim fosse, talvez
compreendêssemos melhor que o Jugendstil fez nascer, com Ibsen, um dos maiores técnicos
do gênero dramático. ( j ?4a 4]
Quanto mais o trabalho se aproxima da prostituição, mais tentador torna-se qualificar a
prostituição como um trabalho - como já acontece há muito no jargao das prostitutas.
A aproximação assim imaginada ocorreu com passos de gigante sob o signo do desemprego;
o keep smiling assume, no mercado de empregos, o comportamento da prostituta que atrai
um cliente “com um sorriso” no mercado do amor.
A caracterização do processo de trabalho em relação com a natureza traz a marca da concepção
social que se tem dele. Se o homem não fosse propriamente explorado, poder-se-ia poupar
o discurso impróprio da exploração da natureza. Este último reforça a aparência do “valor”
que as matérias-primas adquirem apenas pelo sistema de produção fundado na exploração
J
[Baudelaire] 407
do trabalho humano. Se esta termina, o trabalho, por sua vez, despe-se do caráter de
exploração da natureza pelo homem e se realizaria, então, segundo o modelo do jogo
infantil que serve de base ao “trabalho apaixonado” dos “harmonianos” em Fourier. Ter
apresentado o jogo como cânone do trabaJho que não mais é expíorado foi um dos grandes
■enrrí de Fourier. Um trabalho animado assim pelo jogo não visa a produção de valores,
e sim o melhoramento da natureza. Também para ela a utopia de Fourier propõe um
modelo tal como encontrado de fato nos jogos infantis. Trata-se da imagem de uma terra
na qual todos os lugares se tomaram Wirtschafien. O duplo sentido da palavra < - Winschaft =
"lugar de produção” e “taverna” - > adquire aqui a sua plenitude: todos os lugares foram
trabalhados pelo homem que os tornou úteis e belos; e todos, como uma taverna na estrada,
estão abertos a todos. Uma terra cultivada a partir desta imagem deixaria de ser parte “de
um mundo em que a ação não c a irmã do sonho” <OC I, p. 122>. Nela, a ação iria, sim,
de mãos dadas com o sonho.
1 J 75. 21
A moda fixa a cada instante o último padrão da emparia.
[J75.3]
O desdobramento do trabalho no jogo pressupõe forças produtivas altamente desenvolvidas,
como aquelas de que a humanidade dispõe apenas hoje, mas que são empregadas em
sentido oposto ao de suas possibilidades, a saber: para o caso de emergência. Todavia, também
em tempos de forças produtivas pouco desenvolvidas, a concepção criminosa da exploração
da natureza, dominante desde o século XIX, não foi de forma alguma decisiva. Certamente
ela não teve espaço enquanto a imagem predominante da natureza foi aquela da mãe
dadivosa, de que Bachofen mostrou a importância para as sociedades matriarcais. 64 Esta
imagem sobreviveu, na figura da mãe, a todas as outras transformações da história. Porém,
é evidente que esta imagem é mais confusa em épocas nas quais muitas mães se transformam,
diante do filho, em agentes da classe social que dispõe da vida deste por interesses comerciais.
Vários indícios sugerem que o segundo casamento da mãe de Baudelaire não se tornou
mais aceitável a ele pelo fato de ela ter optado por um general. Este casamento provavelmente
desempenhou um papel na evolução da vida pulsional do poeta e no fato de o modelo dele
ter-se tornado a prostituta. Evidentemente, a prostituta é, por essência, a encarnação de
uma natureza impregnada pela aparência de mercadoria. Ela até mesmo intensificou sua
força de ofuscamento, porque no comércio com ela está incluído o prazer sempre fictício
que deve corresponder àquele de seu parceiro. Em outras palavras: neste comércio, a própria
capacidade de sentir prazer figura como valor — como o objeto de uma exploração tanto por
ela quanto por seu cliente. Por outro lado, porém, coloca-se aqui, distorcida, mas em
proporções desmedidas, a imagem de uma solicitude que se oferece a todos e não se deixa
desencorajar por ninguém. Esta imagem foi captada pela luxúria idealizada e abstrata do
poeta barroco Lohenstein em um sentido bastante próximo de Baudelaire: “Uma bela
mulher feita dc mil encantos, / Uma mesa farta que satisfaz a muitos. / Uma fonte inesgotável
sempre a distribuir água a mão-cheia, / Até mesmo o doce leite do amor; ainda que, por
cem condutos / Escoe a suave doçura.” (Daniel Caspers von Lohenstein, Agrippina , Leipzig,
1724, p. 33). O além da escolha, vigente entre mae e filho, e o aquém da escolha entre a
prostituta e seu clienre, encontram-se num único ponto. Esre ponto caracteriza a situação
pulsional de Baudelaire. (Cf. X 2, 1, Marx sobre a prostituição).
[ J 75a]
64
J. J. Bachofen, Das Muííerrecht (1861). (J.l.)
408 ■ Passagens
Os versos de “Selige Sehnsucht” (“Bem-aventurada saudade”) - “Distância alguma te
impede, / Vens voando e encantada” 65 - descrevem a experiência da aura. A distância, que
nos olhos da amada atrai o amante para si, é o sonho de uma natureza melhor. O declínio
da aura e o definhamento - devido à posição defensiva na luta de classes - da representação
onírica de uma natureza melhor são uma coisa só. Com isso, o declínio da aura e o declínio
da potência sexual são, ao final, uma coisa só.
r [ J 76, 1]
A fórmula de LÉternité par les Astres - “É o novo sempre velho e o velho sempre novo” 66
- corresponde rigorosamente à experiência do spleen tal qual descrita em Baudelaire. ^
A passagem de LÉternité par les Astres - “O número de nossos sósias ê infinito no tempo
e no espaço... Esses sósias são em carne e osso, até mesmo de calças e paletó, de crinolina e
de coque” 67 deve ser relacionada a “Les sept vieillards”:
“Aquele que sc ri de minha inquietude,
E que jamais sentiu um frêmito fraterno,
Cuide bem que, apesar de tal decrepitude
Os sete hediondos monstros tinham o ar eterno!”
Teria eu visto o oitavo, à luz do último instante,
Sósia inexorável, irônico e fatal,
Filho e pai de si mesmo ou Fênix repugnante?
- Mas as costas voltei ao cortejo infernal.” <OC I, p. 88>
O “mar monstruoso e sem fronteiras”, que o poema evoca no verso final, é o universo
transtornado de LÉternité par les Astres.
[ J 76, 3]
“As casas, cuja altura era prolongada pela bruma, / Simulavam os dois cais dc um rio
durante a cheia” <OC I, p. 87> - uma imagem à Meryon. Imagem semelhante em Brecht.
IJ76.4]
Com amarga ironia, Blanqui demonstra o que seria uma “humanidade melhor” em uma
natureza que não pode ser melhorada.
[J7tí,5]
O “Cristo industrial” de Lamartine ressurge no fim do século. Assim, em Verhaeren, em
“Le départ” (A partida):
“E que importam os males e as dementes horas
E o barril de vício em que a cidade fermenta
Se um dia, do fundo das brumas e das velas
Surge um novo Cristo, em luz esculpido
65 Goethe, Gederkausgabe, vol. III, p. 299. (R.T.)
66 Auguste Blanqui, L'Éternité par les Astres, Paris, 1872, p. 74. (R.T.)
67 Ibidem. (R.T.)
J
[Baudelaire] 409
Que soergue a humanidade em sua direção
E batiza-a no fogo de novas estrelas.” 68
Baudelaire não tinha um tal otimismo; o que foi a grande chance de sua apresentação de
Paris. (Cit. em Jules Destrée, “Der Zug nach der Stadt”, Die Neue Zeh , XXI. 2. Stuttgarr.
1903 , p. 571 .)
No processo histórico que o proletariado impõe à classe burguesa, Baudelaire é uma
testemunha, mas Blanqui é o perito.
M f [ J 76a, 1]
Se Baudelaire for citado diante do tribunal da história, ele precisaria tolerar várias
interrupções, pois o que motiva os questionamentos deste tribunal é determinado por
interesses que lhe são, por diversos motivos, estranhos e incompreensíveis. Blanqui, ao
contrário, se pronuncia sobre uma causa que sempre foi a sua. Por isso ele comparece como
perito onde quer que ela seja debatida. Portanto, não e no mesmo sentido que Baudelaire
e Blanqui são citados diante do tribunal da história.
1 [ J 76a, 2]
Abandono do momento épico: um tribunal nlo é unta sala de fiandeiras. Ou melhor: a
audiência acontece, mas nada é relatado.
1 J 76a, 3]
O interesse que o historiador materialista nutre pelo ocorrido é, por um lado, sempre um
interesse apaixonado pelo que já passou, pelo que está terminado e pelo totalmente morto.
O pré-requisito indispensável para qualquer citação (vivificação) de partes deste fenômeno
c de estar seguro, em geral e por inteiro, de seu caráter encerrado. Em uma palavra: para o
interesse histórico específico - cuja legitimidade o historiógrafo materialista tem a
incumbência de provar - precisa ser demonstrado, com sucesso, que se trata de um objeto
eue. de forma inteira, efetiva e irrevogável, “pertence à história”.
[ J 76a, 4]
A comparação com Dante pode tanto servir de exemplo para a perplexidade dos primeiros
comentadores de Baudelaire quanto como ilustração da formula atribuída a De Maistre,
«cecndo a qual os primeiros julgamentos sobre um autor se perpetuam nas interpretações
pasreriores.
[ J 76a, 51
Aiem da comparação com Dante, a noção de decadência é a palavra-chave da recepção de
Saccenire. Ela sc encontra em Barbey d Aurevilly, Pontmartin, Brunetière, Bourget.
[ J 76a, 6]
O' dialético materialista, a descontinuidade é a idéia reguladora da tradição das classes
jmn rw (portanto, em primeiro lugar, da burguesia), a continuidade é a idéia reguladora
it — acição dos oprimidos (portanto, principalmente, do proletariado). O proletariado
mais lentamente do que a classe burguesa. Os exemplos de seus combatentes, os
"-7 £~ e Verhaeren, Les Villes Tentaculaires, Paris, 1904, p. 1 19 ("L'Âme de la Ville"). (R.T.)
■ Passagens
conhecimentos dc seus líderes não envelhecem. Em todo caso, envelhecem muito mais
lentamente do que as épocas e as grandes figuras da classe burguesa. As ondas da moda
arrebentam-se na massa compacta dos oprimidos. Os movimentos da classe dominante, ao
contrário, uma vez que chegou ao poder, possuem algo que tem a ver com a moda. As
ideologias dos poderosos, em particular, sáo por natureza mais mutáveis que as idéias dos
oprimidos. Pois elas não apenas têm que se adaptar, como as idéias destes últimos, a cada
situação específica de conflito social, mas ainda tem que transfigurar essa situação como
sendo, no fundo, harmoniosa. Neste negócio é preciso proceder de forma excêntrica e aos
saltos - um procedimento que é, no sentido pleno da palavra, próprio da moda. “Salvar” as
grandes figuras da burguesia, consiste principalmente em compreendê-las nesta parte mais
débil e caduca de sua ação para, justamente extrair e citar aquilo que jazia discretamente
sepultado sob ela, porque servia muito pouco aos poderosos. Confrontar Baudelaire e
Blanqui significa retirar a venda que cobria a sua luz. ^
É fácil distinguir a recepção de Baudelaire pelos poetas daquela dos teóricos. Estes atêm-sc
à comparação com Dante e à noção de decadência , aqueles, ao lema da arte pela arte e à
teoria das correspondances.
r [ J 77, 2]
Famiet vê o segredo da influência de Baudelaire em seu tão propalado nervosismo. (Onde?)
I J 77, 3]
O andar aos trancos do trapeiro não se deve, necessariamente, à influencia do álcool; a cada
instante, ele precisa parar para recolher os detritos que joga cm seu cesto. ^ ^
Paia Blanqui, a história é a palha com a qual se estofa o tempo infinito.
“Eu páro, de repente sinto cansaço. Adiante, ao que parece, começa a rápida descida, por
todos os lados abismo — não ouso olhar. Nietzsche, Werke: Grofí- und Kleinoktãvuusgãbe ,
XII, p. 223 (cit. em Karl Lowith, Nietzsches Philosuphie der ewigen Wiederkunft des GLeichen,
Berlim, 1935, p. 33). [J77a>2]
O herói que se afirma no palco da “modernidade” é, de fato, sobretudo um ator. E assim
que ele aparece claramente em “Les sept vieillards” em um “cenário semelhante à alma do
ator” “retesando” seus “nervos como um herói” <OC I, p. 87>.
[ ] 77a, 3]
A figura do poeta em “Bénédiction” é uma figura do Jugendstil. O poeta aparece nu por
assim dizer. Ele mostra a fisionomia de Joseph Delorme.
[ J 77a. 4]
A “bondade natural” que Magnin (J 50a, 4) enaltece em Sainte-Beuve, em suma, sua
bonomia é o complemento da atitude hieratica de Joseph Delorme.
J
[Baudelaire] 4ll
Pode-se perceber nos retratos de Baudelaire que sua fisionomia adquiriu precocemente os
traços da velhice. Não por acaso isto explica a semelhança tantas vezes constatada entre sua
expressão e a de prelados.
_ J 77a* 61
Vallès foi talvez o primeiro a ter se queixado enfaticamente (assim como, mais tarde. Souday)
da “mentalidade retrógrada” de Baudelaire. (J 21, 6).
A alegoria conhece muitos enigmas, porém, nenhum mistério. O enigma é um fragmento
que, combinando com outro fragmento, forma um todo. O mistério, ao contrário, sempre
foi evocado pela imagem do véu, este velho cúmplice da distância. A distância aparece
velada. Ao contrário da pintura renascentista, por exemplo, a pintura barroca jamais se
comprometeu com este véu. Mais do que isto, ela o rasga de maneira ostensiva e, como
demonstram os afrescos de suas abóbadas, traz a própria distância celestial para uma
proximidade que deve surpreender e confundir. Isto sugere que o grau de saturação aurática
da percepção humana esteve sujeito a oscilações no decorrer da história. (No barroco,
poderia-se-ia dizer, a disputa entre o valor de culto e o valor de exposição 69 ocorreu, de
múltiplas formas, dentro dos limites da arte sacra.) Mesmo que estas oscilações devam
ainda ser explicadas - surge a hipótese de que épocas tendentes à expressão alegórica sofreram
uma crise da aura.
I J 77a, 8j
Entre os “temas líricos propostos pela Academia”, Baudelaire menciona “a Argélia ou a
civilização conquistadora.” Ch. B,, CEuvres , vol. II, “L J Esprit de Villemain , p. 593.
Dessacralização do longínquo.
Sobre o “abismo”: “profundidade do espaço, alegoria da profundidade do tempo.” Ch. B„
CEuvres, vol. I, “Les paradis artificieis”, p. 306 <OC I, pp. 430-43 1> (IV, “Chomme-
Fragmentação alegórica. A música que alguém ouve sob o efeito do haxixe aparece em
Baudelaire como “o poema inteiro entrando no cérebro como um dicionário dotado de
rida”. Ch. B„ CEuvres, vol. I, p. 307 <OC I, P . 43 1>.
[J78.3J
No Barroco, o emblema - uma parte até então marginal da alegoria - é desenvolvido de
forma exuberante. Enquanto a origem medieval da alegoria ainda precisa ser elucidada
para o historiador materialista, encontra-se um indício para a compreensão de sua forma
barroca no próprio Marx. Escreve ele em Das Kapital (Hamburgo, 1922, p. 344):
“A máquina de operação combinada ... c tanto mais perfeita quanto mais contínuo for seu
processo total, isto é, quanto menos for interrompido o processo pelo qual a matéria-prima
passa da primeira fase à última, ou seja, quanto mais esta passagem for efetuada pela
própria máquina e não pela mão humana. Se na manufatura o isolamento dos processos
69 Cf. as considerações de Benjamin sobre o valor de culto (Kultwert) e o valor de exposição lAusstelIungswert)
em "Das Kunstwerk im Zeitalter seiner technischen Reproduzierbarkeit", GS I, 443-445; "A Obra de
Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica”, OE I, pp. 172-174. (J.L.; w.b.)
4J2 ■ Passagens
particulares é um princípio da própria divisão do trabalho, na fábrica plenamente
desenvolvida, ao contrário, domina a continuidade ininterrupta destes mesmos processos.”
Aqui se poderia encontrar a chave do procedimento barroco, que consiste em conferir
significados ao fragmento, às partes, que provêm menos da decomposição do todo, quanto
do processo de produção desse todo. Os emblemas barrocos podem ser concebidos como
produtos semi-acabados que, de etapas de um processo de produção, tornaram-se
monumentos de um processo de destruição. A “interrupção que, segundo Marx,
caracteriza cada um dos estágios deste processo de trabalho podia estender-se por um
tempo extremamente longo, na época da Guerra dos Trinta Anos, que paralisava a produção
aqui, ou ali. Ora, o triunfo propriamente dito da emblemática barroca, cuja peça de
cenário mais importante é a caveira, consistia em integrar o próprio ser humano neste
processo. A caveira, na alegoria barroca, é um produto semi-acabado do processo da
história da salvação, interrompido por Satã, sempre que lhe é dada a oportunidade.^ ^
A ruína econômica de Baudelaire foi a conscqüência de uma luta quixotesca contra as
circunstâncias que determinavam o consumo à sua época. O consumidor individual, que
diante do artesão aparece como o comitente, figura como comprador no mercado, onde
contribui para a liqüidação de um estoque de mercadorias sobre cuja produção seus desejos
particulares não tiveram nenhuma influencia. Baudelaire quis impor tais desejos individuais
não apenas com sua vestimenta — sendo a confecção, dentre todos os ramos de negócios, o
que mais longamente tem de levar em conta os pedidos do consumidor individual — , mas
quis estendê-los também a seu mobiliário e a outros objetos de uso cotidiano. Assim, veio
a tornar-se dependente de um antiquário pouco escrupuloso que lhe fornecia mobília e
quadros antigos, alguns dos quais se revelaram mais tarde falsificações. As dívidas que
contraiu nestes negócios pesaram sobre ele até o fim de sua vida.
Definitivamente a imagem da inquietação petrificada, representada pela alegoria, é uma
imagem histórica. Ela mostra as forças da Antigüidade e do Cristianismo subitamente
paralisadas em sua disputa, petrificadas em plena batalha, quando esta ainda não fora
decidida. Em seu poema à “musa doente”, Baudelaire, em versos perfeitos - que nada
revelam da natureza quimérica de seu desejo -, forneceu como imagem ideal da saúde da
musa justamente aquilo que é uma formulação do distúrbio dela: Gostaria... /...que teu
sangue cristão se derramasse em ondas rítmicas / Como os inúmeros sons das sílabas antigas.
<OC I, pp. 14-1 5> [J78a 2]
Independentemente da marca, em si mesma nova e original, que a alegoria tem na poesia
de Baudelaire, aparece, subjacente à camada barroca, a camada fundadora medieval. Ela
consiste naquilo que Bezold denominou de “sobrevivência dos deuses antigos no humanismo
medieval”. 70 A alegoria é a forma viável desta sobrevivência.
No instante em que o processo de produção escapa das pessoas, abre-se diante delas o
depósito — na loja de departamentos.
70 Friedrich von Bezold, Das Fortleben der antiken Gõtter im mittelalterlichen Humanismus, Bonn / Leipzig,
1922. (R.T.)
J
[Baudelaire] 413
Sobre a teoria do dandismo. A confecção é o ultimo ramo de negócios no qual o freguês
ainda é tratado individualmente. História dos doze fraques. O papel do comitente toma-
se cada vez mais heróico.
1J79.3]
Na medida em que o flâneur se expõe no mercado, sua flânerie reproduz as flutuações da
mercadoria. Grandville freqüentemente retratou em seus desenhos as aventuras da
mercadoria que passeia.
^ tJ 79,4]
A propósito de “alquebrados pelos trabalhos” <OC I, p. 104>: Entre os saint-simonianos,
o trabalho industrial aparece à luz do ato sexual; a idéia da alegria no trabalho e concebida
segundo a imagem do prazer da procriação. Duas décadas mais tarde, a relação se inverteu:
o próprio ato sexual é marcado pela falta de alegria que oprime o operário da indústria.
Seria um erro considerar a experiência contida nas correspondances como simples equivalente
de certas experimentações realizadas em laboratórios psicológicos com a sinestesia (a audição
de cores ou a percepção visual de sons). Em Baudelaire, trata-se menos das conhecidas
reações, em torno das quais a crítica de arte dos estetas ou dos esnobes fez tanto alarde, do
que do médium no qual ocorrem tais reações. Este médium é a recordação, sendo que em
Baudelaire cia teve uma densidade íncomum. É nela que correspondem os dados dos
sentidos que se encontram em correspondência; estão prenhes de recordações que afluem
com tal densidade que não parecem se originar desta vida, e sim de uma vida anterior
mais vasta e mais ampla. A esta vida fazem alusão os “olhares familiares” <OC I, p. 11>
com os quais tais experiências olham aquele que foi por elas afetado.
O que distingue basicamente o homem meditativo do pensador é o fato de que ele não
medita a respeito de uma coisa, e sim a respeito de sua meditação sobre essa coisa. A situação
do meditativo é a do homem que já encontrou a solução do grande problema, mas, em
seguida, a esqueceu. E agora medita não tanto sobre a coisa, mas sobre a meditação que
outro ra fez sobre ela. O pensamento do homem meditativo situa-se, pois, sob o signo da
neeordação. O meditativo e o alegorista são feitos da mesma matéria.
i <-> r I 7CE 11
ÍSe ... o partido parlamentar da ordem, na luta contra as outras classes da sociedade,
_ 7 truiu com as próprias mãos todas as condições de seu próprio regime, do regime
parlamentar; por outro lado, a massa extra-parlamentar da burguesia..., com o tratamento
que deu a sua própria imprensa, exortava Bonaparte ... a aniquilar seus oradores e
Aores, seus políticos e literatos, ... a fim de poder dedicar-se agora a seus negócios
ados, com plena confiança, sob a proteção de um governo forte e absoluto.’ Karl Marx,
Der achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte, ed. Rjazanov, Viena-Berlim, 1927, p. 100.
r ÍT 79a. 21
Baudelaire encontra-se tão isolado no
o dos conspiradores.
mundo literário de seu tempo quanto Blanqui no
f J 79a, 3]
Com o aumento das vitrines e sobretudo dos magasins de nouveautés, mostrou-se cada vex
mais nitidamente a fisionomia da mercadoria. Baudelaire, por mais viva que fosse sua disposõ»
sensitiva, jamais teria registrado este acontecimento, se este não tivesse agido como um ómS
sobre o “rico metal de nossa vontade” <OC I, p. 5>, sobre as jazidas minerais de sua fantasia.
Seu modelo, a alegoria, de fato correspondia de maneira perfeita ao fetiche da mercadoria.
[J 79a, 41
A postura do herói moderno, prefigurado no trapeiro: seu “andar aos trancos , o isolamento
necessário em que se dedica a seu trabalho, o interesse que nutre pelos dejetos e pelos
detritos da cidade grande. (Cf. Baudelaire, “De Phéroismc de la vie moderne”, vol. II,
p. 135, <OC II, p. 495> “O espetáculo da vida...”)
r [J79a,5]
A descoberta dos aspectos mecânicos do organismo é uma tendência obstinada do sádico.
Pode-se dizer que o sádico visa atribuir a imagem da maquinaria ao organismo humano.
Sade é filho de uma época que se encantou pelos autômatos. E o “homem-máquina” de La
Mettrie é precursor da guilhotina, que comprovou de modo rudimentar as suas verdades.
Em suas fantasias mais sangüinárias, Joseph de Maistre, a autoridade de Baudelaire em
máteria de política, c um parente próximo do Marquês de Sade.
[ J 80 , il
A recordação do homem meditativo dispõe da massa desordenada do saber morto. Para ele,
o saber humano é despedaçado em um sentido partieularmente significativo: ou seja,
como a quantidade de peças arbitrariamente recortadas a partir das quais se monta um
puzzle. Uma época avessa à meditação conservou seu comportamento no puzzle. Este
gesto é sobretudo o do alegorista. O alegorista pega uma peça aqui e ali do depósito
desordenado que seu saber põe à sua disposição, coloca-a ao lado de uma outra e tenta ver
se ambas combinam: aquele significado para esta imagem ou esta imagem para aquele
significado. O resultado nunca pode ser previsto, pois não existe uma mediação natural
entre os dois. Dá-se o mesmo com a mercadoria e o preço. As “argúcias metafísicas” nas
quais se compraz a mercadoria, segundo Marx, sao sobretudo as argúcias da estipulação do
preço. Nunca se poderá saber ao certo por que tal mercadoria tem tal preço, nem no curso
de sua fabricação, nem mais tarde quando ela se encontra no mercado. Ocorre exatamente
o mesmo com o objeto em sua existência alegórica. Nenhuma fada determinou em seu
nascimento qual o significado que lhe atribuirá a meditação absorta do alegorista. Porém,
uma vez adquirido tal significado, este pode ser substituído por outro a qualquer momento.
As modas dos significados mudam quase tão rapidamente quanto o preço das mercadorias.
De fato, o significado da mercadoria é seu preço; como mercadoria, ela não possui nenhum
outro significado. Por isso, o alegorista está em seu elemento com a mercadoria. Como
flâneur, ele se identificou com a alma da mercadoria; como alegorista, reconhece na “etiqueta
com o preço”, com a qual a mercadoria entra no mercado, o objeto de sua meditação: o
significado. O mundo em cuja intimidade o faz ingressar este novíssimo significado, nem
por isso se tornou mais amável. Um inferno se debate na alma da mercadoria, por mais que
pareça que ela tenha encontrado no preço a sua paz.
[ J 80, 2 / J 80a, 1]
Sobre o fetichismo: “É possível que o símbolo da pedra represente apenas os aspectos mais
óbvios da terra, enquanto elemento frio e seco. Mas é também concebível, e até provável...,
J
[Baudelaire] 415
que exista na massa inerte uma referência ao conceito teológico do melancólico, contido
num dos pecados capitais: a acedia, <a inércia do coração>.” Walter Benjamin, Ursprung
des deutschen Trauerspiels, Berlim, 1928, p. 151. 71
I J 80a. 2]
Sobre a exploração da natureza (J 75, 2): nem sempre a exploração da natureza foi vista
como o fundamento do trabalho humano. Com razão, Nietzsche achou significativo o fato
de Descartes ter sido o primeiro físico filósofo a comparar as “descobertas de um cientista
a uma seqüência de batalhas que se trava contra a natureza”. Cit. em Karl Lõwith, Nietzsches
Philosophie der ewigen Wiederkunft des Gleichen, Berlim, 1935, p. 121 (Nietzsche, Werke:
Gro/í'- und Kleinoktavausga.be, vol. XIII, p. 55).
[ J 80a, 3]
Nietzsche considera Heráclito “um astro sem atmosfera”. Cit. em Lõwith, Nietzsches
Philosophie, p. 1 10 (X, 45f)-
[ J 80a, 4]
É preciso enfatizar a grande semelhança fisionômica entre Guys e Nietzsche. Nietzsche
atribui ao pessimisno indiano “aquela monstruosa e nostálgica fixidez do olhar no qual se
reflete o nada” (Lõwith, Nietzsches Philosophie, p, 108, XV, 162). Compare-se com isto
como Baudelaire caracteriza o olhar da prostituta oriental em Guys (J 47, 4); é um olhar
dirigido até o horizonte; misturam-se nele a atenção fixa e a profimda desorientação.
[ J 80a, 5]
A propósito do suicídio como marca da modernidade. “Não se pode condenar
suficientemente o cristianismo, por ter depreciado ... o valor de um grande movimento de
niilismo purificador, como talvez estivesse em curso: ... sempre através de um impedimento
do ato do niilismo, o suicídio.” (Cit. em Lõwith, Nietzsches Philosophie , p 108; XV 325 e
186).
r j si. i]
A propósito do abismo e de Tenho medo do sono como se tem medo de um grande
buraco ( Le gouffre <OC I, p. 143>), Nietzsche: “Conheceis o terror do homem prestes
a adormecer? - Ele se aterroriza dos pés à cabeça porque o chão lhe escapa e começa o
sonho.” Nietzsche, Zarathustra, ed. Krõner, Leipzig, p. 215.
[J 81, 21
Comparação do rico tosão com a “Noite sem astros, Noite escura!”, verso final de “Les
promesses d’un visage” <OC I, p. 163>.
[J 81,3]
A especificidade da imprensa sensacionalista torna-se mais tarde a informação da bolsa.
A pequena imprensa prepara esta informação da bolsa através do papel que confere às
fofocas da cidade.
[J 81,4]
Os outros conspiradores escondem a realidade ao conspirador, como as massas fazem com
o flâneur.
1 J 81, 5]
71
GS I, 332; ODBA, p. 177 (R.T.; w.b.)
416 ■ Passagens
A propósito da fuga de imagens na alegoria. Ela freqüentemente privou Baudelaire de
parte do benefício de suas imagens alegóricas. Uma coisa, sobretudo, falta no uso da alegoria
em Baudelaire. Percebe-se isro quando se tem presente a grandiosa alegoria de Shelley
sobre Londres: o terceiro canto de “Peter Bell the Third” <c£ M, 18>, no qual Londres é
apresentada ao leitor como um inferno. A eficácia completa deste poema deve-se, em
grande parte, ao fato de ser perceptível o impulso de Shelley de lançar mão da alegoria. Este
impulso não ocorre em Baudelaire. Justamente este gesto, que faz sentir a distância entre o
poeta moderno e a alegoria, permite integrar a esta as realidades mais imediatas. O poema
de Shelley dá o melhor exemplo da maneira direta com que isto pode acontecer. Nele
figuram oficiais de justiça, parlamentares, especuladores da bolsa e muitos outros tipos.
A alegoria, cujo caráter arcaizante é enfatizado, dá-lhes uma firme consistência, que falta,
por exemplo, aos homens de negócio no poema “Le crépuscule du soir”, de Baudelaire. —
Shelley domina a alegoria, Baudelaire é dominado por ela.
[J81, 6]
A individualidade como tal adquire um contorno heróico quanto mais dominante for a
maneira com que a massa ocupa o campo visual. Esta é a origem da concepção do “herói”
em Baudelaire. Quanto a Hugo, ele não se interessa pelo indivíduo isolado como tal, e sim
pelo “cidadão” democrático. Isto determina uma oposição fundamental entre os dois poetas,
que só poderia ser eliminada com o pressuposto de se dissipar a aparência que ela reflete.
Esta aparência advém da noção de massa. A massa como tal, independentemente das
diversas classes que a constituem, não possui nenhum significado social primário. Seu
significado secundário depende das circunstâncias que determinam a sua formação, de
caso a caso. O público de um teatro, um exército, os habitantes de uma cidade formam
massas que, como tais, não pertencem a nenhuma classe determinada. O livre mercado
multiplica estas massas rapidamente e em quantidades incalculáveis, na medida em que
toda mercadoria reúne em torno de si a massa de seus compradores. Os Estados totalitários
tomaram esta massa como modelo. A “comunidade do povo” ( Volksgemeimchafi) procura
exorcizar de cada indivíduo tudo aquilo que impeça sua completa fusão em uma massa de
clientes. O Estado, que representa neste extremo esforço o agente do capitalismo monopolista,
tem como único adversário irredutível o proletariado revolucionário. Este dissipa a aparência
de massa por meio da realidade da classe. Neste ponto, nem Hugo nem Baudelaire podem
se colocar diretamente a seu lado.
[ J «la, 11
A propósito da introdução da heroína: a Antigüidade de Baudelaire é a Antigüidade romana.
Em um único lugar aparece a Antigüidade grega cm seu universo. Esta é de fato
insubstituível. A Grécia concede-lhe aquela imagem da heroína que lhe pareceu digna e
capaz de ser transposta para a modernidade. Nomes gregos dão o título <?> a um de seus
maiores poemas: “Delphine et Hippolyte” <OC I, p. 152>. Os traços da heroína são
determinados, com efeito, pelo amor lésbico.
L J 81a, 2]
“Assim, o pensamento do poeta, depois de ter seguido caprichosos meandros, abre-se em
vastas perspectivas do passado ou do futuro; mas esses céus são vastos demais para serem
geralmente puros, e o clima é quente demais para não acumular tempestades. O caminhante,
contemplando essas extensões cobertas de luto, sente subir a seus olhos lágrimas de histeria,
hysterical tearsl' Ch. B., vol. II, p. 536 <OC II, p. 149> (“Marceline Desbordes-Valmore”).
[ J 82, 1]
J
[Baudelaire] 417
Le vin des chiffonniers <OC I, p. 106>: a alusão aos “alcagüetes" indica que o
sonha ter vindo da luta de barricadas.
[J í
* Cidade . Sou um efêmero e não muito descontente cidadão de uma metrópole tida como
moderna, porque todo gosto conhecido foi eludido nos mobiliários e no exterior das casas
tanto quanto no plano da cidade. Aqui você não perceberia os traços de nenhum
monumento de superstição. Em suma: a moral e a língua são reduzidas à sua expressão
mais simples. Essas milhões de pessoas, que não têm necessidade de se conhecerem, lidam
com a educação, a profissão e a velhice de forma tão semelhante, que seu tempo de vida
deve ser muitas vezes menos longo que aquele atribuído por uma estatística desvairada aos
povos do continente.” Arthur Rimbaud, CEuvres, Paris, 1924, pp. 229-230 (Les
Illuminations) . Desencantamento da “modernidade”!
[ J 82, 3]
“Os criminosos enojam como castrados.” Arthur Rimbaud, CEuvres , 1924, p. 258 ( Une
Saison en Enfer, “Mauvais sang”).
[ J 82. 4]
Usando Baudelaire como exemplo, poder-se-ia mostrar que o Jugendstil provém do cansaço
— um cansaço que se manifesta nele como o do mímico que tirou a maquiagem.
[ J 82, 5]
A modernidade, nesta obra, é o mesmo que a marca registrada em um talher ou em um
instrumento óptico. Este pode ser tão durável quanto quiser; se a firma de onde provém
deixar de existir, ele dá a impressão de ser obsoleto. Ora, a intenção explícita de Baudelaire
era impregnar a sua obra com uma marca registrada. Seu propósito era “criar um poncif”.
E talvez não haja para Baudelaire glória maior do que ter imitado, ter reproduzido com sua
«abra, este estado de coisas, um dos mais profanos da economia de mercado. Talvez seja esta
a realização maior de Baudelaire e, certamente, trata-se de uma realização consciente — a de
(ser envelhecido tão rapidamente, conservando uma durabilidade tão grande.
[ J 82, 6 / J 82a, 1]
A atividade dos conspiradores pode ser considerada uma espécie de dépaysement, tal como
o criaram a monotonia e o terror do Segundo Império também sob outros aspectos.
I J 82a, 2]
As fisiologias foram o primeiro espólio que o flâneur trouxe do mercado. Por assim dizer, ele
foi organizar sua coleção de botânica no asfalto.
[ J 82a, 3]
Para a modernidade, a antigüidade é como um pesadelo que lhe veio durante o sono.
[ J 82a, 4]
Durante grande parte do século passado, a Inglaterra permaneceu a grande escola do
conhecimento social. De lá, Barbier trouxera o ciclo de poemas intitulado Lazare , Gavarni,
a seqüência O que se pode ver de graça em Londres e o personagem Thomas Vireloque, a
ffigura do homem caído em miséria sem qualquer esperança.
[ J 82a, 5]
4] 8 ■ Passagens
“Entre Augusto de olhar calmo eTraj ano de fronte pura,
Brilha, imóvel no eterno firmamento,
Sobre vós, ó panteões, sobre vós, ó propileus,
Robert Macaire com suas botas estragadas!”
Victor Hugo, Les Châtiments, ed. Charpentier, Paris, p. 107 (“Apothéose”).
“Ele tem contra ele ... o título Les Fleurs du Mal , que é um título falso, deploravelmente
anedótico e que particulariza em excesso a universalidade de seu impulso. Henry Bataille,
“Baudelaire” ( Comoedia , 07 jan. 1921).
Sobre “a rua ensurdecedora” <OC I, p. 92> e formulações semelhantes: não se deve esquecer
que a pavimentação das ruas naquela época era sobretudo feita com paralelepípedos.^ ^
Nisard, no prefacio para a primeira edição de Poetes Latins de la Decadence (1834). Esforço me
em explicar por quais necessidades ... o espírito humano chega a este singular estado de
esgotamento, em que as imaginações mais ricas de nada valem para a verdadeira poesia, e
não têm mais nada senão a força para destruir com escândalo as línguas... Enfim, chego às
semelhanças que existem entre a poesia de nosso tempo e a do tempo de Lucano... Numa
terra em que a literatura governa os espíritos, e mesmo a política ... empresta ... sua voz a
todos os progressos, ... a crítica ... é ... um dever ao mesmo tempo literário e moral.”
D. Nisard, Études de Mceurs et de Critique sur les Poetes Latins de la Décadence, Paris, 1849,
vol. I, pp.XeXIV [J83>1]
Sobre o ideal feminino - “macabra magreza” - de Baudelaire: “É esta essencialmente a mulher
moderna, a mulher francesa do período que precedeu a invenção das bicicletas. Pierre Caume,
“Causeries sur Baudelaire”, La Nouvelle Revue , Paris, 1899, tomo CXIX, p. 669.
Nisard denuncia, como signo da “decadência” em Fedro: “Um emprego afetado e contínuo
do abstrato pelo concreto... Assim, em vez de ‘longo pescoço’, ele diz ‘o comprimento do
pescoço’, collii longitude F D. Nisard, Études de Mceurs et de Critique sur les Poetes Latins de la
Décadence , Paris, 1849, vol. I, p. 45.
A propósito da questão da queda de natalidade e da esterilidade: “Não há antecipação
otimista do futuro, nem entusiasmo, se não houver idéia reguladora, se não houver um
objetivo, um fim.” Jules Romains, Cela Depend de Vous, Paris, 1939, p. 104.
Com “no fundo do Desconhecido” <OC I, p. 134>, pode-se comparar a magnífica passagem
sobre o “conhecido” em Turgot: “Não admiro Colombo por haver dito: a terra e redonda,
logo, avançando para o Ocidente, reencontrarei a terra, embora as coisas mais simples
J
[Baudelaire] 419
sejam muitas vezes as mais difíceis de se encontrar. - Mas o que caracteriza uma alma forte
é a confiança com a qual ele se abandona a um mar desconhecido com a fé em um raciocínio.
Como teria sido o gênio e o entusiasmo pela verdade, em um homem para quem uma
verdade conhecida dava tanta coragem!” Turgot, CEuvres , vol. II, Paris, 1844, p. 675 (“Pensées
et fragments”).
^ ' t J 83, 51
A miséria em farrapos é uma forma específica da pobreza, de maneira alguma seu mero
superlativo. “A pobreza ... assume o caráter específico da miséria em farrapos, quando
aparece em uma sociedade cuja vida está fundada sobre um todo muito complexo e ricamente
articulado de satisfação das necessidades. Quando a pobreza toma emprestados alguns
fragmentos deste todo, isolados de qualquer contexto, ela se torna dependente de necessidades
para as quais é impossível lhe dar uma assistência ... permanente e duradoura.” Hermann
Lotze, Mikrokosmos, vol. III, Leipzig, 1864, pp. 271-272.
[ J 83a. 1]
A observação de Lotze sobre o trabalhador, que não mais maneja a ferramenta mas opera a
máquina, presta-se a esclarecer o comportamento do consumidor em relação à mercadoria
produzida nestas condições. “Nos produtos acabados, em cada detalhe de sua forma, ele
podia ainda reconhecer a força e a precisão dos movimentos que ele investiu, trabalhando
em sua fabricação. A participação do homem no trabalho das máquinas limita-se, ao contrário,
a ... movimentos manuais que de imediato não dão forma a coisa alguma, mas apenas
concedem a um mecanismo mal conhecido uma oportunidade incompreendida para
realizações invisíveis. Hermann Lotze, Mikrokosmos, vol. III, Leipzig, 1864, pp. 272-273.
1 J 83a, 2]
A alegoria, como signo claramente distinto de seu significado, ocupa seu lugar na arte
como antagonista da bela aparência, na qual significado c significante se misturam. Se esta
aspereza da alegoria desaparece, ela perde sua autoridade. E o caso da pintura de gênero.
Ela introduz um elemento de “vida” nas alegorias, que agora irão fanar como flores.
Sternberger fez menção a este fato ( Panorama , Hamburgo, 1938, p. 66): “a alegoria que se
tomou aparentemente viva, que sacrificou sua duração e rigorosa validade pelo prato de
fcnrilhas” da vida, 72 aparece com razão como uma criação da pintura de gênero. No Jugendstil
parece ter início um processo inverso. A alegoria recupera a sua aspereza.
[ J H3a, 3]
te a observação de Lotze, vista acima: O ocioso, o flâneur, que nada mais entende da
J ução, quer tornar-se o perito do mercado (dos preços).
[ J 83a, 4]
'“'Os capítulos ‘Perseguição’ e Assassinato’ do Poeta Assassine, de Apollinaire, contêm a famosa
jdkscrição de um pogrom contra os poetas. As editoras são assaltadas, os livros de poemas
amados ao fogo, os poetas, massacrados. E as mesmas cenas se repetem ao mesmo tempo
ma mundo inteiro. Em Aragon, a Imaginação’, ao pressentir tais atrocidades, conclama
i adeptos para uma última cruzada.” Walter Benjamin, “Der Sürrealismus”, Die literarische
, V, 7, 15 fev. 1929. 73
72 Cf. a história de Esaú e Jacó em Gênesis 25: 29-34. (E/M)
73 GS II, 303; cf OE I, p. 29 e DCDB, p. 1 11. (R.T.; w.b.)
[ J 84. 1]
420 ■ Passagens
“Não é de maneira alguma uma coincidência se o século que foi, desde há muito tempo, o
mais forte em linguagem poética, o XIX, foi também aquele do progresso decisivo nas
ciências.” Jean-Richard Bloch, “Langage dutilité, langage poétique” (. Encyclopédie Française,
vol. XVI, 16-50, p. 13). Indicar como as forças da inspiração poética desalojadas, pela
ciência, de suas antigas posições, são compelidas a fazer incursões no mundo das mercadorias.
[J84.2]
Sobre a questão do desenvolvimento da ciência e da linguagem poética, analisada por J. R-
Bloch, cf. “Invention”, dc Chénier:
“Todas as artes são unidas: as ciências humanas
Não puderam de seu império estender os domínios.
Sem aumentar também a carreira dos versos.
Que longo trabalho para eles conquistar o universo!
Uma Cibele nova e cem mundos diversos,
Aos olhos de nossos Jasões saídos do seio dos mares:
Que conjunto de quadros, de sublimes imagens,
Nasce desses grandes objetos reservados aos nossos tempos!”
[J84,S
Sobre “Les sept vieillards”. O fato de este poema aparecer isolado na obra de Baudelaire
torna plausível a hipótese de que ocupa uma posição-chave. Se esta posição até agora
permaneceu desconhecida, isto pode estar relacionado ao fato de que o comentário
puramente filológico foi insuficiente para elucidar este poema. E, no entanto, o dado
decisivo não se encontra tão distante. O poema corresponde a uma passagem particular
dos Paradis Artificieis. E é esta passagem que, ao mesmo tempo, pode esclarecer sua
abrangência filosófica.
5 [J84.4]
Para “Les sept vieillards”, é decisiva a seguinte passagem dos Paradis Artificieis-, ela permite
atribuir a inspiração deste poema ao haxixe: “A palavra rapsódico, que define tão bem um
movimento de pensamento sugerido e comandado pelo mundo exterior e pelo acaso das
circunstâncias, é de uma verdade mais verdadeira e mais terrível no caso do haxixe. Aqui, o
raciocínio não é mais que um casco ao sabor de todas as correntes, e o movimento de
pensamentos é infinitamente mais acelerado e mais rapsódico .” Vol. I, p. 303.
Comparação entre Blanqui e Baudelaire, em parte, a partir de formulações de Brecht: " a
derrota de Blanqui foi a vitória de Baudelaire - a da pequena burguesia. Blanqui sucumbiu,
Baudelaire teve sucesso. Blanqui aparece como figura trágica; sua traição possui grandeza
trágica; foi vencido pelo inimigo interior. Baudelaire aparece como figura cômica: como o
galo cuio estridente canto triunfal anuncia a hora da traição.
& ’ [J84a,2]
74 B. Brecht, Gesammelte Werke in acht Bànden, vol. VIII, pp. 408-410 ("Die Schõnheit in den Gedichten
des Baudelaire"). - Também as observações em J 84a, 3 e J 84a, 4 são derivadas de formulações de
Brecht: cf. op. c/f., pp. 410 e 408. (R.T.)
J
[Baudelaire] 421
Se Napoleão III foi César, então Baudelaire foi uma personagem à Catilina.
[ J 84a, 3]
Baudelaire reúne a pobreza do trapeiro, o sarcasmo do malandro, o desespero do parasita.
f J 84a, 4]
A importância do texto “Perte d’auréole” não deve ser subestimada. É da maior pertinência,
antes de mais nada, que seja ressaltada a ameaça que sofre a aura pela vivência do choque.
(Talvez esta relação possa ser esclarecida através da referência às metáforas da epilepsia.)
Além disso, é de extraordinária importância o final que faz da exibição da aura a partir de
agora um assunto de poetas de quinta categoria. — Finalmente, é importante neste texto o
fato de a ameaça aos habitantes das grandes cidades, pelo trânsito de carruagens, ser
apresentada como maior que a ameaça de hoje em dia devida aos automóveis.
t J 84a, 5]
Catilina figura em Baudelaire entre os dândis <OC II, p. 709>.
[J85, 1]
O amor pela prostituta é a apoteose da empatia com a mercadoria.
[ J 85. 2]
Apresentar “Recueillement” como um poema do Jugendstil. Os “Anos findos” <OC I, p.
141> como alegorias ao estilo de Frít/. Erler.
( J 85, 3]
O ódio pela pintura de gênero, que se observa nos “Salões” de Baudelaire, é um sentimento
característico do Jugendstil.
[ I 85, 41
Entre as lendas que circulavam sobre Baudelaire, havia a de ter lido Balzac enquanto
atravessava o Ganges. Em Henri Grappin, “Le mysticisme poétique de Gustave Flaubert”,
Revue de Paris, 01 e 15 dez. 1912, p. 852.
[ J 85, 5]
“A vida só tem um encanto verdadeiro: é o encanto do Jogo. Mas se for indiferente para nós
ganhar ou perder? CEuvres Completes, vol. II, p. 630 <OC I, p. 654> (“Fusées”).
[ J 85, 6]
*o comércio é, por essência, satânico... O comércio é satânico porque é uma das formas do
egoísmo, e a mais baixa e a mais vil.” CEuvres Completes, vol. II, p. 664 <OC I, pp. 703-704>
CMon cceur mis à nu”).
[J85, 7]
*o que é o amor? A necessidade de sair de si... Quanto mais o homem é culto em artes,
nos ele tem ereção... Foder é aspirar a entrar num outro, e o artista não sai jamais de si
mo.” CEuvres Completes, vol. II, pp. 655 e 663 <OC I, pp. 692 e 702>.
[J85. 8]
422 ■ Passagens
“Foi no lazer que, em parte, cresci. Para meu grande prejuízo, porque o lazer sem fòrcuna
aumenta as dívidas... Mas, para meu grande proveito, relativamente à sensibilidade, à
meditação e à faculdade do dandismo e do diletantismo. Os outros homens de letras são, na
maioria, vis picaretas muito ignorantes.” CEuvres Completes, vol. II, p. 659 <OC I, p. 697>
(“Mon cceur...”). [J85i „
“Pensando bem, trabalhar é menos tedioso que se divertir.” CEuvres Completes , vol. TT, p. 64
<OC I, p. 682> (“Mon cceur...”).
Sobre danças macabras (cf. K 7a, 3, a passagem de 1 luxley): As xilogravuras com as quais
o tipógrafo parisiense Guyot Marcham ornamentou, em 1485, a primeira edição da Dança
Macabra foram provavelmente tomadas de emprestimo a mais famosa de todas as danças
macabras, aquela pintura de parede, do ano de 1424, da galeria do cemitério dos Inocentes
em Paris... O cadáver que retorna quarenta vezes para buscar os vivos, na verdade não é a
morte, e sim o morto. Os versos chamam a figura de O morto (na dança macabra das
mulheres, ‘A morta)... Fia também não é um esqueleto, e sim um corpo ainda não
totalmentc descarnado, com o ventre aberto e oco. Apenas por volta de 1500, a figura do
grande dançarino torna-se um esqueleto, tal qual o conhecemos nas gravuras de Holbein.
J. Huizinga, Herbst des Mittelalters, Munique, 1928, pp. 204 e 205. ^
Sobre a alegoria. “As figuras do Roman de la Rose : Bom-Acolhimento, Doce Olhar,
Fingimento, Maledicência, Perigo, Vergonha, Medo, pertencem à mesma linha de parentesco
que as representações genuinamente medievais de virtudes e pecados sob forma humana;
alegorias ou algo mais do que isto, mitologia meio levada a sério.” J. Huizinga, Herbst des
Mittelalters , Munique, 1928, p. 162.
1 r t us*
Sobre a “metafísica do agente provocador”: “mesmo não sendo preconceituoso demais,
pode-se ficar um pouco constrangido quando se lê os Mystères Galants des Théâtres de
Parisp em pensar que Baudelaire seja responsável por uma pane deles. Se ele renegou esse
trabalho da primeira juventude, há fortes razões para acreditar, com Crépet, ser realmente
ele um de seus autores. Seria, pois, um Baudelaire à beira da chantagem, rancoroso contra
qualquer sucesso? Isso levaria a pensar que durante toda sua vida, dos Mystères até Amcenitates
Belgicce, o grande poeta teve necessidade, de tempos em tempos, de esvaziar uma bolsa de
veneno.” Jean Prévost, resenha do trabalho indicado, La Nouvelle Revue Française , XXVII,
n° 308, 01 maio 1939, p. 888.
r [J 85a, 31
Sobre “Au lecteur” <OC I, p. 5>: “Os seis primeiros livros das Confissões têm ... uma
vantagem certa, inerente a seu próprio tema: todo leitor, na medida em que não é escravo
dos preconceitos literários ou mundanos, torna-se um cúmplice.” André Monglond, Le
Préromantisme Français , vol. II: Le Maitre des Ames Sensibles, Grenoble, 1930, p. 295-
I J 86, U
75 Título de um livro publicado em Paris em 1844, satirizando várias atrizes, como Rachel, e escritores de
peças, como François Ponsard. Jacques Crépet republicou a obra em 1938, afirmando que Baudelaire
era um dos autores. (E/M)
J
[Baudelaire] 423
Em uma passagem significativa de Joseph de Maistre, não apenas aparece a alegoria,
expressando sua proveniência satânica, de acordo com a perspectiva posterior de Baudelaire,
como também aparecem as correspondances — inspiradas pelo misticismo de Saint- Martin
ou de Svedenborg. Elas constituem, de maneira reveladora, uma oposição à alegoria.
O texto encontra-se no oitavo diálogo das Soirées e diz o seguinte: “Pode-se formar uma
idéia perfeitamente justa do universo, vendo-o sob o aspecto de um vasto gabinete de
história natural abalado por um terremoto. A porta está aberta e quebrada; não há mais
janelas; armários inteiros estão por terra, outros pendurados ainda em travas prestes a se
soltar. Conchas rolaram na sala dos minerais, e o ninho de um colibri repousa na cabeça de
um crocodilo. Entretanto, que insensato poderia duvidar da intenção primitiva, ou pensar
que o edifício fosse construído nesse estado?... A ordem é tão visível quanto a desordem; e
o olhar, passeando por esse vasto templo da natureza, reconstitui, sem dificuldade, tudo o
que um agente funesto quebrou, ou falseou, ou sujou, ou deslocou. Há mais: olhai de
perto e logo reconhecereis a presença de uma mão reparadora. Algumas vigas estão reforçadas;
abriram-se caminhos entre os escombros; e, em meio à confusão geral, uma quantidade de
análogos já retomaram seu lugar e se tocam.” 76
[J86.2J
Sobre a prosódia de Baudelaire: aplicou-se a ela a fórmula originalmente atribuída a Racine:
“podar a prosa, mas com asas”.
[ J 86, 31
Sobre “Un voyage à Cythère”, de Baudelaire:
“Cítera está ali, lúgubre, esgotada, idiota,
Crânio do sonho de amor, e crânio nu
Do prazer...
Não mais abelhas bebendo o orvalho e o tomilho.
Mas sempre o céu azul.”
Victor Hugo, Les Contemplatiom (“Cérigo”). 77
[J 86a, 1]
A teoria poética como capacidade de expressão - “E se o homem em extremo sofrimento
silencia / Um deus fez-me dizer o quanto sofro” 78 - encontra-se expressa com firme
determinação em Lamartine, no “primeiro” prefácio a Méditations , de 1 849 (que, na verdade,
é o segundo). A “procura da originalidade a qualquer preço”, sem falar da reflexão verdadeira
sobre as possibilidades de criação original, preserva o poeta, sobretudo Baudelaire, de uma
poética da simples expressão. Lamartine a formula da seguinte maneira: “Eu não imitava
mais ninguém, expressava-me a mim mesmo. Nao era uma arte, era um desabafo de meu
próprio coração... Não pensava em ninguém ao escrever aqui e ali esses versos, senão em
uma sombra ou em Deus.” Les Grands Ecrivains de la trance , vol. 11, “Lamartine”, Paris,
1915, p. 365.
t J 86a, 2]
76 Joseph De Maistre, QEuvres Complètes, vol. V, Lyon, 1884, pp. 102-103. (R.T.)
77 Victor Hugo, duvres Complètes: Poésies, vol. VI, p. 146. (R.T.)
78 Goethe, Torquato Tasso, ato V, cena 5, versos 3432-3433. (R.T.)
424 ■ Passagens
A propósito da observação dc Laforgue sobre as “comparações cruas” em Baudelaire (J 9,
4), Ruff pondera: “A originalidade dessas comparações não está tanto na sua crueza, mas no
caráter artificial, isto é, humano, das imagens: “clausura , tampa , bastidores . A
correspondance é concebida no sentido inverso das que propõem habitualmente os poetas,
que nos remetem à natureza. Baudelaire, por uma inclinação invencível, nos remete à ideia
humana. Mesmo no plano humano, se quer engrandecer sua descrição com uma imagem,
irá muitas vezes escolhê-la numa outra manifestação do homem, em vez de recorrer à
Natureza: l as chaminés, os campanários, estes mastros da cidade . Marcel-A. Ruff, Sur
farchitecture des Fleurs du Mal , Revue dHistoire Littéraire de lã France, XXXVII, n 3,
jul.-set. 1930, p. 398. Compare-se o “apontando o céu com o dedo”, na descrição de
Meryon <J 2,1>. - O mesmo morivo, mas inócuo e expresso em termos psicológicos, na
conversão do flâneur à atividade industrial em Rattier.
No poema de Barbier, “Les mineurs de Newcasde”, o final da oitava estrofe diz o seguinte:
“E mais de um que sonhava no fundo de sua alma
Com as doçuras do lar, com os olhos azuis de sua mulher,
Encontra nas entranhas do abismo um eterno túmulo.’
Auguste Barbier, Jambes et Poèmes, Paris, 1841, pp. 240-241 — extraído do livro Lazaie,
datado de 1837, e que relata as impressões da Inglaterra. A propósito dos versos citados, cf.
os dois últimos do “Crépuscule du soir” <OC I, p. 95>.
O conspirador profissional e o dândi encontram-se na noção do herói moderno. Este heiói
representa, para si mesmo e em sua própria pessoa, toda uma sociedade secreta.
Sobre a geração de Vallès: “É aquela geração que, sob o céu estrelado do Segundo Império,
se criou frente a um ... futuro sem fé e sem grandeza.” Hermann Wendel, “Jules Vallès”,
Die Neue Zeit, XXXI, n° 1, Stuttgart, 1912, p. 105.
“Quando um cortesão ... não for preguiçoso e contemplativo... La Bruyère. ^ ^
A propósito do “estudo”: “A carne é triste, ai! e já li todos os livros.” Mallarmé, Poésies, Paris,
1917, p. 43 (“Brise marine”). [j 87 , 5 ]
Sobre o ócio: “Imagine uma ociosidade perpétua ... com um profundo ódio dessa
ociosidade.” Baudelaire, Carta à sua mãe, sábado, 4 de dezembro de 1847. Lettres à sa
Mere, Paris, 1932, p. 22. 7 ^
Baudelaire menciona [onde?] “o hábito de deixar passar os anos, deixando sempre as coisas
para depois”.
[ J 87, 7]
J
[Baudelaire] 425
Os primórdios do capitalismo triunfante, definidos por ^ íesengrund '.carta de 5 de junho
ác 1935) como “a modernidade em sentido estrito . .
Sobre o ócio: O satanismo de Baudelaire - ao qual se deu tanta importância - não é outra
■ mircsa que sua maneira de aceitar o desafio que a sociedade burguesa lança ao poeta ocioso.
Esse satanismo não é senão uma retomada racional das veleidades destruidoras e cínicas,
Mnfarerudo ilusórias, que partem do submundo social.
SoiDce o ócio. “Hércules ... também trabalhou..., mas o objetivo de sua carreira sempre foi
nr- 1 nobre ócio e por isso chegou ao Olimpo. Não foi o caso de Prometeu, o inventor da
«ÉBcaçáo e do Iluminismo... Por ter induzido os homens ao trabalho, ele também tem que
lanèsrihar. queira ou não. Ele ainda sentirá muito tédio e nunca se libertará de suas correntes,
irich Schlegel, Lucinde, Lcipzig, pp. 34-35 (“Idylle über den MüSiggang ( Idílio
«KC
o ócio”)).
[ J 87a, 1]
_ falei a mim mesmo: ‘Ó ócio, ócio! És o ar vital da inocência e do entusiasmo,
ãnm-te os bem-aventurados, e bem-aventurado é aquele que te possui e conserva,
ia preciosidade, único fragmento de nossa semelhança a Deus que nos restou do Paraíso.
d. Lucinde , p. 29 (“Idylle über den MüSiggang”).
IJ 87a, 2]
KpO) jsio e a utilidade são os anjos da morte com a espada de fogo que impedem o retomo
riu: homem ao Paraíso... E, sob todas as latitudes, c o direito ao ócio que diferencia os
distintos dos vulgares, e é o princípio verdadeiro da nobreza. Schlegel, Lucinde ,
p. 32.
[ ] 87a, 3]
,m $L ifease pesada, e como que carregada de fluidos elétricos, de Baudelaire. Jules Renard,
Jimrxd Inédit, 1887-1895, Paris, Gallimard, 1925, p. 7. [187a 41
“Entretanto, demônios doentios na atmosfera
Despertam pesadamente, como homens de negócio <OC I, p. 94>
— Deve ser permitido reconhecer, aqui, uma reminiscência da descrição da multidão por^Poe.
ims- como em “À une passante”, a multidão não é mencionada nem descrita, tampouco
cem em “Le jeu” os acessórios do jogo. ( g7a 6)
;n temente de Cabet, de Fourier e dos fantasiosos utopistas saint-simonianos, só
■epode imaginar Blanqui em Paris. Também ele só vê a si mesmo e à sua obra em Paris,
lado oposto, a concepção de Proudhon relativa às grandes cidades (A 1 la, 2)^ ^
tos do prefácio escrito por Pyat para a edição de 1884 do Chijfonnier de Paris
capeiro de Paris). São importantes como referência indireta às relações entre a obra de
Baudelaire e o socialismo radical. “Esse drama penoso, mas salutar ... não foi, aliás, senão
a evolução lógica de meu pensamento, precedendo... a própria evolução do povo... É o
pensamento republicano na minha primeira peça. Une rêvolution d’autrefois (Uma revolução
de outrora); republicano democrádco em Ango, le marin (Ango, o marinheiro); democrático
e social em Les deux serruriers (Os dois serralheiros), Diogène e Le chiffonnier : pensamento
sempre progressivo em direção ao ideal, tendendo ... a completar a obra de 89... Sem
dúvida, a unidade nacional foi realizada...! a unidade política também...! Mas a unidade
social resta por fazer. Há ainda duas classes não tendo em comum senão o ar natal ... e não
podendo estar unidas senão pela estima e pelo amor. Quantos franceses ricos esposam
francesas pobres? Aí está o problema... Voltemos a Jean... Concebi esse drama na prisão,
onde estava condenado em 44, por ter vingado a República contra a Monarquia. Sim, é
um produto da prisão, como esses outros protestos populares: Dom Quixote e Robinson.
Jean tem pelo menos isso em comum com essas obras-primas que não envelhecem. Eu
concebi essa peça na mesma noite da representação da peça anterior, Diogène, que foi
encenada enquanto eu estava atrás das grades. Por uma seqüência direta de idéias, o Cínico
me sugeriu Le chiffonnier ; a lanterna do filósofo, a vela do pária; o barril, o cesto de vime;
o desinteresse por Atenas, o devotamento por Paris. Jean era o Diógenes de Paris, como
Diógenes, o Jean de Atenas. A inclinação natural de meu espírito me levava ao povo; sou
atraído pela massa; minha poética, sempre de acordo com minha política, nunca separou
o autor do cidadão. A arte, a meu ver ... não a arte pela arte, mas a arte para a humanidade,
devia ... culminar no povo. A arte, na verdade, segue o soberano, começando pelos deuses,
continuando pelos reis, os nobres e os burgueses, e terminando no povo. E a iniciativa para
esse fim, em Les serruriers, devia chegar, em princípio, em seu próprio centro de gravidade,
no Chiffonnier. Logo, enquanto a arte burguesa ... brilhava em Hernani, Ruy Blas e outros
enamorados de rainhas..., a arte republicana ... anunciava uma outra dinastia, a dos trapeiros...
E em 24 de fevereiro, ao meio-dia, depois da vitória, o drama dos “trapos” foi representado
gratuitamente diante do povo vencedor e armado. E nessa representação memorável que o
ator ... reencontrou a coroa no cesto de vime. Que dia! Efeito indescritível! Autor, atores,
diretor e espectadores, todos juntos, de pé, aplaudindo ao som da Marselhesa, ao som dos
canhões... Falei do nascimento e da vida de Jean. Eis sua morte. Jean caiu como a República
sob o golpe de dezembro. O drama teve a honra de ser condenado, assim como o autor,
que pôde vê-lo aplaudido em Londres, em Bruxelas, por toda pane, exceto em Paris. Assim,
numa sociedade baseada na família — quando tinham campo livre ... o direito ao incesto,
em René, o direito ao adultério, em Antony, o direito ao bordel, em Rolid -, o direito à
família era proscrito pelos salvadores da família e da Sociedade.” Félix Pyat, Le Chiffonnier
de Paris: Drame en Cinq Actes, Paris, 1884, pp. IV-VIIL
( J 88 / 1 88a, 1]
Baudelaire parece jamais ter cogitado no lugar clássico de passeio da flanêrie — a passagem.
Porém, no esboço lírico de “Le crépuscule du matin”, que encerra os Tableaux Parisiens,
pode ser identificado o cânone da passagem. A parte principal deste poema é formada por
nove dísticos que, rimados, distinguem-se claramente dos pares de versos anteriores e
posteriores. O leitor move-se neste poema como numa galeria guarnecida de vitrines. Em
cada vitrine expõe-se a imagem nítida de uma miséria nua e ema. O poema termina com
duas estrofes de quatro versos que, representando coisas terrenas e celestiais, equilibram-se
como pilastras.
[ J 88a, 2]
J
[Baudelaire] 427
Êsiidelaire conheceu a temporalidade infernal do jogo não tanto na prática, mas nas épocas
em que foi dominado pelo spleen.
[ J 88a, 3]
*E rouca coisa Paris vista no cesto do trapeiro... E dizer que tenho toda Paris, ali, naquele
Bmwbí q.-.” Pyat, Le Chiffonnier, cit. em Jean Cassou, Quarante-huit, Paris, 1939, p. 13.
[ J 88a, 4]
A Gté Dorée 79 era a metrópole do trapeiro.
[J 88a, 5]
letrato de Blanqui por Cassou: “Blanqui era feito para agir sem declamação nem
anDitimentalismo, apreendendo em cada circunstância o que é estritamente real e autêntico.
Mas a obscuridade, a pobreza e a fraqueza da circunstância obrigaram-no a agir apenas à
por golpes estéreis e a se confinar na prisão. Ele se sabe condenado a uma postura
ente preparatória e simbólica, uma atitude de paciência nas trevas e nos grilhões. E
sua vida se passará assim. Ele se tornará um velho amarelado e desvairado. Mas não
. vencido. Ele não pode ser vencido.” Jean Cassou, (Juarante-huit, Paris, 1939, p. 24.
[ J 89, U
A propósito de Hugo, mas também de “Les petites vieillcs” (ambos não citados por Cassou):
esta é mesmo a novidade do século romântico: a aparição escandalosa do Sátiro à
i dos deuses, a manifestação pública dos seres sem nome, sem possibilidade de existência,
, « escravos, os negros, os monstros, a aranha, a urtiga.” Jean Cassou, Quarante-huit, Paris,
9. p. 27. (Pode-se pensar aqui também na descrição de Marx do trabalho infantil na
3erra.)
[J 89,2]
"lafccz não seja impossível encontrar em “Paysage” <OC I, p. 82> um “tom quarenta e oito”
'C UB eco da mística do trabalho daquela época; talvez seja permitido pensar na formula de
Cassc-u. que faz referência a Terre et Ciei, de Jean Reynaud: “A Oficina vai crescendo até as
as e invade a eternidade.” Jean Cassou, Quarante-huit, Paris, 1939, p. 47.
t J 89, 3]
fimpen Des classes düngereuses de la population dans les grandes villes et des moyens de les rendre
b Saara (Das classes perigosas da população nas grandes cidades e dos meios de torná-las
res), Paris, 1840, vol. II, p. 347: “O salário do trapeiro, assim como o do operário, é
»avel da prosperidade da indústria. Esta possui, como a natureza, o sublime privilégio
lie se reproduzir com seus próprios dejetos. Esse privilégio é tanto mais precioso para a
dade quanto propaga a vida no submundo da sociedade, ao mesmo tempo que
ixi o ornamento da riqueza de suas camadas intermediárias e das mais elevadas.” Cit.
i Cassou, Quarante-huit, Paris, p. 73.
[J89.4]
Dante é o modelo constante desses homens de 48. Eles estão nutridos por sua
iimir swrrti e por seus episódios e, como ele, votados à proscrição, portadores de uma pátria
' A Cité Dorée (Cidade Dourada) - nome derivado de Sr. Doré, o antigo proprietário do terreno - era um
loteamento ocupado pelos operários das Oficinas Nacionais em 1848 e que aos poucos se deteriorou,
transformando-se em um lugar imundo. (J.L.)
i23 ■ Passagens
errante, carregando o peso de uma mensagem fatídica, acompanhados de sombras e ác
vozes.” Jean Cassou, Quamnte-huit, Paris, p. 111.
[J 891,13
Cassou, ao descrever os modelos de Daumier: “As silhuetas curvadas, de longos redingores
puídos, farejadores de estampas, todos esses personagens baudelairianos, descendentes do
caminhante solitário de Jean-Jacques.” Quarante-huit, Paris, p. 149.
[J 89i,4
A propósito de uma relação presumível entre a generosidade do coração, de Baudelaire, c
seu sadismo, pode-se mencionar o retrato de Mlle. de Vinteuil, de Proust, que, ao que
tudo indica, foi concebido como auto-retrato: “Os sádicos da espécie de Mlle. de Vinteui
são seres tão puramente sentimentais, tão naturalmente virtuosos, que mesmo o prazer
sensual lhes parece alguma coisa de mal, o privilégio dos perversos. E quando concedem a
si mesmos entregar-se, por um momento, é na pele dos perversos que tratam de entrar e de
fazer entrar seu cúmplice, de modo a experimentar um momento de ilusão de se ter
evadido de sua alma escrupulosa e terna, para o mundo inumano do prazer.” Maree!
Proust, Du Còté de Chez Swann, p. 236. — Pode-se pensar aqui também na observação de
Anatole France sobre o erotismo de Baudelaire. Mas temos o direito de perguntar se todo
sadismo não é estruturado como este, pois a noção do mal que Proust lhe opõe não parece
ser consciente. A relação sexual entre parceiros humanos (ao contrário dos animais) inclui
a consciência e talvez inclua também o sadismo em maior ou menor grau. A reflexão de
Baudelaire sobre o ato sexual teria então mais peso do que esta argumentação de Proust.
[ J 89a. 4
Fazer uma comparação entre o trapeiro e as condições de vida na Inglaterra, como Marx as
descreve em O Capital no capítulo “A manufatura moderna” (ed. Korsch, Berlim, 1932,
p. 438).
I J 89a. 4!
Proust sobre as alegorias de Giotto em Santa Maria delPArena: “Mais tarde compreendi
que a estranheza surpreendente ... desses afrescos se devia ao grande espaço que o símbolo
ali ocupava, c que o fato de ele ter sido representado não como um símbolo, uma vez que
o pensamento simbolizado não estava expresso, mas como real, como efetivamente
experimentado ou materialmente manuseado, dava à significação da obra algo de mais
literal e de mais preciso, e ao seu ensinamento algo de mais concreto e de mais pungente.
Quanto à pobre empregada de cozinha, então, não era a nossa atenção permanentemente
levada a seu ventre por causa do peso que o puxava?” Marcei Proust, Du Côté de Chez
Swann , vol. I, Paris, pp. 121-122.
[ J 90, !]
Na teoria da arte de Baudelaire, o motivo do choque não intervém apenas como máxima da
prosódia. Pelo contrário, o mesmo motivo está em jogo quando Baudelaire apropria-se da
teoria de Poe relativa ao significado da surpresa na obra de arte. — Sob outra perspectiva, o
motivo do choque aparece na “gargalhada sarcástica do inferno”, que faz com que o alegonsca
se sobressalte e interrompa suas meditações.
[ J 90. 23
J
[Baudelaire] 429
\ propósito da informação, do anúncio publicitário e dos folhedns: O ocioso 0 precisa ser
sAastecido de sensações, o comerciante, de compradores e o homem comum, de uma
ikmaeem do mundo.
e [ J 90, 3]
A propósito do “Rêve parisicn”, Crépet (em Baudelaire, Les Fleurs duMal CEuvres Completes,
feris. Conard, 1930, p. 463) cita uma passagem de uma carta a Alphonse de Calonne:
“'O movimento implica geralmente sons, a tal ponto que Pitágoras atribuía uma música às
aterás em movimento. Mas o sonho, que separa e decompõe, cria a novidade. Mais adiante,
:>Caépet cita um artigo que Ernest Hello publicou na Revue Française, de novembro de
JirSS. sob o título “Du genre fantastique” (Do gênero fantástico), e que Baudelaire teria
Laamiiecido. Aí lê-se o seguinte: “Na ordem simbólica, a beleza figura numa proporção
■■ersa à vida. O naturalista classifica assim a natureza: primeiro o reino animal, em seguida
Um mno vegetal, no fim o reino mineral; ele segue a ordem da vida. O poeta dirá: reino
■imaiiinal primeiro, reino vegetal em seguida, reino animal por último; ele seguirá a ordem
ila beleza.”
[ J 90, 4)
ósito de “Ehorloge” <OC I, p. 8 1 >, observa Crépet (Conard, p. 450): “Um
j ondente do LIntermédiaire des Chercheurs et Curieux, o Sr. Ch. Ad. C. (30 de setembro
jfcROó l, relatou que Baudelaire havia tirado as agulhas do seu relógio de parede, inscrevendo
«ifl pustrador: ‘É mais tarde do que você pensa!”’
[ J 90a, il
Séísce i "novidade” e o “familiar”: “Um dos meus sonhos era a síntese ... de uma certa
ipifflisaiocn: marinha e de seu passado medieval... Esse sonho em que ... o mar se tornara
y-r- : esse sonho em que eu ... pensava abordar o impossível, parecia-me que já o tivera
iiliiiiiiiitcfc vezes. Mas como é próprio imaginar, ao dormir, que é possível multiplicar-se no
irnuBuiaic e que mesmo o novo pareça familiar, pensei ter-me enganado.” Marcei Proust, Le
Bfcrií» Guermantes , vol. I, Paris, 1920, p. 131.
[ J 90a, 21
iBBnmn feraost, uma reminiscência rigorosamente baudelairiana à qual se deve comparar
ki im i ii iHii|p — ente a notícia <no “Salon de 1859”> sobre Meryon. Proust evoca as estações de
«nra: .mami “essas grandes oficinas envidraçadas, como a de Saint-Lazare, onde eu ia pegar
l B^lbec, e que desdobrava por cima da cidade aberta um desses imensos céus
^^^HBuracFegados de ameaças acumuladas de drama, semelhantes a certos céus, de uma
rap iMilfai m . • -*Ãe quase parisiense, de Mantegna ou de Veronese, e sob o qual não podia
p'in fiili ir:;ii"--„‘ senão algum ato terrível e solene como uma partida de trem ou o erguimento da
Mamei Proust, À 1’Ombre des Jeunes Filies en Fleurs, Paris, vol. II, p. 63.
[ J 90a, 3]
:: “Se o estupro...”, do poema “Au lecteur” <OC I, p. 6>, é citada por Proust {La
, voE II, Paris, 1923, p. 241), com este comentário característico: “Mas posso
mcincs assumir que Baudelaire não é sincero. Enquanto Dostoievski... Trata-se da
deste último “com o assassinato...”. Tudo isto em uma conversa com Albertine.
[ J 90a, 4]
' ( MüBiggãnger ), Benjamin escreveu "especulador" ( Spekulant ), sem riscar a palavra
.arasro' >R.T.)
430 ■ Passagens
Sobre “À une passante”: “Quando Albertine voltou ao meu quarto, trazia um vestido de
cetim que contribuía para torná-la mais pálida, a fazer dela a parisiense lívida, ardente,
enfraquecida pela falta de ar, pela atmosfera das multidões e talvez pelo hábito do vício, e
cujos olhos pareciam mais inquietos porque não os alegrava o rosado das faces.” Marcei
Proust, La Prisonnière, Paris, 1923, vol. I, p. 138.
[J 90a. 51
Meryon mostra-se à altura de fazer concorrência à fotografia. Talvez tenha sido a última vez
que um desenhista esteve apto a fazê-lo, no que concerne à imagem da cidade. Stahl,
referindo-se à Paris medieval, escreveu a propósito dos antigos terrenos da Cúria: “Surgiram
construções exageradamente altas, nas quais vão dar as casas com pátios e mais pátios ... e
becos sem-saída. A fotografia de nada serve aqui. Por isso, lança-se mão das gravuras do
grande desenhista Meryon.” Fritz Stahl, Paris , Berlim, 1929, p. 97.
[J91.ll
O pano de fundo, desprovido de seres humanos, do Pont au Change, de Meryon, permite
entrever a fisionomia da “Paris superpovoada”. Nele vê-se casas com a largura de uma janela
— ou duas, portanto muito estreitas, mas que parecem, por assim dizer, muito esguias.
Os espaços ocos dessas janelas parecem dirigir ao observador um olhar fixo; fazem pensar
nas crianças de olhos fundos e que cresceram muito depressa, crianças que, nas imagens de
pessoas pobres da época, se vêem muitas vezes amontoadas timidamente num canto e
apertadas como os cortiços da gravura de Meryon.
[ J 91, 21
Comparar com os versos de Meryon sobre o Pont Neuf < J 2, 3> a antiga expressão parisiense:
II se porte comme le pont neuf{\L\e está em perfeita saúde).
[ J 91, 3J
Baudelaire, grande depreciador do mundo rural, do verde e dos campos, terá, entretanto,
esta particularidade: mais que nenhum outro considerou a cidade grande como coisa
corriqueira, natural, aceitável.
0 91.4]
Baudelaire teve a felicidade de ser contemporâneo de uma burguesia que ainda não rinha
necessidade de aliciar como cúmplice de sua dominação um tipo tão associai quanto o que
ele representava. A incorporação do niilismo em seu aparelho de dominação estava reservada
à burguesia do século XX.
[ J 91, 51
“Compreendo como os moradores das cidades, que não vêem senão paredes, ruas e crimes,
têm pouca fé.” Jean-Jacques Rousseau, Les Confessions, Paris, Hilsum, 1931, vol. IV, p. 175-
[J91.il
Um critério para determinar se uma cidade é moderna: a ausência de monumentos. (“Nova
York é uma cidade sem monumentos”, Dõblin) — Meryon fez das habitações coletivas de
Paris monumentos da modernidade.
[ J 91a, II
J
[Baudelaire] 431
Na introdução à publicação de uma das Nouvelles Histoires Extraordinaires , em Llllustration
de 17 de abril de 1852, Baudelaire caracteriza os domínios de interesse de Poe, citando,
entre outros, a “análise dos excêntricos e dos párias da vida sublimar (Charles Baudelaire,
CEuvres Completes, ed. Crépet, Traductions: Nouvelles Histoires Extraordinaires, Paris, 1933,
p. 378 <OC II, p. 289>). A expressão corresponde de modo surpreendente ao auto-retrato
que Blanqui incorporou à LÉternité par les Astres, por assim dizer, à maneira de uma imagem
oculta dentro de outra imagem ( Vexierbild ): “Blanqui ... reconhecia ser ele mesmo o pária’ de
uma época.” Maurice Dommanget, Auguste Blanqui à Belle-Ile, Paris, 1935, pp. 140-141.
Sobre Pont au Change, de Meryon: “Sobre uma fachada de três a cinco metros, as casas
alugadas de Roma, na famosa Insula Feliculae, elevavam-se a alturas ainda desconhecidas
no Ocidente, e que não se vê senão em algumas raras cidades da América. No Capitolio, na
época de Vespasiano, a altura dos telhados já atingira o cume da montanha. E nessas
magníficas cidades amontoadas reinava uma miséria atroz..., uma depravação de todos os
costumes vivos, modelando já entre frontões e mansardas, nos porões e nos pátios internos,
o novo homem primitivo... Diodorus narra a história de um faraó destronado que alugara
em Roma, num andar muito alto, um apartamento sórdido. Oswald Spengler, Le Déclin
de 1’Occident, vol. II, 1, Paris, 1933, p. 143.
I J 91a, 3J
A propósito da redução da natalidade: “A grande mudança surge no momento preciso em
que o pensamento vulgar de uma população muito civilizada encontra razões para a
existência das crianças... Assim começa uma sensata restrição do número de nascimentos ...
que tomou proporções assustadoras no tempo dos romanos — fundada primeiro na miséria
material, mas abandonando em seguida qualquer tipo de fundamento. Oswald Spengler,
le Déclin de 1’Occident , vol. II, 1, Paris, p. 147. Cf. p. 146: o camponês sente-se membro
de uma linhagem de ancestrais e de uma cadeia de descendentes.
LJ 91a, 41
A propósito do título das Fleurs du Mal. “Nas épocas ingênuas, e mesmo em 1824, o título
de um volume de poemas exprimia simplesmente o gênero tratado pelo autor. Eram odes,
epístolas, poesias leves, heróicas, sátiras. Hoje, o título é um símbolo. Nada c mais refinado.
Quando o autor tem intenções líricas, ele dá a sua coletânea uma etiqueta sonora e musical:
- Melodias, Prelúdios. Os amigos naturalmente enternecidos escolhem de preferência seus
títulos no ... Almanaque do Bom Jardineiro. Temos assim: Folhas mortas, Ramos de amendoeira.
Temos Palmeiras e Ciprestes... Depois as flores: Flores do sul, Flores da Provence, Flores dos
Alpes, Flores dos campos .” Charles Louandre, “Statistique littéraire: La poésie depuis 1830”,
Reine des D ewc Mondes, XXX, Paris, 15 jun. 1842, p. 979. 2
O título original de “Les sept vieillards”: “Fantômes parisiens”.
I J 92, 21
*A proclamação da igualdade como princípio da constituição representou desde o início
não apenas um progresso para o pensamento, mas também um perigo. (Max Horkheimer,
“Materiahsmus und Moral”, Zeitschrift fiir Sozialforschung, 1933, n° 2, p. 188). Na zona
4^2 ■ Passagens
deste perigo situam-se as uniformidades absurdas na descrição da multidão por Poe; as
alucinações dos sete anciãos são da mesma estirpe.
[J92.3]
É somente enquanto mercadoria que a coisa exerce o efeito de alienar os homens uns em
relação aos outros. Ela exerce essa influência através de seu preço. A empatia com o valor de
troca da mercadoria, com seu substrato de igualdade - eis o elemento decisivo. (A absoluta
igualdade qualitativa do tempo, no qual se desenrola o trabalho que produz o valor de
troca, é o fundo cinzento a partir do qual se destacam as cores berrantes da sensação.)
[ J 92, 4]
Sobre o spleen. Blanqui, em 16 de setembro de 1835, a Lacambre: “Do verdadeiro Império
dos Mortos, as notícias seriam certamente mais interessantes do que deste triste vestíbulo
do Reino das almas, onde estamos de quarentena. Nada tão lamentável como esta existência
de prisioneiros agitando-se e girando no fundo de um bocal como aranhas procurando
uma saída.” Maurice Dommanget, Blanqui à Belle-Ile, Paris, 1935, p. 250.
[J92.5]
Após a fracassada tentativa de fuga de Belle-Ile, Blanqui foi jogado por um mês na prisão
Château Fouquet. Dommanget menciona “a sufocante e morna sucessão das horas e dos
minutos que fica martelando o crânio”. Maurice Dommanget, Blanqui à Belle-Ile, p. 238.
[ J 92a, 1]
Os seguintes versos de Barbier devem ser comparados a passagens de “Paysage” <OC I,
p. 82>. (Cit. em Sainte-Beuve, Portraits Contempomins, vol. II, Paris, 1882, p. 234 (“Briseux
et Auguste Barbier”):
“Que felicidade inefável e que volúpia
Ser um raio vivo da divindade;
Ver do alto do céu e das suas abóbadas redondas
Reluzir a seus pés a poeira dos mundos,
Ouvir a cada instante de seus brilhantes despertares
Cantar como um pássaro mil sóis!
Oh! Que felicidade viver com belas coisas!
Como é doce ser feliz sem retornar às causas!
Como é doce estar bem sem desejar o melhor,
E nunca se cansar dos céus!”
f J 92a, 2]
K.
[Cidade de Sonho e Morada de Sonho, Sonhos de Futuro, Niilismo Antropológico, Jung]
"Meu bom pai esteve em Paris."
Karl Gutzkow, Briefe aus Paris, vol. I, Leipzig, 1842, p. 58.
''Biblioteca onde os livros se fundiram uns nos outros
e os títulos se apagaram."
Doutor Pierre Mabille,
"Préface à I 'Éloge des Préjugés Populaires",
Minotaure, II, n° 6, inverno de 1935, p. 2.
"O Panteão elevando sua cúpula sombria até à
sombria cúpula do céu."
Ponson du Terrail, Les Drames de Paris, vol. I, p. 9.
O despertar como um processo gradual que se impõe na vida tanto do indivíduo quanto das
gprações. O sono é seu estágio primário. A experiência da juventude de uma geração tem
iito em comum com a experiência do sonho. Sua configuração histórica é configuração
ca. Cada época tem um lado voltado para os sonhos, o lado infantil. Para o século
rdo, isto aparece claramente nas passagens. Porém, enquanto a educação de gerações
"ores interpretava esses sonhos segundo a tradição, no ensino religioso, a educação atual
se simplesmente à distração das crianças. Proust pôde surgir como um fenômeno sem
lentes apenas em uma geração que perdera todos os recursos corpóreo-naturais da
oração e que, mais pobre do que as gerações anteriores, estivera abandonada à própria
e, por isso, conseguira apoderar-se dos mundos infantis apenas de maneira solitária,
e patológica. O que é apresentado a seguir é um ensaio sobre a técnica do despertar,
tentativa de compreender a revolução dialética, copernicana, da rememoração.
[K 1 , 1]
ução copernicana na visão histórica é a seguinte: considerava-se como o ponto fixo “o
o” e conferia-se ao presente o esforço de se aproximar, tateante, do conhecimento
ponto fixo. Agora esta relação deve ser invertida, e o ocorrido, tornar-se a reviravolta
, o irromper da consciência desperta. Atribui-se à política o primado sobre a história,
t fitos tornam-se algo que acaba de nos tocar, e fixá-los é tarefa da recordação. E, de fato,
é o caso exemplar da recordação: o caso no qual conseguimos recordar aquilo
434 ■ Passa 9 ens
que é mais próximo, mais banal, mais ao nosso alcance. O que Proust quer dizer com a
mudança experimental dos móveis no estado de semidormência matinal , 1 o que Bloch
percebe como a obscuridade do instante vivido, nada mais é do que aquilo que se estabelecerá
aqui no plano da história, e coletivamente. Existe um saber ainda - não-co n.sci ente do ocorrido,
cuja promoção tem a estrutura do despertar. |
Existe uma experiência da dialética totalmente singular. A experiência compulsória, drástica,
que desmente toda “progressividade” do devir e comprova toda aparente “evolução” como
reviravolta dialética eminente e cuidadosamente composta, é o despertar do sonho. Para o
esquematismo dialético, que está na base deste processo, os chineses encontraram
frcqüentemente em sua literatura de contos maravilhosos e novelas expressões altamente
acertadas. O método novo, dialético, de escrever a história apresenta-se como a arte de
cxperienciar o presente como o mundo da vigília ao qual se refere o sonho que chamamos
de o ocorrido. Elaborar o ocorrido na recordação do sonho! - Quer dizer: recordação e
despertar estão intimamente relacionados. O despertar é, com efeito, a revolução copernicana
e dialética da rememoração.
[K 1, 3]
O século XIX, um espaço de tempo [Zeitraum] (um sonho de tempo [Zeit-traum ]), no qual
a consciência individual se mantém cada vez mais na reflexão, enquanto a consciência coleüva
mergulha em um sonho cada vez mais proliindo. Ora, assim como aquele que dorme - e que
nisto se assemelha ao louco - dá início à viagem macrocósmica através de seu corpo, e assim
como os ruídos e sensações de suas próprias entranhas, como a pressão arterial, os movimentos
peristálticos, os batimentos cardíacos e as sensações musculares - que no homem sadio e
desperto se confundem no murmúrio geral do corpo saudável — produzem, graças à inaudita
acuidade de sua sensibilidade interna, imagens delirantes ou oníricas que traduzem e explicam
tais sensações, assim também ocorre com o coletivo que sonha e que, nas passagens, mergulha
em seu próprio interior. É a ele que devemos seguir, para interpretar o século XIX, na moda
e no reclame, na arquitetura e na política, como a consequência de suas visões oníricas. ^
É um dos pressupostos tácitos da psicanálise que a oposição categórica entre sono e vigília
não tem valor algum para determinar a forma de consciência empírica do ser humano, mas
cede o lugar a uma infinita variedade de estados de consciência concretos, cada um deles
determinado pelo grau de vigília de todos os centros possíveis. Basta, agora, transpor o
estado da consciência, tal como aparece desenhado e seccionado pelo sonho e pela vigília,
do indivíduo para o coletivo. Para este, são naturalmente interiores muitas coisas que são
exteriores para o indivíduo. A arquitetura, a moda, até mesmo o tempo atmosférico, são,
no interior do coletivo, o que os processos orgânicos, o sentimento de estar doente ou
saudável são no interior do indivíduo. E, enquanto mantêm sua forma onírica, inconsciente
e indistinta, são processos tão naturais quanto a digestão, a respiração etc. Permanecem no
ciclo da eterna repetição até que o coletivo se apodere deles na política e quando se
transformam, então, em história.
[K 1, 5]
“Quem habitará a casa paterna? Quem fará preces na igreja em que foi batizado? Quem
conhecerá ainda o quarto em que ouviu um primeiro grito, em que presenciou um último
1 0 texto de Proust é citado em K 8a, 2. (J.L.)
K
[Cidade de Sonho e Morada de Sonho, Sonhos de Futuro, Niilismo Antropológico, Jung] 435
suspiro? Quem poderá apoiar sua fronte no parapeito da janela em que ele, quando jovem,
se entregara a esses devaneios que são a graça da aurora no longo e sombrio jugo da vidar
Ó raízes de alegrias extirpadas da alma humana!” Louis Veuillot, Les Odeurs de Paris , Paris,
1914, p. 11.
[K la, 1]
O fato de termos sido crianças nesta época faz parte de sua imagem objetiva. Ela tinha que
ser assim para fazer nascer esta geração. Quer dizer: no contexto onírico procuramos um
momento teleológico. Este momento é a espera. O sonho espera secretamente pelo despertar,
o homem que dorme entrega-se à morte apenas até nova ordem - ele espera com astúcia
pelo segundo em que escapará de suas garras. Assim também o coletivo que sonha, para o
qual os filhos se tornam o feliz motivo para seu próprio despertar. ■ Método ■
TCZ.
Tarefa da infância; integrar o novo mundo ao espaço simbólico. A criança é capaz de fazer
algo que o adulto não consegue: rememorar o novo. Para nós, as locomotivas já possuem
itm caráter simbólico, uma vez que as encontramos na infância. Nossas crianças, por sua
perceberão o caráter simbólico dos automóveis, dos quais nós vemos apenas o lado
o, elegante, moderno, atrevido. Não existe antítese mais rasa, mais estéril do que aquela
que pensadores reacionários como Klages 2 esforçam-se para estabelecer entre o espaço
simbólico da natureza e a técnica. A cada formação verdadeiramente nova da natureza - e
mn fundo também a técnica é uma delas — correspondem novas imagens . Cada infância
descobre estas novas imagens para incorporá-las ao patrimônio de imagens da humanidade.
■ Método ■
[K la, 3]
, notável o fato de que as construções nas quais o especialista reconhece antecipações da
litetura atual não pareçam ter nada de precursor aos olhos de um observador atento,
is não versado em arquitetura, e que, ao contrário, tenham para ele um aspecto
dalmente antiquado, como pertencentes a um sonho. (Velhas estações de trem,
ações de gás, pontes.)
[K la, 4]
j* 1 © século XIX: mistura singular de tendências individualistas e coletivistas. Como nenhuma
sjriioica anterior, ele cola em todas as ações a etiqueta individualista (o Eu, a Nação, a Arte),
iniisi. subterraneamente, nos mais desprezados domínios cotidianos, ele precisa criar, como
Hm mma vertigem, os elementos para uma configuração coletiva... Eis a matéria-prima de
niiiiic devemos nos ocupar: construções cinzentas, mercados cobertos, lojas de departamentos,
fciii ” Sigfried Giedion, Bauen in Frankreich, Leipzig-Berlim, p. 15-
‘“i.íit: só as formas em que se manifestam os sonhos coletivos do século XIX não podem ser
mcEiuKiiciadas, não só elas o caracterizam de maneira muito mais decisiva do que aconteceu
nann: iqmiaiquer século anterior: elas são também — se bem interpretadas — da maior importância
pratica, nermitindo-nos conhecer o mar em que navegamos e a margem da qual nos afastamos.
íE acij, em suma, que precisa começar a “crítica’ ao século XIX. Não a crítica ao seu
^hnUKsrno e maquinismo, e sim ao seu historicismo narcotico e a sua mania de se mascarar,
- Para Benjamin é fundamental confrontar a sua concepção dialética das imagens com a concepção
arcaizante de Ludwig Klages { Der Geist ais Widersacher der Seele, 1929-1932) e de C. G. Jung. (J.L.)
■ Passagens
na qual existe, contudo, um sinal de verdadeira existência histórica, que os surrealistas
foram os primeiros a captar. Decifrar este sinal é a proposta da presente pesquisa. E a base
revolucionária e materialista do Surrealismo é uma garantia suficiente para o fato de que,
no sinal da verdadeira existência histórica, de que se trata aqui, o século XIX fez sua base
econômica alcançar sua mais alta expressão.
[K la, 6]
Tentativa de avançar a partir das teses de Giedion. Ele diz: A construção desempenha no
século XIX o papel do subconsciente.” 3 Não seria melhor dizer: “o papel do processo
corpóreo”, em torno do qual se colocam as arquiteturas “artísticas” como os sonhos em
torno do arcabouço do processo fisiológico? ^
O capitalismo foi um fenômeno natural com o qual um novo sono, repleto de sonhos,
recaiu sobre a Europa e, com ele, uma reativação das forças míticas.
[K la, 8j
Os primeiros estímulos do despertar aprofundam o sono.
[K la, 9]
“É estranho, além do mais, constatar que, ao observar este movimento intelectual em seu
conjunto, Scribe tenha sido o único a tratar do presente de forma direta e profunda. Todos
os outros ocupam-se mais com o passado do que com os poderes e interesses que põem em
movimento seu próprio tempo... Foi igualmente do passado, da história da filosofia, que a
doutrina eclética tirou suas forças; e foi finalmente a história da literatura, cujos tesouros a
crítica descobriu com Villemain, sem aprofundar-se na vida literária de sua própria época."
Julius Meyer, Geschichte der modernen franzosischen Malerei, Leipzig, 1867, pp. 415-416.
[K2, 1]
O que a criança (e na lembrança esmaecida, o homem) encontra nas dobras dos velhos
vestidos, nas quais ela se comprimia ao agarrar-se às saias da mãe - eis o que estas páginas
devem conter. ■ Moda ■
[K 2, 2}
Diz-se que o método dialético consiste em levar em conta, a cada momento, a respectiva
situação histórica concreta de seu objeto. Mas isto não basta. Pois, para esse método, é
igualmente importante levar em conta a situação concreta e histórica do interesse por seu
objeto. Esta situação sempre se funda no fato de o próprio interesse já se encontrar pré-
formado naquele objeto e, sobretudo, no fato de ele concretizar o objeto em si, sentindo-o
elevado de seu ser anterior para a concretude superior do ser agora (do ser desperto!). A
questão de como este ser agora (que é algo diverso do ser agora do “tempo do agora”, já que
é um ser agora descontínuo, intermitente) já significa em si uma concretude superior,
entretanto, não pode ser apreendida pelo método dialético no âmbito da ideologia do
progresso, mas apenas numa visão da história que ultrapasse tal ideologia em todos os
aspectos. Aí deveria se falar de uma crescente condensação (integração) da realidade, na
qual tudo o que é passado (em seu tempo) pode adquirir um grau mais alto de atualidade
do que no próprio momento de sua existência. O passado adquire o caráter de uma
atualidade superior graças à imagem como a qual e através da qual é compreendido. Esta
3 Sigfried Giedion, Bauen in Frankreich : Eisen, Eisenbeton, Leipzig-Berlim, 1928, p. 3. (R.T.)
K
[Cidade de Sonho e Morada de Sonho, Sonhos de Futuro, Niilismo Antropológico, Jung]
437
perscrutação dialética e a presentificação das circunstâncias do passado são a prova da
verdade da ação presente. Ou seja: ela acende o pavio do material explosivo que se situa no
ocorrido (cuja figura autêntica é a moda). Abordar desta maneira o ocorrido significa estudá-
lo não como se fez até agora, de maneira histórica, mas de maneira política, com categorias
Dolíticas. ■ Moda ■
[K 2, 3]
O despertar iminente é como o cavalo de madeira dos gregos na Tróia dos sonhos.
[K 2. 4]
Sobre a doutrina da superestrutura ideológica. A primeira vista, parece que Marx pretendia
somente estabelecer uma relação causal entre superestrutura e infra-estrutura. Mas a observação
de que as ideologias da superestrutura refletem as condições de maneira falsa e deformada já
vai além. A questão é, de fato, a seguinte: se a infra-estrutura determina de certa forma a
superestrutura no material do pensamento e da experiência, mas se esta determinação não se
reduz a um simples reflexo, como ela deve então ser caracterizada, independentemente da
questão da causa de seu surgimento? Como sua expressão. A superestrutura é a expressão da
infra-estrutura. As condições econômicas, sob as quais a sociedade existe, encontram na
superestrutura a sua expressão — exatamente como o estômago estufado de um homem que
dorme, embora possa “condicioná-lo” do ponto de vista causal, encontra no conteúdo do
sonho não o seu reflexo, mas a sua expressão. O coletivo expressa primeiramente suas
condições de vida. Estas encontram no sonho a sua expressão e no despertar a sua
interpretação.
[K 2, 5]
O Jugendstil — uma primeira tentativa de confrontação com o ar livre. Ele encontra uma
primeira expressão característica, por exemplo, nos desenhos da revista Simplizissimus, que
mostram claramente como era preciso recorrer à sátira para se conseguir respirar. Por outro
lado, o Jugendstil pôde se desenvolver naquela luminosidade e naquele isolamento artificiais
nos quais o reclame apresenta seus objetos. Este nascimento do “ar livre” a partir do espírito
do intérieur é a expressão sensível da situação do Jugendstil do ponto de vista da filosofia da
história: ele significa sonhar que despertamos. ■ Reclame ■
[K 2, 6]
Assim como a técnica mostra a natureza em uma perspectiva sempre nova, assim também,
mo que toca ao homem, ela mobiliza de forma sempre variada seus mais primitivos afetos,
angústias e imagens de desejo [ Sehnsuchtsbilder \ . Neste trabalho, quero conquistar para a
história primeva uma parte do século XIX. A face atraente e ameaçadora da história primeva
aparece claramente para nós nos primórdios da técnica, no estilo de morar do século XIX;
naquilo que está temporalmente mais próximo de nós, essa face ainda não se revelou. Ela
xe mais inrensamente na récnica - cm razão da causa natural desta - do que em
domínios. E por isso que fotografias antigas — diferentemente do que acontece com
ras antigas — possuem algo de espectral.
[K 2a, 1]
Miuucr:.
o quadro de Wiertz, Pensamentos e visões de um decapitada, e sua explicação. A primeira
que chama a atenção nesta experiência magnetopática é o salto magnífico que a
ência dá na morte. “Estranho! Aqui debaixo do cadafalso está a cabeça no chão.
J38 ■ Passagens
pensando que ainda está em cima, acredita que ainda faz parte do corpo, ainda está esperando
o golpe que deve separá-la do tronco. A. J. Mien/., CEuvres Littcraires, Paris, 1870, p. 492.
Trata-se, em Wiertz, da mesma inspiração que permitiu a Bierce criar a grandiosa narrativa
do rebelde que é enforcado. No instante de sua morte, este rebelde vive a fuga que o liberta
de seus carrascos. 4 5 rl , „ „
Cada corrente de moda ou de visão do mundo tem seu declive determinado por aquilo que
caiu no esquecimento. O declive é tão forte que normalmente só o grupo pode se entregar
a ele; o indivíduo — o precursor — corre o risco de sucumbir sob a violência da correnteza,
como ocorreu com Proust. Em outras palavras: o que Proust, enquanto indivíduo, viveu
em termos de fenômeno da rememoração, nós somos obrigados a experimentar (em relação
ao século XIX) como “corrente”, “moda”, “tendência” - como uma espécie de castigo pela
indolência que nos impediu de assumirmos esta rememoração.
* [K 2a, 3]
A moda, como a arquitetura, situa-se na penumbra do instante vivido, pertence à consciência
onírica do coletivo. Este desperta, por exemplo, no reclame.
r r [K 2a, 4]
“Muito interessante..., observar como a influência do fascismo no domínio da ciência teve
que modificar justamente aqueles elementos em Freud que provinham ainda do período
iluminista e materialista da burguesia... Em Jung, ... o inconsciente ... não é mais individual
— não é, portanto, um estado adquirido no homem ... isolado — , e sim um tesouro da
humanidade primitiva, que volta a ser atual; tampouco seria um recalque, mas um bem-
sucedido retorno.” Ernst Bloch, Erbschaft dieser Zeit, Zurique, 1935, p. 254.
índice histórico da infância segundo Marx. Em sua dedução do caráter normativo da arte
grega (como arte nascida da infância da espécie humana), Marx diz: “Cada época não vê
reviver, na natureza da criança, seu próprio caráter em sua forma verdadeira e natural?” Cit.
em Max Raphael, Proudhon, Marx, Picasso, Paris, 1933, p. 175.
* rK - 7a.
Mais de um século antes de tornar-se plenamente manifesta, a tremenda intensificação do
ritmo da vida anuncia-se no ritmo da produção, mais precisamente na forma da maquina.
“O número de instrumentos de trabalho com os quais o homem pode operar ao mesmo
tempo é limitado pelo número de seus instrumentos naturais de produção, seus próprios
órgãos corporais... A Jenny, ao contrário, tece desde o início com doze ou dezoito fusos; o
tear de meias tece com milhares de agulhas de uma so vez etc. Desde o início, o numero de
instrumentos com os quais trabalha simultaneamente a mesma máquina de operações
independe do limite orgânico que restringe o instrumento artesanal de um operário.” Karl
Marx, Das Kapital, vol. I, Hamburgo, 1922, p. 337. O ritmo do trabalho mecanizado tem
como conseqüência modificações no ritmo da economia. Neste pais, o ponto essencial e
fazer fortuna no menor tempo possível. Antigamente, o projeto de fazer fortuna de uma
empresa começada pelo avô somente era concluído pelo neto. Hoje, as coisas não sao mais
4 Ver o texto completo, “Antoine Wiertz: Gedanken und Gesichte eines Gekõpften", in: GS IV, 805-808;
tradução in: DCDB, pp. 176-178. (w.b.)
5 Sobre Bierce, cf. 0°, 19 e nota. (w.b.)
K
[Cidade de Sonho e Morada de Sonho, Sonhos de Futuro, Niilismo Antropológico, Jung]
439
xnm: todo mundo quer fruir sem esperar, sem ter paciência.” Louis Rainier Lanfranchi,
lãwzge à Paris, ou Esquisses des Hommes et des Choses dans Cette Capitale, Paris, 1 830, p. 110.
;k 3 . í]
Também a simultaneidade, esta base do novo estilo de vida, provém da produção mecânica:
“Cada máquina, em sua parte, fornece matéria-prima à máquina seguinte e, como todas
dias funcionam simultaneamente, o produto se encontra assim constantemente tanto nos
«fcersos graus de seu processo de fabricação quanto na transição de uma fase de produção
:;n «mrn- a... A máquina de operação combinada, agora um sistema articulado de diferentes
máquinas isoladas e de grupos de máquinas, é tanto mais perfeita quanto mais contínuo for
■ai processo total, isto é, quanto menos interrupções ocorrerem na passagem da matéria-
jj jmr-T-.- da primeira à última fase de produção, portanto quanto mais o mecanismo, e nao a
imiãc íiumana, conduzir o material de uma fase de produção à outra. Se o princípio da
«iminim?- ^nira é o isolamento dos processos particulares pela divisão do trabalho, na fábrica
Jaurr— .-olvida reina a continuidade ininterrupta destes mesmos processos.” Karl Marx, Das
Ifàfrcs' vol. I, Hamburgo, 1922, p. 344.
[K 3, 2]
O Ijaraema: desdobramento [Auswicklung] cresultado [Auswirkung\ ?> de todas as formas de
jção, velocidades e ritmos já pré-formados nas máquinas atuais, de tal maneira que
mandas as problemas da arte contemporânea encontram sua formulação definitiva apenas no
lo do cinema. ■ Precursores ■
[K 3, 3]
pequeno exemplo de análise materialista, mais valioso que a maioria das coisas que
neste domínio: “Amamos estes materiais pesados que a frase de Flaubert eleva e
i Kitea Cdir com o barulho intermitente de uma escavadeira. Pois, se, como alguém escreveu,
■ada de Flaubert acesa na noite seivia de farol para os marinheiros, pode-se dizer
n que quando ‘descarregou suas frases, estas vinham com o ritmo regular de uma
máquinas de terraplanagem. Felizes os que sentem esse ritmo obsedante.” Marcei
n. Chroniques, Paris, 1927, p. 204 (“À propos du style de Flaubert”).
[K 3, 4]
I capítulo sobre o caráter feriche da mercadoria, Marx demonstrou quão ambíguo
ser o mundo econômico do capitalismo - uma ambigüidade fortemente acentuada
ificação da gestão capitalista. Isto é claramente perceptível, por exemplo, nas
que agravam a exploração em vez de amenizarem o fardo dos homens. Não se
inWíooca a isto, de maneira geral, a ambivalência dos fenômenos com o que temos que lidar
DEU» pfiajiQ XIX? Um significado até então desconhecido da embriaguez para a percepção,
iffiirrâr, oara o pensamento? “Uma coisa desapareceu na desordem geral, o que c uma
ipnmáie perda para a arte: a ingênua e, portanto, fortemente marcada harmonia entre a vida
, é o que se lê significativamente em Julius Meyer, Geschichte der modemen
Malerei seit 1789, Leipzig, 1867, p. 31.
LK3, 5]
P§K # significado político do filme. O socialismo jamais teria surgido no mundo se
g> ÉBK| pretendido despertar o entusiasmo do operariado simplesmente por uma melhor
ii das coisas. O que constituiu a força e a autoridade do movimento foi o fato de Marx
440 ■ Passagens
ter conseguido despertar o interesse dos operários por uma ordem na qual as condições de
vida deles seriam melhores, mostrando que esta seria também uma ordem justa. Exatamente
o mesmo vale para a arte. Em nenhuma época, por mais utópica que seja, será possível
conquistar as massas para uma arte superior, mas apenas para uma arte que lhes seja mais
próxima. E a dificuldade consiste justamente em dar a esta arte uma forma tal que se possa
afirmar, em plena consciência, que se trata de uma arte superior. Ora, algo desse gênero
dificilmente será alcançado por aquilo que é propagado pela vanguarda burguesa. Neste
ponto, é perfeitamente correta a argumentação de Berl: “A confusão da palavra revolução,
que significa para um leninista a conquista do poder pelo proletariado, e para outros a
reviravolta dos valores espirituais estabelecidos, é acentuada pelos surrealistas por seu desejo
de mostrar Picasso como um revolucionário... Picasso os decepciona ... um pintor não é
mai s revolucionário por ter ‘revolucionado’ a pintura que um costureiro como Poiret por
ter ‘revolucionado’ a moda, ou algum médico por ter ‘revolucionado’ a medicina.” Emmanuel
Berl, “Premier pamphlet” ( Europe , n° 75, 1929, p. 401). As massas decididamente exigem
da obra de arte (que se situa, para elas, no domínio dos objetos de uso) algo que as aqueça.
Aqui, a chama mais fácil para ser acesa é o ódio. O ardor do ódio, porém, fere ou queima,
e não oferece o “conforto ao coração” que torna a arte própria para o consumo. O kitsch, ao
contrário, nada mais é do que a arte em seu pleno, absoluto e instantâneo caráter de
consumo. Assim, o kitsch e a arte, justamente em suas formas de expressão consagradas, se
situam em uma oposição irreconciliável. Ora, o que importa para as formas vivas e em
desenvolvimento é que tenham em si algo que aqueça, que seja utilizável, enfim, algo que
traga felicidade, para que possam abrigar em si, dialeticamente, o kitsch, aproximando-se
assim das massas e conseguindo, todavia, superá-lo. Atualmente, talvez apenas o cinema
esteja à altura desta tarefa - de qualquer modo, é ele que se encontra mais próximo dela que
qualquer outra forma de arte. E quem reconhecer isto estará inclinado a rebater as pretensões
do filme abstrato, por mais importantes que sejam seus experimentos. Ele solicitará um
período de resguardo, uma proteção natural para aquele kitsch que encontra no cinema
seu lugar providencial. Somente o cinema pode detonar as substâncias explosivas que o
século XIX acumulou nesta matéria estranha, talvez desconhecida anteriormente, que é o
kitsch. Mas, assim como para a estrutura política do filme, a abstração pode também se
tomar perigosa para os outros meios modernos de expressão (iluminação, técnica de
construção etc.).
[K 3a, 1]
O problema formal da nova arte pode ser expressado exatamente desta maneira: quando e
como os universos de formas que, sem a nossa interferência, surgiram na mecânica, no
cinema, na construção de máquinas, na nova física etc., e que nos subjugaram, revelarão o
que, neles, pertence à natureza? Quando será atingido o estado da sociedade em que essas
formas, ou as que delas surgiram, revelar-se-ão para nós como formas naturais? De fato, isso
evidencia apenas um momento na essência dialética da técnica. (É difícil dizer qual momento:
a antítese, se não for a síntese.) De qualquer modo, também está presente na técnica um
outro momento: o cumprimento de objetivos estranhos à natureza com meios que lhe são
também estranhos e hostis, meios que se emancipam da natureza e a submetem.
[K 3a, 21
[Cidade de Sonho e Morada de Sonho, Sonhos de Futuro, Niilismo Antropológico, Jungi
<fase média>
Sobre Grandville: “Ele vivia uma vida imaginária sem limites, num domínio prodigioso de
poesia primária, entre a visão inábil da rua e os conhecimentos de uma vida secreta de
cartomante ou de astrólogo, sinceramente atormentados pela fauna, pela flora e pela
humanidade dos sonhos... Grandville talvez tenha sido o primeiro desenhista a dar a vida
larvar dos sonhos uma forma plástica razoável. Mas sob essa aparência ponderada surge esse
flebile néscio quid 6 que desconcerta e provoca uma inquietude, às vezes bastante
constrangedora.” Mac-Orlan, “Grandville le précurseur”, Arts et Métiers Graphiques , 44,
15 dez. 1934, pp. 20-21. O ensaio apresenta <Grandville> como precursor do Surrealismo,
e sobretudo do cinema surrealista (Méliès, Walt Disney). [K4 i]
Confronto entre o “inconsciente visceral” e o “inconsciente do esquecimento , sendo o
primeiro predominantemente individual, e o segundo predominantemente coledvo. A outra
parte do inconsciente é feita da massa de coisas aprendidas ao longo dos anos ou ao longo da
vida, que foram conscientes e que por difusão entraram no esquecimento... Vasto fundo
submarino onde todas as culturas, todos os estudos, todas as diligências dos espíritos e das
vontades, todas as revoltas sociais, todas as lutas empreendidas encontram-se reunidas
num recipiente informe... Os elementos passionais da vida dos indivíduos se retiraram,
extinguiram-se. Subsistem apenas os dados provenientes do mundo exterior, mais ou menos
transformados e digeridos. É do mundo externo que é feito esse inconsciente... Nascido da
vida social, esse humus pertence às sociedades. A espécie e o indivíduo contam pouco, as
únicas referências são as raças e o tempo. Esse enorme trabalho confeccionado na sombra
reaparece nos sonhos, nos pensamentos, nas decisões; sobretudo durante os períodos
importantes e das reviravoltas sociais, ele é o grande fundo comum, reserva dos povos e dos
indivíduos. A revolução e a guerra, como a febre, acionam melhor seu movimento... Estando
ultrapassada a psicologia individual, recorramos a uma espécie de história natural dos
ritmos vulcânicos e dos cursos d 5 água subterrâneos. Nada há na superfície do globo que
não tenha sido subterrâneo (água, terra, fogo). Não há nada na inteligência que nao tenha
sido digerido e que não tenha circulado nas profundezas.” Docteur Pierre Mabille, Preface
à 1 ’ Éloge des Préjugés Populaires\ Minotaure, II, n° 6, inverno de 1935, p. 2. ^ ^ y
“O passado mais recente apresenta-se sempre como se tivesse sido destruído por uma série
de catástrofes.” Wiesengrund, em uma carta <de 5 de junho de 1935>. 7
A propósito das memórias de juventude de Henry Bordeaux: Em resumo, o século XIX
transcorria sem parecer absolutamente anunciar o século XX.” André Thérive, Les livres ,
Le Temps, 27 jun. 1935- [K 4 _ 4]
6 Tradução: "algo plangente"; cf. Ovídio, Metamorfoses, XI, v. 52. (w.b.)
7 Esta carta não se conservou; cf-, no entanto, Adorno, Gesammelte Schriften, vol. IV, Mínima Moralia.
Frankfurt a. M., 1980, p. 55; e vol. III, Max Horkheimer e Th. W. Adorno, Dialektik der Aufklàrung,
Frankfurt a. M„ 1981, p. 309. (R.T.)
jfêJ m rassagens
“A brasa queima em tuas pupilas
E tu reluzes como um espelho.
Tens patas, tens asas,
Minha locomotiva de dorso negro?
Vejam ondular sua crina,
Ouçam seu relinchar,
Seu galope é um rufar
De artilharia e de trovão.”
Refrão
“Dá aveia a teu cavalo!
Selado, freado, apita! E avancemos!
A galope, sobre a ponte, sob o arco,
Corta montanhas, planícies e vales:
Nenhum cavalo é teu rival.”
Pierre Dupont, “Le chauffeur de locomotive , Paris (Passage du Catre).
[K 4a, 1]
“Do alto da torre da Notre-Dame, contemplei ontem a imensa cidade. Quem construiu a
primeira casa, quando desmoronará a última, quando o solo de Paris parecera o de Tebas e
da Babilônia?” Friedrich von Raumer, Briefe aus Paris und Frankreich imjahre 1830, vol. II,
Leipzig, 1831, p. 127. [K4a l2]
Notas de D’Eichthal sobre o projeto da “cidade nova” de Duveyrier. Elas se referem ao
templo. É significativo que o próprio Duveyrier diz: Meu templo e uma mulher! ...
A réplica de D’Eichthal: “Penso que haverá no templo o palácio do homem e o palácio da
mulher; o homem irá passar a noite na casa da mulher e a mulher virá trabalhar durante o
dia na casa do homem. Entre os dois palácios ficará o templo propriamente dito, o lugar da
comunhão do homem e da mulher com todas as mulheres e com todos os homens, e ali o
casal não repousará nem trabalhará sozinho... O templo deve representar um andrógino,
um homem e uma mulher... A mesma divisão devera se reproduzir na cidade, no reino, na
terra inteira: haverá o hemisfério do homem e o da mulher. Henry-Rene d Allemagne, Les
Saint-Simoniens 1827-1837, Paris, 1930, p. 310.
<fase tardia>
“A Paris dos Saint-Simonianos.” Do projeto enviado por Charles Duveyrier a LAdvocat,
para ser integrado ao Livre des Cent-et-un (o que acabou não ocorrendo): Quisemos dar
forma humana à primeira cidade sob a inspiração de nossa fé. O bom Deus disse pela
boca do homem que ele envia... Paris! É nas margens de teu rio e sobre o território dentro
K
[Cidade de Sonho e Morada de Sonho, Sonhos de Futuro, Niilismo Antropológico, Jung]
443
de teus muros que imprimirei o selo de minha generosidade... Teus reis e teus povos
caminharam com a lentidão dos séculos e se detiveram numa praça magnífica. £ ali que
repousará a cabeça da minha cidade... Os palácios de teus reis serão sua fronte... Conservarei
sua barba de altos castanheiros... Varrerei o velho templo cristão do alto dessa cabeça ... e
sobre esse terreno limpo estenderei uma cabeleira de árvores... Sobre o peito de minha cidade,
nesse lar simpático de onde irradiam e para onde convergem todas as paixões, ali onde vibram
as dores e as alegrias, constmirei meu templo..., plexo solar do colosso... As colinas do Roule
c de Chaillot serão seus flancos; colocarei ali o banco e a universidade, os mercados e as
graficas... Estenderei o braço esquerdo do colosso sobre a margem do Sena; ele estará ... no
lado oposto ... a Passy. A associação dos engenheiros ... constituirá a parte superior, que se
estenderá em direção a Vaugirard; formarei o antebraço da reunião de todas as escolas especiais
das ciências físicas... No vão do braço ... agruparei todos os liceus, para que minha cidade os
aperte contra o seio esquerdo, onde fica a Universidade... Estenderei o braço direito do colosso
em sinal de força até a estação de Saint-Ouen... Encherei esse braço das oficinas da pequena
indústria, de passagens, galerias, bazares... Formarei a coxa e a perna direita com todos os
estabelecimentos das grandes fábricas. O pé direito pousará em Neuilly. A coxa esquerda
oferecerá aos estrangeiros longas filas de hotéis. A perna esquerda se estenderá até o Bois de
Boulogne... Minha cidade está na atitude de um homem prestes a caminhar; seus pés são de
bronze e se apoiam sobre uma dupla estrada de pedra e de ferro. Aqui se fabricam ... os
veículos de transporte e os aparelhos de comunicação; aqui as carruagens disputam em
velocidade... Entre os joelhos esrá uma arena de equitação, em forma de elipse; entre as
pernas, um imenso hipódromo.” Henry-René d Allemagne, Les Saint-Simoniens 1827-1837,
Paris, 1930, pp. 309-310. A idéia desse projeto deve-se a Enfantin, que utilizou pranchas
anatômicas para a planificação da cidade do futuro.
“Mas não, O Oriente vos chama
Ide f ecundar seus desertos,
Fazei gigantes nos ares
As torres da cidade nova.”
F. Maynard, “L’avenir est beau”, in: Foi Nouvelle: Chctnts et Chansons de Barrault, Vinçard...
1831 a 1834, Paris, 1 jan. 1835, fascículo I, p. 81. Sobre o tema do deserto, comparar
“Chant des industrieis”, de Rotiget de Lisle, e “Le désert”, de Félicien David.
& [K 5a. 1 ]
Paris no ano de 2855: “A cidade tem trinta léguas de circunferência. Versailles e
Fontainebleau, bairros perdidos entre tantos outros, projetam sobre periferias menos pacíficas
os refrescantes perfumes de suas árvores vinte vezes centenárias. Sèvres, convertido em
mercado permanente dos chineses, nossos compatriotas desde a guerra de 2850, exibe . . .
seus pagodes com sinos retumbantes, entre os quais existe ainda a manufatura de outrora
reconstruída em porcelana à moda da rainha.” Arsène Houssaye, “Le Paris futur , in: Paris
a les Parisiens au XLX e Siecle, Paris, 1856, p. 459.
[K 5a, 2]
Chateaubriand sobre o obelisco da Place de la Concorde: “Chegará a hora em que o obelisco
do deserto encontrará, na Praça dos Assassinos, o silêncio e a solidão de Luxor.” 8 Cit. em
Louis Bertrand, “Discours sur Chateaubriand”, Le Temps, 18 set. 1935.
[K 5a, 3]
8 Originalmente erguido na cidade egípcia de Luxor, durante o reinado do faraó Ramses II, o obelisco foi
transportado em 1831 para a Place de la Concorde, em Paris. Nesta praça, a antiga Place de la
Révolution, funcionava de 1793 a 1795 a guilhotina. (E/M)
444 ■ Passagens
Saint-Simon propôs “transformar uma montanha da Suíça em uma estátua de Napoleão,
que teria em uma das mãos uma cidade habitada, e na outra, um lago.” Conde Gustav von
Schlabrendorf, em Paris, sobre acontecimentos e personalidades de sua época [em Cari
Gustav Jochmann, Reliquien: Aus seinen nachgelassenen Papieren, ed. org. por Heinrich
Zschokke, vol. I, Hechingen, 1836, p. 146.]
[K 5a. 4]
A Paris noturna em LHomme Qui Rit? “O pequeno errante sentia a paixão indefinível da
cidade adormecida. Esses silêncios de formigueiros paralisados emanam vertigem. Todas
essas letargias misturam seus pesadelos, esses sonos são uma multidão.” Cit. em R. Caillois,
“Paris, mythe moderne”, Nouvelle Revue Française, XXV, n° 284, 1 maio 1937, p. 691.
[K 5a, 5]
“Sendo o inconsciente coletivo uma manifestação da história do mundo que se expressa ...
na estrutura do cérebro e do simpático, ele significa ... uma espécie de imagem do mundo
atemporal, de certa forma, eterna, que se opõe à nossa imagem consciente momentânea.”
C. G. Jung, Seelenprobleme der Gegenwart , Zurique-Leipzig-Stuttgart, 1932, p. 326
(“Analytische Psychologie und Weltanschauung”).
ÍK 6, 1]
Jung denomina a consciência - ocasionalmente! - como “nossa conquista prometéica”.
C. G. Jung, Seelenprobleme der Gegenwart , Zurique-Leipzig-Stuttgart, 1932, p. 249
(“Die Lebenswende”). E em outro contexto: “O pecado prometéico é o de ser a-histórico.
O homem moderno, neste sentido, vive no pecado. Um grau maior de consciência é,
portanto , culpa.” Op. cit.. p. 404 (“Das Seelenproblem des modernen Menschen”).
[K 6, 2]
“Não há dúvida que ... desde a época memorável da Revolução Francesa, o psíquico passou
pouco a pouco para o primeiro plano da consciência geral..., devido à sua força crescente de
atração. Aquele gesto simbólico de entronização da Deusa Razão em Notre-Dame parece
ter significado para o mundo ocidental algo análogo ao abate dos carvalhos de Wotan pelos
missionários cristãos, pois tanto naquela ocasião quanto hoje nenhum raio atingiu os
blasfemadores.” C. G. Jung, Seelenprobleme der Gegenwart , Zurique-Leipzig-Stuttgart, 1932,
p. 4 1 9 (“Das Seelenproblem des modernen Menschen”). A “vingança” para estes dois
gestos históricos fundadores parece estar iminente hoje, simultaneamente! O nacional-
socialismo se encarrega do primeiro, Jung, do segundo.
[K 6. 3]
Enquanto ainda houver um mendigo, ainda haverá mito.
[K 6, 4]
“Aliás, um aperfeiçoamento engenhoso foi introduzido na construção das praças.
A administração comprava-as já prontas, sob encomenda. Arvores em papelão colorido e
flores em tafetá desempenhavam muito bem seu papel nestes oásis, onde se tinha até
mesmo a precaução de esconder nas folhagens pássaros artificiais que cantavam o dia todo.
9 Romance escrito por Victor Hugo entre 1866 e 1868. (E/M; w.b.)
K
(Cidade de Sonho e Morada de Sonho, Sonhos de Futuro, Niilismo Antropológico, Jung] 445
Assim, conservou-se o que há de agradável na natureza, evitando o que ela tem de sujo e de
irregular.” Victor Fournel, Paris Nouveau et Paris Futur, Paris, 1 868, p. 252. ^ g 5]
“Os trabalhos do Sr. Haussmann deram impulso, pelo menos no início, a uma grande
quantidade de planos bizarros ou grandiosos. . . Por exemplo, o Sr. Herard, arquiteto, publica
em 1855 um projeto de passarelas a serem construídas no cruzamento dos boulevards
Saint-Denis e Sébastopol: essas passarelas com galerias desenhariam um quadrado contínuo,
em que cada lado seria determinado pelo ângulo que formam, ao se cruzarem, os dois boulevards.
O Sr. J. Brame expõe em 1856, numa série de litografias, seu plano ferroviário para as cidades,
particularmente Paris, com um sistema de arcos sustentando os trilhos, de vias laterais para os
pedestres e de pontes móveis para colocar essas vias laterais em comunicação... Mais ou
menos na mesma época ainda, um advogado pede, por uma “Carta ao Ministro do Comercio ,
o estabelecimento de toldos em todo o comprimento das ruas, a fim de evitar que o pedestre
... tenha que pegar uma carruagem ou um guarda-chuva. Um pouco mais tarde, um arquiteto
propõe reconstruir a Cité inteira em estÜo gótico, para harmonizá-la com Notre-Dame.”
Victor Fournel, Paris Nouveau et Paris Futur, Paris, 1868, pp. 384-386.
Do capítulo de Fournel intitulado “Paris futura”: “Havia ... cafés de primeira, de segunda
c de terceira classes ... e para cada categoria estava previsto o número de salas, de mesas, de
bilhares, de espelhos, de ornamentos e de peças douradas... Havia ruas para os patrões e
p m de serviço, como há escadas sociais e escadas de serviço nas casas bem organizadas...
iNo frontão do quartel, um baixo-relevo ... representava, com esplendor, a Ordem Pública
fãidada como um soldado de infantaria, com uma auréola na fronte, abatendo a Hidra de
dm cabeças da Descentralização... Cinqüenta sentinelas posicionadas nas cinqüenta guaritas
» quartel, frente aos cinqüenta boulevards , podiam ver, com uma luneta, a quinze ou vinte
-metros dali, as cinqüenta sentinelas das cinqüenta barreiras... Montmartre era coroada
uma cúpula ornada com um imenso relógio elétrico visível a oito e audível a dezesseis
‘metros de distância, servindo de referência para todos os demais relógios da cidade,
t-se enfim atingido o grande objetivo perseguido há tanto tempo: fazer de Paris um
de luxo e curiosidade mais que de uso, uma cidade em exposição, numa redoma de
... objeto de admiração e inveja para os estrangeiros, e insuportável para seus
tes.” V. Fournel, op. cit ., pp. 235-237, 240-241. [Kóa, 2 ]
de Fournel à cidade saint-simoniana de Ch. Duveyrier: Não podemos continuar
znhando a exposição dessa metáfora atrevida que o Sr. Duveyrier desenvolve ... com
fleuma cada vez mais estupeficante, sem nem mesmo perceber que sua engenhosa
ição levaria Paris, por força do progresso, de volta até a época da Idade Média,
cada indústria e cada ramo do comércio eram confinados num mesmo bairro.
Fournel, Paris Nouveau et Pans Futur, Paris, 1868, pp. 374-375 (“Les précurseurs de
-mann”). [K7 , i]
jãlar de um monumento que estimamos particularmente, e que parece de primeira
*3 quando se tem um céu como o nosso ... um Jardim de invemol.. Quase no
dk cidade, um lugar vasto, muito vasto, capaz de receber, como o Coliseu em Roma,
pane da população, seria rodeado por uma imensa cúpula luminosa, mais ou
446 ■ =»sagens
menos como o Palácio de Cristal de Londres ou como nossos mercados de hoje: colunas de
ferro, algumas pedras para assentar as fundações... Ah! Meu jardim de inverno, que partido
tiraria de ti para meus Novutopianos; enquanto em Paris, na grande cidade, eles construíram
um grande monumento de pedra, pesado e feio, que não serve para nada, e onde, neste
ano, os quadros de nossos artistas, a contraluz aqui, escaldavam um pouco mais ao longe
sob um sol ardente.” F. A Coumrier de Vienne, Paris Modeme: Plan dune Ville Modele que
lAuteur a Appelée Novutopie, Paris, 1 860, pp. 263-265.
Sobre a morada de sonho: “Em todos os países meridionais, onde a concepção popular de
rua pretende que os exteriores das casas pareçam mais ‘habitados’ que seus interiores, essa
exposição da vida privada dos habitantes confere às suas moradias um valor de lugar secreto
que aguça a curiosidade dos estrangeiros. A impressão é a mesma nas feiras: tudo está
exposto de forma tão abundante na rua que aquilo que não se encontra ali ganha a força de
um mistério.” Adrien Dupassage, “Peintures foraines”, Arts et Métiers Graphiques , 1939.
[K 7, 3]
Não seria possível comparar a diferenciação social na arquitetura (cf. a descrição dos cafés
por Fournel em K 6a, 2, ou a oposição entre escada social e escada de serviço) com aquela
presente na moda?
[K 7a, 1]
Sobre o niilismo antropológico, cf. N 8a, 1: Céline, Benn.
[K 7a, 2]
“O século XV ... é uma época em que os cadáveres, os crânios e os esqueletos eram
ultrajosamente populares. Na pintura, na escultura, na literatura e nas representações
dramáticas, a Dança Macabra estava onipresente. Para o artista do século XV, a atração pela
morte, bem tratada, era uma chave tão segura para atingir a popularidade quanto o é, em
nossa época, um bom sex appeal Aldous Huxley, Croisibre d'Hiver: Voyage en Amérique
Centrale, Paris, 1935, p. 58. 10
[K 7a, 3]
Sobre o interior do corpo. “Este tema e sua elaboração remontam ao modelo de João
Chrysóstomo, ‘Sobre as mulheres e a beleza {Opera, ed. B. de Montfaucon, Paris, 1735,
tomo 12, p. 523).” “A beleza do corpo não reside senão na pele. Com efeito, se os homens
vissem o que está debaixo da pele — assim como o lince da Beócia, que dizem que pode ver
o interior -, a vista das mulheres dar-lhes-ia náuseas. Toda aquela graça consiste de muco e
sangue, de humores e fel. Se alguém considerar o que se esconde nas narinas, na garganta
e no ventre, encontrará sempre sujeira. E se nos repugna tocar o muco e a sujeira mesmo só
com a ponta do dedo, como então poderíamos desejar abraçar o próprio saco de excrementos?”
Odon de Cluny, Collationum , livro III, Migne, tomo 133, p. 556), cit. em J. Huizinga,
Herbst des Mittelalters , Munique, 1928, p. 197.
[K 7a, 4]
Sobre a teoria psicanalítica da recordação: ‘As pesquisas posteriores de Freud mostraram
que esta concepção [ou seja, a do recalque ( Verdrãngung )] deveria ser ampliada. . . O mecanismo
do recalque ... é ... um caso particular do processo mais geral e significativo que tem início
10 Aldous Huxley, Beyond the Mexique Bay, Londres, Chatto and Windus, 1934, pp. 56 e 60. (E/M)
K
[Cidade de Sonho e Morada de Sonho, Sonhos de Futuro, Niilismo Antropológico, Jung]
447
quando nosso Eu não consegue corresponder de forma adequada às exigências feitas ao
aparelho psíquico. O mecanismo geral de defesa não anula as fortes impressões; ele apenas
as põe de lado... Em favor da clareza, seria útil formular de maneira intencionalmente
simples a oposição entre memória e recordação; a função da memória [o autor idendfica a
esfera do esquecimento’ com a da memória inconsciente’, p. 130] é proteger as nossas
impressões; a recordação visa a sua dissolução. A memória [ Gedãchtnis ] é essencialmente
conservadora, a recordação [ Erinnerung ] é destrutiva.” Theodor Reik, Der überraschte
Psychologe, Leiden, 1935, pp. 130-132.
“Vivenciamos, por exemplo, a morte de um parente próximo ... e imaginamos sentir toda
a profundeza da dor... Mas a dor revelará sua profundeza só muito tempo depois de
acreditarmos tê-la superado.” A dor “esquecida” se entranha e se alastra; cf. a morte da avó
em Proust. “Vivenciar significa dominar psicologicamente uma impressão tão forte que
não pôde ser apreendida de imediato por nós.” Esta definição da vivência \Erleben\ no
sentido de Freud é totalmente distinta daquilo a que se referem os que dizem “ter tido uma
vivência [ Erlebnis ]”. Theodor Reik, Der überraschte Psychologe, Leiden, 1935, p. 131.
[K 8, 2]
O que foi depositado no inconsciente como conteúdo da memória. Proust fala do “sono
muito vivo e criador do inconsciente ... onde acabam de se gravar as coisas que apenas nos
afloraram, onde as mãos adormecidas se apoderam da chave certa, inutilmente procurada
até então.” Marcei Proust, La Prisonnière, vol. II, Paris, 1923, p. 189.
[K 8, 3]
A passagem clássica sobre a “memória involuntária” cm Proust - prelúdio ao momento em
jgue é descrito o efeito da madeleine sobre o autor: “Foi assim que, durante muito tempo,
qjeando acordado no meio da noite eu me lembrava de Combray, nada me vinha à mente
mão essa espécie de painel luminoso... Para dizer a verdade, teria podido responder, a quem
nimr perguntasse, que Combray tinha ainda outra coisa... Mas como aquilo de que me teria
InEibrado teria sido fornecido somente pela memória voluntária, a memória da inteligência,
£ como as informações que ela dá sobre o passado não conservam nada dele, eu nunca teria
i mi-n vontade de pensar nesse resíduo de Combray... Assim é com o nosso passado. È trabalho
io procurar evocá-lo; todos os esforços de nossa inteligência são inúteis. Ele está escondido
finta de seu domínio e de seu alcance, em algum objeto material ... de que nós não suspeitamos,
ato a esse objeto, depende do acaso se o encontramos ou não o encontramos, antes de
' Marcei Proust, Du Côté de Chez Swann, vol. I, pp. 67-69.
[K 8a, 1]
passagem clássica sobre o despertar durante a noite, no quarto escuro, e a orientação do
miimra r dentro dele: “Quando eu acordava assim, e meu espírito se agitava, sem sucesso,
BBBiaeco saber onde eu me encontrava, tudo girava ao meu redor na escuridão: as coisas, os
nina, as anos. Meu corpo, entorpecido demais para se mover, procurava reconhecer,
paliiaj torma de seu cansaço, a posição de seus membros, para perceber a partir deles a
.lilirnsEÍ; da parede, o lugar dos móveis, para reconstruir e nomear o local em que se
iva. Sua memória, a memória de suas costelas, de seus joelhos, de seus ombros,
iava-lhe sucessivamente os vários quartos em que dormira, enquanto em torno
iiUHiit "oco piavam nas trevas as paredes invisíveis, mudando de lugar conforme o cômodo
jLifi ■ Passagens
imaginado. E antes mesmo que meu pensamento ... tivesse identificado o aposento...,
ele — meu corpo - lembrava-se, para cada quarto, do tipo de cama, do lugar das portas,
de como a luz do dia entrava pelas janelas, da existência de um corredor, com o pensamento
que tivera ao adormecer e que reencontrava ao despertar.” Marcei Proust, Du Côté de
Chez Swann, vol. 1, p. 15.
[K 8a, 2]
Proust sobre noites de sono profundo após um grande cansaço: Elas nos fazem reencontrar,
ali onde nossos músculos fincam e retorcem suas ramificações aspirando a vida nova, o
jardim onde fomos crianças. Não é preciso viajar para revê-lo; é preciso descer para reencontrá-
lo. O que um dia cobriu a terra não está mais sobre ela, mas abaixo; para visitar a cidade
morta, não basta uma mera excursão - é preciso fazer escavações.” As palavras contradizem
a orientação dc sair à procura dos lugares onde fomos crianças. Elas mantêm, no entanto,
seu significado também como crítica à memória voluntária. Marcei Proust, Le Côté de
Guermantes, vol. I, Paris, 1920, p. 82.
r [K 9, 1]
Articulação entre a obra proustiana e a obra de Baudelaire: “Uma das obras-primas da
literatura francesa, Sylvie, de Gérard de Nerval, assim como o livro Mémoires d’Outre-Tombe
... oferece uma sensação do mesmo tipo que a do gosto da madeleine... Em Baudelaire,
enfim, essas reminiscências, mais numerosas ainda, são evidentemente menos fortuitas e,
portanto, a meu ver, decisivas. É o próprio poeta que, com uma escolha mais ampla e com
mais preguiça, procura voluntariamente, no perfume de uma mulher, por exemplo, de sua
cabeleira e de seu seio, as analogias inspiradoras que lhe evocarão o azul do céu imenso e
redondo’, e um porto cheio de velas e mastros’. Eu ia procurar lembrar-me das peças de
Baudelaire que se baseiam, da mesma forma, em uma sensação transposta, para colocar-me
decididamente numa filiação tão nobre, e assim assegurar-me de que a obra, que não
hesitaria empreender, merecia o esforço que iria lhe consagrar, quando, tendo chegado ao
fim da escada..., encontrei-me ... no meio de uma festa.” Marcei Proust, Le Temps Retrouvé ,
vol. II, Paris, 1927, pp. 82-83.
rr [K 9, 2]
“O homem só é homem na superfície. Levante a pele, disseque: aqui começam as máquinas.
Depois, você se perde numa substância inexplicável, estranha a tudo o que você conhece e
que é, entretanto, o essencial.” Paul Valéry, Cahier B, 1910, Paris, 1930, pp. 39-40.
M [K 9, 3]
Cidade de sonho de Napoleão I: “Napoleão, que a princípio quis erigir o Arco do Triunfo
em um ponto qualquer da cidade - como o primeiro, e decepcionante, na Place du Caroussel
-, aceitou a sugestão de Fontaine de construir a oeste da cidade, onde havia uma vasta área
disponível, uma Paris imperial que superasse a cidade do rei, inclusive Versailles. Ela deveria
ser erguida entre a Avenue des Champs Elysées e o Sena ... sobre o platô em cuja extremidade
se localiza hoje o Trocadéro, com palácios para doze reis e seu séquito’..., não somente a
mais bela cidade que existe, mas a mais bela cidade que jamais poderia existir’. O Arco do
Triunfo foi planejado como o primeiro edifício dessa cidade.” Fritz Stahl, Paris, Berlim,
1929, pp. 27-28.
[K 9a, 1]
L
[Morada de Sonho, Museu, Pavilhão Termal]
A variante refinada da morada de sonho. A entrada ao Panorama de Gropius' é descrita da
seguinte maneira: “Entra-se em uma sala decorada ao estilo de Herculano; no centro, uma
pia revestida de conchas, da qual jorra uma pequena fonte, atrai, por um momento, os
transeuntes; em frente, uma pequena escada conduz a uma agradável sala de leitura, na
qual está exposta em particular uma coleção de livros que permitem ao visitante orientar-se
na cidade residencial.” Erich Stenger, Daguerres Diorama in Berlin, Berlim, 1925, pp. 24-25.
O romance de Bulwer. 1 2 Quando tiveram início as escavações? Saguões de cassinos etc.
fazem parte desta refinada variante da morada de sonho. É possível imaginar por que uma
fonte num recinto fechado suscita o devaneio. Mas para compreender bem o estremecimento
de horror e de sublime que possa ter acometido o visitante ocioso quando ultrapassava este
limiar, é preciso lembrar que a descoberta de Pompéia e Herculano havia ocorrido na
geração anterior, e que à lembrança da destruição destas cidades sob a lava associava-se de
maneira secreta, porém tanto mais íntima, aquela da grande Revolução. Pois quando a
súbita reviravolta pôs um fim ao estilo do Antigo Regime, aquilo que aqui se desenterrava
ena adotado às pressas como o estilo de uma república gloriosa, e palmeiras, ornamentos de
ítos e meandros tomaram o lugar das pinturas rococó e dos enfeites chineses do século
ior. ■ Andgüidade ■
[“Mas agora, de repente, querem transformar os franceses em um povo antigo com um
de varinha mágica; e inúmeras manifestações artísúcas, a despeito de Minerva, referem-se
s extravagâncias de homens fantasiosos em seus gabinetes de estudo.” Friedrich Johann
Meyer, Fragmente aus Paris im JY m ]ahr der franzosischen Republik, Hamburgo,
7, vol. I, p. 146. ■ Antigüidade ■
[L 1, 2]
de sonho do coletivo: passagens, jardins de inverno, panoramas, fábricas, museus
cassinos, estações ferroviárias.
[L 1, 3]
1 Trata-se do pintor Karl Wilhelm Gropius (1783-1870), discípulo de Schinkel e especialista em cenários de
teatro, que abriu em 1827 um diorama em Berlim, com vistas da Grécia e da Itália. (R.T.; J.L.)
2 Edward George Bulwer-Lytton, The Last Days of Pompeii, 1 835. (R.T.)
4- ■ Passagens
A Gare Saint-Lazare: uma soberana que ruge e apita, com o olhar de um relógio. “Para o
homem atual”, diz Jacqucs dc Tacrctelle, “as estações ferroviárias são verdadeiras fábricas de
sonhos”. (“Le réveur parisien”, NouvelU Revue Fmnçaise, 1927). Com certeza: hoje, na era
do automóvel e do avião, são apenas terrores suaves e atávicos que ainda povoam os saguões
enegrecidos, e aquela comédia banal do reencontro e da despedida, que se apresenta com
um vagão pullman como pano de fundo, torna a plataforma de embarque um palco de
província. Mais uma vez representa-se para nós o desgastado melodrama grego: Orfeu,
Eurídice e Hermes na estação. Na montanha de malas, sob a qual se encontra Eurídice,
abre-se a fenda escarpada, a cripta na qual ela se afunda, quando o hermético chefe da
estação, com a sinaleira em punho, fixando os olhos lacrimejantes de Orfeu, dá o sinal de
parrida. Cicatriz da despedida que estremece nos corpos representados dos deuses, como
um trinco cm um vaso grego.
[L 1. 4]
O intérieur projeta-se para o lado de fora. E como se o burguês estivesse tão seguro de seu
sólido bem-estar que desdenha a fachada para afirmar: minha casa, não importa onde lhe
seja feito um corte, é sempre uma fachada. Vêcm-se tais fachadas sobretudo cm casas
berlinenses que datam de meados do século passado: uma varanda de esquina não se
projeta para fora, mas se volta para dentro - como um nicho. A rua torna-se aposento e o
aposento torna-se rua. O transeunte que pára olhando a casa encontra-se, por assim dizer,
na varanda. ■ Flâneur ■
[L 1, 5]
Sobre a morada de sonho. A passagem como templo: o freqüentador dos “obscuros bazares”
das passagens burguesas “sentir-se-á um estranho na Passage de 1’Opéra. Ficará incomodado,
ansioso para sair dali. Ele não se sente em casa; um pouco mais, ele descobriria a cabeça,
como se entrasse no templo de Deus.” Le Livre des Cent-et-un, Paris, 1833, p. 71 (Amédée
Kermel, “Les passages de Paris”).
[LI, 6)
Sobre as vidraças coloridas que começaram a ser instaladas nas escadarias - e estas muitas
vezes eram enceradas! — escreve Alphonse Karr: “A escada tornou-se alguma coisa que
parece muito mais uma construção de guerra para impedir os inimigos de invadir uma
casa, que um meio dc comunicação c de acesso oferecido aos amigos.” Alphonse Karr, 300
Pages , nova edição, Paris, 1861, pp. 198-199.
[L 1, 7]
A casa sempre se mostrou “pouco receptiva a novas formulações”. Sigffied Giedion, Bauen
in Frankreich , Berlim, 1928, p. 78.
[L 1, 8]
são casas ou corredores que não têm o lado exterior — como o sonho.
[L la, 1]
Entre as moradas de sonho do coletivo, sobressaem-se os museus. Deveria se enfatizar neles
a dialética pela qual contribuem, por um lado, para a pesquisa científica e, por outro, para
a “época sonhadora do mau gosto”. “Quase toda época, conforme sua disposição interna,
parece inclinada a desenvolver um problema arquitetônico específico: o Gótico, as cat
L
(Morada de Sonho, Museu, Pavilhão Termal]
451
o Barroco, o castelo; e o nascente século XIX, com sua tendência de voltar-se para trás e
deixar-se impregnar pelo passado, o museu.” Sigfried Giedion, Banen in Frankrekh , p. 36.
Minha análise encontra seu objeto principal nesta sede de passado. A sua luz. o interior do
museu aparece como um intérieur elevado a uma potência. Entre 1850 e 1890 as exposições
mmaram o lugar dos museus. Comparar a base ideológica desses dois fenômenos.
;l la. 2]
“O século XIX revestiu de máscaras historicizantes cada nova criação, não importando em
qual setor: tanto na arquitetura como na indústria, ou na sociedade. Criavam-se novas
possibilidades de construção, mas estas inspiravam medo, e por isso eram logo soterradas sob
uma decoração de pedras. Criava-se o gigantesco aparato coletivo da indústria, mas procurava-se
distorcer seu significado, reservando os benefícios do processo de produção apenas a um
grupo restrito. Esta máscara historicizante está indissoluvelmente ligada à imagem do século
X3X. Ela não pode ser negada.” Sigfried Giedion, Banen in Frankrekh, pp. 1-2
[L la, 3J
A obra de Le Corbusier parece constituir o epílogo da “casa” enquanto configuração
mitológica. Cf. a seguinte observação: “Por que a casa deve ser constmída da maneira mais
lese e aérea possível? Porque só assim pode-se pôr término a uma fatal monumentalidade,
de caráter patrimonial. Enquanto o jogo de suporte e carga — real ou como exagero simbólico
"no Barroco) — adquiriu sentido com os muros de arrimo, seu aspecto pesado se justificava.
Mas hoje, que o muro exterior não precisa mais suportar tanto peso, o jogo de suporte e
carga, sublinhado pelo ornamento, é uma mísera farsa (os arranha-céus americanos).”
Giedion, Bduen in Frankrekh, p. 85.
[L la, 4]
A “cidade contemporânea” de Le Corbusier se tornou um complexo habitacional junto à
csirada. O fato de haver agora carros circulando e aeroplanos aterrissando no meio desse
complexo, mudou tudo. E preciso encontrar aqui os pontos de onde seja possível lançar
«abre o século XIX um olhar proveitoso, criador de formas e distâncias.
[L la, 5]
“A habitação coletiva [Mietskaseme\ é o último castelo feudal. Ela deve sua existência e
forma à batalha brutal e egoísta de alguns proprietários de terra pela posse de um terreno, que
é desmembrado e recortado em parcelas durante esta disputa. Assim, não nos espanta ver
■essurgir também a forma do castelo feudal — com o pátio cercado de muros. Cada proprietário
se isola do outro, e esta é uma das razões por que, no fim, subsiste um resto casual de todo
o conjunto.” Adolf Behne, Neues Wohnen — Neues Bauen, Leipzig, 1927, pp. 93-94.
[L la, 6]
O museu como morada de sonho. “Vimos como já os Bourbons se empenharam em
gforificar os ancestrais de sua casa e ver reconhecida a história antiga da França em seu
esplendor e importância. Por essa razão, também mandaram reproduzir no teto do Louvre
uiaomentos significativos da evolução cultural e da história da França.” Julius Meyer, Geschichte
der modemen franzosischen Malerei , Leipzig, 1867, p. 424.
[L la, 7]
Em junho de 1837 é inaugurado o museu histórico de Versailles - “para a glória perene da
França”. Uma série de salões que exigem quase duas horas para serem percorridos. Cenas de
jjX.it m ?3ssaçens
museu.
[L2, 1]
e— * — « *-«- M - " í 52L?
1882) herda certo d, a um » ' Jj^Museu Harrkoff.) Chabrillat rem po,
1’Opéra, acima do relogio . (lalvez tosse o an g teye uma idéia . No
amigo um desenhista talentoso, ™ sentava a visita da Imperatriz Eugênia
museu havia, entre outras peças, u | P d Tmneratriz que sorri para os doentes, à
aos doentes de cólera em Amiens. A direita, a Impeiat q P uáiido sob
esquerda, uma enfermeira de touca branca c numa ^ oYenh.sta
lençóis Y o doente de cólera, colocá-lo no chão
1882, Paris, 1883, p. 301 , L; 2 ,
Mas por quê? Porque no n*á»m desta imagem
realizou-se a metamorfose do museu em mteneur. [L 2 , 31
A morada de sonho d. P-S- »«' =
passagens estende-se a arquitetura sa ^ ^ q interior de uma lgreja . O magnífico
indiscutivelmente de bom gosto, ma mundo; as delicadas
teto poderia enfeitar dignamente o mars belo sako de l ,^es , tomr ^ ^
luminárias de bronze com seus glo os e ^ ™ P° ‘, j p ^ , Brk f e „ p a ris, in:
ter sido trazidas dos mars elegantes cafes da cidade. 8. t. » , .
Europa, Chwn.k i* pUUam Wdl, vol. II, Leipzlg-Stuttgart, 1837, p. - [L ,, „
•Quanto aos novos teatros que ainda náo fiamos,
nenhum estilo em particular. A intenção, pe o q oa rticulares, de forma que esses
público o uso recipienres, 'cápsulas gigantescas
^dTriPrcoTsas.'- * 1*1. ^ * - '«
Kunstausstellung von 1861 [O salão parisiense de 1861] ). [L 2 , 5]
3 André Breton, Nadja, Paris, Gallimard, 1980, pp. 132-133. (J.L.)
L
[Morada de Sonho, Museu, Pavilhão Termal]
453
de Paris. Mesmo as cervejarias nas quais se tira “a cerveja da fonte” devem sua existência a
este mito das fontes. O quanto à cura também é um rito de passagem, uma vivência de
transição, torna-se evidente naqueles deambulatórios clássicos em que os doentes, por assim
dizer, passeiam em direção ao seu restabelecimento. Esses pavilhões termais também são
passagens. Cf. as fontes no vestíbulo.
„L 2. 6]
Todos conhecem nos sonhos o horror de portas que não fecham. Mais precisamente, são
portas que parecem estar fechadas, mas não estão. Conheci este fenômeno de forma intensa
em um sonho no qual, estando na companhia de um amigo, vi um fantasma na janela do
andar térreo de uma casa que se encontrava à nossa direita. E enquanto caminhávamos, ele
nos acompanhava, passando pelo interior de todas as casas. Ele atravessava todos os muros
e paredes, permanecendo sempre de par conosco. Eu via tudo isso, embora fosse cego. A
caminhada que empreendemos pelas passagens também é, no fundo, um caminho
fantasmagórico em que as portas cedem e as paredes se abrem.
[L 2, 71
No fundo, a estátua de cera é o lugar onde a aparência de humanidade dá uma reviravolta.
Pois nessa figura, a superfície, o tom de pele e o colorido do ser humano são expressos de
maneira tão fiel e perfeita que a reprodução da aparência humana dá uma reviravolta, e
então a estátua nada mais representa do que a mediação engenhosa e aterradora entre as
vísceras e a vestimenta. ■ Moda ■
[L 2a, 1]
Descrição de um museu de cera como morada de sonho: “Chegando ao último andar e
olhando ao redor, via-se um salão grande e iluminado. Não havia ali pessoa alguma, mas o
salão estava lotado de príncipes, crinolinas, uniformes, e na entrada havia gigantes. A dama
não quis prosseguir, e seu acompanhante também deteve o passo, com um prazer maligno.
Sentaram-se nos degraus, e ele relatou o medo que sentia quando criança ao ler sobre
castelos mal-assombrados onde ninguém mais morava, mas cujas janelas muitas vezes ficavam
Eliminadas em noites de tempestade. Quem estava ali, quem se reunia ali, sob quem
incidia aquela luz? Ele sonhou que via exatamente aquela cena, apoiando o corpo no parapeito,
o rosto colado à vidraça do inefável salão.” Ernst Bloch, “Leib und Wachsfigur”, Frankfurter
Zrirunv, <19 dez. 1929>.
[I- 2», 2]
“Número 125: o labirinto de Castan. Os que viajam o mundo e os artistas a princípio
sentem-se transportados para dentro da imponente floresta de colunas da magnífica mesquita-
oredral de Córdoba, na Espanha. Tanto aqui como lá, os arcos se sucedem uns aos outros,
as colunas se sobrepõem em perspectiva, oferecendo panoramas fabulosos e alamedas que
parecem não ter fim, que ninguém conseguiria percorrer completamente. Subitamente,
percebemos uma imagem que nos transporta ao coração do famoso Alhambra de Granada.
Ufanos o desenho de sua tapeçaria com a inscrição: Alá é Alá’ (Deus é grande), e já nos
encontramos em um jardim, no pátio de laranjeiras do Alhambra. Mas antes de o visitante
chegar a este pátio, deve perambular muito tempo por caminhos labirínticos.” Catálogo
do Panoptikum de Castan 4 (segundo trechos publicados no Frankfurter Zeilung).
4 O Panoptikum de Castan localizava-se na assim chamada Linden Árcade ou Kaisergalerie em Berlim, antes
de mudar-se para o outro lado da rua, em 1 888. (E/M.)
454 ■ Passagens
“O sucesso da escola romântica fez nascer, por volta de 1825, o comércio de quadros
modernos. Antes, os amantes da arte iam ao domicílio dos artistas. Comerciantes de tintas
- Giroux, Suisse, Binant, Berville - começaram a servir de intermediários. A primeira casa
de venda oficializada foi aberta por Goupil em 1829.” Dubech e D’Espezel, Histoire de
Paris, Paris, 1926, p. 359.
[L 2a, 4]
“A Opera é uma das criações características do Segundo Império. Entre cento e sessenta
projetos apresentados, foi escolhido o de um jovem desconhecido, Charles Garnier. Seu
teatro, construído entre 1861 e 1867, foi concebido como um local de ostentação ... é o
palco em que a Paris imperial se contempla com satisfação; classes que recentemente chegaram
ao poder e à fortuna, misturas de elementos cosmopolitas — é um mundo novo, que exige
um novo nome: não se diz mais a Corte, diz-se Toda-Paris... Um teatro concebido como
centro de vida social e urbana, eis mais uma nova idéia, um sinal dos tempos.” Dubech e
D’Espezel, op. cil . , pp. 411-412.
[L 2a, 5]
Sobrepor à cidade real de Paris a Paris como cidade de sonho, constituída de todos os
projetos dc construção, dos planos para o traçado das mas, dos projetos de parques, dos
sistemas de nomes de mas que nunca foram realizados.
[L 2a, 6]
<fase média>
A passagem como templo de Esculápio, 5 pavilhão termal, deambulatório terapêutico.
(Passagens como pavilhões termais em desfiladeiros - como em Schuls-Tarasp, em Ragaz.)
A “garganta” ideal paisagístico no século XIX.
[L 3, 1]
Jacques Fabien, em Paris en Songe (Paris, 1863, p. 86) relata o deslocamento da Porte
Saint-Martin e da Porte Saint-Denis. “Elas ainda podem ser admiradas no alto dos faubourgs
Saint-Martin e Saint-Denis.” Desta maneira, foi possível restabelecer o nível original da
área em torno das portas nas duas praças, que tinham afundado visivelmente.
(L 3, 2]
Proposta de cobrir até a cabeça os mortos do necrotério com um pano encerado. “O público,
que faz fila na porta, pode entrar e examinar à vontade o cadáver nu do morto desconhecido...
No dia em que a moral for respeitada, o operário que hoje vai ao necrotério na hora da
refeição, com as mãos no bolso, o cachimbo na boca e o sorriso nos lábios, para zombar
licenciosamente da nudez mais ou menos deteriorada dos dois sexos, logo perderá seu interesse
diante da parcimônia utilizada na encenação desse espetáculo. Não exagero: todos os
dias cenas indecorosas se passam no necrotério; lá a gente ri, fuma, conversa em voz alta.”
5 Nos templos de Esculápio, na Grécia antiga, os iniciantes deviam dormir com a incumbência de receberem
em sonho uma visão do deus que cura. (E/M.)
L
[Morada de Sonho, Museu, Pavilhão Termal]
455
Edouard Foucaud, Paris Inventeur: Physiologie de llndustrie Française, Paris, 1844,
pp. 212-213.
[L3, 3]
Uma gravura de 1830, talvez anterior, representa copistas em poses extáticas durante o
trabalho. Legenda: “Os inspirados no museu”. Cabinet des Estampes.
[L3.4]
Sobre a criação do museu de Versailles: “O Sr. de Montalivet tinha pressa em ter um
grande número de pinturas. Ele as queria por toda parte, mas como as Câmaras denunciavam
o excesso de gastos, era preciso comprar barato, a economia andava de vento em popa...
O Sr. de Montalivet ... deixaria ... pensar de bom grado que era ele próprio que, nos cais e
junto aos revendedores, fora comprar os quadros de terceira categoria.. Mas não... Foram
os príncipes da arte dessa época que se entregaram a essa operação hedionda... As cópias e
os pastiches do museu de Versailles são a prova mais pungente da cobiça dos mestres
artistas que se transformaram em empreiteiros e negociantes de arte... O comércio e a
indústria decidiram elevar-se até a arte. O artista, para satisfazer às necessidades do luxo
que começava a tentá-lo, prostituía a arte na especulação e fazia degenerar a tradição artística,
reduzindo-a à condição de mero ofício.” Esta observação refere-se ao fato de que (por volta
de 1837) os pintores confiavam as encomendas assumidas a seus discípulos. Gabriel Pélin,
Les Laideurs du Beau Paris, Paris, 1861, pp. 85, 87-90.
[L 3, 5]
Sobre a Paris subterrânea; antigos esgotos. “Podemos ter uma imagem mais parecida com
esse estranho plano geometral se fazemos de conta ver distribuído, sobre um fundo de
trevas, algum bizarro alfabeto do oriente, embaralhado e confuso, cujas letras disformes
estariam soldadas umas às outras de forma aparentemente desordenada, como que ao
acaso, ora por seus ângulos, ora por suas extremidades.” Victor Hugo, CEuvres Completes ,
Romances, vol. IX, Paris, 1881, pp. 158-159 {Les Misérables).
[L 3a, t]
Esgotos: “Fantasmas de todas as espécies assombram esses longos corredores solitários; em
toda parte, podridão e miasma; aqui e ali um respiradouro, por onde Villon, do lado dc
dentro, conversa com Rabelais, do lado de fora.” Victor Hugo, CEuvres Completes, Romances,
vol. IX, Paris, 1881, p. 160 {Les Misérables).
[L 3a, 2]
Victor Hugo, sobre as dificuldades enfrentadas durante os trabalhos de canalização de
Paris: “Paris está construída sobre um sedimento estranhamente rebelde à enxada, à picareta,
à sonda, ao manejo humano. Nada mais difícil de se perfurar e penetrar que essa formação
geológica à qual se superpõe a maravilhosa formação histórica chamada Paris. Assim que ...
o trabalho começa a se aventurar nessa camada aluvial, as resistências subterrâneas se
multiplicam. São argilas líquidas, fontes vivas, rochas duras, essa lama mole e profunda que
a ciência especializada chama de montardes. A picareta avança laboriosamente nos estratos
calcários alternados com filetes de argila muito finos e nas camadas xistosas, incrustadas de
conchas de ostras do tempo dos oceanos pré-adamíticos.” Victor Hugo, CEuvres Completes,
Romances, vol. IX, Paris, 1881, pp. 178-179 {Les Misérables).
[L 3a. 3]
456 m Passagens
Esgoto: “Paris . . . chamava-o de irou punais. . . O Buraco Fedorento não era menos repugnante
peia higiene que pela lenda. O Monge empanturrado aparecera sob o arco fétido do esgoto
Mouffetard; os cadáveres dos Marmousets tinham sido jogados no esgoto da Barillerie. . . A
boca do esgoto da Rue de la Mortellerie era mal-afamada pelas pestes que espalhava...
Bruneseau havia dado o primeiro impulso, mas foi preciso o cólera para determinar a vasta
reconstrução que se realizou em seguida.” Victor Hugo, CEuvres Completes, Romances, vol.
IX, Paris, 1881, pp. 166 e 180 {Les Misérables, “L’intestin de Léviathan”).
[L 3a, 4]
A descida de Bruneseau aos esgotos, em 1805: “Assim que Bruneseau ultrapassou as
primeiras articulações da rede subterrânea, oito dos vinte trabalhadores recusaram-se a ir
mais longe... Avançava-se penosamente. Não era raro que as escadas para a descida
mergulhassem em três pés de lama. As lanternas agonizavam nos miasmas. De tempos em
tempos carregava-se um trabalhador desmaiado. Em certos lugares, um precipício. O solo
tinha afundado, a pavimentação tinha desmoronado, o esgoto tinha se transformado em
um poço perdido; não se achava mais o chão firme; um homem desapareceu de repente; foi
uma grande dificuldade recuperá-lo. Por conselho de Fourcroy, iluminava-se cada ponto,
nos lugares suficientemente saneados, com grandes gaiolas cheias de estopa embebida em
resina. A muralha, em determinados lugares, estava coberta de fungos disformes — tumores,
diziam; a própria pedra parecia doente nesse ambiente irrespirável... Pensou-se reconhecer
aqui e ali, sobretudo sob o Palais de Justice, celas de antigos cárceres construídos no próprio
esgoto... Uma corrente de ferro pendia numa dessas celas. Todas elas foram muradas.
A visita completa ao sistema viário da imundície subterrânea de Paris durou sete anos, de
1805 a 1812... Nada igualava o horror dessa velha cripta supurosa ... antro, fossa, abismo
cortado de ruas, monte gigantesco de toupeiras, onde o espírito imagina ver rondar através
das sombras ... essa enorme toupeira cega, o passado.” Victor Hugo, CEuvres Completes,
Romances, vol. IX, Paris, 1881, pp. 169-171 e 173-174 (Les Misêrables, “Tintestin de
Léviathan”).
[L 4, 1]
Sobre a passagem de Gerstácker. 6 Uma joalheria submarina: “Entramos no hall submarino
dos joalheiros. Nunca se imaginou estar tão longe da terra firme. Uma cúpula imensa ...
cobria todo o mercado, cheio de boutiques de vitrines cintilantes, iluminadas pelo brilho
da eletricidade, cheio de gente e de animação.” Léo Claretie, Paris Depuis ses Origines
Juscpuen VAn 3000, Paris, 1886, p. 337 (“Em 1987”). É significativo que esta imagem
reapareça no momento em que teve início o fim das passagens.
[L 4, 2]
Proudhon defende os quadros de Courbet como causa própria e deles se apropria através
de definições nebulosas (“da moral em ação”).
[L 4, 3]
Indicações insuficientes de Koch sobre fontes medicinais. Ele escreve, a propósito dos
poemas que Goethe dedicou a Maria Ludovica em Karlsbad: "O essencial para ele, nestes
poemas de Karlsbad’, não é a geologia, e sim ... a idéia e o sentimento de que energias
terapêuticas emanam da princesa, uma pessoa de tão difícil acesso em outras circunstâncias.
A intimidade da vida nas termas cria uma cumplicidade ... com a nobre dama. Assim...,
6 Cf. I 4a, 1 e R 2, 2. (R.T.)
[Morada de Sonho, Museu, Pavilhão Termal] 457
diante do mistério da fonte, a saúde ... emana da proximidade da princesa.” Rtchard Koch,
Der Zauber der Heilquellen, Stuttgart, 1933, p. 21. jl 4 , 4]
Enquanto a viagem normalmente dá ao burguês a ilusão de transcender seus vínculos de
ZTa estaçãl termal reforça a sua consciência de pertencer à fiasse superior. E «o
aSmice não só porque ela o põe em contato com as camadas feudat, Mornand chama a
atenção para uma circunstância mats elementar: “Em Parts, sem dúvida, as multidões sao
maiores mas nenhuma é homogênea como esta: porque a maior parte dos tristes human
que as compõem jantaram mal ou não jantaram... Em Baden não é assim: todo mundo e
feliz, porque todo mundo está em Baden.” Felix Mornand, La Vie des Eaux, Paris, 1855,
pp. 256-257. [l 4a, 1 ]
O comércio tira proveito dos passeios tranqüilos pela TrinkhalUJ de prefemnda por
intermédio da arte. A atitude contemplativa que se desenvolve diante da obra de
transforma-se lentamente em um comportamento mais ávido frente as mercadorias expos.
“Passeando diante da Trinkhalle ... ou sob os afrescos que ilustram o penstilo dessa colu. a
ítlTeco-alemã, entra-se ... para ler um pouco os jornais, negociar objetos de arte
contemplar as aquarelas e beber uma pequena taça.” Féltx Mornand, La Vie des Eaux, ,
1855, pp- 257-258. [L4a,2]
Cárceres do Châtelet: “Os cárceres, cuja mera evocação já aterrorizava o povo ... emprestaram
suas pedras àquele teatro, dentre todos, que o povo mais gosta de Fm^nièr
porque nele ouve falar da glória de seus filhos nos campos de batalha. Edouard Fourmer,
Chlmiques et Legendes des Rues de Paris, Paris, 1864, pp. 155-156. Trata-se do Theatre u
Châtelet, originalmente um circo. [L 4a , 3 ]
O frontispício revisto de Eaux-fortes sur Paris [Gravuras de Paris], de Meryon representa
ZzZ ta enorme, cuja idade é a, estada por conchas tncrustadas e por fendas, O mulo do
gravido nessa pedra. “Bursp observa qne as conchas e os traços de musgo
preservados no calcário lembram que essa pedra foi escolh.da entre * amostras do solo
primitivo parisiense, nas pedreiras de Montmame.* Gustave Geffrop, Charles Meryo», Parts,
1926, p. 47- O- 4a, 4]
Em “Le ioueur généreux”, Baudelaire encontra Satã em sua casa de jogatina, “em uma
«mmda subterrânea, deslumbrante, onde esplendia um luxo do qual
„rre as mais ricas de Paris podra fornecer um exemplo aproximado. Chtnles Baudeltnre,
Le Sfieen de Paris, Paris, Ed. R. Simon, p. 49. [L 4ai 5]
7 Lugar onde se tomam as águas, nas estações termais, (w.b.)
<fase tardia>
A porta [das Tor\ relaciona-se com os “ritos de passagem”. “Atravessa-se uma passagem, que
pode estar indicada de muitas maneiras diferentes — seja por meio de dois bastões fincados
no chão, que por vezes se inclinam um em direção ao outro, seja através de um tronco de
árvore rachado ao meio e dividido em dois..., seja por um galho de bétula vergado... —
trata-se sempre de escapar de um elemento hostil, de libertar-se de uma mácula, de pôr-se
a salvo de doenças ou do espírito dos mortos que não podem seguir por aquele caminho
estreito.” Ferdinand Noack, Triumph und Triumphbogen (vol. V da série Vortrãge der Bibliothek
Warburg), Leipzig, 1928, p. 153. Quem adentra a passagem percorre ao inverso o caminho
delimitado pela porta [ Tnr-Weg\! a (Em outras palavras, ele entra no mundo intra-uterino.)
[L 5, 1]
Segundo K. Meister, em Die Hausschwelle in Spraehe und Religion der Romer (vol. III de
Abhandlungen der Heidelberger Akademie der Wissemchaften, Philosophisch-historische Klasse,
Abt. 1924-1925), Heidelberg, 1925, o limiar não teve entre os gregos - e mesmo entre
outros povos — a importância que alcançou entre os romanos. O texto trata essencialmente
do surgimento do sublimis, ou seja, daquilo que é elevado (originalmente aquilo que foi
levado às alturas).
[L 5, 2]
“Entretanto, surgem sempre novas obras em que a cidade é o personagem essencial e
difuso, e o nome de Paris, que quase sempre aparece no título, deixa muito claro que o
público quer que assim seja. Nessas condições, como não se desenvolveria em cada leitor a
convicção íntima - que se percebe ainda hoje — de que a Paris que ele conhece não é a única,
nem mesmo a verdadeira; que ela não é senão um cenário brilhantemente iluminado, mas
demasiadamente normal — um cenário cujos bastidores não se descobrirão jamais — e que
dissimula uma outra Paris, a Paris real, uma Paris fantasma, noturna, inapreensível.” Roger
Caillois, “Paris, mythe moderne”, Nouvelle Revue Française> XXV, 284, I o de maio de
1937, p. 687).
[L5, 3]
“As cidades, como as florestas, têm seus antros onde se esconde tudo o que elas têm de mais
pernicioso e de mais temível.” Victor Hugo, CEuvres Complètes , Romances, vol. VII, Paris,
1881, p. 306 {Les Misérables , III)
[L 5, 4]
Existem relações entre a loja de departamentos e o museu, sendo que o bazar serve de
meio-termo. O acúmulo de obras-de-arte no museu as aproxima das mercadorias que,
quando oferecidas ao transeunte em grandes quantidades, despertam nele a idéia de que
uma parte delas deveria lhe caber.
[L 5, 5]
“A cidade dos mortos, Père Lachaise... O nome ‘cemitério’ não combina com este parque
construído segundo o modelo das necrópoles do mundo antigo. Com seus mausoléus de
pedra e uma profusão de estátuas — que, ao contrário do costume cristão dos países nórdicos,
8 Ou seja, ele caminha de volta para o mundo dos espíritos. (E/M.)
L
[Morada de Sonho, Museu, Pavilhão Termal] 459
representam os mortos como se estivessem vivos — este verdadeiro parque urbano é concebido
como a continuação da cidade dos vivos.” (O nome deve-se ao proprietário do terreno, o
confessor de Luís XIV; a construção data de Napoleão I.) Fritz Stahl, Paris, Berlim, 1929,
pp. 161-162.
[L 5a]
M
[0 Fláneur] 1
"Uma paisagem obsedante, intensa como o ópio."
Mallarmé
"Ler o que nunca foi escrito." 2
Hofmannsthal
"E eu viajo para conhecer minha geografia."
Um louco, ín : Marcei Réja, L'Art Chez les Fous, Paris,
1907, p. 131.
"Tudo o que está alhures está em Paris."
Victor Hugo, Les Misérables, in: CEuvres Completes,
Romances, vol. VII, Paris, 1881, p. 30
("Ecce Paris, ecce homo").
Mas as grandes reminiscências, o calafrio histórico, são uma esmola que ele (o flâneur)
deixa para o viajante, que acredita poder acercar-se do genius loci com uma senha militar.
Nosso amigo tem o direito de se calar. Com a aproximação de seus passos, o lugar já
começa a se animar; sem fala e sem espírito, sua simples e íntima proximidade já dá sinais
e instruções. Ele está diante da Notre-Dame de Lorette, e suas solas recordam: este é o
lugar onde outrora o cavalo suplementar — o cheval de renfort — se atrelava ao ônibus que
subia a Rue des Martyrs até Montmartre. Ele ainda daria tudo o que sabe sobre o domicílio
de Balzac ou de Gavarni, sobre o lugar de um assalto ou mesmo de uma barricada, em
troca da capacidade de farejar uma soleira ou de reconhecer pelo tato um ladrilho, como o
feria qualquer cão doméstico.
[M 1, 1]
A rua conduz, o flâneur em direção a um tempo que desapareceu. Para ele, qualquer rua é
íngreme. Ela vai descendo, quando não em direção às Mães , 3 pelo menos rumo a um
' Na revisão da tradução deste arquivo temático foi consultada também a tradução de José Carlos
Martins Barbosa, publicada em OE III, pp. 185-236. (w.b.)
2 Hugo von Hofmannsthal, "Der Tor und der Tod" (O Tolo e a Morte, 1894), in: Gesammelte Werke,
ed. org. por Herbert Steiner, [s. I.], 1952, p. 220). (R.T.)
3 Cf. nota para M°, 25. (w.b.)
■ Passagens
passado que pode ser tão mais enfeitiçante por não ser seu próprio passado, seu passai»
particular. Entretanto, este permanece sempre o tempo de uma infância. Mas por que :
tempo de sua vida vivida? No asfalto sobre o qual caminha, seus passos despertam trama
surpreendente ressonância. A iluminação a gás que recai sobre o calçamento lança uma Le
ambígua sobre este duplo chão.
Uma embriaguez apodera-se daquele que, por um longo tempo, caminha a esmo pelía»
ruas. A cada passo, o andar adquire um poder crescente; as seduções das lojas, dos biscrá»
e das mulheres sorridentes vão diminuindo, cada vez mais irresistível torna-se o magnedsjm.
da próxima esquina, de uma longínqua massa de folhagem, de um nome de ma. En:í®
chega a fome. Ele nem quer saber das mil e uma possibilidades de saciá-la. Como m
animal ascético, vagueia por bairros desconhecidos até desmaiar de exaustão em seu quann»
que o recebe estranho e frio.
Paris criou o tipo do flâneur. É estranho que não tenha sido Roma. Qual é a razão: Ma
própria Roma, o sonho não percorreria ruas pré-traçadas? E não está aquela cicaite
demasiadamente saturada de templos, praças cercadas e santuários nacionais, para pociar
entrar inteira no sonho do transeunte, com cada paralelepípedo, cada tabuleta de laja,
cada degrau e cada portão? É possível explicá-lo em parte também pelo caráter nade
dos italianos. Pois não foram os forasteiros, mas eles, os próprios parisienses, que fizeram
Paris a terra prometida do flâneur, a “paisagem construída de pura vida”, como Hofmann
certa vez a chamou. Paisagem - é nisto que a cidade de fato se transforma para o flãn
Ou mais precisamente: para ele, a cidade cinde-se em seus pólos dialéticos. Abre-se pana
ele como paisagem e fecha-se em torno dele como quarto.
M V
Aquela embriaguez anamnésica, na qual o flâneur vagueia pela cidade, não se nutre
daquilo que lhe passa sensorialmente diante dos olhos, mas apodera-se freqüentemenre p::i
simples saber, de dados inertes, como de algo experienciado e vivido. Este saber senrkkts
transmite-se de uma pessoa a outra, sobretudo oralmente. Porém, no decorrer do scr3.11;:
XIX, ele se depositou também em uma literatura vastíssima. Já antes de Lefeuve, c 31 :
descreveu Paris “rua por rua, casa por casa”, pintou-se reiteradamente este cenário pais
do sonhador ocioso. O estudo destes livros constituiu para o flâneur uma segunda exisfo"
já totalmente preparada para o devaneio, e aquilo que ele apreendeu deles ganhava a fe
de uma imagem em seu passeio vespertino antes do aperitivo. Não deveria ele então r
sob os seus pés mais íngreme a subida atrás da igreja de Notre-Dame de Lorette, se s:iai»
que era aqui, quando Paris recebeu seus primeiros ônibus, que se atrelava o terceiro est
o cheval de renfort, diante do veículo?
[M
Deve-se tentar compreender a constituição moral absolutamente fascinante do fci3ci«r
apaixonado. A polícia - que se revela aqui, como em tantos outros assuntos de que traranmJ
como um verdadeiro perito — fornece a seguinte indicação, no relatório de um ageuMci
secreto parisiense, de outubro de 1798 (?): “É quase impossível lembrar dos bons cosararaal
e mantê-los numa população amontoada, em que cada indivíduo, de certa for»
desconhecido de todos os outros, esconde-se na multidão e não precisa enrubescer dia
M
[0 Flâneur] 463
dos olhos de ninguém.” Cit. em Adolf Schmidt, Pariser Zustãnde wãhrend der Revolution,
vol. III, lena, 1876. O caso em que o flâneur se distancia totalmente do tipo do passeador
filosófico e assume os traços do lobisomem a vagar irrequieto em uma selva social foi fixado
pela primeira vez — e de maneira definitiva — por Poe em seu conto “O homem da multidão .
[M 1, 6]
As manifestações de superposição, de sobreposição ( Überdeckung ), que aparecem sob o
efeito do haxixe devem ser compreendidas através do conceito de semelhança. Quando
dizemos que um rosto se assemelha a outro, isto quer dizer que certos traços deste segundo
rosto se manifestam no primeiro, sem que este deixe de ser o que era. As possibilidades de
que as coisas assim se manifestem, porém, não estão sujeitas a nenhum critério, sendo,
portanto, ilimitadas. A categoria da semelhança, que tem uma importância muito restrita
para a consciência desperta, adquire uma importância ilimitada no mundo do haxixe.
Neste, com efeito, tudo é rosto-e-visão ( Gesicht ), tudo tem a intensidade de uma presença
encarnada, que permite procurar nele, como em um rosto, os traços manifestos. Sob tais
circunstâncias mesmo uma proposição adquire um rosto (sem falar da palavra isolada), e
este rosto assemelha-se àquele da proposição oposta. Assim, cada verdade remete de maneira
evidente a seu contrário, e com base neste fenômeno explica-se a dúvida. A verdade torna-
se algo vivo, existindo apenas no ritmo em que a proposição e seu contrário trocam de lugar
para se pensarem. 4
[M la, 1]
Valéry Larbaud sobre o “clima moral da rua parisiense”. “As relações começam sempre na
ficção da igualdade, da fraternidade cristã. Nessa multidão, o inferior está disfarçado como
superior, e o superior como inferior. Moralmente disfarçados, um e outro. Em outras
capitais, o disfarce mal ultrapassa a aparência, e as pessoas insistem, visivelmente, em
realçar suas diferenças, fazem um esforço de pagãos e de bárbaros para se separarem. Aqui
procuram apagar as diferenças tanto quanto possível. E daí que provém essa doçura do
dima moral da rua parisiense, o encanto que encobre a vulgaridade, o laisser-aller, a monotonia
dessa multidão. É a graça de Paris, a sua virtude: a caridade. Multidão virtuosa...” Valéry
Larbaud, “Rues cr visages de Paris: Pour 1’album de Chas-Laborde”, Commerce VIII, verão
de 1926, pp. 36-37. Seria correto descrever este fenômeno inteiramente com as categorias
da virtude cristã, ou não se trataria aqui talvez de um assemelhar-se, sobrepor-se, assimilar-
se, embriagado, que se revela mais forte nas mas desta cidade do que a vontade de prestígio
social? Seria preciso evocar a experiência do haxixe em “Dante e Petrarca” 5 e medir o
impacto da experiência inebriante na proclamação dos direitos humanos, ludo isso nos
leva para muito longe da cristandade.
r D LM la, 2]
O “fenômeno de colportagem do espaço” é a experiência fundamental do flâneur. Como
de também se manifesta - sob um outro aspecto - nos intérieurs de meados do século XIX,
não se pode descartar a suposição de que o florescimento da flânerie tenha ocorrido na
mesma época. Graças a esse fenômeno, tudo o que aconteceu potencialmente neste espaço
é percebido simultaneamente. O espaço pisca para o flâneur: Então, o que terá acontecido
4 A palavra denken = "pensar", no manuscrito, é provavelmente um erro, em lugar de [s/c/i] decken = "[se]
sobrepor" . Neste caso, haveria uma retomada e um reforço da idéia de Überdeckung = "sobreposição"
da frase inicial. (R.I; E/M)
5 Cf. W. Benjamin, "Haschisch in Marseille", GS IV, 415; "Haxixe em Marselha", OE li, p. 254. (E/M; w.b.)
■ Passagens
em mim? É verdade que resta ainda a explicar como este fenômeno se relaciona com a
colportaeem. 6 ■ História ■
[Mia, 3]
Um verdadeiro baile de máscaras do espaço deve ter sido o que a embaixada inglesa organizou
em 17 de maio de 1839. “Tinham encomendado para a ornamentação da festa, além das
flores de jardins e estufas, magníficas, de mil a mil e duzentas roseiras; diz-se que só
oitocentas puderam ser colocadas nos aposentos, mas isso já vos dá uma idéia daquela
suntuosidade mitológica. O jardim, coberto por um toldo, estava arranjado como uma
grande sala de conversação. E que salão! As delicadas platibandas repletas de flores eram
jardineiras colossais que todos vinham admirar; a areia das alamedas estava oculta sob telas
frescas, um cuidado para com os sapatos brancos de cetim; grandes canapés de seda e de
damasco substituíam os bancos de ferro; sobre uma mesa redonda estavam os livros e
álbuns, e era uma delícia vir respirar nesse imenso boudoir, de onde se ouvia, como um
canto mágico, o som da orquestra, e de onde se viam passar como sombras felizes, nas três
galerias de flores que o circundavam, tanto as moças alegres que iam dançar quanto as
jovens mulheres mais sérias que iam cear...” H. D’Almeras, La Vie Parisienne sous le
Regne de Louis-Philippe, Paris, 1925, pp. 446-447. O relato deve-se a Madame de
Girardin. ■ Intérieur ■ Hoje, o lema não é mistura e sim transparência. (Le Corbusier!)
[M la, 4]
O princípio da ilustração de colportagem estendido à grande pintura. “Os relatos sobre
grandes combates e batalhas - colocados nos catálogos para explicar os momentos escolhidos
pelo pintor, mas que não atingem este objetivo - vêm habitualmente acompanhados
também por citações das obras das quais foram extraídos. Assim, encontra-se com freqüência
a indicação entre parênteses: Cctmpdgnes d’Espagne, do marechal Suchet; Bulletin de la
Grande Armée et Rapports Officiels-, Gazette de Frctnce, número... etc.; Histoire de la Révolution
Française, do Sr. Thiers, volume..., página...; Victoires et Conquêtes , volume..., página ...
etc., etc.” Ferdinand von Gall, Paris und seine Salons, Oldenburg, 1844, pp. 198-199-
[M 2. 1]
A categoria da visão ilustrativa é fundamental para o flâneur. Como Kubin, ao produzir
Andere Seite, o flâneur compõe seus devaneios como legendas para as imagens.
[M 2, 2]
Haxixe. Imitam-se certas coisas que conhecemos através da pintura: uma prisão, a Ponte
dos Suspiros, uma escadaria em forma de cauda de vestido.
[M 2, 3]
Sabe-se que na flânerie o longínquo de países ou épocas irrompe na paisagem e no instante
presente. Quando se inicia a fase propriamente inebriante desse estado, começa a latejar o
sistema arterial do afortunado, seu coração assume a cadência de um relógio e, tanto por
dentro como por fora, tudo se passa como em um daqueles “quadros mecânicos” que foram
tão apreciados no século XIX (aliás, também anteriormente), nos quais se vê em primeiro
plano um pastor tocando flauta, a seu lado, duas crianças que se embalam no ritmo, mais
atrás, dois caçadores ao encalço de um leão e, bem ao fundo, um trem que atravessa uma
ponte ferroviária. (Chapuis e Gélis, Le Monde des Automates, Paris, 1928, vol. I, p. 330.)
[M 2, 4]
6 Esta passagem é uma adaptação do texto de Benjamin sobre sua segunda experiência de haxixe;
cf. GS VI, 560-566, especialmente, p. 564. Ver também G°, 5, I 2, 6, I 2a, 1 e R 2a, 3. (E/M)
M
10 Flâneur] 465
A atitude do flâneur — uma abreviatura da atimde política das classes médias durante o
Segundo Império.
b r [M 2, 5]
Com o aumento constante do tráfego, foi somente graças à “macadamização das ruas que
se podia conversar nos terraços dos cafés sem precisar gritar nos ouvidos das pessoas.
r [M 2, 6]
O laisser-faire do flâneur tem sua contrapartida até nos filosofemas revolucionários da época.
“Sorrimos diante da pretensão quimérica (de Saint-Simon) de atribuir todos os fenômenos
físicos e morais à lei da atração universal. Contudo, esquecemos facilmente que esta pretensão
não era isolada, e que, sob a influência das revolucionárias leis naturais da física mecânica,
pôde nascer uma corrente da filosofia natural que via no mecanismo da natureza a prova de
um mecanismo idêntico na vida social, e até nos acontecimentos em geral.” Willy Spühler,
Der Saint-Simonismus, Zurique, 1926, p. 29.
[M 2, 7]
Dialética da flânerie-. de um lado, o homem que se sente olhado por tudo e por todos,
como um verdadeiro suspeito; de outro, o homem que dificilmente pode ser encontrado,
o escondido. É provavelmente esta dialética que se desenvolve em “O homem da multidão”.
[M 2, 8]
“Teoria da metamorfose da cidade em campo: era ... a tese principal de meu trabalho
inacabado sobre Maupassant... Tratava-se da cidade como território de caça, sobretudo, o
conceito de caçador tinha um papel importante (por exemplo, para a teoria do uniforme:
todos os caçadores se parecem).” Carta de Wiesengrund, de 5 de junho de 1935-
[M 2, 9]
O princípio da flânerie em Proust. “Então, longe de todas essas preocupações literárias e
sem me prender a nada, de repente um teto, o reflexo do sol em uma pedra, o cheiro de um
caminho detinham-me pelo prazer singular que me proporcionavam, e também porque
pareciam esconder, para além do que eu via, algo que me convidavam a buscar e que, apesar
de meus esforços, não consegui descobrir.” Du Côté de Chez Swann, vol. I, Paris, 1939,
p. 256. 7 - Esta passagem permite reconhecer claramente como o antigo sentimento
romântico da paisagem se desfaz e como surge uma nova visão romântica dela, que parece
ser sobretudo uma paisagem urbana, se é verdade que a cidade é o autêntico solo sagrado
da flânerie. É isto que deverá ser exposto aqui pela primeira vez desde Baudelaire (em cuja
obra não aparecem as passagens, embora fossem tantas em seu tempo).
[M 2a, 1]
Assim o flâneur passeia em seu quarto: “Quando Johannes, às vezes, pedia licença para sair,
o mais das vezes isso lhe era negado; vez por outra, entretanto, seu pai lhe propunha, como
compensação, passear pelo assoalho, segurando-o pela mão. À primeira vista, isto poderia
parecer um pobre sucedâneo, no entanto, ali se ocultava algo totalmente diferente. A
sugestão era aceita e Johannes era livre para decidir por onde caminhar. Saíam então pela
entrada rumo a um palacete próximo, ou dirigiam-se à praia, ou apenas perambulavam
pelas mas, exatamente como desejava Johannes; pois o pai era capaz de tudo. Enquanto
7 M. Proust, À la Recherche du Temps Perdu, I, p. 178. (J.L.)
466 ■ Passagens
passeavam pelo assoalho, o pai relatava tudo o que viam; cumprimentavam os transeuntes,
veículos passavam por eles fazendo um ruído tão forte que encobria a voz do pai; as frutas
carameladas da confeiteira eram mais convidativas do que nunca...” Um texto do jovem
Kierkegaard, segundo Eduard Geismar, Sõren Kierkegaard, , Gõttingen, 1929, pp. 12-13.
Eis a chave para o esquema de Voyage Autour de ma Chambre , 8
[M 2a, 2]
“O industrial passa sobre o asfalto apreciando sua qualidade; o velho procura-o com cuidado,
seguindo por ele tanto quanto possível e fazendo alegremente ressoar nele sua bengala,
lembrando-se com orgulho que viu consrruir as primeiras calçadas; o poeta ... anda pelo
asfalto indiferente e pensativo, mastigando versos; o corretor da bolsa o percorre calculando as
oportunidades da última alta da farinha; e o desatento, escorrega.” Aléxis Martin, “Physiologie
de l’asphaite”, Le Bohbne, I, n° 3, 15 abr. 1855 - Charles Pradier, redator-chefe.
[M 2a. 3]
Sobre a técnica dos parisienses de habitar suas ruas: “Na volta pela Rue Saint-Honoré,
encontramos um exemplo eloqüente desta indústria da rua parisiense, que sabe tirar proveito
de tudo. Em certo trecho estavam restaurando o pavimento e colocando tubos; deste
modo, surgira no meio da rua uma área interditada, de terra, porém levantada e coberta de
pedras. No meio deste terreno, estabelecera-se imediatamente a indústria da rua. Cinco ou
seis vendedores ambulantes ofereciam utensílios de papelaria e livros de bolso, artigos de
cutelaria, abajures, ligas de meias, golas bordadas e toda a sorte de miudezas; até mesmo
um autentico belchior tinha instalado ali uma sucursal, espalhado seu bricabraque de
xícaras velhas, pratos, copos e coisas do gênero sobre as pedras, de modo que os negócios se
beneficiaram com a breve interrupção, cm vez de sofrer prejuízo. Eles são de fato mestres
em transformar a necessidade em virtude.” Adolf Stahr, Nach funf fahren, Oldenburtr,
1857, vol. I, p. 29.
[Setenta anos mais tarde, tive a mesma experiência na esquina do Boulevard Saint-Germain
com o Boulevard Raspail. Os parisienses transformam a rua em intérieur .]
[M 3. 1]
“É maravilhoso que na própria Paris se possa andar como se fosse no campo.” Karl Gutzkow,
Briefe aus Paris , Leipzig, 1842, vol. I, p. 61. Com isso toca-se o outro aspecto da questão.
Pois assim como a flânerie pode transformar Paris em um intérieur , em uma moradia cujos
aposentos são os bairros e onde estes não se separam claramente por limiares, como os
aposentos propriamente ditos, assim também a cidade pode, por sua vez, abrir-se diante
do transeunte como uma paisagem sem limiares.
[M 3. 2]
Mas, definitivamente, só a revolução cria o ar livre na cidade. O ar pleno das revoluções.
A revolução desencanta a cidade. A Comuna na Éducation sentimentale. A imagem da rua
na guerra civil.
[M 3, 3]
A rua como intérieur. Vistas da Passage du Pont-Neuf (entre a Rue Guénégaud e a Rue de
Seine), “as boutiques parecem armários”. Nouveaux Tableaux de Paris, ou Observations sur les
Maeurs et Usages des Parisiens au Commencement du XIX' Siècle, Paris, 1828, vol. I, p. 34.
[M 3, 4]
8 Voyage Autour de ma Chambre : título de obra publicada em 1794 por Xavier de Maistre (1763-1852).
(E/M)
M
[O Flâneur] 467
O pátio das Tulherias: “imensa savana plantada com bicos-de-gás em vez de bananeiras .
Paul-Ernest de Rattier, Paris N’existe Pas, Paris, 1857. ■ Gás ■
[M 3, 3 ]
Passage Colbert: “O candelabro que a ilumina parece um coqueiro no meio de uma savana...”
■ Gás ■ Le Livre des Cent-et-un, vol. X, Paris, 1833, p. 57 (Amédée Kermel, Les Passages
Iluminação na Passage Colbert: “Admiro a série regular desses globos de cristal de onde
emana uma claridade ao mesmo tempo viva e suave. Náo se diría que são cometas em
ordem de batalha, esperando o sinal de partida para ir vagar no espaço? Le Livre des Cent-
et'un, vol. X, p. 57. Comparar esta metamorfose da cidade em universo astral com Un
Autre Monde , de Grandville. ■ Gás ■
Em 1839, era elegante levar consigo uma tartaruga quando se passeava. Isto dá uma idéia
do ritmo do flanar nas passagens.
Gustave Claudin teria dito: “No dia em que um filé deixou de ser um filé para tornar-se
um chateaubnand, dizia ele; em que um carneiro guisado foi chamado de navarin’, e em
que o garçom gritou: ‘ Moniteur , relógio!’, para indicar que esse jornal foi pedido pelo
cliente sentado sob o relógio, nesse dia Paris perdeu definitivamente sua coroa! Jules Claretie,
La Vie à Paris 1896, Paris, 1897, p. 100.
“Localiza-se aí - na Avenue des Champs Elysées - desde 1845: o Jardin d Hiver, uma
gigantesca estufa com amplo espaço para reuniões sociais, bailes e concertos, que não faz
jjuts ao nome de jardim de inverno por abrir suas portas também no verão.” Ao criar tal
entrecruzamento de sala e ar livre, o planejamento do espaço vem ao encontro da profunda
inclinação do ser humano ao devaneio, que, inclusive, constitui provavelmente a força
autêntica da indolência em relação ao homem. Woldemar Seyfarth, Wahrnehmungen in
Pkris 1853 und 1854, Gotha, 1855, p. 130.
D 1 cardápio do restaurante “Les Trois Frères Provençaux”: 36 páginas para a cozinha, 4
as para a adega - mas páginas muito extensas, in-fólio pequeno, com um texto
rimido e muitas observações em letras miúdas.” O livro está encadernado em veludo.
m entradas e 33 tipos de sopa. “46 pratos de carne bovina, entre os quais 7 de bifes
s e 8 tipos de filé.” “34 pratos de carne de caça, 47 pratos de legumes e 71 taças de
tas de frutas.” Julius Rodenberg, Paris bei Sonnenschein und Lampenücht, Leipzig,
7, pp. 43-44. Flânerie gastronômica. ^
melhor arte de capturar, sonhando, a tarde nas malhas da noite, é fazer planos. O flâneur
fea- planos. 3a 2]
■ Passagens
“As casas de Le Corbusier não são definidas nem pela espadalidade, nem pela plasticidade:
o ar as atravessa! O ar torna-se fator constituinte! Para tanto, não contam nem o espaço,
nem a forma plástica, apenas a relação e o entrecruzamento! Existe apenas um espaço une s
e indivisível. Caem os invólucros entre o interior e o exterior.” Sigfried Giedion, Bauen im
Frankreich, Berlim, 1928, p. 85-
[M 3«. .3*
As ruas são a morada do coletivo. O coletivo é um ser eternamente inquieto, eternamenne
agirado que vivência, experimenta, conhece e inventa tantas coisas entre as fachadas cks
prédios quanto os indivíduos no abrigo de suas quatro paredes. Para este coletivo, as
brilhantes e esmaltadas tabuletas das firmas comerciais são uma decoração de parede tão
boa, senão melhor, quanto um quadro a óleo no salão do burguês; muros com o avis®
“Proibido colar cartazes” são sua escrivaninha; bancas de jornal, suas bibliotecas; caixas de
correio, seus bronzes; bancos de jardim, a mobília de seu quarto dc dormir; e o terraço do ;
café é a sacada de onde ele observa seu lar. Ali, na grade, onde os operários do astalio
penduram o paletó, é o vestíbulo; e o corredor que conduz dos pátios para o portão e paoi
o ar livre, esse longo corredor que assusta o burguês é, para eles, o acesso aos aposentos da
cidade. A passagem era o aposento que servia dc salão. Na passagem, mais do que em
qualquer outro lugar, a rua se apresenta como o intérieur mobiliado e habitado pelas massas,
[M 3a. <41
O inebriante entrecruzamento da rua e da moradia que se realiza na Paris do século XIX —
e, sobretudo, na experiência do flâneur — tem valor profético. Pois este entrecruzamento tsx
com que a nova arquitetura se torne uma sóbria realidade. Nesse sentido, Giedion observa
oportunamente: “Um detalhe de projeto anônimo de engenharia - uma passagem de nível
— torna-se elemento da arquitetura” (em uma mansão). S. Giedion, Bauen in Frankreicp ,
Berlim, 1928, p. 89.
r [M 3a. 3|
“Hugo, em Les Misérables, deu uma descrição surpreendente do subúrbio Saint-Marceair
‘Não era a solidão, havia transeuntes; não era o campo, havia casas; não era uma cidade, as
ruas tinham sulcos como as grandes estradas e nelas crescia o mato; não era um vilarejo, as
casas eram altas demais. O que era, então? Um lugar habitado onde não havia ninguém.
um lugar deserto onde havia alguém, mais selvagem à noite que uma floresta, mais sombrio
de dia que um cemitério.”’ Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris , Paris, 1926, p. 366.
^ [M 3a. <|
“O último ônibus puxado por cavalos funcionou na linha La Villette-Saint-Sulpice em
janeiro de 1913; o último bonde puxado por cavalos, na linha Pantin-Opéra, em abril do
mesmo ano.” Dubech c D’Espezel, op. cit., p. 463.
[M 3a- ■ .
“Em 30 de janeiro de 1828, funcionou o primeiro ônibus na linha dos boulevards , da
Bastilha à Madeleine. O percurso custava vinte e cinco ou trinta centavos, o veículo parava
onde se quisesse. Ele comportava de dezoito a vinte lugares, e seu trajeto dividia-se em
duas etapas, sendo a Porte Saint-Martin o ponto divisório. A voga dessa invenção foi
extraordinária: em 1829, a Compagnie explorava quinze linhas e companhias rivais lhe
faziam concorrência: Tricycles, Écossaises, Béarnaises, Dames Blanches.” Dubecn-
D’Espezel, op. cit., pp. 358-359.
[M 3a. tt
M
;0 Flãneur] 469
“Depois de uma hora da manha, as pessoas se despediram; pela primeira vez encontrei as mas
de Paris quase desertas. Nos boulevards cruzei apenas com alguns transeuntes isolados; na Rue
Vívienne, na Praça da Bolsa, onde durante o dia é preciso abrir caminho na multidão, não
havia vivalma. Nada ouvia além de meus próprios passos e do murmurar de alguns chafarizes
ao lugar em que, durante o dia, não há como escapar do barulho ensurdecedor. Nas cercanias
do Palais-Royal encontrei uma patrulha. Os soldados caminhavam em ambos os lados da rua,
junto às casas, um atrás do outro, a uma distância de cinco a seis passos, para não serem
atacados ao mesmo tempo e para poderem se socorrer uns aos outros. Isto me fez lembrar
que, logo que cheguei aqui, fui aconselhado a andar desta maneira na noite de Paris se estivesse
an companhia de outras pessoas, mas de tomar impreterivelmente um fiacre se tivesse que
voltar para casa sozinho.” Eduard Devrient, Briefe aus Paris , Berlim, 1840, p. 248.
LM 4. 1]
Sobre os ônibus. “O cocheiro pára, sobem-se os poucos degraus da pequena e cômoda
escada e se procura um lugar no veículo, no qual há bancos para 14 ou 16 pessoas à direita
c à esquerda, no sentido do comprimento. Mal se coloca os pés no veículo e este já prossegue
a viagem, o condutor já puxou novamente o cordão e, com um golpe sonoro, ele avança o
ponteiro em um mostrador transparente, indicando que mais um passageiro subiu; é o
controle dc arrecadação. Com o veículo em movimento, pega-se calmamcntc a carteira e
paga-se o bilhete. Quando se está sentado longe do condutor, o dinheiro passa dc mão cm
mão entre os passageiros; a dama bem vestida toma-o do operário de macacão azul e passa-
o adiante; tudo isso ocorre facilmente, como por hábito e sem problema. Para descer, o
condutor puxa novamente o cordão e faz o veículo parar. Se for uma subida, o que não é raro
em Paris, e o veículo anda mais vagarosamente, os cavaleiros costumam subir e descer mesmo
com ele em movimento.” Eduard Devrient, Briefe aus Paris, Berlim, 1840, pp. 61-62.
[M 4, 2]
"Depois da exposição de 1 867 começaram a aparecer os velocípedes que, alguns anos mais
tarde, deveriam alcançar um sucesso tão grande quanto pouco durável. Para começar, digamos
que, durante o Diretório, viam-se alguns incroyables 9 usando velocíferos, que eram
velocípedes pesados e mal construídos; em 19 de maio de 1804 apresentou-se no Vaudeville
uma peça intitulada Les Vélocifires, em que se cantava esta estrofe:
Vocês, partidários do trote leve.
Cocheiros que não se apressam tanto,
Querem vocês chegar mais cedo
Que o mais rápido velocífero?
Saibam substituir hoje
A rapidez pela habilidade.
Desde o começo de 1868 os velocípedes circulavam, e logo os passeios públicos se tornaram
suas pistas; o velocemen substituiu o canoeiro. Havia ginásios, círculos de velocipedistas, e
abriram-se concursos para estimular a habilidade dos amadores... Hoje, o velocípede
acabou, foi esquecido.” H. Gourdon de Genouillac, Paris à Travers les Siecles , vol. V, Paris,
1882, p. 288.
[M 4, 3]
9 O Diretório representava o poder executivo na França, de 1 795 a 1 799. Com o nome de incroyables (os
incríveis), designava-se nessa época um grupo de jovens que afetavam uma elegância estudada em sua
maneira de falar e de se vestir. (E/M)
470 m Passagens
A singular indecisão do flâneur. Assim como a espera parece ser o estado próprio do
contemplador impassível, a dúvida parece ser o do flâneur. Em uma elegia de Schiller, lê-
se: “A asa indecisa da borboleta.” 10 Isto remete à correlação entre a eufórica leveza e o
sentimento de dúvida, tão característica da embriaguez no haxixe.
[M 4a, 1]
E. T. A. Hoffmann como tipo do flâneur. Seu conto “Des Vetters Eckfenster” (“A janela de
esquina do primo”) é o testamento do flâneur. Daí o grande êxito de Hoffmann na França,
onde este tipo gozava de especial compreensão. Nas observações biográficas da edição em
cinco volumes de seus últimos escritos (Brodhag?)' 1 lê-se: “Hoffmann nunca foi um grande
aficcionado da natureza. Os seres humanos - a comunicacação com eles, sua observação, o
simples fato de olhá-los - importavam-lhe mais que qualquer outra coisa. Quando saía a
passeio no verão, o que, com bom tempo, ocorria diariamente no entardecer ... não era fácil
encontrar uma taverna ou confeitaria, onde ele não tivesse entrado para ver se lá havia
pessoas, e de que espécie.”
r ^ r [M 4a, 2]
Ménilmontant. “Neste imenso bairro, cujos magros salários condenam crianças e mulheres
a eternas privações, a Rue de la Chinc e as que se encontram com ela e a cruzam, como a
Rue des Partants c esta surpreendente Rue Orfila, tão fantástica com seus circuitos e suas
voltas bruscas, com seus tapumes de madeira mal cortada, seus caramanchões desabitados,
seus jardins desertos regressando ao estado de pura natureza, com ervas daninhas e arbustos
selvagens, respiram o sossego e uma rara calma... E, sob um grande céu, uma trilha no
campo, onde a maioria das pessoas que passam parece ter comido e bebido.” J. K. Huysmans,
Croquis Parisicm , Paris, 1886, p. 95 (“La rue dc la ( ihine”).
1 [M 4a. 3]
Dickens. “Em suas cartas ... queixa-se sempre, quando em viagem, mesmo nas montanhas
da Suíça ... sobre a falta do burburinho das ruas que era indispensável para sua produção
poética. ‘Não saberia dizer como as ruas me fazem falta’, escreveu ele em 1846 de Lausanne,
onde elaborou um de seus maiores romances ( Dombey and Son). ‘Parece que elas fornecem
a meu cérebro algo que lhe c imprescindível quando precisa trabalhar. Durante uma semana,
quinze dias, consigo escrever maravilhosamente em um lugar afastado; um dia em Londres
é então suficiente para me refazer e me inspirar de novo. Mas o esforço e o trabalho de
escrever dia após dia sem essa lanterna mágica são enormes... Meus personagens parecem
paralisados quando não têm uma multidão ao redor... Em Gênova ... eu tinha ao menos
duas milhas de ruas iluminadas por onde eu podia vagar durante a madrugada, e um
grande teatro todas as noites.’” Franz Mehring, “Charles Dickens”, Die Neue Zeit, Stuttgart,
1912, XXX, n° 1, pp. 621-622.
rr [M 4a, 4]
Descrição da miséria, provavelmente sob as pontes do Sena: “Uma boêmia dorme, a cabeça
inclinada para frente, a bolsa vazia entre as pernas. Sua blusa é coberta de alfinetes que o sol
faz brilhar. E todos os seus acessórios domésticos e de toalete - duas escovas, a faca aberta
10 "Des Schmetterlings zweifelnder Flügel." Cf. Friedrích Schiller, Sãmtliche Werke, vol. I, Munique, 1965,
p. 229: "...mit zweifelndem Flügel / Wiegt der Schmetterling sich über dem rõtlichen Klee." (R.T.)
1 1 Os volumes XI-XV dos Ausgewàhlte Schriften de E. T. A. Hoffmann foram publicados em 1 839 pela
Editora Fr. Brodhag, Stuttgart. A citação que segue, de autoria de Julius Eduard Hitzig, encontra-se no
vol. XV, pp. 32-34. (R.T.)
M
[O Flâneur] 471
e a marmita fechada - estão tão bem arrumados que essa aparência de ordem cria quase
uma intimidade, a impressão de um intérieur em torno dela.” Marcei Jouhandeau. Images
de Paris, Paris, 1934, p. 62.
[M 5, i;
“‘Mon beau navire’ fez sucesso... Foi o ponto de partida de toda uma série de canções de
marinheiros que pareciam ter transformado todos os parisienses em homens do mar, e os
faziam sonhar com a canoagem... Na rica Veneza, onde brilha o luxo, / Onde reluzem, nas
águas, os pórticos dourados, / Onde estão os grandes palácios cujo mármore revela / Obras-
primas da arte, tesouros adorados! / Não tenho senão minha gôndola, / Viva como um
pássaro, / que balança e voa / Mal tocando a água.” H. Gourdon de Genouillac, Les Refrains
de la Rue de 1830 à 1870, Paris, 1879, pp. 21-22.
[M 5, 2]
O que é, então, este maldito guisado que cheira tão mal e que cozinha neste grande
caldeirão? ... diz um tipo provinciano a uma velha porteira. — Isso, caro senhor, são lajes
que eles cozinham para pavimentar nosso pobre boulevard, que passaria muito bem sem
elas! ... Pergunte- me, antes, se o passeio não era mais agradável quando se caminhava sobre
a terra, como num jardim.” La Grande Ville: Nouveau Tableau de Paris, Paris, 1844, vol. I,
p. 334 (“Le bitume” — “O betume”).
[M 5, 3]
Sobre os primeiros ônibus: “Acaba de se criar uma concorrência, as 'Dames Blanches’...
Esses veículos são inteiramente pintados de branco, e os cocheiros, vestidos de ... branco,
tocam com o pé num fole a ária de La Dame Blanche: A dama de branco olha para você...’”
Nadar, Quand J’étais Photographe: 1830 et Environs, Paris, 1900, pp. 301-302.
[M 5, 4]
Mussct denominou certa vez o trecho dos boulevards que se localiza atrás do Théâtre des
Variétés e que não era freqüentado pelos flâneurs de “grandes índias”.
[M 5, 5]
O flâneur é o observador do mercado. Seu saber está próximo da ciência oculta da conjuntura.
Ele é o espião que o capitalismo envia ao reino do consumidor.
[M 5, 6]
O flâneur e a massa: o
respeito.
“Rêve parisien” de Baudelaire poderia ser muito instrutivo a esse
[M 5. 7]
A ociosidade do flâneur é um protesto contra a divisão do trabalho.
[M 5. 8|
O asfalto foi primeiramente utilizado nas calçadas.
[M 5. 9]
“Uma cidade como Londres, onde se pode caminhar durante horas sem chegar sequer ao
início do fim, sem encontrar o mínimo sinal que indique a proximidade do campo, é algo
realmente singular. Esta centralização enorme, esta aglomeração de dois milhões e meio de
472 ■ Passagens
seres humanos, em um único lugar, centuplicou a força destes dois milhões e meio; elevou
Londres à condição de capital comercial do mundo, criou as gigantescas docas e reuniu os
milhares de navios que navegam continuamente no Tâmisa... Só mais tarde, descobrir-se-á o
número de sacrifícios que isto custou. Depois de percorrer durante alguns dias as calçadas das
ruas principais..., percebe-se que estes londrinos tiveram que sacrificar a melhor parte de
suas qualidades humanas para realizar todos estes milagres da civilização... O próprio tumulto
das ruas possui algo de repugnante, algo que revolta a natureza humana. Estas centenas de
milhares de pessoas de todas as classes e camadas sociais, que se comprimem ao passar
umas pelas outras, não são todas elas seres humanos com as mesmas qualidades e capacidades
e o mesmo interesse de serem felizes? E não devem elas finalmente buscar sua felicidade da
mesma forma e com os mesmos meios? No entanto, estas pessoas passam apressadas umas
pelas outras, como se nada tivessem em comum, como se nada as unisse, mantendo apenas
um único acordo tácito, o de que cada uma se mantenha no lado direito da calçada para
que as duas correntes da multidão, ao passar por ali, não se detenham mutuamente; a
ninguém ocorre conceder ao outro o mais simples olhar. A indiferença brutal, o isolamento
insensível de cada indivíduo em seus interesses particulares, vem à tona de maneira tanto
mais repugnante e ofensiva quanto mais estes indivíduos são confinados naquele espaço
reduzido. Embora saibamos que este isolamento do indivíduo, este egoísmo tacanho é por
toda parte o princípio básico da nossa sociedade atual, ele não se manifesta em nenhum
lugar de maneira tao descarada e evidente, tão presunçosa, como justamente aqui no tumulto
da cidade grande.” Friedrich Engels, Die Lage der arbeitenden Klasse in England, 2 a ed.,
Leipzig, 1848, pp. 36-37 (“Die grofien Stádte” - “As grandes cidades”).
[M 5a, li
“Entendo por boêmios esta classe de indivíduos cuja existência é um problema, cuja
condição é um mito, cuja fortuna é um enigma; que não têm endereço certo, nenhum
abrigo reconhecido, que não se encontram em parte alguma e que encontramos por toda
parte! Aqueles que não têm nenhuma situação e exercem cinquenta profissões; cuja maioria
se levanta de manhã sem saber onde jantará à noite; ricos hoje, famintos amanhã; prontos
para viver honestamente se puderem, e de outro modo se não puderem.” Adolphe d’Ennerv
et Grangé, Les Bohémiens de Paris (LAmbigu-Comique, 27 de setembro de 1843), Paris
(série Magasin Théatral), pp. 8-9.
[M 5 a. 21
<fase média>
“Então, atravessando o pórtico de Saint-Martin,
Passou como um raio o Ônibus romântico.”
[Léon Gozlan], Le Triomphe des Omnibus: Poème Héroi-comique , Paris, 1828, p. 15.
[M d. u
“Quando estava para ser construída a primeira linha alemã de trens na Baviera, a faculdade
de medicina de Erlangen emitiu o seu parecer...: o movimento rápido provocaria
M
[O Flâneur] 473
doenças cerebrais; mesmo a mera observação de um trem passando em velocidade poderia
provocá-las; seria portanto necessário construir em ambos os lados da ferrovia um tapume
de cinco pés de altura.” Egon Friedell, Kulturgeschichte der Neuzeit , vol. III, Munique,
1931, p. 91.
[M 6, 2]
“Já por volta de 1 845 . . . havia por toda a Europa estradas de ferro e navios a vapor; celebravam-
se os novos meios de transporte... Imagens, cartas e narrativas de viagem eram os gêneros
preferidos dos autores e leitores.” Egon Friedell, Kulturgeschichte der Neuzeit, vol. III, Munique,
1931, p. 92.
[M 6, 3]
A seguinte observação é típica para os questionamentos da época: “Quando viajamos por
um rio ou lago, O corpo fica sem movimento ativo ... a pele não experimenta nenhuma
contração, os poros permanecem abertos e suscetíveis à absorção de rodas as emanações e
vapores em meio aos quais nos encontramos. O sangue ... fica ... concentrado nas cavidades
do peito e do ventre, e chega com dificuldade às extremidades.” J.-F. Dancei, De llnfiuence
des Voyages sur LHomme et sur ses Maladies: Ouvrage Spécialement Destine awc Gens du Monde ,
Paris, 1846, p. 92 (“Des promenades en bateau sur les lacs et les rivièrcs” - “Passeios de
barco nos lagos e rios”).
[M 6, 4]
Distinção notável entre o flâneur e o badaud [basbaque]: “Não se deve confundir, entretanto,
o flâneur com o badaud. há uma nuança... O simples flâneur ... está sempre em plena posse
de sua individualidade; a do badaud, ao contrário, desaparece, absorvida pelo mundo exterior ...
que o impressiona até a embriaguez e o êxtase. O badaud, sob a influência do espetáculo,
toma-se um ser impessoal; não é mais um ser humano, é o público, é a multidão. De
natureza diferente, alma ardente e ingênua, inclinada ao devaneio ... o verdadeiro badaud
é digno da admiração de todos os corações retos e sinceros.” Victor Fournel, Ce Quon Voit
Jans Les Rues de Paris, Paris, 1858, p. 263 (‘Todyssée d’un flâneur dans les rues de Paris”).
IM 6. 51
A fantasmagoria do flâneur: a partir dos rostos, fazer a leitura da profissão, da origem e do
caráter.
[M 6, 6]
Ht.Tr: 1857, ainda havia uma linha regular de diligências entre Paris e Veneza. <cf. M 7, 9>
[M 6, 7]
Seòre o fenômeno da colportagem do espaço: “O senso do mistério - escreveu Odilon
lisdon, que havia aprendido seu segredo em Da Vinci — é estar o tempo todo no equívoco,
fanes aspectos duplos, triplos, nas suspeitas de aspecto (imagens dentro de imagens), nas
lítaEnaí que podem vir a ser, ou que virão a ser, segundo o estado de espírito do observador.
illiiiiiiíSsE coisas mais que sugestivas, pelo fato de aparecerem.” Cit. cm Raymond Escholier,
HtaoÉÉr’1 nr Arts et Métiers Gmphiques, n° 47, 01 jun. 1935, p. 7.
[M 6a, 1]
474 ■ Passagens
O flâneur noturno. “Amanhã, talvez, ... o sonambulismo terá desaparecido. Mas pelo
menos terá vivido bem, durante os trinta ou quarenta anos que têrá durado... O homem
pode descansar de tempos em tempos, as paradas e as estações lhe são permitidas; mas ele
não tem o direito de dormir.” Alfred Delvau, Les Heures Parisiennes, Paris, 1 866, pp. 200 e
206 (“Deux heures du matin”). Que a vida noturna tinha uma extensão considerável, é
demonstrado pelo fato de que, segundo Delvau (p. 163), as lojas fechavam às 22 horas.
[M 6a, 2]
No vaudeville de Barre, Radet e Desfontaines — M. Durelief, ou Petite revue des embellissements
de Paris (Théâtre du Vaudeville, 9 de junho de 1810), Paris, 1810 a cidade de Paris, em
forma de maquete, construída pelo Sr. Durelief, foi integrada ao cenário. O coro observa:
“como é agradável ter Paris inteira em seu salão, em seu poder”, (p. 20) A peça gira em
torno de uma aposta entre o arquiteto Durelief e o pintor Ferdinand: se o primeiro tivesse
esquecido em sua maquete de Paris qualquer um dos embelezamentos, ele cederia
imediatamente a Ferdinand a mão de sua filha Victorine; caso contrário, só após dois anos.
Descobre-se que o escultor esquecera-se de S. M. a Imperatriz Marie Louise, “o mais belo
ornamento” de Paris.
[M 6a, 3]
A cidade é a realização do antigo sonho humano do labirinto. O flâneur, sem o saber,
persegue esta realidade. Sem o saber — por outro lado, nada é mais insensato do que a tese
convencional que racionaliza seu comportamento e é a base inconteste da ilimitada literatura
que descreve o flâneur em seu comportamento e aparência. Trata-se da tese de que o flâneur
teria escolhido como objeto de seu estudo a aparência fisionômica das pessoas, a fim de
fazer a partir do andar, da estrutura física e das expressões faciais a leitura da nacionalidade
e do status social, do caráter e do destino. O interesse em dissimular as reais motivações do
flâneur deveria ser bastante premente para dar crédito a teses tão inconsistentes.
IM 6a, 4|
O flâneur assume a roupagem do viajante em “Le voyageur”, de Maxime Du Camp:
“ - Tenho medo de parar, é o meu instinto devida;
O amor me causa medo demais; não quero amar.
—Ande, então! Vá, pobre miserável,
Retome tua triste estrada e persiga o teu destino.”
Maxime Du Camp, Les Chants Modemes, Paris, 1855, p. 104.
LM 7, 1]
Litografia. “Os cocheiros dos Fiacres brigando com os dos Ônibus”. Cabinet des Estampes.
[M 7, 2]
Em 1853 já existiam estatísticas oficiais sobre o tráfego de veículos em certos pontos
principais de Paris. “Em 1853, trinta e uma linhas de ônibus serviam Paris, e é interessante
observar que, com pouca diferença, essas linhas eram designadas com as mesjnas letras que
M
[O Flâneur] 475
■bssos ônibus atuais. Assim, a ‘Madeleine-Bastille’ já era a linha E.” Paul dAriste, La Vie
s Monde du Boulevard, 1830-1870, Paris, 1930, p. 196.
;.m - 3i
Ofac pontos de baldeação dos ônibus, os passageiros eram chamados por um número de
■Man e tinham que se apresentar para garantir seu direito a um lugar. (1855)
M
ft.Ikira do absinto ... data do florescimento ... da pequena imprensa. Outrora, quando não
pfe senão os grandes e sérios jornais ... não existia a hora do absinto. A hora do absinto é
iado lógico das colunas de fofoca e da crônica.” Gabriel Guillemot, Le Bohème, Paris,
JÊSB. p. 72 (“Physionomies parisiennes ”).
r.M ■
Item® Lurine, Le Treizibne Arrondissement de Paris, Paris, 1850, é um dos testemunhos mais
irh os da fisionomia própria do bairro. O livro possui características de estilo peculiares,
hca o bairro; não são raras as fórmulas do tipo: “O décimo terceiro arrondissement
link ie cedica ao amor de um homem, a não ser quando que lhe proporciona vícios para
(p. 2 16). 12
[M 7, 6]
tt «nspressão de Diderot “Como é bela a rua!” é muito cara aos cronistas da flãnerie.
[M 7, 7)
Sobre a lenda do flâneur: “Com a ajuda de uma palavra que escuto ao passar, reconstituo
soda uma conversa, toda uma vida; o tom de uma voz é suficiente para unir o nome de um
pecado capital ao homem com quem acabo de cruzar, de quem só vislumbrei o perfil."
'Vkror Fournel, Ce Quon Voh dans les Rues de Paris, Paris, 1858, p. 270.
[M 7. 8]
Ainda no ano de 1857, partia às seis horas da manhã da Rue Pavée-Saint-André uma
diligência para Veneza, numa viagem que durava seis semanas. Cf. Fournel, Ce Quon Voit
dans les Rues de Paris , p. 273.
[M 7, 9]
Nos ônibus, um mostrador que indicava o número de passageiros. Para quê? Como aviso ao
cobrador que distribuía os bilhetes.
[M 7, 10]
“Observa-se ... que o ônibus parece apagar e petrificar todos os que dele se aproximam.
As pessoas que ganham a vida com os viajantes ... são reconhecidas, em geral, por sua
agitação grosseira..., da qual os empregados dos ônibus são praticamente os únicos que não
apresentam traços. Pode-se dizer que dessa pesada máquina emana uma influência plácida
« soporífica, semelhante àquela que faz adormecer as marmotas e as tartarugas no começo
do inverno.” Vicior Fournel, Ce Quon Voit dans les Rues de Paris, Paris, 1858, p. 283
íPCochers de fiacres, cochers de remise et cochers d’omnibus”).
[M 7a, 1]
12
Na época em que Paris contava apenas com as doze circunscrições da região central, ou seja, antes da
reforma administrativa de 1859, o "dédmo-terceiro arrondissement" designava o lugar dos amores
ilícitos. (J.LJ
4J6 u Passagens
“No momento da publicação dos Mystères de Paris, ninguém, em certos bairros da capitai
duvidava da existência deTortillard, de Chouette, do príncipe Rodolphe.” Charles Louandre,
Les Idées Subversives de Notre Temps, Paris, 1872, p. 44.
[M 7a, 21
A primeira sugestão de um sistema de ônibus deve-se a Pascal, e ela foi concretizada sob
Luís XIV, embora com a restrição significativa de “que os soldados, pajens, lacaios e
outras pessoas de libré, inclusive os serventes e trabalhadores braçais não poderíam subir
nas ditas carruagens”. Em 1828, a introdução dos ônibus, sobre os quais lê-se em um
cartaz: “Esses veículos ... avisam quando vão passar, acionando um jogo de cornetas
recentemente inventado.” Eugène DAuriac, Histoire Anecdotique de 1’Industrie Française ,
Paris, 1861, pp. 250 e 281.
[M 7a, 3]
Entre os espectros da cidade encontra-se “Lambert” — uma personagem inventada, talvez
um flâneur. Em todo caso, o boulevard foi-lhe atribuído como palco de suas aparições.
Havia uma estrofe famosa com o refrão: “Eh, Lambert!”. Delvau dedica-lhe um capítulo
(p. 228) em seu Les Lions du Jour, Paris, 1 867.
[M 7a, 4]
A figura de um camponês no cenário urbano é descrita por Delvau em Les Lions du Jour, no
capítulo “Le pauvre à cheval”. “Este cavaleiro era um pobre diabo, cujos meios impediam-
no de andar a pé, e que pedia esmola como um outro teria pedido uma informação sobre
o caminho. Esse mendigo..., com seu pequeno poldro de crinas selvagens, de pêlo áspero
como o de um asno do campo, me ficou durante muito tempo no espírito e diante dos
olhos... Ele morreu - rentista.” Alfred Delvau, Les Lions du Jour, Paris, 1867, pp. 1 16-1 17
(“Le pauvre à cheval”).
[M 7a, 5]
Para enfatizar o novo sentimento da natureza, que para o parisiense está acima de qualquer
tentação gastronômica, escreve Rattier: “Um faisão faria cintilar, diante do seu abrigo de
folhagem, as plumas de ouro e rubis de seu penacho e de sua cauda..., ele o saudaria como
a um nababo da floresta.” Paul-Ernest de Rattier, Paris N’existe Pas, Paris, 1857, pp. 71-72.
■Grandville ■
[M 7a, 6]
“Decididamente, não é a falsa Paris que produzirá o badaud... De flâneur que era, nas
calçadas e diante das vitrines, homem nulo, insignificante, insaciável de saltimbancos e de
emoções baratas; alheio a tudo o que não é pedra, fiacre, lanterna a gás ... transformou-se
em lavrador, viticultor, industrial da lã, do açúcar e do ferro. Ele já não se abala com os
hábitos da natureza. A germinação das plantas já não lhe parece sem vínculo com os
processos de fabricação utilizados no bairro Saint-Denis.” Paul-Ernest de Rattier, Paris
Nexiste Pas, Paris, 1857, pp. 74-75.
[M 8, 1]
Em seu panfleto Le Siècle Maudit, Paris, 1843, que denuncia a corrupção da sociedade
contemporânea, Alexis Dumesnil utiliza-se de uma ficção tomada de empréstimo a Juvenal: *
M
[0 Flâneur] 477
subitamente a multidão no boulevard ficaria paralisada, e se faria um registro dos pensamentos
e objetivos de cada indivíduo neste instante (pp. 103-104).
’ !M 8. 2]
“A oposição entre a cidade e o campo ... é a expressão mais flagrante da subsunção do
indivíduo à divisão do trabalho e à uma determinada atividade que lhe é imposta — uma
subsunção que transforma um em obtuso animal urbano, e o outro em obtuso animal
campestre.” (Karl Marx e Friedrich Engels, Die deutsche Ideologie, Marx-Engels Archiv , ed.
org. por D. Rjazanov, vol. I, Frankfurt a. M., 1928, pp. 271-272)
No Arco do Triunfo: “Incessantemente circulam nessas ruas, para cima e para baixo, cabriolés,
ônibus, hirondelles , velocíferos, citadinas, Dames blanches, seja qual for o nome desses diversos
veículos públicos; e além deles os inumeráveis whiskys, carruagens, carroças, cavaleiros e
amazonas.” L. Rellstab, Paris im Frühjahr 1843, Leipzig, 1844, vol. I, p. 212. O autor
menciona também um ônibus que trazia sua destinação escrita numa bandeira.
[M 8, 4]
Por volta de 1857 (cf. H. de Pène, Paris Intime, Paris, 1859, p. 224), a parte superior dos
ônibus - a impériale - era proibida às mulheres.
[M 8, 5]
“O genial Vautrin, escondido sob a capa do abade Carlos Herrera, havia previsto o entusiasmo
dos parisienses com os transportes coletivos, quando investiu todos os seus recursos nessas
empresas, a fim de constituir um dote para Lucien de Rubempré.” Une Promenade à
Travers Paris au Temps des Romantiques: Exposition de la, Bibliothèque et des Travaux Historiques
de la Ville de Paris, [1908; autores: Poete, Beaurepaire, Clouzot, Henriot] p. 28.
[M 8, 6]
“Aquele que vê sem ouvir fica muito mais ... inquieto que aquele que ouve sem ver. Este
«lese ser um fator significativo para a sociologia da cidade grande. As relações entre os
homens nas grandes cidades ... caracterizam-se por um acentuado predomínio da atividade
«k visão sobre a da audição. E isso ... antes de tudo, devido aos meios de comunicação
públicos. Antes do desenvolvimento que tiveram, no século XIX, os ônibus, as ferrovias e
os bondes, as pessoas não tinham a ocasião de poder ou de dever se olhar mutuamente
durante minutos ou horas seguidas sem se falar. ’ G. Simmel, Melanges de Philosophie
Meiativiste: Contribution à la Culture Philosophique, Paris, 1912, pp. 26-27 ( Essai sur la
«ndologie des sens”). Esse fato, que Simmel relaciona com o estado de preocupação e
lUbilidade, faz parte, de certa maneira, da fisiognomonia vulgar. A diferença entre esta
feognomonia e a do século XVIII deve ser estudada.
- [M 8a, 1]
Tfians . . . veste um fantasma com velhos números do Constitutíonnel e produz Chodruc
Otados.” Victor Hugo, CEuvres Completes, Romances, vol. VII, Paris, 1881, p. 32 {Les
ãâssérjbles, III).
[M 8a, 2]
iwiijie Victor Hugo: “A manhã, para ele, constituía o trabalho imóvel; a tarde, o trabalho
Man te Adorava as impériales dos ônibus, esses ‘balcões ambulantes, como ele as chamava,
4 , S ■ Passagens
de onde podia estudar à vontade os aspectos diversos da gigantesca cidade. Dizia que o
barulho ensurdecedor de Paris lhe produzia o mesmo efeito que o mar.” Édouard Drumont,
Figures de Bronze ou Statues de Neige, Paris, 1900, p. 25 (“Victor Hugo”).
[M 8a, 31
Existência autônoma dos quartiers'. ainda em meados do século, dizia-se da íle Saint-Louis,
que uma moça de lá, caso não gozasse de boa reputação, teria que procurar o futuro marido
fora do quartier.
[M 8a. 4]
“Ó, noite! ó, refrescantes trevas! ... nos labirintos pedregosos de uma capital, cintilação das
estrelas, explosão dos lampiões, sois os fogos de artifício da deusa Liberdade!” Charles
Baudelaire, Le Spleen de Paris, Paris, Hilsum, p. 203 (“Le crépuscule du soir”).
[M 8a, 51
Nomes de ônibus por volta de 1840, em Gaetan Niépovié, Études Physiologiques sur les
Grandes Métropoles de VEurope Occidentale, Paris, 1840, p. 113: Parisiennes , Hirondelles ,
Citadines, Vigilantes, Aglaés, Deltas .
[M 8a, 6]
Paris como paisagem aos pés dos pintores: “Levante a cabeça ao atravessar a Rue Notre-
Dame-de-Lorette e dirija seu olhar a um dos terraços que coroam as casas, à moda italiana.
Então, é impossível que você não perceba desenhar-se, sete andares acima do nível da
calçada, alguma coisa semelhante a esses bonecos colocados nos campos para servir de
espantalho... - É, para começar, um robe em que se fundem, sem harmonia, todas as cores
do arco-íris, uma calça de corte esquisito e chinelos impossíveis de descrever. Sob esse
aparato burlesco esconde-se um jovem pintor.” Paris Chez Soi, Paris, 1854, pp. 191-192
(Albéric Second, “Rue Notre-Dame-de-Lorette”).
[M 9, 1]
Geffroy, sob o impacto das obras de Meryon: “Sao as coisas representadas que dão a quem as
observa a possibilidade de sonhá-las.” Gustave Geffroy, Charles Meryon, Paris, 1926, p. 4.
[M9, 21
“O ônibus, este Leviata da carroceria, e essas viaturas tão numerosas, entrecruzando-se com
a rapidez de um raio!” Théophile Gautier [in: Edouard Fournier, Paris Démoli, 2 a ed., com
prefácio de Théophile Gautier, Paris, 1855, p. IV]. (Este prefácio foi publicado em Le
Moniteur Universel de 21 de janeiro de 1854, provavelmente como crítica à primeira edição.
Parece que é total ou parcialmente idêntico ao “Mosaíque de ruines”, de Gautier, in: Paris
et les Parisiens au XIX Siècle, Paris, 1856.)
[M 9, 3]
“Os elementos temporais mais heterogêneos coexistem, portanto, na cidade. Quando se
sai de uma casa do século XVIII e se entra em outra do século XVI, cai-se em um declive
temporal; bem ao lado há uma igreja da época gótica, e afundamos em um abismo; mais
alguns passos e chegamos a uma rua da época dos Gründerjahre ... e subimos a montanha
do tempo. Quem entra em uma cidade sente-se como em um tecido de sonho, onde um
acontecimento de hoje se articula com o mais remoto. Uma casa associa-se a uma outra.
M
[O Flãneur] 479
não importa de que camada temporal se originam, e assim surge uma rua. E mais adiante,
quando esta ma, digamos, da época de Goethe, desemboca em uma outra, por exemplo,
da época guilhermina, forma-se o bairro... Os pontos culminantes da cidade são suas
praças, onde desembocam não só muitas mas, mas também as correntes de sua história.
Mal estas afluem e já são cercadas; as bordas da praça são as margens, de modo que a forma
exterior da praça fornece informações sobre a história que nela se passa. . . Coisas que encontram
pouca ou nenhuma expressão nos acontecimentos políticos desenrolam-se nas cidades; elas
constituem um instrumento muito preciso, apesar de seu peso de pedra, sensível como
uma harpa eólica às vivas vibrações históricas do ar.” Ferdinand Lion, Geschichte biologisch
gesehen, Zurique-Leipzig, 1935, pp. 125-126, 128 (“Notiz über Stádte” “Nota sobre
cidades”).
[M 9, 4]
Delvau pretende reconhecer no flanar as camadas sociais da sociedade parisiense com a
mesma facilidade que um geólogo identifica as camadas do solo.
[M 9a. 1]
O homem de letras: - “As realidades mais pungentes não são para ele espetáculos: são
estudos.” Alfred Delvau, Les Dessous de Paris, Paris, 1860, p. 121.
[M 9a, 2]
“Um homem que passeia não deveria ter de se preocupar com os riscos que corre ou com as
regras de uma cidade. Se uma idéia divertida lhe vem ao espírito, se uma boutique curiosa
se oferece à sua vista, é natural que, sem ter de afrontar perigos que nossos avós nem mesmo
puderam supor, ele queira atravessar a rua. Ora, ele não pode fazê-lo hoje em dia sem
tomar mil precauções, sem interrogar o horizonte, sem pedir conselho à Prefeitura da
Polícia, sem se misturar a uma turba atordoada e acotovelada, cujo caminho está traçado de
antemão por placas de metal brilhante. Se ele tenta reunir os pensamentos fantásticos que
lhe ocorrem, e que as visões da rua devem excitar, é ensurdecido pelas buzinas, entontecido
pelos alto-falantes..., desmoralizado pelos pedaços de conferências, de informações políticas
e de jazz, que escapam furtivamente das janelas. Outrora, também seus irmãos, os badauds,
que caminhavam gostosamente pelas calçadas e paravam um pouco em toda parte, davam
ao fluxo humano uma doçura e uma tranquilidade que ele perdeu. Agora, é uma torrente
na qual você é jogado, acotovelado, rejeitado, levado ora para um lado, ora para o outro.”
Edmond Taloux, “Le dernier flâneur”, Le Temps, 22 maio 1936.
[M 9a. 3]
“Sair, quando nada nos obriga a fazê-lo, e seguir nossa inspiração como se o simples fato de
virar à direita ou à esquerda já constituísse um ato essencialmente poético.” Edmond
laloux, “Le dernier flâneur”, Le Temps , 22 maio 1936.
[M 9a, 41
“Dickens ... não conseguia viver em Lausanne porque precisava, para compor seus romances,
do imenso labirinto das ruas de Londres, por onde rondava sem parar ... Thomas de
Quincey... Baudelaire nos diz que ele era ‘uma espécie de peripatético, um filósofo da rua,
meditando sem cessar através do turbilhão da cidade grande’.” Edmond Jaloux, “Le dernier
flâneur”, Le Temps , 22 maio 1936.
[M 9a, 5]
jflglSI m Pussaoe^s
“A obsessão de Taylor, de seus colaboradores e sucessores é a ‘guerra contra a flânerie
Georges Friedmann, La Crise du Proçres, Paris, 1936, p. 76.
° * [M 10. 11
O elemento urbano em Balzac: “A natureza revela-se mágica para ele, como o arcano da
matéria. Revela-se simbólica, como interação de forças e aspirações humanas: na arrebentação
do mar ele sente ‘a exaltação das forças humanas’, no esplendor das cores e dos aromas das
flores ele sente a escrita cifrada do desejo amoroso. Para ele, a natureza sempre significa
outra coisa, uma alusão ao espírito. Não conhece o movimento inverso: a reimersão do ser
humano na natureza, a harmonia resgatada com estrelas, nuvens, ventos. Ele era
demasiadamente possuído pela tensão da existência humana.” Ernst Robert Curtius, Balzac,
Bonn, 1923, pp. 468-469.
r r IM 10, 2J
“Balzac viveu ... uma vida marcada pela pressa desenfreada e pelo colapso prematuro, tal
como a luta pela existência na sociedade moderna a impõe ao habitante das grandes cidades...
A existência de Balzac é o primeiro exemplo de que um gênio compartilha dessa vida
comum e a vive como sua.” Ernst Robert Curtius, Balzac , Bonn, 1923, pp. 464-465.
Sobre a questão do ritmo, é de se lembrar o seguinte: “Poesia e arte ... resultam de uma
Visão veloz das coisas ... Em Sévaphita ... a velocidade e citada como uma característica
essencial da intuição artística: ‘essa visão interior cuja percepção veloz engendra na alma,
uma após outra, como em uma tela, as paisagens mais contrastantes do globo’.’ Ernst
Robert Curtius, Balzac , Bonn, 1923, p. 445.
[M 10, 31
“Se Deus imprimiu ... o destino de cada homem em sua fisionomia ... por que a mão não
resumiria a fisionomia, uma vez que a mão é a ação humana inteira, e seu único modo de
manifestação? Daí a quiromancia... Predizer a um homem os acontecimentos de sua vida
pelo aspecto de sua mão não é um fato mais extraordinário ... que dizer a um soldado que
ele combaterá, a um advogado que ele discursará, a um sapateiro que ele fará sapatos ou
botas, a um agricultor que ele adubará e cultivará a terra. Tomemos um exemplo marcante:
o gênio é de tal forma visível no homem que, ao passearem em Paris, até as pessoas mais
ignorantes adivinham um grande artista quando passa... A maioria dos observadores da
natureza social e parisiense pode dizer a profissão de um transeunte ao vê-lo aproximar-se.’
Honoré de Balzac, Le Cousin Bons, in: CEuvres Completes, vol. XVIII, Scenes de la Vie Parisienne,
VI, Paris, 1914, p. 130.
r [M 10, 4]
“Aquilo a que os homens chamam amor é coisa bem pequena, restrita e frágil, se comparada
a essa inefável orgia, a essa santa prostituição da alma que se entrega por inteiro, poesia e
caridade, ao imprevisto que surge, ao desconhecido que passa.” Charles Baudelaire, Le
Spleen de Paris, Ed. R. Simon, p. 16 (“Les foules”).
r [M 10a, 1]
“Quem entre nós, em seus dias de ambição, já não terá sonhado com o sortilégio de uma
prosa poética, musical, sem ritmo e sem rima, bastante maleável e bastante áspera para
adaptar-se aos movimentos líricos da alma, às ondulações do devaneio, aos sobressaltos da
consciência? / É sobretudo da freqüentação das cidades gigantescas, é do cruzamento de
M
[O Flâneur] 481
suas inúmeras relações que nasce este ideal obsedante.” Charles Baudelaire, Le Spleen de
Paris, Paris, Ed. R. Simon, pp. 1-2 (“A Arsène Houssaye”). _ M ^ 2]
“Não há objeto mais profundo, mais misterioso, mais fecundo, mais tenebroso, mais
deslumbrante que uma janela iluminada por uma candeia.” Charles Baudelaire, Le Spleen
de Paris, Paris, Ed. R. Simon, p. 62 (“Les fenêtres”).
“O artista procura a verdade eterna e ignora a eternidade que existe à sua volta. Admira a
coluna do templo babilónico e despreza a chaminé da fábrica. Qual é a diferença de Unhas?
Quando Üver terminado a era da energia obtida a partir do carvão, os vestígios das últimas
chaminés altas serão admirados como hoje se admiram os destroços das colunas de templos...
O vapor, tão amaldiçoado pelos escritores, permite-lhes deslocar sua admiração... Em vez
de esperar chegar ao golfo de Bengala para ali procurar um tema empolgante, poderiam
desenvolver uma curiosidade em relação ao cotidiano que os toca. Um carregador da Gare
de l’Est é tão pitoresco quanto um estivador de Colombo... Sair de sua casa como quem
chega de longe; descobrir um mundo que é aquele no qual se vive; começar o dia como
quem desembarca de Cingapura, como se nunca tivesse visto o capacho diante de sua porta
nem o rosto dos vizinhos de seu andar...; eis o que revela a humanidade presente e até então
ignorada.” Pierre Hamp, “La littérature, image de la société ’, in: Encyclopédie Française,
vol. XVI, Arts et Littératures dans Ia Société Contemporaine , 1, p. 64. ^
Chesterton evoca uma expressão da gíria inglesa para caracterizar Dickens em sua relação
com a rua. “Ele tem a chave da rua”, diz-se de alguém que se encontra diante de uma porta
fechada. “Dickens ... bem que tinha, no sentido mais consagrado e mais sério, a chave da
rua... Seu território eram as calçadas; os lampiões da rua, suas estrelas; o transeunte, seu
herói. Ele podia abrir a porta mais escondida de sua casa, a porta que dá para a passagem
secreta que, ladeada de casas, tem como teto os astros!” G. K. Chesterton, Dickens, vol. IX
da série Vies des Hommes Illustres, traduzido do inglês por Laurent e Martin-Dupont, Paris,
1927, p. 30. [m ti, í]
Dickens quando criança: “Quando terminava de trabalhar, não tinha outro recurso senão
andar à solta, e então perambulava por meia Londres. Era um menino sonhador,
preocupado sobretudo com seu triste destino.... Não se dedicou à observação, como
fazem os pedantes; não olhou Charing Cross para se instruir; não contou os lampiões de
Holborn para aprender aritmética; mas inconscientemente colocou nesses lugares as
cenas do drama torturante que se elaborava em sua pequena alma oprimida. Achava-se
na escuridão sob os lampiões de Holborn e sofria o martírio em Charing Cross. Para ele,
mais tarde, todos esses bairros tiveram o interesse que só pertence aos campos de batalha.
G. K. Chesterton, Dickens, vol. IX da série Vies des Hommes Illustres, traduzido do inglês
por Laurent e Matin-Dupont, Paris, 1927, pp. 30-31. [M 11,21
Sobre a psicologia do flâneur: “As cenas inapagáveis, que todos nós podemos rever fechando
os olhos, não são aquelas que contemplamos com um guia na mão, mas aquelas às quais
M
[0 Flâneur] 483
paticamente nunca seja questionada sua exatidão, representação criada inteiramente
peto iivro, mas divulgada o bastante para fazer ... parte da atmosfera mental coletiva.
Doçer Caillois, “Paris, mythe moderne”, Nouvelle Revue Française , XXV, n° 284, 1 maio
1907 , p. 684.
;m ia, i]
“O subúrbio de Saint-Jacques é um dos mais primitivos de Paris. A que se deve isso' Será
■raraiie os quatro hospitais que o cercam, como quatro baluartes de uma cidadela, afastam
i iwwrê ra do bairro? Será porque, não conduzindo a nenhuma grande estrada e não levando
d mm h um centro ... a passagem de veículos é ali muito rara? Assim, logo que um veículo
aparece ao longe, o moleque privilegiado que o avista primeiro transforma suas mãos num
■■■a-voz e dá o aviso a todos os habitantes do bairro, exatamente como à beira-mar dá-se
píamtso de uma vela percebida no horizonte.” A. Dumas, L es Mohicans de Paris , vol. I, Paris,
IHfV p. 102 (capítulo XXV, “Oü il est question des sauvages du Faubourg Saint-Jacques”
flOtode se trata dos selvagens do subúrbio de Saint-Jacques”). Esse capítulo não descreve
nuca mais do que a chegada de um piano a uma casa do subúrbio. Ninguém suspeita que
■ de um instrumento, mas todos ficam deslumbrados ao ver “uma enorme peça de
:imi[npft-~: de mogno” (p. 103), pois móveis de mogno praticamente não se conheciam
«■usei bairro.
[M 12, 2)
palavras do prospecto de Les Mohicans de Paris : “Paris — Os Moicanos!... Dois
<jue se embatem, como o “quem vem lá?” de dois gigantescos desconhecidos, à beira
iriam: albísmo atravessado por aquela luz elétrica que tem seu foco em Alexandre Dumas.”
[M 12, 3)
da capa do terceiro volume de Les Mohicans de Paris, Paris, 1863: “A floresta
■qpmr |da rue d’Enfer].
[M 12, 4J
pmecauções maravilhosas! Quantos cuidados, quantas combinações engenhosas,
«mis invenções! O selvagem da América que, ao caminhar, apaga as marcas de seus
Ü, paca despistar o inimigo que o persegue, não é mais hábil e mais minucioso em suas
ÍÜKsá Alíred Nettement, Étndes sur le Feuilleton-Roman, vol. I, Paris, 1845, p. 419.
[M 12, 5]
■fitando Miss Corkran, Celebrities and I, Londres, 1902 cit. em L. Séché, A. de
111%®;, má. G- Paris, 1913, p. 295), ao olhar as cheminées de Paris: “Eu adoro estas chaminés...
■fc, ,.**!. Afiamaca de Paris c para mim mais bela que a solidão dos bosques e das montanhas.”
[M 12, 6]
Win® laKKD iohd relacionar o conto policial com o gênio metódico de Poe, como o faz Valéry
iPhii? m Jíal ed. de 1928, introdução de Paul Valéry, p. XX): “Chegar a um ponto do
lÉiminir.e o campo inteiro de uma atividade é perceber necessariamente uma
Hpunur Je possibilidades... Assim, não é de se admirar que Poe, de posse de um método
^HjpHÉiiKK: . wnha se tornado o inventor de vários gêneros, tenha dado os primeiros ...
iBuáuNODBED dentífico, do poema cosmogônico moderno, do romance de investigação
jiEBoducão dos estados psicológicos mórbidos na literatura.”
[M I2i, 1]
4$4 ■ Passagens
Sobre o “Homem da multidão”, esta passagem de um artigo de La Semaine, de 4 de
outubro de 1846, atribuído a Balzac ou a Hippolyte Castille (cit. em Messac, Le “Detective
Novel” et llnfluence de la Pensée Scientifique, Paris, 1929, p. 424): “O olhar se fixa nesse
homem que caminha na sociedade entre leis, emboscadas e traições de seus cúmplices
como um selvagem do Novo Mundo entre répteis, animais ferozes e tribos inimigas.”
° [M 12a, 2]
Sobre o “Homem da multidão”: Bulwer acrescenta à sua descrição da multidão da cidade
grande em Eugen Aram (parte IV, capítulo 5) a referência a uma observação de Goethe,
segundo a qual todo ser humano, do melhor ao mais miserável, carrega consigo um segredo
que despertaria o ódio de todos os outros se fosse descoberto. Além disso, encontra-se já em
Bulwer o confronto entre cidade e campo, com vantagem para a cidade.
Sobre o romance policial: “Na fantasia dos americanos acerca do héroi, o carárer do índio
representa um papel fundamental... Somente as iniciações indígenas conseguem competir
com a agressividade e a crueldade de um rigoroso treinamento americano... Em tudo o que
o americano realmente deseja aparece o índio; na extraordinária concentração em um objetivo
determinado, na tenacidade da perseguição e na firmeza com a qual suporta as maiores
dificuldades manifestam-se plenamente todas as virtudes legendárias do índio.” C. G.
Jung, Seelenprobleme der Gegenwdrt, Zurique-Leipzig-Stuttgart, 1932, p. 207 ( Seele und
Erde” - “Alma e terra”).
[M 12a, 4]
Capítulo II, “Physionomie de la me”, in: Argument du Livre sur la Belgique : “Lavagem das
fachadas e das calçadas, mesmo quando chove a cântaros. Mania nacional, universal...
Nenhuma vitrine nas boutiques. A flânerie, tão cara aos povos dotados de imaginação, é
impossível em Bruxelas; nada para se ver, e caminhos impossíveis. Baudelaire, CEuvres, ed.
org. por Y.-G. Le Dantec, vol. II, Paris, 1932, pp. 709-710.
Le Breton censura Balzac, afirmando que haveria em sua obra “um excesso de moicanos de
spencer e iroqueses de redingote”. Cit. em Régis Messac, Le Detective Novel et llnfluence de
la Pensée Scientifique, Paris, 1929, p. 425.
Ji [M 13, 1]
Extraído das primeiras páginas de Les Mystères de Parir. Todo mundo leu essas admiráveis
páginas nas quais Cooper, o Walter Scott americano, retratou os costumes ferozes dos
selvagens, sua língua pitoresca, poética, as mil astúcias com as quais fogem de seus inimigos
ou os perseguem... Tentaremos colocar diante dos olhos do leitor alguns episódios da vida de
outros bárbaros, tão afastados da civilização quanto as tribos selvagens, tão bem representadas
por Cooper.” Cit. em Régis Messac, Le “Detective Novel", Paris, 1929, p. 425.
Associação memorável entre a flânene e o romance policial no começo de Les Mohicans de
Parir. “Desde o início, Salvator diz ao poeta Jean Robert: ‘Você quer escrever um romance?
Pegue Lesage, Walter Scott e Cooper...’ Em seguida, tal como os personagens das Mil e
Uma Noites, eles jogam ao vento um fragmento de papel e o seguem, convencidos de que ele
M
[0 Flâneur] 485
os levará a um tema de romance, o que de fato acontece.” Cit. em Régis Messac, Le
“Detective Novel” et llnüuence de la Pensée Scientifique , Paris, 1 929, p. 429.
Sobre os epígonos de Sue e de Balzac 'que vão pulular no romance de folhetim. A influencia
de Cooper se fia z sendr aqui ora diretamente, ora por intermédio de Balzac ou de outros
imitadores. Paul Féval, desde 1856, em Les Couteaux d’Or, transpõe ousadamente os hábitos
e mesmo os habitantes da pradaria para o cenário parisiense: vê-se ali um cão
maravilhosamente dotado que se chama Moicano, um duelo de caçadores à americana no
subúrbio de Paris, e um pele-vemelha de nome I owah, que mata e escalpa quatro de seus
inimigos em plena Paris, num fiacre, tão habilmente que o cocheiro nem mesmo percebe.
Um pouco mais tarde, em Les Habits Noirs (1863), ele multiplica as comparações ao gosto
de Balzac: *... os selvagens de Cooper em plena Paris! A cidade grande não e por acaso tão
misteriosa quanto as florestas do Novo Mundo?’” Em uma observação subseqüente: Cf.
também os capítulos II e XIX, onde ele põe em cena dois vagabundos, Echalot e Similor,
‘huronianos de nossos lamaçais, iroqueses da sarjeta’.’ Régis Messac, Le Detective Novel et
VInfluence de la Pensée Scientifique , da série Bibliothèque de la Revue de Littérature Comparée,
tomo 59, pp. 425-426.
“A poesia de terror que os estratagemas das tribos inimigas em guerra espalham no seio das
florestas da América, e da qual tanto se aproveitou Cooper, ligava-se aos menores detalhes
da vida parisiense. Os transeuntes, as boutiques , os fiacres, uma pessoa à janela, tudo isso
interessava aos homens a quem era confiada a proteção da vida do velho Peyrade, tão
intensamente quanto um tronco de árvore, uma toca de castor, um rochedo, uma pele de
búfalo, uma canoa imóvel, uma folha flutuante interessam ao leitor dos romances de
Cooper.” Balzac, À Combien lAmour Revient aux VieillardsP
r [M 13a, 1]
A figura do flâneur prenuncia a do detetive. O flâneur devia procurar uma legitimação
social para seu comportamento. Convinha-lhe perfeitamente ver sua indolência apresentada
ao aparência, por detrás da qual se esconde de fato a firme atenção de um observador
ado implacavelmente o criminoso que de nada suspeita. ^ ^
fim do ensaio de Baudelaire sobre Marceline Desbordes-Valmore surge o promeneur
passeia pela paisagem ajardinada de sua poesia; abrem-se diante dele as perspectivas
passado e do futuro. "Mas estes céus são vastos demais para serem completamente
s, e a temperatura do clima é quente demais... O promeneur , contemplando essas
veladas pelo luto, sente subir aos seus olhos os choros da histeria, hysterical tears.
bs Baudelaire, LArt Romantique, Paris, p. 343 (“Marceline Desbordes-Valmore”).' 4
promeneur já não consegue passear por prazer: ele foge para as sombras das cidades,
do -se flâneur.
IM 13a, 3]
13 Trata-se do título da parte II de S plendeurs et Miséres des Courtisanes, a citação encontra-se em
Balzac, (Euvres Completes, vol .'XV, Paris, Ed. Conard, 1913, pp. 310-311.
14 Baudelaire, 0C II, p. 149. (R.T.)
486 ■ Passagens
Do velho Victor Hugo, quando morava na Rue Pigalle, relata Jules Clarerie que gostava de
passear em Paris nas impériales dos ônibus. Adorava contemplar lá de cima a agitação das
ruas. (Cf. Raymond Escholier, Victor Hugo Raconté par Ceux qui Pont Vu, Paris, 1931,
p. 350 - Jules Claretie, “Victor Hugo”.)
[M 13a, 4]
<fase tardia>
“Você se lembra de um quadro ... escrito pela mais poderosa pena desta época, e que tem
como título “O homem da multidão”? Atrás da vidraça de um café, um convalescente,
contemplando a multidão com prazer, se mistura, em pensamento, a todos os pensamentos
que sc agitam ao seu redor. Tendo retornado recentemente das sombras da morte, aspira
com deleite todos os germes e eflúvios da vida; como esteve a ponto de tudo esquecer, ele se
lembra e quer se lembrar ardentemente de tudo. Finalmente, se precipita no meio dessa
multidão à procura de um desconhecido, cuja fisionomia, vista de passagem, o fascinou no
mesmo instante. A curiosidade tornou-se uma paixão fatal, irresistível!” Baudelaire, LArt
Romantiaue, Paris, p. 61 (“Le peintre de la vie moderne”). 15
[M 14, 1]
André Le Breton, em Balzac, IHomme et PCEuvre, Paris, 1905, já compara figuras balzaquianas
- “os agiotas, os advogados, os banqueiros” - aos moicanos, com os quais elas se pareceriam
mais do que com os parisienses. (Cf. Rémy de Gourmont, Prometi ades Littéraires, segunda
série, Paris, 1906, pp. 117-118 - “Les maítres de Balzac”).
[M 14, 2]
Em “Fusées”, de Baudelaire: “O homem ... está sempre ... em estado selvagem! O que são
os perigos da selva e da pradaria comparados aos choques e conflitos cotidianos do mundo
civilizado? O homem que enlaça a sua vítima no boulevard, ou aquele que trespassa sua
presa nas florestas desconhecidas, não é ele ... o mais perfeito predador?” 16 <cf M 15a, 3>
[M 14, 3]
Raffet representou ecossaises e tricycles (em litografias?) <cf. M 3a, 8>.
[M 14, 4]
“Quando Balzac abre os telhados ou fura as paredes para abrir o espaço à observação, ...
você escuta atrás das portas...; numa palavra, no interesse de suas invenções romanescas,
você representa o papel daquele que nossos vizinhos, os ingleses, chamam, com sua afetação,
o police detectivel" Hippolyte Babou, La Vérité sur le Cos de M. Champfleury, Paris, 1857,
p. 30.
[M 14, 5]
Seria útil descobrir certos traços precisos da fisionomia do habitante da cidade. Por exemplo:
a calçada, reservada ao pedestre, estende-se ao longo da rua. Assim, em seus afazeres diários,
15 Op. c/t, pp. 689-690. (R.T.)
16 Op. c/t, vol. I, p. 663. (R.T.)
M
[O Flâneur] 487
o habitante da cidade, quando anda a pé, tem constantememe diante dos olhos a imagem
db concorrente que o ultrapassa dentro de um veículo. - As calçadas cenamente foram
construídas no interesse daqueles que andavam de carruagem ou a cavalo. Quando?
M 14, 6]
Tíara o perfeito flâneur ... é um deleite imenso escolher como seu domicílio a mulddão, o
oodulantc... Estar fora de casa e, no entanto, se sentir em casa em toda pane; ver o mundo,
■ no centro do mundo e permanecer oculto ao mundo, eis alguns dos prazeres menores
espíritos independentes, apaixonados, imparciais [!!], que a língua não pode definir
toscamente. O observador é um príncipe que frui por toda parte o fato de estar
incógnito... O apaixonado da vida universal entra na multidão como em um imenso
vatório de eletricidade. Pode-se compará-lo também a um espelho tão imenso quanto
i multidão, a um caleidoscópio dotado de consciência que, a cada um de seus movimentos,
nepresenta a vida múltipla e o encanto cambiante de todos os elementos da vida. Baudelaire,
JLArt Romantique, Paris, pp. 64-65 (“Le peintre de la vie moderne”). 17
[M 14a, 1]
JL Paris de 1908. “Um parisiense habituado à multidão, aos veículos, e a escolher as ruas,
chegava a fazer longas caminhadas com um passo regular e muitas vezes distraído. De um
modo geral, a abundância dos meios de circulação ainda não havia dado a três milhões de
; a idéia ... de que poderiam deslocar-se com qualquer propósito e de que a distância
Ri«' que menos conta.” Jules Romains, Les Hommes de Bonne Volonté, livro I, Le 6 Octobre,
ffiaris. 1932, p. 204.
(M 14a, 2]
fl&rr Le 6 Octobre , no capítulo XVII (“Le grand voyage du petit garçon”, pp. 176-184),
JhÉes Romains descreve como Louis Bastide percorre Montmartre, do cruzamento Ordener
anc a Rue Custine: “Ele tem uma missão a cumprir. Encarregaram-no de uma certa tarefa,
«Ir aíguma coisa para levar ou talvez para anunciar.” (p. 179) Romains desenvolve neste
ilinigp de viagem algumas perspectivas — principalmente a paisagem alpina de Montmartre
i taberna de montanha (p. 1 80) - que se assemelham àquelas nas quais o devaneio do
pode se perder.
[M 14a, 3]
do flâneur: “Em nosso mundo uniformizado, é bem aqui, e em profundidade,
é preciso mergulhar; o deslocamento de um país para outro e a surpresa, o exotismo
cativante, estão muito próximos.” Daniel Halévy, Pays Parisiens, Paris, 1932, p. 153.
[M 14a, 4]
aos em Jules Romains, Crime de Quinette ( Les Hommes de Bonne Volonté, livro II),
D como o negativo da solidão, que é, na maioria das vezes, a companheira do flâneur.
t a amizade tem a força suficiente para quebrar essa solidão, este talvez seja o argumento
ate da tese de Romains. “A meu ver, é sempre um pouco assim que nos tornamos
. Presenciamos, juntos, um momento do mundo, talvez um de seus segredos fugidios
- mm aparição jamais vista e que talvez não se veja nunca mais. Mesmo se for algo pequeno.
pfcwapín. ». por exemplo, dois homens que passeiam, como nós. E de repente, graças a um
Htb" 03 cre as nuvens, uma luz vem bater no alto de um muro, e o alto do muro se transforma
Op. cit.. vol. II, pp. 691-692. (R.T.)
4S8" Passagens
por um instante em algo de extraordinário. Um dos homens toca o ombro do outro, que
ergue a cabeça e vê o mesmo, compreende o que aconteceu. Depois a coisa se desmancha
no ar. Mas eles saberão in aetemum que ela existiu.” Jules Romains, Les Hommes de Bonne
Volonté, livro II, Crime de Quinette, Paris, 1932, pp. 175-176.
[M 15, 1]
Mallarmé. “Ele tinha atravessado a Place e a Pont de 1’Europe quase todos os dias -
confidenciou ele a Georges Moore — tomado pela tentação de se jogar do alto da ponte
sobre as vias férreas, sob os trens, a fim de escapar dessa mediocridade da qual era prisioneiro.”
Daniel Halévy, Pays Parisiens , Paris, 1932, p. 105.
7 J [M 15, 2]
Michelet escreve: “Cresci como uma erva pálida entre dois paralelepípedos. (Cit. em
Halévy, Pays Parisiens , p. 14).
[M 15, 3]
O tecer da floresta como arquétipo da existência da massa em Hugo. “Um capítulo
surpreendente de Les Misérables contém as seguintes linhas: ‘O que acabava de se passar nessa
rua não teria surpreendido uma floresta; os troncos altos, a mata rasteira, os pequenos arbustos,
os galhos asperamente entrelaçados, as ervas altas levam uma existência sombria; o formigar
selvagem entrevê ali súbitas aparições do invisível; o que está abaixo do homem divisa, através
da bruma, o que está além do homem.” Gabriel Bounoure, “Abimes de Victor Hugo”,
Mesures, 15 jul. 1936, p. 49. ■ A passagem de Gerstãcker <cf. I 4a, 1; R 2, 2> ■
[M 15, 4]
“Estudo da grande Doença do horror ao Domicílio. Razões da Doença. Agravamento
progressivo da Doença.” Charles Baudelaire, CEuvres , ed. Le Dantec, vol. II, Paris, 1932,
p. 653 (“Mon coeur mis à nu”). 18
r [M 15, 5]
Carta que acompanha os dois “Crépuscules” dirigida a Fernand Desnoyers, que os publicou
em seu Fontainebleau, Paris, 1855: “Envio-lhe dois poemas que representam, mais ou
menos, a soma dos devaneios que me assaltam nas horas crepusculares. Na profundeza dos
bosques, afundado nessas criptas semelhantes às das sacristias e catedrais, penso em nossas
surpreendentes cidades, e a prodigiosa música que rola sobre seus pontos mais altos soa
para mim como a tradução das lamentações humanas.” Cit. em A. Séché, La Vie des Fleurs
du Mal, Paris, 1928, p. 110. ■ Baudelaire ■
[M 15a, 1]
A clássica primeira descrição da multidão em Poe: “A maioria dos que passavam tinha um
ar convencido, característico dos negócios; eles não pareciam ocupados senão com o caminho
que procuravam abrir através da multidão. Franziam as sobrancelhas e moviam os olhos
vivamente; quando eram acotovelados pelos transeuntes ao lado, não mostravam nenhum
sinal de impaciência, mas ajustavam suas roupas e seguiam apressados. Outros, uma classe
também bastante numerosa, tinham movimentos inquietos e o rosto sangüíneo, falavam
sozinhos e gesticulavam, como se se sentissem sós justamente por causa da multidão que os
envolvia. Quando seu caminho era interrompido, eles paravam de murmurar, mas
redobravam seus gestos enquanto esperavam, com um sorriso distraído e despropositado, a
18 Op. cit, vol. I, p. 689. (J.L.)
M
[O Flâneur] 489
passagem das pessoas que impediam seu curso. Se eram empurrados, saudavam
exageradamente quem neles esbarrou, e pareciam aflitos com a confusão.” Poe, Nouvelles
Histoires Extraordimires, trad. Ch. B„ Paris, 1886, p. 89. - M ^ a 2 ]
‘O que são os perigos da selva e da pradaria comparados aos choques e conflitos cotidianos
do mundo civilizado? O homem que enlaça a sua vítima no boulevard, ou aquele que
trespassa sua presa nas florestas desconhecidas, não é ele o homem eterno, isto e, o mais
perfeito predador?” Charles Baudelaire, CEuvres, ed. Le Dantec, vol. II, Paris, 1932, p. 637
(“Fusées”) <cf. M 14,3>. [M 15a , 3 ]
A superposição da França com a imagem da Antigüidade e com a imagem extremamente
moderna da América encontram-se, às vezes, imediatamente próximas uma da outra. Balzac
sobre o caixeiro viajante: “Vejam! Que adera, que arena, e que armas: ele, o mundo e sua
língua. Intrépido marinheiro, ele embarca, munido de algumas frases, para ir pescar
quinhentos ou seiscentos mil francos em mares gelados, na terra dos iroqueses, na França!
H. de Balzac, Ulllustre Gaudissart , Paris, Ed. Calmann-Lévy, p. 5. 4 ,
Descrição da multidão em Baudelaire, a comparar com a de Poe:
“O rio, leito fúnebre por onde escoam os desgostos.
Carrega espumando os segredos dos esgostos;
Ele bate em cada casa com suas ondas deletetias,
Tinge de limão o Sena que ele altera,
E apresenta suas vagas aos joelhos dos transeuntes.
Cada um, esbarrando em nós nas calçadas ondulantes.
Egoísta e brutal, nos respinga ao passar,
Ou, para ir mais depressa, nos empurra ao se afastar.
Por toda parte lama, dilúvio, escuridão do céu:
Negro quadro que teria sonhado o negro Ezequiel!
Charles Baudelaire, CEuvres, vol. I, Paris, 1931, p. 211 (Pobnes Dwers, “Un jour de phtie”).
Sobre o romance policial:
“Quem não assinou, quem não deixou retrato
Quem não esteve presente, quem nada falou
Como poderão apanhá-lo!
Apague as pegadas!”
Bcecht, Versuche, 4-7 [Caderno 2], Berüm, 1930, p. 116 {Usebuch fiir Stadtebewohner^
19 Bertolt Brecht, Poemas: 1913-195 6, 5 a ed., São Paulo. Editora 34, 2000; tradução de Paulo Cesar de
Souza, (w.b.)
490 ■ Passagens
A massa em Baudelaire. Ela se coloca como um véu diante do flâneur: é o mais novo
alucinógeno do solitário. — Ela apaga, em segundo lugar, todos os rastros do indivíduo, e o
mais novo refugio do proscrito. - Ela é, finalmente, o mais novo e mais insondável labirinto
no labirinto da cidade. Através dela, traços ctônicos até então desconhecidos imprimem-se
na imagem da cidade. „ , ,
A base social da flânerie é o jornalismo. Como flâneur, o literato dirige-se ao mercado para
pôr-se à venda. Isto é certo, mas não esgota de maneira alguma o aspecto social dajZ ânene.
“Sabemos”, diz Marx, “que o valor de cada mercadoria é determinado pela quantidade de
trabalho materializado em seu valor de uso, pelo tempo de trabalho socialmente necessário
à sua produção.” (Marx, Das Kapital , ed. org. por Iv. Korsch, Berlim, 1932, p. 188). O
jornalista comporta-se como um flâneur, como se ele fosse consciente disso. O tempo de
trabalho socialmente necessário à produção de sua força de trabalho específica é, de fato,
relativamente elevado; mas, ao cuidar de fazer com que suas horas de ócio no boukvard
apareçam como uma parte desse tempo, ele o multiplica, aumentando assim o valor de seu
próprio trabalho. A seus olhos, e muitas vezes também aos olhos de seus patrões, este valor
adquire qualquer coisa de fantástico. Na verdade, isto não aconteceria se ele não se encontrasse
na situação privilegiada de submeter à avaliação pública e geral o tempo de trabalho necessário
para a produção de seu valor de uso, sendo que ele passa e, por assim dizer, exibe esse
tempo no boulevard. „ ,
r [M 16, 41
A imprensa gera uma profusão de informações, cujo efeito estimulante é tanto maior quanto
menor for o seu valor de uso. (Apenas a ubiqüidade do leitor possibilitaria a sua utilização;
e essa ilusão também é, de fato, produzida.) A relação real dessas informações com a existência
social é determinada pela dependência dessa indústria da informação dos interesses da
bolsa de valores, com os quais ela se alinha. — Com o desenvolvimento da industria da
informação, o trabalho intelectual se assenta de forma parasitária sobre todo trabalho material,
assim como o capital cada vez mais coloca todo trabalho material sob sua dependência.
r [M 16a, 1]
A observação pertinente de Simmel sobre a inquietude do habitante da cidade grande
provocada pela proximidade dos outros, que ele, na maioria dos casos, vê sem ouvir <cf. M
8a, 1>, mostra que na origem das fisiognomonias <leia-se: fisiologias> havia, entre outros,
o desejo de dissipar e minimizar esta inquietude. De outra forma, a fantástica pretensão
daqueles pequenos livros dificilmente teria sido aceita. [M 16 2]
Tenta-se dominar as novas experiências da cidade dentro do quadro das antigas experiências
da natureza transmitidas pela tradição. Daí os esquemas da floresta e do mar (Meryon e
Ponson du Terrail).
[M 16a, 3]
Rastro e aura. O rastro é a aparição de uma proximidade, por mais longínquo esteja aquilo
que o deixou. A aura é a aparição de algo longínquo, por mais próximo esteja aquilo que a
evoca. No rastro, apoderamo-nos da coisa; na aura, ela se apodera de nós.
[M 16a, 4]
M
[O Flâneur] 491
“Sobretudo eu que, fiel ao meu velho hábito,
Faço muitas vezes da rua gabinete de estudo,
Quantas vezes, levando ao acaso meus passos sonhadores,
Caio de imprevisto no meio dos pavimentadores!”
krthélemy, Paris: Revue Satirique à M. G. Delessert , Paris, 1838, p. 8.
[M I6a. 5]
*0 Sr. Le Breton diz que os agiotas, os advogados e os banqueiros de Balzac às vezes se
■ecem mais com implacáveis moicanos do que com parisienses, e ele acha que a influência
de Fenimore Cooper não foi muito favorável ao autor de Gobseck. Isto é possível, mas
jfifirrl de provar.” Rémy de Gourmond, Promenades Littéraires, segunda série, Paris, 1906,
pp. 117-118 (“Les maítres de Balzac”).
[M 17. 1]
'"O aglomerado de pessoas acotovelando-se umas contra as outras e a confusão do trânsito
mas grandes cidades seriam insuportáveis sem ... um distanciamento psicológico. O fato de
«Barmos fisicamente tão próximos de um número tão grande de pessoas, como acontece
■a amai cultura urbana, faria com que o homem mergulhasse no mais profundo desespero,
sat aquela objetivação das relações sociais não acarretasse um limite e uma reserva interiores.
|Jt tuonetarização das relações, manifesta ou disfarçada de mil formas, coloca uma distância
_ funcional entre os homens, que é uma proteção interior ... contra a proximidade
■amente estreita.” Georg Simmcl, Philosopbie des Geldes, Leipzig, 1900, p. 514.
[M 17. 2]
;o para Le Flâneur , jornal popular, publicação do escritório dos pregoeiros, Rue
iile ia Harpe, 45 ... (primeiro e provavelmente único número, de 3 de maio de 1848):
" T;m nosso tempo, flanar entre baforadas de tabaco..., sonhando com os prazeres da
i, parece-nos algo atrasado de um século. Não somos gente incapaz de compreender
hábitos de uma outra época, mas afirmamos que, flanando, pode-se e dcve-se pensar
seus direitos e deveres de cidadão. Os dias são de penúria e requerem todos os
s pensamentos, todas as nossas horas; flanemos, pois, mas flanemos como
tas.” (J. Montaigu). Um exemplo precoce do deslocamento da palavra e do sentido
faz parte dos artifícios do jornalismo.
r ' [M 17, 3]
envolvendo Balzac: “Um dia em que ele e um de seus amigos se depararam com
PD ■esfarrapado no boulevard o amigo, estupefato, viu Balzac tocar com a mão sua própria
ele acabava de sentir o rasgão que se abria no cotovelo do mendigo.’ Anatole
■ e Jules Christophe, Répertoire de la Comédie Humaine de H. de Balzac, Paris, 1887,
t^lll (Introdução de Paul Bourget).
[M 17, 4]
i frase de Flaubert de que “a observação procede, sobretudo, através da imaginação”, a
■de visionária de Balzac: “É importante ressaltar, antes de tudo, que esse poder de
■ mal pôde ser exercido diretamente. Balzac não teve tempo de viver ... nunca dedicou
igmn n para ... estudar os homens, como o fizeram Molière e Saint-Simon, através do
> coddiano e familiar. Dividia sua existência em duas, escrevendo à noite, dormindo de
dia.” (p. X). Balzac fala de uma “perscrutação retrospecdva”. “Ele se apoderava dos dados da
experiência de maneira verossímil e os jogava num cadinho de devaneios.” A. Cerfberr e J.
Christophe, Répertoire de la Comédie Humaine , Paris, 1887 (introdução de Bourget, p. XI).
[M 17a, 1]
Basicamente, a emparia pela mercadoria é emparia pelo próprio valor de troca. O flâneur é o
virtuose desta emparia. Ele leva para passear o próprio conceito de venalidade. Assim como
sua última passarela é a loja de departamentos, sua última encarnação é o homem-sanduíche.
[M 17a, 2]
Em uma cervejaria nas proximidades da Gare Saint-Lazare, Des Esseintes já se sente na
Inglaterra.
[M 17a, 3]
Sobre a embriaguez da emparia no flâneur, pode-se lançar mão de uma passagem magnífica
de Flaubert. Ela se origina provavelmente da época da elaboração de Madame Bovary.
“Hoje, por exemplo, homem e mulher ao mesmo tempo, amante e amada, eu passeei a
cavalo numa floresta, durante uma tarde de outono, sob folhas amareladas, e eu era os
cavalos, as folhas, o vento, as palavras que foram ditas, e o sol vermelho que fazia se
entrefccharem as pálpebras inundadas de amor...” Cit. em Henri Grappin, “Le mysticisme
poétique et 1’imagination de Gustave Flaubert”, Reme de Paris , 15 dez. 1912, p. 856.
[M 17a, 4]
Sobre a embriaguez da emparia no flâneur, tal como aparece também em Baudelaire, esta
passagem de Flaubert: “Vejo-me com muita nitidez em diferentes épocas da história... Fui
barqueiro no Nilo, cáften em Roma no tempo das guerras púnicas, depois orador grego em
Subura, onde fui devorado pelas pulgas. Morri durante uma cruzada, por ter comido uvas
em excesso nas praias da Síria. Fui pirata e monge, saltimbanco e cocheiro, talvez também
imperador do Oriente...” Grappin, op. cit., p. 624.
[M 17a, 5]
I.
“O inferno é uma cidade muito semelhante a Londres —
Uma cidade populosa e fumacenta;
Lá há todo tipo de pessoas arruinadas
E pouca ou nenhuma diversão
Pouca justiça e ainda menos compaixão.
IL
Lá há um palácio e uma canalização
Um Cobbett e um Castlereagh
Todo tipo de corporações que roubam
Com todo tipo de artifícios contra
Corporações menos corruptas que elas.
M
[O Flâneur] 493
m.
Lá há um que perdeu o juízo
Ou o vendeu, ninguém sabe qual
Ele vagueia como um fantasma encurvado
E quase tão magro quanto a fraude
Sempre mais rico e mais resmungão.
IV
Lá há uma chancelaria; um rei;
Uma ralé de comerciantes; uma gangue
De ladrões, eleita por si mesma
Para representar ladrões iguais;
Um exército; e uma dívida pública.
V
A qual é um astucioso papel-moeda
Que simplesmente significa:
'Abelhas, guardai vossa cera — dai-nos o mel
E no verão plantaremos flores
Para o inverno.’
VI.
Lá há muitas falas sobre revolução
E grandes perspectivas para o despotismo
Soldados alemães - campos - confusão
Tumultos - loterias - fúria - ilusão
Gim - suicídio e metodismo.
VII.
E também impostos, sobre vinho e pão
E carne e cerveja e queijo e chá
Com os quais são mantidos nossos patriotas
Que antes de cair na cama
Devoram dez vezes mais que os outros.
^54 ■ Passagens
DC
Há também advogados, juízes, velhos beberrões
Meirinhos, conselheiros
Bispos, pequenos c grandes caloteiros
Maus poetas, panfletários, especuladores
Soldados gloriosos
X
Homens cuja profissão é apoiar-se nas damas
Flertar e endeusar e sorrir
Até que tudo o que é divino numa mulher
Se torne atroz, fútil, vão e desumano
Crucificado entre um sorriso e um pranto.”
Shelley, “Peter Bell the Third” (“Parte Terceira: Inferno”). 20 Do manuscrito de Brecht.
[M 18]
Passagens esclarecedoras sobre a multidão: no conto “Des Vetters Eckfenster” [A janela de
esquina do primo], o visitante pensa que o primo só observa a agitação do mercado para
apreciar o jogo cambiante das cores. E pensa que, com o passar do tempo, isto deveria ser
cansativo. De maneira semelhante e mais ou menos na mesma época, Gogol escreve em
“O documento perdido” a respeito da feira de Konotopa: “Era tanta gente a caminho, que
tudo dançava diante dos olhos.” Russische Gespenster-Geschichten , Munique, 1921, p. 69.
[M 18a, 1]
Tissot, para justificar sua sugestão de taxar os cavalos de luxo: “O barulho insuportável que
fazem dia e noite as vinte mil carruagens particulares circulando nas mas de Paris, a trepidação
contínua das casas, e o desconforto e a insônia que daí resultam para a maior parte dos
habitantes de Paris merecem uma compensação.” Amédée de Tissot, Paris et Londres Comparés,
Paris, 1830, pp. 172-173-
[M 18a, 2]
O flâneur e as vitrines: “Primeiro, há os flâneurs do boulevard, cuja existência toda se passa
entre a igreja da Madeleine e o Théâtre du Gymnase. Cada dia é possível vê-los voltar a esse
estreito espaço que não ultrapassam nunca, examinando as vitrines, contando os consumidores
instalados na entrada dos cafés... Eles saberão dizer se Goupil ou Deforge estão expondo
uma nova gravura, um novo quadro; se Barbedienne mudou de lugar um vaso ou um
arranjo; conhecem de cor todos as tomadas dos fotógrafos e recitariam sem erro a seqüência
das tabuletas comerciais.” Pierre Larousse, Grand Dictionnaire Universel, Paris, 1872,
vol. VIII, p. 436.
[M 18a, 3]
20 Cf. Percy Bysshe Shelley, Poética I Works, ed. org. por Thomas Hutchinson e G. M. Matthews (1905,
reimpressão 1970), Londres, Oxford University Press, pp. 350-351. (E/M)
M
[0 Flàneur] 495
Sobre o caráter provinciano de “Des Vetters Eckfenster”: “Desde aquele período de desgraças,
iqEiando um inimigo insolente e atrevido invadiu o país”, os costumes dos berlinenses se
dfevaram. Veja, caro primo, como hoje, ao contrário, o mercado oferece a graciosa imagem
do bem-estar e da tranquilidade moral.” E. T. A. Hoffmann, Ausgewãhlte Schriften ,
'ooL XIV, Stuttgart, 1839, pp. 238 e 240.
[M 19, 1]
O homem-sanduíche é a última encarnação do flâneur.
IM 19, 2]
Isobre o caráter provinciano de “Des Vetters Eckfenster”: o primo quer ensinar a seu visitante
os ‘princípios da arte de olhar”.
[M 19, 3]
Em de julho de 1838, G. E. Guhrauer escreve a Varnhagen a respeito de Heine: “Ele
scrria muito, na primavera, com problemas nos olhos. Da última vez, acompanhei-o em
um trecho dos boulevards. O esplendor e a vida desta via única em seu gênero provocavam
em mim uma admiração incansável, à qual Heine desta vez contrapôs enfaticamente o que
riavia de horrível neste centro do mundo.” Cf. Engels sobre a multidão. Heinrich Heine,
Gesprãche, ed. org. por Hugo Biebcr, Berlim, 1926, p. 183.
[M 19, 4]
‘Esta cidade, onde reina uma vida, uma circulação, uma atividade sem igual, é também,
ror um singular contraste, aquela onde se encontra o maior número de ociosos, preguiçosos
e vagabundos.” Pierre Larousse, Grand Dictionnaire Universel, Paris, 1872, vol. VIII,
p. 436 (verbete: “Flâneur”).
[M 19, 5]
Hegel à sua mulher, em 3 de setembro de 1827, de Paris: “Quando ando pelas ruas, as
pessoas se parecem com as de Berlim — vestidas da mesma maneira, praticamente os mesmos
rostos — , o mesmo aspecto, mas em meio a uma massa populosa.” Briefe von und an Hegel ,
ed. org. por Karl Hegel, Leipzig, 1887, Parte II, p. 257 {Werke, vol. XIX, tomo 2).
[M 19, 6]
Londres
“E um espaço imenso, de uma tal extensão
Que é preciso um dia de hirondelle para atravessá-lo,
E nada se vê, ao longe, senão o acúmulo
Dc casas, palácios, altos monumentos,
Plantados ali pelo tempo, sem muita simetria;
Negros e longos tubos, campanários da indústria.
De ventre quente e goela sempre escancarada
Exalando nos ares a fumaça em grandes baforadas;
Vastas cúpulas brancas e flechas góticas
Flutuando no vapor sobre pilhas de tijolos;
496 m Passagens
Um rio inabordável, um rio revolto
Derramando seu lodo negro por desvios sinuosos,
Lembrando o terror das ondas infernais;
Gigantescas pontes de pilares descomunais
Como o Colosso de Rodes, através de seus arcos,
Deixando passar milhares de barcos;
Um mar infecto e sempre ondulante
Trazendo e levando as riquezas do mundo;
Canteiros em movimento, lojas abertas,
Capazes de guardar em seus flancos o universo;
Além, um céu atormentado, nuvem sobre nuvem;
O sol, como um morto, com um lençol sobre o rosto.
Ou, por vezes, nas vagas de um ar envenenado
Mostrando como um mineiro sua fronte escurecida,
Enfim, num amontoado de coisas, sombrio, imenso,
Um povo negro, vivendo e morrendo em silêncio,
Seres aos milhares seguindo o instinto fatal,
E correndo atrás do ouro para o bem e o mal.”
Confrontar com a resenha escrita por Baudelaire sobre Barbier, sua descrição de Meryon,
poemas dos Tableaux Parisiens. Na poesia de Barbier, distinguem-se claramente dois elementos
- a “descrição” da cidade grande e a reivindicação social. Destes encontram-se apenas
vestígios em Baudelaire; em sua obra eles se uniram em um terceiro elemento totalmente
heterogêneo. Auguste Barbier , Jambes et Poèmes, Paris, 1841, pp. 193-194. — O poema
pertence ao ciclo “Lazare”, que data de 1837.
[M 19a, 1]
Se comparamos o texto de Baudelaire sobre Meryon com “Londres”, de Barbier, surge a
pergunta se a imagem lúgubre da “mais inquietante das capitais”, ou seja, a imagem de
Paris não foi fortemente determinada pelos escritos de Barbier e de Poe. Certamente Londres
estava à frente de Paris, quanto ao desenvolvimento industrial.
[M 19a, 2]
Início da “Seconde Promenade” de Rousseau: “Tendo, pois, formado o projeto de descrever
o estado habitual de minha alma na mais estranha condição em que se possa jamais encontrar
um mortal, não vi m an eira mais simples e mais segura de executar tal empreendimento
que manter um registro fiel de meus passeios solitários e dos devaneios que os preenchem,
quando deixo minha cabeça inteiramente livre e minhas idéias seguirem sua inclinação
sem resistência nem constrangimento. Essas horas de solidão e meditação são as únicas do
dia em que sou plenamente eu mesmo, senhor de mim, sem distrações, sem obstáculos, e
em que posso verdadeiramente dizer que sou o que a natureza quis.” Jean-Jacques Rousseau,
Les Rêveries dn Promeneiir Solitaire , precedido de Dix Jours à Ermenonville , de Jacques de
Lacretelle, Paris, 1926, p. 15. - Esta passagem representa o elo entre a contemplação e o
M
[0 Flâneur] 497
ócio. É significativo que Rousseau - em seu ócio — já frui a si mesmo, mas ainda não
realizou a mudança de voltar-se para o exterior.
:m 20, u
"'London Bridge. Passei há algum tempo sobre a Ponte de Londres e me detive para olhar
o que amo: o espetáculo de uma água rica, pesada e complexa, ornada de lençóis de nácar,
perturbada por manchas de lama, confusamente carregada de tantos navios... Apoiei-me...
A volúpia da visão me invadia com a força de uma sede, e me prendia àquela luz deliciosamente
composta, cuja riqueza eu não podia esgotar. Mas sentia atrás de mim o trotar e o escorrer
incessante de todo um povo invisível, de cegos eternamente impelidos ao objeto imediato
de suas vidas. Parecia-me que essa multidão não se compunha de seres individuais, cada
um com sua história, seu deus único, seus tesouros e suas taras, um monólogo e um
destino; eu fazia deles, sem o saber, à sombra de meu corpo, ao abrigo de meus olhos, um
fluxo de grãos todos idênticos, identicamente aspirados por não sei qual vazio, e cuja corrente
surda e precipitada eu escutava passar monotonamente sobre a ponte. Nunca experimentei
tamanha solidão, e misturada com orgulho e angústia.” Paul Valéry, Cboses Tues , Paris,
1930, pp. 122-124.
[M 20, 2)
A flânerie se baseia, entre outras coisas, no pressuposto de que o fruto do ócio é mais
precioso <?> que o do trabalho. Como se sabe, o flâneur realiza “estudos”. O Larousse do
século XIX diz a esse respeito o seguinte: “Seu olho aberto e seu ouvido atento procuram
coisa diferente daquilo que a multidão vem ver. Uma palavra lançada ao acaso lhe revela um
desses traços de caráter que não podem ser inventados e que é preciso captar ao vivo; essas
fisionomias tão ingenuamente atentas vão fornecer ao pintor uma expressão com a qual ele
sonhava; um ruído, insignificante para qualquer outro ouvido, vai tocar o do músico e lhe
dar a idéia de uma combinação harmônica; mesmo ao pensador, ao filósofo perdido em seu
devaneio, essa agitação exterior é proveitosa: ela mistura e sacode suas idéias, como a
tempestade mistura as ondas do mar... Os homens de gênio, em sua maioria, foram grandes
flàneurs; mas flâneurs laboriosos e fecundos... Muitas vezes, é na hora em que o artista e o
poeta parecem menos ocupados com sua obra que eles estão mais profundamente imersos
nela. Nos primeiros anos deste século, via-se todo dia um homem dar a volta nas fortificações
da cidade de Viena, não importando o tempo que fizesse, neve ou sol: era Beethoven que,
flanando, repetia em sua cabeça suas admiráveis sinfonias antes de lançá-las no papel; para
ele, o mundo não existia mais; em vão o cumprimentavam respeitosamente em sua
caminhada - ele não percebia; seu espírito estava em outro lugar.” Pierre Larousse, Grand
Dictionnaire Universel, Paris, 1872, vol. VIII, p. 436 (verbete: “Flâneur”).
[M 20a, 1]
Sob os tetos de Paris: “Essas savanas de Paris eram formadas por telhados nivelados como uma
planície, mas que cobriam abismos povoados.” Balzac, La Peau de Chagrin , Ed. Flammarion,
p. 95. O fim de uma longa descrição da paisagen dos telhados de Paris.
[M 20a, 2]
Descrição da multidão em Proust: “Todas essas pessoas que andavam sobre o dique,
balançando o corpo como se estivessem no convés de um navio (porque não sabiam erguer
uma perna sem ao mesmo tempo mover o braço, virar os olhos, levantar os ombros, compensar
498 ■ Passagens
com um movimento balanceado o movimento que acabavam de fazer do lado oposto, e
congestionar o rosto), e que, fingindo não ver as outras pessoas para mostrar que não se
preocupavam com elas, espiavam, porém, aquelas que andavam ao seu lado ou vinham em
senndo inverso para não correrem o risco de se chocarem, batiam contra elas, seguravam-se
nelas, porque tinham sido reciprocamente o objeto da mesma atenção secreta, disfarçada
sob o mesmo desdém aparente; o amor — e conseqüentemente o temor — da multidão
sendo um dos mais poderosos estímulos em todos os homens seja porque procuram agradar
aos outros ou impressioná-los, seja para lhes mostrar que os desprezam.” Marcei Proust.
À 1’Ombre des Jeunes Filies en Fleurs, vol. III, Paris, p. 3b. 21
[M 21, II
A crítica das Nouvelles histoires extraordinaires, publicada por Armand de Pontmartin em Le
Spectateur , de 29 de setembro de 1857, contém uma ffasc que, embora se referindo ao
caráter geral do livro, teria seu verdadeiro lugar em uma análise do “Homem da multidão”:
“Estava bem ali, sob uma forma cativante, essa implacável dureza democrática e americana,
não considerando mais os homens senão como números e, no fim, atribuindo aos números
alguma coisa da vida, da alma e do poder do homem.” Mas será que esta frase não se refere
mais especificamente às Histoires Extmordinaires , publicadas anteriormente? (E onde se
encontra o “Homem da multidão”?) Baudelaire, (Euvres Completes , Traduções: Nouvelles
Histoires Extmordinaires, Paris, ed. Crépet, 1933, p. 315. - A crítica no fundo é maldosa
|M 21, 21
O espírito do sonambulismo encontra seu lugar em Proust (não sob este nome): “Este
espírito de fantasia que faz tão bem às damas que dizem para si mesmas: ‘como será divertido!’
e as faz terminar a noite de maneira deveras fatigante, buscando forças para acordar alguém
a quem hnalmente não se sabe o que dizer, permanecer ao lado de sua cama por um
momento em seu casaco de soirée, para, ao constatar que é muito tarde, terminar indo para
casa deitar-se.” Marcei Proust, Le Temps Retrouvé, vol. II, Paris, p. 185. 22
[M 21a. 1]
Os projetos arquitetônicos mais específicos do século XIX — estações ferroviárias, pavilhões
de exposição, lojas de departamentos (segundo Giedion) - têm todos por objeto um interesse
coletivo. O flâneur sente-se atraído por estas construções “desacreditadas e cotidianas”,
como diz Giedion. Nelas já está prevista a aparição de grandes massas no palco da história
Elas constituem a moldura excêntrica na qual as últimas pessoas privadas gostavam tanto
de se exibir. (Cf K la, 5)
[M 21a, 2]
21 M. Proust, À la Recherche du Temps Perdu, I, pp. 788-789. (J.L.)
22 Op. cit., III, p. 994. (J.L.)
N
[Teoria do Conhecimento, Teoria do Progresso]
"Os tempos são mais interessantes que os homens."
Honoré de Balzac, Critique Littéraire, Introdução de Louis
Lumet, Paris, 1912, p. 103 [Guy de la Ponneraye, Histoire
de 1'Amiral Coligny .]
"A reforma da consciência consiste apenas
em despertar o mundo ... do sonho de si mesmo."
Karl Marx, Der historische Materialismus:
Die Frühschriften , Leipzig, 1932, vol. I, p. 226 (Carta de
Marx a Ruge, Kreuzenach, setembro de 1843.)
Nos domínios de que tratamos aqui, o conhecimento existe apenas em lampejos. O texto
é o trovão que segue ressoando por muito tempo.
[N 1, 1]
Comparação das tentativas dos outros com empreendimentos de navegação, nos quais os
navios são desviados do Pólo Norte magnético. Encontrar esse Pólo Norte. O que são
desvios para os outros, são para mim os dados que determinam a minha rota. - Construo
meus cálculos sobre os diferenciais de tempo - que, para outros, perturbam as “grandes
da pesquisa.
[N 1, 2]
Diaer algo sobre o próprio método da composição: como tudo em que estamos pensando
[nimante um trabalho no qual estamos imersos deve ser-lhe incorporado a qualquer preço,
frjp pelo fato de que sua intensidade aí se manifesta, seja porque os pensamentos de
ão carregam consigo um télos em relação a esse trabalho. É o caso também deste
ranjjjexo, que deve caracterizar e preservar os intervalos da reflexão, os espaços entre as partes
essenciais deste trabalho, voltadas com máxima intensidade para fora.
[N 1, 3]
cultiváveis regiões onde até agora viceja apenas a loucura. Avançar com o machado
da razão, sem olhar nem para a direita nem para a esquerda, para não sucumbir ao
que acena das profundezas da selva. Todo solo deve alguma vez ter sido revolvido
i razão, carpido do matagal do desvairio e do mito. E o que deve ser realizado aqui para
do século XIX.
[N I, 4]
5Q0 a Passagens
A redação deste texto que trata das passagens parisienses foi iniciada ao ar livre, sob um céu
azul sem nuvens, arcado como uma abóbada sobre a folhagem e que, no entanto, foi
coberto com o pó dos séculos por milhões de folhas, nas quais rumorejam a brisa fresca do
labor, a respiração ofegante do estudioso, o ímpeto do zelo juvenil c o leve e lento sopro da
curiosidade. Pois o céu de verão pintado nas arcadas, que se debruça sobre a sala de leitura
da Biblioteca Nacional de Paris, estendeu sobre ela seu manto opaco e sonhador.
[N 1, 5]
O páthos deste trabalho: não há épocas de decadência. Tentativa de ver o século XIX de
maneira tão positiva quanto procurei ver o século XVII no trabalho sobre o drama barroco.
Nenhuma crença em épocas de decadência. Assim também (fora dos limites) qualquer
cidade para mim é bela; e, por isso, não acho aceitável qualquer discurso sobre o valor
maior ou menor das línguas.
& LN 1, 6]
E, depois, o lugar- envidraçado diante do meu assento na Staatsbibliothek; círculo mágico
intocado, terra virgem a ser pisada por figuras que evoco.
O lado pedagógico deste projeto: “Educar em nós o médium criador de imagens para um
olhar estereoscópico e dimensional para a profundidade das sombras históricas.” São palavras
de Rudolf Borchardt, Epikmmena zu Dante, vol. I, Berlim, 1923, pp. 56-57.
r 6 [N 1, 8]
Delimitação da tendência deste trabalho em relação a Aragon: enquanto Aragon persiste
no domínio do sonho, deve ser encontrada aqui a constelação do despertar. Enquanto em
Aragon permanece um elemento impressionista — a “mitologia” - e a esse impressionismo
se devem os muitos filosofemas vagos do livro 1 2 - trata-se aqui da dissolução da “mitologia”
no espaço da história. Isso, de fato, só pode acontecer através do despertar de um saber
ainda não consciente do ocorrido.
[N 1, 91
Este trabalho deve desenvolver ao máximo a arte de citar sem usar aspas. Sua teoria está
intimamente ligada à da montagem. ^
“À exceção de um certo charme sofisticado, os drapeados artísticos do século passado pegaram
mofo.” <Sigfried> Giedion, Bauen in Frankreich , Leipzig-Berlim, 1928, p. 3. Cremos,
porém, que a atração que exercem sobre nós revela que também conservam substancias
vitais para nós - não tanto para nossa arquitetura, como ocorre com as antecipações
construtivas das estruturas de ferro, mas para o nosso conhecimento, ou se preferirmos,
para a radioscopia da situação da classe burguesa no momento em que nela surgem os
primeiros sinais de decadência. Em todo caso, matérias de vital importância no plano
político - como o demonstram tanto a fixação dos surrealistas por estas coisas quanto a
exploração delas pela moda atual. Em outras palavras: exatamente como Giedion nos ensina
1 W. Benjamin, Ursprung des deutschen Trauerspiels (1928), in: GS I, 203-430; Origem do Drama
Barroco Alemão (ODBA). (R.T.; w.b.)
2 A referência é Louis Aragon, Le Paysan de Paris, Paris, 1926; ed. brasileira: O Camponês de Paris,
apres., trad. e notas de Flávia Nascimento, Rio de Janeiro, Imago, 1996. (R.T.; w.b.)
N
ITeoria do Conhecimento, Teoria do Progresso]
501
il extrair da arquitetura da época, em torno de 1 850, os traços fundamentais da arquitetura
álc boje. queremos reconhecer, nas formas aparentemente secundárias e perdidas daquela
«j»ca. a vida de hoje, as formas de hoje.
>' 1, ti]
'“Nos degraus da Torre Eiffel, varridos pelo vento, ou melhor ainda, nas pernas de aço de
moa font transbordeur, confrontamo-nos com a experiência estética fundamental da
jBjuitetura de hoje: através da fina rede de ferro estendida no ar, passa o fluxo das coisas —
■avios, mar, casas, mastros, paisagem, porto. Elas perdem sua forma delimitada: quando
«afeseemos, elas rodopiam umas nas outras, e simultaneamente se misturam.” Sigfried
Çjãedion, Bauen in Frankreich, Leipzig-Berlim, p. 7. Assim também o historiador hoje tem
ijpc construir uma estrutura — filosófica — sutil, porém resistente, para capturar em sua
acde os aspectos mais atuais do passado. No entanto, assim como as magníficas vistas das
cidades oferecidas pelas novas construções de ferro — ver também as ilustrações 61-63 de
Giedion — ficaram durante muito tempo reservadas exclusivamente aos operários e
engenheiros, também o filósofo que deseja captar aqui suas primeiras visões deve ser um
operário independente, livre de vertigens e, se necessário, solitário.
IN la, 1]
Em analogia com o livro sobre o drama barroco, 3 que iluminou o século XVII através do
presente, deve ocorrer aqui o mesmo em relação ao século XIX, porém de maneira mais
■tüda.
[N la, 2]
ffequena proposta metodológica para a dialética da história cultural. É muito fácil estabelecer
diootomias para cada época, em seus diferentes “domínios”, segundo determinados pontos
Ac vista: de modo a ter, de um lado, a parte “fértil”, “auspiciosa”, “viva” e “positiva”, e de
«mirro, a parte inútil, atrasada e morta de cada época. Com efeito, os contornos da parte
ppnnva só se realçarão nitidamente se ela for devidamente delimitada em relação à parte
wfga ríva. Toda negação, por sua vez, tem o seu valor apenas como pano de fundo para os
cmaiornos do vivo, do positivo. Por isso, é de importância decisiva aplicar novamente uma
dfcwão a esta parte negativa, inicialmente excluída, -de modo que a mudança de ângulo de
visão (mas não de critérios!) faça surgir novamente, nela também, um elemento positivo e
diferente daquele anteriormente especificado. E assim por diante ad infinitum, até que
rodo o passado seja recolhido no presente em uma apocatástase 4 histórica.
[N la, 3)
O que foi dito anteriormente, em outros termos: a indestrutibilidade da vida suprema em
todas as coisas. Contra os profetas da decadência. E, com efeito: não se trata dc tuna afronta
a Goethe filmar o Fausto , e não existe um mundo entre o Fausto enquanto obra literária e o
filme? Sem dúvida. Entretanto, não existe também um mundo entre uma adaptação boa e
uma adaptação ruim do Fausto para o cinema? O que interessa não são os “grandes” contrastes,
e sim os contrastes dialéticos, que frequentemente se confundem com nuances. A partir
deles, no entanto, recria-se sempre a vida de novo.
[N la, 4]
3 Cf. nota 1 .
4 Apocatastasis = a "admissão de todas as almas no Paraíso". Cf. W. Benjamin, GS II, 458 ("Der Erzãhler" );
OE I, p. 216 ("0 narrador"). (J.L.; w.b.)
502 ■ Passa 9 ens
Compreender juntos Breton e Le Corbusier - isto significaria estender o espírito da França
atual como um arco, com o qual o conhecimento atinge o instante bem no coração.
Marx expõe a relação causal entre economia e cultura. O que conta aqui é a relação expressiva.
Não se trata de apresentar a gênese econômica da cultura, e sim a expressão da economia na
cultura. Em outras palavras, trata-se da tentativa de apreender um processo econômico
como fenômeno primevo perceptível, do qual se originam todas as manifestações de sida
das passagens (e, igualmente, do século XIX).
[N la.<
Este estudo, que trata fundamental mente do caráter expressivo dos primeiros produtos
industriais, das primeitas xonstruçÔes- industriais, das primeiras máquinas, mas também
das primeiras lojas. 4<e departamentos), reclames etc., torna-se com isso duplamente
importante parai o marxismo. Primeirafhente, o estudo apontará de que maneira o contexto
no qual surgiu a doutrina de Marx teve influência sobre ela através de seu caráter expressivo,
portanto, não só através de relações causais. Em segundo lugar, deverá mostrar sob que
aspectos também o marxismo compartilha o caráter expressivo dos produtos materiais que
lhe são contemporâneos. \
Método deste trabalho: montagem literária. Não tenho nada a dizer. Somente a mostrar.
Não surrupiarei coisas valiosas, nem me apropriarei de formulações espirituosas. Porém, os
farrapos, os resíduos: não quero inventaria-los, e sim fazer-lhes justiça da unica maneira
possível: utilizando-os.
F [N la, 81
Ter sempre em mente que o comentário de uma realidade (pois trata-se aqui de um
comentário, de uma interpretação de seus pormenores) exige um método totalmente
diferente daquele requerido para um texto. No primeiro caso, a ciência fundamental é a
teologia, no segundo, a filologia.
Pode-se considerar um dos objetivos metodológicos deste trabalho demonstrar um
materialismo histórico que aniquilou em si a idéia de progresso. Precisamente aqui o
materialismo histórico tem todos os motivos para se diferenciar rigorosamente dos hábitos
de pensamento burgueses. Seu conceito fundamental não e o progresso, e sim a atualização.
[N 2, 21
A “compreensão” histórica deve ser fundamentalmente entendida como uma vida posterior
do que é compreendido e, por isso, aquilo que foi reconhecido na análise da “vida posterior
das obras”, de sua “fortuna crítica”, deve ser considerado como o fundamento da história
em geral.
[N 2, 3]
Como este trabalho foi escrito: degrau por degrau, à medida que o acaso oferecia um
estreito ponto de apoio, e sempre como alguém que escala alturas perigosas e que em
N
[Teoria do Conhecimento, Teoria do Progresso]
503
momento algum deve olhar em volta a fim de não sentir vertigem (mas também para
reservar para o fim toda a majestade do panorama que se lhe oferecerá). ^ ^
A superação dos conceitos de “progresso” e de “época de decadência são apenas dois lados
de uma mesma coisa. rv 7 si
Um problema central do materialismo histórico a ser finalmente considerado: sera que a
compreensão marxista da história tem que ser necessariamente adquirida ao preço da
visibilidade [Anschaulichkeit] da história? Ou: de que maneira seria possível conciliar um
incremento da visibilidade com a realização do método marxista? A primeira etapa desse
caminho será aplicar à história o princípio da montagem. Isto é: erguer as grandes construções
a partir de elementos minúsculos, recortados com clareza e precisão. E, mesmo, descobrir
na análise do pequeno momento individual o cristal do acontecimento total. Portanto,
romper com o naturalismo histórico vulgar. Apreender a construção da história como tal.
Na estrutura do comentário. ■ Resíduos da historia ■ .
Uma citação de Kierkegaard em Wiesengrund, com este comentário: ‘“Pode-se também
chegar a uma mesma consideração do mítico quando se parte do elemento imagético.
Quando, numa época de reflexão, numa representação reflexiva, vê-se o elemento imagético
sobressair de maneira muito comedida e quase imperceptível, como um fóssil antediluviano,
lembrando uma outra forma de existência que apagou a dúvida, talvez fiquemos surpresos
com o fato de que o imagético tenha um dia desempenhado um papel tão importante.’
Esse ‘surpreender-se é refutado em seguida por Kierkegaard. No entanto, isso anuncia a
mais profunda intuição sobre as relações entre dialética, mito e imagem. Pois não é como algo
sempre vivo e atual que a natureza se impõe na dialética. A dialética detém-se na imagem e
cita, no acontecimento histórico mais recente, o mito como passado muito antigo: a natureza
como história primeva. Por isso, as imagens, como as do intérieur, que conduzem a dialética
e o mito a um ponto de indistinção, são verdadeiramente ‘fósseis antediluvianos . Podem
ser denominadas, segundo uma expressão de Benjamin, imagens dialéticas, cuja concludente
definição da alegoria vale também para a intenção alegórica de Kierkegaard como figura da
dialética histórica e da natureza mítica. Segundo ela, ‘na alegoria, a fades hippocratica da
história revela-se ao observador como paisagem primeva petrificada 5 . Theodor
Wiesengrund-Adorno, Kierkegaard , Tübingen, 1933, p. 60. ■ Resíduos da historia^ ^
Somente um observador superficial pode negar que existem correspondências entre o mundo
da tecnologia moderna e o mundo arcaico dos símbolos da mitologia. Num primeiro
momento, de fato, a novidade tecnológica produz efeito somente enquanto novidade. Mas
logo nas seguintes lembranças da infância transforma seus traços. Cada infância realiza algo
grande e insubstituível para a humanidade. Cada infância, com seu interesse pelos fenômenos
tecnológicos, sua curiosidade por toda a sorte de invenções e máquinas, liga as conquistas
tecnológicas aos mundos simbólicos antigos. Não existe nada no domínio da natureza que
seja por essência subtraído de tal ligação. Só que ela não se forma na aura da novidade, e
sim naquela do hábito. Na recordação, na infância e no sonho. ■ Despertar ■ ^ ^ ^
5 W. Benjamin, Ursprung des deutschen Trauerspiels, in: GS I, 343; ODBA, p. 188. (w.b.)
504 ■ Passagens
O momento histórico primevo no passado não é mais encoberto, como antes — isto também
é uma conseqüência e uma condição da tecnologia — , pela tradição da Igreja e da família.
O antigo horror pré-histórico já envolve o mundo de nossos pais porque não estamos mais
ligados a esse mundo pela tradição. Os universos de memória \Merkwelteri[ decompõem-se
mais rapidamente, o elemento mítico neles contido vem à tona mais pronta e brutalmente,
de maneira mais veloz deve ser erigido um novo universo de memória, totalmente diferente
e contraposto ao anterior. Eis como o ritmo acelerado da tecnologia se apresenta do ponto
de vista da história primeva atual. ■ Despertar ■
[N 2a, 2]
Não é que o passado lança sua luz sobre o presente ou que o presente lança sua luz sobre o
passado; mas a imagem é aquilo em que o ocorrido encontra o agora num lampejo, formando
uma constelação. Em outras palavras: a imagem é a dialética na imobilidade. Pois, enquanto
a relação do presente com o passado é puramente temporal e contínua, a relação do ocorrido
com o agora é dialética — não é uma progressão, e sim uma imagem, que salta. - Somente
as imagens dialéticas são imagens autênticas (isto é: não-arcaicas), e o lugar onde as
encontramos é a linguagem. ■ Despertar ■
[N 2a, 3]
Ao estudar, em Simmel, a apresentação do conceito de verdade de Gocthc, 6 ficou muito
claro para mim que meu conceito de origem [Urspntng] no livro sobre o drama barroco é
uma transposição rigorosa e concludente deste conceito goetheano fundamental do domínio
da natureza para aquele da história. Origem - eis o conceito de fenômeno originário
transposto do contexto pagão da natureza para os contextos judaicos da história. Agora, nas
Passagens, empreendo também um estudo da origem. Na verdade, persigo a origem das
formas e das transformações das passagens parisienses desde seu surgimento até seu ocaso,
e a apreendo nos fatos econômicos. Estes fatos, do ponto de vista da causalidade - ou seja,
como causas -, não seriam fenômenos originários; tornam-se tais apenas quando, em seu
próprio desenvolvimento - um termo mais adequado seria desdobramento — fazem surgir
a série das formas históricas concretas das passagens, assim como a folha, ao abrir-se, desvenda
toda a riqueza do mundo empírico das plantas.
[N 2a. 4]
“Estudando essa época tão próxima e tão longínqua, comparo-me a um cirurgião que
opera com anestesia local: trabalho em regiões insensíveis, mortas, e o doente, entretanto,
vive e ainda pode falar.” Paul Morand, 1900, Paris, 1931, pp. 6-7.
[N 2a, 5]
O que distingue as imagens das “essências” da fenomenologia é seu índice histórico.
(Heidegger procura em vão salvar a história para a fenomenologia, de maneira abstrata,
através da “historicidade”.) Estas imagens devem ser absolutamente distintas das categorias
das “ciências do espírito”, do assim chamado habitus, do estilo etc. O índice histórico das
imagens diz, pois, não apenas que elas pertencem a uma determinada época, mas, sobretudo,
que elas só se tornam legíveis numa determinada época. E atingir essa “legibilidade” constitui
um determinado ponto crítico específico do movimento em seu interior. Todo presente é
determinado por aquelas imagens que lhe são sincrônicas: cada agora é o agora de uma
determinada cognoscibilidade. Nele, a verdade está carregada de tempo até o ponto de
® Georg Simmel, Goethe, Leípzig, 1913, pp. 56-61; cf. GS I, 953-954. (R.T.)
N
[Teoria do Conhecimento, Teoria do Progresso]
505
aspkxür. (Esta explosão, e nada mais, é a morte da intentio, que coincide com o nascimento
dfa tempo histórico autêntico, o tempo da verdade.) Não é que o passado lança sua luz sobre
a ptesente ou que o presente lança sua luz sobre o passado; mas a imagem é aquilo em que o
ocorrido encontra o agora num lampejo, formando tuna constelação. Em outras palavras: a
imagem é a dialética na imobilidade. Pois, enquanto a relação do presente com o passado é
paramente temporal, a do ocorrido com o agora é dialética — não de natureza temporal, mas
mmagética. Somente as imagens dialéticas são autenticamente históricas, isto é, imagens
■fio-arcaicas. A imagem lida, quer dizer, a imagem no agora da cognoscibilidade, carrega
no mais alto grau a marca do momento crítico, perigoso, subjacente a toda leitura
[N 3, 1]
É importante afastar-se resolutamente do conceito de “verdade atemporal”. No entanto, a
nerdade não é — como afirma o marxismo — apenas uma função temporal do conhecer, mas
c ligada a um núcleo temporal que se encontra simultaneamente no que é conhecido e
■aquele que conhece. Isto é tão verdadeiro que o eterno, de qualquer forma, é muito mais
—4 drapeado em um vestido do que uma idéia.
[N 3, 2]
Esboçar a história das Passagens conforme o seu desenvolvimento. Seu componente
txnoriamente problemático: não renunciar a nada que possa demonstrar que a representação
■nattrialista da história é imagética [ bildhaft \ num sentido superior que a representação
«adicional.
[N 3, 3]
§®B®nulação de Ernst Bloch sobre o trabalho das Passagens: “A história mostra seu distintivo
JaScodand-Yard.” Foi no contexto de uma conversa na qual eu explicava como este trabalho
— comparável ao método da fissão nuclear — libera as forças gigantescas da história que
firam presas no “era uma vez” da narrativa histórica clássica. A historiografia que mostrou
' omn as coisas efetivamente aconteceram”, foi o narcótico mais poderoso do século.
[N 3, 4]
“A radade não nos escapará”, é o que se lê num dos epigramas [“Sinngedicht”] de Keller. 8
Assim é formulado o conceito de verdade com o qual pretende-se romper nestas exposições.
[N 3a, 1]
“Hklória primeva do século XIX” - esta não teria interesse, se apenas significasse que
fwrmas da história primeva deveriam ser encontradas nos repertórios do século XIX. Somente
«■uk o século XIX fosse apresentado como forma originária da história primeva - isto é,
■ono uma forma na qual toda a história primeva se agrupa de maneira nova em imagens
anc pertencem àquele século — o conceito de uma história primeva do século XIX teria
[N 3a, 2]
Seria o despertar a síntese da tese da consciência onírica e da antítese da consciência desperta?
Nesse caso, o momento do despertar seria idêntico ao “agora da cognoscibilidade , no qual
as coisas mostram seu rosto verdadeiro - o surrealista. Assim, em Proust, é importante a
' Cf. 0°, 71 e nota. (w.b.)
8 A referida frase não foi encontrada no "Sinngedicht" de Keller. (R.T.)
506 ■ Passa 9 ens
mobilização da vida inteira em seu ponto de ruptura, dialético ao extremo: o despertar.
Proust inicia com uma apresentação do espaço daquele que desperta.
[N 3a, 3]
“Sc insisto nesse mecanismo de contradição na biografia de um escritor ... é porque a
seqüência de seu pensamento não pode negligenciar os fatos que têm uma lógica diferente
daquela de seu pensamento tomado de forma isolada. É porque não há uma só idéia que
ele sustenrc que perdure verdadeiramente ... em face de fatos primordiais e muito simples:
que há a polícia e os canhões diante dos trabalhadores, que há a ameaça de guerra e o
fascismo que já reina... Faz parte da dignidade de um homem submeter suas concepções a
esses fatos, e não introduzir esses fatos, por um passe de mágica, em suas concepções, por
mais engenhosas que sejam.” Aragon, “D’Alfred de Vigny à Avdeenko”, Commune , II,
20 abr. 1935, pp. 808-809. Porém, é possível que, em contradição com meu passado, eu
estabeleça uma continuidade com o passado de um outro que ele, por sua vez, como
comunista, contesta. Neste caso, com o passado de Aragon, que no mesmo ensaio renega o
seu Paysan de Paris : “E, como a maioria de meus amigos, eu amava tudo aquilo que é falho,
que é monstruoso, o que não pode viver, o que não pode ter êxito... Eu era como eles,
preferia o erro a seu contrário.” p. 807.
[N 3a, 4]
<fase média>
Na imagem dialética, o ocorrido de uma determinada época é sempre, simultaneamente,
o “ocorrido desde sempre”. Como tal, porém, revela-se somente a uma época bem
determinada - a saber, aquela na qual a humanidade, esfregando os olhos, percebe como
tal justamente esta imagem onírica. E nesse instante que o historiador assume a tareia da
interpretação dos sonhos.
[N 4, 1]
A expressão “o livro da natureza” indica que se pode ler o real como um texto. Assim será
tratada aqui a realidade do século XIX. Nós abrimos o livro do que aconteceu.
[N 4, 2]
Assim como Proust inicia a história de sua vida com o despertar, toda apresentação da
história deve também começar com o despertar; no fundo, ela não deve tratar de outra
coisa. Esta exposição, portanto, ocupa-se com o despertar do século XIX.
[N 4, 3]
A utilização dos elementos do sonho ao despertar é o cânone da dialética. Tal utilização é
exemplar para o pensador e obrigatória para o historiador.
;n 4, 4]
Raphael procura corrigir a concepção marxista do caráter normativo da arte grega: “Se o
caráter normativo da arte grega é ... um fato histórico explicável..., devemos ... determinar
... quais foram as condições especiais que levaram a cada renascimento e, portanto, quais os
N
[Teoria do Conhecimento, Teoria do Progresso]
507
fatores especiais da ... arte grega que esses renascimentos aceitaram como modelo. De fato,
a arte grega em sua totalidade nunca possuiu um caráter normativo, os renascimentos ...
têm sua própria história... Somente uma análise histórica pode indicar a época na qual
nasceu a noção abstrata de uma norma ... da Antigüidade... Esta só foi criada pela
Renascença, isto é, pelo capitalismo primitivo e, em seguida, foi aceita pelo classicismo,
que ... começou a determinar seu lugar no encadeamento dos fatos históricos. Marx não
avançou nessa via com a plena medida das possibilidades do materialismo histórico. Mas
Raphael, Proudhon, Marx, Picasso, Paris, 1933, pp. 178-179.
[N 4, 5]
É próprio das formas técnicas de construção (em oposição às formas artísticas) que seu
progresso e seu êxito sejam proporcionais à transparência de seu conteúdo social. (Daí a
arquitetura em vidro.)
[N 4, 6]
Uma passagem importante em Marx: “É reconhecido, no que concerne ... por exemplo, a
epopéia ... que ... certas expressões importantes da arte não são possíveis senão num grau
pouco desenvolvido da evolução artística. Se isso é válido para as relações entre as diferentes
espécies de arte, no domínio da própria arte, já será menos surpreendente que isso também
seja válido para as relações entre a totalidade do domínio das artes e o desenvolvimento
geral da sociedade.” Citado sem referências (talvez Theorien des Mehrwerts, vol. I?) 9 em Max
Raphael, Proudhon, Marx, Picasso, Paris, 1933, p. 160.
[N 4a, lj
A teoria marxista da arte: ora presunçosa, ora escolástica.
(N 4a, 2]
Proposta para um ordenamento dos diversos graus da superestrutura, cm A. Asturaro, II
Materialismo Storico e la Sociologia Generale, Gênova, 1904 (resenha de Erwin Szabó em
Die Neue Zeit, XXIII, Stuttgart, I, p. 62): “Economia, família e parentesco. Direito. Guerra.
Política. Moral. Religião. Arte. Ciência.”
[N 4a, 3]
Curiosa afirmação de Engels sobre as “forças sociais”: “Uma vez compreendida sua natureza,
elas podem, nas mãos dos produtores associados, scr transformadas de soberanos demoníacos
em servos obedientes.” 10 (!) Engels, Die EntuAcklung des Sozialismus von der Utopie zur
Wissenschafi, 1882.
J [N 4a, 4]
Marx, no posfácio da segunda edição de O Capital. “A pesquisa deve apropriar-se da matéria
no detalhe, analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e descobrir seu
concatenamento interno. Somente depois de realizado este trabalho é que o movimento
real pode ser apresentado adequadamente. Se isso for alcançado, de modo que a vida do
material seja refletida agora de maneira ideal, então pode parecer que se está diante de uma
construção a priori.” Karl Marx, Das Kapital, ed. org. por K. Korsch, Berlim (1932), p. 45.
[N 4a, 5]
9 A passagem encontra-se na Introdução de Krítik der politischen Ôkonomie, de 1857; cf. Marx e Engels,
MEW, vol. XIII, 2 a ed., Berlim, 1964, pp. 640-641. (R.T.)
10 Marx e Engels, MEW, vol. XIX, Berlim, 1962, p. 223. (R.T.)
508 ■ Passagens
É necessário expor a dificuldade particular do trabalho historiográfico para o período posterior
ao fim do século XVIII. Depois do surgimento da grande imprensa, as fontes tornam-se
ilimitadas.
[N 4a, 6}
Michelet gosta de dar ao povo o nome de “bárbaros” — “Bárbaros. A palavra me agrada,
aceito-á” - e afirma a respeito de seus escritores: “Eles amam infinitamente, e até demais,
entregando-se às vezes até aos detalhes, com a santa inabilidade de Albrecht Dürer, ou com
o polimento excessivo de Jean-Jacques, que não esconde o bastante sua arte; pelo detalhe
minucioso, comprometem o conjunto. É preciso não repreendê-los demais; é ... a
extravagância da verve: essa seiva ... quer alcançar tudo ao mesmo tempo, as folhas, os frutos
e as flores; ela verga e torce os ramos. Os defeitos destes grandes trabalhadores encontram-
se freqüentemente em meus livros, que não têm aquelas boas qualidades. Não importai”
Michelet, Le Peuple, Paris, 1846, pp. XXXVI-XXXVII.
r [N 5, 11
Carta de Wiesengrund, de 5 de agosto de 1935- “A tentativa de reconciliar o momento do
sonho' mencionado pelo senhor - como o elemento subjetivo na imagem dialética - com
a concepção desta última como modelo ensejou-me algumas considerações... À medida
que o valor de uso morre nas coisas, as coisas alienadas são esvaziadas, atraindo para si
significados, como cifras. A subjetividade se apossa delas à medida que as investe de intenções
de desejo e temor. Pelo fato de as coisas mortas responderem, enquanto imagens, pelas
intenções subjetivas, estas se apresentam como imemoriais e eternas. Imagens dialéticas
são constelações entre coisas alienadas e o significado incipiente, detendo-se no instante de
indiferença entre a morte e o significado. Enquanto na aparência as coisas são despertadas
para o que é o mais novo, a morte transforma os significados no que é o mais antigo.” Com
respeito a estas considerações, deve-se ter em conta que, no século XIX, o número das
coisas “esvaziadas” aumenta numa medida e num ritmo antes desconhecidos, uma vez que
o progresso tecnológico retira continuamente de circulação os novos objetos de uso.
“O crítico pode tomar ... como ponto de partida qualquer forma da consciência teórica e
prática e desenvolver, a partir das próprias formas da realidade existente, a realidade verdadeira
como seu dever-ser e sua intenção final.” Karl Marx, Der historische Materialismus: Die
Frühschriften, ed. por Landshut e Mayer, Leipzig, 1932, vol. I, p. 225 (Marx a Ruge;
Kreuzenach, setembro de 1843). O ponto de partida do qual Marx fala aqui não corresponde
necessariamente ao último estágio do desenvolvimento. Ele pode ser empregado para épocas
muito remotas, cujo dever-ser e intenção final podem ser apresentados não em relação ao
estágio subseqüente ao desenvolvimento, e sim nele mesmo e como pré-formação do objetivo
final da história.
[N 5. 3]
Engels diz {Marx und Engels über Feuerbach: Aus dem Nachlass, Marx-Engels-Archiv, ed. org.
por D. Rjazanov, vol. I, Frankíúrt am Main (1928), p. 300): “Não esquecer que o direito,
como a religião, não tem uma história própria.” O que vale para ambos vale principalmente,
e de maneira decisiva, para a cultura. Pensar as formas de existência da sociedade sem
classes, segundo a imagem da humanidade civilizada, seria um contra-senso.
[N 5, 4]
N
[Teoria do Conhecimento, Teoria do Progresso]
509
“Nosso lema ... deve ser: reforma da consciência, não por meio de dogmas, e sim pela
análise da consciência mística, obscura a si mesma, seja em sua manifestação religiosa ou
política. Ficará claro que o mundo há muito possui o sonho de uma coisa, da qual precisa
apenas possuir a consciência para possuí-la realmente.” Karl Marx, Der historische
Materialismus: Die Frühschriften, ed. org. por Landshut e Mayer, Leipzig, 1932, vol. I,
p. 226-227 (Carta de Marx a Ruge; Kreuzenach, setembro de 1843).
[N 5a, 1]
A humanidade deve despedir-se de seu passado reconciliada — e uma forma de reconciliação
é a alegria. “O regime alemão atual..., a nulidade do Antigo Regime exibida aos olhos do
mundo, ... nada mais é que o comediante de uma ordem mundial cujos heróis verdadeiros
morreram. A história é radical e atravessa muitas fases quando leva para o túmulo uma
forma antiga. A última fase de uma forma da história universal é sua comédia. Os deuses da
Grécia que, de maneira trágica, já haviam sido feridos de morte no Prometeu Acorrentado de
Esquilo, tinham de morrer mais uma vez, de maneira cômica, nos Diálogos de Luciano. Por
que esta marcha da história? Para que a humanidade se despeça alegremente de seu passado.”
Karl Marx, Der historische Materialismus: Die Frühschriften, ed. org. por Landshut e Mayer,
Leipzig, vol. I, p. 268 (“Zur Kritik der Hegelschen Rechtsphilosophie ,> - “Sobre a crítica da
Fibsofia do Direito de Hegel”). O Surrealismo é a morte do século XIX na comédia.
J [N 5a, 2]
Maix {Marx und Engels über Feuerbach: Aus dem Nachlass. Marx-Engels-Archiv, vol. I,
Frankfurt a. M., 1928, p. 301): “Não existe história da política, do direito, da ciência etc.,
da arte, da religião etc.”
[N 5a, 3]
Em A Sagrada Família, diz-se do materialismo de Bacon: “A matéria, mostrando-se em seu
esplendor poético e sensual, sorri ao homem inteiro.” 11
r [N 5a, 4]
“Lamento só ter podido tratar de maneira muito incompleta os fatos da vida cotidiana -
alimentação, vestuário, habitação, costumes de família, direito privado, divertimentos,
relações sociais — que sempre constituíram o interesse principal da vida para a imensa
maioria dos indivíduos.” Charles Seignobos, Histoire Sincère de la Nation Française , Paris,
1933, p. XI.
[N 5a, 5]
Ad notam uma frase de Valéry: “O que distingue aquilo que é verdadeiramente geral é sua
fertilidade.”
[N 5a, 6]
A barbárie está inserida no próprio conceito de cultura: como conceito de um tesouro de
valores considerado de forma independente, não do processo de produção no qual nasceram
os valores, mas do processo no qual eles sobrevivem. Desta maneira, servem à apoteose
deste último <?>, não importando o quão bárbaro possa ser.
r [N 5a, 7]
Investigar como surgiu o conceito de cultura, qual seu senddo nas diferentes épocas e a que
necessidades correspondeu sua elaboração. Poderia evidenciar-se que, na medida em que
11 Marx e Engels, MEW, vol. II, Berlim, 1957, p. 135. (R.T.)
designa a soma dos “bens culturais”, ele seja de origem recente; certamente era desconhecido,
por exemplo, pelo clero, que no início da Idade Média promoveu uma guerra de
aniquilamento contra os testemunhos da Antigüidade.
[N 6, 1]
Michelet — um autor que, não importa onde seja citado, faz o leitor esquecer o livro no qual
aparece a citação.
[N 6, 2]
É de se enfatizar a apresentação gráfica particularmente cuidadosa dos primeiros escritos
sobre os problemas sociais e assistenciais, como Naville, De la Charité Légale, Frégier, Des
Classes Dangereuses etc.
[N 6, 3]
“Eu não saberia insistir demais sobre o fato de que, para um materialista esclarecido como
Lafargue, o determinismo econômico não é a ‘ferramenta absolutamente perfeita’ que pode
tornar-se a chave de todos os problemas da história’.” André Breton, Position Po li tique du
Surréalisme , Paris, 1935, pp. 8-9.
[N 6, 4]
Todo conhecimento histórico pode ser representado pela imagem de uma balança em
equilíbrio, que tem sobre um de seus pratos o ocorrido e sobre o outro o conhecimento do
presente. Enquanto no primeiro prato os fatos reunidos nunca serão insignificantes e
numerosos demais, o outro deve receber apenas alguns poucos pesos — grandes e maciços.
[N 6, 5]
“A única atitude digna da filosofia ... na era industrial é ... o retraimento. O cientificismo’
de um Matx não significa que a filosofia renuncia a sua tarefa ... e sim que ela se retrai até
que se tenha posto um fim à dominação de uma realidade inferior.” Hugo Fischer, Karl
Marx und sein Verhãltnis zu Staat und Wirtschafi, Jena, 1932, p. 59.
[N 6, 6]
Não é irrelevante a ênfase que Engels dá à “classicidade” no contexto da concepção
materialista da história. Para demostrar a dialética do desenvolvimento, ele evoca as leis que
“o próprio curso histórico fornece, na medida em que cada momento pode ser observado
no ponto de desenvolvimento de sua maturidade plena, de sua classicidade”. Cit. em
Gustav Mayer, Friedrich Engels, vol. II, Engels und der Aufitieg der Arbeiterbewegung in
Europa, Berlim, 1922, pp. 434-435.
[N 6, 7]
Engels em carta a Mehring, de 14 de julho de 1893: “É sobretudo esta aparência de uma
história autônoma das constituições de Estado, dos sistemas jurídicos e das representações
ideológicas em cada domínio particular que ofusca a maioria das pessoas. Quando Lutero
e Calvino ‘superam’ a religião católica oficial, quando Hegel ‘supera’ Fichte e Kant, e
Rousseau, com seu Contrato Social, indiretamente ‘supera’ o constitucional Montesquieu,
trata-se de um processo que, mantendo-se no âmbito da teologia, da filosofia, da ciência
política, representa uma etapa na história destes domínios do pensamento, sem ultrapassar
a esfera do pensamento. E desde que se somou a isso a ilusão burguesa relativa ao caráter
N
[Teoria do Conhecimento, Teoria do Progresso]
511
eterno e definitivo da produção capitalista, até mesmo a superação dos mercanrilistas pelos
fisiocratas e Adam Smith é considerada uma mera vitória do pensamento - não o reflexo
intelectual de fatos econômicos transformados, mas a visão correta, finalmente conquistada,
de condições reais, sempre presentes em todos os lugares.” Cit. em Gustav Mayer, Friedrich
Engels, vol. II, Friedrich Engels und der Aufstieg der Arbeiterbewegung in Europa , Berlim,
pp. 450-451.
[N 6a, 1]
■“O que Schlosser poderia replicar àquelas recriminações” (de ressentido rigor moral) “seria
o seguinte: que na história e na vida em geral, diferentemente do que ocorre na novela e no
romance, não se adquire uma superficial alegria de viver, por mais serenos que sejam os
sentidos e o espírito; que a contemplação da história pode não inspirar desprezo ou
misantropia, mas, decerto, uma visão severa do mundo e firmes princípios de vida; que,
pelo menos no que diz respeito aos maiores juízes da vida e dos homens, aos que souberam
medir a vida exterior a partir de sua própria vida interior, a um Shakespeare, um Dante,
um Machiavel, a essência do mundo sempre provocou uma tal impressão que conduz à
seriedade e ao rigor.” G. G. Gervinus, Friedrich Christoph Schlosser , Leipzig, 1861, in: Deutsche
Dmkreden, ed. por Rudolf Borchardt, Munique, 1925, p. 312.
IN 6a, 2]
É preciso investigar a relação entre a tradição e a técnica de reprodução. “As tradições ...
têm com as comunicações escritas em geral ... a mesma relação que as reproduções destas à
pena têm com as reproduções pela imprensa; a relação que as sucessivas cópias à mão têm
com as impressões simultâneas de um livro.” Cari Gustav Jochmann, Uber die Sprache,
Heidelberg, 1928, pp. 259-260 (“Die Rückschritte der Poesie” - “As regressões da poesia”).
[N 6a, 3]
Roger Caillois, “Paris, mythe moderne” ( Nouvelle Revue Française , XXV, n° 284, 1 maio
1937, p. 699) fornece uma lista das pesquisas que deveriam ser realizadas para melhor
esclarecer o assunto. 1) Descrições de Paris anteriores ao século XIX (Marivaux, Rétif de la
Bretonne); 2) A discussão entre girondinos e jacobinos a respeito da relação de Paris com a
província, a lenda dos dias revolucionários em Paris; 3) A polícia secreta sob o Império e a
Botauração; 4) Peinture morale de Paris em Hugo, Balzac, Baudclaire; 5) Descrições objetivas
; cidade: Dulaure, Du Camp; 6) Vigny, Hugo (Paris incendiada no “ano terrível”),
md.
[N7, 1]
É preciso estabelecer a relação entre a presença de espírito e o “método” do materialismo
dialético. Não se trata apenas de sempre poder demonstrar um processo dialético na presença
de espírito, considerada como uma das formas mais elevadas de comportamento apropriado.
O que é decisivo é que o dialético não pode considerar a história senão como uma constelação
de perigos, que ele — que acompanha seu desenvolvimento com o pensamento — está
sempre prestes a desviar.
[N 7, 2]
“A Revolução talvez seja mais um drama que uma história, e o patético nela é uma condição
mãe imperiosa quanto a autenticidade.” Blanqui, cit. em Gefifroy, LEnfermé, vol. I, Paris,
1926 , p. 232.
[N 7, 3]
5/2 ■ Passagens
Necessidade de prestar atenção, durante muitos anos, a qualquer citação casual, qualquer
menção fortuita de um livro. [N 7 J
Contrastar a teoria da história com a observação de Grillparzer, traduzida por Edmond
Jaloux nos “Joumaux intimes” (Le Temps , 23 maio 1937): “Ler o futuro é difícil, mas
enxergar puramente o passado é mais difícil ainda - digo puramente , isto é, sem misturar a
esse olhar retrospectivo tudo o que aconteceu no intervalo.” A “pureza” do olhar não só é
difícil, mas também impossível de ser alcançada. [N 7 3
É importante para o historiador materialista distinguir, com máximo rigor, a construção de
um estado de coisas histórico daquilo que se costuma denominar sua “reconstrução”. A
“reconstrução” através da empatia é unidimensional. A construção pressupõe a destruição ^
Para que um fragmento do passado seja tocado pela atualidade não pode haver qualquer
continuidade entre eles. rw t n
A história anterior [Vorgeschichte] e a história posterior [. Nachgeschichte ] de um fato históncn
aparecem nele graças a sua apresentação dialética. Além disso: cada fato histórico apresentado
dialeticamente se polariza, tornando-se um campo de forças no qual se processa o confronto
entre sua história anterior e sua história posterior. Ele se transforma neste campo de forças
quando a atualidade penetra nele. E assim o fato histórico se polariza em sua história
anterior e posterior sempre de novo, e nunca da mesma maneira. Tal polarização ocorre fora
do fato, na própria atualidade - como numa linha, dividida segundo o corte apolíneo, 12
em que a divisão é feita fora da linha. '
O materialismo histórico não aspira a uma apresentação homogêna nem tampouco contínua
da história. Do fato de a superestrutura reagir sobre a infra-estrutura resulta que não existe
uma história homogêna, por exemplo, a história da economia, nem tampouco existe uma
história da literatura ou do direito. Por outro lado, uma vez que as diferentes épocas do
passado são tocadas pelo presente do historiador em graus bem diversos (sendo muitas
vezes o passado mais recente nem sequer tocado pelo presente; este “não lhe faz justiça”),
uma continuidade da apresentação histórica é inviável.
Telescopage do passado através do presente.
A recepção de grandes e muito admiradas obras de arte e um ad p lures ire.
12 Trata-se provavelmente do "segmento áureo" (ou "proporção áurea", golden section), elaborado na
Grécia antiga e retomado pelo matemático italiano Leonardo de Pisa (Fibonacci). Cf. H. E. Huntley, A
Divina Proporção: Um Ensaio sobre a Beleza na Matemática, Brasília, Ed. UnB, 1985. (w.b.)
13 Esta expressão latina, cuja tradução literal é "ir para onde está a maioria", ocorre, por exemplo, em
Petrônio e significa "ir para a comunidade dos mortos". (E/M; w.b.)
N
[Teoria do Conhecimento, Teoria do Progresso]
513
A apresentação materialista da história leva o passado a colocar o presente numa situação
crítica.
ÍN 7a, 5]
£ minha intenção resistir àquilo que Valéry chama de “uma leitura lenta e pontuada de
resistências de um leitor difícil e refinado”. Charles Baudelaire, Les Fleurs du Mal, Introdução
de Paul Valéry, Paris, 1928, p. XIII.
[N 7a f 6 ]
Meu pensamento está para a teologia como o mata-borrão está para a tinta. Ele está
completamente embebido dela. Mas se fosse pelo mata-borrão, nada restaria do que está
escrito.
[N 7a, 7]
É o presente que polariza o acontecimento em história anterior e história posterior.
[N 7a, 8]
<fase tardia>
Sobre a questão do inacabamento da história, carta de Horkheimer de 16 de março de
193" 7 : “A afirmação do inacabamento é idealista se nela não está contido o acabamento.
A injustiça passada aconteceu e está consumada, acabada. As vítimas de assassinato foram
assassinadas de fato... Se levarmos o inacabamento a sério, teremos que acreditar no Juízo
final... Quanto ao inacabamento, talvez exista uma diferença entre o positivo e o negativo,
dt rorma que somente a injustiça, o terror e as dores do passado sao irreparáveis. A justiça
■atiç ada, as alegrias e as obras comportam-se de maneira diferente em relação ao tempo,
pois seu caráter positivo é amplamente negado pela fugacidade das coisas. Isto vale,
sobretudo, para a existência individual, na qual não a felicidade, e sim a infelicidade é
adiada pela morte.” O corretivo desta linha de pensamento pode ser encontrado na
consideração de que a história não é apenas uma ciência, mas igualmente uma forma de
acmeinoração. O que a ciência “estabeleceu”, pode ser modificado pela rememoração. Esta
pode transformar o inacabado (a felicidade) em algo acabado, e o acabado (o sofrimento)
cm algo inacabado. Isto é teologia; na rememoração, porém, fazemos uma experiência que
mas proíbe de conceber a história como ftindamentalmente ateológica, embora tampouco
mas seja permitido tentar escrevê-la com conceitos imediatamente teológicos.
[N 8, 1]
A ãinçáo inequivocamente regressiva que a doutrina das imagens arcaicas tem para Jung
«em k tona no seguinte trecho do ensaio “Uber die Beziehungen der analytischen Psychologie
— n dichterischen Kunstwerk” (“Sobre as relações da psicologia analítica com a obra de
■e literária”): “O processo criativo ... consiste em uma ativação inconsciente do arquétipo
't er sua ... elaboração, até resultar na obra perfeita. A nova configuração daquela imagem
■a é, de certa forma, sua tradução para a língua do presente... Nisso reside o significado
da arte: ... ela traz à tona as formas de que mais sente falta o espírito do tempo.
514 ■ Passagens
Insatisfeito com o presente, o desejo do artista se retrai até atingir no inconsciente a imagem
arquetípica, apta a compensar ... a unilateralidade do espírito do tempo. O desejo apodeia-
se desta imagem e, ao aproximá-la da consciência, muda também sua forma até que da
possa ser apreendida pelo homem do presente segundo sua capacidade de compreensão-*
C. G. Jung, Seelenprobkme der Gegenivart , Zurique-Leipzig-Stuttgart, 1932, p. 71. Assim,
a teoria esotérica da arte acaba por tornar os arquétipos “acessíveis” ao “espírito do tempo*
[N a m
Na produção de Jung, um dos elementos que foram trazidos à luz de maneira pioneira t
eruptiva pelo Expressionismo chega a ter um efeito tardio e particularmente eficaz, com':
se pode reconhecer hoje. Trata-se de um niilismo específico dos médicos, como aqudit
encontrado também nas obras de Benn, c que tem um representante tardio em Céline.'
Este niilismo resultou do choque que o interior do corpo provocou nos profissionais quaí
tratam dele. O próprio Jung atribui ao Expressionismo o crescente interesse pelo psíqukm
e escreve: “A arte expressionista antecipou profeticamente esta orientação, assim como ai
arte sempre capta intuitivamente, por antecipação, as orientações futuras da consciência
geral.” ( Seelenprobleme der Gegenwart , Zurique-Leipzig-Stuttgart, 1932, p. 415 — “Ds
Seelenproblem des modernen Menschen”). A este respeito, é preciso não perder de vista as
relações que Lukács estabeleceu entre o Expressionismo e o fascismo. (Cf. K 7a, 4)
[N&s-íí!
“A tradição, fábula errante que se recolhe.
Entrecortada como o vento nas folhas.”
Victor Hugo, La Fin de Satan, Paris, 1886, p. 235.
1N&.2
Julien Benda, em Un Régulier dam le Siècle, cita esta frase de Fustel de Coulanges:
quiserdes reviver uma época, esquecei tudo que sabeis sobre o que se passou depois ddb.1
Esta é a magna charta secreta da apresentação da história própria da escola histórica, c
Benda é pouco convincente quando acrescenta: “Fustel nunca disse que esse era
procedimento adequado para compreender o papel de uma época na história.”
[N San,
Investigar se existe uma relação entre a secularização do tempo no espaço e a visão aleg~~
De qualquer modo, a primeira, como se torna claro no último escrito de Blanqui, esai
oculta na “imagem científica do mundo” da segunda metade do século. (Secularização i
história em Heidegger.) 14
[N 6*,'
Goethe anteviu a crise da educação burguesa. Ele a enfrenta no Wilbelm Meister. Ec
caracteriza em sua correspondência com Zelter.
[N Sa,
Wilhelm von Humboldt desloca o centro de gravidade para as línguas, Marx e
deslocam-no para as ciências naturais. Mas também o estudo das línguas possui
14 Referência a Auguste Blanqui, UÉternité par lesAstres (1872), cf. [D 5a, 1]; e a Martin Heidegger, Sair
und Zeit (Ser e Tempo, 1927), parágrafo 3. (E/M)
N
[Teoria do Conhecimento. Teoria do Progresso] 515
econômicas. Ele vai ao encontro do comércio mundial, enquanto o estudo das ciências
naturais vai ao encontro do processo de produção.
[N 9, 1]
Ura método científico se distingue pelo lato de. ao encontrar novos objetos, desenvolver
“dos - exatamente como a forma na ane qne. ao condutor a novos conteúdos,
daàenvolvenovas formas. Apenas ex.etiorraente ura. obra de ane tera uma e — uma
forma, e um tratado científico tem um e somente um método.
Sobre o conceito de “salvação”: o vento do absoluto nas velas do conceito. (O princípio do
vento é o elemento cíclico.) A posição das velas e o elemento re ativo. [N 9> 3]
Os fenômenos são salvos de quê? Não apenas - nem principalmente - do descrédito e do
2“ ue caíram, mas da catástrofe, que é representada murtas vezes por um certo
tino de tradição sua “celebração como patrimônio”. - São salvos pela demonstração de qu
iste neles uma ruptura ou descontinuidade [Sprung] . - Existe uma tradiçao que e catástrofe.
\ especificidade da experiência dialética consiste em dissipar a aparência do sempre-igual
repetição - na história. A experiência política autêntica esta absolutamente
livre desta aparência. [N 9, 5]
Para o dialético, o que importa é ter o vento da história universal [Weltgescbichte] em suas
velas. Pensar significa para ele: içar as velas. O que é decisivo é como elas são posicionadas.
As palavras são suas velas. O modo como são dispostas transforma-as em conceitos. ^ ? ^
A imagem dialética é uma imagem que lampeja. É assim, como uma imagem que lampeja
no agora da cognoscibilidade, que deve ser captado o ocorrido. A salvação que se realiza
deste modo - e somente deste modo - não pode se realizar senão naquilo que estara
irremediavelmente perdido no instante seguinte. Em relação a isso, conferir o trec o
metafórico de minha introdução a Jochmann sobre o olhar profético que se acende nos
cumes do passado. 15 jn 9 , 7 ]
Ser dialético significa ter o vento da história nas velas. As velas são os conceitos. Porém, não
basta dispor das velas. O decisivo é a arte de posiciona-las. [N 9 8]
O conceito de progresso deve ser fundamentado na idéia de catástrofe. Que as coisas
continuam assim” - eis a catástrofe. Ela não consiste naquilo que está por acontecer em
cada situação, e sim naquilo que é dado em cada situação. Assim Stnndberg afirma (em
Rumo a Damasco ?): o inferno não é aquilo que nos aguarda, e sim esta vida aqui.
15 C1 w . Benjamin, "Einleítung" [Introduçãol [para] Cari Gustav Jochmann, Die Rückschritte derPoesie, in:
GS II, 572-585.
■ Passagens
É bom dar uma conclusão não-aguçada a pesquisas materialistas.
[N 9a, 2]
Da salvação faz parte a apreensão firme, aparentemente brutal.
[N 9a, 3]
A imagem dialética é aquela forma do objeto histórico que satisfaz às exigências de Goethe
para o objeto de uma análise: revelar uma síntese autêntica. É o fenômeno originário da
história.
[N 9a, 4]
A celebração ou apologia está empenhada em encobrir os momentos revolucionários do
curso da história. Ela almeja intensamente a produção de uma continuidade, e dá
importância apenas àqueles elementos da obra que já fazem parte da influência que ela
exerceu. Escapam a ela os pontos nos quais a tradição se interrompe e, com isso, escapam-
lhe as asperezas e as saliências que oferecem um apoio àquele que pretende ir além ^ ^
O materialis mo histórico precisa renunciar ao elemento épico da história. Ele arranca, por
uma explosão [sprengt ab], a época da “continuidade da história” reificada. Mas ele faz
explodir [sprengt auf] também a homogeneidade dessa época, impregnando-a com ecmsito,
isto é, com o presente. 16
r [N 9a, 6]
Em toda obra de arte autêntica existe um lugar onde aquele que a penetra sente uma
aragem como a brisca fresca de um amanhecer. Daí resulta que a arte, muitas vezes considerada
refratária a qualquer relação com o progresso, pode servir a sua verdadeira definição.
O progresso não se situa na continuidade do curso do tempo e sim em suas interferências,
onde algo verdadeiramente novo se faz sentir pela primeira vez, com a sobriedade do
amanhecer.
[N 9a, 7]
Para o historiador materialista, cada época com a qual ele se ocupa é apenas a história
anterior da época que lhe interessa. Por isso mesmo, não existe para ele a aparência da
repetição na história, uma vez que precisamente os momentos do curso da história que
mais lhe importam tornam-se eles mesmos — em virtude de seu índice como historia
anterior” - momentos do presente, mudando seu próprio caráter conforme a definição
catastrófica ou triunfante desse presente.
r [N 9a, 8]
O progresso científico - assim como o progresso histórico - é sempre apenas o primeiro
passo, nunca o segundo, terceiro ou enésimo + 1 — supondo que estes últimos pertençam
não apenas ao exercício da ciência, mas também a seu corpus. Na verdade, porém, não é esse
o caso, uma vez que cada etapa do processo dialético (como cada etapa no processo da
própria história), por mais que seja condicionada pelos estágios precedentes, coloca em
jogo uma tendência fundamentalmente nova, que exige um tratamento fundamentalmente
novo. Portanto, o método dialético se distingue pelo fato de, ao encontrar novos objetos.
16 Cf. a tese XVII de W. Benjamin, "Über den Begriff der Geschichte", GS I, 703: Teses, p. 130. (w.b.)
N
[Teoria do Conhecimento, Teoria do Progresso]
517
desenvolver novos métodos — exatamente como a forma na arte que, ao conduzir a novos
conteúdos, desenvolve novas formas. Apenas exteriormente uma obra de arte tem uma e
somente uma forma, e um tratado dialético tem um e somente um método.
Definições de conceitos históricos básicos: a catástrofe - ter perdido a oportunidade; o
momento crítico — a ameaça de o s tatus quo ser mantido; o progresso - a primeira medida
revolucionária. - N 1Q
Que o objeto da história seja arrancado, por uma explosão, do continuum do curso da
história é uma exigência de sua estrutura monadológica. Esta torna-se visível apenas no
próprio objeto arrancado. E isso ocorre sob a forma da confrontação histórica que constitui
o interior (e, por assim dizer, as entranhas) do objeto histórico e da qual participam em
uma escala reduzida todas as forças e interesses históricos. Graças a sua estrutura
monadológica, o objeto histórico encontra representada em seu interior sua própria história
anterior e posterior. (Assim, por exemplo, a história anterior de Baudelaire, conforme
apresentado nesta pesquisa, encontra-se na alegoria, e sua história posterior, no Jugendstil)
•v e 's [N )0> 3]
O confronto com a historiografia convencional e com a “celebração deve ter como base a
fmfanica contra a empatia (Grillparzer, Fustel de Coulanges).
Barrault, o saint-simonista, estabelece uma distinção entre épocas orgânicas e épocas
.criticas’’ [cf. U 15a, 4], A difamação do espírito crítico inicia-se logo após a vitória da
Imaiguesia, na Revolução de Julho. Q 5]
0 momento destrutivo ou crítico na historiografia materialista se manifesta através do fazei
explodir a continuidade histórica; é assim que se constitui o objeto histórico. De fato,
Jcncro do curso contínuo da história não é possível visar um objeto histórico. Tanto assim
a historiografia, desde sempre, simplesmente selecionou um objeto desse curso contínuo.
Mas isso ocorria sem um princípio, como expediente; e sua primeira preocupação sempre
an i de reinserir o objeto no continuum que ela recriava através da empatia. A historiografia
««rrialista não escolhe aleatoriamente seus objetos. Ela não os toma, e sim os arranca, por
nnmr.T explosão, do curso da história. Seus procedimentos são mais abrangentes, seus
«Draatedmentos mais essenciais.
pus] O momento destmtivo na historiografia materialista deve ser entendido como reação
J numa constelação de perigos que ameaça tanto o objeto da tradição quanto seus
(ácsnr.atários. 17 É com esta constelação de perigos que se confronta a historiografia
llfflHiErlalista; é neste confronto que reside sua atualidade; é neste instante que ela tem que
sua presença de espírito. Uma tal apresentação da história tem por objetivo, para
ânltr como Engels, “ultrapassar o domínio do pensamento .
17 Cf. a tese VI de W. Benjamin, “Über den Begríff der Geschichte", GS I, 695; Teses, p. 65. (w.b.)
jJ8 m Passagens
Ao pensamento pertencem tanto o movimento quanto a imobilização dos pensamentos.
Onde ele se imobiliza numa constelação saturada de tensões, aparece a imagem dialética.
Ela é a cesura no movimento do pensamento. Naturalmente, seu lugar nao é arbritrário.
Em uma palavra, ela deve ser procurada onde a tensão entre os opostos dialéticos é a maior
possível. Assim, o objeto construído na apresentação materialista da história é ele mesmo
uma imagem dialética. Ela é idêntica ao objeto histórico e justifica seu arrancamento do
continuum da história. , n ,,
A forma arcaica da história primeva, que é evocada em qualquer época, e agora, mais uma
vez, por Jung, é aquela que torna a aparência na história ainda mais ofuscante ao designar-
lhe a natureza como pátria. [N n j.
Escrever a história significa dar às datas a sua fisionomia. ^ ^ ^
Os acontecimentos que cercam o historiador, e dos quais ele mesmo participa, estarão na
base de sua apresentação como um texto escrito com tinta invisível. A história que ele
submete ao leitor constitui, por assim dizer, as citações deste texto, e somente elas se
apresentam de uma maneira legível para todos. Escrever a história significa, portanto, citar
a história. Ora, no conceito de citação está implícito que o objeto histórico em questão seja
arrancado de seu contexto. ,
Sobre a doutrina elementar do materialismo histórico. 1) Um objeto da história é aquele
em que o conhecimento se realiza como sua salvação. 2) A história se decompõe em imagens,
não em histórias. 3) Onde se realiza um processo dialético, estamos lidando com uma
mônada. 4) A apresentação materialista da história traz consigo uma crítica imanente do
conceito de progresso. 5) O materialismo histórico baseia seu procedimento na experiência,
no bom senso, na presença de espírito e na dialética. (Sobre mônadas ver N 10a, 30 ^
O presente determina no objeto do passado o ponto onde divergem sua história anterior e
sua história posterior, a fim de circunscrever seu núcleo. 5]
Demonstrar por meio de exemplos que a grande filologia relativa aos escritos do século
passado não pode ser praticada senão pelo marxismo. [ N n. 6j
“As primeiras regiões que se tornaram esclarecidas não são aquelas em que elas [as ciências]
tiveram maior progresso.” Turgot, CEuvres, vol. II, Paris, 1844, pp. 601-602. ( Second
discours sur les progrès successifs de 1’esprit humain”) (1750). Este pensamento desempenha
um papel na literatura posterior, e também em Marx. [N { l
No decorrer do século XIX, quando a burguesia consolidou sua posição de poder, o conceito
de progresso foi perdendo cada vez mais as funções críticas que originalmente possuía.
N
[Teoria do Conhecimento, Teoria do Progresso]
519
(A doutrina da seleção natural teve uma importância decisiva neste processo: com ela
fortaleceu-se a opinião de que o progresso se realiza automaticamente. Ademais, ela favoreceu
i extensão do conceito de progresso a todos os domínios da atividade humana. ) Em Turgot.
o conceito de progresso ainda tinha funções críticas. Isso permitiu sobretudo chamar a
atenção das pessoas para os movimentos regressivos da história. E significativo que Turgot
considerava o progresso garantido sobretudo no domínio das pesquisas matemáticas.
> v.i. 1;
“Que espetáculo é a sucessão das opiniões dos homens! Procuro nela o progresso do espírito
humano, e praticamente não encontro nada além da história de seus erros. Por que a sua
marcha, tão segura desde os primeiros passos no estudo das matemáticas, é tão vacilante
quanto ao resto, tão sujeita ao extravio? ... Nessa progressão lenta de opiniões e de erros ...
meio ver as primeiras folhas — esses invólucros que a natureza deu ao caule nascente das
ja&ntas — saírem da terra antes delas, fanarem-se sucessivamente com o nascimento de
antros invólucros, até que, enfim, esse caule apareça e se coroe de flores e de frutos, imagem
áa verdade tardia.” Turgot, CEuvres, vol. II, Paris, 18 44, pp. 600-601 (“Second discours
set ies progrès successifs de 1’esprit humain”).
[N lia, 2]
Efostc ainda um limes [limite] do progresso em Turgot: “Nos últimos tempos ... era preciso
«somar, pela reflexão, ao ponto onde os primeiros homens haviam sido conduzidos por
iam instinto cego; e quem sabe não seria este o supremo esforço da razão?” Turgot, op. cit.,
pi. 510. 8 Em Marx ainda existe este limes-, mais tarde ele se perde.
[N 11 a. 3]
I;» c evidente em Turgot que o conceito de progresso se orienta pela ciência, mas tem seu
curenvo na arte (no fundo, a arte tampouco pode ser considerada exclusivamente sob a
CBBegona do retrocesso; e de fato, o ensaio de Jochmann não desenvolve este aspecto sem
■oca restrição). Obviamente, Turgot exime a arte do progresso de modo diferente de como
* fisnamos hoje: “O conhecimento da natureza e da verdade é infinito igual a elas. As artes,
aniiii: objetivo é de nos proporcionai- prazer, são limitadas como nós. O tempo faz eclodir
flea cessar novas descobertas nas ciências, mas a poesia, a pintura, a música têm um ponto
is;:: determinado pelo gênio das línguas, pela imitação da natureza, pela sensibilidade
Irmira.- - de nossos órgãos... Os grandes homens do século de Augusto o alcançaram e são
aiimica nossos modelos.” Turgot, CEuvres , vol. II, Paris, 1844, pp. 605-606 (“Second discours
«mr cs progrès successifs de Fesprit humain”). Portanto, uma renúncia programática à
iMlrins vi sde na arte!
[N 12, 1]
TMm elementos na arte do gosto que puderam se aperfeiçoar com o tempo; testemunha
áiiHE é a perspectiva, que depende da ótica. Mas a cor local, a imitação da natureza e a
fiKiorcL expressão das paixões pertencem a todos os tempos.” Turgot, CEuvres, vol. II, Paris,
1111*4 7. 658 (“Plan du second discours sur 1’histoire universelle”).
[N 12, 2]
CimoBpção militante do progresso: “Não é o erro que se opõe ao progresso da verdade, mas
,1(11 iuntiiTrur^ - i a teimosia, o espírito de rotina, tudo o que leva à inatividade. O progresso
8 Os tradutores americanos corrigiram a transcrição de Benjamin, verificando o texto de Turgot. Em lugar
de era preciso retornar, pela perfeição", eles colocam "era preciso retornar, pela reflexão"- De fato,
esta versão é mais plausível e foi aqui adotada, (w.b.; grifos meus)
520 ■ Passagens
mesmo das artes mais pacíficas entre os povos antigos da Grécia e suas repúblicas era
entremeado de guerras contínuas. Estavam ali como os judeus, construindo os muros de
Jerusalém com uma mão e combatendo com a outra. Os espíritos estavam sempre em
atividade, a coragem sempre excitada; as luzes do pensamento cresciam a cada dia.” Turgpc,
CEuvres, vol. II, Paris, 1844, p. 672 (“Pensées et fragments”).
[N u,;«
A presença de espírito como categoria política encontra uma expressão magnífica nestas
palavras de Turgot: “Antes de compreendermos que as coisas se encontram em uma
determinada situação, elas já mudaram várias vezes. Assim, sempre percebemos os
acontecimentos tarde demais, e a política tem sempre necessidade de prever, por assim
dizer, o presente.” Turgot, CEuvres , vol. II, Paris, 1844, p. 673 (“Pensées et fragments”).
[N 12a, 1]
“A ... paisagem profundamente transformada do século XIX permanece visível até hoje,
pelo menos em seus rastros. Ela foi formada pela estrada de ferro... Os lugares onde se
concentra essa paisagem histórica são aqueles em que montanha e túnel, desfiladeiro e
viaduto, torrente e teleférico, rio e ponte de ferro ... revelam seu parentesco... Em sua
singularidade, atestam que a natureza não se degradou, diante do triunfo da civilização
técnica, em algo que não tem nome nem imagem, que a mera construção da ponte ou do
túnel em si mesma ... não se tornou a característica da paisagem, e sim que o rio ou a
montanha tomaram imediatamente um lugar a seu lado, não como um derrotado aos pés
do vencedor, mas como uma potência amiga... O trem de ferro que desaparece em um
túnel dentro das montanhas ... parece ... retornar à sua própria origem, onde repousa a
matéria da qual ele próprio foi feito.” Dolf Sternberger, Panorama oder Ansichten vom 19.
Jahrhundert, Hamburgo, 1938, pp. 34-35.
[N 12a, 2]
O conceito de progresso precisou opor-se à teoria crídca da história a partir do momento
em que deixou de ser usado como medida de determinadas transformações históricas para
servir como medida da tensão entre um lendário início e um lendário fim da história. Em
outras palavras: tão logo o progresso se torna a assinatura do curso da história em sua
totalidade, o seu conceito aparece associado a uma hipóstase acrítica, e não a um
questionamento crítico. Este úldmo se reconhece, no estudo concreto da história, pelo fato
de conferir ao retrocesso contornos tão nítidos quanto a qualquer progresso. (Assim em
Turgot e em Jochmann.)
[N 13, 1]
Lotze, como crítico do conceito de progresso: “Diante da afirmação bem aceita de um
progresso retilíneo da humanidade..., uma reflexão mais prudente viu-se há muito obrigada
a constatar que a história avança em espirais; outros preferem falar em epiciclóides. Em
suma, nunca faltaram, mesmo sob a forma de obscuros travestimentos, testemunhos de
que a impressão geral da história não é puramente edificante, mas predominantemente
melancólica. Um observador isento nunca deixará de se espantar e se lamentar de quantos
bens culturais e quanta beleza singular da vida ... desapareceram, para nunca mais voltar.”
Hermann Lotze, Mikrokosmos, vol. III, Leipzig, 1864, p. 21.
[N 13, 2]
N
[Teoria do Conhecimento, Teoria do Progresso)
521
Lotze como crítico do conceito de progresso: “Não é um pensamento ... claro imaginar que
a educação seja repartida sobre a seqüência das gerações humanas, deixando às últimas
saborearem os frutos que nasceram do esforço não recompensado e, muitas vezes, da miséria
rias primeiras. Por nobres que sejam os sentimentos que inspiraram tal entusiasmo, é leviano
menosprezar as reivindicações das diferentes épocas e dos diferentes seres humanos, e desviar
o olhar de seus infortúnios, contanto que a humanidade progrida em geral... Não pode
haver ... progresso que não represente um acréscimo de felicidade e de perfeição nos mesmos
espíritos que antes sofreram sob condições imperfeitas.” Hermann Lotze, Mikrokosmos,
W. III, Leipzig, 1864, p. 23. Se a concepção de progresso extensivo à totalidade do curso
da história é própria de uma burguesia saturada, percebem-se em Lotze as reservas da
burguesia colocada na defensiva. Cf. ao contrário, Hõlderlin: “Amo as gerações dos séculos
vindouros.” 19
[N 13, 3]
Uma frase que faz pensar: “Pertence às mais notáveis particularidades do espírito humano
_ ao lado de tanto egoísmo nos indivíduos, a ausência geral de inveja de cada presente em
reiação ao seu futuro.” Esta ausência de inveja indica que a nossa idéia de felicidade está
|j*ofundamente tingida pelo tempo, que é o de nossa vida. Nos só podemos imaginar a
fcliddade no ar que respiramos, entre as pessoas que viveram conosco. Em outras palavras,
aa idéia de felicidade — é isso o que nos ensina aquele fato singular — vibra conjuntamente
a id éia de redenção. Esta felicidade se funda justamente no desconsolo e no abandono que
eram nossos. Nossa vida é, em outras palavras, um músculo que possui força suficiente para
contrair todo o tempo histórico. Ou ainda, a autêntica concepção do tempo historico
baseia-se inteiramente na imagem da redenção. 20 (A citação encontra-se em Lotze,
Mikrokosmos, vol. III, Leipzig, 1864, p. 49).
Rrjdção da idéia de progresso na concepção religiosa da história: “Não obstante todos os
wwK movimentos, a história jamais poderia alcançar um objetivo que não se situasse em seu
próprio plano, e podemos nos poupar do esforço de procurar em seu desenvolvimento
linB-sr 'jiyi progresso que ela está destinada a fazer, não neste plano, mas num movimento
.ascendente, em cada um de seus momentos singulares. Hermann Lotze, Mikrokosmos,
wal m, Leipzig, 1864, p. 49. [N 13a _ 2]
Ifclação entre a idéia de progresso e a idéia de redenção em Lotze: “O sentido do mundo
■Bnar-se-ia um contra-senso se não rejeitássemos a idéia de que o trabalho das gerações que
■gnun seja irremediavelmente perdido para elas, beneficiando somente aquelas que lhes
amocíiem.” (p. 50) Isto é inadmissível, “a não ser que o próprio mundo, com toda a amplidão
de ym desenvolvimento histórico, queira aparecer como um ruído incompreensível e vão...
E a convicção de que, de algum modo misterioso, o progresso da história alcança de fato
nB Bm hiérn as gerações que passam, que nos permite falar de uma humanidade do modo
. nrmuimn o fazemos.” (p. 51) Lotze define este pensamento como “idéia de uma ... conservação
c de uma restituição” (p. 52).
1 9 Hõlderlin, Sãmtliche Werke, vol . VI, tomo 1 , Bríefe, ed. org. por Adolf Beck, Stuttgart, 1 954, p. 92 (carta
de setembro de 1793, a seu irmão). (R.T.)
2Z Cf. a tese II de W. Benjamin, "Über den Begriff der Geschichte", GS I, 693; Teses, p. 48. (w.b.)
522 ■ Passagens
A história cultural, segundo Bernheim, surgiu do positivismo de Comte; a Griechische
Geschichte , de <Karl Julius> Beloch (vol. I, 2 a ed., 1912), é, para ele, um exemplo típico da
influência de Comte. A historiografia positivista "negligenciou ... o Estado e os
acontecimentos políticos, e via, ao contrário, no conjunto do desenvolvimento intelectual
da sociedade o único conteúdo da história... A elevação ... da história cultural à posição de
único objeto digno de pesquisa histórica!” Ernst Bernheim, Mittelalterliche Zeitanschauungen
in ibrem Einflufí auf Po litik und Geschichtschreibung, lübingen, 1918, p. 8. ^ ^
“A categoria lógica do tempo não domina o verbo tanto quanto poderíamos crer.’ Por
estranho que pareça, a expressão do futuro não parece estar situada no mesmo plano do
espírito humano que as do passado e do presente... ‘O futuro muitas vezes não tem expressão
própria, ou se a tem, esta é complicada, sem paralelo com as do presente e do passado. ~
‘Não temos razão nenhuma para pensar que o indo-europeu pré-histórico tenha em algum
momento possuído um verdadeiro futuro...’ (Meillet).’ Jean-Richard Bloch, Langage
d’utilité, langage poétique”, in: Encyclopédie Fmnçaise, vol. XVI, 16-50, 10. ^ ^
Simmel toca em uma questão muito importante ao falar da antinomia entre o conceito de
cultura e os domínios autônomos do Idealismo clássico. A distinção reciproca dos tres
domínios autônomos evitou que o Idealismo clássico concebesse aquele conceito de cultura
que tanto favoreceu a barbárie. Simmel diz sobre o ideal de cultura: “O essencial ... é que
ele supera o valor autônomo da realização estética, científica, ética, até mesmo da realização
religiosa, a fim de integrá-las todas como elementos ou componentes na construção do
desenvolvimento do ser humano para além de seu estado natural.” Georg Simmel, Pbilosophie
des Geldes, Leipzig, 1900, pp. 467-477.
“Nunca existiu um período da história no qual a cultura [Bildun^\ própria dessa época
tivesse se difundido por toda a humanidade, ou pela totalidade daquele povo que foi seu
representante mais exponencial. Todos os graus ou nuances de crueza moral, estupidez
espiritual e miséria física sempre coexistiram com o refinamento cultivado da vida ... e a
livre fruição das vantagens da ordem burguesa.” Hermann Lotze, Mikrokosmos , vol. III,
Leipzig, 1864, pp. 23-24.
À concepção segundo a qual “há progresso suficiente quando ... a cultura [Bildung\ de uma
pequena minoria procura se sofisticar cada vez mais, enquanto a grande maioria permanece
em uma condição de perene incultura [ Unbildun$\ Lotze contrapõe a pergunta: “como
seria possível falar em tais condições de uma historia da humanidade como um todo?
Lotze, Mikrokosmos, vol. III, p. 25.
r (N 14a, 2]
“A maneira como a educação da Antigüidade é quase que exclusivamente transmitida”,
leva, como diz Lotze, “diretamente de volta a algo que é o contrário daquilo que deveria ser
o objetivo do trabalho histórico; quero dizer, ela leva à formação de um instinto de cultura
que abrange cada vez mais elementos da vida moral e os subtrai da ação autonoma, para
transformá-los em uma propriedade já sem vida.” (p. 28) De maneira análoga: “O progresso
N
(Teoria do Conhecimento, Teoria do Progresso]
523
da ciência não é ... de imediato um progresso da humanidade; ele o seria se, com o
crescimento dos conteúdos de verdade acumulados, aumentasse igualmente a participação
dos seres humanos nestes conhecimentos, e a clara compreensão do que significa para eles
o seu conjunto.” Lotze, op. cit., p. 29.
’ >' 14a, 3]
Lotze sobre a humanidade: “Não se pode dizer que a humanidade se torna aquilo que ela
é com a consciência de seu devir, e com a lembrança de seus estados anteriores.” Lotze, op.
A concepção de história de Lotze parece ter afinidade com a de Stifter: “A vontade desregrada
dos indivíduos é sempre limitada em sua realização por condições gerais subtraídas ao
arbítrio, situadas nas leis da vida espiritual em geral, na ordem estabelecida da natureza.
Lotze, op. cit., p. 34.
[N 14a, 5]
Comparar ao prefácio de Stifter em Bunte Steine ( Pedras Cobridas ): “Para começar, tenhamos
como certo que um grande efeito deve-se sempre a uma grande causa, jamais a uma pequena.”
Napoleão III, Histoire de Jules César, vol. I, Paris, 1865.
[N 14a, 6}
lima fórmula que Baudelaire cria para a consciência do tempo própria de quem se encontra
sob o efeito do haxixe pode ser aplicada à definição de uma consciência histórica
revolucionária; ele fala de uma noite na qual estava tomado pelos efeitos do haxixe: Por
mis longa que ela tenha parecido ... eu tinha a impressão, entretanto, de que ela não havia
curado mais que alguns segundos, ou mesmo de que ela não havia tomado um lugar na
esemidade.” Baudelaire, CEuvres , ed. I e Dantec, Paris, 1931, vol. I, pp. 298-299.“'
[N 15,1]
Err. qualquer época, os vivos descobrem-se no meio-dia da história. Espera-se deles que
peparem um banquete para o passado. O historiador é o arauto que convida os defuntos
ioilhre a dietética dos livros de história. O contemporâneo que reconhece por meio deles há
i j l |u— o tempo a miséria que se abate sobre ele vem sendo preparada — e mostrar-lhe isto
lülrnc ser o desejo caro ao historiador — adquire uma alta opinião a respeito de suas próprias
fcrçB. Uma história que assim o instrui não o entristece; ao contrário, ela lhe fornece
mn — mk E rampouco ela provém da tristeza, ao contrário daquela que Flaubert tinha em
mmrif quando escreveu a seguinte confissão: “Poucos suspeitarão o quanto foi preciso estar
mríiHE para empreender a ressureição de Cartago.” A pura “curiosidade nasce da tristeza, e
a aprofunda.
[N 15, 3]
de uma observação de “história cultural” no pior sentido. Huizinga fala como era
da a vida do povo humilde nas pastorais do fim da Idade Média. “Disso faz parte
e aquele interesse pelos indigentes que já ... começa a se manifestar. As miniaturas
2 ' Baudelaire, OC I, p. 424. (J.L.)
j24 ■ Passagens
dos calendários enfatizam, com satisfação, os joelhos rotos dos ceifadores de trigo, ou a
pintura, a roupa maltrapilha dos mendigos... Começa aqui a linha que, passando pelas
gravuras de Rembrandt e pelos meninos mendicantes de Murillo, conduz aos tipos de rua
de Steinlen.” J. Huizinga, Herbst des Mittelalters, Munique, 1928, p. 448. Naturalmente,
trata-se de fato de um fenômeno muito específico.
[N 15.4]
“O passado deixou nos textos literários imagens de si mesmo, comparáveis às imagens que
a luz imprime sobre uma chapa sensível. Só o futuro possui reveladores suficientemente
ativos para examinar perfeitamente tais clichês. Várias páginas de Marivaux ou de Rousseau
contêm um sentido misterioso que os primeiros leitores não podiam decifrar plenamente."
André Monglond, Le Préromantisme Français, vol. I, Le Héros Préromantique, Grenoble,
1930, p. XII.
[N 15a, 1]
Uma visão reveladora do progresso em Hugo: “Paris incendié” ( LAnnée Terrible)-.
“O quê! Sacrificar tudo! O quê! O celeiro do pão!
O quê! A Biblioteca, arco onde se levanta a aurora,
Insondável A-B-C do ideal, onde sonha,
apoiado nos braços, o progresso, este leitor eterno...” 22
[N 1 5a, 2 ]
Sobre o estilo a que se deve aspirar: “É através das palavras comuns que o estilo morde e
invade o leitor. E através delas que circulam e são considerados genuínos os grandes
pensamentos, como o ouro e a prata marcados com um selo conhecido. Elas inspiram a
confiança naquele que se serve delas para tornar seus pensamentos mais inteligíveis, pois
reconhecemos no emprego da língua comum um homem que sabe da vida e das coisas, e
que se mantém em contato com elas. Além do mais, essas palavras tornam o estilo franco.
Elas mostram que o autor por muito tempo remoeu o pensamento ou o sentimento expresso,
que se apropriou deles e os tornou de tal forma familiares, que as expressões mais comuns
lhe sao suficientes para exprimir idéias que, para ele, se rornaram banais, graças a uma
longa meditação. Enfim, o que se diz parece mais verdadeiro, porque nada é tão claro, no
domínio das palavras, quanto aquelas que chamamos de familiares; e a clareza é um elemento
tão distintivo da verdade que, muitas vezes, tomamos uma pela outra.” Nada mais sutil
que o conselho de ser claro para, pelo menos, parecer verdadeiro. O conselho de escrever
com simplicidade, na maioria das vezes fruto do ressentimento, quando dado desta maneira,
adquire a máxima autoridade. J. Joubert, CEuvres, vol. II, Paris, 1883, p. 293 (“Du style”,
XCIX).
[N 15a, 3]
Aquele que pudesse desenvolver a dialética dos preceitos de Joubert obteria uma estilística
digna de nota. Assim, Joubert aconselha o uso das “palavras familiares”, mas adverte contra
a “língua particular” que “só exprime coisas relativas a nossos costumes presentes”. Op. cit.,
p. 286 (“Du style”, LXVII).
[N 16, 1]
22
Victor Hugo, CEuvres Completes, Poésie, vol. XII, L'Arnée Terrible, Paris, 1880, p. 268. (R.T.)
N
[Teoria do Conhecimento. Teoria do Progresso] 525
‘Todas as belas palavras sáo suscetíveis de mais de uma significação. Quando uma bela
palavra apresenta um sentido mais belo que aquele do autor, é preciso adota-lo. J. Joubert,
CEuires, vol. II, Paris, 1883, p. 276 (“Du style”, XVII). [N 16 2]
Considerando a economia política, Marx caracteriza magnificamente como seu elemento
vulgar” “o elemento que nela é mera reprodução da aparência como representação a
aparência”. Cit. em Korsch, Karl Marx (manuscrito), vol. II, p. 22. 23 Este elemento vulgar
tfeve ser igualmcnte denunciado nas outras ciências. ^ 3 j
Conceito de natureza em Marx: “Se em Hegel ... ‘também a natureza física intervém na
história universal’, Marx concebe a natureza desde o início segundo categorias sociais.
\ natureza física não intervém de maneira imediata na história universal, e sim de maneira
mediata, como um processo de produção material que se desenvolve desde a sua origem
não só entre o homem e a natureza, mas também entre o homem e o homem. Ou, para
^ uma linguagem compreensível também para os filósofos: a natureza pura, pressuposto
3e toda atividade humana (a natura mturans econômica), c substituída, em toda parte
enquanto matéria social, na ciência rigorosamente social de Marx - pela natureza como
Tvducão material (a natura naturata econômica), mediada e transformada pela atividade
humana social, e, com isso, ao mesmo tempo, suscetível de ser modificada e transformada
no presente e no futuro.” Korsch, op. cit.., vol. III, p. 3- j N 16 ^
Korsch menciona as seguintes reformulações da tríade de Hegel nos termos de Marx:
\ ‘contradição hegeliana é substituída pela luta das classes sociais, a negação dialética pe o
proletariado e a ‘síntese’ dialética pela revolução proletária.” Korsch, op. cit., vol. 111,
f. 45. 25 [N 16, 5]
omcões à concepção materialista da história por parte de Korsch: “Com as transformações
d modo de produção material, transforma-se também o sistema de mediações existente
mtre a base material e sua superestrutura política e jurídica, com suas correspondentes
Dnnas sócias de consciência. For isso, as proposições gerais da teoria social materialista,
oucernentes às relações entre economia e política ou economia e ideologia, ou conceitos
prais como classes e luta de classes, ... têm um significado diferente para cada epoca especifica,
e, na forma específica em que foram enunciadas por Marx em relação a atual sociedade
mrguesa, estas proposições são válidas a rigor somente para esta sociedade... Apenas para a
■mal sociedade burguesa, na qual as esferas da economia e Az política estão , formalmente . e
oEimente separadas uma da outra e onde os trabalhadores, na qualidade de cidadaos, sao
r-Tes e iguais quanto a seus direitos, a demonstração cientifica de sua e etiva e continua
« Paralelamente às referências à versão manuscrita do livro de Korsch - que fo, o texto utilizado por
Benjamin indicam-se aqui as citações da edição em livro: Karl Korsch, Karl Marx. ed. org. por Go
Langkau, Frankfurt a. M. - Viena, 1967, p. 74. (R.T.)
24 Korsch , 1967 , pp. 128-129. A obra de Hegel atada por Korsch é Vorlesungen überdie Philosophie der
Qeschichte (Introdução geral, 2, 1 , a). (R.T.; E/M)
25 Op. cit., p. 160. (R.T.)
j2ú ■ Passagens
falta de liberdade na esfera econômica tem o caráter de uma descoberta teórica.” Korsch,
Op. tit., vol. III, p. 21-22. 26 [M 16 a, 1 ]
Korsch faz a “constatação aparentemente paradoxal, mas pertinente para a ultima e mais
madura forma da ciência marxista, de que na teoria social materialista de Marx aquele to o
das relações sociais, que é tratado pelos sociólogos burgueses como um domínio de pesquisas
independente, ... já é tratado pela ciência histórica e social da economia segundo seu
conteúdo objetivo... Nesse sentido, a ciência social materialista de Marx não é sociologia, e sim
economia Korsch, op. cit., vol. III, p. 103. ( N )fiaj 2 ]
Uma citação de Marx sobre a mutabilidade da natureza (em Korsch, op. cit., vol. III p. 9):
“Mesmo as diferenças naturais das espécies, como as diferenças de raça etc., ... podem e
devem ser abolidas no processo historico. ~ ^
Teoria da superestrutura segundo Korsch: “Para a determinação do tipo particular de conexões
e relações que existem entre a ‘base econômica e a superestrutura jurídica e política, com
as ‘correspondentes’ formas de consciência, não bastam, nesta forma geral, nem a definição
filosófica de causalidade ‘dialética, nem a causalidade científica completada por interações .
A ciência natural do século XX aprendeu que as relações ‘causais’ a serem definidas por um
pesquisador em sua área específica, não podem absolutamente ser definidas na forma de
um conceito geral ou de uma lei geral de causalidade, mas devem ser determinadas
‘especificamente para cada área particular.* [* Cf. Philipp Frank, Das Kdusalgesetz und sane
Grenzen, Viena, 1932]... A maior parte dos resultados a que chegaram Marx e Engels não
consiste nas formulações teóricas do novo princípio, e sim em sua utilização específica em
uma série de questões, ora de importância prática fundamental, ora de natureza teórica
extremamente difícil* [* Situam-se aqui as questões levantadas ao final da ‘Introdução
<para os Gmndrisso de 1857, PP - 779 et seq., relativas ao ‘desenvolvimento desigual dos
diferentes âmbitos da vida social: desenvolvimento desigual da produção material em relação
à produção artística (e das diversas formas de arte entre si), diferença entre as condiçoes
culturais nos Estados Unidos e na Europa, desenvolvimento desigual das relações de produção
enquanto relações de direito etc.] A determinação científica exata das conexões aqui citadas
é ainda hoje uma tarefa para o futuro..., tarefa cujo centro de gravidade não deve se situar
na formulação teórica, e sim na constante aplicação e experimentação dos princípios implícitos
na obra de Marx. Nisso, não se deve, de forma alguma, tomar ao pé da letra as expressões
muitas vezes empregadas em sentido figurado, com as quais Mane descreveu as conexões
especiais aqui existentes como uma relação de ‘base’ e ‘superestrutura , como
‘correspondências’ etc. ... Em todçs estes casos, os conceitos de Marx, tal como, entre os
marxistas posteriores, o entenderam de maneira mais clara Sorel e Lmin, não são tomados
como novos entraves dogmáticos: não como condições estabelecidas a pnon para serem
aplicadas por uma pesquisa verdadeiramente materialista, segundo uma ordem determinada,
26 Op. cit., p. 1 39. (R.T.)
27 Op. cit., pp. 128-129. (R.T.)
28 Op. cit, p. 1 33. Korsch cita de Marx e Engels, Gesamtausgabe (Berlim, 1 927-1 930), vol. I, parte V,
p. 403. (R.T.; E/M)
N
[Teoria do Conhecimento, Teoria do Progresso]
527
e sim como um guia inteiramente não-dogmático para a pesquisa e para a ação. Korsch,
Karl Marx (manuscrito), vol. III, pp. 93-96. 2 ,1
Concepção materialista da história e filosofia materialista: As fórmulas da concepção
materialista da história — aplicadas por Marx e Engels ... apenas ... à análise da sociedade
burguesa e transpostas para outras épocas históricas apenas com a devida modificação —
foram desvinculadas pelos epígonos de Marx desta aplicação específica, e aliás, de qualquer
aplicação histórica, e o assim chamado ‘materialismo histórico foi transformado em uma
teoria sociológica geral. A partir deste ... nivelamento ... da teoria social matenaLsta era
apenas um passo para se chegar à idéia — defendida ainda hoje ou justamente hoje — de que
é necessário alicerçar a ciência histórica e econômica de Marx não apenas com uma filosofia
social geral, mas até mesmo com uma visão de mundo universal materialista que abrange a
totalidade da natureza e da sociedade. Ou, retomando uma expressão de Marx, de reduzir
as formas científicas nas quais se havia desenvolvido o conteúdo verdadeiro do materialismo
filosófico do século XVIII, novamente ‘às frases filosóficas dos materialistas sobre a matéria .
A ciência social materialista ... não necessita ... de tal fundamento filosófico. Este progresso
mais importante ... alcançado por Marx escapou em seguida também a seus intérpretes ...
ortodoxos’... Com isso, reintroduziram seu próprio atraso filosófico na teoria de Marx, que
orogredira, transformando-se conscientemente de filosofia em ciência. O destino histórico
da ortodoxia marxista aparece assim, de forma quase grotesca: ao defender-se dos ataques
revisionistas, ela acaba por chegar, em todas as questões capitais, ao mesmo ponto de vista
dos adversários... Quando, por exemplo, Plekhanov, o principal representante desta
tendência, ..., em sua busca obstinada da ‘filosofia que subjaz ao marxismo, acabou
apresentando o marxismo como uma forma de spinozismo, libertado por Feuerbach de
seus componentes teológicos’.” Korsch, op. cit., vol. III, pp. 29-3 1. 3U ^
Korsch cita o Novum Organum de Bacon: “'Recte enim veritas temporis filia dicitur non
auctoritas.’ Ele fundou sobre esta autoridade de todas as autoridades, o tempo, a superioridade
da nova ciência empírica burguesa face à ciência dogmática da Idade Média.” Korsch, op.
cit., vol. I, p. 72. 31 [N 18i u
"Para o uso positivo , Marx substitui o postulado exagerado de Hegel, segundo o qual a
verdade deve ser concreta, pelo princípio racional da especificação... O verdadeiro interesse
encontra-se ... nos traços específicos através dos quais cada sociedade histórica determinada
diferenciasse das características comuns a cada sociedade em geral, e nos quais, portanto,
consiste o seu desenvolvimento... Assim, uma ciência social rigorosa não pode formar seus
conceitos gerais pela simples abstração de algumas características de uma dada forma histórica
da sociedade burguesa e a conservação de outras, escolhidas de modo mais ou menos
arbitrário. Ela pode atingir o conhecimento do universal contido nesta forma social particular
29 Op. cit, pp. 199-202. Korsch refere-se ao prefácio de Marx à Kritik der politischen Òkonomie (1859).
(R.T., E/M)
30 Op. cit, pp. 145-146. Korsch cita frases de Marx e Engels, Die deutsche Ideologie (1845-1846) e de
George Plekhanov, Fundamental Problems of Marxism (1908). (R.T.; E/M)
31 Op. cit., p. 54. Tradução da citação de Bacon: "Pois é correto dizer que a verdade é filha do tempo, não
da autoridade." (R.T.; w.b.)
■ ?3ssagens
apenas por meio do estudo minucioso de todas as condições históricas de seu surgimento
a partir de um outro estágio da sociedade, e das modificações de sua forma presente sob
condições rigorosamente estabelecidas... As únicas leis autênticas na ciência social sao,
portanto, as leis do desenvolvimento.” Korsch, op. cit., pp. 49-52. [N ]g 2]
O conceito autêntico da história universal é um conceito messiânico. A história universal,
como compreendida hoje, é um assunto de obscurantistas. [N 18 _ 3]
O agora da cognoscibilidade é o momento do despertar. (Jnng quer manter o despertar
longe do sonho.) [n i8, 4)
Sainte-Beuve, em sua caracterização de Leopardi, declara-se persuadido de ... que a critica
literária só alcança todo o seu valor e originalidade quando se dedica a temas dos quais
dominamos, há muito tempo, o contexto e todas as circunstâncias . C.. A. Sainte-Beuve,
Portraits Contemporains, vol. IV, Paris, 1882, p. 365- Em contrapartida, é preciso reconhecer
que a ausência de certas condições exigidas por ele pode ter seu valor. A incapacidade de
sentir as nuances mais sutis do texto pode levar o observador a pesquisar com maior atençao
os mínimos detalhes nas relações sociais, que subjazem à obra de arte. Ademais, aquele que
não tem uma sensibilidade para as gradações mais sutis pode adquirir, através de uma
percepção mais dara dos contornos do poema, uma certa superiondade em relaçao a outros
críticos, uma vez que o sentido para nuances nem sempre acompanha o dom da anal^e.
Observações críticas sobre o progresso técnico aparecem bem cedo. O autor do tratado Da
Arte (Hipócrates?): “Penso que o desejo ... da inteligência é descobrir algumas das coisas
que são ainda desconhecidas, re for melhor descobn-ks do que não tê-las descoberto Leonardo
da Vinci: “Como e por que não escrevo sobre meu método de permanecer embaixo d agua
por tanto tempo quanto é possível ficar sem comer: se nao o publico nem o divulgo, é em
razão da maldade dos homens que se serviriam dele para assassinar no fundo dos mares,
abrindo os navios e submergindo-os com sua tripulação.” Bacon: “Na Nova Atlântida ,
... ele confia a uma comissão especialmente escolhida o cuidado de decidir quais das novas
invenções serão divulgadas e quais serão mantidas em segredo”. Pierre-Maxime Schu ,
Machinisme et Phihsophie, Paris, 1938, pp. 7 e 35. - “Os aviões bombardeiros nos lembram
o que Leonardo da Vinci esperava do homem em vôo: que se elevasse para buscar a neve no
cume das montanhas e retornar espalhando-a sobre o pavimento escaldante da cidade, no
verão’.” Op. cit., p. 95- [n i8a, 2]
Pode ser que a continuidade da tradição seja uma aparência. Mas então é a permanência
desta aparência de permanência que cria nela a continuidade. [N 19 ^
Proust, a propósito de uma citação (de uma carta de Balzac a M. de Folgues) que
provavelmente tomara de empréstimo a Montesquiou, numa carta que ele lhe endereçou.
(A passagem parece conter um erro de sentido, devido à grafia ou à impressão.) Ja faz
32 Op. cit., pp. 48-51 e 252. (R.T.)
N
[Teoria do Conhecimento, Teoria do Progresso]
529
quinze dias que a suprimi [a citação] de minhas provas... Meu livro será provavelmente
muito pouco lido, não haveria risco de desgastar sua citação. Ainda assim, retirei-a — menos
por você que pela própria frase. Penso, com efeito, que existe, para todas as belas firases, um
direito imprescritível que as torna inalienáveis para qualquer um que as queira possuir,
exceto para aquele que elas esperavam, por uma destinação que lhes é reservada.”
Correspondance Générale de Marcei Proust, vol. I, Lettres à Robert de Montesquiou , Paris,
1930, pp. 73-74. 33
[N 19. 2]
O elemento patológico na representação da “cultura” manifesta-se da maneira mais expressiva
no efeito que o enorme depósito da loja de antigüidades de quatro andares exerce sobre
Raphael, o herói de La Peau de Chagrin, que nele se aventura: “Para começar, o desconhecido
comparou ... três salas repletas de civilização, de cultos, de divindades, de obras-primas, de
realeza, de orgia, de razão e de loucura - a um espelho de inúmeras facetas, cada uma
representando um mundo... A visão de tantas existências, nacionais ou individuais, atestadas
por esses penhores humanos que a elas sobreviveram, acabou por entorpecer os sentidos do
jovem... Este oceano de móveis, invenções, modas, obras e ruínas compunha um poema
sem fim... Ele se agarrava a todas as alegrias, apreendia todas as dores, apropriava-se de
rodas as fórmulas de existência, dispersando ... generosamente sua vida e seus sentimentos
sobre os simulacros dessa natureza plástica e vazia... Sufocava-se sob os resquícios de cinqüenta
séculos desaparecidos, sentia-se nauseado com todo esse excesso de pensamentos humanos,
abatido pelo luxo e pelas artes... Semelhante em seus caprichos à química moderna, que
resume a criação a um gás, a alma não compõe terríveis venenos pela rápida concentração
de suas alegrias ... ou de suas idéias? Muitos homens não são fulminados por algum ácido
moral espalhado de repente em seu ser interior?” Balzac, La Peau de Chagrin , Paris,
Ed. Flammarion, pp. 19, 21-22 e 24.
[N 19, 3]
Algumas teses de Focillon que tratam da aparência. A teoria materialista da arte está, é
dlaro, interessada na dispersão desta aparência. “Não temos o direito de confundir o estado
«fa. vida das formas com o estado da vida social. O tempo que traz consigo a obra de arte não
a define em seu princípio nem na particularidade de sua forma.” (p. 93) “A ação combinada
da monarquia dos Capetos, do episcopado e da gente das cidades no desenvolvimento das
catedrais góticas mostra a influência decisiva que o concurso das forças sociais pode exercer.
Mas essa ação tão poderosa não está capacitada para resolver um problema de pura estática,
i(hb para combinar uma relação de valores. O pedreiro que ergueu dois arcos de pedra
«mrzado.s em ângulo reto sob o campanário norte de Bayeux ..., o autor do coro de Saint-
Denis, eram geômetras trabalhando sobre sólidos, e não historiadores interpretando o
npmp o. [ü] O estudo mais atento do meio mais homogêneo, da rede de circunstâncias mais
'tamente amarradas, não nos dá o desenho das torres de Laon.” (p. 89) Seria necessário
mar esta reflexão para mostrar, por um lado, a diferença entre a teoria do meio social
e i teoria das forças produtivas, e por outro, a diferença entre uma “reconstrução” e uma
retação histórica das obras. (Henri Focillon, Vie des Formes , Paris, 1934).
[N 19a, 1]
33 A citação é de Guez de Balzac, carta de 7 de março de 1 634: "E como não sou avarento, nem no olhar nem
na alma, eu considero as esmeraldas de seus pavões um prêmio tão grande quanto as do joalheiro." In:
Marcei Proust, Correspondance. vol. II, 1896-1901, ed. org. por Philip Kolb, Paris, Plon, 1976, pp. 52-53.
A carta de Proust data de abril de 1 896. O livro em questão é Les Plaisirs et les Jours. (E/M)
'yj m Passagens
Focillon sobre a ti nira : “Ela era para nós como um observatório, cie onde a visão e o estudo
podiam abarcar, na mesma perspectiva, o maior número de objetos e sua maior diversidade.
Isso por ser ela suscetível de várias acepções. Podemos considcráda uma força viva, ou emão
uma mecânica, ou ainda um puro atrativo. Ela não era para nós nem o automatismo do.
ofício’, nem ... as receitas de uma cozinha, mas toda uma poesia de ação, e ... o meio das.
metamorfoses. Pareceu-nos sempre que ... a observação dos fenômenos de ordem técnica
não somente nos garantia uma certa objetividade controlável, como ainda nos levava ac
coração dos problemas, colocando-os para nós nos mesmos termos e sob o mesmo ângulo que
para o artista .” A passagem grifada pelo autor indica o erro essencial. Henri Focillon, Vie des
Formes, Paris, 1934, pp. 53-54. ^ ^
A “atividade de um estilo em vias de se definir ... é apresentada geralmente como uma
evolução’, no sentido mais geral e mais vago do termo. Enquanto essa noção era controlada
... com cuidado pelas ciências biológicas, a arqueologia a adotava ... como um método de
classificação. Mostrei alhures o perigo de tal noção [a de evolução] por seu caráter falsamente
harmonioso, por seu percurso linear, pelo emprego, em casos duvidosos ... do expediente
das ‘transições’, pela incapacidade de dar lugar à energia revolucionária dos inventores.’
Henri Focillon, Vie des Formes, Paris, 1934, pp. 11-12.
[N 201
o
[Prostituição, Jogo] 1
"O amor é um pássaro de passagem."
Nouveaux Tableaux de Paris , ou Observations sur
les Moeurs et Usages des Parisiens au Commencement
du XIX* Sièc/e, vol. I, Paris, 1828, p. 37.
"...numa passagem
As mulheres se portam como em seu boudoir."
Brazier, Gabriel e Dumersan, Les Passages et les Rues,
ou La Guerre Déclarée, Paris, 1827, p. 30.
Não estaria ele acostumado a reinterpretar a imagem da cidade, por toda parte, em razão
de suas constantes andanças? Não transformaria ele a passagem em um cassino, em um
salão de jogos, onde aposta as fichas vermelhas, azuis, amarelas dos sentimentos em
mulheres: em um rosto que surge - responderá este rosto a seu olhar? -, em uma boca
silente - dirá ela algo? Aquilo que mira o jogador a partir de cada número sobre o pano
verde — a sorte — dirige-lhe uma piscadela vinda de todos os corpos femininos como a
quimera da sexualidade: como o seu tipo. Este nada mais é do que o número, a cifra sob
a qual a sorte quer ser chamada pelo nome, neste exato instante, para saltar logo depois
para um outro número. O tipo é a casa da aposta — que rende trinta e seis vezes o valor
apostado - sobre a qual recai sem querer o olhar do libertino, como a bolinha de marfim
que cai na casa vermelha ou na preta. Ele sai do Palais-Royal com os bolsos cheios, acena
para uma prostituta e celebra mais uma vez em seus braços o ato com o número, graças
ao qual o dinheiro e a riqueza, livres de todo peso terrestre, chegaram a ele pelas mãos do
destino como um abraço plenamente retribuído. Pois no bordel e no salão de jogos
trata-se do mesmo deleite, que é o mais pecaminoso: enfrentar o destino no prazer.
Deixemos que os idealistas ingênuos acreditem que o prazer dos sentidos, seja qual for,
possa determinar o conceito teológico de pecado. A luxúria autêntica tem como base
nada mais do que justamente essa subtração do prazer do curso da vida com Deus, cuja
ligação com ele reside no nome. O próprio nome é o grito do prazer desnudo. Este
elemento sóbrio, em si mesmo desprovido de destino - o nome - não conhece outro
adversário senão o destino, que ocupa o seu lugar na prostituição e monta seu arsenal na
superstição. Daí, no jogador e na prostituta, a superstição que dispõe as figuras do
1 Na revisão da tradução deste arquivo temático foi consultada também a tradução de Emerson Alves
Batista, publicada em OE III, pp. 237-271. (w.b.)
destino e preenche todo o entretenimento galante com o atrevimento e a concupiscência
do destino, fazendo o próprio prazer ajoelhar-se diante de seu trono. 2 [Q ^ ^
“Ao evocar minhas lembranças do Salon des Étrangers, tal como era na segunda década de
nosso século, vejo diante de mim os traços nobres e a figura cavalheiresca do conde húngaro
Hunyady, o maior jogador daquela época, que alvoroçava então toda a sociedade... A sorte
de Hunyady foi excepcional durante muito tempo; nenhuma banca pôde resistir a suas
investidas, e seus ganhos devem ter atingido aproximadamente dois milhões de francos.
Seu comportamento era surpreendentemente calmo e extremamente distinto; ficava sentado,
aparentemente impassível, a mão direita pousada sobre o peito da casaca, enquanto milhares
de francos dependiam de uma carta de baralho ou de um lance de dados. Seu camareiro,
no entanto, confidenciou a um amigo indiscreto que os nervos de seu senhor não eram
assim tão fortes quanto ele procurava demonstrar, e que, bem ao contrário, pela manha o
conde trazia no peito as marcas sangrentas de suas unhas, que ele, durante a agitação do
jogo, quando este tomava um rumo perigoso, cravava em sua carne.” Captain Gronow, Aus
der grossen Welt, Stuttgart, 1908, p. 59. 3 [O i 2 ]
Sobre o modo como Blücher jogava em Paris, ver o livro de Gronow, Aus der grossen Welt,
pp. 54-56. Quando perdeu, obrigou o Banco da França a adiantar-lhe 100.000 francos
como capital de jogo, e teve que abandonar Paris quando este escândalo veio à tona. “Blücher
nao saía da casa de jogo do n» 113 do Palais-Royal, e gastou seis milhões durante sua
estada; todas as suas terras estavam empenhadas quando ele deixou Paris. Paris ganhou
as tropas de ocupação do que teve de pagar como indenização de guerra. ^ ^
mais com
É apenas em comparação com o Antigo Regime que se pode dizer que, no século XIX, o
burguês passa a jogar. (Q ^ 4]
A seguinte história demonstra de modo bastante convincente como justamente a imoralidade
pública, em total oposição à imoralidade privada, carrega seu corretivo em si mesma, num
cinismo libertador. A narrativa se encontra em Cari Benedict Hase, que vivia na França
como um pobre preceptor, e que enviou para casa cartas escritas de Paris e durante suas
andanças: “Quando eu passava pela Pont-Neuf, saltou em minha direção uma rapariga
exageradamente maquilada. Ela estava com um vestido leve de musselina, erguido^ até os
joelhos, deixando ver as calçolas de seda vermelha que cobriam as coxas e o ventre. ‘Tome,
meu amigo, você é jovem, é estrangeiro, você vai precisar disto...’, disse ela, tomando-me a
mão e deixando nela um bilhete, para depois desaparecer na multidão. Pensei ter recebido
algum endereço; olho o bilhete, e o que leio? O anúncio de um médico que diz curar todas
as doenças imagináveis em pouco tempo. É curioso que essas moças, responsáveis por toda
2 Sobre a paixão do jogo, cf. Gershom Scholem, Walter Benjamin: Histoire d'une Amitié. trad. francesa
de P. Kessler, Paris, Calman-Lévy, 1981, p. 148. (J.L.)
3 0 original da tradução alemã utilizada por Benjamin intitula-se The Reminiscences and Recollections
of Captain Gronow: Being Anecdotes ofthe Camp, Court, Clubs, and Sodety, 1810-1860, vol. I,
Nova York, Scribner and Welford, 1889, pp. 122-123 ("The Salon des Étrangers in Paris"). Sobre
o Salon des Étrangers, ver também L°, 1 9. (E/M).
0
[Prostituição, Jogo]
533
aquela desgraça, coloquem em nossa mão os meios para nos livrarmos dela." Cari Benedict
Hase, Briefe von der Wànderung und aus Paris , Leipzig, 1894, pp. 48-49.
[O 1, 5]
“Quanto à virtude das mulheres, só tenho uma resposta para dar àqueles que me perguntam:
ela se parece muito com as cortinas dos teatros, porque suas saias se levantam cada noite
três vezes, e não uma.” Comte Horace de Viel-Castel, Mémoires sur le Règne de Napoléon
III, vol. II, Paris, 1883, p. 188.
“ Hirondelles - mulheres que ficam à janela”. Levic-Torca, Paris-Noceur, Paris, 1910, p. 142.
As janelas do andar superior das passagens são balaustradas nas quais se aninham os anjos
a quem chamamos de “andorinhas”.
[O la, 2]
Sobre o mofo (Veuillot: “Paris cheira a mofo”) da moda: o “glauco clarão” sob as saias, de
que fala Aragon. 4 O espartilho como passagem do tronco. O imenso contraste com o
mundo ao ar livre de hoje em dia. Aquilo que hoje é comum nas prostitutas baratas - não
se despir — pode ter sido outrora a praxe mais distinta. Apreciava-se o retroussée — a saia
levantada — na mulher. Hessel supõe ter encontrado aqui a origem do erotismo de Wedekind,
cujo páthos do ar livre teria sido um blefe. E que mais? ■ Moda ■
[O la, 3]
Sobre a função dialética do dinheiro na prostituição. Ele compra o prazer e ao mesmo
tempo torna-se expressão da vergonha. “Eu sabia”, diz Casanova a respeito de uma alcoviteira,
“que eu não teria a força de partir sem dar-lhe alguma coisa”. Esta expressão singular revela
seu conhecimento do mecanismo mais secreto da prostituição. Moça alguma decidiria
tornar-se prostituta se contasse apenas com a remuneração tarifária dada por seus clientes.
Também a gratidão deles, que talvez represente o acréscimo de alguma porcentagem, mal
seria considerada por ela uma base suficiente. Como funciona, então, seu cálculo inconsciente
do homem? Não se pode compreender esse mecanismo enquanto se considerar o dinheiro
somente como um meio de pagamento ou como um presente. Com certeza, o amor da
prostituta é venal. Mas não a vergonha de seu cliente. Esta procura um esconderijo para
estes quinze minutos, e o encontra no lugar mais genial: no dinheiro. Há tantas nuanças
do pagamento quanto há nuanças do jogo amoroso: indolentes e rápidas, furtivas ou brutais.
O que isto quer dizer? A ferida vermelha de vergonha no corpo da sociedade secreta dinheiro
e sara. Ela se reveste de uma crosta metálica. Deixemos ao espertalhão o prazer barato de
imaginar-se livre de vergonha. Casanova sabia das coisas: o atrevimento lança a primeira
moeda sobre a mesa, a vergonha cobre cem vezes a aposta, para ocultá-la.
[O la, 41
“A dança na qual a vulgaridade ... se expõe com um atrevimento sem igual é a tradicional
quadrilha francesa. Quando os dançarinos, com suas pantomimas, conseguem ofender
profundamente todo sentimento de delicadeza, não chegando, porém, ao ponto de precisar
temer serem expulsos do salão pelos agentes de polícia ali presentes, essa dança se chama
esnean. Quando, ao contrário, todo sentimento moral é pisoteado pela maneira de dançar,
quando, após uma longa hesitação, os policiais sentem-se finalmente impelidos a chamar a
4 Cf. R 2.1 e nota.
53# ■ Passagens
atenção dos dançarinos para a decência, com as palavras habituais: ‘Dancem com mais
decência ou serão postos para fora!’, então esta versão dc intensidade mais elevada, ou
melhor, esta versão mais rebaixada’ chama-se chahut. / ... A grosseria bestial ... fez surgir um
regulamento policial... Os cavalheiros podem comparecer a estes bailes fantasiados, mas
não mascarados. Em parte, para não ficarem tentados a cometer maiores vulgaridades por
estarem irreconhecíveis, mas também - e sobretudo - para que, caso um dançarino quisesse
mostrar durante a dança o mm plus ultra da depravação parisiense e fosse por isso posto para
fora pelos policiais, ele fosse reconhecido e impedido de adentrar novamente o salão... As
mulheres, ao contrário, só podem comparecer se estiverem usando máscaras.” Ferdinand
von Gall, Paris und seine Salons, vol. I, Oldenburg, 1844, pp. 209 e 213-214.
[O la, 5]
Comparação entre os campos de ação erótica de hoje e aqueles de meados do século passado.
O jogo social do erotismo gira hoje em torno da pergunta: até que ponto uma mulher
honesta pode chegar sem se perder? Representar as alegrias do adultério sem o fato que
efetivamente o constitui é um dos temas preferidos pelos dramaturgos. O terreno sobre o
qual se desenrola o duelo do amor com a sociedade é, portanto, o domínio do amor “livre”
num sentido bastante amplo. Nos anos quarenta, cinqüenta e sessenta do século passado,
porém, as coisas eram bem diferentes. Nada ilustra mais claramente este fato que um relato
sobre as “pensões”, apresentado por Ferdinand von Gall em seu livro Paris und seine Salons
(vol. I, Oldenburg, 1844-1845, pp. 225-231). Nele fica-se sabendo que em muitas dessas
pensões era a regra, à hora do jantar - do qual também podiam participar estranhos com
reserva antecipada — , comparecerem algumas cocottes. Elas se viam na obrigação de assumirem
a aparência de moças de boa família e, de fato, não deixavam cair a máscara tão cedo; ao
contrário, cercavam-se de uma interminável embalagem de bom comportamento e laços
familiares, que era para ser retirada por meio de um complexo jogo de intrigas, o que,
afinal, elevava seu preço. Nestas situações, naturalmente, expressa-se menos o recato da
época do que seu fanatismo pelas máscaras.
[O 2, 1]
Ainda sobre o fanatismo pelas máscaras: “Pelas estatísticas da prostituição sabe-se que a
mulher perdida tem um certo orgulho pelo fato de a natureza considerá-la ainda digna de
ser mãe. Este desejo, porém, não a impede de ter aversão aos incômodos e à deformação
ligados a esta honraria. Por isso, ela escolhe de bom-grado um caminho intermediário para
exibir o seu estado: ela o mantém ‘por dois meses, por três meses’, mas, naturalmente, não
por mais tempo.” F. Th. Vischer, Mode und Cyn.ism.us, Stuttgart, 1879, p. 7. ■ Moda ■
[0 2 , 2 ]
Na prostituição, expressa-se o lado revolucionário da técnica (o lado criativo, mas também,
certamente, o seu lado descobridor: o simbólico). “Como se as leis da natureza, às quais o
amor se submete, não fossem mais tirânicas e mais odiosas que as da Sociedade! O sentido
metafísico do sadismo consiste na esperança de que a revolta do homem atingirá uma
intensidade tal que intimará a natureza a mudar suas leis - que as mulheres, não querendo
mais tolerar as provas da gravidez, nem os riscos e as dores do parto e do aborto, obrigarão
a natureza a inventar um outro meio para que o homem se perpetue sobre a terra.”
Emmanuel Berl, “Premier Pamphlet” ( Europe , n° 75, pp. 405-406). De fato: a revolta
sexual contra o amor não corresponde apenas a uma vontade fanática e obsessiva de prazer.
0
[Prostituição, Jogo] 535
■ela visa também a submeter a natureza e conformá-la a esta vontade. Os traços aqui em
qjiiEstio tornam-se ainda mais nítidos quando se considera a prostituição (sobretudo na
kanma cínica na qual era praticada nas passagens parisienses por volta do final do século)
■mos como oposição ao amor do que como decadência do amor. O aspecto revolucionário
Jesca decadência se insere então, quase espontaneamente, na decadência das passagens.
[O 2. 3]
Jk fcina feminina das passagens: prostitutas, grisettes, velhas vendedoras com cara de bruxa,
fiiawaras, vendedoras de bugigangas, demoiselles — este era o nome dado aos incendiários
'áiisfinçados de mulher por volta de 1830.
[O 2, 4]
fcr volta de 1830: “O Palais-Royal está ainda na moda — o bastante para que o aluguel das
■paias traga 32.000 francos a Luís Filipe; e as concessões de jogos, cinco milhões e meio
ac Tesouro... As casas de jogo do Palais-Royal rivalizam-se com o Cercle des Étrangers, na
líiai Grange-Batelière, e com Frascati, na Rue Richelieu.” Dubech e D’Espezel, Histoire de
flars. Paris, 1926, p. 365.
(O 2. 5]
Emes ce passagem - assim se denominam no folclore as cerimônias ligadas à morte, ao
imigcrr.ento, ao casamento, à puberdade etc. Na vida moderna, estas transições tornaram-
m ca«da vez mais irreconhecíveis e difíceis de vivenciar. Tornamo-nos muito pobres em
iBS foi ê n cias liminares. O adormecer talvez seja a única delas que nos restou. (E, com isso,
aniém o despertar.) E, finalmente, tal qual as variações das figuras do sonho, oscilam
BMEiibiem em torno de limiares os altos e baixos da conversação e as mudanças sexuais do
■me*. “Como agrada ao homem”, diz Aragon, “manter-se na soleira da imaginação!” (Paysan
* 2etl<, Paris, 1926, p. 74). Não é apenas dos limiares destas portas fantásticas, mas dos
llimíanes em geral que os amantes, os amigos, adoram sugar as forças. As prostitutas, porém,
amnciEE; os limiares das portas do sonho. — O limiar [ Schwelle ] deve ser rigorosamente
dado da fronteira [Grenze], O limiar é uma zona. Mudança, transição, fluxo estão
cs na palavra schwellen (inchar, entumescer), e a etimologia não deve negligenciar
ame; significados. Por outro lado, é necessário determinar o contexto tectônico e cerimonial
■nãao que deu à palavra o seu significado. ■ Morada de sonho ■
[O 2a, 1]
Siinr 5 peristilo nordeste do Palais-Royal encontrava-se o Café des Aveugles. “Lá, uma meia
lÉiEia de cegos do asilo dos Quinze- Vingts tocava incessantemente uma música quase
«nundroedora, das seis horas da tarde à uma hora da manhã, pois esses estabelecimentos
rãneos só ficavam abertos ao público do crepúsculo à aurora. Era o ponto de encontro
Eo de conhecidas Laises e Frinéias, sereias impuras, que tinham pelo menos o mérito
dar movimento e vida a esse imenso bazar de prazeres — hoje triste, sombrio e mudo,
Se os lupanares de Herculano. Histoire des Cafés de Paris Extraite des Mémoires d’un
Wmaer Paris, 1857, p. 7.
[O 2a, 2]
Mb na 31 de dezembro de 1836, à meia-noite, todas as casas de jogo foram fechadas por
'iiimtalnr da polícia. Na Frascati houve uma pequena rebelião. Foi o golpe mortal para o
■ Passagens
Palais-Royal, já destronado desde 1830 pelo boulevard.” Dubech e D’Espezel, Histoire de
Paris, Paris, 1926, p. 389.
r [O 2a, 3]
“Talma, Talleyrand, Rossini, Balzac” citados como jogadores em Édouard Gourdon, Les
Faucheurs de Nuit, Paris, 1860, p. 1 4.
r [O 2a, 4]
“Afirmo que a paixão pelo jogo é a mais nobre das paixões, porque ela comporta todas as
outras. Uma seqüência de jogadas felizes me proporciona mais prazer do que um homem
que nao joga poderia ter em vários anos. Eu me deleito espiritualmente, isto é, da maneira
mais sensível e mais delicada. Você pensa que no ouro que me chega eu só vejo o lucro?
Você está enganado. Vejo nele as alegrias que ele proporciona e saboreio-as verdadeiramente.
Essas alegrias, vivas e ardentes como relâmpagos, são rápidas demais para me dar desgosto
e diversas demai s para me entediar. Tenho cem vidas numa só. Se viajo, faço-o como uma
faísca elétrica... Se tenho a mão fechada e guardo meu dinheiro, é porque conheço muito
bem o preço do tempo para gastá-lo como os outros homens. Um prazer que eu me
concedesse me faria perder mil outros prazeres... Tenho os prazeres do espírito e não quero
outros.” Édouard Gourdon, Les Faucheurs de Nuit, Paris, 1860, pp. 14-15- A citação foi
tomada de empréstimo a La Bruyère! 5 - Cf. “Mesmo que fosse possível, eu já não poderia
do modo como eu queria.” Wallenstein . 6
[O 2a, 5]
“As concessões de jogos compreendiam: a casa do Cercle des Étrangers, na Rue Grange-
Batelière, n° 6; a casa de Livry, conhecida como Frascati, na Rue Richelieu, n° 103; a casa
Dunans, na Rue du Mont-Blanc, n° 40; a casa Marivaux, na Rue Marivaux, n° 13; a casa
Paphos, na Rue du Temple, n° 110; a casa Dauphine, na Rue Dauphine, n° 36; e, no
Palais-Royal, o n° 9 (até o n° 24), o n° 129 (até o n° 137); o n° 1 19 (a partir do n° 102) e
o n° 154 (a partir do n“ 145). Esses estabelecimentos, apesar de seu grande número, não
eram suficientes para os jogadores. A especulação abriu outros, que a polícia nem sempre
conseguiu fiscalizar com eficiência. Joga-se aí o carteado, a bouillotte e o bacará. Mulheres
velhas, restos vergonhosos e grotescos de todos os vícios ... ocupam-se de sua direção. São as
chamadas viúvas de generais, protegidas pelos chamados coronéis, que repartem entre si o
produto das bancas. Esse estado de coisas prolonga-se até 1837, época da extinção das
concessões de jogos.” Édouard Gourdon, Les Faucheurs de Nuit, Paris, 1860, p. 34.
’ ° [0 3, 1]
Gourdon informa que, em certos círculos, os jogadores eram quase exclusivamente mulheres.
Op. cit., pp. 55 et seq.
r rv 1 [Q 3_ 2]
“A aventura do guarda municipal a cavalo, colocado como um talismã diante da porta de
um jogador maltratado pela sorte, ficou nos anais de nossos círculos. O bravo soldado, que
pensava estar ali para fazer as honras aos convidados de alguma festa, já estranhava o silêncio
da ma e da casa, quando chegou, por volta de uma hora da manhã, a triste vítima do pano
verde. Como nas outras noites, e apesar do poder do talismã, o jogador havia perdido
muito. Ele toca a campainha; ninguém atende. Toca novamente; nada se move na guarita
5 Provavelmente La Bruyère, Les Caractères, "Des Biens de Fortune", 75. (J.L.)
6 Friedrich Schiller, Wallenstein (1799), ato I, cena 4. (J.L.)
0
[Prostituição, Jogo]
537
do cérbero adormecido, e a porta é inexorável. Impaciente, exasperado, amargurado por
causa das perdas que acabara de sofrer, o locatário quebra uma vidraça com sua bengala
para acordar o porteiro. Neste momento, o guarda, até então um simples espectador da
cena noturna, julga que é seu dever intervir. Ele se abaixa, agarra o perturbador pela gola,
iça-o sobre o cavalo e galopa até seu quartel, satisfeito com o pretexto válido para pôr fim a
uma vigilância que o entediava... Apesar da explicação, o jogador passou o resto da noite
numa cama de quartel.” Édouard Gourdon, Les Faucheurs de Nuit, Paris, 1860, pp. 181-
A propósito do Palais-Royal: “O antigo ministro da Justiça, Merlin, apresentou a proposta
de transformar em um quartel este palácio do luxo e de todos os prazeres lascivos, e assim
vedar o seu lugar de reunião àquela raça de gente infame.” RJ. L. Meyer, Fragmente aus
Paris im IV Jahr der franzosischen Republik , vol. I, Hamburgo, 1797, p. 24.
Delvau sobre as lorettes de Montmartre: “Não são mulheres — são noites.” Alfred Delvau,
Les Dessous de Paris, Paris, 1860, p. 142.
[O 3, 5]
Siãc existe uma determinada estrutura do dinheiro que só se deixa conhecer no destino, e
' e—;; determinada estrutura do destino que só se deixa conhecer no dinheiro?
[O 3, 6]
Profesi
Prvfesseurs de la langue verte? “Não possuindo nada além de uma perfeita experiência das
inações vencedoras, das séries e das intermitências, eles se instalavam nas casas de
pep da abertura ao encerramento, e terminavam a noite nos antros de bouillotte, chamados
dt rasas Baural. A espreita de noviços, de iniciantes ... esses estranhos professores davam
conselhos, discutiam jogadas passadas, prediziam as jogadas futuras e jogavam pelos outros.
Em caso de perda, eles não faziam senão maldizer a sorte, suspeitar de um lance fraudulento,
responsabilizar o azar, o dia do mês se fosse um 13, o dia da semana se fosse uma sexta-feira.
Em caso de ganho, pegavam seu prêmio, independentemente do que escamoteavam durante
o manuseio dos fundos, operação que se chamava: ‘garantir o leite das crianças’. Esses
operadores se dividiam em várias classes: os aristocratas, todos coronéis ou marqueses do
Antigo Regime, os plebeus oriundos da Revolução, enfim, aqueles que ofereciam seus
conselhos por cinquenta centavos.” Alfred Marquiset, Jeux et Joueurs d’Autrefois, 1789-1837,
Paris, 1917, p. 209. O livro contém dados preciosos sobre o papel da aristocracia e dos
militares na exploração do jogo.
[O 3a, 1]
Palais-Royal. “No segundo andar, moram sobretudo as mulheres perdidas’ da classe nobre...
No terceiro andar e ‘no paraíso’, nas mansardas, moram as da classe mais baixas; o trabalho
obriga-as a morar no centro da cidade, no Palais-Royal, na Rue Traversière e nas cercanias...
No Palais-Royal moram talvez de 600 a 800 - mas um número incomparavelmente maior
7 Langue verte ("língua verde") é sinônimo de argot e significa "gíria (parisiense)". Cf. Alfred Delvau,
Dictionnaire de la Langue Verte, Paris, 1 866; ver também P 3a, 4. - Neste contexto específico, porém,
em que se trata do jargão dos profissionais do jogo, parece haver um trocadilho com o " pano verde"
da mesa de jogos; por isso, há duas opções de tradução: "professores de gíria" ou "professores da
língua do pano verde". (E/M; w.b.)
53S ■ Passagens
perambula por ali à noite, pois é o lugar onde se encontra a maioria dos ociosos. Na Rue
Saint-Honoré e em algumas ruas adjacentes, elas ficam enfileiradas à noite como os cabrioles
de aluguel durante o dia, ao redor do Palais. Seu número, no entanto, diminui à medida
que nos distanciamos do Palais-Royal.” J. F. Benzenberg, Briefe geschrieben aufeiner Reise
nach Paris, vol. I, Dortmund, 1805, pp. 261 e 263. O autor calcula o número de “mulheres
perdidas” em “cerca de 10.000”; “antes da Revolução, um relatório da polícia indicava o
número de 28.000”; op. cit, p. 261.
[O 3a. 2J
“O vício cumpriu sua tarefa costumeira, para ela, como para as outras. Refinou e tornou
desejável a feiura atrevida de seu rosto. Sem nada perder da graça suburbana de sua origem,
a jovem tornou-se, com seus adornos enfáticos e seus encantos audaciosamente trabalhados
pelos cremes, um aperitivo e uma tentação para os apetites entediados, para os sentidos
amortecidos que só se excitam com as provocações da maquiagem e o fruffu dos vestidos
espetaculosos.” J.-K. Huysmans, Croqiús Parisiens, Paris, 1886, p. 57 (“Uambulante”).
[O 3a. 3]
“É impossível esperar que um burguês algum dia consiga compreender os fenômenos de
distribuição das riquezas. Pois, à medida que se desenvolve a produção mecânica, a
propriedade se despersonaliza e se reveste com a forma coletiva impessoal da sociedade
anônima, cujas cotas terminam por rodopiar no turbilhão da bolsa de valores... Alguns
perdem..., outros ganham, de uma maneira que se assemelha tanto ao jogo, que os negócios
da bolsa de valores são efetivamente chamados de 'jogo’. O desenvolvimento econômico
moderno como um todo tende a transformar, cada vez mais, a sociedade capitalista em um
enorme cassino internacional, onde os burgueses ganham e perdem capitais em conseqüência
de acontecimentos que lhes permanecem desconhecidos... O ‘inescrutável’ reina na
sociedade burguesa como num antro de jogo... Sucessos e fracassos, cujas causas são
inesperadas, geralmente desconhecidas e aparentemente regidas pelo acaso, predispõem o
burguês a adquirir uma mentalidade de jogador... O capitalista, cuja fortuna está aplicada
em valores mobiliários, submetidos a oscilações de preço e dividendos cujas causas
desconhece, é um jogador profissional. O jogador, porém, ... é um ser altamente
supersticioso. Os freqiientadores assíduos dos antros de jogo possuem sempre fórmulas
mágicas para exorcizar o destino; um deles murmura uma oração a santo Antônio de
Pádua ou a qualquer outro espírito celestial; um segundo aposta apenas quando uma
determinada cor ganhou; um terceiro segura com a mão esquerda uma pata de coelho
etc. O inescrutável social envolve o burguês, como o inescrutável da natureza envolve o
selvagem.” Paul Lafargue, “Die Ursachen des Gottesglaubens”, Die Neue Zeit, XXIV, n° 1,
Stuttgart, 1906, p. 512.
[O 4, 1]
Adolf Stahr se refere a um certo Chicard, primeiro dançarino de cancã do Bal Mabille, e
afirma que ele dançava sob a vigilância de dois sargentos da polícia que não tinham outra
função a não ser vigiar a dança deste único homem. A este propósito, cf. a afirmação - citada
por Woldemar Seyffarth, Wahmehmungen in Paris, 1853 und 1854, Gotha, 1855, p. 136,
sem referências precisas — segundo a qual “apenas a superioridade da força policial consegue
conter a bestialidade da população parisiense dentro de limites minimamente aceitáveis”.
[0 4,2]
0
[Prostituição, Jogo]
539
O tipo original - uma espécie de homem primitivo com uma barba enorme — que podia
ser visto no Palais-Royal, chamava-se Chodruc Duelos.
;o 4, 3 ;
'“Tentar a sorte não é uma volúpia medíocre. Experimentar — num segundo - meses, anos,
ioda uma vida de temor e de esperança não é um prazer sem embriaguez. Eu não tinha
nem dez anos quando o Sr. Grépinet, meu professor da nona série, leu-nos em aula a fabula
do Homem e do Gênio. No entanto, lembro-me dela melhor do que se a tivesse ouvido
00 tem. Um gênio dá a um menino um novelo de linha e lhe diz: ‘Este é o fio dos seus dias.
Pega-o. Quando quiseres que seu tempo passe, puxa o fio: seus dias passarão rápidos ou
lentos conforme você desenrolar o novelo, rápida ou lentamente. Enquanto você não tocar
o fio, permanecerá na mesma hora da sua existência.’ O menino pegou o fio; puxou-o
primeiro para tornar-se um homem, depois para desposar a noiva que amava, depois para
ver crescerem seus filhos, para conseguir os empregos, os salários, as honras, para superar as
preocupações, evitar os aborrecimentos, as doenças que vêm com a idade, enfim, ai de
mim! para terminar uma velhice insuportável. Ele tinha vivido quatro meses e seis dias
desde a visita do gênio. Pois bem! O que é o jogo senão a arte de viver num segundo as
mudanças que o destino geralmente só produz ao longo de muitas horas e mesmo dc
muitos anos; a arte de acumular num só instante as emoções esparsas na lenta existência
dos outros homens, o segredo de viver toda uma vida em alguns minutos, enfim, o novelo
de linha do gênio? O jogo é um corpo-a-corpo com o destino... Joga-se a dinheiro —
dinheiro, quer dizer, a possibilidade imediata, infinita. Talvez a carta que se vira ou a
bolinha que corre dê ao jogador parques e jardins, campos e vastos bosques, castelos
devando ao céu suas torres pontiagudas. Sim, esta pequena bola que rola contém em si
hectares de boa terra e telhados de ardósia, cujas chaminés esculpidas se refletem no
Loire; ela encerra os tesouros da arte, as maravilhas do gosto, jóias prodigiosas, os corpos
mais belos do mundo, e mesmo almas - que se pensava que não fossem venais -, todas as
decorações, todas as honras, toda a graça e todo o poder da Terra... E você quer que não
se jogue? Se pelo menos o jogo desse apenas esperanças infinitas, se mostrasse apenas o
sorriso de seus olhos verdes, talvez não o amássemos táo ardorosamente. Mas ele tem
unhas de diamante, é terrível; proporciona, quando lhe apraz, a miséria e a vergonha; é
por isso que o adoramos. A atração do perigo subjaz a todas as grandes paixões. Não há
volúpia sem vertigem. O prazer misturado com o medo embriaga. E o que há de mais
terrível que o jogo? Ele dá e tira; suas razões não são absolutamente as nossas razões. Ele
é mudo, cego e surdo. Pode tudo. É um deus... Tem seus devotos e seus santos que o
amam pelo que ele é, não pelo que promete, e que o adoram quando os atinge. Se os
despoja cruelmente, atribuem a falta a si mesmos, não a ele: ‘Joguei mal’, dizem. Eles se
acusam e não blasfemam.” Anatole France, Le Jardin d’Épicure, Paris, pp. 15-18.
Béraud procura defender em longas argumentações as vantagens do procedimento
administrativo contra as prostitutas, em oposição ao procedimento jurídico: “Assim, o
santuário da justiça não foi maculado publicamente por uma causa suja, e o crime é punido,
mas arbitrariamente, em virtude de uma ordem particular de um prefeito de polícia.” F. F.
A. Béraud, Les Filies Publiques de Paris et la Police qui les Régit, vol. II, Paris-Leipzig, 1839,
p- 50.
[o 5, 1]
540 ■ Passagens
“Um marlou [cafetão] ... é um belo jovem, forte, robusto, que sabe se defender, que se
apresenta muito bem, que dança o chahut e o cancã com elegância, é amável para com as
mulheres devotadas ao culto de Vénus, protegendo-as dos perigos iminentes, sabendo
fazer respeitá-las e forçando-as a se comportarem com decência... Eis, portanto, uma classe
de indivíduos que, desde tempos imemoriais, se faz notar pelo seu belo porte, por uma
conduta exemplar, pelos serviços que presta à sociedade, e que agora é reduzida a uma
situação extrema.” 50.000 Voleurs de plus à Paris, ou Réclamation des anciens marlous de la
capitale, contre lordonnance de M. le Préfet de police, concemant les filies publiques; par le beau
Théodore Cancan [50.000 Ladrões a mais em Paris, ou Petição dos antigos cafetoes da
capital contra o Decreto do Sr. Prefeito de Polícia, concernente às mulheres públicas;
redigida pelo belo Th. C.], cit. em F. F. A. Béraud, Les Filies Publiques de Paris et la Police qui
les Régit, vol. II, Paris-Leipzig, 1839, pp. 109-110, 113-114. [O panfleto surgiu pouco
tempo antes da publicação da obra que o cita.]
[o 5. 2]
Extraído do decreto policial de 14 de abril de 1830 sobre o regulamento da prostituição:
“Art. 1: ...Igualmente fica-lhes proibido aparecer a qualquer hora e sob qualquer pretexto
nas passagens, nos jardins públicos e nos boulevards. Art. 2: As mulheres públicas só poderão
se dedicar à prostituição nas casas de tolerância Art. 3: As prostitutas autônomas, ou seja,
aquelas que não moram nas casas de tolerância, só poderão se dirigir a essas casas depois de
se acenderem os lampiões da ma. Elas deverão se dirigir diretamente a esses locais, vestidas
de forma simples e decente... Art. 4: Elas nao poderão, em uma mesma noite, deixar uma
casa de tolerância para ir a uma outra. Art. 5: As prostitutas autônomas deverão ter deixado
as casas de tolerância e voltado para seus domicílios às onze horas da noite... Art. 7: As casas
de tolerância poderão ser indicadas por um lampião e, nas primeiras horas, por uma mulher
idosa que se manterá à porta... Assinado: Mangin”. F. F. A. Béraud: Les Filies Publiques de
Paris et la Police qui les Régit, vol. II, Paris-Leipzig, 1839, pp. 133-135.
[O 5, 3]
Prêmios instituídos para a “brigada da ordem”: 3 francos pela identificação de uma
prostituta menor de 21 anos; 15 francos pela identificação de um bordel clandestino;
25 francos pela idendficação de um bordel de menores. Béraud, Les Filies Publiques, vol. II,
pp. 138-139.
[O 5, 4]
Dos esclarecimentos de Béraud sobre suas propostas para um novo regulamento. 1) No
que se refere à mulher idosa no limiar: “O segundo parágrafo proíbe a esta mulher ultrapassar
a soleira da porta, porque, muitas vezes, acontece que ela tem a audácia de ir ao encontro
dos transeuntes. Vi com meus próprios olhos essas mercadoras pegarem homens pelo
braço, pelas roupas, e forçá-los, por assim dizer, a entrar em suas casas.” 2) No que se refere
à interdição de atividade comercial para prostitutas: “Proíbo também a abertura de lojas e
boutiques nas quais as mulheres públicas se instalam como modistas, costureiras de roupa
íntima, vendedoras de perfumes etc. As mulheres que ocupam essas lojas ou butiques
mantêm as portas ou janelas abertas, para lazer sinais aos transeuntes... Há outras, mais
astutas, que fecham suas portas e janelas, mas fazem sinais através das vidraças sem cortinas,
ou essas cortinas ficam entreabertas, deixando uma fresta que permite uma comunicação
fácil entre o interior e o exterior. Algumas batem na vitrine da boutique, toda vez que um
o
[Prostituição, Jogo]
541
Lm m passa, o que o faz se voltar para o lado de onde vem o ruído, e então os sinais se
amcedem de uma maneira tão escandalosa que ninguém pode deixar de percebê-los. Todas
boutiques se encontram nas passagens.” F. F. A Béraud, Les Filies Publiques de Paris et la
ítíSke qui les Régit, vol. II, Paris-Leipzig, 1839, pp. 149-150, 152-153. ^
THárarnl declara-se a favor de um número ilimitado de casas de tolerância. “Art. 13: Toda
MBiIher ou moça maior de idade, que tenha um domicílio com um espaço conveniente,
pdo menos dois quartos, autorizada por seu marido se for casada, bem como pelo proprietáno
e pelo principal locatário da casa em que mora..., estará apta a tornar-se dona de casa de
tolerância e a obter o registro.” Béraud, Les Filies Publiques de Paris, vol. II, p. 1 56.
° [O 5a. 2]
Toda moça, segundo a proposta de Béraud, deve ser registrada como prostituta, se assim
o desejar — inclusive se for menor. Extraído da argumentação: “O sentimento do vosso
dever vos ordena uma vigilância contínua em favor dessas jovens... Rejeitá-las significa
assumir todas as conseqüências de um abandono bárbaro... E preciso, pois, registrá-las,
e cercá-las de toda a proteção e de toda a vigilância da autoridade. Em vez de lançá-las
mim a atmosfera de corrupção, submetei essas adolescentes a uma vida regular numa
casa especialmente destinada a recebê-las... Preveni seus pais. Desde que eles saibam que
a vida desregrada de suas filhas permanecerá sigilosa, e que é um segredo religiosamente
guardado pela administração, eles consentirão em recebê-las de volta.” Béraud, op. cit.,
toI. II, pp. 170-171.
rr [O 5a, 3]
“Por que a polícia não permitiria ... a algumas donas de casas de tolerância particularmente
conhecidas promover ... saraus, bailes e concertos, com a adição de mesas de carteado?
Jkfui, pelo menos, os escroques seriam vigiados de perto, enquanto nos outros círculos [a
saber em casas de jogos] isso é impossível, visto que a ação da polícia ... em tais lugares é ...
nula.” F. F. A. Béraud, Les Filies Publiques de Paris et la Police qui les Régit, vol. II, Paris-
lõpzig, 1839, p. 202.
"Há ... épocas do ano, até periódicas, que são fatais para a virtude de um grande número de
■Mv-as parisienses. Nas casas de tolerância ou em outros lugares, as investigações da polícia
encontram, então, muito mais jovens entregando-se à prostituição clandestina que em todo
a resto do ano. Perguntei-me muitas vezes sobre as causas desses surtos de devassidão, e
■inguém, mesmo na administração, soube responder esta questão. Tive de me valer de minhas
próprias observações e empenhei-me com tanta perseverança que consegui, enfim, descobir o
princípio verdadeiro dessa prostituição progressiva ... e ... circunstancial... Quando se
aproximam o Ano Novo, a festa de Reis, as festas da Virgem..., as jovens querem dar lembranças,
pesentes, oferecer belos buquês; desejam também, para elas mesmas, um vestido novo, o
chapéu da moda, e, privadas dos meios pecuniários indispensáveis..., elas os encontram
entregando-se durante alguns dias à prostituição... Eis os motivos para o recrudescimento da
devassidão em certas épocas e certas festividades.” F. F. A Béraud, Les Filies Publiques de Paris
m Ia Police qui les Régit, vol. I, Paris-Leipzig, 1839, pp. 252-254.
[O 6, 2 ]
Contra o exame médico na polícia: “Toda mulher encontrada na Rue de Jérusalem, indo à
Prefeitura da Polícia ou saindo dela, é estigmatizada com o nome de mulher pública... É
um escândalo periódico. Durante todos os dias de visita, vê-se as proximidades da prefeitura
invadidas por um grande número de homens esperando a saída dessas infelizes, sabendo
que aquelas que saem livres do dispensário são consideradas sadias.” F. F. A. Béraud, Les
Filies Publiques de Paris , vol. I, pp. 189-190.
(0 6 , 3 ]
As lorettes preferiam o bairro em torno da Notre-Dame de Lorette porque era novo, e lá
pagavam um aluguel mais baixo por morarem em casas recém-construídas e ainda em
processo de secagem.
[O 6, 4]
“Você quer um outro tipo de sedução? Vá às Tulherias, ao Palais-Royal ou ao Boulevard des
Italiens. Você encontrará nesses lugares mais de uma sereia sentada numa cadeira, com os
pés sobre outra, e com uma terceira cadeira vazia a seu lado. É um ponto de espera para o
homem da sorte... Também as lojas de moda ... apresentam recursos aos aficionados. Nelas
você negocia o chapéu rosa, verde, amarelo, lilás ou escocês; você combina o preço, dá seu
endereço e, no dia seguinte, à hora marcada, vê chegar em sua casa aquela que, atrás do
chapéu, arrumava, com seus dedos delicados, a gaze, a fita ou algum outro pompom,
coisas que tanto agradam a essas damas.” F. F. A. Béraud, Les Filies Publiques de Paris,
precedido de uma nota histórica sobre a prostituição em diversos povos da Terra, por M. A.
M., vol. I, pp. CII-CIV (Prefácio).
[O 6a, 1]
“À primeira vista somos levados a crer que existe um grande número de mulheres públicas,
por uma espécie da fantasmagoria que produzem as idas e vindas dessas mulheres, sempre
nos mesmos pontos, o que parece multiplicá-las ao infinito... Há uma outra circunstância
que contribui para essa ilusão: os vários tipos de roupa com as quais se disfarçam as mulheres
públicas numa mesma noite. Mesmo com um olho pouco exercitado, é fácil convencer-se
de que uma moça que, às oito horas, está com uma roupa elegante, rica, é a mesma que
aparece às nove como costureirinha, e que se mostra às dez como camponesa, e vice-versa.
É assim em todos os pontos da capital onde afluem habitualmente as prostitutas. A título
de exemplo, siga uma dessas moças no boulevard, entre as portas Saint-Martin e Saint-
Denis: ela está agora com um chapéu de plumas e um vestido de seda coberto com um
xale; ela entra na Rue Saint-Martin, segue pelo lado direito, passa pelas pequenas ruas que
chegam à Rue Saint-Denis, entra em uma das inúmeras casas de devassidão que ali se
encontram, e, pouco depois, sai vestida de costureirinha ou de camponesa.” F. F. A. Béraud,
Les Filies Publiques de Paris, vol. I, Paris-Leipzig, 1839, pp. 51-52. ■ Moda ■
[O 6a, 2]
0
[Prostituição, Jogo]
543
<fase média>
Les filies de marbre [As jovens de mármore], drama em cinco atos com canto, de Théodore
Barrière e Lambert Thiboust; apresentado pela primeira vez em Paris no Théátre du
Vaudeville, em 17 de maio de 1853. O primeiro ato deste drama apresenta os protagonistas
como andgos gregos, e o herói, Rafael, que mais tarde perde a vida por amor a uma jovem
de mármore (Marco), representa aqui o papel de Fídias, que cria as estátuas de mármore.
O efeito final deste ato é o sorriso que as estátuas dirigem a Górgias, que lhes promete
dinheiro, depois de terem ficado imóveis diante de Fídias, que lhes prometera glória.
[O 7, 1]
“Veja, ... há em Paris dois tipos de mulheres, como há dois tipos de casas ... a casa burguesa,
onde só se entra com um contrato de aluguel, e o hotel mobiliado, onde se mora por mês...
O que os distingue? A tabuleta comercial... Ora, a toalete é a tabuleta da mulher ... e há
toaletes tão eloqüentes, que é absolutamente como se você lesse no primeiro nível dos
babados do vestido: apartamento mobiliado para alugar!”’ Dumanoir e Th. Barrière, Les
Toilettes Tapageuses: Comédie en un Acte, Paris, 1856, p. 28.
[0 7,2]
Apelidos dos conjuntos de tambores da École Polytechnique, por volta de 1830: Gavotte, 8
Vaudeville, Mélodrame, Zéphir; por volta de 1860: Brin d’Amour [Um nada de amor],
Cuisse de Nymphe [Coxa de ninfa] . Pinet, Histoire de 1’Êcole Polytechnique , Paris, 1 887,
p. 212.
[O 7, 3]
Stçundo uma proposta de Bourlier, os jogos deveriam ser novamente permitidos sob
r:::5o, e a receita deveria ser utilizada para a construção de uma ópera — “tão magnífica
quanto a Bolsa” — e de um hospital. Louis Bourlier, Épitre aux Détracteurs du Jeu , Paris,
1831, p. VII.
[O 7, 4]
Contra o fermier desjeux [chefe da concessão de jogos] Benazet - que, entre outras coisas, se
envolvera em negócios ilegais, aproveitando para suas transações particulares a cotação mais
alta do ouro nas casas de jogo — foi publicado o seguinte libelo: Louis Bourlier, Pétition à
MM. les Députés, Paris, Galeries d’Orléans, 30 de junho de 1839. Bourlier fora um antigo
funcionário da ferme des jeux [concessão de jogos] .
[0 7,5]
“No átrio da Bolsa, como no de nossa casa,
Joga-se, e afronta-se os golpes da sorte:
Vermelho e negro no Trinta e um, alta e baixa na Bolsa,
São de perda e de ganho igualmente a fonte.
Ora, se o jogo da Bolsa é tão semelhante ao nosso,
Por que permitir um? Por que proibir o outro?”
8 Gavotte = dança de compasso binário, (w.b.)
5 44 ■ Passagens
Louis Bourlier, Stances à l’Occasion
Chambre [Estanças por ocasião da
Câmara], Paris, 1837, p- 5.
de la Loi qui Supprime la Ferme des Jeux: Adressées i i
lei que suprime a concessão de jogos: endereçadas
M
au
om
Uma grande gravura (litografia) de 1852, Maison dejeu [Casa de jogo], mostra ao centro»
figura emblemática de uma pantera ou de um tigre, cuja pele, como se fosse um
traz a representação, pela metade, de uma roleta. Cabinet des Estampes.
“As lorettes eram cotadas diferentemente, segundo os bairros em que habitavam.” Na oí
ascendente dos preços: Rue de Grammont, Rue du Helder, Rue Saint-Lazare, Rue de
Chaussée-dAntin, Rue du Faubourg du Roule. Paul DAtiste, La Vie et le Monde
Boulevard (1830-1870), Paris, 1930, pp. 255-256.
ám
[o:
‘As mulheres não são admitidas durante o horário de funcionamento da Bolsa de V;
mas são vistas do lado de fora em grupos, à espera do grande oráculo do dia.” Acht Ta
Paris, Paris, julho de 1855, p. 20.
[o;
“No 1 3 o arrondissement , 9 há mulheres que morrem quando vão começar a amar; elas
ao amor o último suspiro da galanteria.” louis Lurine: Le Treizième Arrondissement de Pa
Paris, 1850, pp. 219-220. Uma bela fórmula para A Dama das Camélias, que apar
dois anos mais tarde.
[0 3
A época da Restauração. “Não era nenhuma vergonha jogar... As guerras napoleór
haviam difundido amplamente o prazer do jogo com as idas e vindas dos soldados, qr
todos adeptos dos jogos de azar.” Egon Caesar Conte Corti, Der Zauberer von Homburgt
Monte Cario, Leipzig, 1932, p. 30.
[Oi
I o de janeiro de 1838. “Em conseqüência da proibição, Benazet e Chabert, dentre
banqueiros franceses do Palais-Royal, se mudaram para Baden-Baden e Wiesbaden, e nr
funcionários foram para Pyrmont, Aachen, Spa etc.” Egon Caesar Conrc Corri, Der Za
von Homburg und Monte Cario, Leipzig, pp. 30-31.
[Oi
Extraído de M. J. Ducos (de Gondrin): Comment on se Ruine à la Bourse [Como se ;
na Bolsa], Paris, 1858: “Não querendo de forma alguma atacar direitos legítimos,
tenho nada a dizer contra as operações sérias da Bolsa, para as quais os agentes de
foram exclusivamente criados. Minha crítica visa particularmente as corretagens de mer
fictícios ... e os reportes usurários.” (p. 7) “Não há sorte no jogo da Bolsa, por mais feliz que
seja, que possa resistir às comissões exorbitantes dos agentes de câmbio... Às margens
Reno, há dois estabelecimentos de jogo (Homburg e Wiesbaden) onde se joga o trina
quarenta, adiantando uma pequena ... comissão de 62 Vi cêntimos por 100 francos. É _
trigésima segunda parte da comissão dos agentes de câmbio e da taxa dos reportes re
' Cf. nota para M 7, 6.
o
[Prostituição, Jogo]
545
No trinta e quarenta aposta-se no vermelho ou no negro, como na Bolsa se aposta na alta ou
na baixa, com a diferença de que, no jogo, as duas opções são sempre perfeitamente iguais
e que não é possível qualquer espécie de fraude, os fracos não ficando de maneira alguma à
mercê dos poderosos.” (p. 16).
[O 7a, 7]
O jogo da Bolsa na província dependia de Paris para receber “as informações sobre a cotação
dos títulos mais importantes... Para isso, utilizavam-se mensageiros especiais, pombos-
correio, e um dos meios preferidos na época, quando havia na França uma profusão de
moinhos de vento, era a transmissão de sinais de um moinho a outro: se a janela de um
deles estivesse aberta, isto significava Bolsa em alta, e o sinal era captado pelo moinho
seguinte e passado adiante; se a janela permanecesse fechada, isto significava baixa, e a
notícia seguia o mesmo percurso de moinho a moinho, da capital até a província.” Os
irmãos Blanc, no entanto, preferiam servir-se do telégrafo óptico, cuja utilização estava
legalmente reservada ao governo. “Um belo dia, no ano de 1834, a pedido de um agente
dos Blanc, um telegrafista parisiense transmitiu para Bordeaux, em um telegrama oficial,
um ‘H’ que deveria indicar a alta [hausse] na cotação dos títulos. Para marcar a letra, e
também para se precaver contra qualquer descoberta, acrescentou após o ‘Ff’ um sinal de
engano.” No entanto, surgiram dificuldades com este método, e os Blanc o combinaram
então com um outro. “Quando, por exemplo, os títulos do Estado francês com rendimento
de três por cento registravam uma alta de pelo menos 25 cêntimos, o encarregado dos
Blanc em Paris, um certo Gosmand, enviava um pacotinho com luvas ao funcionário dos
telégrafos em Tours, de nome Guibout, que prudentemente era indicado no endereço
como fabricante de luvas e meias. Caso ocorresse uma baixa da mesma importância, Gosmand
lhe enviaria meias ou gravatas. No endereço do pacote era escrita uma letra ou uma cifra
■ gpe Guibout acrescentava imediatamente, com sinal de engano, a um telegrama oficial
pE Bordeaux.” Este procedimento funcionou por quase dois anos. Relato segundo La
ilSmxMe des Tribunaux de 1 837. Egon Caesar Conte Corti, Der Zauberer von Homburg
mm Monte Cario , Leipzig, 1932, pp. 17-19-
[O 8, 1]
iCmwsiisrsas Galantes ao Pé do Fogo entre Duas Moças do Século XIX, Roma-Paris, Ed.
ifcraira f?77n , Vache & Cie. Algumas formulações curiosas: “Ah, cu e boceta, palavras tão
.iiH Jimp iiigs e, no entanto, tão ricas de conteúdo; olhe para mim, o que você acha de meu cu
tii' uiiff ; minha boceta, Elisinha?” (p. 12). “No templo, o sacerdote; no cu, o dedo indicador
uv sacristão; no clitóris, dois dedos como diáconos - é assim que eu aguardava as
in çoe estavam por vir. ‘Quando meu cu estiver em boa posição, então, meu amigo,
rnim-tffar 1 ’” Os nomes das duas moças: Elise e Lindamine.
[O 8, 2]
: sobre a cronista de moda Constance Aubert, que ocupava uma posição influente
■ Jémps. e que recebia entregas das casas de moda como forma de retribuição pelos seus
gc “A pena tornou-se um verdadeiro capital, que pode estipular, a cada dia, os
K que se pretende obter. Paris inteira tornou-se um bazar onde nada escapa à
;i|Ei£ quer tomar, porque essa mão já está estendida há muito tempo.” Jules Lecomte,
< de Van Engelgom, ed. Henri dlAlmeras, Paris, 1925, p. 190. As cartas de Lecomte
i pdMkadas em 1837 no Indépendant de Bruxelas.
[O 8a, 1]
■ Passagens
“É pela faculdade dc seu espírito, chamada reminiscência, que os desejos do homem
condenado ao brilhante cativeiro das cidades se voltam ... para uma estadia no campo, sen
domicílio primitivo ou, pelo menos, para a posse de um simples e tranqüilo jardim. Seus
olhos aspiram se repousar sobre o verde, descansando das fadigas do escritório, ou da
claridade ardente das lâmpadas do salão. Seu olfato, ferido incessantemente por emanações
pestilentas, procura o perfume que exalam as flores. Um canteiro de violetas humildes e
suaves o arrebataria em êxtase... Essa felicidade ... sendo-lhe negada, ele vai querer ainua
alimentar a ilusão, até transformar o parapeito de sua janela em jardim suspenso, e a lareira
de sua modesta habitação em um canteiro ornado de folhagens e de flores. Assim é .
homem da cidade, e essa é a fonte de sua paixão pelas flores e pelos campos... Tais as
reflexões que me levaram ao estabelecimento de numerosos teares onde mandei executar
desenhos imitando as flores da natureza... A demanda por esse tipo de xales foi prodigiosa —
Os xales eram vendidos antes de serem fabricados. Os pedidos para entrega se sucediam
sem interrupção... Esse brilhante período dos xales, essa idade de ouro da fábrica ... durou
pouco tempo e, entretanto, fez correr pela França um rio de riqueza, cuja corrente era tanto
mais volumosa quanto suas principais fontes se situavam nos países estrangeiros. Depois de
ter falado dessa notável demanda, pode ser interessante ... saber de que forma ela se propagou.
Como eu já esperava, em Paris consumiam-se poucos xales com flores naturais. As províncias
faziam seus pedidos na proporção de sua distância da capital, e os países estrangeiros, na
proporção de sua distância da França. Seu reinado ainda não acabou. Continuo abastecendo
países distantes entre si, espalhados por toda a Europa, e onde não se pensaria enviar um só
xale com desenhos, imitando a caxemira... Pelo fato de Paris não ter dado importância aos
xales com desenhos de flores naturais ... não se poderia dizer - reconhecendo Paris como o
centro do bom gosto — que quanto mais nos distanciamos desta cidade, mais nos
aproximamos dos gostos e dos sentimentos naturais? Ou, em outras palavras, que o gosto
e o natural, neste caso, não têm nada em comum, e até sc cxclucm reciprocamente?” J. Rey.
fabricante de caxemiras, Études pour Servir à 1’Histoire des Chãles , Parts, 1823, pp. 201-20 —
204-206. O exemplar da Bibliothèque Nationale apresenta no verso da página de rosto
uma observação em escrita antiga: “Este tratado sobre um assunto aparentemente fútil ...
é notável pela pureza e elegância do estilo, assim como por uma erudição comparável
àquela da viagem d’Anarcharsis.” g
Haveria uma relação da moda floral do Biedermeier e da Restauração com o mal-estar
inconsciente diante do crescimento das cidades grandes?
[O 8a, 3]
“No começo do reinado de Luís Filipe, a opinião pública se pronunciou também [tal como
hoje em dia, no que diz respeito à Bolsa] ... contra os jogos de azar... A Câmara dos
Deputados ... votou pela sua supressão, embora o Estado tirasse deles rendimentos anuais
de vinte milhões... No momento atual, em Paris, o jogo da Bolsa não proporciona ao
governo sequer vinte milhões por ano; mas, em contrapartida, rende pelo menos cem
milhões aos agentes de câmbio, aos corretores da coulisse 10 e aos agiotas ... que fazem
reportes ... elevando às vezes a taxa de juros acima de 20%. — Esses cem milhões são
10 É preciso distinguir entre os agentes oficiais de câmbio (agents de change) e os corretores não
autorizados ( courtiers ). Enquanto aqueles trabalham na Bolsa, estes fazem seus negócios no espaço
em volta dela, na chamada coulisse. Cf. William Parker, The Paris Bourse and French Finance, Nova York,
Columbia University Press, p. 26. Ver também A 2, 1 1, A 7a, 5 e g 3, 2. (E/M)
0
[Prostituição, Jogo]
547
tomados de quatro a cinco mil jogadores pouco esclarecidos que, na tentativa de se explorarem
muruamente sem se conhecerem, se deixam despojar completamente. ’ (Pelos agentes de
csn rk>). M. J. Ducos (de Gondrin), Comment on se Ruine à la Bourse, Paris, 1 858, pp. V-
A Bolsa de Valores funcionou durante a Revolução de Julho como hospital e fabrica de
munição. Para a fabricação dos cartuchos empregaram-se prisioneiros. Cf. Tricotei, Esquisse
de Quelques Scènes de llntérieur de la Bourse , Paris, 1830. Ela também serviu como casa-
forte. Ali foi depositada a prataria roubada nas Tulherias.
[O 9, 21
Havia xales que demandavam 25 ou mesmo 30 dias de trabalho.
[O 9, 3]
Rey argumenta a favor das caxemiras francesas. Elas têm, entre outras vantagens, a de
serem novas. Não é o caso dos xales indianos. “Preciso falar de todas as festas galantes de
que elas foram testemunhas, de todas as cenas voluptuosas, para não dizer mais, em que
serviram de véu? Nossas sensatas e modestas francesas ficariam um pouco mais que confusas
se viessem a conhecer os antecedentes do xale que lhes traz a felicidade!” De qualquer modo,
o autor não quer endossar a opinião de que todos os xales já teriam sido usados na índia,
uma afirmação que seria tão falsa como a “que pretende que o chá já tenha servido para
infusão antes de sair da China.” J. Rey, Etudes pour Servir à IHistoire des Châles, Paris, 1823,
pp. 226-227.
[O 9, 4]
Os primeiros xales aparecem na França em conseqüência da campanha do Egito. 11
[O 9, 51
“Vamos, minhas irmãs, marchemos noite e dia;
A qualquer hora, a qualquer preço, é preciso fazer amor,
É preciso, aqui embaixo o destino nos colocou
Para proteger o lar e as mulheres honestas.”
Imifckr. Satires et Poèmes: Lazare, Paris, 1837, p. 271 (cit. em Liefde, Le Saint-Simonisme
léimti' h Poésie Française (entre 1825 et 1865), Haarlem, 1927, p. 125).
[O 9, 6]
Ura seção XVI do Spleen de Paris, “L’horloge”, encontra-se o conceito de rempo com o qual
ilbre ser confrontado o do jogador.
[O 9, 7]
Ui mapefro da influência da moda sobre o erotismo, uma boa observação de Eduard Fuchs
ifBifej Wkrikatur der europãischen Vólker, vol. II, Munique, 1921, p. 152): “Uma dama do
'.fcerjco Império não diz: eu o amo’, mas sim: jdi un caprice pour lui [tenho um capricho
mm éé,.
[O 9, 8]
n A campanha do Egito, sob Napoleão I. ocorreu em 1798-1799. (E/M)
$48 ■ Passagens
J. Pellcoq apresenta as pernas jogadas para o alto no cancã com a legenda: “Apresentar
armas!” Eduard Fuchs, Die Kankamr der europüischen Vólker, vol. II, p. 171.
[0 9 *
“Inúmeras litografias galantes, publicadas nos anos trinta do século passado, apareciam
simultaneamente em variações obscenas para os amantes de imagens diretamente eróticas...
Ao fim dos anos trinta, estes gracejos saíram aos poucos de moda.” Eduard Fuchs, Illustrierte
Sittengeschichte vom Mittelalter bis zur Gegenivart: Das bürgerliche Zeit alter, volume
suplementar, Munique, p. 309.
IO 9a, 2]
Eduard Fuchs descreve “o início de um catálogo de prostitutas, com ilustrações eróticas,
que deve ter sido publicado entre os anos de 1835 e 1840. O catálogo em questão compõe-
se de vinte litografias eróticas coloridas, e sob cada uma delas está impresso o endereço de
uma prostituta.” Entre os sete primeiros endereços do catálogo constam cinco passagens,
todas elas diferentes. Eduard Fuchs, Illustrierte Sittengeschichte vom Mittelalter bis zur
Gegenwatt: Das bürgerliche Zeitalter, volume suplementar, Munique, p. 157.
Quando Engels era seguido por agentes secretos da polícia - devido a denúncias feitas por
artesãos-aprendizes alemães (entre os quais sua atuação como agitador teve pouco sucesso,
exceto o enfraquecimento da posição de Grün), ele escreve a Marx: “Se os indivíduos
suspeitos que me seguem há quinze dias são realmente agentes espiões..., a Prefeitura de
Polícia deve ter gasto nos últimos tempos muito dinheiro com a compra de entradas para
os bailes Montesquieu, Valentino, Prado etc. Devo ao Sr. Delessert o conhecimento de
algumas adoráveis grisettes e muito plaisir.” Cit. em Gustav Mayer, Friedrich Engels, voL
Friedrich Engels in seiner Frühzeit, 2 a ed., Berlim, 1933, p. 252.
fO rtom, •*
Engels descobre em 1848, durante uma viagem pelas regiões vinícolas da França, que
cada um destes vinhos provoca uma embriaguez diferente: com poucas garrafas pode-se
percorrer todos os degraus intermediários entre a quadrilha de Musard e a Marselhe
entre o prazer frenético do cancã e o ardor selvagem da febre revolucionária!” Cit. <
Gustav Mayer, Friedrich Engels, vol. I, Friedrich Engels in seiner Frühzeit, Berlim, p. 319.
[Cf. a 4, 1]
[O 9a, 5]
“Após o fechamento do Café de Paris, ocorrido em 1856, o Café Anglais atingiu, na época
do Segundo Império, a mesma importância que teve aquele restaurante no tempo de Luís
Filipe. Um alto prédio branco, com um labirinto de corredores, numerosos salões e chambres
séparées, distribuídos pelos diversos andares.” S. Kracauer, Jacques Ojfenbach und das Paris
seiner Zeit, Amsterdam, 1937, p. 332.
[O 9a, 6]
“Os operários das fábricas na França chamam a prostituição de suas mulheres e filhas de
enésima hora de trabalho, o que é literalmente verdadeiro.” Karl Marx, Der historische
Materialismus, ed. org. por Landshut e Mayer, Leipzig, 1932, p. 318.
[O 10, 1]
0
[ Prostituição, Jogo]
549
*0 imagier [vendedor de imagens] ... fornecerá, se for solicitado, o endereço do modelo que
posou para suas fotografias obscenas.” Gabriel Pélin, Les Laideurs du Beau Paris. Paris,
1861 , p. 153. Nas lojas destes imagiers, as fotos obscenas individuais eram expostas nas
vitrines, enquanto as imagens de grupo se encontravam no interior.
;o io. 2;
Salões de baile, segundo Le Caricaturiste, de 26 de agosto de 1849: Salon du Sauvage,
Salon d’Apollon, Château des Brouillards. Paris sous la Republique de 1848. Exposição da
cidade de Paris, Paris, 1909, p. 40.
:0 10 . 3]
“A regulamentação da jornada de trabalho ... o primeiro freio racional imposto aos assassinos
e frívolos caprichos da moda, incompatíveis com o sistema da grande indústria. Nota a
«te respeito: “John Bellers censurava já em 1699 estes efeitos da ‘incerteza da moda
( Essays about the Poor, Manufactures, Trade, Plantations, and Immorality , p. 9). Karl Marx,
Das Kapital, ed. org. por K. Korsch, Berlim, 1932, p. 454.
[O 10, 4]
Extraído da Pétition des filies publiques de Paris à MM. le Préfiet de police etc., redigée par Mlle.
Pauline et apostillée par MM. les épiciers, cabaretiers, limonadiers et marcbands de comestibks
de la capitale...-. [Petição das mulheres públicas de Paris ao Sr. Prefeito de Polícia etc.,
redigida pela Srta. Pauline e recomendada pelos Srs. merceeiros, donos de cabaré,
limonadeiros e comerciantes de comestíveis da capital]: “Nosso ofício infelizmente já é em
si miserável, mas, com a concorrência de outras mulheres e senhoras distintas que não
pagam impostos, deixou de produzir rendimento satisfatório. Ou será que somos muito
piores porque recebemos dinheiro vivo, enquanto aquelas recebem xales de caxemira?
A Carta garante a liberdade pessoal a cada um; se nossa petição não der resultado junto ao
Sr. Prefeito de Polícia, nós nos dirigiremos ... às Câmaras. Aliás, seria melhor viver no reino
de Golconda, 12 onde as moças como nós formavam uma das quarenta e quatro divisões do
povo, tendo por única obrigação dançai' para o rei, serviço este que estaríamos dispostas a
prestar ao Sr. Prefeito de Polícia, caso o desejasse.” Friedrich von Raumer, Briefe aus Paris
mnd Frankreich im Jahre 1830, vol. I, Leipzig, 1831, pp. 206-207.
[O 10, 5 )
O prefaciador das Poésies de Journet fala de “oficinas para os mais diversos tipos de trabalho
de agulha, onde ... por 40 cêntimos por dia, - as mulheres e as jovens sem trabalho vão ...
gastar ... sua saúde. Quase todas essas infelizes ... são obrigadas a recorrerem ao quinto
quarto da jornada de trabalho.” Jean Journet, Poésies et Chants Harmoniens, Paris (na
Librairie Universelle de Joubert, Passage du Saumon, 2, e na casa do autor), junho dc
1857, p. LXXI (Prefácio do editor).
[O 10, 6 ]
“A Calçada da Rue des Martyrs” cita muitas legendas de Gavarni, mas em lugar algum
menciona Guys, que poderia muito bem ter sido o modelo da seguinte descrição: “E um
pcazer vê-las andar no betume, com o vestido lcvcmente repuxado de um lado até o joelho,
de modo a deixar brilhar ao sol uma perna esbelta e vigorosa, como a de um cavalo árabe,
dieia de frêmitos e impaciências adoráveis, e que termina num borzeguim de uma elegância
12 A riqueza do reino de Golconda, na índia, era lendária. (J.L.)
550 ■ Passagens
irrepreensível! Ninguém se preocupa com a moralidade dessas pernas! ... O que se quer é ir
aonde elas vão.” Alffed Delvau, Les Dessous de Paris, Paris, 1 860, pp. 143-1 44 (“Les trottoirs
parisiens” - “As calçadas parisienses”).
[O 10a, 1]
Uma proposta de Ganilh: utilizar uma parte do capital da loteria estatal para aposentadorias
de jogadores que atingiram uma certa idade.
Agentes de loteria: “Suas lojas têm sempre duas ou três saídas e diversos compartimentos
para facilitar os negócios do jogo e da agiotagem, que se entrelaçam, e para o conforto de
clientes tímidos. Não é raro marido e mulher, sem o saber, se sentarem lado a lado nas
misteriosas saletas, que cada um acredita ser o único a utilizar de maneira tao astuta.” Cari
Gustav Jochmann, Reliquien, ed. org. por Heinrich Zschokke, vol. II, Hechingen, 1837,
p. 44 (“Die Glücksspiele” — “Os jogos de azar”).
[O 10a, 3]
“Se é a fé no mistério que faz o crente, então há provavelmente mais jogadores crentes no
mundo do que homens de fé.” Cari Gustav Jochmann, Reliquien , ed. por Heinrich Zschokke,
vol. II, Hechingen, 1837, p. 46 (“Die Glücksspiele”).
[O 10a. 4]
Segundo Poisson, 13 em “Mémoire sur les chances que les jeux de hasard, admis dans les
maisons de jeu de Paris, présentent à la banque” [Relatório sobre as oportunidades que os
jogos de azar, admitidos nas casas de jogo de Paris, apresentam para o banco], texto lido na
Academia de Ciências, em 1820, o movimento anual de negócios no trinta- e um é de 230
milhões de francos (lucro do banco: 2.760.000), e na roleta, de 100 milhões de francos
(lucro do banco: 5 milhões). Cf. Cari Gustav Jochmann, Reliquien, ed. org. por Heinrich
Zschokke, vol. II, Hechingen, 1837, p. 51 (“Die Glücksspiele”).
[O 10a, 5]
O jogo é o contraponto infernal da música dos exércitos celestiais.
[O 10a, 6]
Sobre Froufrou, de Halévy: “Se a comédia Les filies de marbre inaugurou o império das cortesãs,
Froufrou indicou o fim desta época... Froufrou sucumbe sob o peso da consciência de ter
disperdiçado a sua vida e, no fim, à beira da morte, se refugia junto à sua família.” S. Kracauer,
Jacques Offenbach und das Paris seiner Zeit, Amsterdam, 1937, pp. 385-386. A comédia Les
filies de marbre foi uma réplica à Dama das Camélias do ano precedente. 14
[O lOa. 7]
13 Trata-se, muito provavelmente, do matemático Denis Poisson (1781-1840). (J.L.)
14 A peça Les filies de marbre foi produzida em 1853, Froufrou, em 1869. (E/M)
0
[Prostituição, Jogo)
551
<fase tardia>
“O jogador persegue essencialmente desejos narcisistas e agressivos de onipotência. Estes -
quando não são ligados diretamente a desejos eróticos — se caracterizam por um maior raio
de extensão temporal. Um desejo direto de coito pode ser satisfeito mais rapidamente
através do orgasmo do que o desejo narcisista- agressivo de onipotência. O fato de a sexualidade
genital deixar sempre, mesmo no caso mais favorável, um resto de insatisfação, deve-se a
três fatores: nem todos os desejos pré-genitais, que mais tarde se tornam tributários da
genitalidade, são passíveis de satisfação através do coito; o objeto, do ponto de vista do
complexo de Edipo, é sempre um sucedâneo. A estes dois fatores ... soma-se ... o fato de
que a impossibilidade de dar vazão à imensa agressão inconsciente contribui para a
insatisfação. A agressão passível de ser liberada através do coito é muito domesticada...
Assim, ocorre que a ficção narcisista e agressiva da onipotência se torna uma causa de
sofrimento. Por isso, quem alguma vez experimentou o mecanismo do prazer que é possível
liberar no jogo de azar — e que possui, por assim dizer, um valor de eternidade — sucumbe
a ele tanto mais facilmente quanto mais estiver fixado no ‘prazer neurótico contínuo’ (Pfeifer)
e quanto menos integrá-lo na sexualidade normal, em conseqüência de fixações pré-genitais...
Deve-se considerar também que, segundo Freud, a sexualidade do ser humano dá a impressão
de uma função que se extingue, enquanto não se pode absolutamente afirmar o mesmo a
respeito das tendências agressivas e narcisistas.” Edmund Bergler, “Zur Psychologie des
Hasardspielers”, Imago, XXII, n° 4, 1936, pp. 438-440.
[O 11. 1]
O jogo de azar oferece a única ocasião em que não é preciso renunciar ao princípio do
prazer e à onipotência de seus pensamentos e desejos, e em que o princípio de realidade
não oferece qualquer vantagem sobre o princípio do prazer. Nesta persistência na ficção
infantil de onipotência reside uma agressão póstuma contra ... a autoridade que ‘inculcou
na criança o princípio de realidade. Esta agressão inconsciente forma, juntamente com o
exercício da onipotência dos pensamentos e a vivência socialmente aceita da exibição
reprimida, uma tríade de prazer no jogo. A esta tríade de prazer opõe-se uma tríade punitiva,
constituída pelo desejo inconsciente de perder, pelo desejo inconsciente de dominação
homossexual e pela difamação social... No fundo, todo jogo de azar é um desejo de forçar
a obtenção do amor com uma inconsciente segunda intenção masoquista. Por isso, a longo
prazo, o jogador perde sempre.” Edmund Bergler, “Zur Psychologie des Hasardspielers”,
Imago, XXII, n° 4, 1936, p. 440.
[0 11 , 2 ]
Observações sobre idéias de Ernst Simmel a respeito da psicologia do jogador: “A avidez
insaciável que jamais se aplaca no infinito círculo vicioso, até que a perda se torne ganho e
o ganho se torne novamente perda, teria sua origem na compulsão narcisista contida na
fantasia anal relativa ao nascimento, de fecundar e dar à luz a si mesmo, substituindo e
sobrepujando pai e mãe em um crescendo sem limite. A paixão do jogo satisfaz, portanto,
em última instância, a tendência ao ideal bissexual que o narcisista encontra em si mesmo;
trata-se da formação de um compromisso entre o masculino e o feminino, o ativo e o
passivo, o sadismo e o masoquismo e, finalmente, da opção ainda pendente entre a libido
552 ■ Passagens
genital e a libido anal, na qual o jogador se debate com as conhecidas cores simbólicas -
vermelho e negro. A paixão pelo jogo presta-se assim à satisfação auto-erótica, na qual o
jogo é o prazer preliminar, o ganho representa o orgasmo e a perda, a ejaculação, a defecação
e a castração’.” Edmund Bergler, “Zur Psychologie des Hasardspielers”, Imago, XXII, n° 4,
1936, pp. 409-410, com referência a Ernst Simmel, “Zur Psychoanalyse des Spielers”,
Internationale Zeitschrift fiir Psychoanalyse, VI, 1920, p. 397. ^
A partir da descoberta do Taiti, opina Fourier, após o exemplo de uma ordem em que “a
grande indústria” é compatível com a liberdade erótica, a “escravidão conjugal” se tornou
insuportável.
1 [O 11a, 2]
A propósito da conjetura de Freud sobre a sexualidade como uma função em extinção “do”
ser humano, Brecht observou o quanto a burguesia decadente difere da classe feudal à
época de seu declínio: ela se considera em tudo a quintessência do ser humano em geral,
equiparando assim a sua decadência à extinção da humanidade. (Esta equiparação, aliás,
pode ter seu papel na crise absolutamente evidente da sexualidade na burguesia.) A classe
feudal sentia-se como uma classe à parte por seus privilégios, o que correspondia à realidade.
Isto lhe permitiu mostrar em seu declínio uma certa elegância e desenvoltura.
[O 1 la, 3]
O amor pela prostituta é a apoteose da empatia com a mercadoria.
[O 11a, 4]
“Magistrado de Paris! Segue dentro do sistema,
Prossiga a boa obra de Mangin e Belleyme;
Às sórdidas Frinéias designe como morada
Bairros negros, solitários, pestilentos.”
Bardiélemy, Paris: Reme Satirique à M. G. Delessert , Paris, 1 838, p. 22.
[O 12, 1]
Uma descrição do baixo meretrício que se instalou nas zonas próximas à barrière. É da
autoria de Du Camp e serviria de excelente legenda para muitas aquarelas de Guys: “Se
empurramos a barreira e a porta que fecham a entrada, encontramo-nos num botequim
guarnecido de mesas de mármore ou de madeira, e iluminado a gás; através das nuvens da
fumaça espalhada pelos cachimbos, distinguimos removedores de entulho, operários de
aterro, carroceiros, na maioria embriagados, sentados diante de um frasco de absinto,
conversando com criaturas de aspecto tão grotesco quanto lamentável. Todas elas, e quase
uniformemente, estão vestidas com aquele algodão vermelho tão apreciado pelas negras da
África, e com o qual se fazem cortinas nos pequenos albergues de província. O que as cobre
não pode ser chamado de vestido, é um blusão sem cintura e que se estufa sobre a crinolina.
Exibindo os ombros ultrajosamente decotados e chegando apenas à altura dos joelhos, esta
roupa lhes dá a aparência de grandes crianças velhas, inchadas, reluzindo de gordura,
enrugadas, embrutecidas, e cujo crânio pontudo anuncia a imbecilidade. Elas têm a graça
de um cão adestrado quando os inspetores, verificando o livro de registros, as chamam e
0
[Prostituição, Jogo]
553
ate se levantam para responder.” Maxime Du Camp, Paris: Ses Organes, ses Fonctions et sa
VStr dans Lt Seconde Moitié du XD? Siècle, vol. III, Paris, 1872, p. 447 (“La prostitunon”).
[O 12, 2;
noção ... do jogo ... consiste nisto: ... que a partida seguinte não depende da precedente...
O jogo nega energicamente toda si mação adquirida, todo antecedente ... que faz lembrar
ações passadas e é nisto que ele se distingue do trabalho. O jogo rejeita ... esse peso do
passado, que é o apoio do trabalho e que constitui a seriedade, a preocupação, o planejamento
Jd futuro, o direito, o poder... Essa idéia de recomeçar, ... e de fazer melhor ... acontece
«■altas vezes no trabalho infeliz; mas ela é ... vã ... e é preciso continuar às voltas com as
efctas mal -sucedidas.” Alain, Les Idées et les Âges, Paris, 1927, vol. I, pp. 183-184 (“Le jeu”).
[O 12 , 3]
A rãita de conseqüências, que constitui o caráter da vivência, encontrou uma expressão
iskatsrica no jogo. O jogo, na época feudal, era essencialmente um privilégio da classe feudal,
sue não participava diretamente do processo de produção. O novo é que, no século XIX, o
bergués passa a jogar. Os exércitos de Napoleão, em suas campanhas, tornaram-se os
prmeipais agentes dos jogos dc azar junto à burguesia.
[O 12a, 1 1
Q significado do elemento temporal para a embriaguez do jogador já havia sido
kjterpretado por Gourdon, e de um modo semelhante por Anatole France. Ambos,
porém, vêem o significado do tempo para o prazer do jogador apenas em seu ganho;
rapidamente conquistado ou rapidamente perdido, esse ganho se centuplica na imaginação
através das inúmeras possibilidades de emprego que se abrem e, sobretudo, através da
aa:câ possibilidade real: a aposta ou mise en jeu. Ora, o significado que tem o fator
termo para o próprio processo do jogo é algo que não foi discutido nem por Gourdon,
iwn por France. O passatempo do jogo é, de fato, algo muito singular. Um jogo é um
passatempo tanto mais divertido quanto mais bruscamente surge nele o azar, quanto
menor for o número ou quanto mais breve a seqüência de combinações a serem realizadas
a© decorrer da partida (do coup). Em outras palavras: quanto maior o elemento aleatório
■sm um jogo, mais rápido ele transcorre. Esta circunstância torna-se decisiva quando se
ciara de definir o que constitui a autêntica “embriaguez” do jogador. Ela se funda na
peculiaridade do jogo de azar de desafiar a presença de espírito ao fazer surgir, numa
soqüência rápida, constelações que - cada uma delas independente da outra - apelam
al; uma para uma reação totalmente nova e original do jogador. Este fato se manifesta
■o hábito dos jogadores de fazerem suas apostas, se possível, só no último instante -
«fEiar.do resta espaço apenas para um comportamento de puro reflexo. Tal comportamento
uetexo exclui a “interpretação” do acaso. Na verdade, o jogador reage ao acaso, assim
cosmo o joelho reage ao martelo no reflexo patelar.
IO 12a, 2 ]
O supersticioso prestará atenção a sinais, o jogador reagirá a eles antes mesmo de poder
percebê-los. Ter previsto um lance de sorte, mas não tê-lo aproveitado, é um fato do qual o
novato concluirá que “está em boa forma”, e que da próxima vez apenas terá que agir com
maior coragem e maior rapidez. Na realidade, porém, este acontecimento é um sinal de
qpe o reflexo motor que o acaso provoca no jogador afortunado não chegou a ser ativado.
jy4 ■ Passagens
Somente quando este reflexo não é ativado, é que entra nitidamente na consciência “aquilo
que está por vir”. 13
O jogador só apara aquele futuro que não penetrou como tal em sua consciência. ^ ^
A proscrição do jogo tem provavelmente sua razão mais profunda no fato de que um dom
natural do ser humano que o eleva acima de si mesmo, quando voltado para objetos mais
elevados, é voltado para um dos objetos mais vis, o dinheiro, rebaixando assim o homem.
O dom de que se trata é a presença de espírito. Sua manifestação suprema é a leitura, que,
em ambos os casos, é divinatória.
[U I Ji 3j
O sentimento particular de felicidade do ganhador é caracterizado pelo fato de que dinheiro
e bens, que costumam ser as coisas mais maciças e mais pesadas do mundo, chegam-lhe
através do destino como um abraço feliz plenamente retribuído. Elas podem ser comparadas
ao testemunho de amor de uma mulher plenamente satisfeita pelo homem. Jogadores são
tipos aos quais não é dado satisfazer a mulher. Não seria Don Juan um jogador?
r ^ |0 13, 4]
“No tempo do otimismo fácil que se expandia pela pena de um Alfred Capus, era costume
no boulevard atribuir tudo a sorte. Gaston Rageot, Qu est-ce qu un evenement? [O que
é um acontecimento] (Le Temps, 16 abr. 1939). — A aposta e uma forma de atribuir aos
acontecimentos um caráter de choque, de destacá-los dos contextos da experiência. Não e
por acaso que se aposta nos resultados de eleições, na eclosão da guerra etc. Para a burguesia,
em particular, os acontecimentos políticos assumem facilmente a forma de partidas realizadas
na mesa de jogo. Esse não é bem o caso para o proletário. Ele esta mais predisposto a
reconhecer as constantes no acontecimento político.
O cemitério Des Innocents como zona de meretrício: “Este lugar foi ... para os parisienses
do século XV uma espécie de melancólico Palais-Royal de 1789. Em meio aos contínuos
sepultamentos e exumações, existia ali um passeio público que era ponto de encontro.
Havia pequenas lojas junto aos ossários, e mulheres fáceis sob as arcadas.” J. Huizinga,
Herbst des Mittelalters , Munique, 1928, p. 210.
^ [O 13a, I]
Seriam os baralhos das cartomantes anteriores àqueles com os quais se joga? Representaria
o jogo de cartas uma deterioração da técnica divinatória? Afinal, saber o futuro é decisivo
também no jogo de cartas.
’ ° [O 13a, 2]
O dinheiro é aquilo que torna vivo o número, o dinheiro é aquilo que torna viva a jovem de
mármore. (Cf. O 7, 1).
[O 13a, 3]
A máxima de Gracián - “Saiba, em todas as coisas, ter o tempo a seu lado” - não será
compreendida melhor e com maior gratidão por ninguém do que por aquele que teve
0
[Proslituição, Jogo]
555
satisfeito um desejo acalentado por longo tempo. Compara-se a isto a magnífica definição
dada a este tempo por Joubert. Ela determina o tempo do jogador per contrarium : “Há
tempo até mesmo na eternidade, mas não é um tempo terrestre e mundano... Ele não
destrói nada, ele completa.” J. Joubert, Pensées, vol. II, Paris, 1883, p. 162.
ÍO 1 3a, 4]
Sobre o elemento heróico no jogo, algo como um corolário para “Le jeu”, de Baudelaire: 15
Uma consideração que costumo fazer nas mesas de jogo...: Se acumulássemos toda a força
e a paixão, ... desperdiçadas a cada ano nas mesas de jogo da Europa — seria isto suficiente
para formar um povo romano e uma história romana? Mas é justamente isto! Como todo
homem nasce como um romano, a sociedade burguesa procura desromanizá-lo, e por isso
foram introduzidos os jogos de azar e de salão, os romances, as óperas italianas e os jornais
elegantes, os cassinos, as rodas de chá e as loterias, os anos de aprendizagem e de andanças,
os desfiles de guarnições e as trocas de guarda, as cerimônias e as recepções, e as quinze ou
vinte bem ajustadas peças de vestuário que temos que vestir e despir diariamente com
salutar perda de tempo — tudo isto para que a força supérflua possa se esvair
JE-perccprivelmcnre!” Ludwig Bõrne, Gesammelte Schriften, vol. III, Hamburgo-Frankftjrt
PP- 38-39 (“Das Gastmahí der Spieler” - “O banquete dos jogadores'’).
í o 13*. 51
“Mas você compreende tudo o que haverá de delírio e vigor na alma de um homem que
■joia com impaciência a abertura de um antro de jogo? Entre o jogador da manhã e o
iingaior da noite existe a diferença que distingue o marido relaxado do amante arrebatado
soo a janela de sua adorada. E somente pela manhã que chegam a paixão palpitante e a
•noessídade no seu franco horror. Nesse momento, você pode admirar um verdadeiro
pgsdor, um jogador que não comeu, não dormiu, não viveu, nem pensou, tão brutalmente
fbçeiado que foi pelo chicote de seu palpite... Nessa hora maldita, você encontrará olhos
anu» calma assusta, rostos que fascinam, olhares que levantam as cartas e as devoram. Assim,
« casas de jogo são sublimes somente na hora em que se abrem.” Balzac, La I J eau de
CkwgrrK. Paris, Ed. Flammarion, p. 7.
IO 14. 1]
A jMosrituição abre um mercado de tipos feminiiros.
[O 14, 2J
Safar o jogo: quanto menos um homem é preso nas malhas do destino, tanto menos ele é
■Kaininado por aquilo que é mais próximo.
to 14. 31
O ideai da vivência sob a forma de choque é a catástrofe. Isto aparece muito claramente no
iiicçc através de apostas cada vez maiores, destinadas a salvar o que se perdeu, o jogador vai
;i:: omoontro da mina absoluta.
[O 14, 4]
• 3audelaire, OC II, pp. 95-96.
?_
[As Ruas de Paris]
"As ruas de Paris, brevemente.
Coloquei em rima. Vejam como."
Início de D/t des Rues de Paris, de Guillot, com prefádo,
notas e glossário de Edgar Marcuse, Paris, 1875 (primeira
palavra da segunda linha no original: "Colocou").
"Quacumque ingredimus in aliquam historiam
vestigium ponimus ." 1
que Paris era a ville qui remue, a cidade que se move sem parar. Porém, não menos
ite do que a vitalidade do mapa da cidade é a força invencível dos nomes de
■na* - praças ou teatros que se mantêm a despeito de todos os deslocamentos topográficos.
iras vezes não foram demolidos alguns daqueles pequenos teatros que, ainda à época
lie: l uís Filipe, ficavam lado a lado no Boulevard du Temple, para ressurgirem novamente
icffii tim outro quartier (repugna-me falar de “bairros”)? Quantos nomes de ruas mantêm
3mmÃs hoje o nome de um proprietário que, séculos atrás, possuíra seus terrenos naquele
«Hão? O nome “Château d’Eau”, de uma antiga fonte que há muito não existe, aparece
tis hoje como assombração em diversos arrondissements. A sua maneira, mesmo os
1 «Babeiecimentos famosos asseguraram sua pequena imortalidade municipal, sem falar
ia grande imortalidade literária reservada ao Rocher de Cancale, ao Véfour, aos Trois
iteres Provinçaux. Pois mal um nome consegue impor-se no mundo gastronômico, mal
niiim-i Vatel ou Riche tornam-se famosos, pululam até nas periferias de Paris os “Petits
% -WR " ou “Petits Riches”. Eis o movimento das ruas, o movimento dos nomes, que
—minas vezes se chocam desordenadamente uns contra os outros.
[P í, i]
E depois as pequenas praças atemporais que surgem de repente, e às quais não se liga
■mh iim nome - que não foram planejadas com muita antecedência, como o foram a Place
\êndórne ou a Place des Grèves, e que não se encontram sob o patronato da história
■miversal, mas que compareceram lentamente, sonolentas e atrasadas, como agrupamentos
ie construções, ao chamado do século. Em tais praças, as árvores têm a palavra, e até
mesmo as menores dão uma sombra densa. Mais tarde, porém, diante das lanternas a gás,
folhas parecem um vidro opaco verde-escuro, e seu precoce brilho verde à noite é o
niraal automático da chegada da primavera na cidade grande.
1 "Toda vez que entramos em alguma história, deixamos um vestígio." (w.b.)
586 • Passagens
em cada constelação atual o genuinamente único, o que jamais retorna. Para uma reflexão
sujeita à moda e que procede da má atualidade, é típica a seguinte informação, contida em
La Tmhison des Clercs, de Benda. Um alemão descreve sua surpresa quando, duas semanas
após a tomada da Bastilha, sentado à mesa de hóspedes em Paris, não ouviu ninguém falar
sobre política. 2 É a mesma situação descrita por Anatole France que põe as seguintes
palavras na boca do velho Pilatos, que conversa em Roma sobre os tempos de seu governo
e evoca a revolta do rei dos judeus: “Como era mesmo o nome dele?” 3
[S 1.3!
Definição do “moderno” como o novo no contexto do que sempre existiu. A paisagem da
charneca em Kafka (O Processo ), sempre nova e sempre igual, não é um mau exemplo
deste estado de coisas. ‘“O senhor não gostaria de ver mais um quadro que eu poderia
lhe vender?’... O pintor tirou de baixo da cama um monte de quadros sem moldura, tão
cobertos de poeira que, quando o pintor tentou soprá-la da superfície do primeiro quadro,
formou-se uma nuvem que ficou por um longo tempo diante dos olhos de K., sufocando-o.
‘Uma paisagem da charneca’, disse o pintor, oferecendo o quadro a K. Ele representava
duas árvores mirradas, distantes uma da outra, sobre a grama escura. Ao fundo, um
crepúsculo multicolorido. ‘Bom’, disse K„ ‘eu o compro’. K. se expressara de modo tão
conciso inadvertidamente, por isso ficou aliviado quando o pintor, em vez de levá-lo a
mal, apanhou um segundo quadro do chão. ‘Aqui está o quadro complementar’, disse o
pintor. Talvez ele pretendesse que assim o fosse, mas não se percebia diferença alguma
em relação ao primeiro, estavam ali as árvores, aqui a grama e lá o crepúsculo. Mas K. não
se incomodou. ‘São belas paisagens’, disse, ‘vou comprar ambos e pendurá-los em meu
escritório’. ‘O tema parece lhe agradar’, disse o pintor, e pegou um terceiro quadro, ‘é
uma sorte que eu tenha ainda um quadro parecido aqui’. Não era parecido, era exatamente a
mesma paisagem da charneca, absolutamente igual. O pintor aproveitou bem esta
oportunidade para vender quadros velhos. ‘Vou levar este também’, disse K. ‘Quanto custam
os três quadros?’ ‘Falaremos sobre isso em seguida’, disse o pintor... Aliás, fico contente que os
quadros lhe agradem, eu lhe darei todos os quadros que tenho aqui embaixo. Todos eles
representam paisagens da charneca, já pintei muitas delas. Algumas pessoas os rejeitam porque
são sombrios demais; outras, porém, e o senhor é uma delas, apreciam justamente coisas
sombrias’.” Franz Kafka, Der Prozel?, Berlim, 1925, pp. 284-286. ■ Haxixe ■
[S 1,41
O “moderno”, o tempo do inferno. Os castigos do inferno são sempre o que há de mais
novo neste domínio. Não se trata do fato de que acontece “sempre o mesmo”, e nem se
deve falar aqui do eterno retorno. Antes, trata-se do fato de que o rosto do mundo nunca
muda justamente naquilo que é o mais novo, de forma que este “mais novo” permanece
sempre o mesmo em todas as suas partes. — E isto que constitui a eternidade do inferno.
Determinar a totalidade dos traços em que se manifesta o “moderno” significaria representar
o inferno.
[S 1, 51
2 Julien Benda, La Trahison des Clercs, Paris, Pauvert, 1927, p. 172. Trata-se, na verdade, do inglês Arthur
Young, no dia 13 de agosto de 1789. (J.L.)
3 Provavelmente uma alusão a A. France, "Le Procurateur de Judée", In: L'Êtui de Nacre, Paris, Calmann-
Lévy, 1923, pp. 27-28. (J.L.)
s
[Pintura, Jugendstil, Novidade]
587
Saceresse vital em reconhecer um determinado ponto da evolução como encruzilhada.
Nesse ponto localiza-se atualmente o novo pensamento histórico, que é caracterizado por
: 1 — : maior concretude, pela salvação dos períodos de decadência e pela revisão da
proodicidade, de maneira geral e em particular, e cuja utilização em um senddo reacionário
isaa. revolucionário está sendo decidida agora. Neste sentido, o que se anuncia nos escntos
dos surrealistas e no novo livro de Heidegger 4 é a mesma crise, com suas duas possibilidades
ie solução.
rs i. 6]
iwnr de Gourmont sobre a Histoire de la Société Française Pendant la Révolution et sous le
Lnrectoire : “Esta foi a primeira originalidade dos Goncourt: criar a história com os próprios
detritos da história.” Rémy de Gourmont, Le II™ Livre des Masques, Paris, 1924, p. 259.
[S la, i]
“Se guardamos da história apenas os fatos mais gerais, os que se prestam aos paralelos e às
teorias, basta - como dizia Schopenhauer - conferir com Heródoto o jornal da manhã:
elkÍo o que ocorre no intervalo, repetição evidente e fatal dos fatos mais longínquos e dos
fetos mais recentes, torna-se inútil e fastidioso.” Rémy de Gourmont, Le II™ Livre des
Masques, Paris, 1924, p. 259. A passagem não é muito clara. Ao pé da letra, dever-se-ia
supor que a repetição no decurso histórico refere-se tanto aos grandes fatos quanto aos
pequenos. Porém, o autor provavelmente se refere apenas aos primeiros. É preciso mostrar,
em vez disso, que é justamente nos detalhes do que ocorre no intervalo que se manifesta o
eternamente igual.
[S la. 2]
As construções da história são comparáveis a ordens militares que cerceiam a verdadeira
vida e a confinam em quartéis. Por outro lado, temos a anedota como uma insurreição nas
ruas. A anedota aproxima as coisas espacialmente de nós, faz com que entrem em nossa
vida. Ela representa a rigorosa oposição à história que exige a “emparia”, que torna tudo
abstrato. A mesma técnica da proximidade deve ser usada em relação às épocas, à maneira
dos calendários. Imaginemos que um homem morra exatamente ao completar cinqüenta
anos, no dia do nascimento de seu filho, a quem ocorrerá o mesmo etc. Se iniciarmos esta
corrente na época do nascimento de Cristo, resulta daí o seguinte: desde o início de nossa
era, não viveram mais do que umas quarenta pessoas. Desta forma, quando se aplica ao
decurso histórico um critério adequado, uma escala que lhe seja adequada, comensurável à
vida humana, a sua imagem se transforma inteiramente. Este páthos da proximidade, o
ódio contra a configuração abstrata da história em “épocas”, animou os grandes céticos,
como Anatole France.
[S la, 3]
Nunca houve uma época que não se sentisse “moderna” no sentido excêntrico, e que não
tivesse o sentimento de se encontrar à beira de um abismo. A consciência desesperadamente
lúcida de estar em meio a uma crise decisiva é crônica na história da humanidade. Cada
época se sente irremediavelmente nova. O “moderno”, porém, é tão variado como os variados
aspectos de um mesmo caleidoscópio.
r [S la, 4]
Correlação entre a intenção da colportagem e a intenção teológica mais profunda. Ela a
reflete de maneira turva, desloca para o espaço da contemplação aquilo que é válido apenas
4 Martin Heidegger, Sein und Zeit, Halle, 1927. (R.T.)
555 ■ Passagens
no espaço da vida justa. Ou seja: que o mundo é sempre o mesmo (que todos os
acontecimentos poderiam ter ocorrido no mesmo espaço). No plano teórico, apesar de
tudo (apesar da aguda intuição que ela encerra), esta é uma verdade esgotada e murcha.
Mas ela encontra sua confirmação suprema na existência do homem religioso, para quem
todas as coisas estão a serviço do bem supremo — como aqui o espaço está a serviço de tudo
o que passou. Assim, o elemento teológico penetrou de maneira profunda no domínio da
colportagem. Pode-se até mesmo dizer que as verdades mais profundas, longe de serem
provenientes do lado obtuso e animal do homem, possuem a força poderosa de adaptar-se
ainda à obtusidade e à vulgaridade, de refletir-se à sua maneira em sonhos irresponsáveis.
[S la, 5]
Não há um declínio das passagens, mas uma súbita reviravolta. De uma hora para outra
elas se transformaram na forma que moldou a imagem da “modernidade”. Aqui o século
refletiu com satisfação o seu passado mais recente.
[S la, 6]
Cada data do século XVI carrega atrás de si uma púrpura. Somente agora as datas do século
XIX devem receber sua fisionomia. Sobretudo graças aos dados da arquitetura e do socialismo.
[S la, 7]
Cada época acredita ser irremediavelmente moderna — mas também cada uma delas tem
direito de ser assim considerada. Contudo, o que se deve compreender por irremediavelmente
moderno depreende-se muito claramente da seguinte frase: “Talvez nossos descendentes
delimitem como o segundo grande período de toda a história depois de Cristo o que se
inicia com a Revolução Francesa e a passagem do século XVIII ao XIX, e reúnam no
primeiro período o desenvolvimento de todo o mundo cristão, inclusive a Reforma.” Em
outro trecho, fala-se de “um grande período que marca um corte profundo na história do
mundo, como qualquer outro, sem nenhum fundador de religião, sem reformadores e sem
legisladores”. (Julius Meyer, Geschichte der modemen franzosischen Malerei, Leipzig, 1867,
pp. 22 e 21). Segundo o autor, a história se expande sem cessar. Na realidade, isto é
consequência do fato de que a indústria confere à história um caráter verdadeiramente
epocal. O sentimento de uma transformação epocal surgida com o século XIX não foi
privilégio de Hegel e de Marx.
O coletivo que sonha ignora a história. Para ele, os acontecimentos se desenrolam segundo
um curso sempre idêntico e sempre novo. Com efeito, a sensação do mais novo, do mais
moderno, é tanto uma forma onírica dos acontecimentos quanto o eterno retorno do
sempre igual. A percepção do espaço que corresponde a esta percepção do tempo é a
transparência da interpenetração e superposição do mundo do flâneur. Estas sensações de
espaço e de tempo foram o berço para a escrita folhetinesca moderna. ■ Coletivo onírico ■
[S 2, 1]
“O que nos incita ao estudo do passado é a semelhança do ocorrido com nossa vida, o que
é uma forma de ser-de-alguma-maneira-um-só [ein Irgendwie-eins-Sein] . Através da
compreensão desta identidade, podemos nos deslocar mesmo para a região mais pura, a
morte.” Hugo von Hofinannsthal, Buch der Freunde, Leipzig, 1929, p. 111.
[Pintura, Jugendstil, Novidade] 589
significativo que Hoftnannsthal denomine esta “forma de ser-de-alguma-maneira-
Mn~-so~ uma existência na esfera da morte. Daí a imortalidade de seu “noviço”, o personagem
pwmn wb 5 6 sobre o qual conversou comigo em nosso último encontro, e que deveria atravessar
■tidfcentes religiões ao longo dos séculos como se atravessasse a seqüência de cômodos de
milícia única moradia. Como, no espaço restrito de uma única vida, esta “forma de ser-de-
ai^Bunaneira-um-só” com o ocorrido conduz à esfera da morte — isto ficou evidente
piei mim, em 1930, durante uma conversa sobre Proust. Ele certamente não elevou o
, apenas o analisou. A grandeza moral de Proust, entretanto, reside em um campo
e diferente. Com uma paixão desconhecida aos escritores que o antecederam, ele
como sua causa a fidelidade às coisas que atravessaram a nossa existência. Fidelidade
tarde, a uma árvore, a uma mancha de sol sobre o tapete, fidelidade a roupas,
is, a perfumes ou paisagens. (A descoberta que faz finalmente a caminho de Méséglise
é o mais elevado ensinamento moral que Proust deixou: uma espécie de transposição espacial
do semper idem .) Reconheço que Proust, no sentido mais profundo, peut-être se range du côté
de Ia mort [talvez se coloque do lado da morte] . Seu cosmos talvez tenha como sol a morte,
ir da qual gravitam os momentos vividos, as coisas recolhidas. Além do princípio do
relmente o melhor comentário que existe a respeito das obras de Proust. E
para entender Proust, partir talvez da idéia de que seu objeto é o reverso, le revers —
du monde que de la vie même — [menos do mundo que da própria vida] .
[S 2. 3]
A eternidade da opereta, diz Wiesengrund em um ensaio a respeito, é a eternidade do
6
[S 2, 4]
retem.
"Talvez nenhum simulacro tenha criado um conjunto de objetos aos quais se aplique com
maior propriedade o conceito de ideal que o grande simulacro constituído pela perturbadora
■zrcuitetura ornamental do Modem Style. Nenhum esforço coletivo chegou a criar um mundo
de sonho tão puro e tão inquietante quanto esses edifícios modem style, os quais, à margem
da. arquitetura, constituem por si mesmos verdadeiras realizações de desejos solidificados,
nos quais o mais violento e cruel automatismo revela dolorosamente o ódio da realidade e
a necessidade de refugio num mundo ideal, à maneira do que se passa numa neurose
infantil.” Salvador Dali, “L’âne pourri”, in: Le Surréalisme au Service de la Révolution, ano I,
n° 1, Paris, 1930, p. 12. ■ Indústria ■ Reclame ■
[S 2, 5]
“Eis o que podemos ainda amar: o bloco imponente desses edifícios delirantes e frios
espalhados em toda a Europa, desprezados e negligenciados pelas antologias e pelos estudos.”
Salvador Dali, “L’âne pourri”, in: Le Surréalisme au Service de la Révolution, ano I, n° 1,
feris. 1930, p. 12. Talvez cidade alguma contenha exemplos mais perfeitos deste Jugendstil
áb que Barcelona, nos edifícios do arquiteto que projetou a igreja da Sagrada Família.'
[S 2a, 1]
5 Não se trata de personagem de novela e, sim, do título de um projeto dramático: Der Priesterzógling-, cf.
Hugo von Hofmannsthal, G esammelte Werke, vol. III: Dramen, ed. org. por Herbert Steiner, Frankfurt
a. M„ 1957, pp. 491-493. (R.T.)
6 Cf. Theodor Wiesengrund-Adorno, "Arabesken zur Operette", in: Die Rampe: Blãtter des Deutschen
Schauspielhauses, Hamburgo, 1931-1932, p. 5. (R.T.)
' O arquiteto catalão Antonio Gaudí (1852-1926). (R.T.; E/M)
590 ■ Passagens
Wiesengrund cita e comenta uma passagem de A Repetição, de Kierkegaard: ‘‘Sobe-se ao
primeiro andar de uma casa iluminada a gás, abre-se uma pequena porta e eis a entrada.
À esquerda, tem-se uma porta de vidro que conduz a um gabinete. Segue-se em frente e
chega-se a uma ante-sala. Depois dela, dois quartos de igual tamanho, de mobília igual,
como se um dos quartos estivesse sendo refletido no espelho.” A propósito desta passagem
- Kierkegaard, Gesammelte Werke, vol. III <Furcht und Zittern , Wiederholung [Temor e
tremor, A repetição] >, lena, 1909, p. 138 - que continua a citar, Wiesengrund comenta
“A duplicação do quarto que aparece refletido, sem de fato estar refletido, tem algo de
insondável: assim como estes quartos, talvez toda aparência na história seja igual a si mesma,
enquanto ela própria, escrava da natureza, persistir na aparência.” Wiesengrund-Adorno,
Kierkegaard, Tübingen, 1933, p. 50. ■ Espelho ■ Intérieur ■
Sobre o tema dos quadros representando a charneca cm O Processo, de Kafka: no tempo do
inferno, o novo (o correspondente) é sempre o eternamente igual.
[S 2a, 3]
Após a Comuna: “A Inglaterra acolheu os proscritos e fez de tudo para retê-los: por ocasião
da Exposição de 1878, foi possível perceber que ela acabava de tirar da França e de Paris o
primeiro lugar nas indústrias da arte. Se o Modem Style voltou à França em 1900, isso
talvez tenha sido uma conseqüência longínqua da maneira bárbara pela qual foi reprimida
a Comuna.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, Paris, 1926, p. 437-
[S 2a, 4]
“Quis-se criar um esdlo eclético. As influências estrangeiras favoreceram o Modem Style,
quase exclusivamente inspirado na decoração floral. Seguia-se o modelo dos pré-rafaelistas
ingleses e dos urbanistas de Munique. À construção em ferro sucedeu o cimento armado.
Para a arquitetura, esse foi o ponto mais baixo da curva, que coincidiu com a mais profunda
depressão política. Foi nesse momento que Paris recebeu suas casas e seus monumentos
mais bizarros, os que menos harmonizavam com a cidade antiga: a casa de estilo compósito
construída pelo Sr. Bouwens no n° 27 do Quai d’Orsay, os abrigos do metrô, a loja de
departamentos La Samaritaine, erguida pelo Sr. Frantz Jourdain no meio da paisagem
histórica do bairro Saint-Germain 1’Auxerrois.” Dubech e D’EspezeI, op. cit., p. 465.
[S 2a, 5]
“O que o Sr. Arsène Alexandre então chama de o encanto profundo das serpentinas agitadas
pelo vento’ é o estilo polvo, a cerâmica verde e mal cozida, as linhas forçadas e esticadas em
ligamentos tentaculares, a matéria torturada em vão... A moranga, a abóbora, a raiz de
malva, a voluta de fumaça inspiram um mobiliário ilógico sobre o qual vêm pousar a
hortênsia, o morcego, a angélica, a pena de pavão, invenções de artistas presos à má paixão
pelo símbolo e pelo poema... Numa época de luz e de eletricidade, o que triunfa é o
aquário, o esverdeado, o submarino, o híbrido, o venenoso.” Paul Morand, 1900, Paris,
1931, pp. 101-103.
[S 2a, 6]
“Este estilo 1900 infecta, aliás, toda a literatura. Nunca se escreveu tão pretensiosamente
mal. Nos romances, o distintivo de nobreza é obrigatório: é sempre Senhora de Scrimeuse,
s
[Pintura, JugendstU, Novidade]
591
Senhora de Girionne, Senhora de Charmaille, Senhor de Phocas; nomes difíceis de
pronunciar: Yanis, Damosa, lorde Eginard... As Legendes du Moyen Ãge, de Gaston Pàris,
que acabam de ser publicadas, mantêm o culto ardente do neogódco: são sempre Graals,
Ysoldas, Damas do Unicórnio. Pierre Louys escreve trono com ‘h’; e por toda parte
encontram-se abysmos, ymagens e emmy [no meio] das flores etc. ... Triunfo do y\” Paul
Morand, 1900, Paris, 1931, pp. 179-181.
(S 3, 1]
‘'Pareceu-me interessante que um número de revista [Nota: Minotaure, n° 3-4] onde foram
apresentados alguns admiráveis exemplos da arte Modem Style, reunisse também um certo
número de desenhos medianímicos... Na verdade, é inevitável que fiquemos chocados com
as afinidades entre as tendências desses dois modos de expressão: o que é o modem style, eu
me pergunto, senão uma tentativa de generalização e adaptação do desenho, da pintura e
da escultura medianímicos à arte imobiliária e mobiliária? Encontra-se aí a mesma
disparidade nos detalhes, a mesma impossibilidade de se repetir, que leva justamente à
verdadeira, à cativante estereotipia; encontra-se o mesmo deleite colocado na curva que
nunca acaba, como a da samambaia nascente, a do caracol ou a do enrodilhado embrionário,
cuja observação, aliás excitante, desvia do prazer do conjunto... Pode-se afirmar, então, que
os dois empreendimentos são concebidos sob o mesmo signo, que poderia bem ser o do
polvo, do polvo , como disse Lautréamont, ‘de olhar de seda’. De uma parte a outra é,
plasticamente, até no traço, o triunfo do equívoco; do ponto de vista da interpretação é, até
no insignificante, o triunfo do complexo. Mesmo o empréstimo, contínuo até o fastio, de
temas — acessórios ou não — ao mundo vegetal, é comum a esses dois modos de expressão,
que em princípio respondem a necessidades de exteriorização tão distintas. E eles
compartilham também uma certa propriedade que eles têm de evocar superficialmente ...
certas produções da antiga arte asiática ou americana.” André Breton, Point du Jour, Paris,
1934, pp. 234-236.
[S 3, 2]
A folhagem pintada na abóbada da Bibliothèque Nationale. Quando se folheia um livro
embaixo, ouve-se o farfalhar lá em cima.
[S 3, 3]
Assim como os móveis atraem-se uns aos outros — o entorno do sofá e a chapeleira são o
resultado de tais uniões! - igualmente as paredes, o assoalho e o teto parecem ser possuídos
por uma singular capacidade de atração. Os móveis tornam-se cada vez mais intransportáveis,
aninham-se nas paredes e nos cantos, prendem-se ao assoalho e fincam raízes... Obras de
arte ‘livres’, quadros pendurados e esculturas expostas são eliminados na medida do possível;
desta tendência origina-se o desenvolvimento da pintura mural, do afresco, da tapeçaria
decorativa e da pintura em vidro... Todo o conteúdo permanente da casa é subtraído desta
maneira do mercado de troca; o próprio morador é privado de sua liberdade de circular e
fica preso ao solo e à propriedade.” Dolf Sternberger, “Jugendstil”, Die Neue Rundschau ,
XLV, 9 set. 1934, pp. 264-266.
[S 3a, 1]
Por intermédio do contorno voluptuoso e poderoso ... a figura da alma se torna ornamento...
Maeterlinck, em Le Trésor des Humbles [O tesouro dos humildes], celebra o silêncio, o
592 ■ Passagens
silêncio que não se origina do arbítrio de dois indivíduos, mas flui e cresce como um
terceiro ser, um ser particular, que enlaça os amantes, selando desta maneira sua união:
assim tal invólucro de silêncio manifesta-se claramente como uma forma de contorno ou
como uma forma verdadeiramente animada do ornamento.” Dolf Stemberger, “Jugendstil”,
Die Neue Rundschau, XI V, 9 set. 1934, p. 270.
[S 3a, 2]
“Assim, cada casa parece ... ser um organismo que expressa seu interior no exterior, e Van de
Velde revela ... claramente o modelo de sua concepção visionária da cidade dos caracteres... :
‘Quem, ao contrário, objetar que isto seria um selvagem carnaval..., deve lembrar-se da
impressão harmoniosa e prazerosa provocada por um jardim com plantas terrestres e
aquáticas desenvolvendo-se livremente.’ Se a cidade é um jardim cheio de organismos
habitacionais crescendo livremente, falta completamente nesta visão o lugar que o homem
deve ocupar nela, a menos que ele ficasse preso no interior dessas plantas, ele próprio
enraizado e preso ao solo - à terra ou à água — , como se estivesse incapacitado por um
feitiço (metamorfose) de mover-se de maneira diferente do que a planta que o envolve e
emoldura... Como um corpo astral, tal como o viu e vivenciou Rudolf Steiner..., cuja escola
deu a muitas de suas produções uma consagração ornamental, com signos curvilíneos que
nada mais são do que vestígios dos ornamentos do Jugendstil .” Cf. a epígrafe do ensaio,
Ovídio, Metamorfoses, livro III, versos 509-510: “O corpo desaparecera. Mas em vez do
corpo, uma flor / Amarela como o açafrão adornado de folhas brancas.” Sternberger,
“Jugendstil”, loc. cit., pp. 268-269 e 254.
[S 3a, 3]
O seguinte olhar sobre o Jugendstil é muito problemático, pois nenhuma manifestação
histórica pode ser concebida somente sob a categoria da fuga; esta carrega sempre, de
forma concreta, a marca daquilo de que se foge. “O que permanece fora ... é o burburinho
das cidades, a furia monstruosa, não dos elementos, e sim das indústrias, o poder onipresente
da moderna economia de mercado, o mundo das empresas, do trabalho tecnológico e das
massas, que parecia aos exponentes do Jugendstil como um alarido geral, sufocante e caótico.”
Dolf Sternberger, “Jugendstil”, Die Neue Rundschau, XLV, 9 set. 1934, p. 260.
[S 4, 1]
“A obra mais característica do Jugendstil é a casa. Mais precisamente: a casa destinada a uma
só família.” Sternberger, “Jugendstil”, Die Neue Rundschau, XLV, 9 set. 1934, p. 264.
[S 4, 2]
Delvau fala em certa ocasião dos “futuros beneditinos que deverão escrever a história da
Paris do século XIX.” Alffed Delvau, Les Dessous de Paris, Paris, 1860, p. 32 (“Alexandre
Privat DAnglemont”).
[S 4, 3]
O Jugendstil e a política social de habitação. “A arte que virá será mais pessoal do que
qualquer uma que a precedeu. Em época alguma o desejo do homem por autoconhecimento
foi tão forte, e o lugar por excelência onde ele pode viver e transfigurar sua própnaJ
individualidade é a casa, que cada um de nós construirá segundo seu desejo... Em cada
de nós dormita uma capacidade de invenção ornamental suficientemente grande, de
s
[Pintura, JugendstiL, Novidade]
593
«pc não precisamos lançar mão de nenhum intermediário para construir nossa casa. Após
ema citação extraída de Renaissance im modemen Kunstgewerbe, de Van de Velde, Karski
prossegue: “Para qualquer um que leia este texto deve ficar absolutamente claro que este
inlffal não pode ser alcançado na nossa sociedade atual e que sua realização fica reservada ao
socialismo.” J. Karski, “Moderne Kunststrõmungen und Sozialismus”, Die Neue Znt, XX,
■“ 1, Stuttgart, pp. 146-147.
IS 4. 4]
Dentre os elementos estilísticos da construção em ferro e da construção técnica assimilados
pdo JugendstiL, um dos mais importantes é a predominância do vide sobre o plein, do vazio
sobre o cheio.
IS 4, 5]
Assim como Ibsen, em Solness, o Construtor , faz o julgamento da arquitetura do JugendstiL,
assim o faz a respeito de seu tipo de mulher em Hedda Gabler , 8 Ela é a irmã dramática das
diseuses e dançarinas que aparecem nuas nos cartazes do JugendstiL, sem pano de fundo real,
com uma devassidão ou inocência floral.
[S 4, 6]
Quando temos que levantar cedo no dia de uma viagem pode acontecer que, não querendo
«oir do sono, sonhemos estar levantando e nos vestindo. Semelhante sonho foi sonhado
pela burguesia na época do JugendstiL, quinze anos antes de a história despertá-la com um
estrondo.
[S 4a, 1]
“Eis o desejo: morar no torvelinho
e não ter pátria no tempo.”
Rainer Maria Rilke, Die Jriihen Gedichte, Leipzig, 1922, p. 1 (epígrafe).
[S 4a, 2]
“A rua de Paris”, na Exposição universal de 1900, em Paris, realiza de maneira extrema a
idéia de casa própria característica do JugendstiL-. “Aqui foi construída uma longa fileira de
edifícios de formas muito diversas... O jornal satírico Le Rire construiu um teatro de
mar ionetes... Loie Fuller, 9 que inventou a dança serpentina, possui uma casa neste conjunto.
Não muito longe dali, há uma casa que parece estar de ponta-cabeça, com o telhado
fincando raízes na terra e as portas com suas soleiras apontando para o céu; chama-se A
Torre dos Milagres’... A idéia, em todo o caso, é original.” Th. Heine, “Die Strafie von
Paris”, in: Die Pariser Weltausstellung in Wort und Bild, ed. org. por Georg Malkowsky,
Berlim, 1900, p. 78.
[S 4a, 3]
Sobre a casa de cabeça para baixo: “Esta casinha, construída em estilo gótico, está literalmente
de cabeça para baixo, isto é: seu telhado, com as chaminés e pequenas torres, estende-se
pelo chão, enquanto os alicerces se elevam para o céu. Naturalmente, todas as janelas,
portas, terraços, galerias, esquadrias, ornamentos e inscrições estão invertidos; até os ponteiros
8 As peças são respectivamente de 1892 e 1890; ambos os personagens, Solness como Hedda Gabler,
optam pelo suicídio. (J.L.; w.b.)
9 A bailarina Loie Fuller apresentou um espetáculo de dança com véus, do qual fazia parte a "dança
serpentina", durante a Exposição de 1900. (J.L.)
55 )4 ■ Passagens
do grande relógio obedecem a esta tendência ao inverso... Embora esta idéia maluca seja
divertida..., ela se torna monótona no interior. Lá ficamos nós mesmos de ponta-cabeça,
como as curiosidades expostas. Lá estão uma mesa posta, um salão ricamente mobiliado e
também um banheiro... O gabinete adjacente ... e alguns outros cômodos estão forrados
de espelhos côncavos e convexos. Os organizadores chamam-nos simplesmente de gabinetes
do riso.” “Le manoir à 1’envers”, in: Die Pariser Weltausstellung in Wort und Bild, ed. org. por
Georg Malkowsky, Berlim, 1900, pp. 474-475.
[S 4a, 4]
<fase média>
Sobre a Exposição universal de Londres de 1851. “Esta exposição obteve sucesso não só no
domínio da técnica e das máquinas, mas também no desenvolvimento artístico, e seus
efeitos são sentidos por nós até hoje... Perguntamo-nos agora se o movimento que levou à
construção de um edifício monumental de vidro e ferro ... não se manifestou igualmente
no desenho de móveis e utensílios. Em 1851 essas questões não se colocavam. E no entanto
havia muito a observar. Durante as primeiras décadas do século XIX, a indústria de
maquinaria da Inglaterra levou a eliminar a decoração supérflua de móveis e utensílios para
que as máquinas pudessem fabricá-los mais facilmente. Com isso surgiu, principalmente
para os móveis, uma série de formas bastante simples, mas construtivas e extraordinariamente
inteligentes, que despertam novamente o nosso interesse hoje em dia. Os móveis
ultramodernos de 1900, que dispensam qualquer ornamento e enfatizam as linhas puras,
retomam imediatamente aqueles móveis de mogno maciços e ligeiramente torneados de
1830-1850. Ocorre que em 1850 não se apreciava o que, de fato, já havia sido conquistado
na busca por novas formas básicas. (Ao contrário, houve uma tendência ao historicismo,
que conduziu principalmente à moda renascença.) Julius Lessing, Das halbe Jahrhunden
der Weltausstellungen, Berlim, pp. 11-12.
[S 5. i)
A propósito de Titorelli, em Kafka, fazer uma comparação com o programa dos pintores
naturalistas por volta de 1860: “Segundo eles, a posição do artista frente à natureza deve
ser ... impessoal — a ponto de ele ser capaz de pintar o mesmo quadro dez vezes seguidas,
sem hesitar e sem que as cópias posteriores se diferenciem em nada da cópia precedente.’
Gisela Freund, La Photographie au Point de Vue Sociologique (manuscrito, p. 128).
[S 5, 2J
Ao tentar acompanhar o Jugend stil [ estilo de juventude] até seus efeitos sobre o
Jugend bewegung [ movimento de juventude] talvez devêssemos conduzir este estudo até o
limiar da guerra.
[S 5,*
A fachada do edifício “Information”, 10 na Rue Réaumur, é um exemplo do Jugendstil era
que se pode detectar claramente a transformação ornamental das formas de sustentação.
[S 5. «I
10 Provavelmente o edifício construído por Chédanne para o jornal Le Parisien. (J.L.)
s
(Pintura, Jugendstil, Novidade]
595
Influência dos procedimentos de reprodução técnica sobre a teoria da pintura dos realistas:
^Segundo eles, a posição do artista frente à natureza deve ser inteiramente impessoal,
impessoal a ponto de ele ser capaz de pintar o mesmo quadro dez vezes seguidas, sem
hesitar e sem que as cópias posteriores se diferenciem em nada da cópia precedente."’ Gisèle
Freund, La Photographie en France au XIX e Siècle, Paris, 1936, p. 106.
ES 5. 51
É necessário prestar atenção à relação entre Simbolismo e Jugendstil, o que aponta para o
lado esotérico deste último. Thérive escreve na resenha sobre o livro de Édouard Dujardin,
Líallarmé par un des Siens , Paris, 1936: “No prefácio astucioso que escreveu para o livro de
Édouard Dujardin, o Sr. Jean Cassou explica que o Simbolismo era um empreendimento
mísnco e mágico, e que colocava o eterno problema do jargão, ‘gíria sofisticada, onde se
apressa a vontade de ausência e de evasão da casta artística’... O Simbolismo se prestara
sobretudo aos jogos meio paródicos do sonho, às formas ambíguas, e o comentarista chega
a dizer que a mistura de esteticismo e mau gosto no estilo do Chat Noir {caf conc [para café
concert] , mangas tufadas, orquídeas e penteados com tiaras) foi uma combinação refinada,
necessária.” André Thérive, “Les livres”, Le Temps, 25 jun. 1936.
[S 5a, 1]
Denner trabalhou quatro anos em um retrato que está exposto no Louvre, sem hesitar em
usar a lupa para conseguir uma fidelidade absoluta na reprodução da natureza. E isto em
uma época em que já tinha sido inventada a fotografia. (?) Isto demonstra como é difícil
para o homem ceder o seu posto e deixar a máquina comandar em seu lugar. (Cf. Gisèle
Freund, La Photographie en France au XLX e Siècle , Paris, 1936, p. 1 12.)
[S 5a, 2]
Em uma prefiguração do Jugendstil, , Baudelaire concebe “um quarto que se pareça com um
devaneio, um quarto verdadeiramente espiritual... Os móveis têm formas alongadas,
prostradas, lânguidas. Os móveis parecem sonhar; dir-se-ia que são dotados de uma vida
sonâmbula, como o vegetal e o mineral.” Com isso, ele invoca um ídolo que talvez leve a
pensar nas “mães malvadas” de Segantini 11 ou em Hedda Gabler, de Ibsen: “o ídolo. Eis o
que são esses olhos ... esses sutis e terríveis mirantes, que reconheço por sua assustadora
malícia!” Charles Baudelaire, Le Spleen de Paris, Paris, Ed. R. Simon, p. 5 (“La chambre
double”).
[S 5a, 3]
No livro The Nightside of Paris, de Edmund B. dAuvergne (Londres, s. d., por volta de
1910), encontra-se à página 56 uma nota dizendo que havia sobre a porta do antigo Chat
Noir (na Rue Victor-Massé) a seguinte inscrição: “Transeunte, seja moderno!” (Segundo
carta de Wiesengrund) - Rollinat no Chat Noir.
[S 5a, 4)
“O que é mais distante de nós que a ambição desconcertante de um Leonardo, que,
considerando a Pintura como um fim supremo ou uma suprema demonstração do
conhecimento, pensava que ela exigisse a aquisição da onisciência, e que não recuava diante
de uma análise geral cuja profundidade e precisão nos confundem? A passagem da antiga
1 1 O quadro As mães malvadas (O castigo das mães malvadas ou a Infanticida) (1 894), do pintor
italiano Giovanni Segantini, encontra-se no Kunsthistorisches Museum, em Viena; uma "variante
noturna" deste quadro, de 1897, está no Kunsthaus de Zurique. (R.T.) Cf. S 7a, 4.
5% m Passagens
grandeza da Pintura a seu estado atual é bem perceptível na obra e nos escritos de Eugène
Delacroix. A inquietude, o sentimento de impotência dilaceram esse moderno cheio de
idéias, que encontra a cada instante os limites de seus meios em seu esforço de igualar-se
aos mestres do passado. Nada revela melhor a diminuição de não sei que força de outrora,
de que plenitude, que o exemplo desse tão nobre artista, dividido em si mesmo, e enfrentando
vigorosamente o último combate do grande estilo na arte. Paul Valéry, Pieces sur lArt,
Paris, pp. 191-192 (“Autour de Corot”). 12
Í S (S 11
“As vitórias da arte parecem ser conquistadas às custas de uma perda de caráter.” Karl Marx,
“Die Revolutionen von 1848 und das Proletariat”, discurso por ocasião do quarto aniversário
do Peoples Paper, publicado em The People’s Paper, em 19 de abril de 1856 [in: Karl Marx
ah Denker, Mensch und Revolutionãr, ed. org. por D. Rjazanov, Viena-Berlim, 1928, p. 42],
[S 6, 2]
O ensaio de Dolf Sternberger, “Hohe See und Schiffbruch” [Alto mar e naufrágio], Die
Neue Rundschau, XLVI, 8 ago. 1935, trata das “metamorfoses de uma alegoria”. “A alegoria
tornou-se um gênero. O naufrágio como alegoria significava ... a transitoriedade do mundo
em geral — o naufrágio como gênero é uma fresta que dá visão sobre um mundo situado
alem do nosso, uma fresta voltada para uma vida cheia de perigos, que nao é a própria, mas
que é necessária... Este gênero heróico permanece sendo o signo sob o qual começa a
reorganização e a reconciliação da sociedade”, é o que se lê em uma outra passagem, com
especial referência à obra de Spielhagen, Sturmflut [Mar revolto] (1877) (pp. 196 e 199).
[S 6, 3]
“O conforto privado era quase desconhecido entre os gregos; esses cidadãos de pequenas
cidades, que erguiam em torno de si tantos admiráveis monumentos públicos, moravam
em casas mais que modestas, nas quais alguns vasos — na verdade, obras-primas da elegância
- constituíam todo o mobiliário.” Ernest Renan, Essais de Morale et de Critique, Paris,
1859, p. 359 (“La poésie à 1’Exposition”). Fazer uma comparação com o caráter dos cômodos
na casa de Goethe. - Cf., ao contrário, o amor pelo conforto na produção de Baudelaire.
[S 6, 4]
“Embora os progressos da arte estejam longe de ser comparáveis àqueles que uma nação
alcança no gosto do confortável (sou obrigado a me servir dessa palavra bárbara para exprimir
uma idéia pouco francesa), pode-se dizer, sem paradoxo, que os tempos e os países nos
quais o conforto se tornou o principal atrativo do público foram os menos dotados do
ponto de vista da arte... A comodidade exclui o estilo; um jarro de fabricação inglesa é mais
adaptado à sua função que todos os vasos gregos de Vulci ou de Nola; estes são obras de
arte, enquanto o jarro inglês não será nunca senão um utensílio doméstico... Resultado
incontestável: o progresso da indústria na história não é absolutamente paralelo ao da
arte.” Ernest Renan, Essais de Morale et de Critique, Paris, 1859, pp. 359, 361, 363 ( La
poésie à 1’Exposition”). ^ ^
“O rápido superpovoamento das capitais teve como efeito ... a redução da superfície dos
locais. Já em seu Salon de 1828, Stendhal escrevia: ‘Há oito dias fui à Rue Godot-de-
Mauroy para procurar um apartamento. Fiquei chocado com a exigüidade dos cômodos: o
12 P. Valéry, duvres, ed. org. por J. Hytier, Paris, 1960, vol. II, p. 1323. (R.T.)
s
[Pintura, JugendstU. Novidade]
597
aóaik) da pintura passou, disse a mim mesmo, suspirando; só a gravura pode prosperar
jgoca. Amédée Ozenfant, “La peinture muraie”, in: Encyclopedie Française , voL XVI, Arts
■et Lmératures dam la Société Contemporaine, tomo 1, pp. 70-72.
;S 6a, 2]
laudelaire na resenha de Madame Bovary: “Realismo — injúria nojenta atirada ao rosto de
•andas os analistas, palavra vaga e elástica que significa, para o vulgo, não um método novo
de criação, mas uma descrição minuciosa dos acessórios.” Baudelaire, LArt Romantique ,
pi- 413. 13
[S 6a, 3]
Blib capítulo XXIV — Beaux-Arts”, do Argument du Livre sur la Belgique : “Especialistas. —
lii® pintor para o sol, um para a neve, um para o clarão da lua, um para os móveis, um para
«b trados, um para as flores - e subdivisão de especialistas ao infinito. - A colaboração
■aoessária, como na indústria.” Baudelaire, Qíuvres , vol. II, ed. org. por Y.-G. Le Dantec,
lais. 1932, p. 718. 14
[S 6a, 4]
<fase tardia>
“ devação da vida urbana à qualidade de mito significa imediatamente para os mais
liaidos uma decidida opção pela modernidade. Sabe-se que lugar este último conceito
«anuçe em Baudelaire... Como ele mesmo o diz, trata-se da questão ‘principal e essencial’
ir saber se seu tempo possui ‘uma beleza particular, inerente às novas paixões’. Conhecemos
resposta: é a própria conclusão de seu escrito teórico mais considerável, pelo menos
mn à sua extensão: ‘O maravilhoso nos envolve e nos sacia como a atmosfera, mas nós
o vemos... Pois os heróis da Ilíada não chegam aos nossos pés, ó Vautrin, ó Rastignac,
teau - nem aos teus, ó Fontanarès, que não ousaste contar ao público tuas dores sob
fúnebre e convulso que todos assumimos; - e nem aos teus, ó Honoré de Balzac, tu,
heróico, o mais singular, o mais romântico e o mais poético entre todos os personagens
tiraste do teu seio.’ (Baudelaire, Salon de 1846, cap. XVIII).” Roger Caillois, “Paris,
moderne”, Nouvelle Revue Française, XXV, n° 284, 1 maio 1937, pp. 690-691.
[S 7, 1]
capítulo XXIV — “Beaux-Arts” do Argument du Livre sur la Belgique : “Algumas páginas
este infame puffiste [charlatão] que se chama Wiertz, paixão dos turistas ingleses.”
e, Qíuvres, vol. II, ed. org. por Y.-G. Le Dantec, Paris, 1932, p. 718. E na p. 720:
independentes. - Wiertz. Charlatão. Idiota. Ladrão... / Wiertz, o pintor filósofo
Tagarelices modernas. O Cristo dos humanitários... / Tolice análoga à de Victor
v no final das Contemplations. I Abolição da pena de morte. / Poder infinito do
/ As inscrições nos muros. Graves ofensas contra os críticos franceses e a França,
de Wiertz por todo lado... Bruxelas, capital do mundo. Paris província... / Os
s de Wiertz. Plágios. Ele não sabe desenhar, e sua estupidez é tão grande quanto seus
3 Baudelaire, OC II, p. 80. (R.T.)
14 Op. c/t, p. 931 . (J.L.)
598 ■ Passagens
colossos. / Em suma, esse charlatão soube fazer seus negócios. Mas o que Bruxelas fará de
tudo isso, depois de sua morte? / Os trompe-Paeil. / A Bofetada. / Napoleão no Inferno. / O
Leão de Waterloo. / Wiertz e Victor Hugo querem salvar a humanidade.” 15
[S 7, 2]
Ingres, Réponse au Rapport sur 1’École des Beaux-Arts, Paris, 1863, defende as instituições da
Escola diante do ministro das Belas-Artes, a quem é dirigida a resposta, da forma mais
áspera. Ele não se posiciona contra o Romantismo. Desde o começo (p. 4), refere-se à
indústria: “Agora querem misturar a indústria à arte. A indústria! Nós não queremos isso!
Que ela fique onde está e não venha se instalar nos degraus de nossa escola...!” - Ingres
insiste na importância do desenho como fundamento exclusivo do ensino da pintura.
Lidar com cores é algo que se aprenderia em uma semana.
ÍS 7a, 1]
Daniel Halévy relata que, em sua infância, modelos italianas — mulheres em trajes típicos
de Sorrento, com um tamborim na mão — ficavam tagarelando em torno da fonte da Place
Pigalle. (Cf. Halévy, Pays Parisiens, Paris, 1932, p. 60).
[S 7a, 2]
A vida das flores no Jugendstií. um arco se estende desde as Fleurs du Mal , passando sobre as
almas florais de Odilon Redon, até as orquídeas que Proust mescla à vida erótica de Swann.
[S 7a, 3]
As “mães malvadas” de Segantini, enquanto tema do Jugendstií, são parentes próximas das
lesbiennes. A mulher depravada mantém-se longe da fertilidade, assim como mantém-se
longe dela o sacerdote. De fato, o Jugendstií descreve duas linhas distintas. A da perversão
conduz de Baudelaire a Wilde e Beardsley; a linha hierática vai de Mallarmé a George.
Finalmente, delineia-se mais fortemente uma terceira linha, a única que extrapolou o domínio
da arte. Trata-se da linha da emancipação que, partindo das Fleurs du Mal, liga os subterrâneos
de onde surgiu o Tagebuch einer Verlorenen [ Diário de uma Garota Perdida ] 16 aos pontos
culminantes de Zaratustra. (Este é o sentido que se pode atribuir à observação de Capus. 17 )
[S 7a, 4]
O tema da infertilidade: as personagens femininas de Ibsen não dormem com seus maridos;
elas caminham “de mãos dadas” com eles ao encontro de algo terrível.
[S 7a, 5]
O perverso olhar floral de Odilon Redon.
[S 7a, 6]
15 Op. c/f., pp. 931 e 935-936. (J.L.) Duas transcrições de Tiedemann foram corrigidas, conforme o
texto da ed. de Baudelaire org. por Cl. Pichois: "paixão dos cockneys ingleses" por "paixão dos
turistas ingleses" e "Le Livre de Waterloo" por "Le Lion de Waterloo". A Bofetada [de uma dama
belga], Napoleão no Inferno e O Leão de Waterloo são títulos de quadros de Wiertz; sobre o
primeiro, cf. 0 o , 22. (w.b.)
16 Trata-se de anotações anônimas de uma prostituta, editadas sob o título Tagebuch einer Verlorenen
por Margarete Bõhme, Berlim 1905. Esse livro foi a base para o filme homônimo de G. W. Pabst, em
1929. (R.T.; w.b.)
17
Talvez uma referência ao escritor francês Alfred Capus (1858-1922). (R.T.)
s
[Pintura, JugendstH, Novidade]
599
irórmulas da emancipação em Ibsen: a exigência ideal; morrer de forma bela; residências
para seres humanos [cf. I 4, 4]; responsabilidade própria (da Dama do Mar).
ES 8, 1]
O JugendstH é o estilo estilizante por excelência.
[S 8. 2]
A idéia do eterno retorno em Zaratustra é, segundo sua verdadeira natureza, uma estilização
da concepção do mundo que Blanqui apresenta ainda em seus traços infernais. É uma
csrilização da existência até os mínimos fragmentos de seu decurso temporal. Não obstante,
o estilo de Zaratustra é desmentido pela doutrina exposta nesta obra.
[S 8, 3]
Os três “temas” nos quais se manifesta o JugendstH-. o tema hierático, o tema da perversão, o
■ema da emancipação. Todos eles têm seu lugar nas Fleurs du Mab, a cada um deles pode-se
atribuir um poema representativo do livro. Para o primeiro, “Bénédiction”, para o segundo,
“Ddphine et Hippolyte”, para o terceiro, “Les litanies de Satan”.
[S 8, 4]
Zxramstra apropriou-se em primeiro lugar dos elementos tectônicos do JugendstH, em
amuraste com seus temas orgânicos. Particularmente as pausas, que são características de
anu ritmo, são um contraponto exato ao fenômeno tectônico básico desse estilo, que é a
minância da forma vazia sobre a forma cheia.
[S 8, 5]
Canos temas do JugendstH originaram-se de formas técnicas. Assim, perfis de suportes de
farc aparecem como temas ornamentais em fachadas. (Cf. um ensaio [de Martin?] no
r*:mkfurter Zeitung, por volta de 1926-1929.)
[S 8, 6)
Tlcnédiction”:
“E eu torcerei tanto esta árvore miserável,
Que ela não poderá germinar seus botões empesteados!”
■ema vegetal do Jugendstil e seus desdobramentos aparecem aqui, e certamente não no
■ mais evidente.
[S 8, 7]
JaígendstH força o aurático. Nunca o sol sentiu-se melhor em sua auréola radiante; nunca
humano foi mais brilhante do que em Fidus. Maeterlinck leva o desenvolvimento
cáxico até o absurdo. O silêncio dos personagens dramáticos é uma de suas formas de
ia. A “Perte d’auréole”, de Baudelaire, 18 opõe-se a este tema do JugendstH da maneira
mine categórica.
[S 8, 8]
J h/grZsnl é a segunda tentativa da arte de confrontar-se com a técnica. A primeira foi o
no. Neste, o problema se situava mais ou menos na consciência dos artistas. Eles
inquietos com os novos procedimentos da técnica de reprodução. (A teoria do
•:8
Baudelaire, OC I, p. 352. (te Spleen de Paris ) (w.b.)
600 ■ Passagens
Realismo comprova isto; c£ S 5, 5.) No Jugendstil , o problema como tal já havia sido
recalcado. Ele não se considerava mais ameaçado pela concorrência da técnica. Assim o
confronto com a técnica que está oculto no Jugendstil se tornou tão mais agressivo. Sua
recorrência a temas técnicos advém da tentativa de esterilizá-los através da ornamentação.
(Aliás, isto conferiu excepcional significado político ao combate que Adolf Loos empreendeu
contra o ornamento.)
[S 8a. 1]
O tema fundamental do Jugendstil é a transfiguração da infertilidade. O corpo é desenhado
preferencialmente nas formas que precedem a maturidade sexual.
[S 8 a, 2]
O amor lésbico transporta a espiritualização até o regaço feminino. Lá ele hasteia o estandarte
lirial do “amor puro”, que não conhece nem a gravidez nem a família.
[S 8a, 3]
A consciência do homem que se entregou ao spleen fornece um modelo em miniatura do
espírito do mundo ao qual se deveria atribuir a idéia do eterno retorno.
V ^ [S 8a, 4]
“O homem aí passa através das florestas de símbolos
Que o observam com olhos familiares.”
“Correspondances”. São os olhares florais do Jugendstil que aparecem aqui. O Jugendstil
recupera os símbolos. A palavra símbolo não é ffeqüente em Baudelaire.
r [S 8a, 5]
A evolução que conduziu Maeterlinck durante sua longa vida a uma posição extremamente
reacionária é lógica.
[S 8a, 6]
A tentativa reacionária de retirar formas condicionadas pela técnica de seu contexto funcional
e transformá-las em constantes naturais — ou seja, estilizá-las — reaparece um pouco mais
tarde no Futurismo, à semelhança do Jugendstil.
[S 8a, 7]
O luto que o outono desperta em Baudelaire. E a época da colheita, a época em que as
flores se desfazem. O outono é invocado por Baudelaire com particular solenidade. Ao
outono dedica os versos que talvez sejam os mais melancólicos de seus poemas. A respeito
do sol diz o seguinte:
Ele “manda as colheitas crescerem e amadurecerem
No coração imortal que sempre quer florir!” 19
Com a figura do coração que não quer dar frutos, Baudelaire deu seu veredito sobre o
Jugendstil muito antes de seu surgimento. ^
“Esta procura pela minha casa ... foi o meu castigo... Onde está - minha casa? Eis o que
pergunto e procuro, e procurava, e não encontrei. Ó eterno todo lugar, ó eterno nenhures.”
19 Op. cit., p. 83 ("Le Soleil"). (J.L)
s
[Fsrcura, Jugendstil, Novidade]
601
Gt. de Zarathustra, em Lowith, Nietzsches Philosophie der ewigen Wiederkunft, Berlim, 1935,
p. 35 (cf. epígrafe de Rilke, S 4a, 2), ed. Krõner, p. 398.
Pode-se supor que na linha típica do Jugendstil não raro se encontram - reunidos em uma
montagem da imaginação — o nervo e o fio elétrico (e que o sistema nervoso vegetativo em
particular, como forma limítrofe, serve de intermediário entre o mundo do organismo e a
técnica). “O culto aos nervos do fin-de-siècle preservou esta imagem telegráfica, e a respeito
de Strindberg, sua segunda mulher, Frida..., escreveu que seus nervos eram tão sensíveis a
eletricidade da atmosfera que uma tempestade se transmitia a eles como que por fios
telegráficos.” Dolf Sternberger, Panorama, Hamburgo, 1938, p. 33. ^
No Jugendstil, a burguesia começa a confrontar-se com as condições - não ainda de seu
domínio social, mas de seu domínio sobre a natureza. A percepção destas condições começa
a exercer uma pressão sobre o limiar de sua consciência. Daí o misticismo (Maeterlinck)
que procura atenuar essa pressão; mas daí também a recepção de formas técnicas no Jugendstil,
p. e., o espaço vazio. [$ ? 4]
O capítulo de Zaratustra intitulado “Unter Tõchtern der Wüste [ Entre filhas do deserto ]
é revelador, não apenas porque aparecem em Nietzsche as meninas florais — um tema
importante do Jugendstil — , mas também pela afinidade entre Nietzsche e Guys. A passagem
‘profundas, mas sem pensamentos” 20 descreve exatamente a expressão das prostitutas neste
último.
[S 9a, 1]
O ponto culminante da organização técnica do mundo consiste na liquidação da fertilidade.
O ideal de beleza do Jugendstil é constituído pela mulher frígida. (O Jugendstil ve em cada
mulher não Helena, e sim Olímpia. 21 )
O indivíduo, o grupo, a massa — o grupo é o princípio do gênero; o isolamento do indivíduo
é típico do Jugendstil (cf. Ibsen).
O Jugendstil é um progresso na medida em que a burguesia se aproxima dos fundamentos
técnicos de seu domínio sobre a natureza; um retrocesso, na medida em que lhe falta a
força para ainda olhar o cotidiano de frente. (Isto só é possível sob a proteção da mentira da
vida. 22 ) — A burguesia sente que não tem muita vida pela frente, uma razão a mais para ela
querer ser jovem. Assim, ela imagina para si uma vida mais longa, ou pelo menos uma bela
20 Nietzsche, Werke in drei Bãnden, ed. org. por K. Schlechta, vol. II, Munique, 1973, p. 540. (R.T.)
21 Alusão às personagens de Helena, do Fausto II, de Goethe, e de Olímpia, do conto O Homem de
Areia", de E. T. A. Hoffmann. (J.L.)
22 Cf. Henrik Ibsen; "the saving lie ... is the stimulating principie of life, ... to keep life going", The I Mld Duck
[O Pato Selvagem] in: Hedda Gabler and Other Plays, Harmondsworth, Penguin, 1982, pp. 243-244.
(E/M)
602 * Passagens
Segantini e Munch; Margarete Bõhme e Przybyszewski.
[S 9a, 5]
A filosofia do “Como Se” de Vaihinger 23 é o toque de agonia do Jugendstil.
[S 9a, 6]
“Com as primeiras obras de Hennebique e dos irmãos Perret, um novo capítulo se abriu na
história da arquitetura. O desejo de evasão, de renovação, exprimia-se, aliás, nas tentativas
de escola do Modem Style, que fracassou deploravelmente. Parece que esses autores torturaram
a pedra até seu esgotamento e prepararam com isso uma reação feroz em favor da
simplicidade. A arte da arquitetura devia renascer em formas serenas pela exploração de
materiais novos.” Marcei Zahar, “Les tendances actuelles de 1’architecture”, in: Encyclopédie
Française, XVII, p. 17. 10-3/4.
[S 9a, 7]
Em seus Salões, Baudelaire revelou-se um inimigo intransigente do gênero. Baudelaire
situa-se no início do Jugendstil, que representa uma tentativa de liquidar o gênero. Nas
Fleurs du Mal, o Jugendstil se manifesta pela primeira vez com seu tema floral característico.
[S 10, 1]
A seguinte passagem de Valéry ( (Euvres Completes, J, cit. em Thérive, Le Temps, 20 abr.
1939) pode ser lida como uma réplica a Baudelaire: “O homem moderno é escravo da
modernidade... Em breve será necessário construir celas rigorosamente isoladas... Aí serão
desprezados a velocidade, o número, os efeitos de massa, de surpresa, de contraste, de
repetição, de novidade e de credulidade.”
[S 10, 2]
Sobre a sensação: este arranjo - a novidade e a depreciação que a atinge como um choque
- encontrou desde meados do século XIX uma expressão particularmente drástica. A moeda
usada nada perde de seu valor; o selo carimbado é depreciado. É sem dúvida o primeiro
valor cuja validade é indissociável de seu caráter de novidade. (O reconhecimento do valor
coincide aqui com a desvalorização.)
[S 10, 3]
Sobre o tema da infertilidade no Jugendstil : considerava-se a concepção como a maneira
mais indigna de subscrever o lado animal da criação.
[S 10, 4]
Conceber o “não” como a antítese do “planejado”. A propósito do plano, comparar Lesabéndio,
de Scheerbart: estamos todos tão cansados porque não temos nenhum plano.
[S 10, 5]
Novidade. Vontade de novidade. O novo é um daqueles venenos excitantes que acabam
sendo mais necessários que qualquer alimento, e cuja dose é preciso aumentar sempre,
uma vez que são nossos senhores, e torná-la mortal porque sem ela morreríamos. É estranho
prender-se assim à parte perecível das coisas, que é exatamente sua qualidade de serem
novas.” Paul Valéry, Choses Tues, Paris, 1930, pp. 14-15.
[S 10, 6]
23
Cf. Hans Vaihinger, Philosophie des Als-Ob (1911). (R.T.)
s
[Pãnstura, Juçends&I, Novidade]
603
Passagem decisiva sobre a aura em Proust. Ele fala de sua viagem a Balbec e comenta que
eia provavelmente poderia ser feita hoje em dia de automóvel, e que isto até teria algumas
vantagens: “Mas, enfim, o prazer específico da viagem não é poder descer durante o
percurso..., mas tornar a diferença entre a partida e a chegada não tão imperceptível, mas
tão profunda quanto possível, de forma que se possa senti-la ... intacta, tal como era em
nosso pensamento quando nossa imaginação nos levou do lugar em que vivíamos até o
coração de um lugar desejado, num salto que nos parecia menos miraculoso por vencer
uma distância do que por unir duas individualidades distintas da terra, por nos levar de
um nome a outro nome; e esquematizar (melhor que um passeio em que, como se
desembarca onde se quer, não há mais chegada) a operação misteriosa que se cumpria
nesses lugares especiais, as estações ferroviárias, que não fazem parte, por assim dizer, da
cidade, mas contêm a essência de sua personalidade, assim como em uma placa de sinalização
trazem seu nome... Infelizmente esses lugares maravilhosos que são as estações, de onde se
parte para um destino longínquo, são também lugares trágicos, porque ... é preciso deixar
para trás qualquer esperança de voltar e deitar-se em casa, uma vez que se decidiu penetrar
no antro empesteado por onde se chega ao mistério, numa dessas grandes oficinas
envidraçadas, como a de Saint-Lazare, onde eu ia pegar o trem de Balbec, e que desenrolava
por cima da cidade dilacerada um desses imensos céus, nus e pesados com ameaças carregadas
de drama, como alguns céus pintados com uma modernidade quase parisiense, de Mantegna
ou de Veronesi, e sob o qual não podia se cumprir senão algum ato terrível e solene como
a partida em uma estrada de ferro ou a elevação da Cruz.” Marcei Proust, A l’Ombre des
James Filies en Fleurs, vol. II, Paris, pp. 62-63. 24
[S 10a]
Proust sobre o museu: “Em todo gênero, nosso tempo tem a mania de querer sempre
mostrar as coisas com aquilo que as envolve na realidade, e de assim suprimir o essencial:
o ato de espírito que as isolou da realidade. ‘Apresenta-se’ um quadro no meio de móveis,
de bibelôs, de tapeçarias da mesma época, insípida decoração ... no meio da qual a obra-
prima, que se observa enquanto se janta, não nos proporciona a mesma embriagante
aiegria que só se pode esperar numa sala de museu, a qual simboliza bem melhor, por
sua nudez e seu despojamento de todas as particularidades, os espaços interiores onde o
artista se retirou para criar.” Marcei Proust, A VOmbre des Jeunes Filies en Fleur, vol. II,
Paris, pp. 62-63. 25
[S II, 1]
Como a modernidade se torna Jugendstil?
[S 11, 2]
Campo de batalha ou feira? “Lembramo-nos que outrora havia, nas letras, um movimento
de atividade generosa e desinteressada. Dizem que havia escolas e chefes de escola, partidos
e chefes de partido, sistemas em luta, correntes e contracorrentes de idéias..., uma vida
fart aria ardente, militante... Ah! sei que por volta de 1830 todas as pessoas de letras se
trangloriavam de serem os soldados de uma expedição, e que não pediam como publicidade,
ã sombra de uma bandeira, senão os sonoros apelos do campo de batalha... O que nos resta
Mc desse espetáculo de bravura? Nossos predecessores combatiam, e nós, nós fabricamos
c vendemos. O que vejo de mais claro, na desordem em que estamos, é que no lugar do
24 M. Proust, À la Recherche du Temps Perdu, I, pp. 644-645. (J.L.)
25 Op. cit, p, 645. (J.L.)
604 ■ Passagens
campo de batalha há uma miríade de boutiques e ateliês onde se vendem e se fabricam, a
cada dia, as novas modas e tudo o que em geral se chama o artigo-Paris." “Sim, MODISTA
é a palavra que convém à nossa geração de pensadores e de sonhadores.” Hippolyte Babou,
Les Payens Innocents , Paris, 1858, pp. VII- VIII (“Lettre à Charles Asselineau”).
[S 11, 31
x
[Tipos de Iluminação]
"et nocturnis facibus illustrata .' 1
Medalha de 1667, recordando a introdução
da iluminação das ruas.
“Napoleão tem cobertores de lã, veludo, seda, bordados, ouro e prata, uma redoma de
vidro sobre o chapéu, coroas de imortais e uma eterna lâmpada a gás." Karl Gutzkow, Briefe
aus Paris, vol. I, Leipzig, 1842, p. 270.
[T 1, 1]
Nota referente a 1824: “Paris foi iluminada este ano com 11.205 lâmpadas a gás... O
empreiteiro devia iluminar todas as partes da cidade em quarenta minutos no máximo,
isto é, começando vinte minutos antes da hora prescrita diariamente e terminando vinte
minutos depois; ele não podia confiar mais de vinte e cinco lâmpadas a cada acendedor.”
Dulaure, Histoire Physique, Civile et Morale de Paris Depuis 1821 Jusquà Nos Jours, vol. II,
Paris, 1835, pp. 118-119.
[T 1, 2]
~Um cenário de sonho, onde o amarelo vacilante do gás conjuga-se à frigidez lunar da
centelha elétrica.” Georges Montorgueil, Paris au Hasard, Paris, 1895, p. 65-
[T 1, 3]
Em 1857, a primeira iluminação elétrica das ruas (junto ao Louvre).
[T 1, 4]
No início, o gás era entregue em recipientes para o consumo diário dos estabelecimentos
mundanos.
[T 1, 5]
'Declaro-me decididamente amigo dos candeeiros; estes, na verdade, contentam-se em
iluminar e não ofuscam; muito menos petulantes que o gás, seu óleo nunca provoca explosões;
com eles temos a respiração mais livre e o olfato menos agredido. Algo realmente inexplicável
para mim é a existência de todos esses comerciantes que, instalados em nossas passagens,
ficam constantemente, e sob os mais intensos calores, nas lojas em que, graças ao gás, seria
possível sentir-se debaixo da linha do Equador. ■ Passagens ■ Nouveaux Tableaux de Paris,
Iluminada por tochas noturnas." (w.b.)
■ Passagens
ou Observatiom sur les Moeurs et Usages des Parisiens au Commencement du XJX e Siècle, vol. I,
Paris, 1828, p. 39. [T y 6]
“A iluminação das ruas, durante o mesmo lapso de tempo, foi mais que duplicada; o gás
substituiu o óleo; novas lâmpadas tomaram o lugar dos antigos aparelhos, e a iluminação
permanente foi substituída pela iluminação intermitente.” M. Poete, E. Clouzot, G.
Henriot, La Tmnsformation de Paris sous le Second Empire (Exposição da Biblioteca e dos
Trabalhos históricos da cidade de Paris), Paris, 1910, p. 65.
[T 1, 7]
Sobre as damas do caixa: “Durante todo o dia elas aparecem de papelotes nos cabelos e de
penhoar; porém, depois do pôr-do-sol, quando é aceso o gás, elas aparecem em traje de
baile completo. Aí então, vendo-as sentadas em seus tronos nos guichês do caixa, cercadas
por um mar de luz, recordamo-nos da Biblioteca Azul 2 e do conto do príncipe de cabelos
dourados e da princesa encantadora, uma comparação adequada, uma vez que as parisienses
mais encantam do que são encantadas.” Eduard Kroloff, Schilderungen aus Paris , vol. II,
Hamburgo, 1839, pp. 76-77. j ^
As prateleiras de metal com flores artificiais que se encontram nos bufês dos restaurantes de
estações ferroviárias etc. são rudimentos dos arranjos de flores que outrora cercavam a
caixeira.
[T 1, 9]
Dubartas chamava o sol de “grão-duque das velas”. Cit. em M. Du Camp, Paris, vol. V,
Paris, 1875, p. 268.
[T 1, 10]
“Os porta-lanternas terão lampiões a óleo com ‘seis grandes pavios’; eles serão distribuídos
em postos distantes oitocentos passos uns dos outros ... terão um lampião pintado no lugar
de seu posto à guisa de insígnia, e trarão na cintura uma ampulheta de quinze minutos,
com o brasão da cidade... Reinava aqui ainda o empirismo; essas luzes ambulantes não
davam absolutamente segurança à cidade, e seus portadores atacaram mais de uma vez as
pessoas que eles acompanhavam. Entretanto eram empregados, na feita de algo melhor, e
foram empregados durante tanto tempo que nós ainda os encontramos no começo do
século XIX.” Maxime Du Camp, Paris, vol. V, p. 275.
m, ui
“Eles [os porta-lanternas] vão procurar fiacres, chamam os carros dos donos, acompanham
os transeuntes notívagos até seu domicílio, sobem até seu apartamento e acendem as velas.
Dizem que, pela manhã, eles voluntariamente prestavam contas ao tenente geral de polícia
de tudo o que haviam observado durante a noite.” Du Camp, Paris, vol. V, p. 281.
. [T la, 1]
“A licença de importação de Winsor para Paris tem data de I o de dezembro de 1815; no mês de
janeiro de 1817 foi iluminada a Passage des Panoramas... Os primeiros esforços das companhias
2 Referência a uma coleção alemã de contos de fadas e de humor: Die blaue Bibliothek des Feenreichs, der
Kobolde, Zwerge und Gnomen, publicada nos anos 1840. (E/M)
T
[Tipos de iluminação]
607
mãn foram felizes; a população parecia refratária a esse tipo de iluminação; temiam-se seus
pensos, acusavam-na de viciar o ar respirável.” Du Camp, Paris, vol. V, p. 290.
[ este lugar visitado pela morte comercial, sob este gás ... que parece tremer temendo não
ser pago.” Louis Veuillot, Les Odeurs d 'e Paris, Paris, 1914, p. 182.
rr la. 3]
“D vidro está destinado a representar um grande papel na arquitetura de metal. Em vez de
■miros espessos, cuja solidez e resistência é diminuída por um grande número de buracos,
massas casas terão tantas aberturas que parecerão diáfanas. Estas aberturas largas, de vidro
grosso, simples ou duplo, opaco ou transparente, irradiarão um brilho mágico para o
interior, durante o dia, e para o exterior, à noite.” Gobard, “Earchitecture de 1’aYenir”,
Menu? Générale d’Architecture, 1849, p. 30. [Giedion, Bauen in Frankreich, Leipzig-Berlim,
1928, p. 18]
[T la, 4]
Lâmpadas em forma de vaso. A flor rara, a “luz”, é colocada em óleo. (Esta forma aparece
■ama gravura de moda de 1866.)
[T la, 5]
As antigas tochas de gás acesas ao ar livre tinham freqüentemente uma chama em forma de
liorboleta, e por isso eram chamadas de papillons.
[T la, 6]
Ma lâmpada Carcel, um mecanismo impulsionava o óleo até o pavio, enquanto na lâmpada
Argand ( quinquet ), o óleo pingava de um reservatório em cima do pavio, produzindo assim
«una sombra.
[T la, 7]
fessagens — elas resplendiam na Paris do Império como grutas habitadas por fadas. Quem
adentrava a Passage des Panoramas em 1817 ouvia, de um lado, o canto das sereias da
luminação a gás e, em frente, era seduzido pelas odaliscas das lâmpadas a óleo. Com o
acender das luzes elétricas, apagou-se o brilho irretocável desses corredores que, subitamente,
■ornaram-se mais difíceis de encontrar, que praticavam uma magia negra com as portas e
contemplavam seu próprio interior por janelas cegas.
[T la, 8]
Quando, em 19 de fevereiro de 1790, 3 o Marquês de Favras foi executado por conspiração
contra-revolucionária, a Place des Grèves e o cadafalso estavam decorados com lampiões.
[T la, 9]
“Dissemos no primeiro volume que cada época histórica está imersa em uma determinada
iim inação diurna ou noturna; este mundo, pela primeira vez, recebeu uma iluminação
artificial: ela consiste na iluminação a gás, que já iluminava Londres nos dias em que a
estrela de Napoleão começou a declinar, entrou em Paris quase na mesma época que os
Bourbons e, finalmente, conquistou com um avanço lento e tenaz todas as ruas e locais
púbii cos. Por volta de 1840 havia iluminação por toda parte, até mesmo em "Viena. Nesta
3 Cf. E°, 26 e nota.
luz clara e triste, intensa e vacilante, prosaica e fantasmagórica, movimentam-se grandes
insetos laboriosos, os vendedores.” Egon Friedell, Kulturgeschichte der Neuzeit, vol. III,
Munique, 1931, p. 86. [T Ja 1Q]
Sobre o Café Mille et Une Nuits: “Tudo era ali de uma munificência inaudita; para dar
uma idéia, basta dizer que a bela limonadière dnha como assento, em seu balcáo ... um
trono, um verdadeiro trono de rei, em que se sentara, com toda a sua majestade, um dos
potentados da Europa. Como esse trono chegou ali? Isto é o que não poderíamos dizer:
afirmamos o fato sem nos encarregarmos de explicá-lo.” Histoire des Cafés de Paris Extraite
des Mémoires d’un Viveur, Paris, 1857, p. 31. [T ia li]
“O gás substituiu o óleo, o ouro destronou o lambri, o bilhar bloqueou o dominó e o
gamão; onde antes se ouvia o vôo das moscas, escutam-se melodias de Verdi ou de Aubert.”
Histoire des Cafés de Paris Extraite des Mémoires dun Viveur , Paris, 1857, p. 1 14.
[T 2, 1]
Grand Café du XIX e Siècle - inaugurado em 1857 no Boulevard de Strasbourg. “Inúmeros
bilhares mostram ali seu pano verde; um balcão esplêndido está iluminado por flores de
gás. Bem em frente há uma fonte de mármore branco, cujo modvo alegórico está coroado
por uma auréola luminosa.” Histoire des Cafés de Paris Extraite des Mémoires dun Viveur,
Paris, 1857, p. 11- \T 2 , 2 ]
“Desde 1801 Lebon havia tentado instalar a iluminação a gás no hotel Seignelay, na Rue
Saint-Dominique, 47. O sistema foi retomado em I o de janeiro de 1808: trezentos bicos
de gás iluminaram o Hospital Saint-Louis, com um sucesso tal que foram criadas tres
fábricas.” Lucien Dubech e Pierre D’Espezel, Histoire de Paris , Paris, 1926, p. 335.
[T 2, 3J
“Em matéria de administração municipal, as duas grandes obras da Restauração foram a
iluminação a gás e a criação dos omnibus. Paris era iluminada, em 1814, por5.000 candeeiros,
cujo serviço ocupava 142 acendedores. Em 1822, o governo decidiu que as ruas seriam
iluminadas a gás, à medida que vencessem os antigos contratos. Em 3 de junho de 1825,
primeira tentativa da Compagnie du Gaz Portatif Français de iluminação de uma praça, a
Place Vendôme recebeu quatro candelabros nos ângulos da coluna e dois candeeiros nos
ângulos da Rue de Castiglione. Em 1826, havia em Paris 9.000 bicos de gás, 10.000 em
1828, 1.500 assinantes, três companhias e quatro fábricas, uma delas na margem esquerda.”
Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, Paris, p. 358. 2 4]
Extraído de um prospecto do século XVIII intitulado “Projeto luminoso proposto por
subscrição para a decoração do famoso passeio do Boulevard Saint-Antoine : O boulevard
será iluminado por uma guirlanda de Lampiões que reinará dos dois lados entre as árvores.
Esta iluminação será feita duas vezes por semana, às quintas-feiras e aos domingos: e, em
caso de Lua, no dia seguinte aos dias referidos. A iluminação começará às dez horas; às onze
tudo estará iluminado... Como esta espécie de Passeio noturno só convém aos Senhores e às
T
Tipos de iluminaçãol 609
Pessoas ricas que têm veículos, é somente a eles que propomos a subscrição. O preço para
este ano será de 18 libras por Casa; nos anos seguintes o custo será de apenas 12 libras.
As 6 libras a mais deste ano são para as despesas iniciais de instalação.” (p. 3) "Os Cafés e
os Espetáculos às margens deste famoso passeio merecem, com justiça, elogios. Sim - eu
direi, para sua glória — os elegantes Lampiões que decoram suas ilustres Butiques me
deram a idéia de uma iluminação universal. O célebre Cavaleiro Servandoni prometeu-me
desenhos de Arcadas, Guirlandas e Algarismos elegantes, dignos de seu gênio fecundo.
Acaso haveria entre nossos fortunados Passantes algum que não se apressasse em contribuir
para a execução de um Projeto tão brilhante? O Boulevard assim decorado tornar-se-ia um
Salão de Baile decorado, em que as carruagens seriam os Camarotes.”
[T 2, 5]
“Depois do teatro, fui a um café recém-decorado ao estilo renascença. O salão inteiro tinha
paredes espelhadas entre colunas douradas. A dama incumbida das contas está sempre
sentada atrás de uma grande mesa suntuosa, colocada sobre uma plataforma; diante dela,
a prataria, as frutas, as flores, o açúcar e o recipiente para a gorjeta dos garçons. É costume
que cada cliente dê uma pequena quantia para o garçom, que a coloca na latinha para ser
dividida entre todos.” Eduard Devrient, Briefe aus Paris, Berlim, 1840, p. 20.
[T 2a, 1]
Entre a Revolução de Fevereiro e a Insurreição de Junho: “Quando terminavam as reuniões
do clube, percorriam-se as mas, e os cidadãos adormecidos eram acordados ora por gritos:
Lampiões! lampiões!’, o que os obrigava a iluminar as janelas, ora por tiros intencionais de
iuzil, que os faziam acordar aos sobressaltos... Percorria-se Paris em procissões intermináveis,
ao clarão de tochas, e certa ocasião aconteceu que uma moça deixou-se despir e exibiu-se
sob a luz das tochas totalmente nua para a multidão, que a considerou apenas uma lembrança
da deusa da liberdade da primeira revolução francesa... O prefeito de polícia, Caussidière,
emitiu uma proclamação contra estas procissões de tochas, a qual assustou ainda mais os
ddadãos de Paris, pois ela declarava que o povo deveria brandir a tocha somente quando a
república corresse perigo.” Sigmund Englánder, Geschichte der franzõsischen Arbeiter -
Associationen, Hamburgo, vol. II, 1864, pp. 277-278.
° [T 2a, 2]
“São ainda as mulheres que limpam os candeeiros a óleo de dia e os acendem à noite,
■ncolhendo e repondo as lâmpadas com uma corda guardada à chave no poste durante o
dsa. esperando o gás que, há anos, ilumina até os últimos burgos ingleses. Por preço algum
•bs comerciantes de óleo e de lâmpadas Argand querem ouvir falar disso, e acharam depressa
k sua disposição dois escritores, os senhores Charles Nodier e Arnédée Pichot ... para
denunciar ... num in-octavo todos os inconvenientes e perversidades do gás, inclusive o
ncrlgo de nossa destruição total, por explosão, pelas mãos de malfeitores.” 4 Nadar, Quand
”axis Photographe, Paris, 1900, pp. 289-290.
[T 2a, 3]
a havia fogos de artifício e efeitos de iluminação sob a Restauração,
dos ultra-realistas foi rejeitado na Câmara.
quando um projeto de
[T 2a, 4]
4 Ch. Nodier escreveu em colaboração com A. Pichot um Essai Critique sur le Gaz Hydrogène et les Divers
Modes d'Édairage Artificiei (1823). (J.L.)
5 10 ■ Passagens
<fase média>
A propósito de um asilo para cegos e loucos, o seguinte excurso sobre a luz elétrica: “Vamos
aos fatos. A luz jorrando da eletricidade serviu primeiro para iluminar as galerias subterrâneas
das minas; no dia seguinte, as praças públicas e as ruas; depois, as fábricas, as oficinas, as
lojas, os espetáculos, os quartéis; e finalmente, as casas de família. Os olhos, em presença
desse inimigo radiante, comportaram-se bem, mas pouco a pouco veio o deslumbramento,
efêmero no início, depois periódico, e no fim, persistente. Eis o primeiro resultado. -
Compreendo; mas e a loucura dos grandes senhores? - Nossos magnatas das finanças, da
indústria, dos grandes negócios, acharam bom ... dar a volta ao globo em pensamento,
enquanto eles próprios permaneciam em repouso... Para isso, cada um deles pregou, em
seu gabinete de trabalho, num canto da escrivaninha, os fios elétricos que ligam sua caixa
às nossas colônias da África, da Ásia, da América. Confortavelmente sentado diante da
mesa, ele recebe, com um sinal de mão, o relato de seus correspondentes distantes, das
agências semeadas pela superfície do globo. Um lhe comunicava, às dez horas da manhã, o
naufrágio de um navio milionário... ; um outro, às dez horas e cinco minutos, a falência
fulminante da mais sólida casa das duas Américas; um terceiro, às dez horas e dez minutos,
a entrada radiante, no porto de Marselha, de um navio carregado com a colheita dos
arredores de São Francisco. Tudo isso numa sucessão rápida. Essas pobres cabeças, por mais
firmes que fossem, curvaram, como curvariam os ombros de um Hércules do mercado se
decidisse carregar dez sacos de trigo em vez de um. Eis o segundo resultado.” Jacques
Fabien, Paris en Some, Paris, 1863, pp. 96-98.
[T 3, 1]
Julien Lemer, Paris au Gaz, Paris, 1861: “Abro a cortina ao sol; ele está devidamente
deitado; não falemos mais dele; não vejo mais, doravante, outra luz que não seja a do gás.”
(p. 10). O volume contém três novelas, além de vinhetas parisienses, a primeira das quais
dá o título à obra.
[T 3, 2]
Na Place de 1’Hôtel de Ville 5 havia - por volta de 1848 - um Café du Gaz.
[T 3, 3]
Os infortúnios de Aimé Argand. Seus constantes aperfeiçoamentos da velha lâmpada a
óleo, com a introdução da dupla corrente de ar, do pavio em formato de tubo, do cilindro
de vidro etc., foram disputados primeiramente por Lange, que fora seu sócio, na Inglaterra,
depois roubados por Quinquet, de Paris, que deu seu próprio nome à invenção. Assim,
Ar gan d acabou na miséria: “A misantropia que tomou conta dele após a perda da patente
levou-o a procurar nas ciências ocultas uma espécie de compensação... ‘Era visro, durante
os últimos anos de sua vida, errando pelos cemitérios para recolher ossos e pó dos túmulos,
que ele depois submetia a processos químicos, procurando assim, na morte, o segredo para
prolongar a vida’.” Ele mesmo morreu jovem. A. Drohojowska, Les Grandes Industries de la
France: LEclairage, Paris, 1881, p. 127.
[T 3a, 1]
5 O Hôtel de Ville (a Prefeitura) era, em 1848, o lugar de encontro de líderes republicanos radicais; em fns
de fevereiro, logo após a abdicação de Luís Filipe, membros da Câmara dos Deputados encontraram-
se ali com esses lideres e, sob forte pressão da multidão, proclamaram a república provisória. (BM)
T
[Tipos de iluminação]
611
-mos, inventor das lâmpadas operadas por um mecanismo de relógio. São lâmpadas em
.iniur i preciso dar corda. Elas contêm um mecanismo que bombeia o óleo para o pardo, a
ipiiiarrr ce um recipiente colocado embaixo. O progresso em relação ao recipiente localizado
.iiDima io pardo, sobre o qual recaem os pingos de óleo, consiste no fato de que o mecanismo
aiiiiinoma a sombra produzida pelo recipiente. A descoberta data de 1800. Sua insígnia-
HrG- Carcel, inventor das lycnommes, ou lâmpadas mecânicas, fabrica as ditas lâmpadas."
FT 3i, 2]
tororó químico é uma das mais abomináveis invenções que a civilização já produziu...
a ele, cada um de nós carrega o incêndio no bolso... Eu ... detesto esse flagelo
sate, sempre pronto para provocar uma explosão, sempre pronto para qu eimar a
linuamBnidade em fogo brando e em detalhe. Se acompanharmos o Sr. Alphonse Karr em
* amada contra o tabaco, é preciso também levantar o estandarte contra o fósforo
jj ^jiMOO ... Se não tivéssemos nos nossos bolsos a ocasião que faz o fumante. fumaríamos
«mos. H. de Péne, Paris Intime, Paris, 1859, pp. 119-120.
[T 3a, 3]
Segundo Lurine - “Les boulevarts”, in: Paris Chez Soi, Paris, 1854 - a primeira iluminação
a gás, em 1817, na Passage des Panoramas.
[T 3a, 4 ]
Por ocasião da instalação definitiva de lampiões nas mas parisienses (em março de 1667):
Não conheço senão o abade Terrasson, entre os homens de letras, que tenha maldito os
lampiões... A ouvi-lo, a decadência das letras começava com a instalação dos lampiões:
Antes desta época’, dizia ele, cada um, com medo de ser assassinado, entrava cedo em casa,
c que resultava em proveito para o trabalho. Agora, fica-se fora à noite e nao se trabalha
inais. Eis aí certamente uma verdade que a invenção do gás está longe de transformar em
mentira.” Edouard Fournier, Les Lanternes: Histoire de lAncien Édairage de Paris, Paris,
1854, p. 25.
[T 3a, 5]
<fase tardia>
Na segunda metade dos anos sessenta do século XVIII, foram publicadas diversas brochuras
fiaâ tratavam dos novos candeeiros em forma poética. Os versos seguintes são do poema
“Les sultanes nocturnes et ambulantes contre Nosseigneurs les réverbères: A la pente vertü”
amantes noturnas e ambulantes contra Monsenhores os candeeiros: A pequena virtude]
1(1769):
“A pobre amante, em vez de amantes.
Só encontra candeeiros,
Nesta cidade brilhante,
Outrora tua segunda Cítera,
Tuas ninfas põem os pés na terra;
612 m Passagens
Terna mãe de volúpia.
Querem forçá-las hoje
A se encolherem num estojo,
Em outras palavras, num fiacre octogenário;
Que por B. e por F. as conduz
Aonde os fiacres não têm nada a fazer...
Misericórdia, quando a noite
Permite deixar a casa;
Pois a vida é tão necessária;
Não há esquina, nem um cruzamento,
Que o candeeiro não ilumine;
É um vidro ardente que trespassa
Todos os planos que fizemos de dia...”
Édouard Fournier: Les Lantemes: Histoire de 1’Ancien Éclairage de Paris , Paris, 1854, p. 5 (da
paginação especial usada para reproduzir o poema). [T 4 ij
Em 1799, um engenheiro instala a iluminação a gás em sua casa, introduzindo assim no
uso cotidiano o que até então só era conhecido como experiência no laboratório de física.
[T 4, 2]
“Dizem que é possível, às vezes, evitar esses reveses
Escolhendo o abrigo das passagens cobertas;
Sim, mas nesses corredores onde se exibe o ocioso,
Fumega em anéis azulados a folha de Havana,
Torna, por teus esforços, nossa existência mais doce.
Afaste nossos passos de toda rude agitação;
Para prevenir a tempo os vulcões destruidores
Dos salões de leitura e dos restaurantes,
Desde o início da noite, ordene que se explorem
Todos os lugares infectados pelo gás inodoro,
E que se dê o alarme com gritos de pavor,
Assim que se sinta infiltrar o inflamável vapor.”
Barthélemy, Paris: Revue Satirique à M. G. Delessert, Paris, 1838, p. 16.
“‘Que esplêndida invenção’ - exclama Gottffied Semper - ea iluminação a gás! Como ela
enriquece nossas festividades (sem contar sua enorme importância para as necessidades da
vida)!’ Este singular predomínio das finalidades festivas sobre as finalidades diárias, ou
melhor dizendo, noturnas - já que as noites das cidades tornam-se, graças à iluminação
geral, uma espécie de festa animada e permanente - revela claramente o caráter oriental
deste tipo de iluminação... O fato de que em Berlim, apesar dos vinte anos de existência de
T
1 1 ipos de iluminação]
613
de gás, funcionassem apenas 10.000 lâmpadas domésticas a gás no ano de
i ifoi explicado da seguinte maneira: ‘Naturalmente, as condições sociais gerais foram
'BB® gpnde parte responsáveis por isso; não havia ainda uma real necessidade de aumentar
ide durante as noites e madrugadas’.” Dolf Sternberger. Panorama, Hamburgo,
pp. 201-202 (as citações foram extraídas de Gottfried Semper, Wissenschaft, Industrie
TJSoia, Braunschweig, 1852, p. 12; Handbuch fiir Steinkohlengasbeleuchtung ed. org.
N. H. Schilling, Munique, 1879, p. 21).
[T 4a, 1]
“dto do ofuscamento do céu da cidade grande devido à iluminação artificial, uma
<áe Vladimir Odoiévski, “O sorriso do morto”: “Em vão ele esperou por um olhar
fosse lançado para ele.” Russische Gespenstergeschichten, Munique, 1921, p. 53.
Semelhante é o motivo de “Les aveugles”, de Baudelaire, que remete a “Des Vetters
Eckfenster” [A janela de esquina do primo]. 6 7 8
[T 4a, 2]
Luz a gás e eletricidade: “Alcancei os Champs-Elysées, onde os cafés-concertos pareciam
i de incêndio entre as folhagens. Os castanheiros iluminados pela luz amarela pareciam
ís, árvores fosforescentes. E os globos elétricos, semelhantes a luas resplandecentes e
a ovos de lua caídos do céu, pérolas monstruosas, vivas, faziam empalidecer, sob
i dandade nacarada, misteriosa e real, os filetes de gás, o gás vilão e sujo, e as guirlandas
de vidros coloridos.” Guy de Maupassant, Clair de Lune, Paris, 1909, p. 222 (“La nuit
cauchemar”).
[T 4a, 3]
Luz a gás em Maupassant: “Tudo estava claro no ar leve, desde os planetas até os bicos de
gás. Tantos fogos brilhavam lá no alto e na cidade que as trevas pareciam luminosas. As
noites resplandecentes são mais alegres que os grandes dias de sol.” Guy de Maupassant,
Clair de Lune, Paris, 1909, p. 221 (“La nuit cauchemar”).' Na última frase está a quintessência
da 1 noite italiana”.
[T 5, 1]
A caixeira sob a luz a gás como imagem viva, como alegoria da caixa registradora
[T 5, 2]
fbe na “Filosofia do mobiliário”: “O brilho é a principal heresia da filosofia americana do
mobiliário... Somos violentamente enlouquecidos pelo gás e pelo vidro. O gás, na casa, é
oompletamente inadmissível. Sua luz, vibrante e dura, é agressiva. Qualquer um que tenha
cérebro e olhos recusará fazer uso dele.” Charles Baudelaire, CEuvres Completes, ed. org. por
J. Crépet, Paris, 1937, p. 207 ( Histoires Grotesques et Sérieuses par Edgar Poe). s
[T 5, 3]
6 Sobre este conto de E. I A. Hoffmann, ver M 4a, 2, M 18a, 1, M 19, 1 e M 19, 3. (J.L.; w.b.)
7 Sobre este texto de Maupassant, cf. a carta de Adorno a Benjamin, de 2 ago. 1935, e as respostas de
Benjamin, de 23 fev. 1939 e 7 maio 1940 (W. Benjamin, Briefe II, 1978, pp. 682, 809 e 849-850).
(J-L.)
8 Edgar Allan Poe, The Complete Tales and Poems, Nova York, Modem Library, 1 938, p. 464. Neste texto,
Poe recomenda a lâmpada Argand. (E/M)
u
[Saint-Simon, Ferrovias]
“Uma característica de todo o período até 1830 é a lentidão da expansão das máquinas...
A mentalidade dos empreendedores ainda é conservadora do ponto de vista econômico,
se não fosse assim as taxas de importação sobre máquinas a vapor produzidas apenas
por poucas fábricas francesas não teriam tido um aumento de até 30% do valor.
A indústria francesa da Restauração era, portanto, ainda profundamente ligada ao
regime pré-revolucionário.” Willy Spühler, Der Saint-Simonismus: Lehre und Leben
von Saint-Amand Bazar d, Zurique, 1926, p. 12.
[U 1 , 1)
“Ao penoso desenvolvimento da grande indústria corresponde o lento processo de formação
do proletariado moderno... A proletarização propriamente dita ... das massas operárias
consuma-se apenas por volta do fim dos anos trinta e nos anos quarenta.” Spühler, Der
Saint-Simonismus, p. 13.
[U 1. 2]
“Durante todo o período da Restauração ... a Câmara pratica uma política comercial de
extremo protecionismo... A antiga teoria do balanço comercial estava novamente em pleno
vigor como na época do mercantilismo.” Spühler, Der Saint-Simonismus, Zurique, 1926,
pp. 10-11.
[U 1, 3]
“Foi só em 1841 que foi aprovada uma lei pequena e modesta relativa ao trabalho infantil;
interessante é a objeção do renomado físico Gay-Lussac, que viu na intervenção ‘um começo
de saint-simonismo ou de falansterismo’.” Spühler, Der Saint-Simonismus, p. 15.
[U 1, 4]
“Os pássaros de Afrodite voam nos céus de Paris até Amsterdam e carregam as cotações da
andisse [a bolsa paralela] sob suas asas; um telégrafo avisa de Paris a Bruxelas o aumento da
tenda em 3%; mensageiros galopam pelas estradas em cavalos resfolegantes; os enviados
dos verdadeiros reis negociam com os reis ideais, e Nathan Rothschild de Londres vos
mostrará, quando o visitardes, uma caixinha que chegou do Brasil com diamantes ainda
frescos, colhidos há pouco, para cobrir com eles os juros da dívida brasileira em curso. Não
é interessante?” Karl Gutzkow, Õffentliche Charaktere, parte I, Hamburgo, 1 835, p. 280
{“Rothschild”).
tu 1 , 5]
616 ■ Passagens
“A influência e o desenvolvimento do saint-simonismo até o fim do século XIX não têm
quase nenhum carater operatio. O saint-simonismo fornece um ímpeto e um ideal ao
espírito da grande indústria e à execução dos grandes trabalhos. Os saint-simonianos Pereire
dirigem as empresas ferroviárias, bancárias e imobiliárias da Monarquia de Julho e do
Segundo Império. O canal de Suez, para o qual Enfantin e Lambert-Bey foram estudar os
planos e organizar a idéia, no momento em que Ferdinand de Lesseps era cônsul no Cairo,
permaneceu como típica empresa planetária saint-simoniana. Poderíamos, sem dúvida,
opor a empresa da alta-burguesia do saint-simonismo, que é de produção e de ação, à
empresa pequeno-burguesa do fàlanstério fourierista, que é de consumo e de prazer.” Albert
Thibaudet, Les Idees Politiques de la France, Paris, 1932, pp. 61-62. ■ Sociedades secretas ■
[U 1, 6]
“Girardin ... fundou La Presse em 1836, inventou o jornal a preço baixo e o romance de
folhetim.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, Paris, 1926, p. 391.
[U 1,7]
“Há alguns anos aconteceu uma completa revolução nos cafés de Paris. O charuto e o
cachimbo invadiram tudo. Outrora só se fumava em certos estabelecimentos especiais,
chamados estaminets [botequins], e freqüentados por pessoas de classe baixa; hoje, fuma-se
em quase toda parte... Há uma coisa que não podemos perdoar aos príncipes da casa de
Orléans: haver aumentado tão prodigiosamente a moda do tabaco, esta planta fétida,
nauseante, que envenena ao mesmo tempo o corpo e a inteligência; todos os filhos de T nk
Filipe fumavam como chaminés, ninguém incentivou tanto quanto eles o consumo rles<a-
produto imundo. Isso, sem dúvida, aumentava o tesouro público, mas às custas da
salubridade pública e da inteligência humana. ” Histoire des Cafés de Paris Extraite des MémoirB,
dun Viveur, Paris, 1857, pp. 91-92.
[U la. 1 j
“O simbolismo, tão profundamente enraizado ... e que não se encontra apenas nos ritos
litúrgicos. Não vimos, no último século, os discípulos de Enfantin vestidos com um colete
que era abotoado nas costas, a fim de chamar a atenção para a assistência fraternal que o
homem deve ao homem?” Robert Jacquin, Notions sur le Langage dAprés les Travaux a-»
P. Marcei Jousse, Paris, 1929, p. 22.
[Ula.2*
“Em 1 807, havia em Paris noventa mil e quatrocentos operários que exerciam cento e vinte
e seis ofícios. Eram submetidos a uma vigilância rigorosa, as associações eram proibidas, as
agências de emprego controladas, as horas de trabalho regulamentadas. Os salários iam ce
2 francos e 50 a 4 francos e 20, o que dá uma média de 3 francos e 35. O operário fazia um
bom desjejum, tinha um almoço leve e ceava à noite.” Lucien Dubech e Pierre D 'Esp era
Histoire de Paris, Paris, 1926, p. 335.
tUla.®
Em 27 de agosto de 1817 o barco a vapor Le Génie du Commerce, inventado pelo marquês
de Jouffroy, navegou sobre o Sena, entre a Pont-Royal e a Pont Louis XVI.” Dubech -
D’Espezel, Histoire de Paris, p. 359.
[U la. ^
u
[Sant-Simon, Ferrovias} 61 7
Os ateliers nationaux [oficinas nacionais] “foram criados conforme a proposta de um
moderado, Marie, porque a Revolução havia garantido a existência do operário pelo trabalho
e era preciso dar uma satisfação aos extremistas... As oficinas eram organizadas de maneira
democrática e militar, em brigadas, com chefes eleitos.” Dubech e D’Espezel, op. cit.,
pp. 398-399.
[U la, 5]
Os saint-simonianos. “Na magnífica desordem de idéias que acompanhou o romantismo,
eles cresceram o bastante para abandonar, em 1830, seu celeiro na Rue Taranne, e vir
instalar-se na Rue Taitbout. Ali proferiam conferências diante de um auditório onde os
jovens se vestiam de azul e as damas de branco, com echarpes de cor violeta. Eles haviam
comprado o jornal Le Globe e nele preconizavam um programa de reformas... O Governo,
... sob o pretexto de uma prédica sobre a emancipação da mulher, perseguiu os saint-
simonianos. Eles se apresentaram à audiência em roupas de gala, com acompanhamento
de trombeta de caça. Enfantin trazia escritas em grandes letras sobre seu peito estas duas
palavras: ‘o Pai’, e declarou friamente ao Presidente que ele era, com efeito, o pai da
humanidade. Em seguida, procurou hipnotizar os magistrados, olhando fixamente em
seus olhos. Recebeu um ano de prisão, o que pôs fim a essas loucuras.” Dubech e D’Espezel,
Histoire de Paris , Paris, pp. 392-393. ■ Haussmann ■ Sociedades secretas ■
[U la, 6]
“Girardin publicou ... uma brochura com o título: ‘Por que uma Constituição?’ Ele queria
que a constituição francesa inteira fosse substituída por uma simples declaração de dez
linhas, que seria gravada na moeda de cinco francos.” S. Englãnder, Geschichte der franzosischen
Arbeiter-Associationen, Hamburgo, 1864, vol. IV, pp. 133-134.
[U la, 7]
“No tempo da Revolução começa a aparecer em Paris um elemento novo: a grande indústria.
É uma conseqüência do desaparecimento das corporações, do regime de liberdade sem
controle que se seguiu, e das guerras contra a Inglaterra, que obrigavam a fabricação de
objetos que outrora eram adquiridos por importação. Ao fim do Império a evolução estava
completa. Desde o período revolucionário, vêem-se estabelecer fabricas de salitre, de fuzis,
de tecidos de algodão e de lã, de conservas de carne, de pequenas ferramentas. Desenvolvem-se
os teares mecânicos de linho e algodão, incentivados por Calonne desde 1785, as fábricas
de bronze fundadas sob Luís XVI e as indústrias de produtos químicos e de matérias
colorantes, instaladas em Javel pelo conde dArtois. Didot-Saint-Léger explora, na Rue
Sainte-Anne, a nova máquina de fabricar papel. Em 1799, Philippe Lebon patenteia
um procedimento de fabricação de gás de iluminação. De 22 a 30 de setembro de 1798,
teve lugar, no Champ-de-Mars, a primeira ‘exposição pública dos produtos das
manufaturas e da indústria francesas’.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, Paris, 1926,
p. 324. ■ Exposições ■
[U 2, 1]
Sobre os saint-simonianos: “Escola constituída por um verdadeiro corpo de engenheiros e
empresários industriais, grandes homens de negócios, apoiados pelo poder dos bancos.”
A. Pinloche, Fourier et le Socialisme , Paris, 1933, p. 47.
[U 2, 2]
618 ■ Passagens
“Embora as associações de operários fossem todas dirigidas de forma exemplar, eficaz e
honesta, ... a burguesia ainda assim posicionava-se contra elas de maneira unânime. A maioria
dos cidadãos sentia uma certa apreensão ao passar por uma das casas que exibiam a placa e
o emblema de uma associação de operários. Embora tais lojas se diferenciassem das outras
apenas pela inscrição ‘Associação fraternal de operários: Liberdade, Igualdade, Fraternidade ,
elas davam ao pequeno-burguês a impressão de serem serpentes à espreita, prontas para de
repente dar o bote em uma manhã qualquer. Bastava ao pequeno-burguês pensar na
Revolução de Fevereiro, que deu origem a essas associações... As associações de operários,
por sua vez, esforçavam-se de todas as maneiras para ganhar as graças da burguesia, e
esperavam contar com seu apoio. Por esta razão, muitas delas decoraram suas lojas da forma
mais esplêndida, para assim atrair muitos compradores. São incríveis as privações que os
operários impuseram a si mesmos, a fim de poder fazer face à concorrência. Enquanto a loja
aberta ao público apresentava uma decoração riquíssima, os operários se sentavam no chão
da oficina, onde muitas vezes não havia nenhum equipamento.” Sigmund Englánder,
Geschichte der franzosischen Arbeiter-Associationen, Hamburgo, 1864, vol. III, pp. 106-108.
■ Sociedades secretas ■
[U 2, 3]
Influência do folhetim em seus primórdios. “Há jornais de um sou e jornais de dez centimes .’
Um comerciante vê passar um grande burguês, que depois de haver lido cuidadosamente
seu Constitutionnel, ... dobra-o negligentemente e o coloca no bolso. Ele aborda esse valente
leitor e lhe apresenta o Le Peuple, ou La Révolution , que não valem mais que um sou ,
dizendo: - ‘Senhor, se quiser, eu lhe dou o Le Peuple, do cidadão Proudhon, e seu suplemento,
com o folhetim do célebre Ménars-Senneville, em troca do que o senhor já leu.’ O burguês
deixa-se convencer, pois o que se pode fazer com um Constitutionnel já lido? Ele dá seu
jornal e pega o outro, atraído pelo nome todo-podcroso de Ménars-Senneville. Muitas
vezes ele se esquece, em meio à alegria de desembaraçar-se daquilo que tanto o entediou, e
dá, ainda por cima, um sou a mais.” A. Privat DAnglemont, Paris Inconnu, Paris, 1861,
pp. 155-156.
[U 2a, 1]
O famoso princípio de Villemessant: “Um fato bem comum, mas que se passa nos boulevards
ou em seus arredores, tem muito mais importância do ponto de vista do jornalismo que
um acontecimento considerável na América ou na Ásia.” Jean Morienval, Les Créateurs de la
Grande Presse en France , Paris, 1934, p. 132.
[U 2a, 2]
“ LAutographe era dirigido por Bourdin, porque Villemessant, como Napoleão, gostava de
oferecer reinos. Esse homem curioso, de espírito muito independente, raramente agia
sozinho. Ele ‘colaborava’.” Jean Morienval, Les Créateurs de la Grande Presse en France ,
Paris, p. 142.
[U 2a, 3]
Poesia do saint-simonismo: “No prefácio do primeiro volume de Le Producteur, A. Cerclet
lança um apelo veemente aos artistas... Buchez, que mais tarde chegou à liderança do
1 Temos aqui lado a lado os dois sistemas de moeda da França. No Antigo Regime, a unidade era a libra,
subdividida em 20 sous; a partir de 1795 foi instituído como moeda oficial da República o franco,
dividido em 100 centimes. Na contagem popular, os dois termos, sou e centime, coexistiram até por
volta de 1950. Um sou, ou seja, a vigésima parte de um franco, equivale a cinco centimes. (w.b.)
u
[Saint-Simon, Ferrovias]
619
movimento cooperativo, dirige-se ao mundo artísdco da mesma forma... É Buchez quem
cunha a fórmula segundo a qual o Classicismo e o Romantismo dividem entre si o mundo
com que se ocupam os saint-simonianos, assim como o legitimismo e o liberalismo dividem
entre si o mundo político... No ano de 1825, erigiu-se um monumento ao construtor do
C anal de Languedoc, Pierre Riquet. Para esta ocasião, Soumet compôs um hino empolgante...
O cronista literário do Producteur, Léon Halévy, irmão do famoso compositor, saudou estes
versos de maneira entusiástica e os qualificou de ‘poesia industrial’... Soumet, entretanto,
correspondeu apenas parcialmente às esperanças que os saint-simonianos nele depositaram.
Se, mais tarde, em sua Divine Epopée, ainda ecoam os golpes de martelo e o ruído das
engrenagens do trabalho industrial, é justamente nesta obra máxima do poeta que se
expressa a tendência a abstrações metafísicas... Aliás, o próprio Halévy era poeta... Em
1828, Halévy publica suas Poésies Européennes..., e em 1831 surge uma ode de sua autoria
a Saint-Simon, que falecera em 1825.” H. Thurow, “Aus den Anfângen der sozialistischen
Belletristik”, Die Neue Zeit, XXI, Stuttgart, 1903, n° 2, pp. 217-219.
[U 2a, 4]
Sobre uma resenha de Sainte-Beuve na Revue des Deux Mondes, de 15 de fevereiro de 1 833:
“Os versos que Sainte-Beuve comentou eram o espólio poético de um poeta que morreu
muito jovem, de nome Bruheille... Além disso, Sainte-Beuve nos apresenta na mesma
resenha um romance com o título significativo La Saint-Simonienne, que demonstra o
triunfo do pensamento saint-simoniano... O fato de a autora, uma certa Madame Le
Bassu, enfocar este triunfo de maneira um tanto improvável, ou seja, através da transfusão
de sangue das veias de um jovem infectado pela doutrina saint-simon iana para as veias de
sua amante, de rigorosa educação cristã, pode talvez ser considerado essencialmente um
artifício, mas ele enfatiza ao mesmo tempo o lado místico do saint-simonismo. O elemento
místico fortalecera-se pouco antes, durante a permanência da ‘família em seu último refúgio,
na Rue Ménilmontant. Este episódio final do movimento deu ensejo também a uma
Steratura correspondente: poemas, cantos, exercícios espirituais em verso e prosa, cujo
simbolismo enigmático só podia ser compreendido pelos poucos iniciados... O saint-
jãmonismo, empurrado para fora de seu curso pela força do desenvolvimento político e
social, encalhou na metafísica. H. Thurow, “Aus den Anfângen der sozialistischen
Bdletrisrik”, Die Neue Zeit, XXI, Stuttgart, 1903, n° 2, pp. 219-220.
[U3, 1]
Socialismo utópico. “A classe capitalista ... considerava seus adeptos como meros excêntricos
ou fanáticos inofensivos... Estes adeptos, aliás, fizeram tudo o que era humanamente possível
para parecerem ... como tais. Assim, vestiam roupas de corte especial (por exemplo, os
saint-simonianos abotoavam seus hábitos nas costas, para que ao vesti-los fossem obrigados
a pedir ajuda a um companheiro, sendo lembrados, dessa maneira, da necessidade da
), usavam chapéus excepcionalmente grandes, barbas muito longas etc.” Paul Lafârgue,
ipf in Frankreich”, Die Neue Zeit, XII, n° 2, p. 618.
[U 3, 2]
r
a Revolução de julho, os saint-simonianos apropriaram-se até mesmo do órgão de
lota dos românticos, o jornal Le Globe. Pierre Leroux tornou-se o editor.” Franz Diederich,
“Vktor Hugo”, Die Neue Zeit, XX, Stuttgart, 1901, n° 1, p. 651.
[U 3, 3]
620 ■ Passagens
Extraído de uma resenha sobre o número de novembro de 1911 da revista Der Kampfi da
social-democracia austríaca; “Por ocasião do sesquicentenário de Saint-Simon, ... Max Adler
escreveu: ... ‘Ele foi considerado socialista quando esta palavra ainda significava algo
totalmente diferente do que significa hoje... Na luta de classes ele viu apenas a oposição do
industrialismo ao antigo regime; considerava a burguesia e os operários como uma classe
industrial única, exigindo dos membros mais ricos que se preocupassem com o destino dos
membros pobres. Fourier tinha uma visão mais clara da necessidade de uma forma nova de
sociedade.’” Die Neue Zeit, XXIX, 1911, n° 1, pp. 383-384 (“Zeitschriftenschau” [Resenha
de periódicos]).
[U 3, 4]
Engels sobre Das Wesen des Christentums [A Essência do Cristianismo] , de Feuerbach: “Mesmo
as falhas do livro contribuíram para seu efeito imediato. O estilo beletrista, por vezes até
empolado, garantiu um público maior, e em todo caso foi um conforto após longos anos de
hegelianismo abstrato e abstruso. O mesmo vale para o endeusamento excessivo do amor,
que encontrou uma desculpa diante da já insuportável soberania do pensamento puro’.
Mas o que não deve ser esquecido é que precisamente estas duas fraquezas de Feuerbach
foram tomadas como ponto de partida pelo verdadeiro socialismo’, que se alastrou desde
1844 na Alemanha culta como uma peste, substituindo o conhecimento científico pela
retórica literária, e a emancipação do proletariado através da transformação econômica da
produção pela libertação da humanidade por meio do ‘amor’. Em suma, ele naufragou na
beletrística repugnante e no pdthos sentimental, cujo representante típico foi o Sr. Karl
Grün.” Friedrich Engels, “Ludwig Feuerbach und der Ausgang der klassischen deutschen
Philosophie”, Die Neue Zeit, IV, Stuttgart, 1886, p. 150. [Resenha de C. N. Starcke,
Ludwig Feuerbach, Stuttgart, 1885.]
[U 3a. 1]
“As estradas de ferro ... exigiram, ao lado de outras coisas impossíveis, uma transformação
do modo de propriedade... De fato, até então, um indivíduo burguês conduzia uma indústria
ou um comércio apenas com seu dinheiro, ou, no máximo, com o dinheiro de mais um ou
dois amigos ou conhecidos... Ele administrava o dinheiro e era o efetivo proprietário da
fábrica ou do estabelecimento comercial. As estradas de ferro, no entanto, exigiram capitais
tão gigantescos que não era possível encontrá-los concentrados nas mãos de algumas poucas
pessoas. Assim, um grande número de burgueses teve que confiar seu precioso dinheiro,
que nunca perdiam de vista, a pessoas que mal conheciam de nome... Uma vez que o
dinheiro era aplicado, eles perdiam qualquer controle sobre sua utilização, e nem sequer
tinham direito de propriedade sobre as estações ferroviárias, vagões, locomotivas etc. ...
Tinham direito apenas sobre os proventos; em vez de um objeto, ... era-lhes entregue ...
um mero pedaço de papel, que representava a ficção de uma parte infinitamente pequena
e inacessível da propriedade efetiva, cujo nome vinha escrito embaixo em letras graúdas...
Esta forma ... representava uma contradição tão violenta àquela familiar aos burgueses ...
que em sua defesa se encontravam apenas pessoas ... suspeitas de querer derrubar a ordem
social, ou seja, os socialistas: primeiro Fourier, e depois Saint-Simon, recomendaram a
mobilização da propriedade na forma de ações em papel.” Paul Lafargue, “Marx’ historischer
Materialismus”, Die Neue Zeit, XXII, Stuttgart, 1904, n° 1, p. 831.
[U 3a, 21
u
[Saint-Simon, Ferrovias]
621
“Há uma revolta por dia. Nessas ocasiões, os estudantes, filhos de burgueses, unem-se
fraternalmente aos operários, e estes crêem que chegou a hora. Conta-se também,
seriamente, com os alunos da École Polytechnique.” Nadar, Quand J’étais Photographe,
Paris, 1900, p. 287.
“A primeira idéia da criação de bolsas de trabalho ... não deve ser procurada nos círculos
proletários, nem tampouco em círculos democráticos. Para o Sr. de Molinari, redator-chefe
do periódico Journal des Économistes, ela surgiu em 1842. Ele mesmo desenvolveu esta
idéia em um trabalho intitulado ‘Eavenir des chemins de fer’ [O futuro das estradas de
ferro] . Para provar o quanto os tempos haviam mudado, referiu-se apenas a Adam Smith,
que sustentava mais ou menos que a mercadoria ‘trabalho’ seria a mais difícil de ser
transportada. Ele constatou, ao contrário, que a força de trabalho havia se tornado móvel;
que a Europa, o mundo inteiro, abre-se a ela como um mercado... O ponto central do
raciocínio desenvolvido por Molinari, em seu artigo Tavenir des chemins de fer’ a favor de
agências destinadas a servir como bolsas de trabalho, foi o seguinte; a principal causa do
baixo valor dos salários é a freqüente desproporção entre o número de operários e a demanda
de trabalho; além disso, contribui para o problema a aglomeração excessiva da população
operária em certos centros de produção... Dai aos operários os meios de mudar seu domicílio
... com baixos custos, dai-lhes também a possibilidade de saber onde encontrar trabalho
em condições mais vantajosas... Se os operários se locomoverem de forma rápida e sobretudo
barata, surgirão logo bolsas de trabalho.” — Sobre a proposta de criar um boletim do
trabalho: “Com esta proposta, publicada no Coumer Français, editado por Xavier Durrieu,
dirigimo-nos diretamente aos operários... ‘Queremos com isto prestar um serviço aos
operários, publicando em nossas colunas, ao lado de um boletim da bolsa, um boletim do
trabalho... Para que serve o boletim da bolsa? O boletim mostra, como se sabe, a cotação
dos papéis do Estado e das ações ... nos diversos mercados do mundo... Sem a existência do
boletim, os capitalistas muitas vezes não saberiam onde aplicar seu dinheiro; sem ele, se
encontrariam na mesma situação dos trabalhadores, que não sabem ... a quem se dirigir
para encontrar trabalho... O operário é um vendedor de trabalho e, como tal, tem todo o
interesse em conhecer os mercados consumidores que existem para sua mercadoria’.” Louis
Héritier, “Die Arbeitsbõrsen”, Die Neue Zeit, Stuttgart, 1896, pp. 645-647.
[U 4, 1]
Uma diferença notável entre Saint-Simon e Marx. O primeiro amplia do modo mais
abrangente possível o número dos explorados, incluindo entre eles até os empresários, uma
vez que estes pagam juros a seus credores. Marx, ao contrário, inclui na burguesia todos
aqueles que de alguma forma são exploradores, ainda que estes também sejam vítimas de
exploração.
[U4,2]
É significativo que a diferença entre o capital financeiro e o capital industrial não seja
familiar para os teóricos do saint-simonismo. Todas as antinomias sociais dissolvem-se no
conto de fadas que o progresso projeta para o futuro próximo.
“Entremos em algumas das grandes cidades manufatureiras da França... Nunca, talvez,
um exército vencido e em retirada apresentou um espetáculo mais lamentável que o exército
622 ■ Passagens
industrial triunfante. Vejam os operários de Lille, de Reims, de Mulhouse, de Manchester
e de Liverpool, e digam se eles parecem vencedores!” Eugène Buret, De la Misère des Classes
Laborieuses en Angleterre et en France , Paris, 1 840, vol. I, p. 67.
[U 4a, 2]
Sobre o papel político da intelectualidade. Importante a “Carta ao Sr. Lamartine”, de
Émile Barrault, redator do Tocsin des Travaillleurs. [“Die socialistischen und communistischen
Bewegungen seit der dritten franzõsischen Revolution”, apêndice de <Lorenz von> Stein,
Socialismos und Communismus des heutigen Frankreichs, Leipzig-Viena, 1848, p. 240.]
[U 4a, 3]
Verificar: se na época pré-imperialista uma parte relativamente maior do ganho de capital
não foi utilizada no consumo e uma parte relativamente menor em novos investimentos.
[U 4a, 4]
1860: “Napoleão concluía com o governo inglês um tratado de comércio ... em virtude do
qual os direitos de alfândega entre os dois países eram consideravelmente diminuídos: na
Inglaterra, para os produtos agrícolas franceses, e na França, para os produtos manufaturados
ingleses. Esse tratado era muito favorável ao público em geral... Em compensação, para
resistir à concorrência inglesa, os industriais franceses foram obrigados a diminuir seus
preços de venda: daí ... sua entrada na oposição. A fim de contrabalançar a oposição dos ...
industriais, Napoleão pensou ser útil procurar o apoio dos liberais: daí a transformação do
regime e o Império liberal.” A. Malet e P. Grillet, XlX r Siècle, Paris, 1919, p. 275.
(Relaxamento do controle da imprensa, a fim de permitir a publicação dos debates da
Câmara nos jornais.)
tu 4 a, 5]
Agrupamento da imprensa sob a Restauração. Os ultras <?>: La Gazette de France, La
Quotidienne, Le Drapeau Blanc, Le Journal des Débats (até 1824); os independentes: Le
Globe, Le Minerve ... e a partir de 1830, no último ano da Restauração, Le National, Le
Temps-, os constitucionais: Le Constitutionnel, Le Courrier Français e a partir de 1824,
Le Journal des Débats.
(U 4a, 6]
Devido à raridade dos jornais, eles eram lidos por várias pessoas nos cafés. De outra forma,
só era possível consegui-los através de assinatura, o que custava em tomo de 80 francos por
ano. Em 1824, os 12 jornais de maior circulação tinham, juntos, cerca de 56.000 assinantes.
Aliás, tanto os liberais quanto os monarquistas tinham interesse em manter as camadas
inferiores longe dos jornais.
[U 4a, 71
A “lei de justiça e de amor”, recusada pela Câmara dos Pares. “Um detalhe é suficiente para
mostrar o espírito do projeto: toda folha impressa, ainda que fosse um simples cartão de
participação, teria de pagar a taxa de um franco por exemplar.” A. Malet e P. Grillet, XIX
Siècle, Paris, 1919, p. 56.
[U 5. 1]
“Saint-Simon se debruça mais demoradamente sobre a história dos séculos XV a XVTII, e
dá às classes deste período uma caracterização mais concreta, especificamente econômica.
u
ISaint-Simon, Ferrovias]
623
Por isso, esta parte do sistema de Saint-Simon é de extrema importância para o
desenvolvimento da teoria da luta de classes, e exerceu a maior influência sobre seu
desenvolvimento posterior... Uma vez que Saint-Simon, ao tratar de épocas posteriores,
enfatiza o elemento econômico em sua caracterização das classes e das causas de sua ascensão
c queda, ele deveria, conseqüentemente, ter procurado na atividade econômica também as
verdadeiras raízes das classes sociais. Se tivesse feito isto, teria chegado inevitavelmente à
concepção materialista da história. Saint-Simon, porém, não deu este passo, sua concepção
geral permanece idealista... O segundo ponto que causa espanto na teoria de ciasses de
Saint-Simon, devido à sua discrepância com as reais relações sociais da época, é a representação
da classe dos industriais como uma classe homogênea... As diferenças manifestamente
essenciais que existem entre proletários e empreendedores são para ele exteriores, e seu
antagonismo baseia-se em uma incompreensão recíproca. Na verdade, os interesses dos
«fcigentes das empresas industriais coincidiriam com os interesses das massas populares...
Esta afirmação totalmente infundada soluciona para Saint-Simon a real contradição social,
preserva a unidade da classe industrial e, assim, a perspectiva de uma construção pacífica
,áo novo sistema social.” V. Volgin, “Über die historische Stellung St.-Simons”, in: Marx-
Enaels-Archiv, ed. por D. Rjazanov, vol. I, Frankfurt a. M., 1928, pp. 97-99.
[U 5, 2 )
Samt-Simon: “[Segundo ele,] o sistema industrial é o que exige em grau menor a supervisão
dos homens, pois, em um sistema cujo objetivo direto é o bem-estar da maioria, não se
aeve desperdiçar energia com a manutenção do poder sobre a maioria, que não é mais uma
àrmiga da ordem vigente... ‘A função de manter a ordem pode então facilmente tornar-se
um encargo comum a todos os cidadãos seja para conter os perturbadores, seja para
ddiberar sobre as contestações.’ Em vez da dominação dos homens, o sistema estatal torna-
se um sistema de administração das coisas... E a tarefa principal deste poder administrativo,
anjos depositários serão os sábios, os artistas e os industriais, será a organização do cultivo
dc globo terrestre.” V Volgin, “Über die historische Stellung St.-Simons”, in: Marx-Engels-
Jkdrriv, ed. por D. Rjazanov, vol. I, Frankfurt a. M., pp. 104-105.
[U 5, 3]
Sobre a idéia da obra de arte total, segundo Saint-Simon, CEuvres Choisies, vol. III, pp.
353-360: “Saint-Simon fantasia a respeito do desenvolvimento de um culto através dos
«sforços comuns de profetas, poetas, músicos, escultores e arquitetos. Todas as artes devem
ser reunidas a fim de tornar o culto útil para a sociedade, e para, através dele, transformar
a humanidade no espírito da moral cristã.” V. Volgin, “Über die historische Stellung St.-
Smons”, in: Marx-Emels-Archiv, vol. I, Frankfurt a. M., p. 109.
* [U5a,1]
JL propósito da apresentação de Luís Filipe. — Saint-Simon ensina que o sistema industrial
mo contradiz o poder real. O rei será nesse sistema o primeiro industrial, assim como havia
«iií-l.-» antes o primeiro dos príncipes.” V. Volgin, “Über die historische Stellung St.-Simons ,
- Marx-Engels-Archiv, vol. I, Frankfurt a. M., p. 1 12.
[U 5a, 2]
Saint-Simon foi um precursor dos tecnocratas.
[U 5a, 3]
5 24 ■ Passagens
Duas passagens do jornal Le Globe (de 31 dc outubro e 25 de novembro de 1831) sobre a
revolta operária de Lyon: “nós, defensores de TODOS os trabalhadores, dos diretores de
indústria assim como dos operários mais humildes”, e sobre a classe dos operários: “£
doloroso para nós vê-la degradar-se por sua brutalidade. Nosso coração sangra diante do
espetáculo dessas misérias morais, diferentes das misérias físicas, mas tão terríveis quanto
elas... Nós gostaríamos de comunicar-lhe ... os sentimentos dc ordem, de paz e de conciliação
de que estamos imbuídos.” Na mesma passagem, umas palavras de aprovação destinadas
aos saint-simonianos de Lyon, que “conservaram a calma saint-simoniana”. Cit. em E.
Tarlé, “Der Lyoner Arbeiteraufstand”, in: Marx-Engels-Archiv, ed. por D. Rjazanov, vol. II,
Frankfurt a. M„ 1928, pp. 108, 109, 111.
[U 5a, 4]
Material importante sobre a história da estrada de ferro e, sobretudo, da locomotiva, em
Karl Kautsky, Die materialistische Geschichtsauffassung, vol. I, Berlim, 1927, pp. 645 et seq.
Demonstra-se a grande importância da mineração para as estradas de ferro, não apenas
porque as locomotivas foram utilizadas pela primeira vez nas minas, mas também porque
os trilhos de ferro provêm delas. Naquela ocasião, recorrcu-se ao emprego de trilhos (em
sua origem, certamente de madeira), que serviam para a circulação de vagonetes.
[U5a, 5]
Sobre a idéia do progresso em Saint-Simon (politeísmo, monoteísmo, conhecimento das
numerosas leis da natureza, conhecimento de uma lei natural única): “A gravitação deve
representar o papel da idéia absoluta universal e substituir a idéia de Deus.” CEuvres Choisies,
vol. II, p. 219, cit. em V. Volgin, “Uber die historische Stellung St.-Simons”, in: Marx-
Engels-Archiv, vol. I, Frankfurt a. M., p. 106.
[U 5a, 6]
“No sistema dos saint-simonianos, os bancos não cumprem apenas o papel de forças que
organizam a indústria. Eles são o único antídoto que o sistema vigente produziu contra a
anarquia que o abala, um elemento do sistema futuro ... que ignora o estimulante do
enriquecimento pessoal, uma instituição social.” V. Volgin, “Uber die historische Stellung
St.-Simons”, in: Marx-Engels-Archiv, ed. por D. Rjazanov, vol. I, Frankfurt a. M., p. 94.
[U 6, 1]
“A tarefa principal de um sistema industrial seria o estabelecimento de um ... plano de
trabalho para ser executado pela sociedade... Porém, ... seu ideal aproxima-se muito mais
do capitalismo de Estado que do socialismo. Em Saint-Simon não se fala de abolição da
propriedade privada, de expropriação. O Estado submete a atividade dos industriais ao
plano geral apenas em certa medida... Saint-Simon, ... durante toda sua carreira, [teve] a
inclinação para projetos em grande escala, começando com os planos para os canais do
Panamá e de Madrid, e culminando com os planos para a transformação do globo terrestre
em um paraíso.” V. Volgin, “Über die historische Stellung St.-Simons”, in: Marx-Engels-
Archiv, vol. I, Frankfurt a. M., pp. 101-102 e 116.
[U 6, 2]
“Os valores mobiliários foram ‘democratizados’, a fim de que todos pudessem participar
dos benefícios da associação moderna. Sob o nome de ‘associação’, celebrava-se agora o
acúmulo de capitais em sociedades de ações, das quais os grandes financistas dispõem
u
[Saint-Simon, Ferrovias]
625
soberanamente às custas dos acionários.” W. Lexis, Gewerkvereine und Untemehmerverbànde
in Frankreich, Leipzig, 1879, p. 143, cit. em D. Rjazanov, “Zur Geschichte der ersten
Internationale”, in: Marx-Engels-A rchiv, ed. por D. Rjazanov, Frankfurt a. M., p. 144.
tU 6, 3]
Emile Péreire, ex-saint-simoniano, foi o fundador do Crédit Mobilier. - Chevalier o
apresenta, em La Religion Saint-Simonienne, como “antigo aluno da École Polytechnique”.
[U 6, 4]
Sobre a história do jornal. Diferenciação segundo as classes sociais e a tiragem da literatura
que foi mobilizada contra as congregações, sob Charles X. “Voltaire, mais ou menos resumido,
é adaptado ao espírito e aos lazeres de todos os níveis sociais! Há o ‘Voltaire da grande
propriedade, o ‘Voltaire da média propriedade e o ‘Voltaire dos casebres’. Há também as
«dições do Tartuffe a três sons. Reedita-se... Holbach, ... Duprais <?>..., Volny. Afirma-se
que..., em sete anos, mais de 2.700.000 volumes foram colocados desse modo em circulação.”
Kerre de la Gorce, La Restauration, vol. II, Charles X, Paris, p. 58.
tU 6, 5]
tiva do Révélateur, que levará ao fim da burguesia e “dará graças ao pai de família
ter gerenciado pacificamente a herança do Senhor”. Trata-se provavelmente de uma
alusão a Enfantin. No começo desse texto, uma espécie de lamentação do proletariado, a
a brochura também remete no final: “Emancipador pacífico, ele percorreu o mundo
ribuindo a liberação ao proletário e à MULHER.” A lamentação: “Se você já veio a
oficinas, viu essas massas de ferro em brasa que retiramos dos fornos e que jogamos
os dentes de cilindros que giram mais depressa que o vento. Dali jorra um leite de
fiago. que escorre em bolhas, lançando gotas brilhantes pelo ar, e o ferro sai dos dentes do
«Bndro prodigiosamente mais fino. Na verdade, estamos comprimidos como essas massas
Je ferro. Se você já veio a nossas oficinas, viu enrolados numa roda esses cabos de mineração,
■' vão procurar blocos de pedra ou montanhas de carvão a mil e duzentos pés de
didade. A roda grita sobre seu eixo, o cabo se alonga sob sua enorme carga. Nós
os esticados como o cabo; mas nós não gritamos como a roda, porque somos tão
:tes quanto fortes. Grande Deus! o que fiz eu — diz o povo abismado de dor como o
i Davi d — , o que fiz eu para que meus filhos mais vigorosos se tornassem bucha de canhão
ias filhas mais belas se tornassem carne de prostituição?” Michel Chevalier, Religion
Simonienne: Le Bourgeois — Le Révélateur, Paris, 1830, pp. 3-4, 1.
[U 6a, 1]
ier em 1848. Ele fala dos quarenta anos em que o povo de Israel vagou pelo
o, antes de chegar à terra prometida. “Nós teremos, nós também, uma pausa a
antes de passar ao regime ... de ... prosperidade dos trabalhadores. Aceitemos esse
de espera... E se algumas pessoas procurarem excitar a cólera popular ... sob o
■morto de precipitar a chegada da melhoria..., afixemos estas palavras que Franklin, um
imftBxírio que se tornou um grande homem ... dizia a seus concidadãos: ‘Se alguém vos
PGhkt que podeis enriquecer de outro modo que não pelo trabalho e pela economia, não
is; é um envenenador.’” Franklin, Conseils pour Faire Fortune , Paris, 1848 (pp. I-II
cio de Michel Chevalier). 2
[U 6a, 2]
2 A passagem citada por Chevalier é um livre resumo das idéias de Benjamin Franklin sobre a indústria,
contidas no prefácio da edição de 1758 de Poor Richard Improved. Esse prefácio foi várias vezes
reimpresso (e revisto) sob títulos como The Way to Wealth. (E/M)
626 ■ Passagens
A imprensa sob Charles X: “Um dos personagens da corte, o Sr. Sosthène de la Rochefoucault,
... imagina um grande projeto, o de neutralizar os jornais da oposição comprando-os; mas
só se deixam comprar os que não têm nenhuma influência para vender.” Pierre de la Gorce,
La Restauration , vol. II, Charles X, Paris, p. 89-
Os discípulos de Fourier esperavam conversões em massa do público com a introdução de
um folhetim em La Phalange. Cf. Ferrari, “Des idees et de 1 ecole de Fourier”, Revue des
Deux Mondes, XIV, 1845, n° 3, p. 432. ^ ^
“Ó poetas! tendes olhos e não vedes! tendes orelhas e não escutais! Essas grandes coisas se
passam em vossa presença, e vós nos trazeis cantos de guerra!” [Segue-se uma caracterização
da inspiração belicista da Marseillaise .] “Este hino de sangue, estas imprecações atrozes,
testemunham não o perigo da pátria, mas a impotência da poesia liberal; poesia sem
inspiração fora da guerra, da luta ou da lamentação... Ó povo! canta, entretanto, canta a
Marseillaise, já que teus poetas permanecem mudos ou não sabem recitar senão uma pálida
cópia do hino de teus pais. Canta! a harmonia de teus acentos prolongará por algum
tempo ainda a alegria com que o triunfo encheu tua alma; os dias de felicidade são para ti
tão raros e tão curtos! Canta!... tua alegria é tão doce àqueles que simpatizam contigo! há
tanto tempo eles não ouviam sair de tua boca senão lamentações, gemidos e murmúrios!”
Religion SaintSimonienne: La Marseillaise. (Extrato de LOrganisateur, de 11 set. 1830)
[segundo o catálogo da Bibliothèque Nationale, o autor seria Michel Chevalier], pp. 3-4.
A idéia principal desta rapsódia é o confronto da branda Revolução de Julho com a revolução
sangrenta de 1789. Nesse sentido, a introdução: “Três dias de combate bastaram para
derrubar o trono da legitimidade e do direito divino... Os vencedores eram o povo que vive
de seus labores, a gentalha que enche as oficinas, o populacho que trabalha miseravelmente,
os proletários que não têm outra propriedade que seus braços: era essa raça tão desprezada
pelos dândis de salões e pelas pessoas de bem, porque ela sua sangue e água para ter seu
pão, e não vai nunca se pavonear nos balcões dos teatros. Quando forçaram a entrada nos
palácios..., eles perdoaram seus prisioneiros..., curaram os feridos... Depois disseram a si
mesmos: 'Oh! quem cantará nossos feitos, quem dirá nossa glória e nossas esperanças?’” La
Marseillaise, p. 1.
Extraído de uma réplica a uma resenha desfavorável da produção (poética) de Charles
Pradier na Revue de Paris: “Faz três anos que enfrentamos todos os dias a multidão, e pensais
talvez que acabamos nos acostumando... Pois bem! É um engano; cada vez que estamos
prontos a subir no pódio, hesitamos; procuramos transigir com nossa vontade; achamos
que o tempo está péssimo, que o transeunte e raro demais, a rua barulhenta demais, não
ousamos nos confessar que não ousamos... E agora, voce compreende ..., porque nos
exaltamos às vezes pensando em nossa obra; ... porque, vendo-nos assim entusiastas..., voce
pode, você e muitos outros, acreditar num orgulho impossível. Ch. Pradier, Reponse a
La Revue de Paris”, Le Bohême, Charles Pradier, redator-chefe, ano I, n° 8, 10 jun. 1855.
A passagem é bem característica da atitude tão honesta quanto hesitante do jornal, que
não foi além do primeiro ano. Já no primeiro número, distancia-se da boheme indulgente,
u
[Saint-Simon, Ferrovias)
627
moralmente emancipada, e recorda a seita hussita, de fé rigorosa, dos Frêres Bohemes, fundada
por Michel Bradacz, à qual quer proporcionar uma posteridade literária.
;u “a. 1]
Amostra do estilo do jornal Le Bohême: “O que sofre cruelmente nas mansardas é a
inteligência, é a arte, é a poesia, é a alma! ... - Porque a alma é uma carteira que não contém
senão notas de banco do paraíso, e os mercadores deste mundo pregariam essa moeda em
seu balcão como uma peça caída das mãos de um falso moedeiro.” Alexandre Guérin, “Les
mansardes”, Le Bohême , ano I, n° 7, 13 maio 1855).
[U 7a, 2]
Extrato de uma polêmica entre a camada inferior da intelectualidade e a camada dominante:
ós, príncipes do pensamento, brasonados da inteligência..., uma vez que nos renegastes,
abjuramos vossa paternidade, desdenhamos vossas coroas, recusamos vossos brasões; deixamos
os títulos pomposos que procurastes outrora para vossas obras; já não somos mais LÉlan,
LÉtoile ou Le Feu Follet [O ímpeto, A Estrela, O Fogo-fátuo], ... mas somos Le Cadet-
Roussel, Le Sans le Sou, Le Terre Promise, LEnfant Terrible, Le Paria Dramatique ou Le Bohême
O Tolo Soldado, O Sem Tostão, A Terra Prometida, A Criança Problema, O Pária
Dramático, O Boêmio], e protestamos assim ... contra vossa egoísta paternidade.” Charles
Pradier, “Pères et fils”, Le Bohême, ano I, n° 5, 29 abr. 1 855.
[U 7a, 3]
Le Bohême , em seu primeiro número, traz o subtítulo Journal Non Politique.
[U 8, 1]
'Tenham a gentileza de percorrer comigo as casas de jogos, as cremeries na vizinhança do
Panthéon ou da Escola de Medicina: vós ali encontrareis ... poetas animados unicamente
pela inveja e pelas paixões mais baixas, pretensos mártires da santa causa do progresso, que ...
fumam muitos cachimbos ... sem fazer nada... ; enquanto Piconel, cujos belos versos citastes,
Piconel, o desenhista de tecidos, que ganha 4 francos e meio por dia para alimentar oito
pessoas, está inscrito na instituição de caridade! ... Não tenho ... a pretensão paradoxal de
exaltar as bazófias do Sr. Dumas pai, ou de perdoar a indiferença de alguns de seus amigos
em relação aos jovens escritores; mas eu vos afirmo que os maiores inimigos dos deserdados
literários não são os escritores de renome, os monopolizadores do folhetim cotidiano, mas
os falsos deserdados que não fazem nada senão injuriar, beber, escandalizar as pessoas honestas,
e tudo isso do ponto de vista da arte.” Éric Isoard, “Les faux bohêmes”, Le Bohême, ano I,
n° 6, 6 maio 1855.
[U 8, 2]
É significativo que o Bohême, defensor dos direitos do proletariado literário - que simpatiza
em certa medida com o proletariado industrial -, condene a prática dos négriers [o uso de
escritores-escravos], em um artigo de Paul Saulnier, intitulado “Du roman en général et du
romancier moderne en particulier” (ano I, n° 5). Monsieur de Santis, como é chamado
aqui o romancista da moda, volta para casa depois de um dia ocioso. “Chegando em casa,
Monsieur de Santis se fecha ... e vai abrir uma pequena porta escondida atrás de sua
biblioteca. - Ele se acha então num gabinete bastante sujo e muito mal iluminado. Encontra-
se ali, com uma longa pena de ganso à mão, os cabelos eriçados, um homem de rosto ao
628 ■ Passagens
mesmo tempo sinistro e brando. - Oh! quanto a este, você fareja de longe que é um
romancista, embora seja apenas um antigo empregado do ministério que aprendeu a arte
de Balzac no folhetim do ConstitutionneL É o verdadeiro autor de Chambre des Crânesl É o
romancista!”
“Em 1852, os irmãos Péreire, dois judeus portugueses, fundaram o primeiro grande banco
moderno, o Crédit Mobilier, do qual sc dizia que era o maior antro de jogos da Europa.
Especulava-se em tudo de modo selvagem: ferrovias, hotéis, colônias, canais, minas, teatros,
e após quinze anos declarou-se falência total.” Egon Friedell, Kulturgeschichte der Neuzeit,
vol. III, Munique, 1931, p. 187.
“ Bohème é uma palavra do vocabulário corrente de 1 840. Na linguagem de então, é sinônimo
de artista ou de estudante, de boa-vida, alegre, despreocupado com o amanhã, preguiçoso
e turbulento.” Gabriel Guillemot, Le Bohème , Paris, 1 868, pp. 7-8; cit. em Gisela Freund,
La Photogniphie au Point de Vue Sociologique, manuscrito, p. 60. ^ ^
“O romance de folhetim foi inaugurado na França pelo Siècle, em 1836. A influência
benéfica do roman-feuilleton sobre as receitas do jornal encontra sua demonstração no
contrato que assinavam Le Constitutionnel e La Presse, em 1845, com Alexandre Dumas...
Este recebia um pagamento anual de 63.000 francos durante 5 anos por uma produção
mínima de 18 fascículos por ano.” Lavisse, Histoire de la Monarchie de Juillet, vol. IV, Paris,
1892; cit. em Gisela Freund, sem indicação de página.
[U8a,3]
Uma formulação de Murger (cit. em Gisela Freund, p. 63): “A bohème é o período de
aprendizagem da vida artísdca: é o primeiro degrau para a Academia, o Hôtel-Dieu [hospital]
ou o Necrotério.”
[U 8a, 4]
Gisela Freund enfatiza (p. 64) o contraste entre a primeira geração da bohème - Gautier,
Nerval, Nanteuil -, que tinha por vezes uma sólida origem burguesa, e a segunda: “Murger
era filho de um porteiro-alfaiate. Champfleury era filho de um secretário da prefeitura de
Laon; Barbara, filho de um pequeno vendedor de partituras; Bouvin, filho de um guarda
florestal; Delvau, filho de um curtidor de peles do faubourg Saint-Marcel, e Courbet era
filho de um quase camponês.” - A esta segunda geração pertencia Nadar - filho de um
editor arruinado. (Mais tarde, ele foi durante muito tempo secretário de Lesseps.)
[U 8a, 5]
“O Sr. de Martignac legou ... um germe de morte aos jornais com sua lei de julho de 1828;
lei mais liberal, mas que, tornando ... as publicações cotidianas ou periódicas mais acessíveis
a todos, sobrecarregou-as com algumas obrigações pecuniárias... Para prover às novas despesas,
que faremos? perguntavam os jornais. — Pois bem! vocês colocarão anúncios, era a resposta...
As conseqüências dos anúncios foram rápidas e infinitas. Em vão quiseram separar no
jornal o que restava de consciencioso e livre daquilo que se tornava público e venal: o limite
... foi logo transposto. O reclame serviu de ponte. Quem iria condenar a dois dedos de
u
[Sarnt-Simon, Ferrovias] 629
estância — ° que se proclamava dois dedos abaixo como a maravilha da época? A atração
ias maiusculas cada vez maiores do anúncio arrebatou-o: foi uma montanha magnética
«fu£ desviou a bússola... Esse infeliz anúncio não teve uma influência menos feral para as
Imanas... O anúncio constitui ... uma duplicação de despesas... ; mil francos de anúncio
par uma obra nova; assim, a partir daí, os livreiros exigiram impiedosamente dos autores
■jftaÊs volumes em vez de um, e volumes in-oitavo em vez de um formato menor, porque isso
aãc custaria mais para anunciar... O anúncio ... exigiria uma história a parte: Swift, com
sauí tinta amarga, poderia escrevê-la.” Sobre a palavra réclame , a seguinte observação: ‘‘Para
ac aeks que o ignoram, dizemos que o reclame é a pequena nota deslocada para o fim, no
r do jornal, geralmente paga pelo livreiro, inserida no mesmo dia do anúncio ou no
£a seguinte, que dá em duas palavras um pequeno julgamento elogioso, que prepara e
pa o julgamento do artigo.” Sainte-Beuve, “De la littérature industrielle”, Revue des
Mondes, XIX, 1839, n° 4, pp. 682-683.
[U9, 1]
rer e mandar imprimir será cada vez menos um sinal de distinção. Com nossos
jes eleitorais e industriais, todo mundo, pelo menos uma vez na vida, terá tido sua
(BiJiicra. seu discurso, seu prospecto, seu brinde, será autor. Daí a fazer um folhetim não há
um passo... Em nossos dias, aliás, quem pode dizer que não escreve um pouco para
— Sainte-Beuve, “De la littérature industrielle”, Revue des Deux Mondes, XIX, 1839,
m." 1 p. 681.
[U 9, 2]
Bta 1860 e 1868 foram publicados em Marselha e em Paris os dois volumes de Revues
Arznmnes: Lesjoumaux, les Revues, les Livres, do barão Gaston de Flotte, que se propunham
m íílmnatt contra a leviandade e a falta de seriedade nas indicações históricas da imprensa,
“itomndo no folhetim. As correções referem-se aos fatos e às lendas da história cultural,
fanaca. e política.
[U 9, 3]
honorários de folhetinistas que chegavam a dois francos a linha. Vários autores escreviam
:;ilii]eE3H£iiual mente apenas diálogos, para tirar proveito das partes das linhas que ficavam em
UUK
[U 9a, 1]
|fi® ensaio intitulado “De la littérature industrielle”, Sainte-Beuve trata, entre outras
HpRUK, des primeiros passos da recém-fúndada Société des Gens de Lettres (inicialmente
"(militada contra as reproduções belgas não-autorizadas).
[U 9a, 2]
e, Senefelder havia pensado apenas em facilitar a reprodução de manuscritos e
iccio. z descrição do novo procedimento para esse fim em Vollstãndiges Lehrbuch der
Mcêrm [Manual completo de litografia], em 1818. Outros exploraram, em primeiro
ama idéia da própria técnica litográfica. Ela possibilitou uma rapidez de desenho
«ipsraleme à das palavras ... e abriu o caminho para um jornalismo com base no
^HpiikG Eeon Friedell, Kulturgeschichte der Neuzeit, vol. III, Munique, 1931, p. 95.
[U 9a, 3]
fâO ■ Passagens
Panorama da imprensa revolucionária de Paris no ano de 1 848: Curiosités revoLutionnaires:
Les jourmux rouges - Histoire critique de tous lesjoumaux ultra-républicaim, por um girondino.
Paris, 1848.
IU 9a. 41
“Só há um meio de erradicar o cólera: agir sobre as massas no aspecto moral. Qualquer
pessoa de situação moral satisfatória não tem nada a temer diante da calamidade... Existe
hoje uma forma de provocar nas massas uma excitação moral que as eleve... É preciso ...
medidas extraordinárias... É preciso um golpe de estado, um golpe de estado industrial...
Esse golpe de estado consistiria em mudar, por decreto , a lei de expropriação, de maneira
a ... reduzir a muito poucos dias as intermináveis demoras decorrentes da legislação
atual... Poder-se-ia começar, assim, em Paris, por exemplo, em trinta pontos, da Rue du
Louvre à Bastilha, o que sanearia o bairro mais sujo... Poder-se-ia ... começar as estradas
de ferro nas barreiras... A abertura dos trabalhos ... seria feita com pompa e seria celebrada
em festas públicas. Todos os corpos do Estado viriam com suas insígnias dar o exemplo.
O rei e sua família, os ministros, o conselho de estado, a corte de cassação, a corte real, o
que resta das duas câmaras, ali se apresentariam freqüentemente, manipulando a pá e a
enxada... Os regimentos viriam prestar seu serviço em uniforme de gala, com sua música...,
espetáculos seriam apresentados de quando em quando, e os melhores atores se sentiriam
honrados em comparecer. As mulheres mais brilhantes se misturariam aos trabalhadores
para encorajá-los. A população, assim exaltada e orgulhosa, estaria certamente invulnerável
ao cólera. A indústria seria impulsionada; o governo ... seria ... muito sólido. Michel
Chevalier, Religion Saint-Simonienne: Fin du Cboléra par un Coup d’État [panfleto, Paris,
18321. Os saint-simonianos querem distribuir remédios de graça.
[U 9a, 5]
<fase média>
“Aquele que trabalha na linha do trem intermunicipal tem uma tarefa penosa: ele parte de
Paris de manhã, às 7 horas, e chega a Strasbourg à meia-noite; são 17 horas de serviço,
durante as quais ele deve descer em todas as estações, sem exceção, para abrir as portas dos
vagões!... Ora, o empregado que é obrigado a descer em todas as estações e a patinar na neve
durante 5 ou 6 minutos, a cada meia hora, para abrir e fechar todas as portas, num frio de
12 graus e até menos, deve sofrer cruelmente.” A. Granveau, LOuvrier Devant k Société,
Paris, 1868, pp. 27-28 (“Les employés et le mouvement des chemins de fer” [Os empregados
e o movimento das estradas de ferro]).
[U 10, 1]
Uma singular apoteose do viajante - de certa forma um contraponto, no domínio da
banalidade pura, a “Le voyage”, de Baudelaire - encontra-se em Benjamin Gastineau, La
Vie en Chemin de Fer, Paris, 1861. O segundo capítulo do livro, à p. 65, intitula-se “O
viajante do século XIX”. Trata-se de uma apoteose do viajante, em que se entrelaçam, da
maneira mais estranha, os traços do judeu errante com os de um pioneiro do progresso.
Exemplos: “Ao longo de toda sua estrada, o viajante semeou as riquezas de seu coração e de
ü
631
anta imaginação, oferecendo a todos uma boa palavra, ... encorajando o trabalhador, tirando
ia rotina o ignorante ... e reerguendo o humilhado” (p. 78). “A mulher que procura o
amor divino, viajante! — O homem que procura a mulher fiel, viajante! — Os artistas atidos
de horizontes novos, viajantes! — Os loucos que tomam suas alucinações como realidade,
viajantes! — Caçadores de glória, trovadores do pensamento, viajantes! - A tida é uma
\iagem, e todo ser que sai do ventre da mulher para entrar no seio da terra é um viajante”
(pp. 79-81). “Humanidade, és tu o eterno viajante” (p. 84).
[U 10, 2]
Passagem de Benjamin Gastineau, La Vie en Chemin de Fer, Paris, 1861: “De repente a tela
desce brutalmente sobre o sol, sobre a beleza, sobre os mil quadros da natureza e da tida
que vosso pensamento e vosso coração gozaram de passagem; é a noite, é a morte, é o
cemitério, é o despotismo, é o túnel; quatro seres, entretanto, não saem dessas trevas, não
vêem jamais a asa branca da liberdade e da verdade!... Entretanto, ouvindo os gritos de
repulsa e de horror dos viajantes e das viajantes do trem ao entrar na abóbada sombria, suas
exclamações de alegria ao deixar o túnel ... quem ousaria afirmar que a criatura humana não
foi feita para a luz e para a liberdade?” (pp. 37-38).
[U 10, 3]
Passagem de Benjamin Gastineau, La Vie en Chemin de Fer, Paris, 1861: “Saudações a vós,
belas raças do futuro, rebentos da estrada de ferro!” (p. 112). “Ao vagão! ao vagão! o apito
retiniu agudo sob as abóbadas sonoras da estação” (p. 18). “Antes da criação das estradas de
ferro, a natureza não palpitava mais; era uma Bela Adormecida no bosque... ; até os céus
pareciam imutáveis. A estrada de ferro animou tudo... O céu tornou-se um infinito que
age, a natureza uma beleza em ação. O Cristo soltou-se de sua cruz, caminhou, e deixou
bem longe, para trás, na estrada, o velho Ahasverus.” (p. 50).
[U 10a, I]
“Michel Chevalier agradava aos alunos [da École Polytechnique] sobretudo quando
traçava as grandes épocas históricas, voltando com freqüência a Alexandre, César, Carlos
Magno, Napoleão, para marcar o lugar dos inventores e dos conquistadores-organizadores.”
G. Pinet, Histoire de 1’Ecole Polytechnique, Paris, 1887, p. 205-
[U 10a, 2]
“Os discípulos de Saint-Simon ... recrutados, em sua maioria, na École des Mines, isto
é, entre os melhores alunos da Ecole Polytechnique, ... provavelmente exerciam uma
influência considerável sobre seus jovens colegas... Entretanto, o saint-simonismo não
teve tempo de fazer muitos prosélitos na École Polytechnique. O cisma de 1831'’ foi um
golpe fatal - as loucuras de Ménilmontant, as roupas bizarras, as denominações ridículas
o mataram.” G. Pinet. Histoire de lÉcole Polytechnique, pp. 204-205-
[U 10a, 3]
A idéia do Canal de Suez remonta a Enfantin, que solicitara uma concessão ao vice-rei do
Egito, Mehemed Ali, e queria dirigir-se para lá com 40 alunos. A Inglaterra empenhou-se
para que lhe fosse negada tal concessão.
[U10a.4]
3 O que provocou o cisma foi um conflito, ocorrido em fins de 1831, entre Enfantin e outros líderes saint-
simonianos - Bazard, Rodrigues, Leroux - sobre a questão do relacionamento entre os sexos. Enfantin
acabou se retirando para sua propriedade em Ménilmontant, acompanhado de quarenta discípulos.
(E/M)
632 ■ Passagens
“Saint-Simon procurou fundar uma associação para aproveitar as facilidades oferecidas
pelo decreto ... de 2 de novembro de 1789 para a aquisição de propriedades nacionais,
cujo preço poderia ser pago em doze anuidades, por meio de assignats , 4 o que permitia,
com modestos capitais, adquirir uma quantidade importante de bens rurais... Toda
especulação financeira é fundada num investimento da industria e num investimento de
fundos. Os benefícios de uma especulação financeira devem ser partilhados, de maneira
que a indústria e os capitais recebam uma parte proporcional à influencia que exerceram,
na especulação que fiz com o Sr. de Redern, os capitais desempenharam um papel
secundário.’” O trecho citado foi extraído de uma carta de Saint-Simon a Boissy-d Anglas,
de 2 de novembro de 1807; encontra-se aí esboçada sua teoria sobre a relação entre capital,
trabalho e talento. Maxime Leroy, Les Spéculations Foncières de Saint-Simon et ses Querelles
dAffaires avec son Associé, le Comte de Redern, Paris, 1925, pp. 2 e 23. ^ ^
“Saint-Simon acreditava na ciência... Mas enquanto no início de suas pesquisas sua atenção
se voltava quase exclusivamente para as ciências matematicas e fisicas..., foi nas ciências da
natureza que ele depois buscou o segredo das certezas sociais, com que se inquieta. Eu me
afastei, em 1801, da École Polytechnique’, escreve ele, ‘e me estabeleci perto da escola de
Medicina: entrei em contato com os fisiologistas . Maxime Leroy, La Vie Veritable du
Comte Henri de Saint-Simon, Paris, 1925, pp. 192-193. - A École Polytechnique situava-
se no Palais Bourbon, à época em que Saint-Simon morava em suas proximidades. ^ ^ ^
“A nave do Grand Café Parisien” é a inscrição de uma gravura de 1856. De fato, a visão do
público assemelha-se àquela de uma nave de igreja ou de uma passagem. A maioria dos
visitantes está parada ou circula entre as mesas de bilhar instaladas na nave.
r [U 11, 3]
Hubbard diz - referindo-se de maneira discutível às lágrimas de Saint-Simon ao despedir-
se de sua mulher, por ocasião de seu divorcio: 5 Imolação perpetua do ser afetuoso e
sensível ao ser inteligente e pensante.” Cit. em Maxime Leroy, La Vie Veritable du Comte
Henri de Saint-Simon , Paris, 1925, p. 211.
II T 1 1 A I
“Chega de honras aos Alexandres; vivam os Arquimedes!” Saint-Simon, cit. em Leroy, op.
cit., p. 220. [un,;]
Comte trabalhou quatro anos junto com Saint-Simon. 6 ^ ^
Le JuifErrant [O Judeu Errante] de Eugène Sue, no Constitutionnel, para substituir LHistoire
du Consulat et de lEmpire , de Thiers, que Véron planejara publicar originalmente. ^
4 Moeda em papel, emitida durante a Revolução e lastreada pelos "bens nacionais", (w.b.)
5 Saint-Simon casou-se em agosto de 1801 com a jovem artista Sophie de Champgrand; o casamento foi
dissolvido consensualmente em junho de 1802. (E/M)
6 Auguste Comte tornou-se assistente de Saint-Simon em 1817, depois de ter sido expulso da École
Polytechnique por insubordinação. Em 1 824 - depois de sete anos de colaboração - um conflito entre
os dois homens, que vinha se prolongando, levou Comte a deixar de trabalhar com Saint-Simon. (E/M)
u
(Saint-Simon, Ferrovias]
633
Saint-Simon: “Considérations sur les mesures à prendre pour rerminer la Révolution”
JConsiderações sobre as medidas a tomar para terminar a Revolução <1820>1. — Introdução
a Les Travaux Scientifiques du XDV Siècle.
X i u i]
SasEEt-Simon inventou um baralho revolucionário: quatro gênios (guerra, paz, arte, comércio)
como reis, quatro liberdades (religião, casamento, imprensa, profissão) como rainhas, quatro
igualdades (deveres, direitos, dignidades, cores), como valetes. Leroy, La Vie Véritable du
Cmrtte Henri de Saint-Simon , Paris, 1925, p. 174.
[UI li.2]
Saint-Simon morre em maio de 1825. Suas últimas palavras: “Continuamos firme a nossa
tarda". Leroy, op. cit., p. 328.
(U 1 la, 3]
Sobre Saint-Simon: “Se ele por um lado nos espanta com todas essas previsões operárias e
andais, por outro, ele nos dá a impressão de que lhe faltou alguma coisa: ... um meio, seu
anão. o meio que prolonga o século XVIII em sua linha de otimismo. Homem do futuro,
cie teve que pensar praticamente sozinho numa sociedade decapitada pela Revolução de
.«nas pares... Onde está Lavoisier, fundador da ciência experimental moderna? Onde está
Cnodorcet, seu filósofo, e Chénier, seu poeta? Eles viveriam, talvez, se Robespierre não os
«nesse guilhotinado. Saint-Simon teve de assegurar, sem a ajuda deles, o duro trabalho de
•niganização que eles haviam começado, e estando sozinho para realizar esse imenso esforço,
. foi obrigado a empreender tarefas demais, a ser ao mesmo tempo o poeta, o experimentador
c o filósofo dos novos tempos.” Maxime Leroy, La Vie Véritable du Comte Henri de Saint-
Simon , Paris, 1925, pp. 321-322.
[U Lia. 4]
Uma litografia de Pattel representa “A gravura lutando contra a litografia”. A última parece
manter-se vitoriosa. Cabinet des Estampes.
[UI la, 5]
Uma litografia de 1842 representa o “Divã das argelinas em Paris” do “Café des Mauresques”.
Ao fundo de um café em que tipos exóticos se movimentam ao lado de europeus, três
«dkíiscas estão sentadas, uma junto da outra, em um minúsculo divã sob um espelho, e se
em firmando um narguilé. Cabinet des Estampes.
[U 11a, 6]
Os desenhos de 1830 representam com freqüência, e às vezes de maneira alegórica, as
dSHicissões dos jornais entre si. Gostam de mostrar, ao mesmo tempo, o jornal cuja leitura
irra que ser partilhada por várias pessoas. Representam também as discussões que surgiam
áiBL seja em torno da posse do jornal, seja devido às opiniões nele defendidas. Cabinet des
laHBanpes. uma gravura de 1817: “O amor pelas notícias, ou Politicomania”.
[U 1 1, 7]
"TNa. Bolsa. um saint-simoniano vale dois judeus.” Les Petits-Paris, par les Auteurs des Mémoires
•ãe Beiboauet [Taxile Delord <e outros>], evol. I> Paris- Boursier, Paris, 1854, p. 54.
[U 12, 1]
■ Passagens
Uma fórmula que caracteriza de forma extraordinária o apogeu do jornalismo de boulevard.
“O que você entende por espriP. - Entendo alguma coisa que, como dizem, corre pelas
ruas, mas muito raramente entra nas casas.” Louis Lurine, Le Tretzième Arrondissement de
Paris , Paris, 1850, p. 192. [U 12 , 21 ’
A idéia de utilizar anúncios de jornal não só para a divulgação de livros, mas também de
produtos industriais, nasce com o doutor Véron, que desta maneira fez negócios tão excelentes
com sua “Pâte de Regnauld”, um remédio contra resfriados, que obteve lucros de 100.000
francos pelos 17.000 francos investidos. “Pode-se dizer portanto ... que, se foi um médico,
Théophraste Renaudot, quem criou o jornalismo na França..., foi o doutor Véron quem
criou, há meio século, a publicidade da quarta página dos jornais. Joseph D Arçay, La
Salle à Manger du Docteur Véron , Paris, 1868, p. 104. (U J2 3|
Comparar a “emancipação da carne” em Enfantin com as teses de Feuerbach e as idéias de
Georg Büchner. O materialismo dialético inclui o materialismo antropológico. 7 ^
Villemessant: “Inicialmente, ele tinha um negócio de fitas. Essa atividade, ... levou o jovem
passou à criação de uma revista de moda... A partir daí, Villemessant ... logo passou à
política, aliou-se ao partido legitímista e, depois da Revolução de 1848, transformou-se
em jornalista satírico. Criou três jornais diferentes em seguida, entre eles La Chronique de
Paris , que foi abolido em 1852 por um decreto imperial. Dois anos mais tarde, fundou o
Figaro.” Egon Caesar Conte Corti, Der Zauberer von Homburg und Monte Cario, Leipzig,
1932, pp- 238-239. [U12 , 5)
François Blanc foi um dos primeiros grandes anunciantes. Através de contatos na imprensa,
colocou anúncios para o cassino de PIomburg nos jornais Le Siecle e LAssemblée Nationale.
“Ele também inseriu pessoalmente séries inteiras de dezoito - e mesmo de cmqüenta -
anúncios em jornais ... como La Presse, Le National, La Patrie e Le Galignani. Egon Caesar
Conte Cordi, Der Zauberer von Homburg und Monte Cario , Leipzig, p. 97.
À época de Saint-Simon: “Independentemente da Nova Jerusalém de Emmanuel
Swedenborg, professada pelo barão Portal..., havia o falanstério de Charles Fourter; havia
também a pretensa Igreja francesa do abade Châtel, primado da Gália; havia a restauração
da Ordem dos Templários, organizada pelo Sr. Fabré-Palaprat; havia o culto do Evadamismo,
inventado pelo ‘Mapah’.” 8 Philibert Audebrand, Michel Chevalier , Paris, 1861, p. 4.^
Propaganda saint-simoniana. “Um dos adeptos da doutrina, a quem se perguntou um dia
quais eram suas funções, respondeu: - Sou homem de salão, orador mundano. Vestem-me
com elegância para que possa me apresentar em todo lugar, colocam ouro no meu bolso
7 Sobre o materialismo antropológico, no sentido de Benjamin, ver o arquivo temático "p" e o fragmento
W 8, 1. (J.L.)
8 Evadamismo: Eva + Adão + ismo. "0 Mapah" (mater + pater) foi 0 nome assumido pelo escultor
Ganneau, por volta de 1835, quando criou um culto defendendo a completa igualdade - e a fusão
final - entre homens e mulheres. Ver também a 15, 2-4 e p 1, 3. (E/M)
u
[Saim-Simon, Ferrovias] 635
para que eu esteja em condições de jogar whist. Como eu poderia não vencer: Phiiibert
Audebrand, Michel Chevalier, p. 6.
A cisão saint-simoniana obrigou os adeptos da doutrina a escolher entre Bazard e Eniàndn.
Em Ménilmontant, os adeptos da seita saint-simoniana dividiram as tarefas domésticas;
havia os departamentos de cozinha (Simon e Rochette), louça (Talebot), limpeza dEichtel,
Lambert) e engraxai' sapatos (Barrault).
X 1-â. 3j
Os saint-simonianos em Ménilmontant: “Um grande músico do futuro. Sr. Félicien David,
autor de Le Désert, de Perle du Brésil e de Herculanum, tinha a direção da orquestra; compunha
as melodias que eles cantavam..., sobretudo as que precediam ou que se seguiam às refeições. ’
Philibert Audebrand, Michel Chevalier , Paris, 1861, p. 11.
[U 12a. 4]
O celibato, até o casamento de Enfantin, foi uma lei geral em Ménilmontant.
|U 12a, 5]
Chevalier, após a dissolução de Ménilmontant e depois de ter sido condenado a um ano de
prisão, foi mandado por Thiers para a América. Também foi 1 hiers quem o enviou mais
tarde para a Inglaterra. Após a Revolução de Fevereiro, que o depõe de suas funções, ele se
toma um reacionário. Sob Napoleão elege-se senador.
[UI 2a, 6]
No final dos anos cinqüenta [do século XIX], o jornal Le Siecle teve sua maior tiragem, com
36.000 exemplares. - Milland funda Le Petit Journal, que é vendido por um centavo.
[U 12a, 7]
Balzac sobre Aux Artistes: Du Passé et de lAvenir des Beaux-Arts — Doctrine de Saint-Simon,
Paris, Mesnier: “O apostolado é uma missão de artista, e o autor da brochura não se
mostrou digno desse caráter indispensável. O pensamento sumário de seu trabalho é vasto,
©resultado é pequeno... Saint-Simon era um homem notável, que ainda não compreendemos.
Importa, pois, aos chefes de escola, entrar na via [do] proselitismo, falando, como o Cristo,
nina linguagem apropriada ao tempo e aos homens, que faça raciocinar menos e que emocione
mais." Em referência a Saint-Simon, ibidem : “A verdade talvez esteja ali. Honoré de Balzac,
Critique Littéraire, ed. org. por Louis Lumet, Paris, 1912, pp. 58, 60 (“Le feuilleton des
ioumaux policiques”).
1 r n [U 12a, 8]
O cisma entre os saint-simonianos foi provocado pela doutrina de F.nfantin sobre a
emancipação da carne. Somou-se a isto o fato de outros, como Pierre Leroux, já terem
anteriormente se pronunciado contra a confissão pública.
[U 13, 1]
Os saint-simonianos tinham pouca simpatia pela democracia.
[U 13. 2!
636 ■ Passagens
A imprensa sob Charles X: “Os jornais não eram vendidos de forma avulsa; só eram lidos
pelos assinantes, e a assinatura custava caro; era um luxo reservado, de fato, à nobreza e à
alta burguesia. O total dos exemplares não passava, em 1824, de 5 6 mil (dos quais 41 mil
eram dos jornais de oposição).” Charles Seignobos, Histoire Sincere de la Nation Française,
Paris, 1933, pp. 411-412. Além disso, os jornais precisavam depositar altas cauções.
rr [U 13, 3]
Girardin, como editor do La Presse, introduziu a venda dc números avulsos, os anúncios e
o folhetim.
[U 13, 4]
“Os vendedores de jornais têm muita dificuldade em adquiri-los: para ter sua vez, são
obrigados a fazer fila durante uma parte da noite, em plena rua.” Paris sous la Republique de
1 848: Exposition de la Bibliothèque et des Travaux Historiques de la Ville de Paris , 1909, p. 43 .
[U 13, 5]
Por volta de 1848 surge o Café Chantant, fundado por Morei.
[U 13, 6J
Folhas ilustradas: “Ocupações das damas saint-simonianas segundo suas capacidades”
(. Imagerie Populaire, 1832). Gravuras coloridas em que predominam o vermelho, o verde e
o amarelo: “Dama saint-simoniana pregando a doutrina”, “Este buquê não pode ser belo
demais para nosso irmão”, “Saint-simoniana sonhando com a caça” etc. Ilustrações em
Hemy-René d’Allemagne, Les Saint-Simoniens, 1827-1837, Paris, 1930, frente à p. 228.
Folhas correspondentes: “Funções dos apóstolos de Menil-Montant segundo sua capacidade”
(ilustração, op. cit., frente à p. 392). Cf. op. cit., frente à p. 296 etiqueta para o lançamento
de um produto de alimentação: “Licor dos saint-simonianos”. Um grupo de discípulos de
Enfantin — no centro, Enfantin e a República empunhando a bandeira tricolor. Todos
erguem as taças.
5 [U 13, 7]
Em 1831, Bazard, Chevalier e alguns outros membros do “clero” da Igreja saint-simoniana
recusam-se a servir na Garde Nationale. Vinte e quatro horas de prisão.
[U 13, 8]
Le Globe (31 out. 1831) a respeito da insurreição de Lyon, sustentando que um aumento
de salários poderia ameaçar a indústria local: “Não vedes que mesmo que vos seja imposta
... uma intervenção direta nos negócios da indústria, ... não se pode acalmar de forma
passageira os sofrimentos de uma das classes da sociedade sem talvez oprimir outras classes?
Que se exaltem agora os benefícios da concorrência, o laissez-faire ... que os oradores liberais
contin uam proclamando.” H. R. dAIlemagne, Les Saint-Simoniens, Paris, 1930, p. 140.
[U 13, 9]
Os saint-simonianos: um exército da salvação na burguesia.
[U 13a, 1]
Chevalier a Hoart e Bruneau, 5 de novembro de 1 832: “Escutem esta voz de Lyon! Lyon
vos chama, nos chama rugindo. Lyon estala. Lyon freme. Quanta energia nesses proletários!
u
[Saint-Simon, Ferrovias] 637
Qme humanidade de Spartacus!” Henry-René d Allemagne, Les Saim-Simoniens
M27-1837, Paris, 1930, p. 325. 2l
Ifenelador:
“Este povo, do qual se teme a mente e o braço.
Faça-o, pois, andar sem cessar!
É quando se detém seus passos,
Que ele percebe que suas solas o ferem.”
ILiõon Halévy, “La chaussure” [O sapato], in: Fables Nouvelles , Paris, 1855, p. 133, cit.
m De Liefde, Le Saint-Simonisme dans la Poésie Française , Haarlem, 1927, P- 70.
[U 13a, 3]
sapadores do exército pacífico” - uma formulação saint-simoniana para o conjunto do
rlac *°- [U 13a, 4]
passagem de Pierre Lachambcaudie em Fables et Poésies Diverses, Paris, 1851, La
” [A fumaça]: a fumaça da fundição e o incenso encontram-se no ar e unem-se por
i de Deus. Este tipo de poesia se estende até o poema de Du Camp sobre a locomotiva
c fln “santa fumaça”. „ ]3a ^
O '«ixnal Le Globe foi distribuído gratuitamente - ao menos por algum tempo - em Paris.
NO elemento feminino e masculino, que se encontra em Deus e que se pretende também
reviver no casamento dos padres, não foi cantado na poesia da seita. Encontramos
"<s uma única alusão a esses dogmas... :
‘Deus boa e bom. Esse mundo não tem crença;
Ele duvida ainda: o Pai é prisioneiro!
A Mãe, oh Deus! será a providência
Que em sua felicidade ele não poderá negar!’”
, Mercier, “Dieu nous le rendra”, in: La Foi Nouvelle-, cit. em de Liefde, Le Saint-
: sme dans la Poésie Française, Haarlem, 1927, pp. 146-147. ^
Sand, para quem o amor conduzirá à união das classes, compreende esta questão da
~ K maneira: “Um jovem de baixa condição, mas genial e belo, umu-se a uma bela,
e perfeita jovem: eis as classes fundidas... Lémor, do Meunier dAngibault, heróico
d, recusa a mão de uma viúva patrícia, porque ela é rica ... e a viúva alegra-se com o
Üo que a arruina, e faz cair o último obstáculo entre ela e seu amante. Charles Brun,
n Social en France au XDC Siécle, Paris, 1910, pp. 96-97.
[U 13a, 81
638 U Passagens
Enfàntin pressupunha constituições físicas (e também doenças) bem diferentes em padres,
artistas, comerciantes etc.
[U 13a, 9]
O estilo de Girardin: “Cada parágrafo apenas uma frase, cada frase apenas uma palavra; a
antítese das idéias contida na semelhança das palavras; a rima na prosa... ; a maiuscula em
todos os substantivos, a enumeração que lembra Rabelais, a definição que muitas vezes não
lembra absolutamente nada.” Édouard Drumont, Les Héros et les Pitres , Paris, 1900, p. 131
(“Émile de Girardin”).
[U 14, 1]
Drumont sobre Girardin; “Para chegar ao resultado de ser esquecido oito dias depois de
sua morte, ele se levantou durante a vida inteira às cinco horas da manhã.” Édouard
Drumont, Les Héros et les Pitres, Paris, 1900, pp. 134-135 (“Émile de Girardin”).
[U 14, 2]
Calcula-se que, de 1830 a 1832, os saint-simonianos tenham distribuído para o público
18.000.000 de páginas impressas. Cf. Ch. Benoist, “É’homme de 1848”, Revue des Deux
Mondes, 1 jul. 1913.
[U 14, 3]
Com seu contraste didático entre abelhas operárias e zangões, os saint-simonianos retomam
a fábula das abelhas de Mandeville.
[U 14, 4]
A propósito do movimento dentro do saint-simonismo: passagens das cartas dirigidas a Lambert
por Claire Démar e Perret Désessarts, antes de seu suicídio comum. Claire Démar: “Mas se sua
voz não me arrastou, se não foi ele quem veio convidar-me para esta última festa, pelo menos não
apressei sua viagem: há muito tempo ele estava pronto.” Désessarts: “A função e o funcionário
apagam-se ao mesmo tempo, é o que repetimos muitas vezes; pois um não pode faltar ao outro!
Pois bem! eu, que fui sempre homem da luta e da solidão, eu, que sempre andei só, à distância
... como protesto vivo contra a ordem e a união; o que haveria de espantoso em minha retirada,
talvez no instante em que os povos vão se unir com um laço religioso, quando suas mãos vão
aproximar-se para formar esta augusta corrente... Lambert, não duvido da humanidade ... não
duvido tampouco da Providência ... mas nos tempos em que vivemos, tudo é santo, mesmo o
suicídio!... Desgraçado seja aquele que não descobrir sua cabeça diante de nossos cadáveres,
porque esse é ímpio!... Adeus! 3 de agosto de 1833, 10 horas da noite.” Claire Démar, Ma Loi
dAvenir , <J obra póstuma publicada por Suzanne, Paris; no escritório da Tribune des Femmes
e em todos os marchands de nouveautés, 1834, pp. 8, 10-11.
[U 14, 5]
Estatística anual dos jornais, das publicações mensais e quinzenais, que inclui apenas
títulos novos:
1833 - 251 jornais 1838 - 184 jornais
1834- 180
1835- 165
1836- 151
1837- 158
1840- 146
1841- 166
1842- 214
1845-185
9 Ver p 2, 5 até p 2a, 4. (UM)
u
iSaí-t-Simon, Ferrovias;
639
Charles Louandre, Statistique littéraire: De la production intellecmelle en France depuls
quinze ans”, Revue des Deiix Mondes , 1 nov. 1847, p. 442.
lu 14 , 6;
ioussenel afirma que Enfantin entregara-se à especulação para compensar sua condenação
pdo tribunal e para consolar-se pelo fracasso do seu poder de fascínio nessa ocasião. No
mais. fornece dele o seguinte retrato: Houve um homem semelhante aos imortais, chamado
Enfantin, não menos célebre pela potência de seus efeitos de taco no nobre jogo de bilhar
que pela frequência e distinção de suas bazófias na caça; confiando em algumas criaturas
encantadoras..., ele assumiu a pose de alguém com a constituição perfeita do homem-pivó
e se fez aclamar como o Pai... E como eram os dias que se seguiram à gloriosa Revolução de
^ílho ... este homem encontrou adeptos. A. Toussenel, Les Juifs Rois de 1’Époque, ed. orç.
por Gabriel de Gonet, Paris, 1886, vol. I, p. 127.
[U 14i. tj
Durante as epidemias de cólera, as pessoas atribuíram aos vendedores de bebidas alcoólicas
a culpa pela infecção.
íu i-ii. 2;
O Journal des Débats introduz o correspondente estrangeiro: “Desde que o Sr. Bertin deu ao
St Michel Chevaher uma missão governamental nos Estados Unidos, a qual valeu a seu
jnmal a publicação das famosas Lettres sur lAmérique du Nord, ele tomou gosto por essas
missões, cujas despesas são pagas pelo governo... Depois dessas Canas sobre a América do
Aone ... vieram as Cartas sobre a Espanha...-, depois deveriam vir as Canas sobre a China!’ A.
Toussenel, Les Juifi Rois de l’Époque, Paris, vol. II, pp. 12-13.
IU 14a. 3]
Os saint-simonianos esperavam um messias feminino (a Méri), que deveria unir-se ao
sacerdote-mor, o “Père”.
[U 14a, 4]
t) pai Olinde: ‘...Se és saint-simoniano, saiba que a república não é o que queremos.’”
Rniiin Maillard, La Legende de la Femme Émancipée, Paris, p. 111.
[U 14a, 5]
dedicou Deutschland 3 EnfíUitm. Enfantin respondeu-lhe através de uma carta, cjue
i®* publicada em 1 833 por Duguet em forma de uma plaqueta intitulada Heine à Prosper
Mmfimiin, en Egypte — sobre a luva: De lAllemagne — 8 o M. Pièce 3319 cnúmero de chamada
idh Bibliothèque Nationalo. A carta exorta Heine a moderar seu sarcasmo, principalmente
am rdação a assuntos religiosos. Heine não deveria escrever um livro sobre o pensamento
sácEcão. e sim sobre a realidade alemã, o coração da Alemanha - que Enfantin considerava
onmcialmente como um idílio.
[U 14a, 6]
Acoerversão de Julie Fanfernot ao saint-simonismo — ela voltou-se mais tarde ao íourierismo
— fibt apresentada pelos saint-simonianos na forma de um drama. Firmin Maillard, La
iMqgtmae de la Femme Émancipee, Paris, pp. 115 et secj. , apresenta passagens dessa publicação,
ifBie apareceram no jornal do grupo.
:u is. íi
640 ■ Passagens
Saint-Simon na Rue Vivienne: “Jantares e noitadas se sucediam sem interrupção, ... a isso
acrescentavam-se, tarde da noite, cenas de efusão amorosa, em que alguns convidados,
segundo dizem, ... deixavam-se levar em transportes anacreôndcos, enquanto do fundo de
sua poltrona, calmo, impassível, nem participando da conversação, Saint-Simon observava...,
tomando nota de tudo e se preparando para transformar o gênero humano.” Firmin Maillard,
La Léeende de la Femme Émancipée, Paris, p. 27.
[U 15, 2]
Muitos pensavam que a mulher-messias que, segundo Duveyrier, poderia originar-se tanto
da prostituição quando de qualquer outra camada social, deveria vir do Oriente
(Constantinopla). Barrault e doze companheiros partiram então para Constantinopla à
procura da “Mãe”.
[U 15, 3]
Sobre o cisma dos saint-simonianos: “Bazard ... foi atingido mortalmente depois da famosa
confissão geral, quando soube por sua própria mulher que, apesar de toda a simpatia ... que
ela tinha por ele, nunca o vira aproximar-se dela sem sentir uma repugnância instintiva. E
Hércules acorrentado, disse alguém ao vê-lo fulminado pela apoplexia.” Firmin Maillard,
La Légende de la Femme Émancipée, Paris, p. 35-
[U 15, 4]
“Conhece-se o retiro de Ménilmontant; ... lá eles viviam como celibatários, para mostrar
que suas idéias sobre o casamento e sobre a emancipação das mulheres não eram
absolutamente o resultado de um cálculo epicurista.” Firmin Maillard, La Legende de la
Femme Émancipée, Paris, p. 40.
[U 15, 5]
Proudhon foi um adversário ferrenho do saint-simonismo; ele fala da “podridão saint-
simoniana”.
[UI 5, 6]
“As artes só podem florescer nas condições de uma época orgânica, e a inspiração só é
poderosa e salutar quando é social e religiosa.” Assim E. Barrault, Aux Artistes: Du Passé et de
LAvenir des Beaux-Arts, Paris, 1830, p. 73, se volta contra as estéreis “épocas críticas”.
[U 15, 7]
Último eco da idéia originária do saint-simonismo: “Pode-se comparar o zelo e o ardor que
empregam hoje as nações civilizadas na instalação das estradas de ferro com o que se passava
há alguns séculos na construção das igrejas... Se, como afirmam, a palavra religião vem de
religare..., as estradas de ferro têm mais relações com o espírito religioso do que se pensa.
Nunca existiu um instrumento com tanto poder para ... religar os povos esparsos.” Michel
Chevalier, “Chemins de fer”, in: Dictionnaire de lEconomie Politique, Paris, 1852, p. 20.
[U 15a, 1]
“O governo queria construir, ele próprio, as estradas de ferro; esse sistema certamente
oferecia inconvenientes ... mas, no fim, seria uma solução que nos teria dado as ferrovias.
Diante dessa proposta, grande explosão; no meio disso, surgiram as rivalidades políticas.
A própria ciência ... veio dar apoio ao espírito de oposição sistemática. Um sábio ilustre
u
_SarsTO-S*nr*oci.„ Ferrovias: 64 1
teve a fraqueza de emprestar a autoridade de seu nome a esse complô urdido contia as
estradas de ferro. A execução por parte do Estado foi rejeitada por uma imensa maioria. Isto
se passou em 1838. Como era bem constituído, o governo voltou-se para a indústria
privada. Tomem essas vias maravilhosas, disse o governo, eu lhes ofereço sua concessão/
Diante dessas palavras, nova tempestade. Como assim? os banqueiros e os capitalistas vão
se enriquecer com esses empreendimentos!... É o feudalismo que renasce das cinzas. - Em
consequência disso, os projetos de concessão a companhias foram retirados ... ou cravados
de clausulas que tornavam impossível sua aceitação por parte de acionistas sérios. Ficamos
assim ate 1844.” Michel Chevalier, “Chemins de fer”, in: Dictionnaire de PÉconomie Politique
Paris, 1852, p. 100. 7 ’
[U I5a, 2]
Para os transportes de guerra em vagões da estrada de ferro, Chevalier faz o seguinte cálculo-
40 homens equivalem a 6 cavalos. Cf. Michel Chevalier, “Chemins de fer”, ,n: Dictionnaire
de lEconomie Politique, Paris, 1852, pp. 47-48. 10
[U 15a, 3]
Teoria da arte do saint-simomsmo. Ela baseia-se na divisão da história em “épocas Orgânicas
ou religiosas, e em épocas Críticas ou irreligiosas... A série histórica estudada neste trabalho
apresenta duas épocas orgânicas - a primeira constituída sob o império do politeísmo
grego, e a segunda sob o império do cristianismo - e, depois dessas épocas orgânicas, duas
épocas críticas, das quais uma se estende desde a era filosófica dos gregos até o advento do
cristianismo, e a outra desde o fim do século quinze até nossos dias.” [E. Barrault,] Aux
Artistes: Du Passé et de 1’Avenir des Beaux-arts, Paris, 1830, p. 6.
[U 15a, 4]
A historia universal aparece para o saint-simoniano Barrault como a nova obra de arte.
Ousem, pois, comparar os últimos autores trágicos ou cômicos de Roma aos oradores
cristãos começando suas eloquentes prédicas.' Não - Corncille, Racine, Vokaire Moliète
nao renascerão mais; o gênio dramático cumpriu sua missão... Enfim, o « p.ecS
igu mente, no que ele tem de comum com esses dois gêneros e nas suas relações com a
historia, da qual ele é a contrapartida mentirosa... A história, com efeito, retomará um
encanto poderoso...; não será mais apenas a história de um pequeno povo do Oriente que
sera sagrada; a do mundo inteiro merecerá esse nome e tornar-se-á uma verdadeira epopéia,
em que a historia de cada nação formará um dos cantos e a história de cada grande homem
um episo o. [E. Barrault,] Aux Artistes: Du Passé et de 1’Avenir des Beaux-Arts, Paris, 1830,
[ PP' 81 ' 82 - A epopéia é própria da época orgânica; o romance e o drama pertencem à época
critica. r
[U 16, 1]
Barrault já tem uma vaga idéia da importância que possuem para a arte os elementos
mais seculanzados, apesar de ele por a ênfase sobre as épocas ainda ligadas ao culto,
mbora nao tenha existido na Grécia uma organização de casta religiosa semelhante à do
riente, sua epopeia constitui nada menos que uma primeira separação do culto e da
poesia...; se a ortodoxia se prolonga nas épocas críticas, o curso dessas épocas remonta
surdamente até o seio da ortodoxia.” [E. Barrault,] Aux Artistes: Du Passé et de 1’Avenir des
Beaux-Arts, Paris, 1830, pp. 25-26.
10 A referência bibliográfica indicada por Benjamin não procede. (R.T.)
[U 16, 2]
5^2 ■ Passagens
Saint-Simon enfatiza com satisfação que justam ente aqueles homens que provocaram um
avanço decisivo da humanidade - Lutero, Bacon, Descartes - tiveram paixões. Lutero.
prazeres da mesa; Bacon: dinheiro; Descartes: mulheres e jogo. Cf. E. R. Curtius, Balzac,
Bonn, 1923, p. 117. [u 16,31
Com relação a Guizot, cuja brochura Du Gouvemement de la France et du Mmistère Actuel,
Paris, 1820, apresenta a ascensão da burguesia como a luta secular de uma classe (todavia,
em sua obra De la Démocratie, Paris, 1849, ele considera a luta de classes, que no meio-
tempo se instalou entre a burguesia e o proletariado, apenas como um desastre), Plekhanov
afirma que as concepções dos socialistas utópicos constituem “tanto teórica quanto
praticamente um grande retrocesso”. “A causa disso situa-se no fraco desenvolvimento do
proletariado da época.” Georg Plekhanov, “Über die Anfange der Lehre vom Klassenkampf”,
Die Neue Zeit, XXI, Stuttgart, 1903, n° 1, p. 296. ^ J6 4]
Augustin Thierry, um “filho de criação” de Saint-Simon. Segundo Marx, ele “descreveu
muito bem ... como, logo de início, pelo menos desde o desenvolvimento das cidades, a
burguesia francesa ganha uma grande influência pelo fato de constituir-se como parlamento,
burocracia etc., e não como na Inglaterra, somente através do comércio e da indústria”.
Karl Marx a Friedrich Engels, Londres, 17 de julho de 1854 [Karl Marx e Friedrich Engels,
Ausgewãhlte Bnefe, ed. por V. Adoratskij, Moscou-Leningrado, 1934, p. 60]. ^
Efeitos do saint-simonismo: “Pierre Leroux, que é representado nas gravuras da época
com as mãos unidas, o ar extático, quer fazer passar de qualquer jeito um artigo sobre
Deus na Revue des Deux Mondes... Lembremos que Louis Blanc ofereceu a Ruge o
regalo de uma conferência contra o ateísmo. Quinet, com Michelet, luta bravamente
contra os Jesuítas; mas ele conserva o desejo secreto de reconciliar seus compatriotas
com o Evangelho.” C. Bouglé. Chez les Prophètes Socialistes. Paris, 1918, pp. \6b-l6L
A obra Deutschland, de Heine, é dedicada a Enfantin. J6a 3 ,
Schlabrendorf relata que Saint-Simon queria fazer da física, e somente da física, a verdadeira
religião. “Os professores de religião deveriam fazer conferências nas igrejas sobre os mistérios
e as maravilhas da natureza. Então colocariam, assim imagino, máquinas elétricas sobre o
altar e estimulariam os fiéis com pilhas galvânicas.” Cari Gustav Jochmann, Reliquien: Aus
seinen nachgelassenen Papieren, ed. org. por Heinrich Zschokke, vol. I, Hechingen, 1836,
p. 146 (“Graf Gustav von Schlabrendorf in Paris über Ereignisse und Personen seiner
)■ [U 16a, 4]
Enfantin saúda o golpe de Estado de Luís Napoleão como obra da providência.
Em 1846, estréia e acolhida entusiástica de Le Désert, de Félicien David. O projeto do Canal
àe Suez estava então na ordem do dva. “Mm çoeta Idealista louva o deserto como símile da
u
(Saint-Sirron, Ferrovias]
643
eternidade e lamenta os habitantes das cidades em suas tumbas de pedra. S. Kracauer,
Jacques Offenbacb und das Paris seiner Zeit, Amsterdam, 1937, p. 133. Offenbach parodiou
Le Désert.
[U 16a, 6]
<fase tardia>
“Na arquitetura de sonho da Revolução, os projetos de Ledoux ocupam um lugar especial.
O cubo de sua ‘Casa da Paz’ parece-lhe legítimo, pois é o símbolo da justiça e da permanência;
<dc forma semelhante, todas as formas elementares devem ter sido para ele signos importantes
<áe clarificação interior. A ‘cidade nascente’, a cidade em que uma vida mais elevada
encontraria seu refugio, é cercada pelo contorno puro de uma elipse... A propósito da casa
db novo direito, a ‘Pacifère’, ele escreve em LArchitecturr. ‘Esta construção, nascida de
minha fantasia, deve ser tão simples quanto o direito que nela for pronunciado.”’ Emil
Kaufmann, Von Ledoux bis Le Corbusier: Ursprungund Entwicklungder autonomen Architektur,
Viena-Leipzig, 1933, p. 32.
[U 17, 1]
ux, Templo de Memória (Casa das Mulheres): “Os baixo- relevos narrativos das colunas
is, situadas nos quatro cantos de uma casa de campo, deveriam proclamar a glória
mães, geratrizes de vida r em vez dos monumentos tradicionais que são erigidos em
iória das vitórias sangrentas dos generais. Com esta obra singular, o artista queria
lecer às mulheres que encontrou ao longo da vida.” Emil Kaufmann, Von Ledoux bis Le
usier, Viena-Leipzig, 1933, p. 38.
[U 17, 2]
Ledoux: “Como as diferenças de categoria na arquitetura são eliminadas, todas as
is arquitetônicas têm igual valor... O ecletismo temático inicial, que tratava quase
-ivamente de igrejas, castelos, habitações ‘privilegiadas’ e, quando muito, de obras
es, cede lugar ao novo universalismo arquitetônico... O processo revolucionário do
^uesamento das habitações acontece paralelamente ao desaparecimento do conjunto
como forma artística... Um complexo maior, concebido provavelmente como
..iento fora da cidade, consiste de um certo número de moradias de dois a quatro
ios, situadas em torno de um pátio quadrangular, sendo que cada uma delas contém
«siopaços necessários para os guarda-roupas, enquanto a cozinha, as despensas e os demais
ns domésticos localizam-se numa construção situada no centro do pátio. Temos aqui,
Imente pela primeira vez, o tipo de moradia que se propaga hoje em dia como casa
icnzinha coletiva.” Emil Kaufmann, Von Ledoux bis Le Corbusier , Viena-Leipzig, 1933,
3®.
[U 17, 3]
en descoberto o Oriente; alguns partiram para lá procurar a Mãe — Ia Mére, verdadeira
desse século, coberta de tetas como a Diana de Éfeso.” Adrienne Monnier, “La
: des amis des livres”, La Gazette des Amis des Livres, Paris, ano I, n° 1, p. 14.
[U 17, 4]
644 ■ Passagens
“O Homem se lembra do Passado; a Mulher pressente o Futuro-, o Casal vê o Presente.
Fórmula de Saint-Simon, em Du Camp, Souvenirs Littéraires, vol. II, Paris, 1906,
P- 93. [U 17a !]
“A Mãe”: “Ela devia ser a mulher livre... A mulher livre devia ser uma mulher de reflexão
e raciocínio que ... tendo aprofundado as aptidões femininas ... confirmaria seu sexo...
A procura da ... Mãe não era uma inovação de Enfantin; bem antes dele, Saint-Simon,
quando Augustin Thierry era seu secretário, havia tentado encontrar esta ... maravilha ...
e pensava tê-la descoberto em Madame de Staêl. Esta rejeita a proposta de ajudar a
conseguir junto com Saint-Simon um Messias para a humanidade, (pp. 91-93) -
“A missão da Mãe formou-se e partiu. Os peregrinos eram em número de doze, incluindo
Barrault, chefe da expedição. Era preciso ir até Constantinopla ... não se tinha dinheiro.
Vestidos de branco, como sinal do voto de castidade que haviam pronunciado no momento
de deixar Paris, o bastão na mão, eles mendigavam ao longo das estradas, em nome da
Mãe. Na Borgonha, eles se alugaram’ para fazer a colheita; em Lyon, chegaram nas
vésperas de uma execução capital e, pela manhã, diante do cadafalso, protestaram contra
a pena de morte. Embarcaram em Marselha e trabalharam como marinheiros a bordo de
um navio mercante, sendo Garibaldi o segundo comandante... Dormiam no Grande
Campo dos Mortos, 11 abrigados da garoa da manhã pelos ciprestes, vagando pelos bazares,
parando às vezes e pregando a fé de Saint-Simon, falando francês com os turcos que não
os compreendiam.” (pp. 94-95) Foram presos, depois soltos; decidiram procurar ~a
Mãe” em Rotuma, no Oceano Pacífico; chegaram, porém, apenas até Odessa, e de lá
foram enviados de volta à Turquia. Segundo Maxime Du Camp, Souvenirs Litteraires,
vol. II, Paris, 1906.
“Gaudissart exigiu uma indenização de quinhentos francos pelos oito dias durante os quais
ele devia se inteirar da doutrina de Saint-Simon, apresentando como justificativa osj
prodigiosos esforços de memória e de inteligência necessários para estudar a fundo este
artigo C Gaudissart viaja a serviço do Globe (e do Journal des Enjunts). Flonore de BalzacJ
Llllustre Gaudissart, Paris, Ed. Calmann-Lévy, p. 11. JJ
O bloqueio continental 12 foi, por assim dizer, o primeiro teste do saint-simonismo. Heinç,j
Sãmtliche Werke, Hamburgo, 1876, vol. I, p. 155 (“Franzõsische Zustànde”), chama
Napoleão I de Imperador saint-simoniano. J
Nos gibões dos saint-simonianos, que eram abotoados nas costas, talvez se pudesse reconhecer
uma alusão ao ideal andrógino da escola. Mas é de se supor que o próprio Enfantin má®
tivesse consciência disso. ,
[U ULUÍ
Constantin Pequeur, adversário dos saint-simonianos, reponde a questão feita em 18911
pela Académie des Sciences Morales: ‘Qual pode ser ... a influência dos ... meios de transporad
11 Um dos dois cemitérios na antiga Constantinopla. Tanto o grande quanto o pequeno Campo * cs.
Mortos foram destruídos pelo fogo e por trabalhos de renovação durante o século XIX. (E/Kfi
12 Plano concebido por Napoleão I no sentido de impedir a entrada de mercadorias da Inglatena MB
continente europeu. (E/M)
u
;Saint-Simon, Ferrovias]
645
«ipt se propagam atualmente ... sobre ... o estado social?’” “O desenvolvimento das estradas
iiilrfarr:;. ao mesmo tempo que levará os viajantes a se confraternizarem nos vagões, excitará
«■ Jr j grau ... a atividade produtiva dos homens.” Pierre-Maxime Schuhl, Machinisme et
MU iuxrtíme. Paris, 1938, p. 67.
[U 18, 4]
fcr—-» histórica da estrada de ferro consiste no fato de ela representar o primeiro meio de
mune — e sem dúvida também o último, até as grandes embarcações transatlânticas a
pmr - que forma massas de pessoas. A diligência, o automóvel, o avião, transportam
MMRcr. apenas em pequenos grupos.
[U 18, 5]
H^jipiiiiia vida de nossa civilização, monótona como o trilho de uma estrada de ferro.”
Lt Peau de Chagrin, Paris, Ed. Flammarion, p. 45.
[U 18, 6]
V
[Conspirações, Compagnonnage 1 ]
“Chamavam-se ‘camisas brancas’ os agentes provocadores, muitas vezes infiltrados nas revoltas
durante o Segundo Império.” Daniel Halévy, Décadence de la Liberté, Paris, 1931, p. 152.
[V 1, 1]
“Em 1848, Luis Filipe tinha em Paris uma força de segurança de três mil homens, em vez
dos novecentos e cinqüenta guardas de Charles X, e mil e quinhentos agentes de polícia,
em vez de quatrocentos. O Segundo Império tinha grande apreço pela Polícia e instalou-a
de forma magnífica. Ela lhe deve o vasto edifício que serve de quartel, fortaleza e escritório
e que ocupa o centro da Cité, entre o Palais de Justice e Notre-Dame, lembrando, embora
menos belo e maior, os palácios das cidades toscanas em que residiam os podestades.”
Daniel Halévy, Décadence de la Liberté , Paris, p. 150.
[VI, 2]
"Os dossiês da Prefeitura de Polícia são reputados e temidos. Quando um novo préfet de
police toma posse de seu cargo, entregam-lhe seu dossiê pessoal. Apenas ele tem esse privilégio;
nem os ministros, nem o próprio Presidente da República jamais vêem seus dossiês, que
são classificados e guardados em arquivos que ninguém tem o direito de consultar.” Daniel
Halévy, Décadence de la Liberté, Paris, pp. 171-172.
1 [VI, 3]
“Voltando-se na direção do Quartier Latin, a floresta virgem da Rue d’Enfer estendia-se
entre a Rue du Val-de-Grâce e a Rue de 1’Abbé-de-l’Épée. Era o jardim de um velho hotel
abandonado e em ruínas, onde cresciam ao acaso plátanos, sicômoros, castanheiros e acacias
entrelaçados. No meio, um poço dava nas Catacumbas. Diziam que o lugar era assombrado:
na realidade, o poço servia às reuniões românticas dos carbonari e da sociedade secreta Aide-
Toi, le Ciei Tdidera [Deus ajuda quem se ajuda].” Paris, 1926, p. 367. ■ Jardins e Sena ■ ^
“A Garde Nationale não era de brincadeira, de forma alguma. Entre a tropa do rei e o povo
insurrecto, a burguesia armada de Paris era a grande potência mediadora, a sabedoria da
1 O compagnonnage é uma associação de operários para fins de formação profissional e de solidariedade.
O termo vem de compagnon, que designa o artesão que já não é aprendiz e ainda não é mestre. Até
meados do século XIX era costume desses jovens profissionais fazerem o tour de France (o circuito da
França), empregando-se em oficinas de várias cidades com o objetivo de completarem sua formação.
(E/M) Ver também nota 9.
648 ■ Passagens
nação... De 1830 a 1839, os burgueses da Garde Nationale perderam dois mil dos seus
diante das barricadas, e foi graças a eles, mais que ao exército, que Luís Filipe se manteve no
trono... Seja qual for a razão - ou porque os jovens envelheceram, ou porque houve uma
espécie de fadiga o fato é que os burgueses se cansaram dessa vida extravagante, que
exigia que chapeleiros e marceneiros pegassem em armas e se fuzilassem a cada seis meses.
Os chapeleiros, pessoas pacíficas, cansaram-se antes dos marceneiros. Essa observação bastaria
para explicar a Revolução de Fevereiro.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, pp. 389-391.
[Vi, 5]
Insurreição de Junho: “Bastava ter a aparência de pobre para ser tratado como um criminoso.
Naqueles dias, inventou-se o que se chamaria de perfil do insurrecto’, e qualquer um que
tivesse essa aparência era preso... A própria Garde Nationale foi, sem dúvida, a responsável
pela Revolução de Fevereiro, 2 no entanto, nem a ela ocorreria chamar de insurgentes aqueles
que lutavam contra o rei. Apenas aqueles que tinham se revoltado ... contra a propriedade
eram chamados de insurgentes. Como a Garde Nationale ‘salvara a sociedade, ela podia
fazer naqueles dias tudo o que lhe passasse pela cabeça, e médico algum teria ousado
impedir-lhe a entrada no hospital... Sim, os guardas nacionais em sua fúria rega chegavam
mesmo a gritar ‘silêncio’ aos doentes febris que falavam durante o delírio, e os teriam
assassinado se os estudantes não os tivessem impedido.” Englãnder, <Geschichte der
franzdsischen Arbeiter-Associationen, Hamburgo, 1 864, > vol. II, pp. 320, 327-328, 327.
[VI, 61
“É facilmente compreensível que as associações de operários tenham perdido terreno com
o golpe de Estado de 21 de dezembro de 1851... Todas as associações de operários, tanto
aquelas que recebiam subvenções do Estado quanto as restantes, começaram rapidamente
a retirar seus letreiros, nos quais havia os símbolos da igualdade e as palavras: ‘Liberdade,
Fraternidade e Igualdade’, como se estivessem chocados com o sangue do golpe de Estado.
Mesmo depois do golpe, certamente ainda existem associações de operários em Paris, mas
os operários não ousam mais usar este nome. Seria difícil localizar as associações
remanescentes, pois não mais se encontra o nome ‘associação de operários’ nem no guia de
endereços da cidade nem nos letreiros. Depois do golpe de Estado, as associações de operários
continuaram a existir apenas como sociedades comerciais comuns. Assim, a antiga associação
fraterna dos pedreiros é agora conhecida apenas como a empresa ‘Bouyer Cohadon & Co.’;
a associação dos douradores, que também existe ainda, leva agora a firma ‘Dreville, Thibout
& Co.’, e assim, em todas as associações de operários ainda existentes, são os nomes dos
gerentes que figuram como razão social... Desde o golpe de Estado, nenhuma delas admitiu
um único membro novo. Qualquer membro novo teria sido visto com total desconfiança.
Mesmo a visita de qualquer cliente novo era recebida com desconfiança, pois se farejava por
toda parte a presença da polícia, e isto com plena razão, pois muitas vezes a própria polícia
se apresentava oficialmente sob este ou aquele pretexto.” Sigmund Englãnder, Geschichte
der franzosischen Arbeiter-Associationen, Hamburgo, 1864, vol. IV, pp. 195, 197-198, 200.
[V la, 1]
Sobre Cabet. “Após a Revolução de Fevereiro, havia sido encontrada ... nos arquivos da
prefeitura de Toulouse uma carta de Gouhenant, o delegado ou presidente da primeira
Avant-Garde, que se oferecera no ano de 1843, durante o processo de Toulouse, 3 como
2 Diante da postura passiva da Garde Nationale, o exército resolveu não intervir no conflito. (E/M)
3 Trata-se do processo contra Étienne Cabet, por suas críticas ao regime. (E/M)
V
[Co^spfuções, Compaghonhage]
649
aeaate à polícia de Luís Filipe. Sabia-se que o veneno da espionagem já estava infiltrado na
fiança até nos poros da vida familiar, mas causou repúdio o fato de que um agente da polida,
a ptisrula mais asquerosa da velha sociedade, chegasse à testa da vanguarda dos icarianos para
irará- La à ruína, mesmo arriscando com isso a própria vida. Afinal, tinha-se visto em Paris
espiões da polícia lutando e sucumbindo nas barricadas contra o mesmo governo que lhes
pagava os soldos! Sigmund Englãnder, op. át., vol. II, pp. 159-160. ■ Utopistas ■
[V u 2:
“Com o desenvolvimento das conspirações proletárias, surgiu a necessidade da divisão do
mabalho; os membros dividiam-se em conspiradores ocasionais, conspirateurs doccasion -
«au seja, operários que participavam da conspiração, mas continuavam com sua ocupação
habitual, apenas indo às reuniões e ficando a postos para aparecer no local combinado por
'umdem dos chefes — , e em conspiradores profissionais, que dedicavam toda sua energia à
conspiração e viviam às custas desta... As condições de existência desta classe determinam
«áesde o início todo seu caráter. A conspiração proletária oferece-lhes naturalmente apenas
E-dos de existência muito limitados e incertos. Por isso são obrigados a atacar constantemente
os cofies da conspiração. Muitos deles entram mesmo em conflito direto com a sociedade
burguesa em geral, e aparecem, com maior ou menor dignidade, diante dos tribunais de
polícia. Sua existência incerta, que depende mais propriamente do acaso do que de sua
arrridade, sua vida desregrada, que tem como únicas estações fixas as tavernas dos vendedores
jr vinho — os lugares de encontro dos conspiradores — , seu inevitável contato com todo
ripo de gente dúbia, colocam-nos naquele ambiente que em Paris é denominado a boheme.
Esses boêmios democráticos de origem proletária ... são, portanto, ou operários que abriram
mão de seu trabalho e por isso passaram a levar uma vida dissoluta, ou sujeitos saídos do
ímnpemproletariado, que transferiram todos os hábitos dissolutos desta classe à sua nova
existência... A vida inteira destes conspiradores profissionais tem um caráter decididamente
íoémio. Como oficiais de recrutamento da conspiração, vão de taverna em taverna, tomam
o pulso dos operários, escolhem sua gente, atraem-na para a conspiração e deixam que os
cofies da sociedade ou o novo amigo paguem a conta do inevitável consumo de vinho.
Ü dono da taverna é quem geralmente providencia o abrigo para os conspiradores. É sob
seu teto que o conspirador muitas vezes se aloja, mantém seus encontros com os colegas,
com as pessoas de sua seção, com os homens a serem recrutados; finalmente, é lá que se
lealizam os encontros secretos das seções (grupos) e dos chefes de seção. Neste permanente
ambiente de taverna, o conspirador, de caráter alegre - como, aliás, todos os proletários de
Paris — , transforma-se logo num perfeito bambocheur [galhofeiro]. O conspirador mais
austero, que nas reuniões secretas assume um ar de rigor espartano, sai de sua posição e
transforma-se em assíduo freguês, conhecido por todos, que sabe apreciar muito bem o
vinho e o sexo feminino. Este humor típico das tavernas se intensifica ainda mais devido ao
permanente perigo a que está exposto o conspirador: a cada instante, pode ser chamado às
barricadas e lá sucumbir; a cada passo, encontra armadilhas da polícia que podem levá-lo
à prisão ou mesmo às galeras... Ao mesmo tempo, o hábito de enfrentar o perigo faz com
que a vida e a liberdade tornem-se para ele absolutamente indiferentes. Sente-se em casa
tanto na prisão quanto na taverna. Cada dia espera a ordem para entrar em ação. A audácia
desesperada que vem à tona em cada insurreição parisiense manifesta-se justamente através
destes velhos conspiradores profissionais, os hommes de coups de main [os homens de ação
imediata]. São eles que montam as primeiras barricadas e as comandam, são eles que
organizam a resistência, o saque às lojas de armas, que dirigem o roubo de armas e munição
650 ■ Passagens
das casas e que, em plena revolta, executam aqueles golpes audaciosos que muitas vezes
desconcertam o partido do governo. Em suma, eles são os oficiais da insurreição. É óbvio
que estes conspiradores não se limitam a organizar de maneira geral o proletariado
revolucionário. Sua tarefa consiste precisamente em antecipar o processo de desenvolvimento
revolucionário, conduzi-lo artificialmente à crise, fazer uma revolução de improviso, sem
haver as condições para uma revolução. Para eles, a única condição para a revolução é que
sua conspiração seja suficientemente organizada. Eles são os alquimistas da revolução e
compartilham totalmente o pensamento caótico, o espírito tacanho e as idéias fixas dos
primeiros alquimistas. Metem-se em invenções que devem operar milagres revolucionários:
bombas incendiárias, máquinas de destruição de efeitos mágicos, sublevações populares,
que devem ter um efeito tanto mais prodigioso e surpreendente quanto menos tiverem um
fundamento racional. Ocupados com tais projetos mirabolantes, eles não têm outro objetivo
a não ser a imediata derrubada do governo vigente, e desprezam profundamente a idéia de
um maior esclarecimento teórico dos operários a respeito de seus interesses de classe. Advém
daí sua irritação, não de natureza proletária, e sim plebéia, com os habits noirs (casacos
pretos), estes homens mais ou menos educados, que representam o outro lado do movimento
e dos quais não conseguem se libertar totalmente, pois são eles os representantes oficiais do
partido. E de tempos em tempos os habits noirs devem servir-lhes como fonte de recursos
financeiros. Aliás, fica claro que os conspiradores devem, querendo ou não, acompanhar o
desenvolvimento do partido revolucionário. A principal característica da vida dos
conspiradores é sua luta com a polícia, com a qual mantêm praticamente o mesmo
relacionamento que os ladrões e as prostitutas.” Em outra passagem do mesmo ensaio, lê-se
a respeito do seguinte relato de Chenu sobre Lucien de la Hodde: “Vemos [nele] ... a
prostituição política da mais reles espécie, [nele] que fica na rua sob a chuva esperando
uma gorjeta do primeiro policial que aparecer.” “Em uma de minhas caminhadas noturnas,
relata Chenu, percebi De la Hodde fazendo sua ronda pelo Quai Voltaire. Chovia
torrencialmente, e esta circunstância me fez pensar. Será que este prezado De la Hodde
também se beneficia do baú de fundos secretos? ... ‘Boa noite, De la Hodde, com mil
diabos, o que fazes aqui a esta hora e neste tempo horroroso?’ — ‘Estou à espera de um
finório que me deve dinheiro, e como ele passa por aqui todas as noites a esta hora, ele terá
que me pagar, caso contrário...’ - e ele bateu com força sua bengala sobre a mureta do cais.
De la Hodde procura livrar-se de Chenu ... este se afasta ... mas unicamente para esconder-se
sob as arcadas do Institut <de Franco... Quinze minutos depois, percebi o veículo com as
duas pequenas lanternas verdes... Um homem desceu, De la Hodde caminhou em sua
direção; conversaram por instantes, e vi De la Hodde fazer o gesto de quem coloca dinheiro
no bolso.” Marx e Engels, resenha de Chenu, Les Conspirateurs, Paris, 1850, e De la Hodde,
La Naissance de la République, Paris, 1850, publicada em Die Neue Rheinische Zeitung e
reimpressa em Die Neue Zeit, ano IV, Stuttgart, 1886, pp. 555-556, 552-551.
[V 2; V 2a]
Os operários de 1848 e a grande Revolução: “Embora estes sofressem sob as condições
impostas pela revolução, não a responsabilizavam por sua miséria; imaginavam que a revolução
não tinha conseguido trazer a felicidade das massas populares porque intrigantes tinham
pervertido o princípio que lhe servia de base. Na opinião deles, a grande revolução em si
mesma era boa, e a miséria humana só poderia ser eliminada se houvesse a decisão de fazer
um novo 1793. Assim, afastaram-se desconfiados dos socialistas e sentiram-se atraídos
pelos republicanos burgueses, que conspiravam com o intuito de criar uma república por
V
[COftiS^RAÇJES, C OMPA GNONNA Gf ]
651
vias revolucionárias. As sociedades secretas, à época do governo de Luís Filipe, recrutavam
grande parte de seus membros mais ativos na classe operária. Paul Laíargue, “Der
Klassenkampf in Frankreich”, Die Neue Zeit, XII, n° 2, 1894, p. 615.
[V 3, 1]
Marx sobre a “Liga dos Comunistas”: ‘“Quanto à ... doutrina secreta da liga, ela passou por
todas as transformações do socialismo e do comunismo francês e inglês, assim como as suas
variantes alemãs... A forma secreta da sociedade deve sua origem a Paris... Durante minha
primeira estada em Paris (do final de 1843 até o início de 1845), cultivei o contato pessoal
com os dirigentes locais da liga, assim como com os chefes da maioria das sociedades
secretas de operários franceses, sem filiar-me, contudo, a nenhuma delas. Em Bruxelas..., a
autoridade central de Londres nos contatou e enviou ... o relojoeiro Josef Moll ... para
solicitar a nossa entrada na liga. Moll desfez nossas hesitações, revelando que a seção central
tinha a intenção de convocar um congresso da liga em Londres... Assim, nós nos filiamos.
O congresso ... foi realizado, e após acirrados debates que duraram várias semanas foi
aprovado o Manifesto do Partido Comunista , redigido por Engels e por mim.’ Quando
Marx escreveu estas linhas, qualificou seu conteúdo como ‘histórias meio esquecidas e há
muito desaparecidas.’ ...Em 1860, o movimento operário, derrotado pela contra-revolução
dos anos cinqüenta, ainda não tinha despertado novamente em nenhum lugar da Europa...
A história do Manifesto Comunista fica mal compreendida se estabelecemos o surgimento
do movimento operário europeu a partir de sua publicação. O Manifesto foi, antes de tudo,
a conclusão de seu primeiro período, que vai da Revolução de Julho até a Revolução de
Fevereiro... O máximo que puderam alcançar foi a clareza teórica... Uma liga secreta de
operários, que durante anos conseguiu acompanhar e participar intelectualmente do
socialismo francês e inglês da época, bem corno da filosofia alemã contemporânea,
demonstrou uma energia de pensamento que só pode despertar o maior respeito.” “Ein
Gedenktag des Kommunismus”, Die Neue Zeit, XVI, n° I, Stuttgart, 1898, p. 354-355.
A citação de Marx é extraída do libelo contra Vogt.
[V 3, 2]
“Os programas práticos dos conspiradores comunistas da época ... distinguem-se ... de
maneira bastante vantajosa dos programas dos socialistas utópicos pela firme convicção de
que a libertação da classe operária (‘o povo’) é inimaginável sem a luta contra as classes
superiores (‘a aristocracia’). Decerto a luta de um punhado de homens que urdiram uma
conspiração em nome dos interesses do povo não pode de maneira alguma ser chamada de
luta de classes. Porém, quando a maior parte dos conspiradores se compõe de operários,
então a conspiração constitui um germe da luta revolucionária da classe operária. A concepção
que a Société des Saisons 4 tem da ‘aristocracia testemunha a estreita relação genética entre
as idéias dos comunistas revolucionários na França da época e as idéias dos revolucionários
burgueses do século XVHI, como também da oposição liberal na época da Restauração...
Assim como Augustin Thierry, os comunistas revolucionários franceses partiam da idéia de
que a luta contra a aristocracia seria necessária no interesse de todo o conjunto da sociedade.
Entretanto, enfatizam com razão que a aristocracia de sangue foi substituída pela aristocracia
4 A “Sociedade das Estações do Ano" foi uma sociedade secreta fundada, em 1837, por Auguste Blanqui
com a ajuda de dois outros jovens republicanos. Ela usava técnicas clássicas de conspiração e tinha uma
organização hierárquica e rigorosamente disciplinada. A precursora dessa instituição foi a também
secreta Société des Familles, fundada por Blanqui, em 1 834, depois de ele ter sido, em 1 832, membro
da Société des Amis du Peuple, republicana e saint-simoniana. (E/M)
652 ■ Passagens
do dinheiro, e que conseqüentemente a luta ... devia se voltar contra a burguesia. Georg
Plekhanov, “Über die Anfãnge der Lehre vom Klassenkampf (extraído da introdução a
uma edição russa do Manifesto Comunista), parte III, “Die Anschauungen des
vormarxistischen Sozialismus vom Klassenkampf”, Die Neue Zeit, XXI, n 1, Stuttgar ,
1903, p. 297. [V3a,i]
1851: “Um decreto publicado em 8 de dezembro autorizou a deportação sem julgamento
de qualquer pessoa que pertencesse ou tivesse pertencido a uma sociedade secreta.
Entendeu-se por este termo qualquer tipo de sociedade, ainda que fosse uma sociedade de
assistência mútua ou uma associação literária, mesmo se ^ “ d ^ mas ”! 1
registro junto ao prefeito de polícia.” A. Malet e P. Grillet, XIX' Siecle, Paris, 1919, ^264.
“Depois do atentado de Orsini ... o governo imperial logo aprovou uma la, dita de segurança
geral, que lhe dava o poder de deter e deportar sem julgamento ... qualquer pessoa que
tivesse sido punida anteriormente por ocasião das jornadas de junho de 1848 e dos
acontecimentos de dezembro de 1851... Os prefeitos de todos os ^« receberam
ordens para designarem de imediato um número determinado de vítimas. A. Malet e
P. Grillet, XIX' Siecle , Paris, 1919, p. 273. [v 3a , 31
<fase média>
“Os Independentes tiveram sua sociedade secreta, a Charbonnerie, organizada no início de
1821, segundo o modelo dos carbonari italianos. Os organizadores foram um vendedor de
vinhos itinerante, Dugied, que havia morado em Nápoles, e um estudante de medicina,
Bazard Cada filiado depositava um franco por mês, devia ter um firzil, cinquenta cartuchos,
e jurava executar cegamente as ordens do chefe. A Charbonnerie recmtava sobretudo junto
aos estudantes e no exército; acabou por contar com 2.000 seções e 40.000 adeptos. Os
carbonários queriam derrubar os Bourbons - trazidos pelo estrangeiro - e devolver a
nação o livre exercício do direito de escolher o governo que lhe convem Eles organizaram
nove complôs nos seis primeiros meses de 1822: todos fracassaram. A. Malet e P. GnUet,
XIX Siecle, Paris, 1919, p. 29. As insurreições dos carbonari eram revoltas militares, ialvez
tivessem uma certa analogia com a dos decembristas. ^ ^
Em 29 de abril de 1827, dissolução da Garde Nationale por Villèle, devido a uma
manifestação organizada por ela, contra ele. |- v ^ 2 ]
Cerca de 60 alunos da École Polytechnique na liderança da Insurreição de Julho. ^ ^
Em 25 de março de 1831, restabelecimento da Garde Nationale. “Ela mesma nomeava
seus oficiais, exceto os chefes de legião... A Garde Nationale formava ... um verdadeiro
V
[CONSPÇÍAÇÕeS, CyUPíGSOHMAGE]
653
exército, contando com aproximadamente 24.000 homens... Esse exército era ... uma
força de polícia... Assim, teve-se o cuidado de afastar os operários... Chegou-se a isso exigindo
que o guarda nacional tivesse um uniforme e se equipasse por sua conta... Essa guarda
burguesa, aliás, cumpriu bravamente seu dever em todas as circunstâncias. .Assim que
passavam os tambores dando o toque de chamada, cada um deixava suas ocupações, os
lojistas fechavam suas lojas, e, vestido o uniforme, iam-se juntar ao batalhão no lugar
combinado.” A. Malet e P Grillet, XIX e Siècle, Paris, 1919, pp. 77 e 79.
[V 4. 4]
“Os Republicanos tinham pertencido, na sua maioria, à Charbonnerie; contra Luís Filipe
eles multiplicaram o número de sociedades secretas. A mais importante delas ... foi a dos
Droits de 1’Homme [Direitos do Homem]. Criada em Paris, onde chegou em pouco
tempo a cerca de 4.000 filiados, e organizada nos moldes da Charbonnerie, ela teve
ramificações na maior parte das cidades importantes. Foi ela quem organizou as grandes
insurreições de Paris e de Lyon, em junho de 1832 e em abril de 1834. Os principais
jornais republicanos eram La Tribune e Le National , o primeiro dirigido por Armand Marrast
e o segundo por Armand Carrel.” Malet e Grillet, XIX e Siècle , Paris, 1919, p. 81.
(V 4, 5]
Declaração de 19 de dezembro de 1830 feita por alunos da École Polytechnique na redação
do jornal Constitutionnel : ‘“Se entre os agitadores’, disseram, ‘houver um homem trazendo
o uniforme da Escola, ele é um impostor’... E procuraram caçar por toda parte os homens
que se apresentavam nos subúrbios vestindo o uniforme de politécnico, tentando usurpar
sua influência. O meio para reconhecê-los, diz Bosquet, era perguntar-lhes a diferencial de
sin x ou de log x ; ‘se eles respondessem, eram antigos alunos, se não respondessem, eram
aprisionados’.” G. Pinet, Histoire de 1’École Polytechnique, Paris, p. 1 87- As agitações ocorreram
em razão do processo contra os ministros de Charles X. 5 Pinet acrescenta (p. 187):
“Sustentando os interesses da burguesia, os que tinham convicções republicanas pareciam
temer que os acusassem de desertar a causa do povo.” Em todo caso, em uma proclamação
posterior, a École manifestou-se favorável ao sufrágio universal.
[V 4a, 1]
“Filiados às sociedades organizadas às claras ou secretamente, os alunos vão diariamente
até elas para buscar a palavra de ordem... Recebem instruções sobre os movimentos que
se preparam... A École Polytechnique chegou a se considerar um quarto poder no Estado...
É a hora em que o partido republicano, que conta em suas fileiras com toda a artilharia
da Garde Nationale, o estudante, o proletário, o operário e o condecorado de Julho,
retoma sua atividade; em que as sociedades populares, Les Amis du Peuple , Les Droits de
PHomme e La Gauloise, recrutam inúmeros filiados; em que a Garde Nationale não é
mais suficiente para manter a tranqüilidade pública; em que os saint-simonianos ameaçam
abalar a ordem social..., em que ... Le National e La Tribune mantêm uma luta diária
contra o poder.” G. Pinet, Histoire de VEcole Polytechnique, Paris, 1887, pp. 192-193.
[V 4a, 2]
5 Em consequência da Revolução de Julho, os ministros de Charles X foram presos e julgados. Durante o
processo, tropas da Garde Nationale, sob o comando de Lafayette, controlavam a multidão que exigia
a pena de morte para os ministros. Estes foram condenados à prisão perpétua em 24 de dezembro de
1830, mas anistiados em 1836. (E/M)
654 ■ Passagens
Durante a epidemia de cólera, o governo foi acusado de ter envenenado as fontes. Por
exemplo, no faubour v Saint-Antoine.
F J & [V 4a, 3]
“A juventude das escolas havia adotado a boina vermelha; e as sociedades secretas estavam
na expectativa da próxima vez, quando se ia passar a navalha nacional.’' Charles Louandre,
Les Idées Subversives de Notre Temps, Paris, 1 872, p. 85.
[V 4a, 4]
As sociedades secretas dos democratas eram chauvinistas. Elas queriam a propaganda
internacional da república através da guerra.
[V 5, 1]
“Resposta dada mais tarde por um réu diante da Corte dos Pares: - Quem era seu chefe? -
Eu não o conhecia, e não o reconheceria” Victor Hugo, CEuvres Completes, Romance VIII
{Les Misérables), Paris, 1881, p. 47 (“Faits d’oü 1’histoire sort et que fhistoire ignore”).
V 5. 2]
“De vez em quando, homens ‘de maneiras burguesas e muito bem vestidos* vinham ‘causando
embaraço’, e com ar ‘de comando’ cumprimentavam os mais importantes e iam embora.
Não ficavam mais que dez minutos.” Victor Hugo, CEuvres Completes, Romance 8 {Les
Misérables, Paris, 1881, pp. 42-43 (“Faits d’oú fhistoire sort et que fhistoire ignore”).
[V 5, 3]
A Société des Droits de 1’Homme utiliza em suas circulares o calendário da grande Revolução.
No pluviôsef ano 42 da era republicana, conta com 300 filiais na França; 163 em Paris,
sendo que cada uma delas tinha um nome especial. A propaganda da burguesia junto ao
proletariado tinha a vantagem de “em vez de atraí-los com atitudes que humilhavam —
serviços materiais, gestos assistenciais ou doações em dinheiro -, foi com atenção e deferência,
com bailes e festas em comum, que os dirigentes burgueses trabalharam para criar vínculos
com eles”. Charles Benoist, “Iíhomme de 1 848”, parte I, Revue des Deux Mondes, 1 jul.
1913, pp. 148-149.
[V 5, 4]
A Société de Propagande: “Deveu-se a ela, em parte, a grande greve do fim de 1833, que
estendeu-se aos tipógrafos, mecânicos, cortadores de pedras, cordoeiros, cocheiros de fiacre,
dobradores, luveiros, serradores, operários da indústria de papéis, fabricantes de gorros,
chaveiros, e que envolveu nada menos que '8.000 costureiros, 6.000 sapateiros, 5.000
carpinteiros, 4.000 joalheiros, 3.000 padeiros’.” Ch. Benoist, “Ehomrne de 1848”, parte
I, Revue des Deux Mondes, 1 jul. 1913, p. 151.
[V 5. 5]
O Comitê Invisível — nome de uma sociedade secreta em Lyon.
[V 5, 6]
Somente após 1832, mas principalmente por volta de 1834 e 1835, a propaganda
revolucionária começou a dar resultados junto ao proletariado.
[V 5, 7]
6 Quinto mês (de 20 de janeiro a 18 de fevereiro) do calendário revolucionário francês, introduzido em
outubro de 1793 pela Primeira República. (E/M)
w
íFoLf»] 665
agora o cão o é para as caçadas. Novas estrelas surgirão para substituir a lua que, aliás, já
estaria em processo de decomposição.” Sigmund Englãnder, Geschichte der franzosischen
Arbeiter-Associationen , Hamburgo, 1864, vol. I, pp. 240-244.
D [W 7 la]
“Fourier, em seus últimos anos de vida, ... queria fundar um falanstério que seria habitado
apenas por crianças de 3 a 14 anos, que ele pretendia reunir em um número de 12.000;
seu apelo, porém, não foi atendido e conseqüentemente o plano não se realizou. Ele deixou
em seus escritos uma descrição detalhada que especifica exatamente como as crianças
deveriam ser preparadas para a idéia de associação. A partir do instante em que a criança
começasse a andar, dever-se-ia procurar detectar seu gosto e suas paixões e, desta maneira,
descobrir sua profissão. As crianças que amam a vida nas ruas, que fazem muito barulho e
não sabem se manter asseadas, são reunidas por Fourier em pequenos bandos incumbidos
de realizar os trabalhos mais repugnantes da associação. Por outro lado, existem crianças
com um gosto inato pela elegância e pelo luxo; Fourier as reúne igualmente em um grupo,
para manter, por meio delas, o luxo da falange... As crianças devem se tornar ... grandes
artistas do canto. Cada falange terá, segundo Fourier, cerca de 700-800 atores, músicos e
bailarinas, e o cantão mais pobre dos Alpes e dos Pirineus terá uma ópera pelo menos tão
boa quanto a grande Ópera de Paris, senão melhor. Para estabelecer este sentido geral para
a harmonia, Fourier colocaria as crianças para cantar em duetos ou trios já a partir da
creche.” Sigmund Englãnder, Geschichte der franzosischen Arbeiter-Associationen , Hamburgo,
1864, vol. I, pp. 242-243.
rr [W2, 1]
“Entre os discípulos de Fourier, um dos mais divertidos foi este Alphonse Toussenel, que,
em 1847 e 1852, publicou estas obras que foram populares por algum tempo: LEsprit des
Bètes e Le Monde des Oiseaux... Como Fourier ... ele vê na natureza apenas seres animados:
*Os planetas’, afirma ele ‘...têm grandes deveres a cumprir, primeiro como cidadãos de um
* bilhão, depois como mães de família’. E ele descreve voluptuosamente os amores da
êrra com o Sol: ‘Como o amante que se veste com as mais belas roupas, e penteia seus
cabelos e perfuma sua linguagem para a visita do amor, assim a cada manhã a Terra se
reveste com seus mais ricos adornos para correr ao encontro dos raios do astro amado... Tres
vezes feliz é a Terra, já que nenhum concílio sideral lançou ainda o anátema contra a
imoralidade dos beijos do Sol!’ ... ‘Os senhores professores da fisica oficial não ousam dizer
os dois sexos da eletricidade; acham mais moralista referir-se aos seus dois pólos... Tais absurdos
*nán além de mim... Se o fogo do amor não abrasasse todos os seres, os metais e os minerais,
assim como os outros, onde estaria, pergunto, a razão dessas afinidades ardentes entre o
potássio e o oxigênio, entre o gás clorídico e a água?”’ Toussenel, LEsprit des Betes, 6 a ed.,
Paris, 1862, pp. 9, 2-3, 102-106, cit. em René de Planhol, Les Utopistes de l’Amour , Paris,
1921, pp. 219-220.
[W2, 2]
“Nosso planeta entra em declínio material devido ao atraso de seus habitantes em termos
de escala social. É semelhante a uma árvore cujas folhas se deixassem devorar durante
alguns anos pelas lagartas: a árvore se enfraqueceria e morreria.” Citação de Fourier, Théorie
en Abstmit ou Négative, p. 325- “Nosso turbilhão é jovem, e uma coluna de 102 planetas
está a caminho para se introduzir em nosso universo, que está pronto para passar da 3 a para
666 ■ Passagens
a 4 a potência.” Cit. em Fourier, Théorie des Quatre Mouvements, 1808, pp. 75, 462, e
Théorie Mixte ou Spéculative et Synthhe Routinière de VAssociation, pp. 260, 263. Cit. em
E. Silberling, Dictionnaire de Sociologie Phalanstérienne, Paris, 1911, pp. 339; 338.
IW 2a, 1]
O jornal de Gay, Le Communiste : “Digno de nota é o fato de ele defender a idéia de que
seria impossível instituir o comunismo sem que houvesse uma total transformação das
relações sexuais... ‘Na sociedade comunista..., as pessoas de sexo diferente não só teriam
inúmeras relações íntimas, como também nasceria entre elas, já a partir do primeiro encontro,
uma verdadeira simpatia.”’ Englánder, Geschichte der franzõsischen Arbeiter-Associationen,
Hamburgo, 1864, vol. II, pp. 93-94.
[W2a, 2]
A propósito de Cabet: “Não se dizia: Emigremos para a América e fundemos a duras penas
uma colônia em um lugar selvagem..., mas em vez disso Cabet clamava: ‘Vamos para
Icária!’... Lancemo-nos dentro deste romance, 1 tornemos viva a Icária, libertemo-nos de
todas as privações...! A partir de então, cada artigo do seu jornal referia-se apenas a Icária,
chegando, por exemplo, ao ponto de concluir sua descrição dos ferimentos de alguns
operários, vítimas da explosão de uma máquina a vapor que foi pelos ares em La Villette,
com as palavras: ‘Vamos para Icária!’” Englánder, op. cit., vol. II, pp. 120-121.
[W 2a, 3]
A propósito de Cabet: “A maioria dos correspondentes escreve como se tivessem escapado
do destino geral da humanidade com sua viagem para a América.” [Trata-se de
correspondentes do Populaire.} Englánder, op. cit., vol. II, p. 128.
[W 2a, 4]
“Cabet, que era atacado pelo partido radical republicano, que o considerava um narcotizador”,
teve que “dirigir-se a Saint-Quentin ... para defender-se da acusação de atividades
revolucionárias. A acusação sustentava que os icarianos, embora partindo de navio com
Cabet, desembarcariam novamente em um outro ponto da costa francesa para iniciar a
revolução.” Englánder, op. cit., vol. II, p. 142. ■ Sociedades Secretas ■
[W 2a, 5]
“Mercúrio nos ensinará a ler. Ele nos transmitirá o alfabeto, as declinações, enfim, toda a
gramática da língua harmônica unitária, falada no sol e nos planetas harmonizados.” Citação
de Fourier em Maurice Harmel, “Charles Fourier”, Portraits dHier, ano II, n° 36, 1 set.
1910, p. 184.
[W 2a, 6]
“Entre todos os contemporâneos de Hegel, Ch. Fourier foi o único que percebeu as relações
burguesas de maneira tão lúcida quanto o primeiro.” G. Plekhanov, “Zu Hegels sechzigstem
Todestag”, Die Neue Zeit, X, n° 1, Stuttgart, 1892, p. 243.
[W2a, 7]
Fourier fala “da ascensão do princípio da ‘paixão industrial’ ( fougue industrielle ), o entusiasmo
geral que é determinado pelas leis ... da ‘compósita’ ou da ‘coincidente’. Uma reflexão
superficial poderia nos levar a crer que já atingimos esse estágio hoje em dia. A paixão
1 Étienne Cabet, Le Voyage en Icarie, Paris, 1839. (R.T.)
w
tolwep] 667
industrial é representada pela furia da especulação e pelo afã de acúmulo de capital; a
‘ passion coincidente (compulsão pela coesão), pelo acúmulo de capitais, por sua crescente
concentração. Entretanto, mesmo que nesta relação existam os elementos descobertos por
Fourier, eles não estão ordenados e organizados do modo como ele sonhava e imaginava.
Charles Bonnier, “Das Fourier sche Prinzip der Anziehung”, Die NeueZeit, X, n° 2, Stuttgart,
1892, p. 648.
fW 3. 11
“Percebe-se em suas obras que Fourier exigia a aplicação de sua teoria a partir do ano de sua
publicação. Em suas ‘Observações preliminares’ (‘Prolégomènes), ... indica o ano de 1822
como o tempo dos preparativos para a construção da colônia experimental da associação
harmoniosa; em 1823, esta deveria ser efetivamente fundada e testada, e em 1824, seu
exemplo deveria ser amplamente seguido pelos homens civilizados. Charles Bonnier, Das
Fouriersche Prinzip der Anziehung”, Die Neue Zeit , X, n° 2, Stuttgart, 1892, p. 642. ^
Influência póstuma: “No poderoso romance de Zola, Travail [Trabalho], o grande utopista
deveria celebrar sua ressurreição... Leconte de Lisle, que se tornou mais tarde o nome mais
famoso da escola parnasiana, foi, em sua fase de tempestade e ímpeto, um cantor do
socialismo de Fourier. Um colaborador da Revue Socialiste... [cf. o número de novembro de
1901] informa-nos que o poeta colaborou inicialmente com o jornal La Démocratie Pacifique ,
a convite da redação ... e depois, sobretudo com o jornal La Phalange..L H. Thurow, ‘Aus
den Anfãngen der sozialistischen Belletristik”, Die Neue Zeit, XXI, n° 2, Stuttgart, 1903,
“Os economistas e políticos que inspiraram os socialistas do período anterior a 1848 foram
sempre contrários às greves. Explicavam aos operários que uma revolta, mesmo sendo
vitoriosa, não lhes traria vantagens, e que, em vez de gastarem seu dinheiro em greves, eles
deveriam empregá-lo na criação de cooperativas de consumo e produção. Proudhon teve
... a idéia genial de conclamar os operários à greve - não para conseguir um aumento de
salários, e sim - para reduzi-los... Dessa forma o operário ganharia como consumidor duas
ou três vezes mais do que ganhava como produtor. Lafargue, Der Klassenkampf in
Frankreich”, Die Neue Zeit, XII, n° 2, 1894, pp. 644 e 61 6.
“Fourier, Saint-Simon e os outros reformistas recrutavam seus adeptos quase exclusivamente
dentre os artesãos ... e a elite intelectual da burguesia. Com poucas exceções, reuniam-se
•em torno deles pessoas cultas que achavam que a sociedade não lhes dava a devida atenção...
Tratava-se de desclassificados que se tornaram empreendedores ousados, comerciantes
aníilosos e especuladores... O Sr. Godian, por exemplo, ... fundou em Guise ( département
Aisnei um familistere conforme os princípios de Fourier. Deu moradia a numerosos operários
ae sua fábrica de louça esmaltada, instalando-os em prédios vistosos, que se estendem em
innn de um amplo pátio quadrangular coberto por um teto de vidro; ali, os operários
Bõkdo travam, além de um lar, todos os artigos de uso diário..., um teatro e concertos para
sna entretenimento, escolas para seus filhos etc. Em suma, o senhor Godin cuidava de
bmÍü as necessidades materiais e espirituais deles, e conseguia, além disso, lucros
ggg ■ Passagens
consideráveis. Ele conquistou a fama de um benfeitor da humanidade e morreu
multimilionário.” Paul Lafargue, “Der Klassenkampf in Frankreich”, Die Neue Zeit, Xii,
n° 2, 1894, p. 617. [W 3 a, u
Fourier sobre as ações: “Em seu Traité de IVnité Universelk, Fourier enumera ... as vantagens
que esta forma de propriedade oferece ao capitalista: ‘Ele não corre o risco de ser roubado
ou de sofrer danos provocados por incêndios ou terremotos... Um investidor menor nunca
é prejudicado na administração de seus bens, uma vez que a administração é a mesma para
ele e para todos os demais investidores... Um capitalista - mesmo que possua cem milhões
- pode realizar seu patrimônio a qualquer momento’ etc. Por outro lado, o pobre, mesmo
que possua apenas um táler, poderia participar de uma das ações populares, que sao
subdivididas em partes minúsculas ... e, desse modo, fala ... de nossos palácios, nossas lojas
de departamentos, nossos tesouros’. Napoleão III e seus cúmplices no golpe de Estado eram
muito favoráveis a estas idéias; ... eles democratizaram a renda pública, como um deles o
disse, ao instituírem o direito de se comprar papéis por 5 francos ou até por 1 tranco.
Acreditavam despertar desta maneira o interesse das massas pela solidez do crédito publico
e evitar as revoluções políticas.” Paul Lafargue, “Marx’ historischer Materialismus , Die
Neue Zeit, XXII, n° 1, Stuttgart, 1904, p. 831.
“Fourier nao é somente um crítico; sua natureza eternamente alegre torna-o um satírico, e
certamente um dos maiores satíricos de todos os tempos.” Engels, cit. por Rudolf Franz
em sua resenha de E. Silberling, Dictionnaire de Socwlogie Phalanstérienne (Paris, 1911),
Die Neue Zeit, XXX, n° 1, Stuttgart, 1912, p. 333. „ , ,,
A propagação do falanstério deu-se graças a uma “explosão”. Fourier fala de uma “explosão
do falanstério”. [W 3 a, 4]
Na Inglaterra, a influência de Fourier foi comparável à de Swedenborg.
“Heine conhecia bem o socialismo. Ele ainda conheceu Fourier pessoalmente. Em seus
artigos sobre A situação na França (. Franzõsische Zustãnde), 1 escreveu certa vez (15 de
junho de 1843): ‘Sim, Pierre Leroux é pobre, assim como o foram Samt-Simon e Fourier,
e foi a pobreza providencial destes grandes socialistas que enriqueceu o mundo.. Fourier
também teve que recorrer à caridade de seus amigos; quantas vezes o vi passar apressadamente
ao longo das colunas do Palais-Royal, vestindo seu casaco cinzento e puído, com os bolsos
tão cheios que se podia ver em um deles o gargalo de uma garrafa, e no outro, a ponta de
um pão. Um de meus amigos, o primeiro a mostrá-lo para mim, chamou minha atenção
para a indigência de um homem que precisava buscar ele mesmo a bebida na taverna e seu
pão na padaria.”’ Cit. em “Heine an Marx”, Die Neue Zeit, XIV, n° 1, Stuttgart, 1896, p. 16.
Texto original: Heine, Sãmtliche Werke, ed. org. por W. Bõlsche, Leipzig, vol. V, p. 34
[“Kommunismus, Philosophie und Klerisei , I]-
2 Título de uma série de artigos de jornal publicados em 1831 e 1832 no Allgemeine Zeitung, de
Augsburgo, e reunidos em livro em 1833. (w.b.)
w
[Fourer] 669
TEm suas notas sobre as memórias de Annenkoff, Marx escreveu: ...Fourier foi o primeiro
a ridicularizar a idealização da pequena-burguesia. Relatado por P. Anski, “Zur
Charakteristik von Marx”, Russkaia Mysl, agosto de 1903, p. 63; em N. Rjasanoff, "Marx
und seine russischen Bekannten in den vierziger Jahren”, Die Neue Zeit, XXXI, n° 1,
Stuttgart, 1913, p. 764.
[W 4, 2]
“O senhor Griin pode facilmente criticar a maneira como Fourier trata o amor; ele mede a
crítica de Fourier às relações amorosas atuais tomando como base as fantasias pelas quais
Fourier procurava chegar a uma percepção do amor livre. O senhor Grün, como bom
filisteu alemão, leva estas fantasias a sério. São a única coisa que leva a sério. Se pretendia
realmente aprofundar este aspecto do sistema, não dá para entender por que também não
se interessou pelas considerações de Fourier sobre a educação, que são, de longe, o melhor
cue existe neste ponto e que contêm suas observações mais geniais... ‘Fourier é justamente
a pior expressão do egoísmo civilizado’ (p. 208). Ele comprova isto narrando que, na
ocdem do mundo concebida por Fourier, o mais pobre dos mortais se serve diariamente de
-40 pratos, consumindo cinco refeições por dia, que as pessoas atingem a idade de 144 anos
de vida, e assim por diante. A concepção grandiosa dos homens, que Fourier contrapõe
com humor ingênuo à acanhada mediocridade dos homens da Restauração [em Dampjboot,
palavras inseridas após ‘homens’: ‘infinitamente pequenos’, Béranger], serve para o senhor
Grün apenas para retirar dali o aspecto mais inocente e usá-lo para fazer um comentário
impregnado de moralismo filisteu.” Karl Marx sobre Karl Grün como historiador do
socialismo (reprodução de um artigo do número de agosto-setembro de 1847 de
Westphálisches Dampjboot ) em Die Neue Zeit, XVIII, n° 1, Stuttgart, 1900, pp. 137-138.
[w 4, 3]
Pode -se caracterizar o falanstério como uma maquinaria humana. Isto não é uma
recriminação, e nem se pretende fazer alusão a nada de mecanicista; a expressão designa
apenas a grande complexidade de sua estrutura. O falanstério é uma máquina feita de
homens.
[W 4, 4]
Ibnto de partida de Fourier: a reflexão sobre o comércio de varejo. Cf. o seguinte: "Quando
se examina em Paris o número de pessoas que dependem do pequeno comércio para viver,
o tamanho deste formidável exército — ocupado exclusivamente em medir, pesar, empacotar,
transportar alimentos da margem direita à margem esquerda — é algo espantoso, e com
jazão... Falta ainda acrescentar que, em nossas cidades industriais, uma loja está a cargo de
mês ou quatro famílias... ‘ Sordidi etiam qui mercantur a mercatoribus quod statim vendant;
Kiinl enim proficiunt nisi admodum mentiantur. Nec vero quicquam est turpius vanitate.'
l,De Officiis ). 3 ...O atual presidente da Câmara de Comércio solicitou formalmente, no
tno passado, o restabelecimento das corporações para remediar a anarquia comercial.”
Eugène Buret, De la Misère des Classes Laborieuses en Angleterre et en France, Paris, 1840,
toL II, pp. 216-218.
rr fW 4 a, 1]
3 “Sórdidos são ainda aqueles que compram dos comerciantes para vender logo em seguida; pois eles não
ganhariam nada se não recorressem à fraude. Na verdade, nada é mais vergonhoso do que a fraude."
Cícero, De Officiis [Dos Deveres], I, XLII, 1 50. (w.b.)
6~0 ■ Passagens
“A falta de dimensão histórica do proletariado moderno, a ausência, na primeira geração de
operários de fábricas, de qualquer tradição histórica em termos de profissão e ciasse social,
a diversidade de suas origens - pequeno artesanato, pequeno campesinato, lavoura e
ocupações domésticas variadas - tornou esta categoria de pessoas economicamente ativas
receptiva para uma concepção de mundo que deveria improvisar ex novo um novo Estado,
uma nova economia, uma nova moral. A novidade do que estava por ser alcançado
correspondia logicamente à novidade da situação em que os novos homens se encontravam.”
Robert Michels, “Psychologie der antikapitalistischen Massenbewegungen”, in: Grundrij?
der Sozialdkonomik, seção IX, Die geselhchaftliche Schichtung im Kapitalismus, parte I,
Tübingen, 1926, p. 313.
[W 4a, 2]
“A vida de Grandville é bastante medíocre: tranqüila, afastada de todos os excessos, longe
dos entusiasmos perigosos... Sua existência juvenil foi a de um vendedor honesto numa
loja respeitável, em cujas prateleiras impecáveis se apresentam — não sem malícia - as
diferentes imagens que correspondem à necessidade de crítica que um ‘francês médio’
podia desejar em 1827.” Mac-Orlan, “Grandville le précurseur”, Arts et Métiers Graphiques,
44, 15 dez. 1934, p. 20.
[W 4a, 3]
Fourier e Saint-Simon: “Fourier é mais interessante e mais multifacetado na análise econômica
e na crítica da ordem social existente. Saint-Simon, por sua vez, distingue-se favoravelmente
por suas concepções sobre o desenvolvimento econômico futuro. Obviamente, este
desenvolvimento deveria seguir na direção da economia mundial ... e não na direção de
várias pequenas economias autônomas, como imaginava Fourier. Saint-Simon considera a
ordem capitalista ... como uma etapa... Fourier recusa isto em nome da pequena-
burguesia...” V. Volgin, “Uber die historische Stellung St.-Simons”, Marx-Engels-Archiv,
vol. I, Frankfurt a. M., 1928, p. 118.
[W 4a, 4]
“Zola ... em um debate com o escritor Camille Mauclair ... declara de forma inequívoca
que não simpatiza com o coletivismo, que o acha mesquinho e utópico. Que ele seria mais
anarquista do que socialista... O socialismo utópico..., em suas propostas, partiu da empresa
particular, se aproximou da idéia da associação de produção e então procurou avançar até o
comunismo comunitário. Isto foi antes de 1848... Zola, no entanto, retorna ao método
desse período; ele retoma as ... concepções de Fourier, que correspondem às relações
embrionárias da produção capitalista, e tenta associá-las à forma moderna desta produção,
que assumiu proporções gigantescas.” Franz Diederich, “Zola ais Utopist”, (a propósito de
Travail), Die Neue Zeit, XX, n° 1, Stuttgart, pp. 326-327, 329.
[W5, I]
Fourier desaprova (em Le Nouveau Monde Industriei et Sociétaire, 1829) o desprezo pela
gastronomia. “Este desjeito é mais uma das proezas dessa moral que tende a nos tornar
inimigos dos nossos sentidos e amigos do comércio, que só trabalha para o abuso do prazer
sensual. E. Poisson, Fourier [textos escolhidos], Paris, 1932, p. 131. Portanto, Fourier vê no
comércio imoral um complemento da moral idealista. Contrapõe a ambos seu materialismo
hedonista. Sua posição lembra de longe a de Georg Büchner, cujo Danton poderia ter
pronunciado as palavras citadas.
[W 5, 2]
w
[Fouhbí] 671
falange não vende mil quintais de trigo de qualidade mdefimda; ela vende mi
s de trigo classificados em escalas de cinco, seis ou sete variações de sabor, que ela
penmentou nas padarias e que ela diferencia segundo os terrenos de colheita e os métodos
: cultura... Um mecanismo desses será o contrário do nosso mundo às avessas, de nossa
ação que precisa se aperfeiçoar... Assim, vemos em nossa terra alimentos de ma
dade, vinte vezes mais abundantes e mais fáceis de vender que os bons..., que não
■«nos nem mesmo distinguir dos maus; a moral habitua os civilizados a comer do bom
: do ruim indiferentemente. Essa brutalidade do gosto é a base de todas as trapaças dos
nerciantes.” Théorie des Quatre Mouvements, 1828, cit. em E. Poisson, Fourier, Paris,
52 , pp. 134-135. - Já as crianças aprendem a “engolir tudo”. ^ 5> 3]
urier, sabendo ... que às vezes se produz, acima do Pólo Norte, uma descarga elétrica
. ilumina as regiões que ficam mergulhadas na noite durante seis meses do ano, anuncia
, quando a terra for cultivada racionalmente em todas as suas partes, a aurora boreal sera
mente. Isso é absurdo?” O autor procura em seguida dar uma explicação: a terra
■laiormada absorveria menos eletricidade solar, e a eletricidade não absorvida formaria
í iomo dela um cinturão de aurora boreal. Charles-M. Limousin, Le Fouriensme: Réponse
■fe ma Article de Edmond Villey Intitulé ‘Fourier et son CEuvre ”, Paris, 1898, p. 6. ^ ^ ^
i que haveria de surpreendente se Fourier tivesse se ... filiado a uma loja martimsta, ou
. dg pelo menos tivesse sofrido a influência de um meio no qual circulavam essas ideias.
ies-M. Limousin, Le Fouriérisme , Paris, 1898, p. 9. ^ 5a _ 2]
■Édigno de nota - como ressalta Limousin - que o desejo de posse em Fourier nao é uma
ao O mesmo autor define o conceito de passion mécanisante como aquela que regula o
, dos outros. Além disso, ele observa (p. 15): “Fourier estava absolutamente errado ao
com o dever.” É justa sua afirmação (p. 17) de que Fourier era mais inventor do
: sábio. rw 5a, 3]
coi Fourier, a ciência oculta assume uma forma nova - a da indústria. Ferrari, Des idees
tde 1’école de Fourier”, Reme des Dewc Mondes, XI, 1845, n° 3, p. 405.
[W 5a, 4]
1 propósito do modo de pensar mecânico de Fourier: o “Quadro da engrenagem dos
nentos de Harmonia” estabelece vinte níveis diferentes de alugueis para as moradias
das nas ruas-galerias, variando entre 50 e 1.000 francos, e dá a seguinte justificativa,
: outras: “Essa engrenagem das seis séries é uma lei da 12* paixão. A progressão simples,
«antemente crescente ou decrescente, teria inconvenientes muito graves. Na teoria, ela
a tão falsa e perniciosa quanto simplista... Na prática, seria perniciosa porque sugeriria
-o corpo de alojamentos das alas ... fosse de classe inferior. E preciso evitar essa distribuição
ta, que entravaria a engrenagem das diversas classes.” Nos mesmos segmentos das
s-ealerias deveriam morar inquilinos com níveis de vida diferentes. Deixo de lado,
roca, os estábulos..., dos quais tratarei em detalhe nos capítulos específicos. Este deve
r_se a tratar dos alojamentos, de que uma única parte - a rua-galena, ou sala do elo
BIBLIOTECA CENTRAI.
572 ■ Passagens
universal — já prova que os civilizados, depois de 3.000 anos de estudos de arquitetura, não
conseguiram descobrir nada sobre o elo de unidade.” E. Poisson, Fourier [Antologia], Paris,
1932, pp. 145-146.
[W 5a, 5]
Algumas observações sobre a mística dos números em Fourier, segundo Ferrari, “Des idées
et de 1’école de Fourier”, Revue des Deux Mondes-, XIV, n° 3, Paris, 1845: Tudo prova que
o fourierismo se fundamenta na harmonia pitagórica... Sua ciência ... era a ciência dos
antigos” (p. 397). “O número reproduz seu ritmo na avaliação dos benefícios” (p. 398).
Os moradores do falanstério constituem-se de 2 x 810 homens e mulheres. Pois “o número
810 oferece uma série completa de acordes, correspondendo a uma grande quantidade de
assonâncias cabalísticas” (p. 396). “Se em Fourier a ciência oculta assume uma forma nova,
a forma da indústria, é preciso não esquecer que a forma em si não conta nessa poesia
flutuante das mistagogias” (p. 405). “O número agrupa todos os seres segundo suas leis
simbólicas; ele desenvolve todos os grupos por séries; a série distribui as harmonias no
universo... Ora, a série ... é perfeita na natureza inteira... Só o homem é infeliz, porque a
civilização inverte o número que deve governá-lo. Que ele seja arrancado da civilização... Aí
então a ordem que domina o movimento físico, o movimento orgânico, o movimento
animal, explodirá no ... movimento passional; a própria natureza organizará a associação”
(pp. 395-396).
rr [17 6,1]
Antevisão do rei burguês em Fourier: “Ele fala dos reis dedicados à serralheria, à carpintaria,
à venda de peixes, à fabricação da cera para selar.” Ferrari, “Des idées et de 1’école de
Fourier”, Revue des Deux Mondes, XIV, n° 3, Paris, 1845, p. 393.
[W 6, 2]
“Fourier pensou durante toda sua vida, sem se perguntar nem uma vez de onde lhe vinham
as idéias. Ele concebe o homem como uma machine passionelle : sua psicologia começa com
os sentidos e se encerra com o compósito; ela não supõe ... a intervenção da razão para a
solução do problema da felicidade.” Ferrari, “Des idées et de lecole de Fourier”, Revue des
Deux Mondes, XVI, n° 3, Paris, 1845, p. 404.
[w 6, 3]
Elementos utópicos: “A ordem combinada apresenta o lustro das ciências e das artes, o
espetáculo da cavalaria andante, a gastronomia combinada no sentido político..., a politique
galante para o recrutamento dos exércitos’.” (Ferrari, p. 399). “O mundo toma a forma de
seu contrário, os animais ferozes ou maléficos se transformam para o uso do homem: os
leões fazem o serviço de entrega de correspondência. Auroras boreais aquecem os pólos, a
atmosfera torna-se uma superfície clara como um espelho, a água do mar se adoça, quatro
luas clareiam a noite; em suma, a terra se renova vinte e oito vezes, até que a grande alma do
nosso planeta, extenuada, fatigada, passe para um outro planeta, junto com todas as almas
humanas” (Ferrari, p. 401).
[W 6, 4]
“Fourier é excelente na observação da animalidade, seja da besta, seja do homem; ele é
dotado do gênio das coisas vulgares.” Ferrari, “Des idées et de 1 ecole de Fourier”, Revue des
Deux Mondes, XIV, n° 3, Paris, 1845, p. 393.
[W 6a, 1]
w
[Fcxjfbi] 673
Uma fórmula de Fourier: “Nero será mais údl que Fénelon.” (em Ferrari, p. 399)
[W6a,2]
No esquema seguinte, referente às doze paixões, o segundo grupo de quatro representa as
paixões agrupadoras; o terceiro, de três, as paixões serializantes: “primeiro os cinco sentidos,
em seguida o amor, a amizade, o fãmilismo, a ambição; em terceiro lugar, as paixões da
intriga, da variabilidade, da união — em outras palavras, a cabalista, a borboleteante, a
compósita; uma décima terceira paixão, o uniteísmo, absorve todas as outras”. Ferrari,
“Des idees et de 1’école de Fourier”, Revue des Deux Mondes, XIV, n° 3, Paris, 1 845, p. 394.
[W 6a, 3]
Extraído da última obra de Fourier, La Fausse Industrie : “O célebre engodo americano das
descobertas de Herschell sobre o mundo da lua 4 deu a Fourier a esperança de uma visão
direta do falanstério nos planetas... Quando o engodo foi desmascarado..., eis a resposta de
Fourier: ‘O engodo americano’, declarou, ‘prova: I o a anarquia da imprensa; 2 o a esterilidade
dos narradores que se ocupam do extraterrestre; 3 o a ignorância sobre as conchas atmosféricas;
4 o a necessidade de um megatelescópio.’” Ferrari, “Des idées et de 1’école de Fourier”,
Reme des Deux Mondes , XIV, n° 3, Paris, 1845, p. 415.
[W 6a, 4]
O elemento alegórico em La Fausse Industrie: “Vénus criou sobre a terra a amora dos
espinheiros, símbolo da moral, e a framboesa cheia de vermes e versos, 5 símbolo da
contramorai pregada nos teatros.” Ferrari, “Des idées et de 1’école de Fourier”, Revue des
Deux Mondes, XTV, n° 3, Paris, 1845, p. 416.
[W 6a, 5]
“Segundo Fourier, o falanstério devería ganhar, só com os espectadores, 50 milhões de
francos em dois anos.” Ferrari, “Des idées et de 1’école de Fourier”, Revue des Deux Mondes,
XIV, n° 3, Paris, 1845, p. 412.
[W 6a, 6]
“O falanstério era para Fourier uma verdadeira alucinação. Ele o via por toda parte, na
civilização e na natureza. Ele nunca faltava a um desfile militar; essa manobra representava
para ele o jogo todo-poderoso do grupo e da série invertido para uma obra de destruição.”
Ferrari, “Des idées et de 1’école de Fourier”, Revue des Deux Mondes, X3Y n° 3, Paris, 1845,
p. 409.
[W 6a, 7]
4 No verão de 1835, o jornal The New York Sun divulgou a notícia de que Herschell, através de um
telescópio gigante, tinha detectado florestas paradisíacas, campos verdes, colinas e vales, e até organismos
vivos, na superfície da lua. (E/M.)
5 O original, "la framboise remplie de vers", contém um jogo de palavras: vers significa ao mesmo tempo
"vermes" e "versos", (w.b.)
■ Passagens
<fase média>
Fourier, a respeito de uma proposta de colônia pedagógica em miniatura: “Fulton devena
ter construído ou ter planejado apenas uma embarcação pequena e delicada, que teria
demonstrado em escala reduzida o poder do vapor; seu barco poderia ter conduzido de
Paris a Saint-Cloud - sem velas, nem remadores, nem cavalos - uma meia dúzia de ninfas
que, ao retornar de Saint-Cloud, teriam divulgado o prodígio e posto todo o belo mundo
parisiense em polvorosa.” Ferrari, “Des idees et de 1 ecole de Fourier , Revue des Deux
Mondes, XIV, n° 3, Paris, 1845, p. 414.
[W 7. IJ
“Querem fortificar Paris, gastando assim centenas de milhões numa obra de guerra, enquanto
esse mágico, com um milhão, teria extirpado para sempre a causa de todas as revoluções, de
todas as guerras.” Ferrari, “Des idees et de lecole de Fourier”, Revue des Deux Mondes, XIV,
n° 3, Paris, 1845, p. 413.
[W 7, 2]
Michelet, a respeito de Fourier: “Singular contraste entre tamanha ostentação de
materialismo e uma vida espiritualizada, abstêmia e desinteressada!” J. Michelet, Le Peuple,
Paris, 1846, p. 294.
[W 7, 3]
Comparar a idéia de Fourier sobre a propagação dos falanstérios por meio de explosões com
duas idéias de minha “política”: 6 a da revolução como inervação dos órgãos técnicos do
coletivo (comparação com a criança que, ao tentar pegar a lua, aprende a agarrar as coisas)
e a idéia da “ruptura da teleologia natural”. <Cf. X la, 2 e W 8a, 5>
r [W 7, 4]
Fourier, (T.uvres, vol. III, p. 260: “Quadro dos pontos de acusação a serem preparados
contra Deus, na hipótese de uma lacuna no código social divino.”
v [W 7, 5]
Reprodução de algumas idéias de Fourier: “O rei Clodomiro, reconduzido pela harmonia
a sua vocação natural, não é mais esse merovíngio feroz, que joga num poço seu confrade
Sigismundo: ‘é um amigo das flores e dos versos, um sectário ativo das rosas aveludadas,
das ameixas douradas, de morangos, ananases, e de muitos outros vegetais...; ele desposa a
vestal Antígona e a segue como trovador até a falange de Hipocrene’. Luís XVI, em vez de
exercer penosamente o cargo de rei, para o qual ele não nasceu, fabricaria magnificas
fechaduras.” Charles Louandre, Les Idées Subversives de Notre Temps, Paris, 1872, p. 59
[citação sem indicação da fonte],
^ [W 7, 6]
Delvau - Les Lions du Jour, Paris, 1867, p. 5 - fala do “engenhoso idioleto” de Fourier.
[W 7, 7]
6 Não fica claro se Benjamin se refere aqui às suas idéias políticas em geral, ou mais específicamente ao seu
artigo, infelizmente perdido, "Der wahre Politiker" (O político autêntico, 1919-1920), chamado por
ele também de "Prolegomena zur zweiten Lesabéndio-Kritik" (Prolegômenos para uma segunda crítica
do Lesabéndio - romance utópico de Paul Scheerbart); cf. GS II, 1423. (R.T.)
w
[Fã*®] 675
~E fácil compreender que todo ‘interesse’ da massa..., tão logo ele surge no palco do mundo,
ultrapassa seus limites reais como ‘idéia’ ou ‘representação’ e se confunde com o interesse
humano em geral. Esta ilusão constitui aquilo que Fourier denomina o tom de cada época
histórica.” Marx e Engels, Die heilige Familie, in: Der historiscbe Materialismus. vol. I, Leipzig,
1932, p. 379.
7X7, 8 ]
Augustin-Louis Cauchy é citado em Toussenel ( LEsprit des Bêtes, Paris, 1884, p. 111)'
como matemático de inclinação fourierista.
[W 7a, 1]
Em uma passagem que trata do malthusianismo, Toussenel explica que a solução da questão
reside na rosa dupla (= plena?) de Rhodos, cujos estames se transformaram em pétalas “e
que, em conseqüência, tornou-se estéril pela exuberância de sua seiva e riqueza. Isto é, ...
enquanto a miséria crescer, a fecundidade do sexo acompanhará o seu ritmo, e só existe um
meio de pôr um freio nessa fecundidade sempre crescente, que é envolver todas as mulheres
CD m as delícias do luxo. Fora do luxo, fora da riqueza geral, não há salvação!” A. Toussenel,
Lrsprit des Bêtes: Zoologie Pcissionnelle, Paris, 1884, p. 85.
[W 7a, 2]
A propósito do feminismo da escola de Fourier: “Em Herschell e em Júpiter, os cursos de
botânica são ministrados por jovens vestais de dezoito a vinte anos... Quando digo ‘de
dezoito a vinte anos’, refiro-me à linguagem da Terra, já que os anos em Júpiter são muito
mais longos que os nossos, e o vestalato só se inicia ali por volta dos cem anos.” A. Toussenel,
LEsprit des Bêtes , Paris, 1884, p. 93.
[W 7a, 3]
dm modelo de psicologia fourierista no capítulo de Toussenel sobre o javali: “Existe na
tumanidade uma enorme quantidade de cacos de garrafa, pregos que se soltaram e tocos
•ac velas que estariam completamente perdidos para a sociedade se alguma mão cuidadosa
e inteligente não se encarregasse de recolher todos esses dejetos sem valor, e reconstituí-los
ruma massa suscetível de ser reelaborada e devolvida de novo ao consumo. Essa tarefa
importante entra nas atribuições do avarento... Aqui, o caráter e a missão do avarento se
devam visivelmente: o sovina torna-se trapeiro... O porco é o grande trapeiro da natureza;
de não engorda as custas de ninguém.” A. Toussenel, LEsprit des Bêtes, Paris, 1884, pp.
249 - 250 .
IW 7a, 4]
Marx caracteriza a insuficiência de Fourier, que “concebeu um modo particular de trabalho
— o trabalho nivelado, segmentado, e por isso não-livre... — como a fonte da perniciosidade
ca propriedade privada e de sua existência alienada do homem”, em vez de denunciar o
tabalho enquanto tal como essência da propriedade privada. Karl Marx, Der historiscbe
MiXtenalismus, ed. org. por S. Landshut e J. P. Mayer, Leipzig, 1932, vol. I, p. 292
CNarionalõkonomie und Philosophie”).
[W 7a, 5]
A, pedagogia de Fourier, assim como a pedagogia de Jean Paul, deve ser estudada no contexto
db materialismo antropológico. Nesse sentido, o papel do materialismo antropológico na
7 A referência bibliográfica indicada por Benjamin não procede. (R.T.)
67<J ■ Passagens
França deve ser comparado com o seu papel na Alemanha. Possivelmente verificaríamos
que na França o coletivo humano estava no centro de interesse, enquanto na Alemanha o
indivíduo humano é quem ocupava tal posição. Deve-se observar também que o materialismo
antropológico atingiu uma formulação mais nítida na Alemanha, porque seu oposto, o
idealismo, foi mais incisivo por lá. A história do materialismo antropológico na Alemanha
vai de Jean Paul a Keller (passando por Georg Büchner e Gutzkow); na França, encontrou
sua expressão nas utopias socialistas e nas fisiologias. ^
Mme. de Cardoville, uma grande dama em Le JuifErrant 8 [O Judeu Errante] é fourierista.
[W 8. 2]
Em relação à pedagogia de Fourier, talvez se deva estudar a dialética do exemplo: por um
lado, como modelo, no sentido dos moralistas, ele é desprovido de valor pedagógico, quando
não é funesto; por outro, como exemplo gestual, capaz de tornar-se o objeto de uma
imitação controlável e progressivamente assimilável, ele é da maior importância. ^
“La Phalange, Journal de la Science Sociale (1836-1843), que é publicado três vezes por
semana ... só desaparece para ceder lugar a um cotidiano, La Démocratie Pacifique (1843-
1851). Aqui, a grande idéia ... é a organização do trabalho’ pela associação.” Charles
Benoist, “Lhomme de 1848”, parte II, Revue des Deux Mondes, 1 fev. 1914, p. 645.
[W 8, 4]
Extraído do relato de Nettement sobre Fourier: “Ao criar o mundo atual, Deus se reservou
o direito de mudar seu aspecto por meio de criações sucessivas. Essas criações são em
número de dezoito. Toda criação se opera pela conjunção do fluido austral e do fluido
boreal.” As criações posteriores à primeira só podem acontecer na “harmonia”. Alfred
Nettement, Histoire de la Littérature Française sous le Gouvemement de Juillet , Paris, 1859,
vol. II, p. 58.
[W 8, 5]
“Segundo ele, as almas transmigram de corpo em corpo, e mesmo de mundo em mundo.
Cada planeta tem uma alma que irá animar outro planeta superior, levando com ela as
almas dos homens que o habitaram. É dessa forma que, antes do fim de nosso planeta (que
deve durar oitenta e um mil anos), as almas humanas terão tido mil seiscentas e vinte
existências, e terão assim vivido cinqüenta e quatro mil anos num outro planeta, vinte e
sete mil neste... No exercício de sua primeira infância, a terra foi atingida por uma febre
pútrida, que ela transmitiu à lua, que por isso morreu. Mas a terra, organizada em harmonia,
ressuscitará a lua.” Nettement, Histoire de la Littérature Française sous le Gouvemement de
Juillet, Paris, vol. II, pp. 57, 59.
[W 8, 6]
O fourierista, sobre a aviação: “O aeróstato leve ... é a carruagem de fogo que ... respeita em
toda parte a obra de Deus, não precisando nem encher os vales, nem perfurar as montanhas,
como a locomotiva homicida que o agiota desonrou.” A. Toussenel, Le Monde des Oiseaux.
vol. I, Paris, 1853, p. 6.
[W 8a, 1]
8 Romance-folhetim de Eugène Sue, publicado em 1845. (w.b.)
w
[ftuw] 677
“É impossível ... que as zebras, os hemíonos, os pôneis e demais equídeos, que sabem que
seu desdno é ser a base da futura cavalaria infantil, simpatizem com a política de nossos
homens de Estado, que tratam como utopias as instituições eqüestres, nas quais aqueles
animais devem ocupar uma posição honorável... O leão não pede nada além ... de ter suas
unhas aparadas, contanto que uma bela jovem segure a tesoura.” A. Toussenel, Le Monde
des Oiseaux: Omithologie Passionnelle, vol. I, Paris, 1853, pp. 19-20. O autor vê a mulher
como intermediária entre o ser humano e o animal.
[W 8a, 2]
Carta memorável de Victor Cousin a Jean Journet, a propósito dos escritos enviados a ele
por este último. Leva a data de 23 de outubro de 1843 e termina da seguinte maneira:
“Quando você sofrer, pense não em uma regeneração social, mas em Deus ... que não fez o
homem somente para a felicidade, mas para um fim diferentemente sublime.” O autor do
prefácio acrescenta: “Nós teríamos deixado essa pequena anedota cair no esquecimento se
a pobre carta ... verdadeira obra-prima da perfeita ignorância, não resumisse ... a ciência
política ... de uma camarilha que há vinte e um anos dirige os destinos do país.” Jean
Journet, Poésies et Chants Harmoniens, Paris, 1857, pp. XXVI -XXVII (Prefácio do editor).
[W 8a, 3]
“A história das ... humanidades dos planetas Júpiter e Saturno nos ensina que a Civilização
... transita para o Garantismo ... pela igualdade política entre o homem e a mulher, e do
Garantismo para a Harmonia pelo reconhecimento da superioridade da mulher.” A.
Toussenel, Le Monde des Oiseaux, vol. I, Paris, 1853, p. 131.
[W 8a, 4]
Os homens de cauda de Fourier foram objeto de caricatura em 1849, nos desenhos eróticos
de Emy, publicados em Le Rire. Para explicar as extravagâncias de Fourier, é preciso evocar
a figura de Mickey Mouse, na qual se consumou a mobilização moral da natureza, bem no
espírito das concepções de Fourier. Com Mickey Mouse, o humor põe a política à prova.
Confirma-se, assim, que Marx tinha razão ao ver em Fourier principalmente um grande
humorista. A ruptura da teleologia natural se dá segundo o plano do humor. ^ ^
Filiação do anti-semitismo ao fourierismo. Em 1845, veio a publicação de Les Juifi Rois, de
Toussenel. Este, aliás, é adepto de uma realeza democrática.
[W 8a, 6]
“A linha ... geral que afeta o grupo familiar é a parábola, e encontramos a demonstração
desse dado nos mestres, sobretudo em Rafael... Dessa disposição ... próxima do tipo
parabólico, resulta nas obras de Rafael um canto da família ... completo e ... divino... O
mestre-pensador, que determinou as analogias das quatro seções cônicas, reconheceu a
correspondência entre a parábola e o fàmilismo. Ora, eis que essa proposição encontra-se
confirmada pelo príncipe dos artistas — Rafael.” D. Laverdant, De la Mission de lArt et du
RôCe des Artistes: Saíon de 1845, Paris, 1845, p. 64'.
rw 9, u
Delvau (Les Dessous de Paris, Paris, 1860, p. 27) afirma que há relação entre Fourier e Rétif
de la Bretonne.
[W 9, 2 ]
678 ■ Passagens
O que caracteriza muito bem a relação entre os fourienstas e os samt-simonianos e a polemica
de Considérant contra a estrada de ferro. Esta polêmica apóra-se em boa parte no livro de
Hoêné Wronski, Sur la Barbarie des Chemins de Fer et sur k Reforme Scientifiquede k
Locomotion. A primeira objeção de Wronski é dirigida contra a rede ferroviána; Considérant
critico empreendimento conhecido com o nome de Estrada de ferro isto é, a consmrçao
de imensas vias planas, formadas de trilhos metálicos, que exigem despesas e trabalhos
enormes; um empreendimento que não apenas se opõe aos verdadeiros progressos da
civilização, como, ainda por cima, contrasta tão fortemente com esses progressos, que acaba
apresentando, na verdade, um quê de risível nessa bárbara reprodução amai das mac.ç^ e
inertes vias dos romanos (Pétition awc Chambres, p. 1 D”. Considérant opoe o meto barbara,
que é simplista, ao meio científico, que é compósito (pp. 40-41). Uma outra passagem diz
expressamente: “Ora, esse simplismo levou, como era de se esperar, a um resultado
completamente bárbaro: o nivelamento cada vez mais forçado da via (p. 44). No mesmo
sentido- “A horizontalidade é uma condição conveniente quando se trata de comunicação
por água. O sistema da locomotiva terrestre, ao contrário, deveria evidentemente ser capaz
de pôr em comunicação ... altitudes variadas.” ( P . 53) Uma segunda objeção de Wronski,
relacionada a esta, dirige-se contra a locomoção sobre rodas, que ele descreve como um
empreendimento bem conhecido e muito vulgar, ... como é praticado desde a origem das
carroças”. Também aqui ele aponta a falta do caráter verdade.ramente c.ent.fico e complexo.
Victor Considérant, Déraison et Dangers de lEngouement pour les Chemins en Fer, laris,
1838. O conteúdo foi publicado em grande parte em La Phaknge.
Considérant sustenta que o trabalho dos engenheiros não deveria se concentrar no
aperfeiçoamento das vias, mas do meio de transporte. Wronski, a quem se refere, parece
pensar acima de tudo em um aperfeiçoamento da roda ou em sua substituição por outra
coisa. Considérant escreve: “Não é evidente ... que a descoberta de uma máquina que
facilitasse a locomoção sobre estradas comuns e aumentasse ... a rapidez atual dos transportes
sobre essas estradas arruinaria inteiramente todos esses empreendimentos de Estradas de
ferro?... Assim, uma descoberta não apenas possível, mas até mesmo provável, poderia
aniquilar de uma só vez, para sempre, os imensos capitais que se propoe enterrar nas
Estradas de ferro!” Victor Considérant, Déraison et Dangers de lEngouement pour les Chemins
en Fer, Paris, 1838, p. 63. [\v 9 a, i]
“O empreendimento das Estradas de ferro ... levaria a Humanidade ... à necessidade de
combater a obra da natureza sobre toda a Terra, de encher os vales, de cortar e per rar as
montanhas, ... de lutar, enfim, em todas as frentes, contra as condições naturais do solo de
seu planeta ... e substituí-las universalmente por condições opostas. Victor Considérant,
Déraison et Dangers de lEngouement pour les Chemins en Fer, Paris, 1838, pp. 52 2J
Charles Gide sobre o gênio divinatório de Fourier: “Quando ele escreve: ‘tal navio que
partiu de Londres chega hoje à China; o planeta Mercúrio, avisado pelos astronomos da
Ásia das chegadas e dos movimentos, transmitirá uma lista aos astronomos de Londres,
basta transpor essa profecia para o estilo atual e ler: ‘quando um navio chegar a China, a
T.S F transmitirá a notícia à Torre Eiffel ou a Londres ; encontramos ai, penso eu, uma
w
[Rxjrsi] 679
antecipação extraordinária. É exatamente o que ele quis dizer; o planeta Mercúrio está ali
para representar uma força, ainda ignorada, que permitiria transmitir as mensagens — uma
força que ele pressentiu.” Charles Gide, Fourier Précurseur de la Coopération, Paris, 1924,
pp. 10-11.
[W 9a, 3]
Charles Gide sobre as absurdas especulações astrológicas de Fourier; “Como aquela sobre o
papel dos três pequenos planetas, Palas, Juno e Ceres, que engendraram três espécies de
groselhas, e de Phoebe (a lua), que devia ter engendrado uma quarta espécie, ainda mais
saborosa - se infelizmente ‘ela não tivesse falecido’!” Charles Gide, Fourier Précurseur de la
Coopération, Paris, p. 10.
[W 9a, 4]
“Quando ele fala ... de um exército celeste que o Conselho sideral resolveu enviar em
socorro da Humanidade, exército que já está a caminho há 1.700 anos e que não tem mais
que 300 anos de caminho a fazer para chegar aos confins do sistema solar ... isso dá um
pouco da sensação de calafrio do Apocalipse. Em outras ocasiões, essa loucura se mostra
amável, beirando quase a sabedoria, abundante em observações refinadas e engenhosas,
um pouco como as de Dom Quíxote, quando este recitava suas arengas sobre a Idade de
Ouro aos pastores maravilhados.” Charles Gide, Fourier Précurseur de la Coopération, Paris,
p. 11.
[W 10, 1]
“Pode-se dizer, e ele mesmo o diz, que seu observatório — ou seu laboratório, se preferirmos
— é a cozinha. É de lá que ele parte para se irradiar em todos os domínios da vida social.”
Charles Gide, Fourier Précurseur de la Coopération, Paris, p. 20.
[W 10, 2]
Sobre a teoria da atração; “Bernardin de Saint-Pierre rejeitava ... a força da gravidade, pois
ela significava uma intervenção no livre arbítrio da providência; e o astrônomo Laplace
combateu ... igualmente ... as generalizações fantasiosas. Isto, porém, não impediu que as
doutrinas de um Azais e de seus irmãos espirituais ... encontrassem imitadores. Henri de
Saint-Simon ... ocupou-se durante anos com a elaboração de um sistema de ‘gravitação
universal’ e, em 1810, lançou ao mundo sua profissão de fé: ‘Creio em Deus. Creio que
Deus criou o universo. Creio que Deus submeteu o universo à lei da gravidade.’ Fourier ...
cambem criou seu sistema sobre a ‘lei da atração universal’, da qual a simpatia entre os
homens deveria ser apenas um caso especial.” Ernst Robert Curtius, Balzac, Bonn, 1923,
p. 45 (Azais, 1766-1845, Des Compensations dans les Destinées Humaines).
[W 10, 3]
Relação entre o Manifesto Comunista e o projeto de Engels; “A organização do trabalho -
uma concessão a Louis Blanc - e a edificação de grandes palácios comunitários em
propriedades nacionais, que deveriam ajudar a superar a oposição entre cidade e campo —
uma concessão aos fourieristas da Démocratie Pacifique - eram elementos tomados de
empréstimo do projeto de Engels, mas que ficaram fora do Manifesto." Gustav Mayer,
Friedrich Engels, vol. I, Friedrich Engels in seiner Friihzeit, 2 a ed., Berlim, 1933, p. 288.
[W 10, 4]
■ Passagens
Engels sobre Fourier: ‘“A crítica de Fourier à civilização emerge em toda a sua genialidade
apenas graças ao estudo de Morgan’, afirmou Engels a Kautsky, enquanto trabalhava em
Der Ursprung der Familie [A origem da família]. Neste mesmo livro, porém, escreveu: ‘São
os interesses mais baixos ... que inauguram a nova dominação civilizada — a das classes — ;
são os meios mais vergonhosos ... que provocaram a queda da antiga sociedade gentilícia,
sem classes.’” Cit. em Gustav Mayer, Friedrich Engels, vol. II, Engels und der Aufitieg der
Arbeiterbewemng in Europa , Berlim, 1 933, p. 439.
* * r [W 10a, 1]
Marx sobre Proudhon em carta a Kugelmann de 9 de outubro de 1 866: “Sua pseudocrítica
e sua pseudo-oposição aos utopistas (sendo ele mesmo apenas um utopista pequeno-burguês,
enquanto nas utopias de um Fourier, Owen etc. percebem-se o pressentimento e a expressão
fantástica de um novo mundo) primeiro conquistaram e seduziram a ‘juventude brilhante’,
os estudantes, depois, os operários, principalmente os parisienses que, como operários de
luxo, participavam efetivamente, sem o saber, do velho lixo.” Karl Marx e Friedrich Engels,
Ausgewühlte Briefe, ed. org. por V. Adoratskij, Moscou-Leningrado, 1934, p. 174.
“Estes berlinenses superespertos ainda vão fundar uma Démocratie Pacifique no Fíasenheide, 1
quando a Alemanha inteira abolir a propriedade... Preste atenção, logo aparecerá um novo
Messias na região de Uckermark que moldará Fourier segundo Fiegel, construirá o falanstério
a partir de categorias eternas e fará dele uma lei eterna da idéia que toma consciência de si
mesma, segundo a qual o capital, o talento e o trabalho participam do lucro em proporções
definidas. Será o Novo Testamento da ‘hegelmania’: o velho Hegel tornar-se-á o Velho
Testamento; o ‘Estado’, a lei, será um preceptor da cristandade’; e o falanstério, em que
serão dispostas as latrinas conforme a necessidade lógica, será o ‘novo céu’ e a ‘nova terra, a
nova Jerusalém, que descerá do céu enfeitada como uma noiva.” Engels a Marx, Barmen,
em 19 de novembro de 1844, in: Karl Marx e Friedrich Engels, Briefiuechsel, vol. I, 1844-
1853, ed. org. pelo Instituto Marx-Engels-Lenin, Moscou-Leningrado, 1935, p. 11.
[W 10a, 3]
Apenas no alto estio do século XIX, apenas sob a luz desse sol é possível imaginar realizada
a fantasia de Fourier.
[W 10a, 4]
“Cultivar nas crianças a audição aguçada dos rinocerontes e dos cossacos.” Ch. Fourier, Le
Nouveau Monde Industriei et Sociétaire, ou Invention du Procédé dlndustrie Attrayante etNaturelle
Distribuée en Séries Passionnées, Paris, 1829, p. 207.
[W 10a, 5]
Compreende-se facilmente o significado da culinária em Fourier; a felicidade possui receitas
como qualquer pudim. Ela nasce a partir de uma dosagem exata de diversos ingredientes.
Trata-se de um efeito. A paisagem, por exemplo, não significa nada para Fourier: ele não se
interessa por seu aspecto romântico, já os miseráveis casebres dos camponeses o deixam
indignado. Mas se a agriculture composée sente-se aí em casa, se as pequenas hordas e os
pequenos bandos 10 a percorrem, se nela acontecem os inebriantes desfiles militares do
exército industrial, então conseguiu-se a dosagem da qual resulta a felicidade.
[W 11, 1]
9 Parque popular no bairro operário de Neukõlln, em Berlim, (w.b.)
10 Dois terços das pequenas hordas são constituídos por meninos, dois terços dos pequenos bandos, por
meninas. (E/M)
w
[Fourier] 681
A afinidade entre Fourier e Sade reside no momento construtivo que é próprio de todo
sadismo. Fourier associa de forma singular o jogo de cores da fantasia com o jogo de
números de sua idiossincrasia. É preciso compreender que as harmonias de Fourier não se
baseiam em nenhuma das místicas numéricas tradicionais, como a de Pitágoras ou a de
Kepler. Elas são um produto exclusivo de sua imaginação e conferem à harmonia algo de
inacessível e protegido: é como se elas envolvessem os harmonianos com um fio dc atame
farpado. A felicidade do falanstério é uma felicidade farpada. Por outro lado, pode-se perceber
traços de Fourier em Sade. As experiências do sádico, que representam seus 120 Dias de
Sodoma, constituem em sua crueldade exatamente aquele extremo que é tocado pelo idílio
extremo de Fourier. Os extremos se tocam. O sádico poderia encontrar em suas experiências
um parceiro que anseia justamente por aquelas humilhações e sofrimentos que seu torturador
lhe inflige. De um único golpe ele se encontraria no centro de uma das harmonias que a
utopia de Fourier persegue. n 2 ,
O simplismo aparece em Fourier como marca da “civilização .
[W 11, 3]
As pessoas que habitam as cercanias de Paris, Blois e Tours são, segundo Fourier, especialmente
indicadas para mandar seus filhos ao falanstério experimental. O povo mais simples seria lá
particularmente bem-educado. Cf. Le Nouveau Monde , p. 209- ^
O sistema de Fourier se apoia, como ele mesmo esclarece, em duas descobertas: a da
atração e a dos quatro movimentos. Estes são: o movimento material, o orgânico, o animal
e o social.
rw 1 1 o ol
Fourier fala de uma transmission miragique que possibilitaria receber em Londres noticias
da índia em quatro horas. Cf. Fourier, La Fausse Industrie, Paris, 1836, vol. II, p. fl L ^ ^
“O movimento social é o padrão para os outros três movimentos; o animal, o orgânico e o
material são coordenados com o movimento social, que é o primeiro na ordem. Ou seja, as
propriedades de um animal, de um vegetal, de um mineral, e mesmo de um turbilhão de
astros, representam algum efeito das paixões humanas na ordem social, e TUDO - desde
os átomos até os astros - forma o quadro das propriedades das paixões humanas. Charles
Fourier, Théorie des Quatre Mouvements, Paris, 1841, p. 47. ,,
A observação de mapas geográficos era uma das ocupações favoritas de Fourier.
[W 1 la, 5]
Cronograma messiânico: em 1822, preparação do cantão experimental; em 1823, sua
instalação e aprovação; em 1824, a imitação por todos os civilizados; em 1825, adesão dos
bárbaros e selvagens; em 1826, organização da hierarquia esférica; em 1826, enxameamento
dos destacamentos coloniais. — Deve-se entender como hierarquia esférica a distribuição
dos cetros de soberanias”. (Conforme E. Silberling, Dictionnaire de Sociologie Phalansténenne,
Paris, 1911, p. 214).
[W lia, 6]
682 ■ Passagens
O modelo do falanstério compreende 1.620 pessoas, ou seja: um exemplar masculino e
um feminino de cada um dos 810 caracteres que, segundo Fourier, esgotam todas as
possibilidades.
[W II a, 7]
Em 1828, os pólos deveriam estar livres do gelo.
[W 1 la, 8]
“A alma do homem é uma emanação da grande alma planetária, seu corpo é uma parcela
do corpo do planeta. Quando um homem morre, seu corpo se dissolve no corpo do planeta
e sua alma se funde na alma planetária.” F. Armand e R. Maublanc, Fourier, Paris, 1937,
vol. I, p. 111.
[W 1 1 a, 9]
“Os gostos dominantes em todas as crianças são: 1 . Mexer, ou tendência a tudo manipular,
tudo visitar, tudo percorrer, variar constantemente de função; 2. O ruído industrial, gosto
pelos trabalhos barulhentos; 3. A macaquice, ou mania de imitar; 4. A miniatura industrial,
gosto pelas pequenas oficinas; 5. O treinamento progressivo do fraco ao forte.” Charles
Fourier, I.e Nouveau Monde Industriei et Sociétaire, Paris, 1829, p. 213.
[W 12, 1]
Dois dos 24 “Recursos para despertar as vocações”: “3. O atrativo dos ornamentos
progressivos. Um penacho é suficiente para enfeitiçar um de nossos camponeses e fazê-lo
assinar o abandono de sua liberdade; qual será, então, o efeito de cem adornos honoríficos,
para levar uma criança ao prazer e a reuniões divertidas com seus semelhantes?... 17.
A harmonia material, ou manobra unitária — desconhecida nas oficinas civilizadas, mas
empregada nas oficinas da harmonia, onde ela opera no conjunto dos militares e dos
coreógrafos, num método que encanta as crianças.” Charles Fourier, Le Nouveau Monde
Industriei et Sociétaire, Paris, 1829, pp. 215 e 216.
[W 12, 2]
É significativo que Fourier queira muito mais manter o pai afastado da educação dos filhos
do que a rriãe. “A natureza ... suscita na criança uma repugnância pelas lições do pai e do
preceptor: assim, a criança quer comandar, e não obedecer ao pai.” Charles Fourier, Le
Nouveau Monde Industriei et Sociétaire, Paris, 1829, p. 219.
(W 12, 3]
Hierarquia das crianças: juvenis, ginasianos, liceais, serafins, querubins, fedelhos traquinas,
rechonchudos, bebês. As crianças constituem o único dos “três sexos” que pode atingir “de
uma só vez a plenitude da harmonia”.
[W 12, 4]
“Entre as crianças traquinas, evita-se distinguir os dois sexos por meio de roupas contrastantes,
como a saia e a calça; haveria o risco de impedir a eclosão das vocações e falsear a proporção
dos sexos em cada função.” Fourier, Le Nouveau Monde Industriei et Sociétaire, Paris, 1 829,
pp. 223-224 (traquinas: de 114 a 3 anos, fedelhos de 3 a 4 14).
[W 12, 51
w
[Fcuruei) 683
Utensílios em sete tamanhos. Hierarquia industrial das crianças: oficiais diversos, licenciado,
bacharel, neófito, aspirante.
ITT 12, 6]
Fourier imagina a ida para o trabalho no campo sob forma de um passeio no campo: em
carrocas e com música.
VS7 12, 7]
Prova de admissão para o coro dos querubins: “1. Apresentação musical e coreográfica na
Ópera. - 2. Lavar 120 pratos em meia hora, sem quebrar nenhum. - 3. Descascar meia
centena de maçãs em um tempo determinado, sem diminuir o peso esnpulado. — 4. Triagem
porteira de uma certa quantidade de arroz ou de outro grão em tempo fixado. — 5. Arte de
acender e manter o fogo com inteligência e rapidez.” Charles Fourier, Le Nouveau Monde
imáustriel et Sociétaire, Paris, 1829, p. 231.
[W 12a, 1]
Fourier abre “a perspectiva de se chegar, desde a idade de 12 a 13 anos, a altas dignidades,
mis como o comando de dez mil homens num desfile ou numa manobra militar.” Fourier,
Le Nouveau Monde Industriei et Sociétaire, Paris, 1829, p. 234.
[W 12a, 2]
Nomes de crianças em Fourier: Nysas, Enryale; o educador: Hilarion.
[W 12a, 3]
“Assim, desde a infância, o homem não é compatível com a simples natureza; é preciso,
para educá-lo, um vasto aparato de atividades contrastantes e progressivas, mesmo desde a
mmari tenra idade, sendo que a criança não foi feita para permanecer no berço. J.-J. Rousseau
iJcEiinciou essa prisão em que se amarram as crianças, mas não soube imaginar um sistema
± esteiras elásticas, de cuidados combinados e distrações necessárias ao apoio desse método,
fcssim. os filósofos não sabem opor ao mal senão declamações estéreis, em vez de inventar
®$ caminhos do bem que, muito distantes da simples natureza, só nascem dos métodos
compósitos.” Fourier, Le Nouveau Monde Industriei et Sociétaire, Paris, 1829, p. 237. As
dfenações consistem, entre outras, no jogo de crianças deitadas em redes umas ao lado das
mnas.
fW 12a, 4]
Bfapoleão III pertenceu em 1848 a um grupo fourierista.
[W 12a, 5]
A colónia fourierista fundada em 1833 por Baudet-Dulary existe ainda hoje na forma de
pensão familiar. Fourier a renegou na época.
[W 12a, 6]
Ifaárar conhecia e admirava a obra de Fourier.
[W 12a, 7]
M imadeira do falanstério mostrava as sete cores do arco-íris. Nota de René Maublanc: As
«■es estão em analogia com as paixões... Justapondo uma série de quadros nos quais Fourier
684 ■ Passagens
compara as paixões as cores, as notas da escala, aos direitos naturais, às operações matemáticas,
as curvas geométricas, aos metais e aos astros, constata-se, por exemplo, que o amor
corresponde ao azul, à nota mi, ao direito de alimento, à divisão, à elipse, ao estanho e aos
planetas.” F. Armand e R. Maublanc, Fourier, Paris, 1937, vol. I, pp. 227-228.
[W 12a, 8]
A propósito de Toussenel: “Fourier ... pretende ‘reunir e enquadrar num mesmo plano a
mecânica societária das paixões e as outras harmonias conhecidas do universo’, e, para isso,
acrescenta ele, ‘precisamos apenas do recurso de lições divertidas, tiradas dos objetos mais
sedutores entre os animais e vegetais’.” Armand e Maublanc, Fourier , Paris, 1937, vol. I,
p. 227 (citando Fourier, Traíté de VAssociation Domestique-Agricole, Paris-Londres, 1822,
vol. I, pp. 24-25, e Théorie de 1’Unité Universelle, 1834, p. 31).
[W 13, 1]
Fourier recrimina Descartes pelo fato de ter poupado com a sua dúvida “esta árvore de
mentiras que se chama civilização”. Cf. Le Nouveau Monde, p. 367.
[W 13, 2]
Esquisitices estilísticas à moda de Jean Paul. Fourier ama pré-âmbulos, cis-âmbulos, trans-
âmbulos, pós-âmbulos, intro-duções, extro-duções, prólogos, interlúdios, pós-ludios, cis-
mediantes, mediantes, trans-mediantes, intermédios, notas, apêndices.
[W 13, 3]
Na seguinte anotação, Fourier aparece de maneira muito sugestiva, contra o pano de fundo
do Império: “O estado societário será, desde seu início, tanto mais brilhante quanto mais
tenha sido adiado. A Grécia, na epoca dos Solon e dos Péricles, já podia empreendê-lo; seus
meios tinham chegado a um grau suficiente para essa fundação.” Armand e Maublanc,
Fourier, Paris, 1937, vol. I, pp. 261-262 (citando Traité de 1’Association Domestique-
Agricole, Paris-Londres, 1822, vol. I, pp. LXI-LXII; Théorie de IVnité Universelle , 1834,
vol. I, p. 75).
[W 13, 4]
Fourier conhece muitas formas de procissões e cortejos coletivos: tempestade, turbilhão,
formigueiro, serpenteamento.
[W 13, 5]
Com 1.600 falansterios, a associação ja se desenvolve em todas as combinações.
[W 13, 6]
Fourier lançou-se de corpo e alma em sua obra, porque ele não podia colocar nela as
necessidades de uma classe revolucionária que ainda não existia.” F. Armand e R. Maublanc,
Fourier, Paris, 1937, vol. I, p. 83. É preciso acrescentar que Fourier, em certo sentido,
parece prefigurar uma nova especie de homem. Sua ingenuidade é significativa.
[W 13, 7]
Em seu quarto, normalmente não havia senão uma estreita passagem livre, no meio, para
ir da porta à janela; todo o resto era ocupado por seus potes de flores, oferecendo, eles
mesmos, uma série graduada de tamanhos, de formas, e mesmo de qualidades; dentre eles
w
[Fours?] 685
havia os de
terracota comum e os
de porcelana da China.” Charles Pellarin, \ ie de Fourier ,
Paris, 1871, pp- 32-33.
[W 13. 8]
Charles Pellarin, Vte de Fourier, Paris, 1871, relata (p. 144) que Fourier às vezes não dormia
por seis ou sete noires seguidas; isto acontecia devido ao entusiasmo por suas descobertas.
^ 13^i lj
“O falanstério será um imenso hotel mobiliado.” Fourier não tinha nenhuma noção de
vida familiar. F. Armand e R. Maublanc, Fourier, Paris, 1937, vol. I, p. 85. ^ ^ 2]
A cabalista, a compósita, a borboleteante aparecem agrupadas sob a rubrica das paixões
“distributivas” ou “mecanizantes”. <C£ W 6a, 3 e W 15a, 2.>
“O espírito cabalístico mistura sempre os cálculos à paixão. Para o intrigante tudo é cálculo;
o menor gesto, um piscar de olhos; ele faz tudo de modo refletido e rápido. Tbéorie de
IVnité Universelle , 1834, vol. I, p. 145- Esta observação demonstra de maneira
particularmente clara como Fourier leva em consideração o egoísmo. (No século XVIII, os
operários agitadores eram chamados de cabãleurs.) ™
“A terra, copulando consigo mesma, engendra a cerejeira; com Mercúrio, o morango; com
Palas, a groselha negra; com Juno, a groselha em cacho etc.” Armand e Maublanc, Fourier,
Paris, 1937, vol. I, p. 114. |\jy ju a 5]
“Uma série é uma classificação regular de gêneros, de espécies, de grupos, de seres ou de
objetos, dispostos simetricamente, segundo uma ou várias de suas propriedades, de um
lado e de outro de um centro ou pivô, segundo uma progressão ascendente de um lado,
descendente de outro, como as duas alas de um exército... Existem séries livres, nas quais
o mundo (!) de subdivisões não está determinado, e séries ‘medidas , que compreendem,
segundo seu grau, 3, 12, 32, 134, 404 subdivisões.” Armand e Maublanc, Fourier, Paris,
1937, vol. I, p. 127. [w i3a, 6]
A cada paixão corresponde um órgão do corpo humano, segundo Fourier. ^ ^ ^
“ Fm Harmonia ... as relações por séries são dinâmicas demais para que se tenha tempo dc
permanecer em seu apartamento.” Cit. em Armand e Maublanc, Fourier, Paris, 1937,
VOl. II, p. 211. pjr, 13a g]
As quatro fontes de virtude das pequenas hordas “são as tendências da imundície, do
orgulho, da impudência e da insubordinação.” Fourier, Le Nouveau Monde Industriei et
Sociétaire, Paris, 1829, p. 246.
[W 14, 1]
Sinal do trabalho das pequenas hordas: “Convocam-se as pequenas hordas ao dever por um
alarido de sinos, carrilhões, tambores, trombetas, uivos de cães e mugidos de bois; então as
hordas, conduzidas por seus khans e druidas, avançam aos gritos, passando diante do
sacerdote que as asperge... Elas devem ser filiadas ao sacerdote, a título de confraria religiosa,
e levar, no exercício de suas funções, uma insígnia religiosa em suas roupas.” “Embora o
trabalho das pequenas hordas seja o mais difícil ... elas são, de todas as séries, as que menos
recebem retribuição; não aceitariam nada se isso fosse permitido na associação... Todas as
autoridades, mesmo os monarcas, devem a primeira saudação às pequenas hordas. Com
seus cavalos anões, elas são a primeira cavalaria do globo; nenhum exercito industrial pode
abrir sua campanha sem as pequenas hordas; elas têm a prerrogativa de dar a primeira mão
a todo trabalho de unidade.” Charles Fourier, Le Nouveau Monde Industriei et Sociétaire,
Paris, 1829, pp. 247-248 e 244-246.
[W 14, 2]
“Manobra tártara ou modo curvilíneo” das pequenas hordas , em oposição à “manobra moderna
ou modo retilíneo” dos pequenos bandos. “A horda se assemelha a um canteiro de tulipas
ricamente adornadas: cem cavaleiros deverão exibir duzentas cores artisticamente
contrastantes.” Fourier, Le Nouveau Monde, p. 249.
[W 14, 3]
“Qualquer um que maltratasse um quadrúpede, pássaro, peixe, inseto, brutalizando o
animal para seu serviço ou fazendo-o sofrer nos matadouros, estaria sujeito à justiça do
Divã das pequenas hordas; qualquer que fosse sua idade, ele seria acusado diante de um
tribunal de crianças, como racionalmente inferior às próprias crianças.” Fourier, Le Nouveau
Monde , Paris, 1829, p. 248.
[W 14, 4]
Compete às pequenas hordas cuidar da concórdia social, assim como compete aos pequenos
bandos cuidar do charme social.
[W 14, 5]
“As pequenas hordas chegam ao belo pelo caminho do bem, pela imundice especulativa
Fourier, Le Nouveau Monde , p. 255.
[W 14, 6]
“Os pequenos bandos se associam na idade adolescente aos cooperadores que levam o
título de coribantes, em oposição aos druidas e druidesas das pequenas hordas. O mesmo
contraste reina entre seus aliados viajantes, que são os grandes bandos de amazonas errantes
e cavaleiros errantes devotados às belas-artes. Por sua vez, as pequenas hordas têm por
aliados viajantes as grandes hordas de aventureiros e aventureiras, que se ocupam dos trabalhos
públicos.” Fourier, Le Nouveau Monde, Paris, 1829, p. 254.
r [W 14a, 1]
Os pequenos bandos têm a jurisdição sobre os danos provocados nos campos e jardins, e nas
questões de linguagem.
n ° ° [W 14a, 2]
w
[Fouréhi 687
'““Se a formação da vestal serve para desviar o espírito infantil das relações amorosas, o tato
! duplo emprego dos aparelhos genitais-urinários deixa a criança materialmente na
qgporànda do sexo.” E. Silberling, Dictionnaire de Sociologie Phalanstérienne, Paris, 1911,
p. 424 (verbete "tato”). Da mesma forma, a cortesia dos meninos para com as garodnhas
■tios pequenos bandos deve mascarar o significado da galanteria entre os adultos.
[W 14a, 3]
TPrio nome de ópera, compreendo todos os exercícios coreográficos, mesmo os do fuzil e os
dm mríbulo.” Le Nouveau Monde Industriei et Sociétaire, Paris, 1829, p. 260.
[W 14a, 4]
HO felanstcno é organizado como um país das maravilhas. Até as diversões (a caça, a pesca,
ia pratica da música, a jardinagem, o teatro amador) são remuneradas.
[W 14a, 5]
não conhece o conceito da exploração.
[W 14a, 61
Alãuia de Fourier traz à lembrança uma frase de Karl Kraus: "Eu prego o vinho e bebo água.”
I [W 14a, 7]
O pão representa apenas um papel ínfimo na alimentação dos harmonianos.
[W 14a, 8]
lH iniciação dos bárbaros na tática é uma das marcas de degeneração ... da civilização.”
JL Silberling, Dictionnaire de Sociologie Phalansterienne, Paris, 1911, p. 424 (verbete
“wca").
[W 14a, 9]
'“O selvagem goza de sete direitos naturais ... a caça, a pesca, a colheita, o alimento, o roubo
I «mnior (isto é, o roubo do que pertence a outras tribos), a liga federal (as intrigas e cabalas
■ma interior da tribo) e a despreocupação.” Armand e Maublanc, Fourier, Paris, 1937,
wá. D, p. 78.
[W 14a, 10]
O pobre diz: “Eu reclamo o adiantamento dos instrumentos necessários ... e da subsistência
ono compensação do direito de roubo que a simples natureza me deu.” Cit. em Armand
c Maublanc, Fourier, Paris, 1937, vol. II, p. 82.
[W 15, 1]
14o ifolanstério, o caravançará destina-se a acolher os forasteiros. Uma construção característica
fãlanstério é a torre de ordem. Lá se encontra o telégrafo óptico, o centro para os fanais e
( pombos-correio.
[W 15, 2]
das obras úteis para todos os falanstérios atinge o número de 800.000 exemplares,
pensa sobretudo na edição de uma Encyclopaedie Naturologique Caluminée.
[W 15, 31
688 m Passagens
Fourier adora ornar as afirmações mais racionais com considerações fantasiosas. Seu discurso
assemelha-se a uma linguagem floral elevada.
[W 15, 4]
Fourier deseja que as pessoas inúteis para a civilização, que só andam em busca de novidades
para depois propagá-las, circulem de mesa em mesa entre os harmonianos, evitando assim
que as pessoas percam tempo com a leitura dos jornais: uma singular premonição do rádio,
nascida do estudo do caráter humano.
[W 15, 51
Fourier: “Cada oficio tem sua contramoral e seus princípios.” Cit. em Armand e Maublanc,
Fourier , Paris, 1937, vol. II, p. 97. Fourier cita como exemplos o mundo galante e o mundo
dos serviçais.
[W 15, 6i
“Ao fim de três gerações de harmonia, dois terços das mulheres serão estéreis, como acontece
com toda flor que os refinamentos da cultura elevaram à perfeição.” Fourier, La Fausse
Industrie , Paris, 1835-1936, vol. II, pp. 560-561.
rw 15,7]
A submissão voluntária do selvagem que dispõe dos sete direitos naturais seria, segundo
Fourier, a pedra de toque da civilização. Isso somente poderia ser conseguido através da
harmonia.
[W 15, 8;
O indivíduo ... e um ser essencialmente falso, porque não pode nem sozinho, nem em
casal operar o desenvolvimento das 12 paixões, uma vez que elas são um mecanismo de
810 toques e complementos... É, pois, no turbilhão passional que começa a escala, e não
no homem individual!” Publication des Manuscrits de Fourier , 4 vols., Paris, 1851-1858,
Années 1857-1858, p. 320.
[W 15, 9]
Apos 70.000 anos, o fim da harmonia virá sob a forma de um novo período da civilização,
com tendência ao declínio, ao qual sucederão novamente os limbos obscuros. Assim, fugacidade
e felicidade estão intimamente ligadas em Fourier. Engels observa: “Assim como Kant
introduz o fim vindouro da terra na ciência da natureza, Fourier introduz o fim vindouro
da humanidade no estudo da história.” Engels, Anti-Dühring, vol. III, p. 12. 11
[W 15a, 11
A mecânica das paixões: a tendência para estabelecer a concórdia dos cinco impulsos
sensuais (1. o gosto, 2: o tato, 3: a visão, 4: a audição, 5: o olfato) com os quatro impulsos
afetivos (6: amizade, 7: ambição, 8: amor, 9: paternidade). Esse acordo se estabelece por
intermédio de três paixões pouco conhecidas e difamadas, que eu nomearei: 10: a cabalista,
1 1. a borboleteante, 12: o compósita. Cit. de Le Nouveau Monde, em Armand e Maublanc»
Fourier, Paris, 1937, vol. I, p. 242.
[w iu,m
1 1 Friedrich Engels, Herrn Eugen Dühring's Umwàlzung der Wissenschaft, in: MEW, vol. XX. 2 a ed., BerSm
1968, p. 243. (R.T.)
w
Ttxfle»! 689
“Um grande número de universos (como um universo, depois do homem e do planeta,
constitui o terceiro escalão... Fourier chama-o de tri-verso) forma um quatri-verso; e assim
por diante até o octo-verso, que representa a ... natureza inteira, a totalidade dos seres de
harmonia. Fourier se entrega a cálculos minuciosos e proclama que o octo-verso se compõe
de 10 % universos.” Armand e Maublanc, Fourier, Paris, 1937, vol. I, p. 112.
[W 15a, 3]
Sobre o belo agrícola : “Este arado, tão odioso hoje, será conduzido pelo jovem príncipe,
bem como pelo jovem plebeu: será uma espécie de torneio industrial, no qual cada atleta
fará suas provas de vigor e destreza, e mostrará seu valor diante das beldades que irão
encerrar a apresentação trazendo o almoço ou um petisco.” Charles Fourier, Traité de
l’Association Domestique-Agricole , Paris-Londres, 1822, vol. II, p. 584. Pertencem igualmente
ao belo agrícola as esteias apoiadas em pedestais floridos e os bustos de camponeses ou
agricultores beneméritos colocados sobre altares espalhados pelos campos. “São os semideuses
mitológicos da seita ou série industrial.” Cit. em Armand e Maublanc, op. cit., vol. II,
p. 206. Eles recebem oferendas de incenso por parte das coribantes.
[W 15a, 4]
Fourier aconselha que as experiências na falange experimental sejam realizadas justamente
com os tipos mais excêntricos.
[W 16, 1]
Fourier era chauvinista; odiava os ingleses e os judeus. Nos judeus, ele não via pessoas
civilizadas, mas bárbaros que mantiveram os costumes patriarcais.
[W 16, 2]
A maçã de Fourier — o correspondente daquela de Newton — que no restaurante Février
custa cem vezes mais do que na província de onde ela é proveniente. Também Proudhon se
compara a Newton.
[W 16, 3]
Entre os harmonianos, Constantinopla é considerada a capital da Terra.
[W 16, 4]
Os harmonianos necessitam de muito pouco sono (assim como Fourier!); eles atingem no
mínimo a idade de 150 anos.
[W 16, 5]
“A ópera ocupará o primeiro lugar entre os estímulos da educação... A ópera é uma escola
de moral em esboço: é ali que se educa a juventude no horror a tudo o que fere a verdade,
a exatidão e a unidade. Nenhuma benevolência pode desculpar, na ópera, aquele que
falseia a voz ou a medida, o gesto ou o passo. O filho de um príncipe, que participa da
dança ou do coro, é obrigado a sofrer a verdade e as críticas vindas da massa. É na ópera que
ele aprende a se subordinar, em todo movimento, às conveniências unitárias, aos acordos
serais.” Cit. em F. Armand e R. Maublanc, Fourier, Paris, 1937, vol. II, pp. 232-233.
[W 16, 6]
“Jamais se sonhou, na civilização, em aperfeiçoar esta porção do vestuário que se chama
atmosfera... Não basta modificá-la nos salões de alguns ociosos... E preciso modificar a
00 U Passagens
atmosfera em gerai e de modo sistemático. Cit. em F. Armand e R. Maublanc, Fourior*
Paris, 1937, vol. II, p. 145.
Os textos de Fourier são ricos em fórmulas estereotipadas, comparáveis aos gradus ed
pamassum} 2 Quase sempre, quando ele fala das arcadas, ele diz que, nas circunstâncias
atuais, mesmo o rei da França se molha ao entrar em sua carruagem sob a chuva.
7 J rw 1 c «mi
Seria preciso 10 milhões de francos para a construção do falanstério completo, e três milhões
para a construção do falanstério experimental.
Todos os canteiros de flores dos barmonianos são “protegidos” do excesso de sol e de chuva.
[w 16. íaf
As belezas da agricultura entre os barmonianos recebem por parte de Fourier uma apresentação
que se lê como a descrição de ilustrações coloridas de livros infantis: “O estado societário
saberá, até nas funções mais desagradáveis, estabelecer o luxo da espécie. Os gabões cinza de
um grupo de lavradores, os gabões azulados de um grupo de ceifeiros, serão realçados por
debruns, cinturas e ornamentos de uniforme; por carroças envernizadas, juntas com ornatos
pouco dispendiosos; o conjunto disposto de maneira que os ornamentos estejam ao abrigo
da sujeira do trabalho. Se víssemos todos esses grupos em atividade num belo vale,
distribuídos numa composição mista - à moda inglesa — , abrigados em tendas coloridas,
trabalhando em grupos disseminados, circulando com bandeiras e instrumentos, cantando
hinos em coro ao caminhar; se o cantão fosse ainda semeado com castelos e mirantes, com
colunatas e pináculos, em vez de cabanas de palha, nós acreditaríamos estar diante de uma
paisagem encantada, um lugar feérico, uma morada olímpica.” Mesmo o grupo de colhcdores
de beterraba, que não ocupa um lugar de destaque para Fourier, participa desse esplendor,
e é encontrado “trabalhando nos montes, hasteando suas bandeiras sobre trinta mirantes
coroados com beterrabas douradas”. Cit. em Armand e Maublanc, Fourier, Paris, 1937,
vol. II, pp. 203 e 204.
5 rw ióíq n
Engrenagem, por exemplo, entre rebanho, lavoura e jardins: “Não é necessário que esse
intercâmbio seja geral - que vinte homens ocupados a cuidar do rebanho das cinco horas
às seis e meia, passem de uma vez, todos juntos, a lavrar das seis e meia as oito horas; e
preciso apenas que cada série forneça às outras vários societários tirados de alguns desses
grupos, a fim de estabelecer laços entre eles pela engrenagem de diversos membros que
funcionam alternativamente num e noutro grupo. Cit. em Armand e Maublanc, Fourier,
Paris, 1937, vol. II, pp. 160-161 (“Essor de la ‘papillonne’” [Crescimento da paixão
borboleteante]).
ÍW 16a, 2]
Não é somente o terror, mas também o moralismo que Fourier despreza na grande Revolução.
Ele considera a sutil divisão de trabalho dos barmonianos como o oposto da igualdade, e
sua competição acirrada como o oposto da fraternidade. ^ ^ ^
12 O Gradus ad Pamassum era um tipo de dicionário ou antologia com frases exemplares, poéticas e
prosódicas, em latim. (E/M)
w
[Fojrer] 691
<fase tardia>
Em Le Nouveau Monde Industriei (pp. 281-282) fica bem evidente o rancor de Fourier
contra Pestalozzi. 13 Ele teria retomado em seu Traité <de 1’association do mesnque-agncoio
de 1822 “o método intuitivo” de Pestalozzi porque este tivera um grande sucesso junto ao
público. Se não fosse esse sucesso, os leitores teriam estranhado. — Sobre úverdon. ele revela
histórias escandalosas, que deveriam provar que as instituições da harmonia não podem ser
introduzidas impunemente na civilização.
Sob a rubrica “O garantismo do ouvido”, Fourier, além de se ocupar da elevação da linguagem
do povo e de sua educação musical (coros de operários do teatro de Toulouse!). trata de
medidas contra o barulho. Ele quer ver as oficinas isoladas e transferidas em sua maior
parte para as periferias.
rw 17, 2]
Urbanismo: “Quem pretende ter um salão magnífico sabe muito bem que a beleza da peça
principal não dispensa a ornamentação das avenidas. O que pensariam de seu belo salão se,
para chegar até ele, fosse preciso atravessar um pátio obstruído por esterqueiras, uma escada
atravancada com entulho, e um vestíbulo guarnecido de velhos móveis rústicos?... Como
explicar, pois, que o bom senso que se encontra em cada indivíduo que orna uma residência
particular não se encontre em nossos arquitetos, para ornar as moradas coletivas chamadas
... cidades? E por que, entre tantos príncipes e artistas ... nenhum jamais pensou na
ornamentação graduada dos 3 acessórios: subúrbios, anexos e avenidas...?” Charles Fourier,
Cités Ouvriéres: Modifications à Introduire dans l’Architecture des Villes, Paris, 1849, pp. 19-
20. Entre outras tantas regras urbanísticas, Fourier imagina as que permitiriam informar -
pela gradação crescente ou decrescente dos ornamentos dos edifícios — a medida que nós
nos aproximamos ou nos afastamos da cidade.
[W 17, 3]
O urbanismo bárbaro, o civilizado e o harmonioso: “Uma cidade bárbara é formada de
edifícios reunidos fortuitamente, ao acaso ... confusamente agrupados entre mas tortuosas,
estreitas, mal traçadas e insalubres. Assim são, em geral, as cidades da França... As cidades
civilizadas têm uma ordem monótona, imperfeita, uma organização em forma de tabuleiro
de xadrez, como ... Filadélfia, Amsterdam, a nova Londres, Nancy, Turim, a nova Marselha,
e outras cidades que se conhece de cor depois de termos visto três ou quatro de suas mas. Não
sentimos vontade de prolongar tais visitas...” Em oposição, a harmonia neutra que concilia
a ordem incoerente com a ordem combinada”. Fourier, Cités Ouvrieres , pp. 17-18.
[W 17, 4]
Os harmonianos não conhecem férias e nem as desejam.
[W 17a, 1]
Marx faz referência a Fourier em Die heilige FamiLie [A Sagrada Família] (onde?).
[W 17a, 2]
13 Numa resenha intitulada "Pestalozzi in Yverdon" (1932), Benjamin comenta com pleno reconhecimento
a obra desse pedagogo; GS III, 346-348. (J.L; w.b.)
692 ■ Passagens
Toussenel foi um dos fundadores da Société
em 1848.
Républicaine Centrale (o clube de Blanqui)
[W 17a. 3]
Claude-Nicolas Ledoux: “Como todas as construções concebidas para a comunidade de
Chaux, o hospício (uma construção baixa, com arcadas delimitando um pátio quadrangular)
também tinha a função de contribuir para a elevação moral da humanidade, ao submeter
a um exame acurado aqueles a quem dá abrigo, deixando livres os bons e retendo os maus
para os trabalhos forçados. A intensidade com que as idéias daquela época, voltadas para
uma reforma da vida, ocupavam o artista se revela no singular projeto do Oikema. Essa
construção comprida, já bastante estranha em seu aspecto exterior, com um pórtico de
entrada em estilo antigo e muros sem janelas, deveria ser o lugar propício para uma nova
ética sexual. Assim, para atingir o objetivo de uma moral sexual mais elevada, a visão dos
desvios humanos no Oikema - a casa das paixões desenfreadas - deveria ser um caminho
para a virtude e conduzir ao altar do Hímen. Mais tarde, o arquiteto chegou à conclusão de
que seria melhor ... deixar a natureza seguir seu caminho... No Oikema, que o arquiteto
pretendia edificar na mais linda das paisagens, deveria concretizar-se uma nova forma de
casamento, mais livre.” Emil Kaufmann, Von Ledoux bis Le Corbusier: Ursprung und
Entwicklung der autonomen Achitektur, Viena-Leipzig, 1933, p. 36. [W 17a, 4]
“Grandville meditou durante grande parte de sua existência sobre a idéia geral da Analogia.”
Ch. Baudelaire, CEuvres, ed. Le Dantec, vol. II, Paris, 1932, p. 197 (“Quelques caricaturistes
français”). 14
[W 17a. 5]
H. J. Hunt, em Le Socialisme et le Romantisme en France: Étude de la Presse Socialiste de 1830
à 1848, Oxford, 1935, oferece à p. 122 uma apresentação especialmente concisa e feliz
dos princípios básicos da doutrina de Fourier. O elemento utópico passa para o segundo
plano; torna-se mais evidente a aproximação a Newton. A paixão é a atração sentida pelo
suieito, que torna o “trabalho” um processo tão natural como a queda de uma maçã.
’ ar [W 17a, 6]
“Diferentemente dos saint-simonianos, Fourier não se ocupa do misticismo em matéria de
estética. Ele certamente é místico em sua doutrina geral - utopista ou messianista, se
preferirmos -, mas quando fala de arte, a palavra ‘sacerdócio’ nunca sai de sua boca... A
vaidade é vitoriosa e leva os artistas e os cientistas a sacrificar sua fortuna [de que tanto
necessitariam para permanecer independentes] aos vapores do orgulho! H. J. Hunt, Le
Socialisme et le Romantisme en France, Oxford, 1935, pp. 123-124.
[W 18]
14 Baudelaire, OC II, p. 558. (J.L.)
X
[MARX]
<fase média>
"0 homem que compra e vende revela uma realidade
de si mesmo mais direta e menos artificial que o
homem que discursa e combate."
Maxime Leroy, Les Spéculations Foncières de
Saint-Simon et ses Queretles d 'A ff e ires avec son Assocfé,
le Comte de Reedcrn, Paris, 1925, p. 1.
“V ê-se como a história da indústria e a existência objetiva da indústria são o livro aberto das
torças humanas essenciais, ... que até agora não tinham sido concebidas em sua conexão
com a essência do homem, mas sempre apenas em uma relação exterior de utilidade... A
indústria é a relação histórica real da natureza — e, por conseqüência, das ciências naturais
— com o homem.” Karl Marx, “Nationalõkonomie und Philosophie” (1844) [Karl Marx,
Der historiscbe Materialismos, ed. org. por S. Landshut e J. E Mayer, Leipzig, 1932, vol. I,
pp. 303-304] .
IX 1. 1]
‘Não apenas a riqueza, mas também a pobreza do homem - sob o pressuposto do socialismo
— recebe um significado humano e, portanto, social. A pobreza é o elo positivo que faz com
que o homem sinta a maior riqueza - o outro ser humano - como uma necessidade.” Karl
Marx, “Nationalókonomie und Philosophie” [Karl Marx, Der historiscbe Materialismus, ed.
ofg. por S. Landshut e J. P Mayer, Leipzig, 1932, vol. I. p. 305].
[XI, 2]
*A conclusão a que chega Marx a respeito da economia capitalista: Com o poder aquisitivo
que lhe cabe sob forma de salário, o operário pode comprar somente uma certa parcela de
valor, sendo que para a produção dessa parcela foi necessária apenas uma fração do trabalho
que ele próprio realizou. Em outras palavras: se as mercadorias produzidas por ele devem
ser vendidas com lucro para o empreendedor, ele precisará sempre realizar um mais-trabalho
[■ \fehrarbeit \ .” Henryk Grossmann, “Fünfcig Jahre Kampf um den Marxismus”, in:
Worterbuch der Volkswirtschaft, 4 a ed., org. por Ludwig Elster, vol. III, Jena, 1933, p. 318.
[X 1, 3]
04 ■ Passagens
Origem da falsa consciência: “A divisão do trabalho só se torna realmente uma divisão a
partir do momento em que se dá uma divisão do trabalho ... material e espiritual. A partir
desse momento, a consciência pode realmente imaginar ser algo diferente da consciência da
práxis existente..., e que ela realmente representa algo, sem representar algo real. Marx
und Engels über Feuerbach: Aus dem literarischen Nachlal? von Marx und Engels”, Marx-
Engels-Archiv, org. por D. Rjazanov, vol. I, Frankfurt a. M., 1928, p. 248. ^ 4]
Uma passagem sobre a revolução como o “Juízo Final”, contraposto àquele sonhado por
Bruno Bauer, que levaria à vitória da consciência crítica: “Nosso Santo Pai da Igreja se
surpreenderá bastante quando o Juízo Final chegar também para ele... — um dia cuja
aurora será o reflexo no céu de cidades em chamas, e em que, junto com as ‘harmonias
celestes', ecoarão em seus ouvidos a melodia da Marselhesa e da Carmagnole, acompanhadas
do estrondo obrigatório de canhões, enquanto a guilhotina marca o compasso e a massa
infame brada ça ira , ça ira... suspendendo a ‘autoconsciência ... por meio dc postes de
luz.” 1 “Marx und Engels über Feuerbach: Aus dem literarischen Nachlafl von Marx und
Engels”, Marx-Engeh-Archiv, org. por D. Rjazanov, vol. I, Frankfurt a. M., 1928, p. 258.
Auto-alienação: “O operário produz o capital, o capital o produz; portanto, ele produz a si
mesmo e ... suas qualidades humanas existem apenas ..., na medida em que elas existem
para o capital alheio a ele... O operário existe como operário apenas enquanto ele existe para
si como capital, e ele existe como capital apenas enquanto algum capital existe para ele.
A existência do capital é sua existência..., e esta determina o conteúdo de sua vida de
uma maneira que lhe é indiferente... A produção produz o homem ... como um ... ser
desumanizado.” Karl Marx, Der historische Materialismus: Die Frühschrifien , ed. org. por
S. Landshut e J. P. Mayer, Leipzig, vol. I, pp. 361-362 (“Nationalõkonomie und
Philosophie”).
[X la, 1]
Sobre a doutrina das revoluções como inervações do coletivo: A superação da propriedade
privada é ... a emancipação completa de todos os sentidos humanos...; mas ela é esta
emancipação ... pelo fato de os sentidos e o espirito dos outros homens terem se tornado
apropriação minha. Além destes órgãos imediatos, formam-se então órgãos sociais..., assim,
por exemplo, a atividade em sociedade direta com outros ... torna-se orgão de uma expressão
de vida e um modo de apropriação da vida humana. É evidente que o olho humano goza de
maneira diferente do olho não-humano, rudimentar; que o ouvido humano goza de maneira
diferente do ouvido rudimentar etc.” Karl Marx, Der historische Materialismus. Die
Frühschrifien , Leipzig, vol. I, pp. 300-301 (“Nationalõkonomie und Philosophie”).
“A natureza que se constitui na história humana - no ato de criação da sociedade humana
- é a natureza real do homem; por isso a nauireza, tal como se constitui através da indústria
- ainda que sob uma forma alienada -, é a verdadeira natureza antropológica.” Karl Marx,
Der historische Materialismus: Die Frühschrifien, ed. org. por S. Landshut e J. P. Mayer,
Leipzig, vol. I, p. 304 (“Nationalõkonomie und Philosophie”). j ^
1 Os autores referem-se a três canções da época da Revolução Francesa. O refrão da última era ' Ah! ça ira,
ça ira, ça ira! Les aristocrates à la lanterne! " (Ah! Vai dar certo, vai dar certo, vai dar certo! Enforquemos
os nobres nos postes de luz!) (E/M)
X
[Marx] 695
Ponto de partida para uma crítica da “cultura”: “A superação positiva da propriedade privada
enquanto apropriação da vida humana é ... a superação positiva de toda alienação - portanto,
o retorno do homem da religião, da família, do Estado etc., para sua existência humana,
isto é, social.” Karl Marx, Der historische Materialismus, ed. org. por Mayer e Landshut,
Leipzie, vol. I, p. 296 (“Nationalõkonomie und Philosophie”).
[X la, 4]
Uma derivação do ódio de classe, que se refere a Hegel: “A superação da objetividade sob a
forma da alienação - que vai necessariamente da estranheza indiferente até a alienação
hostil real - significa para Hegel ao mesmo tempo, e principalmente, que a objetividade
deve ser superada, porque não é o caráter determinado do objeto, e sim seu caráter de
objeto que é, para a autoconsciência, o elemento ofensivo na alienação.” Karl Marx, Der
historische Materialismus, Leipzig, vol. I, p. 335 (“Nationalõkonomie und Philosophie”).
[X la, 5]
O comunismo “em sua primeira forma”. “O comunismo ... em sua primeira forma é ...
apenas uma generalização e um acabamento da mesma [isto é, da propriedade privada]...
A posse física imediata é para ele a única finalidade da vida e da existência; a definição do
operário não é superada, mas estendida a todos os homens. Ele quer fazer abstração, de
maneira violenta, do talento etc. ... Pode-se dizer que ... a comunidade de mulheres é o segredo
revelado deste comunismo ainda muito grosseiro e irrefletido. Assim como a mulher passa
do casamento para a prostituição geral, assim o mundo inteiro da riqueza ... passa da
relação do casamento exclusivo com o proprietário privado para a relação da prostituição
universal com a comunidade... Quão pouco esta superação da propriedade privada constitui
uma apropriação real, é comprovado ... pela negação abstrata do mundo inteiro, da cultura
e da civilização; o retorno à simplicidade não natural do homem pobre e sem necessidades,
que não só não foi além da propriedade privada, mas que nem mesmo chegou até ela.” Karl
Marx, Der historische Materialismus , ed. org. por S. Landshut e J. P. Mayer, Leipzig, vol. I,
pp. 292-293 (“Nationalõkonomie und Philosophie”).
rr [X 2, 1]
Seria um erro desenvolver a psicologia da burguesia a partir da atitude do consumidor.
O ponto de vista do consumidor é representado apenas pela camada social dos esnobes.
As bases para uma psicologia da classe burguesa encontram-se antes na seguinte frase de
Marx, que permite descrever também — e principalmente — a influência que esta classe
exerce sobre a arte, como modelo e como comitente: “Um certo grau de desenvolvimento
da produção capitalista exige que o capitalista possa utilizar todo o tempo em que ele
funciona como capitalista, isto é, como capital personificado, para a apropriação e, portanto,
para o controle do trabalho alheio e para a venda dos produtos desse trabalho.” Karl Marx,
Das Kapital, vol. I, ed. org. por K. Korsch, Berlim, 1932, p. 298. 2
Extraído de Marx, Das Kapital, vol. III, parte 1, Hamburgo, 1921, p. 84: “O conselho do
banqueiro ... mais importante que o do padre.” Cit. em Hugo Fischer, Karl Marx und sein
Verhãltnis zu Staat und Wirtschaft, jena, 1932, p. 56. 3
[X 2, 3]
2 Na revisão das passagens extraídas de Karl Marx, Das Kapital, foi consultada a edição brasileira: 0 Capital:
Crítica da Economia Política, vol. I, tomo 1, trad. de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe, São Paulo, Abril
Cultural, 1983; a passagem citada encontra-se na p. 243. (w.b.)
3 Marx cita G. M. Bell, The Philosophy of Joint-Stock Banking, Londres, 1840, p. 47. (E/M)
6 % ■ Passagens
O tempo na técnica. “Como em uma verdadeira ação política, a escolha ... do momento
certo é decisiva. ‘A ordem do capitalista no campo da produção torna-se agora tão
indispensável quanto a ordem do general no campo de batalha’ (I, p. 278). ...O tempo’
possui aqui, na técnica, um significado diferente daquele que possui no decorrer dos
acontecimentos históricos da mesma época, em que ... as ações coincidem sem mais nem
menos’. O ‘tempo’ possui ainda, na récnica ... um significado diferente daquele que possui
na economia moderna, que ... mede o tempo do trabalho pelo relógio.” Hugo Fischer, Karl
Marx und sein Verhãltnis zu Staat und Wirtschaft, Jena, 1932, p. 42; citando Das Kapital,
vol. I, 1923.
1X2,4]
“Se pensarmos que Cournot morreu em 1 877, e que suas principais obras foram concebidas
durante o Segundo Império, teremos que reconhecer que ele foi, depois de Marx, um dos
espíritos mais lúcidos de seu tempo... Cournot vai muito além de Comte, que perde seu
rumo no pontificado de sua Religião da Humanidade; de Taine, que se perde nos dogmas
da Ciência; e muito além das dúvidas sutis de Renan... Ele enuncia esta admirável sentença:
‘De rei da criação que era, o homem ascendeu — ou decaiu, se preferirmos - ao papel de
concessionário de um planeta.’ A civilização mecanizada do futuro não representa
absolutamente para ele o triunfo do espírito sobre a matéria, mas, antes, o triunfo dos
princípios racionais e gerais das coisas sobre a energia e as qualidades próprias do organismo
vivo.” Georges Friedmann, La Crise du Progrès, Paris, 1936, p. 246.
[X 2a, 1]
“O elemento morto foi um adiantamento sobre a força viva do trabalho; ele é, num segundo
momento, devorado pelo seu fogo, e retorna, em um terceiro momento, novamente ao seu
trono... Uma vez que, antes da entrada do operário ‘no processo de produção, seu próprio
trabalho lhe é alienado, apropriado pelo capitalista e incorporado ao capital, ele se materializa
constantemente, durante o processo de produção, em um produto alheio’... O elemento
morto que a técnica coloca em seu centro é a economia. Ela tem como objeto a mercadoria.
‘O processo de produção’ que se inicia com o contato faiscante do trabalho com os produtos
apaga-se na mercadoria. O fato de que em sua produção tenha sido gasta uma força de
trabalho aparece agora como uma propriedade material da mercadoria que faz com que ela
tenha valor’ (II, 361). ..A ação do homem como ‘único ato coerente de produção’ (II, 201)
já é mais que o agente dessa ação... A ação já se realiza em uma esfera superior, que tem o
futuro para si: a esfera da técnica; enquanto o agente dessa ação, como indivíduo isolado,
ainda permanece na esfera da economia, e também o seu produto permanece nesta esfera...
No continente ocidental, a técnica como um todo representa uma ação única, enquanto se
.impõe como técnica ; a fisionomia da terra é transformada primeiramente na esfera da técnica,
e até mesmo o abismo entre cidade e campo é transposto. Mas se predomina a esfera da
economia, o elemento morto, a repetição de grandezas homólogas por meio de existências
totalmente intercambiáveis, e a produção de mercadorias por meio do operário assalariado,
sobrepujam a singularidade da ação técnica.” Hugo Fischer, Karl Marx und sein Verhãltnis
zu Staat und Wirtschaft, Jena, 1932, pp. 43-45; citando Das Kapital, vol. II, Hamburgo,
1921.
[X 2a, 2]
X
smarx] 697
<fase tardia>
~0 mesmo espírito que monta os sistemas filosóficos no cérebro dos filósofos é o que
constrói as estradas de ferro com as mãos dos operários.’. ..No deserto do século XDv. a
técnica é, segundo Marx, a única esfera da vida em que o homem se move no centro de
um a coisa.” Hugo Fischer, Karl Marx und sein Verhãltnis zu Staat und Wirtschafr. Jena,
1932, pp. 39-40; a citação de Marx foi extraída de Marx e Engels, Gesammelte Schriften,
1841-1850 , Stuttgart, 1902, vol. I, p. 259.
rx3, i]
Sobre os ancestrais divinos do charlatão: “Os diversos ancestrais divinos revelam agora [no
fim do século XVIII] “não apenas receitas de elixires da longa vida, mas também métodos
de fingimento de tecidos, modos de fiar a seda e segredos da fabricação de terracota. A
indústria se mitologizou.” Grete de Francesco, Die Macht des Charlatans, Basiléia, 1937,
p. 154. 4
[X3,2]
Marx enfatiza “a importância decisiva da transformação do valor e do preço da força de
trabalho na forma do salário pelo trabalho, ou em valor e preço do próprio trabalho. Nesta
forma fenomênica, que torna invisível a verdadeira relação e mostra justamente o seu
aoncrário, fundamentam-se todas as representações jurídicas tanto do operário quanto do
capitalista, todas as mistificações do modo de produção capitalista, todas as suas ilusões de
uberdade.” Karl Marx, Das Kapital, vol. I, ed. org. por K. Korsch, Berlim, p. 499.
[X 3, 3]
*$e tivéssemos pesquisado mais: sob que circunstâncias todos os produtos tomam ou pelo
menos a maioria deles toma a forma de mercadoria, teríamos descoberto que isso só ocorre
com base em um modo de produção bem específico: o capitalista.” Karl Marx, Das Kapital,
toL I, ed. org. por K. Korsch, p. 171. 5
[X 3, 4]
‘Esta raça singular de proprietários de mercadorias”, como Marx ocasionalmente caracteriza
# proletariado (Das Kapital, vol. I, ed. org. por K. Korsch, p. 173). Cf: “Instinto natural
ias proprietários de mercadorias” (pp. cit, p. 97)- 6 ^
Marx se opõe à idéia de que o ouro e a prata seriam apenas valores imaginários. “Pelo fato
4t o dinheiro poder ser substituído, em certas funções, por meros signos dele mesmo,
■ «gi n o engano de que ele seria um mero signo. Por outro lado, havia neste equívoco o
pressentimento de que a forma dinheiro da coisa é exrerna a esta e mera forma de manifestação
fie relações humanas ocultas atrás dela. Neste sentido, toda mercadoria seria um signo,
:x cs. enquanto valor, ela é apenas o invólucro material do trabalho humano dispensado em
sma produção. Ora, ao se considerar como meros signos os caracteres materiais que as
inações sociais do trabalho recebem com base num determinado modo de produção,
4 Este livro foi objeto de uma resenha de Benjamin; cf. GS III, 544-546. (J.L.)
5 Cf. O Capital, trad. Barbosa e Kothe, vol. 1/1, p. 140. (w.b.)
6 Cf. op. cit, pp. 142 e 80. (w.b.)
fiQft u Passagens
eles passam a ser qualificados ao mesmo tempo como produtos arbitrários do pensamento
humano.” 7 A propósito do “trabalho humano”, esta nota: “‘Se considerarmos o conceito de
valor, a própria coisa é vista apenas como um signo e não representa o que ela mesma é, mas
o que ela vale.’ (Hegel, Rechtsphilosophie, complemento ao § 63).” Mane, Das Kapital vol. I,
ed. org. por K. Korsch, pp. 101-102 (“Der Austauschprozefi” - O processo de troca).
A propriedade privada como origem da alienação dos homens entre si: “As coisas são, em si
e para si, externas ao homem e, portanto, alienáveis. Para que esta alienação seja recíproca,
basta que os homens se defrontem, tacitamente, como proprietários privados dessas coisas
alienáveis e, por isso mesmo, como pessoas independentes. Tal relação de estranhamento
recíproco, porém, não existe para os membros de uma comunidade primitiva... A troca de
mercadorias começa onde as comunidades terminam.” Karl Mane, Das Kapital , vol. I, ed.
org. por K. Korsch, Berlim, 1932, p. 99 (“Der Austauschprozcfi”). 8
[X 3a, t]
“Para ... relacionar as coisas entre si como mercadorias, seus guardiões devem relacionar-se
entre si como pessoas cuja vontade reside nessas coisas.” Marx, Das Kapital, vol. I, ed. org.
por K. Korsch, Berlim, 1932, p. 95 (“Der Austauschprozefi”). 5
[X 3a. 2 ]
Marx reconhece um clímax no desenvolvimento e na inteligibilidade do caráter fetichista
da mercadoria: “Como a forma mercadoria é a forma mais geral e menos desenvolvida da
produção burguesa — razão pela qual ela aparece cedo, embora ainda não da mesma maneira
dominante e, portanto, característica, como hoje -, seu caráter fetichista parece ser ainda
relativamente fácil de ser percebido. Nas formas mais concretas desaparece mesmo essa
aparência de simplicidade.” Marx, Das Kapital, vol. I, ed. org. por K. Korsch, Berlim,
1932, p. 94. (“Fetischcharakter” - Caráter fetichista). 10
[X 3a. 3]
O modelo segundo o qual deve orientar-se a formação politécnica prescrita pelo marxismo:
“Existem ... formações sociais em que a mesma pessoa, alternadamente, costura e tece; em
que esses dois modos diferentes de trabalho são apenas modificações do trabalho do mesmo
indivíduo, e ainda não são funções específicas fixas de indivíduos diferentes” (Marx, Das
Kapital, p. 57). Estes vários atos modificados do trabalho de um indivíduo não são
comparados entre si quantitativamente, segundo sua duração; nada de real corresponde à
abstração do “mero trabalho” que se pode perceber neles; eles se encontram em um único
contexto de trabalho concreto, cujos resultados não beneficiam o proprietário de mercadorias.
Comparar com isto a seguinte passagem: “Para uma sociedade de produtores de mercadorias,
cuja relação social geral de produção consiste em relacionar-se com seus próprios produtos
como mercadorias ... e desta forma ... referir-se aos seus trabalhos privados como a um
trabalho humano igual, o cristianismo, com seu culto do homem abstrato ... é a forma
religiosa mais adequada.” Marx, Das Kapital, p. 91 (“Fetischcharakter”). 11
7 Cf. op. dt, pp. 83-84. (w.b.)
8 Cf. op. dt, p. 81 . (w.b.)
9 Cf. op. dt., p. 79. (w.b.)
10 Cf. op. dt, p. 77. (w.b. )
11 Cf. op. dt, pp. 51 e 75. (w.b.)
(X 3a, 4]
X
[M«xi 699
"O corpo da mercadoria, que serve de equivalente, figura sempre como corporificação do
trabalho humano abstrato e é sempre o produto de um determinado trabalho, útil e
concreto. Esse trabalho concreto torna-se, portanto, expressão do trabalho humano abstrato.'
Nesta última frase se encontra, para Marx, toda a miséria da sociedade produtora de
mercadorias. (A passagem foi extraída de Das Kapital, p. 70 [“Die Wertform oder der
Tauschwert” — A forma de valor ou o valor de troca”]). 12 A esse respeito, é muito importante
observar que Marx, pouco depois (p. 71), caracteriza o trabalho humano abstrato como o
“contrário” do trabalho concreto. - Para formular de outro modo a miséria em questão,
poder-se-ia dizer também: a miséria da sociedade produtora de mercadorias consiste no
fato de que, para ela, “o trabalho em forma imediatamente social” (p. 71) sempre é apenas
trabalho abstrato. Quando Marx, ao tratar da forma equivalente, enfatiza “que o trabalho
privado se converte na forma de seu contrário, um trabalho sob forma imediatamente
social’ (p. 71), este trabalho privado é precisamente o trabalho abstrato do homem abstrato
proprietário de mercadorias.
[X4, 1]
Marx imagina que o trabalho seria realizado voluntariamente (como travail passionné) se
fosse abolido o caráter de mercadoria de sua produção. A razão pela qual o trabalho não é
realizado voluntariamente seria, portanto, segundo Marx, seu caráter abstrato.
1X4,2]
“O valor transforma ... cada produto de trabalho em um hieróglifo social. Mais tarde, os
homens procuram decifrar o sentido do hieróglifo, desvendar o segredo de seu próprio
produto social, pois a determinação dos objetos de uso como valores, assim como a língua,
é seu produto social.” Marx, Das Kapital , vol. I, p. 86 (“Der Fetischcharakter der Ware und
sein Geheimnis” - O caráter fetichista da mercadoria e seu segredo). 13
[X4,3]
“A forma geral de valor, que apresenta os produtos de trabalho como meras gelatinas de
trabalho humano indiferenciado, mostra por meio de sua própria estrutura que ela é a
expressão social do mundo das mercadorias. Assim ela revela que, neste mundo,” “o caráter
humano geral” [apenas o mísero e abstrato] “do trabalho constitui ao mesmo tempo sua
marca distintiva como rrabalho social.” Marx, Das Kapital, vol. I, p. 79 (“Die Wertform
oder der Tauschwert”). 1 A — A natureza abstrata do trabalho social e a natureza abstrata do
homem que se comporta como proprietário em relação a seus semelhantes correspondem
uma à outra.
[X 4, 4]
“Para expressar ... que a tecelagem, não em sua forma concreta como tecelagem, e sim em
sua característica geral como trabalho humano, gera o valor do linho, ela é confrontada
com a alfaiataria, o trabalho concreto, que produz o equivalente do linho” [o paletó] “como
a forma de realização palpável do trabalho humano abstrato.” {Das Kapital, vol. I, p. 71) 15
E ao que se refere Marx quando escreve na frase precedente: “Na expressão de valor da
mercadoria, a coisa é distorcida.” Em relação a isto, a observação: “É esta inversão, através
12 Cf. op. c/f., p. 61. (w.b.)
13 Cf. op. c/f., p. 72. (w.b.)
14 Cf. op. c/f., p. 67. (w.b.)
15 Cf. op. rít, p. 61. (w.b.)
700 ■ Passagens
da qual o sensível concreto vale apenas como manifestação do universal abstrato - e não
o contrário, o universal abstrato como qualidade do concreto que caracteriza a expressão
de valor... Quando afirmo: o direito romano e o direito alemão são ambos direitos, isto
é óbvio. Quando afirmo, ao contrário: o direito, este conceito abstrato, realiza-se no
direito romano e no direito alemão, nestes direitos concretos, a correlação se torna mística.”
Cp. 71) (“Die Wertform oder der Tauschwert”)
[X 4a, 1]
“Quando digo que paletó, botas etc. relacionam-se ao linho como a corporificação geral do
trabalho humano abstrato, o absurdo desta expressão salta aos olhos. Mas, quando os
produtores de paletós, botas etc. relacionam estas mercadorias ao linho - ou ao ouro e à
prata, o que dá no mesmo - como equivalente geral, a relação de seus trabalhos privados
com o trabalho social total aparece-lhes exatamente sob esta forma absurda.” Karl Marx,
Das Kapiial , vol. I, ed. org. por K. Korsch, Berlim, 1932, p. 88 (“Fetischcharakter”). ,á
[X 4a, 2]
“A economia política ... nunca ... chegou a perguntar por que ... o trabalho se representa
pelo valor, e a medida do trabalho, por meio de sua duração, pela grandeza do valor do
produto do trabalho. Estas fórmulas - que trazem escrito na testa que pertencem a uma
formação social na qual o processo de produção domina os homens, e o homem ainda não
domina o processo de produção — são consideradas por sua consciência burguesa uma
necessidade natural tão óbvia quanto o próprio trabalho produtivo.” Marx, Das Kapital,
vol. I, ed. org. por K. Korsch, pp. 92-93 (“Der Fetischcharakter der Ware und sein
Geheimnis”). 17
[X 4a, 3]
Uma passagem extremamente importante sobre o conceito de “criatividade” é o comentário de
Marx sobre o início do primeiro parágrafo do programa de Gotha: “O trabalho é a fonte de toda
riqueza e de toda cultura”: “Os burgueses têm muito boas razões para atribuir ao trabalho
poderes criativos sobrenaturais-, pois, justamente do fato de o trabalho depender da natureza,
conclui-se que o homem que não possui outro bem além de sua força de trabalho será
forçosamente, em qualquer circunstância social e cultural, o escravo de outros homens que se
fizeram proprietários das condições objetivas do trabalho.” Karl Marx, Ratidglossen zum Programm
der deutschen Arbeiterpartei, ed. org. por K. Korsch, Berlim-Leipzig, 1922, p. 22. 18
IX 5. U
“Na sociedade comunitária [ genossenschafilich], fundada com base na propriedade comum
dos meios de produção, os produtores não trocam seus produtos; e tampouco o trabalho
incorporado aos produtos aparece como valor desses produtos, como uma qualidade objetiva
possuída por eles, já que agora, em oposição à sociedade capitalista, os trabalhos individuais
não existem mais de modo indireto, e sim de modo direto como partes integrantes do trabalho
da comunidade. A expressão ‘produto do trabalho’... perde assim todo o sentido.” O trecho
16 Cf. op. tit, p. 73. (w.b.)
17 Cf. op. dt, pp. 76-77. (w.b.)
18 Cf. a tese XI de W. Benjamin, “Über den Begriff der Geschichte", GS I, 698-699; Teses, p. 100. (w.b.)
X
[MarxJ 701
refere-se à exigência “de uma distribuição justa do produto do trabalho”. Marx, Randglossen
zum Programm der deutschen Arbeiterpartei , Berlim-Leipzig, 1922, pp. 25 e 24.
[X5, 2 ]
“Em uma fase superior da sociedade comunista, depois que tiver desaparecido a
subordinação subserviente dos indivíduos à divisão do trabalho, e com ela também a oposição
entre trabalho espiritual e trabalho físico, depois que o trabalho tiver se tornado não apenas
meio de vida, mas também a primeira necessidade vital propriamente dita, depois que,
com o desenvolvimento integral dos indivíduos, também tiverem se ampliado as forças
produtivas... — só então o estreito horizonte do direito burguês poderá ser totalmente
superado, e a sociedade poderá escrever sobre suas bandeiras: Cada um, conforme suas
capacidades, a cada um, conforme suas necessidades.” Marx, Randglossen zum Programm
der deutschen Arbeiterpartei, Berlim-Leipzig, 1922, p. 27.
[X 5, 3]
Man. em sua crítica ao programa de Gotha de 1875: “Lassalle sabia o Manifesto Comunista
IíPlul.. Portanto, se ele o falsificou tão grosseiramente, ele o fez apenas para dissimular sua
aliança com os adversários absolutistas e feudais contra a burguesia.” Marx, Randglossen
zum Programm der deutschen Arbeiterpartei, cd. org. por K. Korsch, p. 28.
IX 5, 4]
Korsch chama a atenção para “uma concepção científica fundamental para a compreensão
abrangente do comunismo marxista, que hoje, porém, é freqüentemente considerada por
todos os seus adversários, e até mesmo por muitos de seus adeptos, como ‘insignificante’:
a de que o salário não é, como propõem os economistas burgueses, o valor (isto é, o preço)
do trabalho e sim ‘apenas uma forma mascarada do valor (isto é, o preço) da força de
trabalho que é vendida como mercadoria no mercado de trabalho bem antes que seu uso
produtivo (o trabalho) tenha início na empresa do proprietário capitalista.” Karl Korsch,
“Einleitung” [Introdução], in: Marx, Randglossen zum Programm der deutschen Arbeiterpartei,
ed. org. por K. Korsch, Berlim-Leipzig, 1922, p. 17.
[X 5a, 1]
Schiller: “As naturezas comuns pagam com aquilo que fazem, as nobres, com aquilo que
são.”' 9 O proletário paga com aquilo que ele faz por aquilo que ele é.
“Durante o processo de trabalho, o trabalho passa continuamente da forma da inquietação
para a forma do ser, da forma do movimento para a da objetividade. Ao fim de uma hora,
o movimento de fiar está representado por uma certa quantidade de fio, ou seja: uma
determinada quantidade de trabalho, uma hora de trabalho, está objetivada no fio de
algodão. Dizemos hora de trabalho, pois o trabalho de fiar vale aqui apenas enquanto
dispêndio de força dc trabalho, e não enquanto trabalho específico de fiar... A matéria-
prima e o produto aparecem aqui” [no processo de valorização] “sob uma luz totalmente
diferente daquela projetada pelo ponto de vista do processo de trabalho propriamente
dito. A matéria-prima vale aqui apenas como algo que absorve uma determinada quantidade
de trabalho... Quantidades determinadas de produto, estabelecidas com base na experiência,
19 Benjamin cita de memória. Cf. Friedrich Schiller, Sãmtliche Werke, ed. org. por G. Fricke e Fl. G. Gõpfert,
vol, I, Munique, 1 965, p. 303: " Auch in der sittlichen Welt ist ein Adel; gemeine Naturen / Zahlen mit
dem, was sie tun, schõne mit dem, was sie sind.” (R.T.)
702 ■ Passagens
representam agora nada mais que determinadas quantidades de trabalho, determinadas
medidas de tempo de trabalho solidificado. São apenas a materialização de uma hora, de duas
horas, de um dia de trabalho social.” Karl Marx, Das Kapital, vol. I, ed. org. por K. Korsch,
Berlim, 1932, p. 191 (“WertbildungsprozeíT - O processo de valorização). 20
A teoria idealista pequeno-burguesa do trabalho é formulada de forma insuperável por
Simmel, para quem ela figura como a teoria do trabalho em geral. Nela, o elemento moralista
aparece muito claramente como elemento antimaterialista. Pode-se afirmar de maneira
geral que ... a diferença entre trabalho mental e trabalho braçal não é a diferença entre
natureza psíquica e natureza material; que também para o trabalho braçal o pagamento é
muito mais exigido em função do seu aspecto interno, do desprazer do esforço e do empenho
da vontade. Por certo, esta espiritualidade que constitui, por assim dizer, a coisa-em-si por
trás do fenômeno do trabalho ... não é intelectual, e sim feita de sentimento e vontade,
decorre daí que esta não é coordenada com o trabalho espiritual, mas serve de fundamento
para ele. Pois também na vontade não é originalmente o conteúdo objetivo ... que produz
seu ... resultado..., isto é, a exigência de pagamento, e sim ... o dispêndio de energia
necessário para a produção daquele conteúdo espiritual. Portanto, se a fonte do valor ... se
revela sendo uma atividade da alma, ... o trabalho braçal e o trabalho espiritual adquirem
uma infra-estrutura comum — poderíamos dizer: moral — , fundadora de valor, através da
qual a redução do valor do trabalho ao trabalho braçal perde esta aparência trivial e
grosseiramente materialista. Este é mais ou menos o caso do materialismo teonco, que
adquire uma natureza totalmente nova e mais apropriada a uma discussão séria, quando se
evidencia que também a matéria é uma representação, e não uma essência que, no sentido
absoluto, ... é oposta à alma; ao contrário, ela é determinada, em sua cognoscibilidade,
pelas formas e pressupostos de nossa organização espiritual.” Com estas reflexões, Simmel
faz aqui ( Philosophie des Geldes, Leipzig, 1900, pp. 449-450) o papel de advogado do diabo,
pois não quer admitir esta redução do trabalho ao trabalho físico. Existe também, segundo
ele, um trabalho sem valor que exige dispêndio de energia. Isto significa: o valor do
trabalho não se mede pela quantidade, e sim pela utilidade de seu resultado! Simmel
repreende Marx, ao que parece, por confundir uma descrição dos fatos com uma exigencia.
Ele escreve: O “socialismo ... anseia de fato por uma ... sociedade na qual o valor utilitário
dos objetos, em relação ao tempo de trabalho empregado neles, forma uma constante”.
(op. cit., p. 451) “No terceiro volume de O Capital, Marx explicita: a condição de todo
valor, mesmo no âmbito da teoria do trabalho, é o valor de uso; isto significa simplesmente
que para c a d a produto são empregadas exatamente tantas panes do tempo total de trabalho
social quantas lhe cabem em relação ao significado de sua utilidade... Aproximar-se deste
estado totalmente utópico parece ser tecnicamente possível somente se for produzido aquilo
que é indispensável ávida, pois apenas nesse caso cada trabalho seria exatamente tão necessário
e útil quanto o outro. Quando, porém, se alcançam regiões superiores, em que, por um
lado, a necessidade e a utilidade são avaliadas de modo inevitavelmente mais individual, e,
por outro, a intensidade do trabalho é mais difícil de ser estabelecida, nenhuma
regulamentação das quantidades de produção fara com que a relação entre necessidade e
trabalho despendido seja a mesma. Neste ponto entrecruzam-se todas as considerações
sobre o socialismo; fica claro que a ... dificuldade ... aumenta proporcionalmente ao nível
cultural dos produtos, e tentar evitar isto significaria rebaixar a produção ao nível dos
objetos mais primitivos, mais indispensáveis e mais medíocres.” Georg Simmel, Philosophie
20 Cf. O Capital, trad. Barbosa e Kothe, vol. 1/1, p. 157. (w.b.)
X
[marx] 703
des Geldes, Leipzig, 1900, pp. 451-453. Em relação a esta crítica, comparar a comxacrídca
deste ponto de vista feita por Korsch em X 9, 1.
r [X 6. X 6a,
“Objetos de mesmo valor, mas diferentes entre si, sofrem ... uma diminuição do significado
de sua individualidade por efeito de sua permutabilidade - seja esta indireta ou ideal... A
diminuição do interesse pela individualidade das mercadorias acarreta uma diminuição da
própria individualidade. Se os dois lados da mercadoria ... são sua qualidade e seu preço,
parece de fato ser logicamente impossível que o interesse se prenda apenas a um desses
lados: pois ‘bom preço’ é uma expressão vazia se não significa um preço baixo por uma
qualidade relativamente alta... No entanto, o que é conceitualmente impossível e
psicologicamente real e efetivo; o interesse por um dos lados pode aumentar a tal ponto
que o outro lado logicamente necessário diminui totalmente. O exemplo típico de um
destes casos é o ‘bazar de cinqüenta centavos’. Aqui o princípio de valorização da economia
monetária moderna encontrou sua expressão mais exata. O centro do interesse não é mais
ocupado pela mercadoria, e sim pelo preço — um princípio que não só pareceria vergonhoso
em tempos passados, mas que seria também absolutamente impossível. Já foi observado -
com razão — que a cidade medieval ... desconhecia a economia capitalista extensiva, e que
esta teria sido a razão pela qual se buscava o ideal da economia não tanto na expansão (que
só é possível por preço baixo), mas principalmente na qualidade das mercadorias oíerecidas.
Georg Simmel, Philosophie des Geldes, Leipzig, 1900, pp. 411-412.
“A economia política agora não é mais uma ciência da mercadoria... Ela se tornou uma
âéncia direta do trabalho social — em sua forma atual, determinada e inequívoca, como
trabalho que produz ‘mercadorias para outrem , isto é, como trabalho formalmente pago em
ealor integral, mas efetivamente explorado, ... dos operários assalariados, aos quais se
seu v£
contrapõe, sob a forma de capital, a força produtiva dc seu trabalho multiplicada por mil
graças à divisão social do trabalho.” Korsch, op. cit. <Karl Marx, manuscrito>, vol. II,
P- 47; 21 cf. X 11, 1. [X7: 2]
Sobre a recepção malograda da técnica. “As ilusões neste domínio manifestam se claramente
ias expressões utilizadas, nas quais um modo de pensamento que se orgulha de sua ...
Uberdade diante dos mitos revela exatamente o contrário disso. Vencer ou dominar a natureza
t uma noção totalmente infantil, uma vez que ... todas as representações ... de vitória e
.«nibmissão têm sentido somente quando uma vontade contrária e quebrada... O
SEDcitecimento natural, como tal, situa-se além da alternativa entre liberdade e coação...
Ainda que se tratasse apenas de uma questão de expressão, esta de fato conduz todos
aqueles que pensam de maneira superficial por desvios antropomórficos, e mostra que o
mwnrrln mitológico de pensamento encontra abrigo mesmo no interior da concepção cientifica do
■ado. Georg Simmel, Philosophie des Geldes, Leipzig, 1900, pp. 520-521 . Uma característica
Fourier foi ter desejado traçar uma recepção da técnica totalmente diferente.
*% dcmirina da ‘mais-valid, já antecipada em sua maior parte ... pelos economistas burgueses
idlimfflCDS e seus primeiros adversários socialistas, e a redução do livre contrato de trabalho dos
21 Karl Korsch, Karl Marx, ed. org. por Gõtz Langkau, Frankfurt a. M., 1967, p. 93. (R.T.)
22 Korsch, 1967, p. 89. (R.T.)
/04 ■ Passagens
operários assalariados modernos à compra e venda da mercadoria força de trabalho’ alcançam
sua força e eficácia apenas por meio da transferência do campo da troca de mercadorias para
o ... campo da produção material, isto é, pela passagem do conceito de ‘ mais-valid , existente
sob a forma de mercadoria e dinheiro, para a concepção de ‘mais-trabalho , cumprido pelos
operários reais na empresa capitalista sob as condições sociais nela reinantes de dominação
e opressão.” Korsch, op. cit. <Karl Marx, manuscriu», vol. II, pp. 41-42. 22
[X 7a, 2]
Korsch (vol. II, p. 47) cita uma expressão de Marx <Das Kapital, vol. I, 4 a ed., Hamburgo,
1890, pp. 138-139>: “O lugar oculto da produção, em cuja entrada está escrito: ‘Proibida
a entrada de pessoas estranhas ao serviço.”’ Cf. a inscrição de Dante sobre a porta do
Inferno e Einbahnstrafe [Rua de mão única]. 23
[X 7a, 3]
Korsch define a mais-valia como a forma “especialmente ‘desvairada’ que o fetichismo da
mercadoria assume como ‘mercadoria força de trabalho’”. Karl Korsch, Karl Marx,
manuscrito, vol. II, p. 53. 24
[X 8, 1]
“O que Marx designa como ‘fetichismo do mundo da mercadoria é apenas a expressão
científica para a mesma coisa que ele havia antes designado como ‘auto-alienação humana’...
A diferença de conteúdo mais importante entre esta crítica filosófica da ‘auto-alienação
econômica’ e a representação científica posterior do mesmo problema consiste no fato de
Marx, em O Capital, ter conferido à sua crítica econômica um significado mais profundo
e mais geral, ao reduzir todas as outras categorias econômicas ligadas à alienação ao caráter
fetichista da mercadoria. E verdade que, mesmo assim, o ponto-chave do ataque crítico ...
continua sendo o desmascaramento da forma mais marcante que a auto-alienação humana
assume como auto-alheamento direto do homem no âmbiro das relações entre ‘trabalho
assalariado e capital’. Mas este fetichismo específico da mercadoria força de trabaLho ...
aparece nesta última versão da teoria econômica ... apenas como forma derivada daquele
fetichismo geral que já está contido na própria forma da mercadoria... Só pelo fato de ter
desmascarado todas as categorias econômicas como um único grande fetiche, Marx
ultrapassou realmente todas as formas e fases da economia burguesa e da teoria social...
Mesmo seus melhores exponentes permanecem presos no mundo da aparência burguesa
ou nele recaem, por nunca terem conseguido dissolver criricamente, juntamente com as
formas derivadas” [desmascaramento do feciche do ouro e da prata, das rendas produzidas
pela terra, dos juros como elemento do lucro, da renda como excedente das taxas de lucro
médio] “aquela forma mais geral do fetichismo econômico, que aparece na forma de valor
do produto do trabalho como mercadoria e nas relações de valor das próprias mercadorias”.
Korsch, op. cit., vol. II, pp. 53-57. 25
[X 8, 2]
23 Cf. Dante Alighieri, Divina Comédia: O Inferno, canto III, verso 9: "Lasciate ogne speranza, voi
dVintrate”. - W. Benjamin, GS IV, 146; OE II, p. 67; parece que Benjamin está se referindo às
placas de proibição. (R.T.; E/M)
24 Korsch, 1967, p. 98. (R.T.)
25 Op. cit, pp. 97 e 99-100. (R.T.)
26 Op. cit, pp. 115-116. (R.T.)
/04 ■ Passagens
operários assalariados modernos à compra e venda da mercadoria força de trabalho’ alcançam
sua força e eficácia apenas por meio da transferência do campo da troca de mercadorias para
o ... campo da produção material, isto é, pela passagem do conceito de ‘ mais-valid , existente
sob a forma de mercadoria e dinheiro, para a concepção de ‘mais-trabalho , cumprido pelos
operários reais na empresa capitalista sob as condições sociais nela reinantes de dominação
e opressão.” Korsch, op. cit. <Karl Marx, manuscriu», vol. II, pp. 41-42. 22
[X 7a, 2]
Korsch (vol. II, p. 47) cita uma expressão de Marx <Das Kapital, vol. I, 4 a ed., Hamburgo,
1890, pp. 138-139>: “O lugar oculto da produção, em cuja entrada está escrito: ‘Proibida
a entrada de pessoas estranhas ao serviço.”’ Cf. a inscrição de Dante sobre a porta do
Inferno e Einbahnstrafe [Rua de mão única]. 23
[X 7a, 3]
Korsch define a mais-valia como a forma “especialmente ‘desvairada’ que o fetichismo da
mercadoria assume como ‘mercadoria força de trabalho’”. Karl Korsch, Karl Marx,
manuscrito, vol. II, p. 53. 24
[X 8, 1]
“O que Marx designa como ‘fetichismo do mundo da mercadoria é apenas a expressão
científica para a mesma coisa que ele havia antes designado como ‘auto-alienação humana’...
A diferença de conteúdo mais importante entre esta crítica filosófica da ‘auto-alienação
econômica’ e a representação científica posterior do mesmo problema consiste no fato de
Marx, em O Capital, ter conferido à sua crítica econômica um significado mais profundo
e mais geral, ao reduzir todas as outras categorias econômicas ligadas à alienação ao caráter
fetichista da mercadoria. E verdade que, mesmo assim, o ponto-chave do ataque crítico ...
continua sendo o desmascaramento da forma mais marcante que a auto-alienação humana
assume como auto-alheamento direto do homem no âmbiro das relações entre ‘trabalho
assalariado e capital’. Mas este fetichismo específico da mercadoria força de trabaLho ...
aparece nesta última versão da teoria econômica ... apenas como forma derivada daquele
fetichismo geral que já está contido na própria forma da mercadoria... Só pelo fato de ter
desmascarado todas as categorias econômicas como um único grande fetiche, Marx
ultrapassou realmente todas as formas e fases da economia burguesa e da teoria social...
Mesmo seus melhores exponentes permanecem presos no mundo da aparência burguesa
ou nele recaem, por nunca terem conseguido dissolver criricamente, juntamente com as
formas derivadas” [desmascaramento do feciche do ouro e da prata, das rendas produzidas
pela terra, dos juros como elemento do lucro, da renda como excedente das taxas de lucro
médio] “aquela forma mais geral do fetichismo econômico, que aparece na forma de valor
do produto do trabalho como mercadoria e nas relações de valor das próprias mercadorias”.
Korsch, op. cit., vol. II, pp. 53-57. 25
[X 8, 2]
23 Cf. Dante Alighieri, Divina Comédia: O Inferno, canto III, verso 9: "Lasciate ogne speranza, voi
dVintrate”. - W. Benjamin, GS IV, 146; OE II, p. 67; parece que Benjamin está se referindo às
placas de proibição. (R.T.; E/M)
24 Korsch, 1967, p. 98. (R.T.)
25 Op. cit, pp. 97 e 99-100. (R.T.)
26 Op. cit, pp. 115-116. (R.T.)
X
[Marx] 705
“Se na concepção burguesa as coisas e as relações econômicas’ parecem ser, aos olhos do
ddadão individual, apenas elementos exteriores a ele..., na nova concepção os homens, em
todas as suas ações, movem-se desde o início nas condições sociais determinadas que se
originam, por sua vez, de um dado estágio de desenvolvimento da produção material... Os
ideais da sociedade burguesa, como o indivíduo livre e autônomo, a liberdade e a igualdade
de todos os cidadãos no exercício de seus direitos políticos e a igualdade de todos perante
a lei, revelam-se agora apenas como conceitos correlatos ao fetichismo da mercadoria , derivados
do intercâmbio de mercadorias... Apenas através do recalque das relações sociais reais para
o inconsciente..., apenas através da metamorfose fetichista das relações sociais que se
estabelecem entre a classe dos capitalistas e a classe dos assalariados, graças à ‘livre’ venda da
mercadoria força de trabalho’ ao proprietário do ‘capital’ ... é possível falar nesta sociedade
de liberdade e de igualdade.” Korsch, op. cit., vol. II, pp. 75-77. 2é
[XSa, 1J
“A barganha individual e coletiva das condições de venda da mercadoria força de trabalho
ainda pertence totalmente ao mundo da aparência fetichista. Considerados do ponto de
lista social, junto com os meios materiais de produção, os operários assalariados sem
propriedade, que vendem como indivíduos sua força de trabalho por meio do ‘livre contrato
de trabalho’ a um empreendedor capitalista, são, enquanto classe, desde o início e para
sempre, a propriedade da classe que dispõe dos meios materiais de trabalho. Portanto, não
é inteiramente verdadeiro o que Marx afirmara no Manifesto Comunista... A burguesia
ainda não ... introduziu a ‘ exploração aberta, não velada, ela apenas colocou no lugar da
exploração enfeitada de ilusões religiosas e políticas” [da Idade Média] “uma outra forma
de exploração velada, mais refinada e mais difícil de desmascarar. Se em épocas passadas as
relações de dominação e servidão, abertamente proclamadas, aparecem como as molas
propulsoras imediatas da produção, na época burguesa ... ao contrário, a produção ... serve
como pretexto para as ... relações de exploração.” Korsch, op. cit., pp. 64-6 57
[X 8a, 2|
Sobre a teoria do valor: “A ‘igualdade’ dos trabalhos qualitativamente diferentes como
fiações quantitativas diferentes de uma quantia total de ‘trabalho em geral’, que está na
base do conceito econômico de valor, tampouco constitui uma condição natural da produção
de mercadoria. Ao contrário, ela [a igualdade] é criada apenas pela troca e pela produção
dos bens necessários enquanto mercadorias em geral, e manifesta-se de fato em nenhum
.muro lugar a não ser no ‘valor das mercadorias. Já entre os economistas clássicos, a redução
do ‘valor’ das mercadorias à quantidade de ‘trabalho’ nelas incorporada repousava não num
pressuposto científico-natural, mas naquele pressuposto histórico e político (do qual os
economistas não tinham consciência). A teoria econômica do ‘valor de trabalho’ corresponde
a um grau de desenvolvimento da produção social no qual o trabalho humano - não só
enquanto categoria, mas também na realidade - deixou de estar ligado organicamente ao
indivíduo ou a grupos limitados, e no qual, após a eliminação da barreira das guildas sob o
sngpo da ‘liberdade de comércio’ burguesa, cada trabalho particular equivale, por direito, a
qualquer outro trabalho particular... Portanto, se mais tarde alguns epígonos pouco
Habituados a essas audácias do pensamento científico acusaram com veemência os
economistas clássicos e os marxistas de ‘abstração violenta’, por reduzirem as relações de
maior das mercadorias às quantidades de trabalho nelas incorporadas, tornando equivalente
27 Op. Cit, pp. 106-107. (R.T.)
28 Op. cit., pp. 108-110 e 109. (R.T.)
J06 ■ Passagens
o que não se iguala - é preciso revidar que esra ‘abstração violenta’ não tem origem na ...
ciência econômica, e sim no caráter real da produção capitalista de mercadorias. A mercadoria
é um nivelador nato.” Korsch, op. cit., vol. II, pp. 66-68. - Na “realidade”, para Marx,
naturalmente, “os diversos trabalhos efetuados para a produção dos diferentes bens de
consumo são efetivamente diferentes também sob o domínio da lei do valor”. Op. cit.,
vol. I, p. 68. 28 Isto contra Simmel, cf. X 6, X 6a.
^ [X9]
“Marx e Engels ... chamaram a atenção para o fato de que o ideal de igualdade que se
formou na época da produção burguesa de mercadorias, e que se expressa, no plano
econômico, na ‘lei de valor’ dos clássicos burgueses, conserva como tal um caráter burguês
e, por isso, só é incompatível com a exploração da classe operária pelo capital do ponto de
vista ideológico, não na realidade. Os socialistas ricardianos imaginavam..., a partir do
princípio econômico de que ‘só o trabalho produz o valor’, poder transformar todos os
homens em operários imediatos, que trocam quantidades de trabalho de valor igual. Marx
replicou ... que esta relação igualitária ... é, ela própria, apenas o reflexo do mundo atual,
e que é, em consequência, totalmente impossível reconstituir a sociedade sobre uma base
que é apenas sua sombra embelezada. À medida que a sombra toma corpo, percebe-se que
esse corpo, longe de ser sua sonhada transformação, é o corpo atual da sociedade.’”
A citação é extraída de La Misère de la Philosophie , Korsch, vol. II, p. 4. 29
IX 9a, ij
Korsch: Na época burguesa, “a fabricação dos produtos do trabalho serve de pretexto e
invólucro para as ... relações de opressão e de exploração. A economia política é a forma
científica da dissimulação deste estado de coisas.” Sua função: deslocar “a responsabilidade
pela inibição do desenvolvimento e pela destruição da vida - que já se dão no atual estágio
das forças sociais produtivas e que emergem de forma catastrófica nas grandes crises
econômicas - da esfera da ação humana ... para a esfera das relações naturais e imutáveis
entre as coisas.” Korsch, op. cit., vol. II, p. 65- 30
[X 9a, 21
“A distinção entre valor de uso e valor de troca, sob a forma abstrata em que é apresentada
pelos economistas burgueses..., não constitui um ponto de partida aproveitável para o
conhecimento da produção burguesa de mercadorias... Segundo Marx, trata-se na economia
não do valor de uso em geral, e sim do valor de uso da mercadoria. Ora, o valor de uso da
‘mercadoria não é só premissa (extra-econômica) para seu Valor’. Ele é um elemento do
valor... O fato de uma coisa ter uma utilidade qualquer para um homem qualquer - por
exemplo, para aquele que a produz - ainda não determina a definição econômica do valor
de uso. Somente o fato de uma coisa ... ter utilidade ‘para outrem’ determina a definição
econômica do valor de uso como característica da mercadoria. Se o valor de uso da mercadoria
é determinado economicamente como valor de uso social (valor de uso ‘para outrem’),
então o trabalho que produz este valor de uso também é definido economicamente corno
... trabalho ‘para outrem’. O trabalho produtor de mercadorias aparece, pois, como trabalho
social em um duplo sentido. Ele tem ... um caráter social geral enquanto ‘trabalho
especificamente útil’ que produz um certo gênero de Valor de uso’ social. Ele tem um
29 Op. cit, p. 61. (R.T.)
30 Op. cit, p. 107. (R.T.)
31 Op. cit, pp. 89-90. (R.T.)
X
[Marx] 707
caráter histórico específico enquanto ‘trabalho social geral’ que produz uma certa quanddade
de ‘valor de troca. A capacidade do trabalho social de produzir certas coisas úteis aos
homens ... manifesta-se no valor de uso, sua capacidade de produzir um valor e uma mais-
valia para o capitalista (uma característica decorrente da forma particular da socialização do
trabalho ... no âmbito da atual época histórica) aparece no valor de troca do produto do
trabalho. A fusão dos dois caracteres sociais das mercadorias produzidas pelo trabalho
aparece na ‘forma de valor do produto do trabalho’ ou ‘forma da mercadoria’.” Korsch, op.
cit., vol. II, pp. 42-44. 31
[X10]
“Ao derivarem o valor a partir do trabalho, os economistas burgueses, no início, quando as
categorias abstratas da economia política ainda se encontravam no processo de separação
de seu conteúdo material, pensaram também nas diversas formas do trabalho real. Assim,
os mercantilistas, os fisiocratas etc. proclamaram que a verdadeira fonte da riqueza seria o
trabalho realizado nas indústrias exportadoras, no comércio e nos transportes marítimos,
na agricultura etc., nesta ordem. Mesmo em Adam Smith, que definitivamente passou dos
diversos ramos do trabalho para a forma geral do trabalho produtor de mercadorias, encontra-
se uma determinação paralela, que toma lugar ao lado da definição formalista do ‘trabalho’
(que ele partilha com Ricardo) como uma entidade abstrata que aparece exclusivamente
no ‘valor’ (valor de troca). O mesmo trabalho que ele havia definido como trabalho gerador
de valor de troca foi definido por ele também ... como a única fonte da riqueza material ou
dos valores de uso. Esta doutrina, que sobrevive inerradicável até hoje no socialismo vulgar...,
é economicamente falsa.” Partindo destes pressupostos, seria difícil “explicar por que na
sociedade ... atual, são pobres justamente aqueles que até agora dispunham sozinhos desta
fonte de riqueza, e mais difícil ainda explicar por que eles permanecem ‘sem trabalho’ e
pobres, em vez de produzir riqueza com seu trabalho. Mas ... Adam Smith, ao fazer o
elogio da força criadora do ‘trabalho’, tinha em mente não tanto o trabalho forçado do
operário assalariado moderno, que aparece no valor das mercadorias c que produz o lucro
capitalista, mas principalmente a necessidade natural geral do trabalho humano', assim como
a glorificação pouco crítica da ‘divisão do trabalho’ naquelas grandes manufaturas’, termo
que para ele resume a economia capitalista moderna em seu conjunto, se aplica muito
menos à forma extremamente imperfeita da divisão do trabalho na sociedade capitalista
amai do que à forma social geral do trabalho humano que aparece de maneira nebulosa.”
Korsch, op. cit., vol. II, pp. 44-46. 32
PClOa]
Uma passagem decisiva sobre a mais-valia, mesmo que a frase final necessite ainda de
esclarecimento: “Também a doutrina da mais-valia, considerada usualmente corno o
elemento socialista propriamente dito da teoria econômica de Marx, não é, na forma
aperfeiçoada em que ele a apresenta, nem uma simples operação de aritmética econômica,
que atribui ao capitalismo um logro formal praticado contra os operários, nem uma lição
moral da economia, que exige que seja devolvida aos operários a parte do ‘produto integral
do trabalho’ que foi desviada pelo capital. Como teoria ‘econômica’, ela parte do princípio
de que o empresário capitalista adquire ‘normalmente’ a força de trabalho dos assalariados
por meio de uma troca leal em que o operário recebe como salário o equivalente integral da
‘mercadoria’ que ele vendeu. A vantagem do capitalista neste negócio não advém da
32 Op. cit, pp. 91-92. (R.T.)
33 Op. cit, p. 112; grifos de Benjamín. (R.T.)
70S ■ Passagens
economia, e sim de sua posição social privilegiada de proprietário exclusivo dos meios
materiais de produção, que lhe permite explorar, para produzir mercadorias, o valor de uso
específico da força de trabalho comprada por ele por seu ‘valor’ (valor de troca). Entre o
valor das mercadorias produzidas pela exploração da força de trabalho na empresa capitalista e
o preço pago por esta força de trabalho a seus vendedores não existe, segundo Marx, nenhuma
relação econômica nem outro tipo de relação que possa ser racionalmente determinada. O tamanho
do valor produzido pelos operários na forma dos produtos de seu trabalho acima do
equivalente de seu salário, ou seja, a quantidade de mais-trabalho despendido para criar
esta ‘mais-valia’, e a relação deste ‘mais-trabalho’ com o trabalho necessário (isto é a taxa de
mais-valiá ou a taxa de exploração’ vigente respectivamente por um tempo determinado e
em um determinado país) não são, portanto, resultado de um cálculo economico. São o
resultado de uma luta social de classes.” Korsch, op. cit., vol. II, pp. 71-72. 33
“O sentido da doutrina marxista do valor não consiste absolutamente..., em última análise,
na constituição de uma base teórica qualquer para o cálculo prático dos benefícios
particulares que busca o homem de negócios, ou para as medidas político-econômicas do
homem de Estado burguês, que se preocupa com a manutenção e o crescimento geral da
mais-valia capitalista. Segundo Marx, a finalidade científica de sua teoria consiste em
desvendar a lei econômica do movimento da sociedade moderna — e isto significa, ao mesmo
tempo, a lei de seu desenvolvimento histórico.” Korsch, op. cit., vol. II, p. 70. 34
v [X lla,U
“Determinação completa do caráter social real daquele processo fundamental da produção
capitalista moderna que é apresentado de maneira unilateral tanto pelos economistas
burgueses quanto por seus adversários, os socialistas vulgares, ora como produção de bens
de consumo, ora como produção de valor ou como simples produção de lucro”: uma
“produção de mais-valia mediante a produção de valor mediante a produção de bens de
consumo em uma sociedade na qual os bens de produção materiais entram no processo de
produção dominado pelo capitalista como capital, enquanto os produtores reais entram
como mercadoria força de trabalho.” Korsch, op. cit., vol. III, pp. 10-11. 35
^ tXlla.HH
A experiência de nossa geração: o capitalismo
A disputa entre Lafargue e Jaurès caracteriza
não morrerá de morte natural.
[X 11=, 31
muito bem a grande forma do materialismo.
Ptlla.4
Fontes de Marx e Engels: “Eles tomaram de empréstimo dos historiadores burgueses do
período da Restauração o conceito de classe social e de luta de classes; de Ricardo, a
fundamentação econômica das diferenças de classe; de Proudhon, a proclamação do
proletariado moderno como a única classe realmente revolucionária; dos denunciadores
feudais e cristãos da nova ... ordem econômica, o desmascaramento impiedoso dos ideais
liberais burgueses, a invectiva carregada de ódio que atinge fundo o coração; do sooal
pequeno-burguês de Sismondi, o desmembramento perspicaz das contradições
34 Op. cit, p. 256. (R.T.)
35 Op. cit, p. 260. (R.T.)
36 Op. cit, pp. 205-206. (R.T.)
X
[Marx] 709
do modo moderno de produção; dos companheiros iniciais da esquerda hegeliana,
principalmente Feuerbach, o humanismo e a filosofia da ação; dos partidos políticos operários
seus contemporâneos — os social-democratas franceses e os cartistas ingleses — , o significado
da luta política para a classe operária; da Convenção francesa, de Blanqui e dos blanquistas,
a doutrina da ditadura revolucionária; de Saint-Simon, Fourier e Owen, todo o conteúdo
de seu programa socialista e comunista: a transformação total dos fundamentos da sociedade
capitalista vigente, a abolição das classes ... e a transformação do Estado em uma simples
instância administrativa da produção.” Korsch, op. cit, vol. III, p. 101.'”
[X 12, 1]
“Por meio da referência a Hegel, o novo materialismo da teoria proletária estabeleceu uma
conexão com a soma do pensamento social burguês de toda a época anterior, na mesma
forma antitética em que, na prática, a ação social do proletariado dá continuidade ao
movimento social precedente da classe burguesa.” Korsch, op. cit., vol. III, p. 99. 3
[X 12, 2]
Com razão, Korsch afirma - e a esse respeito poderíamos pensar em De Maistre e Bonald:
“Assim, a teoria ... do movimento operário moderno foi impregnada também de uma parte
daquela ... ‘desilusão’ que ... fora proclamada após a grande Revolução Francesa, primeiro
pelos primeiros teóricos franceses da contra-revolução, e depois pelos românticos alemães,
desilusão que exerceu uma forte influência sobre Marx, principalmente através de Hegel.”
Korsch, op. cit., vol. II, p. 36. 38
[X 12, 3]
Conceito de força produtiva: “‘Força produtiva’ é, em primeiro lugar, nada mais do que a
real força de trabalho terrena dos homens: a força..., portanto, de produzir ‘mercadorias’
sob condições capitalistas. Tudo que faz aumentar este efeito útil da força de trabalho
humana ... é uma nova ‘força produtiva social. Fazem parte das forças de trabalho materiais,
além da natureza, a técnica, a ciência, e sobretudo também a própria organização social e as
forças sociais criadas ... pela cooperação e pela divisão do trabalho industrial.” Korsch, op.
cit., vol. III, pp. 54-55. 39
[X 12a, 1]
Conceito de força produtiva: “A concepção marxista das forças sociais produtivas nada tem
a ver com as abstrações idealistas dos ‘tecnocratas’ que imaginam poder verificar as forças
produtivas da sociedade ... somente através das ciências da natureza e da tecnologia... Com
toda a certeza, segundo Marx..., a mentalidade ‘tecnocrática’ não basta para afastar aqueles
„. obstáculos materiais que ... a violência muda das condições econômicas contrapõe a
qualquer mudança da situação presente.” Korsch, vol. II, pp. 59-60. 40
[X 12a, 2]
Em Marx — “Das philosophisdhe Manifest der historischen Rechtsschule” [O manifesto
filosófico da escola histórica de direito], Rheinische Zeitung, 1842, n° 221 — aparece, como
37 Op. cit. p. 204; cf. também p. 277. (R.T.)
38 Op. crfc, p. 84. (R.T.)
39 Op. cit., p. 167. (R.T.)
40 Op. cit, pp. 170-171. (R.T.)
41 Op. cit., p. 26. (R.T.)
JIO u Passagens
ponto de referência, “a idéia justa ... de que as condições primitivas são
holandeses das condições verdadeiras" . Cit. em Korsch, vol. I, p. 35. 41
ingênuos quadros
IX 12 a. 31
Ao contrário de Proudhon, que considera a máquina e a divisão do trabalho como opostos.
Marx enfatiza o quanto a divisão de trabalho refinou-se desde a introdução da maquinaria.
Hegel, por sua vez, enfatizou que a divisão do trabalho de certa maneira preparou o caminho
para a introdução da maquinaria: “O fracionamento do conteúdo do trabalho ... resulta na
divisão do trabalho... Este trabalho, que assim se torna mais abstrato, acaba conduzindo,
por um lado, devido à sua uniformidade, a uma facilitação do trabalho e ao aumento da
produção; por outro, à limitação a uma única habilidade e, com isso, à dependência
incondicional do complexo social. Deste modo, a própria habilidade torna-se mecânica,
criando condições para que a máquina tome o lugar do trabalho humano.” HegeL
Enzyklopãdie der philosophischen Wissenschaften im Grundrisse , Eeipzig, 1920, p. 436
(§ 525-526).
IX 12a, +
A crítica do jovem Marx relativa aos “direitos do homem”, enquanto separados dos “direitos
do cidadão”: “Nenhum dos assim chamados direitos do homem vai além ... do homem
egoísta... Neles, o homem está longe de ser concebido como um membro da espécie
humana; em vez disso, a própria vida da espécie, a sociedade, aparece como uma moldura
exterior aos indivíduos... O único elo que os une c a carência natural, a necessidade e o
interesse particular, a conservação de sua propriedade e de sua pessoa egoísta. E ... um
enigma ... que a cidadania, a comunidade política , seja rebaixada pelos emancipadores políticas
a um mero meio de conservação dos assim chamados direitos do homem; isto é, que o
cidadão seja declarado um serviçal do homem egoísta, que a esfera na qual o homem se
comporta como um ser comunitário seja degradada, colocada abaixo da esfera na qual ele se
comporta como um ser parcial; cm suma, que não o homem como cidadão, mas o homem
como burguês seja considerado como o homem verdadeiro e autêntico... A solução deste
enigma é simples... Qual era o caráter da antiga sociedade?... O feudalismo. A antig»
sociedade burguesa tinha imediatamente um caráter político... A revolução política aboliu
o caráter político da sociedade burguesa. Ela estilhaçou a sociedade burguesa ... de um lado,
nos indivíduos, de outro, nos elementos materiais e espirituais que formam ... a condição
burguesa desses indivíduos... A constituição do Estado político e a decomposição da sociedade
burguesa em indivíduos independentes — cuja relação é o direito, assim como a relação das
homens da nobreza e das corporações era o privilégio - realizam-se por um único e mesmo
ato. O homem, como membro da sociedade burguesa, o homem apolítico, aparece
necessariamente como o homem natural. Os direitos do homem aparecem como direitos
naturais, pois a atividade consciente concentra-se no ato político. O homem egoísta é o resultado
passivo, apenas preexistente da sociedade decomposta..., objeto natural. A revolução político
... comporta-se em relação à sociedade burguesa, em relação ao mundo das necessidades,
do trabalho, dos interesses particulares, do direito privado, como ... em relação à sua base
natural. Enfim, o homem, como membro da sociedade burguesa, é considerado o homem
propriamente dito, o homem em oposição ao cidadão, porque ele é o homem em sua existência
... sensível, enquanto o homem político é apenas o homem abstrato... A abstração do homem
político é descrita por Rousseau de maneira precisa: Aquele que ousa instituir um povo
deve sentir-se em condições de mudar ... a natureza humana, de transformar cada indivíduo
42
W. Benjamin, GS II, 476-478. (R.T.)
X
[Marx] 711
que, por si mesmo, é um todo perfeito e solitário, como parte de um todo maior do qual
esse indivíduo recebe ... seu ser...’ ( Contraí Social, vol. II, Londres, 1782, p. 67).’ Marx,
“Zur Judenfrage” [Sobre a questão dos judeus], in: Marx e Engels, Gesamtausgabe, seção I,
vol. I, tomo 1, Frankfurt a. M., 1927, pp. 595-599.
[X 13]
A propriedade que recai sobre a mercadoria como seu caráter fetichista é inerente à própria
sociedade produtora de mercadorias, não como ela é em si, mas como ela representa a si
mesma e acredita compreender-se quando faz abstração do fato de que ela produz
mercadorias. A imagem que ela assim produz de si mesma e que costuma designar como
sua cultura corresponde ao conceito de fantasmagoria (Cf. “Eduard Fuchs, der Sammler
und der Historiker” [“Eduard Fuchs, o colecionador e o historiador”], seção III). 42 A
cultura é definida por Wiesengmnd “como um bem de consumo no qual nada deve nos
lembrar de como ele veio a surgir. É transformado num objeto mágico, na medida em que
o trabalho nele acumulado aparece como sobrenatural e sagrado no mesmo instante em
que deixa de ser percebido como trabalho.” (T. W. Adorno, “Fragmente über Wagner”,
Zeitschrifi fur Sozialforschung, VIII, 1939, n° 1-2, p. 17). A este propósito, uma passagem
extraída do manuscrito sobre “Wagner” (pp. 46-47): “A arte orquestral de Wagner ...
afastou da configuração estética a parte da produção imediata do som. Quem conseguisse
entender integralmente por que Haydn dobra os violinos na piano com uma flauta, poderia
talvez chegar a um esquema para entender por que a humanidade, há milhares de anos,
parou de comer grãos de cereais crus e passou a assar o pão, ou por que ela começou a lixar
e polir seus utensílios. No objeto de consumo, os traços de sua produção devem ser
esquecidos. Ele deve dar a impressão de que não foi feito, para não revelar que aquele que o
vende não o fabricou, mas se apropriou do trabalho nele contido. A autonomia da arte tem
como origem a ocultação do trabalho.” 43
[X 13a]
43
Para a edição em livro, a referida passagem foi modificada; cf. T. W. Adorno, Gesammelte Schriften, vol.
XIII, D/e musikalischen Monographien, ed. org. por Gretei Adorno e R. Tiedemann, 2 a ed., Frankfurt
a. M„ 1977, pp. 79-81. (R.T.)
Y
[A Fotografia] 1
"Sol, tome cuidado!"
A. J. Wiertz, CEuvres Littéralres, Paris, 1870, p. 374.
"Se o sol um dia se apagasse
Um mortal é que o reacenderia."
Laurendn e Clairville, Le Rol Dagobert à 1'Expositíon de 1844,
(Théâtre du Vaudeville, 19 de abril de 1844), Paris, 1844, p.
18 [palavras pronunciadas pelo Gênio da Indústria].
Uma profecia de 1855: “Nasceu para nós, há poucos anos, uma máquina, orgulho de nossa
época, que a cada dia pasma nosso pensamento e espanta nossos olhos. / Essa máquina, em
menos de um século, será o pincel, a paleta, as cores, a habilidade, a prática, a paciência, o
golpe de vista, o toque, a mescla, o brilho, o truque, o modelado, o acabamento, a realização.
/ Em menos de um século, não haverá mais pedreiros na pintura: haverá apenas arquitetos,
pintores na acepção plena da palavra. / Não pensemos que o daguerreótipo mata a arte.
Não; ele mata o trabalho da paciência e homenageia a obra do pensamento. / Quando o
daguerreótipo, esta criança gigante, tiver atingido a idade madura; quando estiverem
desenvolvidos toda a sua força e todo o seu poder, então o gênio da arte o agarrará pelo
colarinho e exclamará: ‘Tu és meu! és meu agora! Nós vamos trabalhar juntos!. A. J.
Wiertz, CEuvres Littéralres, Paris, 1870, p. 309. Do artigo intitulado La photographie ,
publicado pela primeira vez em junho de 1855, em La Nation, e que termina com uma
referência à nova descoberta da ampliação fotográfica, que possibilita a ampliação de fotos
em tamanho natural. Os pintores-pedreiros são, para Wiertz, aqueles “que se preocupam
somente com a parte material”, que a realizam bem.
[Y 1, 1]
Industrialização na literatura. Sobre Scribe. “Ao ridicularizar os grandes industriais e os
donos do dinheiro, ele desvendou o segredo de seu sucesso. Não escapou a seu olhar arguto
que, no fundo, toda riqueza baseia-se na arte de fazer com que os outros trabalhem para
nós. Assim ele, um gênio pioneiro, transferiu o princípio da divisão do trabalho das oficinas
dos costureiros, dos ebanistas e dos fabricantes de molas de aço para as oficinas de arte
dramática, onde os artistas, antes desta reforma, não ganhavam com uma cabeça e uma
pena nada além do magro salário proletário de um trabalhador individual. Toda uma
geração de gênios do teatro deve a ele as diretrizes, a formação, os bons ganhos e, não
1 Ver também o ensaio de Benjamin, "Kleine Geschichte der Photographie", G5 II, 368-385; "Pequena
História da Fotografia", OE I, pp. 91-107. (w.b.)
J14 ■ Passagens
raramente, até mesmo a riqueza e a fama. Scribe escolhia o tema, organizava as linhas gerais
da ação, determinava o momento dos efeitos e das brilhantes saídas de cena, e seus aprendizes,
acrescentavam os diálogos ou versos que acompanhavam tudo isso. Caso tivessem sucesso,
recebiam como justo pagamento a menção de seu nome junto ao título (ao lado do nome
da firma), até que os melhores pudessem se emancipar e realizar um trabalho dramático de
autoria própria, talvez até buscando a colaboração de novos ajudantes. Deste modo, e soi»
a proteção das leis de imprensa francesas, Scribe tornou-se multimilionário.” Fr. Kreyfiig»
Studien zur franzosischen Cultur- und Literaturgeschichte, Berlim, 1865, pp. 56-57.
Os primórdios do teatro de revista. “As novas peças feéricas 2 3 francesas sao, em geral, de
produção recente, e devem sua origem às peças de teatro de revista que costumavam ser
exibidas nos primeiros quinze dias de cada novo ano, apresentando uma espécie de retrospectiva,
fantástica do ano anterior. No início, seu caráter era bastante infantil; destinavam-se
principalmente aos estudantes, cujas férias de ano novo eram alegradas por produções desse
gênero.” Rudolf Gottschall, “Das Theater und Drama des Second Empire”, in: Unsere Zes r
Deutsche Revue — Monatsschrifi zum Konvmatiomlexikon, Leipzig, 1867, p. 931.
[Y !. 1
Desde o início ter em vista esta idéia e avaliar seu valor construtivo; os fenômenos residuais
e de decadência como precursores - de certa forma, como miragens das grandes sínteses
que vêm em seguida. Estes universos <?> de realidades estáticas devem ser focalizados aa
toda parte. O filme, seu centro. ■ Materialismo histórico ■
[Y 1.40
As peças feéricas: “Assim, por exemplo, em Parisiens a Londres (1866), a exposição industriai
inglesa é posta em cena e ilustrada com um desfile de beldades nuas que, naturalmente,
devem sua presença à alegoria e à invenção poética.” Rudolf Gottschall, “Das Theater und
Drama des Second Empire”, in: Unsere Zeit: Deutsche Revue — Monatsschrifi ztt
Konversationslexikon, Leipzig, 1867, p. 932. ■ Reclame ■
[Y la. i®.
“‘Fermentos’ são substâncias que produzem ou aceleram a decomposição de quantidade»
relativamente grandes de outras substâncias orgânicas... Ora, estas ‘outras substância*
orgânicas’, através das quais os fermentos demonstram seu poder de decomposição, são 2 *
formas estilísticas transmitidas historicamente.” “Os fermentos ... são as conquistas dh
técnica moderna. E possível agrupá-los em três grandes categorias: 1. o ferro, 2. a arte ca»
máquinas, 3. a arte da iluminação e do fogo.” Alfred Gotthold Meyer, Eisenbauten , Esslingem»
1907 (do prefácio, sem número de página).
[Y la* 25
A reprodução fotográfica de obras de arte como uma fase do embate entre fotografia e pintura. 1
[Y la. 3Sf
2 As peças feéricas (: féeríes , em francês; Feenstücke, em alemão) são espetáculos teatrais que recama»
frequentemente à pantomima, em que aparecem fadas e feiticeiros e que usam a maquinaria teasi
para criar elaborados efeitos cênicos. - De lembrar que Benjamin, na primeira vez que se refere a semi
projeto das Passagens, em carta a Gershom Scholem, de 30 de janeiro de 1928, planejava escrever jm,
ensaio com o título "Pariser Passagen: Eine dialektische Feerie" (Passagens Parisienses: Uma -ap
Feérica Dialética), GS V, 1083. (E/M; w.b.)
3 Cf. W. Benjamin, " Pariser Brief <2>; Malerei und Photographie" (Carta de Paris <2>: Pintura e Fotografai,
GS III, 495-507. (J.L.)
Y
[A FOTOGRAFIA] 715
“Em 1855» no âmbito da grande exposição da indústria, foram inauguradas seções especiais
para a fotografia. Pela primeira vez a fotografia tornava-se algo familiar ao grande público.
Esta exposição representou o início do desenvolvimento industrial da fotografia... Durante
i exposição, o público se aglomerava diante dos inúmeros retratos de personalidades famosas
e notáveis; mal podemos imaginar o que significava, naquela época, poder ver diante dos
próprios olhos, em tamanho natural, as celebridades do teatro, das tribunas..., em suma,
da vida pública, que até então só podiam ser vistas e admiradas a distância. Gisela Freund,
“"Entwicklung der Photographie in Frankreich” [manuscrito]. 1 ■ Exposições ■
° 1 ÍY la. 4l
É significativo para a história da fotografia que o mesmo Arago, autor do famoso parecer
favorável à fotografia, tenha submetido — no mesmo ano (?), 1838 — um parecer desfavorável
a construção das ferrovias planejadas pelo governo: “Em 1838, quando o Governo lhe
sabmeteu o projeto de lei que autorizava a construção de estradas de ferro de Paris à
Béteica, a Le Havre e a Bordeaux, o relator Arago concluiu pela rejeição, e 160 vozes contra
90 concordaram com ele. Entre outros argumentos, dizia-se que a diferença de temperatura
na entrada e na saída dos túneis provocaria calores e friagens mortais. Dubech e D Espezel,
Histoire de Paris, Paris, 1926, p. 386.
[Y la, 5]
Jllgumas peças teatrais de sucesso de meados do século: Dennery, Le naufrage de la perouse
1*11859), Le tremblement de terre de la Martinique (1843), Les bohémiens de Paris (1843);
Lotus François Clairville, Les sept châteaux du diable (1844), Les pommes de terre malades
; 1845), Rothomago (1862), Cendrillon (1866). Outras peças de Duveyrier, Dartois. Um
j ffiepjr Hauser, de Dennery?’
* I Y 1 a. o
'“'.Is criações mais fantásticas do mundo feérico são realizadas praticamente diante de nossos
dftíQS...; produzem-se a cada dia, em nossas fábricas, maravilhas tão incríveis quanto as que
paduzia o doutor Fausto com seu livro mágico. ’ Eugène Buret, De la Misère des Classes
deuses en France et en Angleterre , Paris, 1840, vol. II, pp. 161-162. ^
Exsraído da magnífica descrição que Nadar 4 5 6 faz de suas fotografias nas catacumbas
parisienses: “Precisávamos experimentar empiricamente o tempo de exposição em cada
pBsàção de câmera; vimos que alguns clichês exigiam até dezoito minutos. — E preciso
Egdbfar que ainda estávamos no tempo do colódio... Julguei que seria bom animar com
mar; personagem alguns desses aspectos, menos pelo efeito pitoresco que para indicar a
oicsLJi de proporções, precaução muitas vezes negligenciada pelos exploradores, e cujo
rsqpecimento às vezes nos desconcerta. Seria difícil obter de um ser humano uma
4 Ver também o comentário de Benjamin sobre o estudo de Gisèle Freund, La Photographie en France au
Dix-neuvième Siède, Paris, 1 936, em GS III, 500-502 (" Pariser Brief <2>"), e sua resenha deste livro em
GS III, 542-544. (J.L.)
5 Anicet Bourgeois e Dennery, Gaspard Hauser: drame en 4 actes, Paris, 1838. (R.T.)
5 FélixTournachon, chamado Nadar (1820-1910) abriu seu primeiro ateliê na Rue Saint-lazare. Tinha como
clientes, entre outros: Nerval, Vígny, Gautier, Dumas, Berlioz, Baudelaire. Em 1861, instala-se no
Boulevard des Capucines, n° 35, e torna-se o "fotógrafo titular da oposição [Les Grands Boulevards ,
catálogo da exposição do Musée Carnavalet, 1985, p. 196). Cf. Nadar, "Le Dessus et le Dessous de
Paris”, in: Paris-Guide (1867), textos escolhidos por Corinne Verdet, Paris, La Découverte-Maspero,
1983, pp. 154 et seq. (J.L.)
“76 ■ Passagens
imobilidade absoluta, inorgânica, durante os dezoito minutos de exposição. Procurei
contornar a dificuldade com manequins, que vesti como operários e posicionei naquele
cenário do modo menos estranho possível; esse detalhe não complicou nossa tarefa... Falta
acrescentar que esse maldito ofício, ao longo de esgotos e catacumbas, não havia durado
para nós menos que uns três meses consecutivos... Em suma, trouxe comigo cem clichês...
Apressei-me em oferecer as cem primeiras impressões às coleções da Cidade de Paris, pelas
mãos do eminente engenheiro de nossas construções subterrâneas, Sr. Belgrand.” Nadar,
Quand J’étais Photographe, Paris, 1900, pp. 127-129. 7
ÍY 2, 2]
Fotografia sob luz artificial com a ajuda de bicos de Bunsen. “Chamei um eletricista
experiente para instalar na parte mais firme de minha varanda, que é voltada para o
Boulevard des Capucines, cinqüenta bicos médios, esperando que fossem suficientes - e
de fato o foram... A presença dessa luz ainda pouco usada, ao cair da noite, fazia a
multidão parar no boulevard ; atraídos pela luz como mariposas, muitos curiosos, amigos
ou indiferentes, não resistiam e subiam a escada para saber o que se passava ali. Esses
visitantes, que provinham de todas as classes, alguns mais conhecidos ou mesmo célebres,
eram tão bem acolhidos quando dispostos a nos fornecer gratuitamente um estoque de
modelos para a nova experiência. Foi assim que fotografei nessas noites, entre outros,
Niepce de Saint-Victor, ... Gustave Doré, ... os banqueiros E. Pereire, Mires, Halphen
etc.” Nadar, Quand ]’étais Photographe , Paris, pp. 113, 115-116.
[Y 2. 3]
Ao final do grande prospecto de Nadar sobre o estado das ciências: “Aqui estamos, muito
além do admirável balanço de Fourcroy, na hora suprema em que o gênio da Pátria, em
perigo, clama por descobertas.” Nadar, Quand J’étais Photographe , Paris, p. 3.
[Y 2, 4j
Nadar reproduz a teoria de Balzac sobre a dagucrreotipia, que deriva, por sua vez, da teoria
dos eidola , de Demócrito. 8 (Parece que Nadar não conhecia esta última, que ele não
menciona.) Gautier e Nerval teriam seguido a opinião de Balzac, “... mas mesmo falando
de espectros, tanto um quanto outro ... foram entre os primeiros a passar diante de nossa
objetiva.” Nadar, Quand J’étais Photographe, p. 8.
[Y 2a. 1]
De onde vem a concepção de progresso? De Condorcet? De qualquer modo, ela parece
ainda não estar bastante enraizada no fim do século XVIII. Em sua erística, Hérault de
Séchelles dá, entre outros, o seguinte conselho para liquidar o adversário: “Desnorteá-lo
nas questões da liberdade moral e do progresso ao infinito.” Hérault de Séchelles, Théorie
de l’Ambition, Paris, 1927, p. 132.
[Y 2a, 2]
1848: “A revolução ... aconteceu no meio de uma crise econômica muito séria, provocada,
por um lado, pelas especulações provocadas pela construção das estradas de ferro, e por
7 O relato de Nadar, "Paris Souterrain", foi publicado pela primeira vez em 1867, no contexto da Exposição
Universal. Suas fotografias das catacumbas, em 1861-1862, e dos esgotos de Paris, em 1864-1865,
nas quais usava sua nova técnica patenteada de fotografia com luz elétrica, seguiram-se a seus
experimentos de fotografia aérea; cf. o catálogo da exposição Nadar, Nova Yorque, Metropolitan
Museum of Art, 1995. (E/M)
8 Esta teoria encontra-se em Le Cousin Pons ; cf. Y 8a, 1 . (J.L.)
Y
[A fotograra] 717
«atro, por duas más colheitas consecutivas, em 1846 e 1847: mais uma vez Paris foi
minada, até o faubourg Saint-Antoine, pelas revoltas da fome.” A. Malet et P. Grillet. XD?
Sècíe. Paris, 1919, p. 245.
T 2a. 3!
Observação sobre Ludovic Halévy: “Podem atacar-me no que quiserem, mas não em matéria
de fotografia: ela é sagrada.” Jean Loize, “Emile Zola photographe”, Arts etMétien Graphiques ,
nP 45, 15 fev. 1935, p. 35.
y 2 a, 4]
“Quem ao menos uma vez na vida teve a chance de pôr sua cabeça sob o manto mágico do
I Ibiógrafo e olhou através da câmara, encontrando ali aquela maravilhosa reprodução em
1 miniatura da imagem natural, deve ter se perguntado ... qual será o destino de nossa
[ punira moderna quando o fotógrafo conseguir fixar em suas placas tanto as cores quanto as
ifcmnas ” Walter Crane, “Nachahmung und Ausdruck in der Kunst’, Die Neue Zeit, XIV,
■® 1, Stuttgart, p. 423.
[Y2a, 5)
A tenra ri va de provocar um confronto sistemático entre arte e fotografia era inicialmente
fafiaría ao fracasso. Esse confronto só podería ser um momento do confronto entre arte e
inócnica, realizado pela história.
[Y 2a, 6]
Passagem sobre a fotografia, extraída de Lampélie e D aguerre, de Lemercier:
“Como, presa à rede do caçador malvado,
A cotovia, despertando os ecos da manhã,
Esvoaça, e loucamente se lança na pradaria
Sobre um espelho, perigo de sua galanteria;
Assim, o vôo de Lampélie (= luz do sol) foi interceptado
Pelo químico filete por Daguerre inventado.
A face de um cristal, arredondado ou côncavo,
Diminui ou aumenta o objeto que ela grava.
No fundo da armadilha obscura seus finos e brancos raios
Mostram o aspecto dos lugares em rápidos traços:
Numa placa que aprisiona, a imagem capturada,
Do toque destruidor logo preservada,
Resta viva e durável; e os reflexos precisos
Atingem a profundeza dos planos mais longínquos.”
Ifiqpomucène Lemercier, “Sur la découverte de 1’ingénieux peintre du diorama”, in: Séance
WkMscrue AnnueUe des Cinq Académies, 2 maio 1839, Paris, 1839, pp. 30-31. <Cf. Q 3a, 1>
[Y 3, 11
Th . fctografia ... foi adotada primeiro pela classe social dominante... : industriais, proprietários
i fabricas e banqueiros, homens de Estado, literatos e sábios.” Gisela Freund, La Photographie
U Passagens
au Point de Vue Sociologique (manuscrito, p. 32). Isso está certo? Não seria melhor in
a ordem?
Dentre as invenções que precederam a fotografia, devem ser consideradas a lit
(inventada em 1805 por Alois Senefelder, e alguns anos mais rarde introduzida na F
por Philippe de Lasteyrie) e o fisionotraço , que representa, por sua vez, uma mecanr
do procedimento de recorre de silhuetas. “Gilles Louis Chrérien ... em 1786 ... cons
inventar um aparelho que ... combinava dois modos diferentes do retrato: o da silhueta e 1
da gravura... O fisionotraço era baseado no princípio bem conhecido do pantógrafo: tm-
sistema de paralelogramas era articulado de forma a permitir seu deslocamento num plarr-
horizontal. Com um estilete seco, o operador traça os contornos de um desenho. Ui
estilete com tinta segue os deslocamentos do primeiro estilete e reproduz o desenho o»
uma escala determinada pela posição relativa dos estiletes.” Gisela Freund, La Photographk
au Point de Vue Sociologique (manuscrito, pp. 19-20). O aparelho dispunha de um visot
Era possível obter reproduções em tamanho natural.
A reprodução com o fisionotraço durava um minuto, no caso de silhuetas normais, e três
minutos, no caso de silhuetas coloridas. É significativo que os primórdios da técnica do
retrato, contidos nesse aparelho, significaram um retrocesso da qualidade do retraro tanto
quanto a fotografia mais tarde significou um avanço. Quando se percorre o vasto conjunto
das obras da fisionotracia, constata-se que os retratos têm todos a mesma expressão:
imobilizada, esquemática e plana... Embora o aparelho reproduza os contornos do rosto
com uma exatidão matemática, essa semelhança não tinha expressão, porque não eia realizada
por um artista.” Gisela Freund, La Pbotographie au Point de Vue Sociologique (manuscrito,
p. 25). Seria preciso demonstrar aqui por que este aparelho primitivo, ao contrário da
câmera fotográfica, excluía a dimensão artística .
“Em Marselha, por volta de 1850, havia no máximo quatro ou cinco pinrores de miniaturas,
enrre os quais somente dois gozavam de uma certa reputação executando mais ou menos
uns cinqüenta retratos por ano. Esses artistas ganhavam apenas o suficiente para manter
sua existência... Alguns anos mais tarde, havia em Marselha entre quarenta e cinqüenta
fotógrafos... Eles produziam anualmente, cada um, uma média de mil a mil e duzentos
clichês, que vendiam a 15 francos cada um, ou seja, produziam uma receita de 18.000
francos, cujo conjunto constituía um movimento de negócios de quase um milhão. E é
possível constatar o mesmo desenvolvimento em todas as grandes cidades da França.
Gisela Freund, La Pbotographie au Point de Vue Sociologique (manuscrito, pp. 15-16), citando
Vidal, Mémoire de la Séance du 15 Novembre 1868 de la Société Statistique de Marseille ,
reproduzido no Bulletin de la Société Française de Pbotographie , 1871, pp. 37, 38, 40. ^
Sobre o encadeamento das invenções técnicas: Quando queria fazer ensaios de litografia,
Niépce, que vivia no campo, encontrava as maiores dificuldades para arranjar as pedras
necessárias. Foi assim que teve a idéia de substituir as pedras por uma placa de metal, e o
lápis pela luz solar.” Gisela Freund, La Pbotographie au Point de Vue Sociologique (manuscrito,
Y
(A rdtograha] 719
p. 39), conforme V lc tor Fouque, Niépce: La Vérité sur 1’Invention de la Photographie . Châlons
sur haone, 1867.
[Y 3a, 3j
Depois de Arago ter apresentado seu relatório na Câmara: “Algumas horas depois, as lojas
dos opticos foram assediadas; não havia lentes suficientes, nem câmaras obscuras para
satisfazer ao zelo de tantos amadores empenhados. Acompanhava-se com um pesar nos
oüros o sol que ba.xava no horizonte, levando consigo a matéria-prima da experiência Mas
íogo nas primeiras horas do d.a seguinte, podia ser visto nas janelas um grande número de
experimentadores esforçando-se, com toda espécie de precaução e cuidado, para fixar em
uma placa preparada a imagem da clarabóia vizinha, ou a perspectiva de um conjunto de
chaminés. Louis Figuier, La Photographie: Exposition et Ilistoire des Pnnrípales Découvertes
Scientifiques Modernes, Paris, 1851; cit. sem indicação de página em Gisela Frcund
manuscrito, p. 46).
[Y4, 1 ]
Em 1840, Maurisset publicou uma caricatura sobre a fotografia.
[Y 4, 2]
. de retrat °’ uma avalla Çã° que se liga à ‘situação’ e à posição’ do homem, e que
exige dele [do artista] a representação de uma condição social’ e uma ‘atitude, só pode ser
satisfeita <mm um retrato de corpo inteiro.” Wílhelm Wãtzold, Die Kunst des Portrãts,
Leipzig, 1908, p. 186; cit. em Gisela Freund (manuscrito, p. 105).
[Y 4, 3]
A fotografia na época de Disderi: 9 “Os acessórios característicos de um ateliê fotográfico de
1S65 sao a coluna a cortina e a gucridom. Ali o sujeito se mantém, apoiado, assentado ou
.m P e, para ser fotografado, de corpo inteiro, de meio-corpo ou o busto. O fundo é
merementado, conforme a posição social do modelo, por acessórios simbólicos e pitorescos.”
óegue-se um pouco adiante uma passagem muito significativa, extraída de Disderi, LArt de
k Phot m hte ’ Pans ’ 1862 (sem indicação de página), que, entre outras coisas, diz o
>£guinte: Para se fazer um retrato, ... nao basta reproduzir com exatidão matemática as
proporçoes e as formas do indivíduo; é preciso ainda, e principalmente, captar e representar
“ 35 ™ ÇOC ; da natureza nesse indivíduo ... justificando-as e embelezando-as.” Gisela
Freund, La Photographie au Point de Vue Sociologique (manuscrito, pp. 106 e 108). - A
co una: o emblema da cultura geral”. ■ Haussmannização ■
[Y 4, 4]
Gisela Freund (manuscrito, pp. 115-1 17) cita esta passagem de LArt de la Photographie, de
Disderi: Num imenso ateliê perfeitamente equipado, não poderia o fotógrafo, mestre de
todos os efeitos de luz, com cortinas e refletores, munido de toda espécie de fimdos, de
cenários, de acessórios, de roupas, e dispondo de modelos inteligentes e bem treinados
aimpor tableawc de genre, cenas históricas? Não poderia ele buscar o sentimento, como
8c effer, e o estilo, como M. Ingres? Não poderia ele tratar a história, como Paul Delaroche
mi seu quadro A Morte do Duque de Guise ? Na Exposição universal de 1855 havia algumas
fotografias deste gênero, provenientes da Inglaterra.
[Y 4a, 1]
O fotografo Andre-Adolphe Disderi (1818-1889) abriu seu ateliê em 1854 no Boulevard des Capucines,
n° 8. Sua invenção do retrato em forma de cartão de visita rende-lhe uma fortuna. Ele torna-se o
otografo do Imperador", mas após o Segundo Império, seus negócios entram em declínio. (J.L.)
720 ■ Passagens
Os quadros de Delacroix escapam da concorrência com a fotografia não só devido ao vigor
de suas cores, mas também - na época ainda não havia fotografias instantâneas - devido ao
movimento tempestuoso de seu assunto. Assim foi possível que ele tivesse um interesse
benévolo pela fotografia.
[Y 4a, 2]
O que torna as primeiras fotografias tão incomparáveis talvez seja isto: elas representam a
primeira imagem do encontro entre a máquina e o homem.
[Y 4a, 3]
Uma das objeções — muitas vezes implícitas — contra a fotografia: seria impossível que o rosto
humano pudesse ser captado por uma máquina Esta era sobretudo a opinião de Delacroix.
[Y 4a, 4]
“Yvon ... discípulo de Delaroche ... decidiu um dia reproduzir a batalha de Solferino...
Acompanhado do fotógrafo Bisson, ele vai às Tulherias, consegue que o Imperador tome a pose
desejada, que ele volte a cabeça, e ilumina o conjunto com a luz que ele quer reproduzir. A
pintura que daí resultou tomou-se célebre com o nome de O Imperador de quepel Segue-se a
isto um processo do pintor contra Bisson, que tinha comercializado o seu clichê. Ele foi condenado.
Gisela Freund, La Photographie au Point de Vue Soáologique (manuscrito, p. 152).
ÍY4a, 5]
Napoleão III, ao passar com seu regimento pelo boulevard , dá ordens para que parem
diante da casa de Disderi, sobe até o ateliê e tira uma fotografia.
[Y4a, 6]
Como presidente da Société des Gens de Lettres, Balzac propôs que a produção dos doze
maiores autores vivos da França fosse comprada pelo Estado. (Cf. Daguerre.)
[Y4a, 7]
<fase média>
“No Café Hamelin ... fotógrafos e notívagos.” Alfred Delvau, Les Heures Parisiennes, Paris,
1866, p. 184 (“Une heure du matin”).
[Y 5, 1]
Sobre Népomucène Lemercier: “O homem que falava este idioma pedante, absurdo e
enfático, certamente jamais compreendeu sua época... Haveria modo melhor de desfigurar
os acontecimenros contemporâneos do que por meio de expressões e imagens
ultrapassadas?” Alfred Michiels, Histoire des Idées Littéraires en France au XIX e Siècle,
Paris, 1863, vol. II, pp. 36-37.
[Y 5, 2]
Sobre o surgimento da fotografia. — A tecnologia da comunicação diminui os méritos
informativos da pintura. Ademais, prepara-se uma nova realidade, diante da qual ninguém
Y _
[A fotografia] 721
pode assumir a responsabilidade de uma tomada de posição pessoal. Apela-se à objetiva da
câmera. A pintura, por sua vez, começa a acentuar a cor.
“O vapor” - “Última palavra daquele que morreu sobre a cruz!” Maxime Du Camp, Les
Chants Modemes, Paris, 1855, p. 260 (“La vapeur”).
0 ' 5 , 4 ]
Em “La vapeur”, parte III, Du Camp celebra o vapor, o clorofórmio, a eletricidade, o gás,
a fotografia. Maxime Du Camp, Les Chants Modemes, Paris, 1855, pp. 265-272. La
fãulx” [A foice] celebra a máquina de ceifar.
As primeiras duas estrofes e a quarta de “La bobine ’ [A bobina]:
“Perto do rio em cascata
Para o qual cada barragem
Se faz rodopiante paragem;
No meio de verdes prados,
Entre luzernas floridas,
Ergue-se meu grande palácio;
Meu palácio de mil janelas,
Meu palácio de vinhas campestres
Subindo até os tetos,
Meu palácio onde sem repouso canta
A roda ágil e murmurante,
A roda de brilhante voz!
Como os Elfos da Noruega
Que sempre valsam sobre a neve,
Fugindo do espírito que os persegue,
Eu giro! giro! giro!
Nunca em paz eu me detenho!
Eu giro dia e noite!”
Jyfaarime Du Camp, Les Chants Modemes, Paris, 1855, pp- 285-286.
r"H locomotiva”: — “Santa, um dia, serei nomeada.” Maxime Du Camp, Les Chants Modemes,
■Us, 1855, p. 301. Este poema, ao lado de outros, pertence ao ciclo “Chants de la matière”.
rr^ [Y5,7]
2b imprensa é a imensa e santa locomotiva do progresso. Victor Hugo, Discurso proferido
BB< íwnquete de 16 de setembro de 1862, organizado pelos editores de Les Misérables em
722 ■ Passagens
Bruxelas. Cit. em Georges Batault, Le Pontife de la Démagogie: Victor Hugo, Paris, 1934,
p. 131.
[Y 5, 8]
“É um século que nos honra!
O século das invenções,
Infelizmente é ainda
O das revoluções.”
Clairville e Jules Cordier, Le Palais de Cristal ou Les Parisiens à Londres, Théâtre de la Porte
Saint-Martin, 26 maio 1851, Paris, 1851, p. 31.
[Y 5a, 1]
Uma locomotiva com "vários vagões elegantes” aparece no palco. Clairville, o mais velho, e
Delatour, 1837 aux Enfers , Théâtre du Luxembourg, 30 dez. 1837, Paris, 1838, p. 16.
[Y 5a, 2]
Demonstrar a influência da litografia sobre a literatura panoramática. O que é uma
caracterização individual irrestrita no litografo, torna-se, no escritor, uma generalização
também irrestrita.
[Y 5a, 3]
Fournel, em 1858 (Ce Quon Voit dans les Rues de Paris), acusa a daguerreotipia de ser
incapaz de embelezar. Disderi replica. Por outro lado, também as poses com acessórios
introduzidas por Disderi são condenadas por Fournel.
[Y 5a, 4!
Sem referir-se à fonte, Delvau cita esta descrição de Nadar: “Seus cabelos têm o ardor
arrefecido de um sol poente; seu reflexo estende-se sobre todo o rosto, onde faíscam,
combatem-se, encrespando-se, tufos de pêlos, incoerentes como fogos de artifício.
Extremamente dilatada, a pupila rola, testemunhando um enorme ardor de curiosidade e
uma surpresa perpétua. A voz é estridente; os gestos são os de um boneco de Nuremberg
que está febril.” Alffed Delvau, Les Lions du Jour , Paris, 1867, p. 219.
[Y 5a, 5]
Nadar a respeito de si mesmo: “Rebelde nato em relação a todo jugo, impaciente com
todas as convenções, nunca soube responder a uma carta senão dois anos depois, um fora-
da-lei em todas as casas em que não se pode esticar os pés junto à lareira, e — a fim de que
nada lhe falte, nem mesmo um supremo defeito físico, para coroar a medida de todas essas
atraentes virtudes e lhe arranjar alguns bons amigos a mais - míope, à beira da cegueira e,
por conseqüência, atingido pela mais insolente amnésia diante de qualquer rosto que ele
não tenha visto mais de vinte e cinco vezes a quinze centímetros de seu nariz.” Cit. em
Alfred Delvau, Les Lions du Jour, Paris, 1867, p. 222.
FY 5a, 6]
Invenções por volta de 1848: fósforos, velas de estearina, molas de aço.
[Y 5a, 7]
Invenção da prensa rotativa em 1814. Foi utilizada pela primeira vez pelo jornal The Times.
[Y 5a, 8]
Y
[A =otograra] 723
Nadar a respeito de si mesmo: “Um antigo produtor de caricaturas ... refugiado finalmente no
Botany-Bay da fotografia.” Cit. em Alfred Delvau, Les Lions du Jour, Paris, 186/, p. 220.
Sobre Nadar: “O que restará um dia do autor do Miroir aux Alouettes, de La Robe de
Déjanire , de Quand J’étais ÉtudianP. Não sei. O que sei é que sobre uma ruína ciclópica da
ilha de Gozo, um poeta polonês, Ceslaw Karski, gravou em árabe, mas com letras latinas:
Nadar dos cabelos ondulantes passou pelo ar acima desta torre - e é provável que a esta
hora os habitantes desta ilha o estejam adorando como um Deus desconhecido.” Alfred
Delvau, Les Lions du Jour , Paris, 1867, pp. 223-224.
[Y 6, 2]
Fotografia de gênero: o escultor Calímaco inventa o capitel coríntio ao observar um acanto.
- Leonardo pinta a Mona Lisa. - La Gloire et le Pot au Feu [A glória e a caçarola]. Cabinet
des Estampes, Kc 164 a 1.
[Y 6, 3]
Uma água-forte de 1775 representa em uma cena de gênero como um artista capta a
silhueta de um modelo através da sombra que este lança sobre a parede. Chama-se The
Origin ofPainting. Cabinet des Estampes, Kc 164 a 1.
Existe uma certa relação entre a invenção da fotografia e a do estereoscópio de espelho, por
Wheatstone em 1838. 10 “Mostram-se duas imagens diferentes do mesmo objeto: para o
olho direito, uma imagem que representa o objeto em perspectiva, tal qual seria visto do
ponto de vista do olho direito; para o esquerdo, uma imagem de como ele apareceria ao
olho esquerdo - isto cria a ilusão de que temos diante de nós um objeto ... de três dimensões.”
Egon Friedell, Kulturgeschichte der Neuzeit, vol. III, Munique, 193 L p. 139. A precisão
exigida pelo jogo de imagens deste estereoscópio o aproxima muito mais da fotografia que
da pintura.
[Y 6, 5]
É preciso investigar a provável afinidade entre Wiertz e Edgar Quinet.
fY6, 6]
“A objetiva é um instrumento como o lápis ou o pincel; a fotografia é um procedimento
como o desenho e a gravura, porque o que faz o artista é o sentimento e não o procedimento.
"Iodo homem que tenha uma inspiração feliz e a habilidade necessária pode, pois, obter os
mesmos efeitos com qualquer um desses meios de reprodução. Louis Figuier, La Photogrctphie
mi Salon de 1859, Paris, 1860, pp. 4-5.
[Y 6 , 7 ]
“O Sr. Quinet ... parecia querer introduzir na poesia o gênero que o pintor inglês Martins
iiaugurou na arte... O poeta ... não tinha receio de fazer as catedrais se ajoelharem diante
do sepulcro de Nosso Senhor, e mostrar as cidades penteando sobre seus ombros, com um
pente de ouro, sua cabeleira de louras colunas, enquanto as torres dançavam um estranha
10 O estereoscópio de espelho consistia de uma caixa em cujas paredes verticais havia dois desenhos que
eram refletidos por dois espelhos no centro; as imagens davam ao observador uma sensação
tridimensional. (J.l.)
724 ■ Passagens
rondó com as montanhas.” Alfred Ncttement, Histoire de la Littérature Française sous le
Gouvemement de Juillet, Paris, 1859, vol. I, p. 131.
[Y 6a, 1]
Na Exposição universal de 1855, a fotografia, apesar de seu vivo protesto, não pôde entrar
no santuário do palácio da Avenue Montaigne; foi condenada a procurar asilo no imenso
bazar de produtos de toda espécie que enchiam o Palácio da Indústria. Em 1859, pressionada
mais fortemente, a comissão dos museus ... concedeu, no Palácio da Indústria, um lugar
para a exposição de fotografia, bem ao lado da exposição de pintura e de gravura, mas com
uma entrada separada e, por assim dizer, numa outra chave.” Louis Figuier, La Photographie
au Salon de 1859. Paris, 1860, p. 2.
[Y 6a, 2]
“Um fotógrafo hábil tem sempre seu próprio estilo, tanto quanto um desenhista ou um
pintor ... e, além disso ... o caráter próprio ao espírito artístico de cada nação revela-se
com... evidência nas obras provenientes de diferentes países... Jamais um fotógrafo poderia
ser confundido ... com um de seus colegas do outro lado da Mancha.” Louis Figuier, La
Photographie au Salon de 1859, Paris, 1860, p. 5.
[Y 6a, 3]
Os primórdios da fotomontagem vieram da tentativa de preservar o caráter pitoresco das
fotografias paisagísticas. “O Sr. Silvy tem um sistema excelente para a execução de seus
quadros... Ele não aplica em todas as paisagens, indiferentemente, um mesmo céu formado
por um clichê uniforme; sempre que possível, ele tem o cuidado de realçar, sucessiva e
separadamente, a vista da paisagem e a vista do céu que a coroa. Este é um dos segredos do
Sr. Silvy.” louis Figuier, La Photographie au Salon de 1859, Paris, 1860, p. 9.
[Y 6a, 4]
E significativo que a brochura de Figuier sobre o Salão fotográfico de 1859 comece com
uma discussão sobre a fotografia paisagística.
[Y 6a, 5]
No Salão de fotografia de 1859, numerosas “viagens”: ao Egito, a Jerusalém, à Grécia, à
Espanha. Em sua apresentação, Figuier observa: “Mal se conheciam os procedimentos
práticos da fotografia sobre papel, e já um enxame de operadores se aventurava por toda
parte, para nos trazer vistas de monumentos, de edifícios, de ruínas, vistas tomadas de
todas as terras do mundo conhecido.” Daí as novas voyages photographiques. Louis Figuier,
La Photographie au Salon de 1859, Paris, 1859, p. 35.
[Y 6a, 6]
Dentre as reproduções de obras destacadas especialmente por Figuier em La Photographie
au Salon, encontram-se as reproduções dos cartões de Rafael, de I íampton-Court - “a obra
... que domina toda a exposição fotográfica de 1859” (p. 51) - e de um manuscrito da
Geografia, de Ptolomeu, que data do século XIV e que se encontrava, naquela época, em
um convento do Monte Athos.
[Y 7, 1]
Havia retratos feitos especialmente para serem vistos através do estereoscópio. A moda
propagou-se sobretudo na Inglaterra.
[Y 7, 21
Y
[A =otografia] 725
Figuier (pp. 77-78) não deixa de chamar a atenção para a possibilidade de utilizar as
fotografias microscópicas em épocas de guerra, para mensagens secretas (na forma de
telegramas em miniatura).
(V7,3]
Uma ... observação que resulta do exame atento da exposição ... é o aperfeiçoamento ... das
chapas positivas. Há cinco ou seis anos, a ... preocupação quase exclusiva no domínio da
fotografia era o clichê negativo..., mal se pensava na utilidade de uma boa impressão das
chapas positivas. Louis Figuier, La Photographie au Salon de 1859, Paris, 1860, p. 83.
(Y7.4I
Provável sintoma de uma mudança profunda: a pintura deve se sujeitar à avaliação segundo
parâmetros da fotografia: Estamos ao lado do público quando admirarmos ... o artista
delicado que..., este ano, manifestou-se com uma pintura capaz de rivalizar, em refinamento,
com as provas daguerrianas.” Este é o julgamento de Auguste Galimard a respeito de
Meissonnier, em: Examen du Salon de 1849, Paris, 1850, p. 95.
[Y 7, 5]
Fotografar em versos” - como sinônimo de descrição em versos. Édouard Fournier,
Chroniques et Légendes des Rues de Paris, Paris, 1864, pp. 14-15.
(Y 7, 6]
Enfim, abriu-se a primeira sala de cinema do mundo. Em 28 de dezembro de 1895, no
subsolo do Grand Café, no Boulevard des Capucines, n° 14, em Paris. E a primeira bilheteria
de um espetáculo para o qual mais tarde seriam investidos bilhões, atingiu a soma considerável
de 35 francos!” Roland Villiers, Le Cinéma et ses Merveilles, Paris, 1930, pp. 18-19.
[Y 7, 7]
“Como o momento da guinada em direção à reportagem fotográfica deve ser mencionado
o ano de 1882, quando o fotógrafo Ottomar Anschütz, de Lissa, na Polônia, inventou o
obturador de cortina, possibilitando assim a fotografia instantânea propriamente dita.”
Europãische Dokumente: Historische Photos aus den Jabren 1840-1900, Stuttgart-Berlim-
Leipzig, ed. org. por Wolfgang Schade, p. V
[Y 7, 8]
A primeira entrevista fotográfica foi realizada por Nadar em 1 886, com o químico francês
Chevreuil, de noventa e sete anos. Europãische Dokumente: Historische Photos aus den Jahren
1840-1900, Stuttgart-Berlim-Leipzig, pp. 8-9.”
[Y 7, 9]
‘A primeira experiência que orientou as pesquisas sobre um movimento cientificamente
produzido ... foi a do doutor Parès, em 1825. Ele havia desenhado uma gaiola em um dos
lados de um pequeno quadrado de papel-cartão, e, no outro lado, um pássaro; ao fazer este
cartão girar rapidamente sobre um eixo ... apareciam sucessivamente as duas imagens, mas
o pássaro parecia estar dentro da gaiola, como se houvesse um só desenho. Esse fenômeno,
que é em si mesmo todo o cinema, baseia-se no princípio da persistência das impressões da
retina... Uma vez que se admite esse princípio, fica fácil compreender que um movimento
11 O famoso químico foi entrevistado efetivamente por ocasião de seu centésimo aniversário; algumas
dessas fotos foram reproduzidas no catálogo Nadar (cf. supra, nota 7), pp. 102-103. (E/M)
726 ■ Passagens
decomposto e apresentado num ritmo de dez imagens, ou mais, por segundo, é percebido
pelo olho como um movimento perfeitamente contínuo. O primeiro aparelho que realizou
o milagre do movimento artificial foi o fenacistiscópio construído pelo físico belga Plateau,
já em 1833, e que se conhece ainda hoje como um brinquedo... É composto de um disco
em que se encontra uma seqüência de desenhos representando os movimentos sucessivos
de um personagem, e que deve ser observada com o disco em plena rotação... Há ... uma
relação evidente com nossos atuais desenhos animados... Os pesquisadores perceberam ...
o interesse que haveria em subsriruir as imagens desenhadas ... por uma seqüência de
fotografias. Infelizmente ... apenas as imagens apresentadas em, no mínimo, um décimo
de segundo podiam servir a esse projeto. Para isso, foi preciso esperar as placas dc gelatino-
brometo, que permitiram fazer os primeiros instantâneos. Foi a astronomia que deu o
primeiro ensejo para a experiência da cronofotografia. Em 8 de dezembro de 1874, o
astrônomo Jansen pôde testar, graças a uma passagem do planeta Vénus sobre o sol, um
revólver fotográfico de sua invenção, que batia uma fotografia a cada 70 segundos... Logo
depois, a cronofotografia ficaria muito mais rápida... É ... que o professor Marey entra na
arena com seu fuzil fotográfico...; obtendo, desta vez, ... 12 imagens por segundo... Todas
essas pesquisas eram até então puramente científicas. Os pesquisadores que se dedicaram a
elas ... viam na cronofotografia um simples ‘meio de análise dos movimentos do homem e
dos animais’... E eis que, em 1891, encontramos ... Edison. Ele havia construído dois
aparelhos: um, o cinematógrafo, para a gravação; e o outro, o cinescópio, para a projeção...
Nesse meio tempo, Démeny, colaborador de Marey, havia inventado, em 1891, um aparelho
que permitia registrar ao mesmo tempo as imagens e o som. Seu fonoscópio ... foi o primeiro
cinema falado.” Roland Villiers, Le Cinéma et ses Merveilles, Paris, 1930, pp. 9-16 (“Petite
histoire du cinema”).
[Y 7a, 1]
“Podc-se citar como exemplo do progresso [Fortschritt] técnico - que, de fato, é um desvio
[ Wegsckritt] 1 2 - o aperfeiçoamento dos aparelhos fotográficos. Eles são muito mais sensíveis
à luz do que os antigos caixotes com os quais se produziam os daguerreótipos. Pode-se
trabalhar com eles praticamente sem ter que se preocupar com as condições da luz. Possuem
ainda uma série de outras vantagens, sobretudo para a fotografia de rostos, mas os retratos
que podem ser feitos são muito piores, sem sombra de dúvida. Com os antigos aparelhos,
menos sensíveis à luz, captavam-se várias expressões sobre a placa, que ficava exposta à luz
por mais tempo; conseguia-se assim uma imagem final que trazia uma expressão mais
universal e mais viva, e com isso, também um aspecto funcional. Contudo, seria certamente
um grande erro dizer que os novos aparelhos são piores que os antigos. Talvez ainda falte
neles algo que será descoberto amanha, ou talvez seja possível fazer com eles algo mais do
que fotografar rostos. E, quem sabe, ainda rostos? Eles não mais sintetizam os rostos - mas
seria isto necessário? Talvez exista uma maneira de fotografar, que se tomou possível graças
aos aparelhos mais novos, que decomponha os rostos? Mas esta maneira ... não será certamente
encontrada sem que se encontre igualmente uma nova função desse modo de fotografar.”
Brccht, Versuche 8-10, Berlim, 1931, p. 280 (“Der Dreigroschenprozefi” - O processo dos
três vinténs).
[Y 8, 1]
12 Em seu trocadilho com Fortschritt, "progresso", Brecht não colocou o termo antagônico Rückschritt,
"regresso", como está nas traduções para o francês e o inglês ("recul" e "regress"), e sim, Wegschritt,
que designa um afastamento. Por isso, optamos pela tradução "desvio", (w.b.)
Y
[A =0’3GSARA] 727
Os irmãos Bisson publicaram, por ocasião de uma visita do imperador ao seu ateliê fotográhco,
em 19 de dezembro de 1856 - uma visita que, segundo eles, coincidiu com o décimo
primeiro aniversário da abertura de seu instituto — , um poema em forma de panfleto, com o
título “Souvenir de la visite de Leurs Majestés 1’Empereur et 1’Impératrice aux magasins de
Messieurs Bisson frères”. Trata-se de um panfleto de quatro páginas. As duas primeiras contêm
um poema intitulado “A fotografia”. Os dois textos são bastante simplórios.
“Deve-se observar que os melhores fotógrafos de hoje não se preocupam muito com a
questão...: A fotografia é uma arte?’... Por sua habilidade em criar o choque evocatório, ele
[o fotógrafo] prova seu poder de expressão, e eis a sua revanche contra o ceticismo de
Daumicr.” George Besson, La Photographie Fmnçaise , Paris, 1936, pp. 5-6.
[Y 8, 3j
A famosa passagem de Wicrtz sobre a fotografia <Y 1 , 1 > pode ser bem elucidada por esta
outra de Wey; no entanto, ela deixa evidente que o prognóstico de Wiertz estava errado:
‘Reduzindo a nada o que lhe é inferior, a heliografia predestina a arte a novos progressos; ao
chamar o artista de volta para a natureza, ela o aproxima de uma fonte de inspiração cuja
fecundidade é infinita.” Francis Wey, “Du naturalisme dans 1’art”, La Lumière, 6 abr.
1851 ; cit. em Gisèle Freund, La Photographie en France au XlX e Siècle, Paris, 1 936, p. 111.
[Y 8, 4]
‘Observar somente o lado possível da adivinhação, crer que os acontecimentos anteriores
da vida de um homem ... podem ser imediatamente representados pelas cartas que ele
embaralha e corta, e que são divididas pela cartomante em pilhas segundo leis misteriosas,
£ absurdo. Mas foi o absurdo que condenou o vapor, que condena ainda a navegação aérea,
que condenou a invenção da pólvora e da imprensa, das lentes, da gravura, e também a
última grande descoberta, a daguerreotipia. Se alguém viesse dizer a Napoleão que um
edifício e que um homem são a todo momento e ininterruptamente representados por
uma imagem na atmosfera, que todos os objetos existentes têm nela um espectro apreensível,
perceptível, ele teria mandado internar esse homem em Charenton... E, no entanto, é isso
que Daguerre provou com sua descoberta.” Honoré de Balzac, Le Cousin Pons, in: CEuvres
Completes, vol. XVIII: La Comédie Humaine: Scènes de la Vie Parisienne, VI, Paris, 1914, pp.
129 - 130 . “Assim como os corpos se projetam realmente na atmosfera, deixando subsistir
rada esse espectro apreendido pelo daguerreótipo, que o detem de passagem, também as
ütfeiaç ... se imprimem naquilo que podemos chamar de atmosfera do mundo espiritual...,
das vivem nela espectralmente (pois é necessário forjar palavras para exprimir fenômenos
inomináveis), e entlo certas criaturas dotadas de faculdades raras podem perfeitamente
perceber essas formas ou esses traços de idéias.” Op. cit., p. 132.
TDegas foi o primeiro a utilizar em seus quadros a representação do movimento rápido, tal
como ele nos é oferecido pela fotografia instantânea.” Wladimir Weidlé, Les Abeilles dAristée,
Kaiis, 1936, p. 185 (“Lagonie de 1’art”).
r ° [Y 8a, 21
Qual é o autor citado por Montesquiou na seguinte passagem, extraída de um texto
manuscrito que integrava um volume de memorabilm ricamente ornamentado, exibido em
728 ■ Passagens
uma vitrine na exposição de Guys em Paris, na primavera de 1937? “Assim, em algumas
frases rápidas, mosrra-se esta primeira exposição de Constantin Guys, surpresa recente que
o Sr. Nadar 13 — o célebre aeronauta, ou devo dizer, o fotógrafo ilustre? — acaba de tirar de
sua fecunda caixa de malícia. Certamente este engenhoso espírito, pleno de passado, tem
direito a esse título, no sentido mais nobre, conforme a admirável definição que fez dele
um poderoso e sutil pensador, em páginas sublimes: A humanidade também inventou,
em sua errância noturna, isto é, no século XIX, um símbolo da lembrança; ela inventou o
que parecera impossível; ela inventou um espelho que se lembra. Ela inventou a fotografia.”
[Y 8a, 3|
<fase tardia>
“Em época alguma a arte respondeu a exigências unicamente estéticas. Os escultores góticos
serviam a Deus fazendo estátuas para seus fiéis; os retratistas visavam à semelhança; os
pêssegos e as lebres de um Chardin tinham seu lugar na sala de jantar, acima da mesa de
refeição familiar. Os artistas, em alguns casos, aliás muito raros, sofriam com isso; a arte, em
seu conjunto, se beneficiava; foi assim em todas as grandes épocas artísticas. Em particular,
a ingênua convicção de que apenas copiavam a natureza’ era tão salutar para os pintores
dessas épocas felizes quanto teoricamente injustificável. Os velhos mestres holandeses se
consideravam menos artistas que fotógrafos, se assim podemos dizer; é somente hoje que o
fotógrafo deseja absolutamente passar por artista. Uma estampa era, outrora, antes de tudo
um documento, era menos exata (em média) e mais artística que uma fotografia, mas
tendo a mesma função, desempenhando mais ou menos o mesmo papel prático.” Ao lado
desta importante intuição encontra-se neste autor a idéia não menos importante de que o
fotógrafo não se diferencia do artista plástico pelo realismo fundamentalmente maior de
seus trabalhos, e sim por uma técnica mais mecanizada, que não exclui sua atividade
artística. Isto tudo não o impede de escrever: “A desgraça (grifo meu) não é que o fotógrafo
hoje acredite ser um artista ; a desgraça é que ele realmente dispõe de certos recursos próprios
da arte do pintor.” Wladimir Weidlé, Les Abeilles dAristée , Paris, pp. 181-182 e 184
(‘Tagonie de fart”). Cf. Jochmann, sobre a epopéia: “A simpatia geral que um tal poema
despertava, o orgulho com o qual todo um povo o repetia, sua autoridade, com valor de lei,
sobre opiniões e sentimentos, tudo enfim baseava-se no fato de que ele não era considerado
um mero poema.” Cari Gustav Jochmann, Uber die Sprache, Heidelberg, 1828, p. 271.
(“Die Rückschritte der Poesie” — As regressões da poesia). 14
[Y 9, 1]
Já por volta de 1845, a ilustração começa a aparecer nos anúncios. Em 6 de julho desse
ano, a Société Générale des Annonces, que cuidava da publicidade do Journal des Débats,
do Constitutionnel e de La Presse , publica um prospecto que diz: “Chamamos ... vossa
atenção para as ilustrações que um grande número de industriais costuma, há alguns anos,
colocar em seus anúncios. A faculdade de capturar os olhos pela forma e pela disposição das
letras é menos valiosa, talvez, que a vantagem de poder completar uma exposição muitas
13 Nadar ajudou a organizar a exposição sobre a obra de Constantin Guys, em 1895. (E/M)
14 Cf. a introdução de Benjamin ao texto de Jochmann, "Die Rückschritte der Poesie", GS II, 572-585, com
extratos de Jochmann, pp. 585-598. (J.L.)
Y
[A rjtograra] 729
vezes árida com desenhos, esboços e mapas.” P Datz, Histoire de la Publicite ; voL I. Paris,
1894, pp. 216-217.
[Y9,2]
Em Morale du joujou , Baudelaire menciona o fenacistiscópio ao lado do estereoscópio.
O fenacistiscópio, mais antigo, é menos conhecido. Imagine um movimento qualquer,
por exemplo, um exercício de dançarino ou de malabarista, dividido e decomposto em
um certo número de movimentos; suponha que cada um desses movimentos - uns
vinte, digamos - seja representado por uma figura inteira do malabarista ou do dançarino,
e que cada uma delas seja desenhada em torno de um círculo de cartão.” Baudelaire
descreve em seguida o mecanismo de espelhos que permite que se veja, através de vinte
aberturas em um círculo exterior, vinte figurinhas que se movem em ação contínua.
Baudelaire, LArt Romantique, Paris, p. 146. 15 Cf. Y 7a, 1.
[Y 9a, 1]
O pantógrafo, cujo princípio também está presente no fisiono traço-, foi o aparelho que
conseguiu transcrever automaticamente sobre uma massa de gesso os traços calcados
onginalmente sobre o papel, conforme exigia a fotoescultura. O modelo, neste procedimento,
constituía-se de 24 vistas simultâneas tiradas' de diferentes lados. Gautier não vê uma
ameaça à escultura nesse processo. O que pode impedir o escultor de animar artisticamente
uma figura-base produzida mecanicamente? “E não é tudo. O século, apesar de esbanjador,
é econômico. A arte pura lhe parece cara. Com a desenvoltura de um arrivista, ele ousa às
vezes regatear com os mestres. O mármore e o bronze o assustam... A fotoescultura não é
uma grande dame , como a estatuaria... Ela sabe se reduzir, e se contenta com uma prateleira
como pedestal, feliz por ter reproduzido fielmente uma fisionomia amada... Ela não desdenha
os sobretudos; as crinolinas não a embaraçam; ela aceita a natureza e o mundo como eles
são. Sua sinceridade se acomoda com tudo, e embora seu gesso esteárico possa ser traduzido
em mármore, em terracota, em alabastro ou em bronze..., ela não pedirá pelo seu trabalho
o preço que se gastaria, para sua irmã mais velha, apenas com o material.” Théophile
Gautier, “Photosculpture: 42, Boulevard de 1’Etoile”, Paris, 1864, pp. 10-11. O ensaio se
encerra com uma xilogravura de fotoesculturas, uma das quais representa Gautier.
[Y 9a, 2J
Ele aperfeiçoou a arte ilusionística do panorama e inventou o diorama. Associou-se a um
outro pintor e inaugurou, em 11 de julho de 1822, na Rue de Sanson, em Paris, uma
exposição ... cuja fama se espalhou rapidamente... O inventor e fabricante empreendedor
... foi nomeado cavaleiro da Legião de Honra. A missa da meia-noite, o templo de Salomão,
Edimburgo sob o clarão sinistro de um incêndio e o túmulo de Napoleão, transfigurado
naturalmente pela aureola rubra do crepúsculo; eis as maravilhas que foram aqui mostradas.
Um tradutor do texto de Daguerre sobre suas duas invenções (1839) dá uma bela descrição
da diversidade das luzes, grandes e pequenas, magníficas, misteriosas e assustadoras: ‘O
espectador está sentado em um pequeno anfiteatro; a cena surge diante dele coberta por
uma cortina ainda envolta em penumbra. Pouco a pouco, porém, esta escuridão se transforma
em uma luz crepuscular... : cada vez mais nitidamente surge uma paisagem, ou um outro
prospecto..., começa a aurora..., das sombras surgem árvores, e os contornos das montanhas
e das casas tornam-se visíveis... : o dia amanheceu. O sol avança pelo céu; em uma casa se
avista, pela janela aberta, um fogão que aos poucos acende suas chamas; em um canto da
15
Baudelaire, OC I, p. 585. (R.T.)
7$0 ■ Passagens
paisagem, vê-se um bivaque em torno de um caldeirão, sob o qual o fogo começa a
avivar-se pouco a pouco; surge uma forja, e as brasas parecem se atiçar cada vez mais.
Após algum tempo ... a luz do dia diminui, enquanto o clarão do fogo artificial se torna
mais forte; segue-se então o crepúsculo e, por fim, cai a noite. Logo a luz da lua faz valer
os seus direitos, a paisagem torna-se novamente visível nos suaves tons da noite clara:
uma lanterna acende-se em um navio que está ancorado no primeiro plano de um porto;
acendem-se as velas no altar ao fundo da admirável perspectiva de uma igreja e a
comunidade, antes invisível, aparece iluminada pelos raios que vêm do altar; ou homens
tomados pelo desespero ficam à beira de um precipício, cuja devastação é iluminada pela
lua, no mesmo lugar onde, antes, o Ruffiberg formara o pano de Rindo da delicada
paisagem suíça de Goldau.”’ Cit. com o título “Übersetzer von Daguerres SchriR über
seine beiden Erfindungen (1839)” LO tradutor do relato de Daguerre sobre suas duas
invenções], em Dolf Sternberger, “Das wunderbare Licht; Zum 150. Geburtstag
Daguerres”, Frankfurter Zeitung, 21 nov. 1937. (Y1Q r
A introdução do elemento temporal nos panoramas se deu através da sucessão dos períodos
do dia (com os conhecidos truques dc iluminação). Dessa forma, o panorama transcende a
pintura e antecipa a fotografia. Devido a sua natureza técnica, a fotogiafia, em contraste
com a pintura, pode e deve estar relacionada a um período determinado e contínuo de
tempo (o tempo de exposição). Seu significado político já está contido in nuce nesta
capacidade de precisão cronológica. 2 ,
“Nestes dias deploráveis, uma nova indústria surgiu e contribuiu muito para confirmar a
crença na tolice e arruinar o que podia restar de divino no espírito francês. Essa multidão
idólatra postulava um ideal digno dela e apropriado a sua natureza, é claro. Em matét ia de
pintura e estatuária, o credo atual da gente mundana ... é este: ‘Creio ... que a arte é, e não
pode ser senão a reprodução exata da natureza... Assim, a indústria que nos der um resultado
idêntico à natureza será a arte absoluta.’ Um Deus vingador atendeu os desejos dessa
multidão. Daguerre foi seu messias. E então disseram: ‘Uma vez que a fotografia nos dá
todas as garantias desejáveis de exatidão (assim pensam esses insensatos!), a arte é a fotografia.
A partir desse momento, a sociedade imunda precipitou-se, como um único Narciso, para
contemplar sua trivial imagem sobre o metal. Uma loucura, um fanatismo extraoidinário
tomou conta de todos esses novos adoradores do sol. Produziram-se estranhas abominações.
Pensou-se que, juntando e posicionando alguns patifes, homens e mulheres enfeitados
como os açougueiros e as lavadeiras no carnaval, e rezando para que esses heróis conseguissem
prolongar, pelo tempo necessário à operação, sua expressão grotesca — seria possível reproduzir
as cenas, trágicas ou graciosas, da história antiga... Pouco tempo depois, milhares de olhos
ávidos se colavam às pequenas lentes do estereoscópio, como se espiassem pelas clarabóias
do infinito. O amor à obscenidade, tão vivo no coração natural do homem quanto o amor
a si mesmo, não deixou escapar uma ocasião tão bela de se satisfazer ... [223]... Estou
convencido de que os progressos mal aplicados da fotografia contribuíram muito, como
aliás todos os progressos puramente materiais, para o empobrecimento do gênio artístico
francês, já tão raro... A poesia e o progresso são dois ambiciosos que se odeiam com um ódio
instintivo, e, quando se encontram no mesmo caminho, é preciso que um deles sirva ao
Y
[A fOTOGRAHAj 731
outro.’ Charles Baudelaire, CEuvres, ed. org. por Y.-G. Le Dantec, vol. II, Paris, 1932, pp.
222-224 (“Salon de 1859: Le public moderne et la photographie”). 16
[V 10a. li
Baudelaire, em Quelques Caricaturistes Français , fala, a propósito de Monnier, do “encanto
cruel e surpreendente do daguerreótipo”. Charles Baudelaire, CEuvres, ed. org. por Y.-G.
Le Dantec, vol. II, p. 197. 17
[Y 10a, 2]
“A poesia e o progresso são dois ambiciosos que se odeiam com um ódio instintivo, e,
quando se encontram no mesmo caminho, é preciso que um deles sirva ao outro. Se for
permitido à fotografia suprir a arte cm algumas de suas funções, ela a suplantará logo ou a
terá corrompido inteiramente, graças à adesão natural que encontrará na imbecilidade da
multidão. E preciso, pois, que ela volte a seu verdadeiro dever, que é o de ser a serva das
ciências e das artes, mas a serva muito humilde, como a imprensa c a estenografia, que não
criaram nem supriram a literatura. Que ela enriqueça rapidamente o álbum do viajante e
proporcione a seus olhos a precisão que faltaria à sua memória, que ela orne a biblioteca do
naturalista, amplie os animais microscópicos, fortifique até mesmo com algumas informações
as hipóteses do astrônomo, que ela seja enfim a secretária, o vade-mécum de quem precisa,
em sua profissão, de uma exatidão material absoluta: até aqui, não há nada melhor. Que ela
salve do esquecimento as ruínas pendentes, os livros, as estampas e os manuscritos que o
tempo devora, as coisas preciosas cuja forma desaparecerá e que pedem um lugar nos
arquivos de nossa memória, e ela terá nosso agradecimento e nosso aplauso. Mas se lhe é
permitido usurpar o domínio do impalpável e do imaginário, de tudo o que só tem valor
quando o homem ali coloca sua alma, então, pobres de nós!” Charles Baudelaire, CEuvres,
Salon de 1859, ed. org. por Y.-G. Le Dantec, vol. II, p. 224 (“Le public moderne et la
photographie”). 18
[Y 11, 1]
A peça Les mariés de la Tour Eiffel, de Cocteau, pode ser considerada talvez uma “crítica à
fotografia instantânea”, na medida em que nela se evidenciam os dois aspectos do choque
— sua função técnica, do ponto de vista mecânico, e sua função esterilizante, da perspectiva
da vivência [Erlebnis],
[V 11 , lj
16 Op. c/t., vol. II, pp. 616-618. (J.L.)
17 Op. c/t., vol. II, p. 558. (J.L.)
18 Op. dt., vol. II, pp. 618-619. (J.L.)
[A Boneca, o Autômato] 1
"Sempre fui, em meio às pessoas, a única boneca com
um coração."
Amalie Wínter, Memoiren einer Berliner Puppe für inder von 5 bis
lOJahren und fürderen Mütter, Leipzig, 1852, p. 93.
"Lá onde se veem as horas nos olhos, e não no relógio."
Franz Dingelstedt, Ein Roman, cit. em Adolf Strodtmann,
Dichterprofile, vol. I, Stuttgart, 1879, p. 111.
“As engenhosas parisienses, ... para divulgar mais facilmente sua moda, lançavam mão de
uma reprodução especialmente atraente de suas novas criações, a saber, as bonecas
manequins... Essas bonecas, que ainda tinham uma grande importância nos séculos XVII
e XVIII, eram dadas às meninas como brinquedos, depois de terem terminado sua função
de figurinos de moda.” Karl Grõber, Ksnderspielzeug aus alter Zeit, Berlim, 1927, pp. 31-32. 2
■ Moda ■ Reclame ■
[Z 1, 1]
São elas as verdadeiras fadas destas passagens — mais venais e utilizadas que as de tamanho
ipniral — as bonecas parisienses, outrora famosas no mundo inteiro, que giravam sobre um
suporte musical, segurando nos braços um pequeno cesto, do qual surgia o focinho curioso
de um cordeirinho na hora do acorde em tom menor. Quando Hacklãnder utilizou em
em de seus contos de fada esta “mais nova invenção do luxo industrial”, ele também
colocou suas maravilhosas bonecas na perigosa passagem que devia ser percorrida pela
“inha Tinchen, por ordem da fada Conccirdia, para salvar seus pobres irmãos. “Tinchen
cruzou confiante a fronteira da terra encantada, pensava apenas em seus irmãos. De início,
1 A palavra alemã Puppe pode designar tanto a boneca quanto o manequim; cf. [Z 1 , 1 ]. 0 texto " Lob der
Puppe" (GS III, 213-218) - "Elogio da Boneca", in: W. Benjamin, Reflexões sobre a Criança, o
Brinquedo e a Educação, trad. de Marcus Mazzari, Sâo Paulo, 2002, pp. 131-138 - sugere também
uma aproximação com as marionetes. Ver também "o boneco em trajes turcos" e "o autômato" que
joga xadrês, na primeira tese de W. Benjamin, "Uber den Begriff der Geschichte", GS I, 693; Teses,
p. 41. (J.L.; wb.)
2 Cf. a resenha do livro de Grõber publicada por Benjamin em 1928 sob o título "Kulturgeschiehte des
Spielzeugs", GS lll, 113-117 - "História Cultural do Brinquedo", in: Reflexões sobre a Criança, o
Brinquedo e a Educação, pp. 89-94. (w.b.)
734 ■ Passagens
nada viu de especial; logo, porém, o caminho a conduziu a uma ampla sala cheia de
brinquedos. Havia lá pequenas tendas repletas de toda espécie de coisas, carrosséis com
cavalinhos e carruagens, balanços e cavalinhos de brinquedo, mas, sobretudo, as mais
fantásticas casinhas de boneca. Ao redor de uma pequena mesa posta havia grandes bonecas
sentadas em confortáveis cadeiras, e quando o olhar de Tinchen se ding.u a elas, a maior e
mais linda boneca levantou-se, fez uma graciosa reverência e dmgiu-lhe a palavra, com sua
voz suave e maviosa.” A criança não quer saber de brinquedos fantasmas, mas a malelica
magia desta passagem escorregadia ainda assume, nos dias de hoje, a forma de grandes
bonecas animadas. ■ Reclame ■ p 1; 2 ]
“Sabe-se que c Longchamps que inventa a moda. Não vi nada dc novo, mas amanha todos
os folie ts, todos os Petits Couriers des Dames, todas as Psychés comentarão, em seus
suplementos, os novos modelos - que já tinham sido inventados e estavam disponíveis
antes do dia da reunião em Imngchamps. Desconfio até que em algumas carruagens, no
lugar da dama que parecia estar ali sentada, houvesse apenas um manequim, colocado pelo
proprietário e vestindo xales, sedas e veludo, conforfite o seu gosto.” Karl Gutzkow, Bnefe
aus Paris, Leipzig, 1842, vol. I, pp- 119-120. [Zi,3]
Sobre as Ombres Chinoises [Sombras chinesas] do Palais-Royal: “Uma ... demoiselle deu a
luz em cena, e as crianças logo saíram engatinhando, como toupeiras. Havia quatro delas,
e poucos instantes após o nascimento já dançavam uma bela quadrilha. Uma outra demoiselle
balançava a cabeça bem forte, e sem que ninguém o esperasse, uma segunda demoiselle,
completamente vestida, saiu de sua cabeça com um salto. Esta logo começou a dançar, c
também começou a balançar a cabeça: eram as dores do parto, e logo uma terceira saltou e
sua cabeça. Também esta pôs-se a dançar, e logo também começou a balançar a cabeça e
dela surgiu uma quarta. E assim por diante, até juntarem oito gerações no palco - todas
parentes entre si por superfetação, como piolhos.” J. F. Benzenberg, Bnefe geschneben auf
einer Reise nach Paris, Dortmund, 1805, vol. I, p. 294.
A um cerno momento, o tema das bonecas adquiriu um significado de crítica social. Por
exemplo: “O senhor não imagina o quanto estes autômatos e estas bonecas podem se
tomar detestáveis, e o quanto ficamos aliviados quando encontramos nesta sociedade uma
criatura autêntica.” Paul Lindau, Der Abend, Berlim, 1896, p. 17- ^
“Numa loja, na Rue Legendre, em Batignolles, toda uma série de bustos femininos sem
cabeça e sem pernas, com ganchos de cortina no lugar dos braços e pele de percalma de cor
absoluta - castanho seco, rosa cm, negro fone -, alinham-se numa só fila, empalados em
hastes ou apoiados sobre mesas... Olhando esta estiagem de colos, este museu Curaus dc
seios, vislumbramos os porões onde repousam as esculturas antigas do Louvre, onde o
mesmo torso eternamente repetido faz a alegria ensinada das pessoas que o contemplam,
bocejando, nos dias de chuva... Quão superiores às insípidas estátuas das Venus sao estes
manequins, tão vivos, dos costureiros; quanto mais insinuantes são estes bustos capitones.
cuja visão evoca longos devaneios: - devaneios libertinos, diante de seios adolescentes e
z
[A 30 NECA, o Autômato] 735
retas maduras; — devaneios caridosos, diante de mamas envelhecidas, encarquilhadas pela
clorose ou intumescidas pela gordura; — porque pensamos nas dores das infelizes que ...
sentem que se aproxima a indiferença do marido, a iminente deserção do amante, a perda
final dos encantos que lhes permitiam as conquistas, nessas inevitáveis batalhas travadas
contra a carteira bem guardada dos homens.” J. K. Huysmans, Croquis Parisiens, Paris,
1886, pp. 129, 131-132 (“Llétiage” [A estiagem]).
[Z ta, 1]
“Quando se aproximavam os últimos dias do Império, surgiu uma questão muito especial:
a dos pupazzi. Com essas marionetes queriam representar Le Roi Prudhomme , 3 no Théâtre
des Variétés. Este sainete punha em cena o Imperador, Émile Olivier, ... V. Hugo, ...
Gambetta, ... e Rochcfort... A peça já havia sido apresentada nos salões, e mesmo nas
Tulherias. Mas essas representações restritas não permitiam prever em absoluto o efeito da
representação pública, e não se permitiu ... que o teatro tomasse essa via.” Victor Hallays-
Dabot, La Censure Dmmatique et le Théâtre (1850-1870), Paris, 1871, p- 86.
[Z la, 2]
“Nos concursos de ornamentação material ... do vestuário, entra em ação o gosto pelas
bonecas... Os pequenos bandos, compostos em sua maioria por meninas, são encarregados
de apresentar as bonecas e os manequins que servirão para a escolha.” Charles Fourier, Le
Nouveau Monde Industriei et Sociétaire, Paris, 1 829, p. 252.
[z u, 3)
Enquanto escrevia Les Tmvailleurs de la Mer , Victor Hugo manteve diante de si uma boneca
vestida com um traje antigo, como de uma dama de Guernsey. Alguém a providenciou
para ele; a boneca serviu-lhe como modelo para Déruchette.
[Z la, 4]
Marx explica que “do século XVI até meados do século XVIII - portanto, durante o
período que vai do desenvolvimento da manufatura a partir do artesanato até a grande
indústria propriamente dita — as duas bases materiais em que se apóia, no âmbito da
manufatura, o trabalho preparatório para a indústria mecânica sao o relógio e o moinho
(de início, o moinho de cereais; mais precisamente o moinho hidráulico); sendo os dois
legados da Antiguidade... O relógio é o primeiro instrumento automático utilizado para
finalidades práticas; toda a teoria sobre a produção de movimentos uniformes desenvolveu-se
a partir dele. Ele se funda, por sua própria natureza, na combinação de um artesanato
semi-artístico com a teoria direta. Cardanus, por exemplo, escreveu (e deu instruções práticas)
sobre a fabricação de relógios. Entre os autores alemães do século XVI, a relojoaria é chamada
de artesanato erudito (não submetido às regras das guildas)’, e seria possível demonstrar a
partir do estudo do desenvolvimento do relógio como a relação entre a erudição e a prática
no artesanato é diferente, por exemplo, daquela na grande indústria. Não há dúvida alguma,
também, de que no século XVIII o relógio deu a primeira idéia de emprego de um
mecanismo automático (movido a mola) na produção. As experiências de Vaucanson neste
sentido tiveram um efeito extraordinário, e historicamente comprovável, sobre a imaginação
dos inventores ingleses. Quanto ao moinho, por outro lado, constataram-se desde o início
- desde o surgimento do moinho d’água - as diferenças essenciais do organismo de uma
máquina. A propulsão mecânica. O prime motor [motor principal], de que esta provém.
3 Peça do Théâtre des Pupazzi (1876), de Louis Lemerder de Neuville (1830-1918). (w.b.)
736 ■ Passagens
O mecanismo de transmissão. Finalmente, a máquina operatriz, que trata a matéria. Cada
uma dessas partes existindo de forma autônoma em relação às outras. A teoria da fricção, e
a partir daí as pesquisas posteriores sobre as formas matemáticas das engrenagens e peças
dentadas etc., foram desenvolvidas a partir do moinho; o mesmo se aplica à teoria da
medida do grau da força motriz, da melhor maneira de empregá-la etc. Quase todos os
grandes matemáticos desde meados do século XVII, na medida em que se ocupam da
mecânica prática e teorizam a respeito, tomaram como ponto de partida o simples moinho
hidráulico. Com efeito, é a partir daí que o nome moinho - Mühle e Mill surgido no
período da manufatura, é utilizado para todos os mecanismos de propulsão mecânica
destinados a fins práticos. Porém, no caso do moinho, assim como no caso da imprensa
mecânica, da forja, do arado etc., o trabalho propriamente dito - moer, prensar, martelar,
triturar etc. - é realizado desde o início sem a participação humana, mesmo quando se
utilizava como força motriz a força humana ou animal. Portanto, este tipo de máquina é ...
muito antigo... Por isso, também, é quase a única máquina que surge no período da
manufatura. A revolução industrial começa quando as máquinas passam a ser empregadas
onde, desde sempre, o resultado final exigiu o trabalho humano - e, portanto, não onde,
como no caso daqueles utensílios, a matéria a ser efetivamente trabalhada jamais exigiu o
trabalho direto da mão do homem.” Marx a Engels, 28 de janeiro de 1863, de Londres,
in: Karl Marx e Friedrich Engels, Ausgewãhlte Briefe, ed. org. por V. Adoratskij, Moscou-
Leningrado, 1934, pp. 118-119.
Em seu estudo intitulado “La mante religieuse: recherches sur la nature et la signification
du mythe”, Callois fàz referência ao automatismo dos reflexos, especialmente evidente nos
louva-deus (praticamente não existe uma função vital que eles não realizem, mesmo quando
decapitados). Ele os relaciona, em razão de seu significado funesto, aos autômatos fatais de
que falam os mitos. Assim é Pandora, “autômato fabricado pelo deus ferreiro para a perdição
dos homens, para que estes ‘envolvam de amor sua própria infelicidade’ (Hesíodo, Os
Trabalhos e os Dias , verso 58). A ela se juntam, da mesma forma, as Krtya indianas, bonecas
animadas pelos feiticeiros para causar a morte daqueles que as abraçam. A literatura também
conhece, no capítulo das mulheres fatais, a concepção de uma mulher-máquina, artificial,
mecânica, que nada tem em comum com as criamras vivas, e que é, sobretudo, assassina. A
psicanálise certamente não hesitaria em interpretar essa representação como uma maneira
particular de encarar as relações entre morte e sexualidade, e, mais precisamente, como um
pressentimento ambivalente de encontrar uma na outra.” Roger Callois, “La mante religieuse:
recherches sur la nature et la signification du mythe”, Mesures, III, n°2, 15 abr. 1937,
p. 110.
[Z 2*. 1]
Baudelaire, na seção “Les femmes et les filies” de seu ensaio sobre Guys, cita as palavras de
La Bruyère: “Algumas mulheres têm uma grandeza artificial, ligada ao movimento dos
olhos, ao meneio de cabeça, à maneira de andar, e que não vai muito além disso.” Comparar
com “Le mensonge”, de Baudelaire. - Na mesma seção, Baudelaire cita o conceito da
“fiemina simplex, do satírico latino”. LArt Romantique, Paris, p. 109. 4
[Z 2a, 2]
4 Baudelaire, OC II, pp. 720 e 721. (R.T.)
z
[A BONECA, o Actômato] 737
Primórdios da grande indústria: “Muitos camponeses emigram para as cidades, onde o
vapor permite a concentração das fábricas que antes ficavam dispersas ao longo do curso
dos rios.” Pierre-Maxime Schuhl, Machinisme et Philosophie, Paris, 1938, pp. 56-57.
ÍZ 2a, 3]
“Aristóteles declara que a escravidão deixaria de ser necessária se as lançadeiras e os plectros
se movimentassem por si mesmos: esta idéia combina perfeitamente com sua definição do
escravo: um instrumento animado... Assim também o velho poeta Pherekydes de Syros
disse que os Dáctilos, ao mesmo tempo que construíam uma casa para Zeus, fabricavam
para ele servidores e servidoras: estamos no reino da fábula... E, no entanto, não se passaram
nem três séculos para que um poeta da Anthologie, Antiphilos de Bisâncio, respondesse a
Aristóteles cantando a invenção do moinho hidráulico, que libera as mulheres do penoso
trabalho de moagem: ‘Tirai vossas mãos da mó, mulheres da moenda; dormi por muito
mais tempo, mesmo que o canto do galo anuncie o dia, porque Deméter encarregou as
Ninfas do trabalho que ocupava as vossas mãos: elas se precipitam do alto de uma roda e
fazem girar o eixo que, com os pinos da engrenagem, move o peso côncavo das mós de
Nisyra. Nós gozaremos a vida da Idade do Ouro se conseguirmos aprender a saborear sem
pesares as obras de Deméter.”’ Nota: “ Anthologie Palatine , IX, 418. Este epigrama ... já foi
aproximado ao texto de Aristóteles, e ao que parece foi Maix quem o fez pela primeira vez”
i provavelmente in: Das Kapital, trad. Molitor, Paris, 1924, vol. III, p. 61). Picrre-Maxime
Schuhl, Machinisme et Philosophie, Paris, 1938, pp. 1 9-207
[2 3]
5 O autor antigo do elogio do moinho hidráulico é, na verdade, Antipatros, e é este que é citado por Marx
em Das Kapital, MEW, vol. XXIII, Berlim, 1962, p. 430. A discussão de Aristóteles sobre o escravo
enquanto “instrumento animado" encontra-se na sua Política, livro I, cap. 3 (E/M; w.b.)
d
[Movimento Social]
"Mostra, desmontando suas tramas,
O República, a esses perversos
Tua grande face de Medusa
Por entre rubros clarões ." 1
Canção operária francesa por volta de 1850,
cit. em Adolf Stahr, Zivei Monate in Paris, Oldenburg, 1851,
vol. II, p. 199.
"Corja de homens sem fé, sem alma, sem pátria,
Que querem matar as artes, o trabalho, a indústria,
E esmagar sob seus pés o culto à cruz,
Que querem, num mar de sangue e de chamas,
De que Paris, sobre sua fronte, viu subir as lâminas,
Arruinar templos, palácios, padres, povos e reis!"
Édouard D'Anglemont, L'Internationale, Paris, 1871, p. 7.
"Palermo tem o Etna, Paris tem o pensamento."
Victor Hugo, Paris [ Uttérature et Phiiosophie Mêlée, Paris,
1867, pp. 466-467], cit. em Georges Batault, te Pontife de
ia Démagogie, Victor Hugo, Paris, 1934, p. 203.
“Como os surrealistas estão sempre confundindo o não-conformismo moral com a revolução
proletária, em vez de acompanhar a marcha do mundo moderno, eles procuram se recolocar
num momento histórico em que essa confusão ainda era possível, num clima anterior ao
congresso de Tours, 2 anterior mesmo ao desenvolvimento do Marxismo, a época dos anos
20, 30 e 40.” Emmanuel Berl, “Premier pamphlet” ( Europe \ n° 75, 15 mar. 1929, p. 402).
E isto não é um acaso. Pois, por um lado, há elementos aqui - o materialismo antropológico, 3
a hostilidade em relação ao progresso - que são refratários ao marxismo e, por outro,
exprime-se aqui aquele desejo pela apocatástase, 4 a decisão de reunir novamente na ação
revolucionária e no pensamento revolucionário justamente os elementos do “cedo demais”
e do “tarde demais”, do primeiro começo e da última desagregação.
[ji, í]
1 Cf. a 7, 3. (w.b.)
2 Durante o XVIII Congresso do Partido Socialista Francês, realizado na cidade de Tours em dezembro de
1920, ocorreu a cisão do partido, que levou a fundação do Partido Comunista Francês, (w.b.)
3 Cf. U 12, 4 e nota.' (J.L.)
4 Sobre a apocatástase, ou seja, "a admissão de todas as almas ao Paraíso", cf. W. Benjamin, "Der
Erzãhler", GS II, 458 - "O Narrador", OE I, p. 216. (J.L.; w.b,)
740 ■ Passagens
Dc fato, é absolutamente necessário compreender, precisamente na dimensão polêmica
que lhe é própria, a apoteose da organização e do racionalismo que o Partido Comunista
deve pôr em prática de maneira infatigável diante das forças feudais e hierárquicas, e ter
claro que do movimento também fazem parte elementos místicos, mesmo que estes sejam
de natureza completamente diferente. Ainda mais importante, entretanto, é não confundir
estes elementos místicos, que pertencem à corporeidade, com elementos religiosos.
la 1.2]
Episódio da Revolução de Fevereiro. No dia 23, às onze da noite, tiroteio no Boulevard des
Capucines: 23 mortos. “Os cadáveres são logo levados pelas ruas numa encenação engenhosa
e romântica. ‘Vai soar mcia-noirc. Os boulevards têm uma luminosidade suave, pálida.’”
[A iluminação celebrativa por ocasião da demissão de Guizot.j “As portas e janelas das casas
c das lojas estão fechadas; todos se retiraram para suas casas, com o coração oprimido de
tristeza... Dc repente, um ruído surdo de rodas se faz ouvir no calçamento, algumas janelas
se entreabrem com precaução... Numa carroça atrelada a um cavalo branco, levado pelas
rédeas por um operário de braços nus, cinco cadáveres estão enfileirados numa horrível
simetria. De pé sobre uma trave da carroça, uma criança do povo, de aspecto doentio, olhar
ardente e fixo, o braço estendido, quase imóvel, como se representasse o Gênio da Vingança,
ilumina com a luz dc sua tocha inclinada para trás o corpo de uma jovem mulher, cujo
pescoço e peito lívidos estão maculados de um longo rastro de sangue. De tempos em
tempos, um ourro operário, posicionado na parte de trás da carroça, enlaça com seu braço
musculoso o corpo inanimado e levanta-o, agitando sua tocha que solta línguas de fogo e
fagulhas, e grita lançando olhares selvagens sobre a multidão: ‘Vingança! Vingança! Estão
degolando o povo!’ - ‘As armas!’ respondem vozes; e o cadáver recai ao fundo da carroça
que continua seu caminho...’ (Daniel Stern).” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris , Paris,
1926, p. 396. ■ Iluminação ■
[a 1, 3]
Comparava-se — com uma intenção depreciativa — as massas operárias mobilizadas por
Haussmann com as massas recrutadas nas oficinas nacionais de 1 848. ■ Haussmann ■
W i, 4J
“As leituras favoritas do operário entalhador são as histórias da Revolução dc 1789: ele
gosta de ver desenvolver-se nelas a concepção de que essa revolução era desejável, e de que
ela melhorou a condição das classes populares. Ele se exalta com o aspecto dramático
atribuído aos homens e aos acontecimentos por vários autores célebres... Não percebendo
que a principal causa de sua inferioridade social está nele mesmo, gosta de pensar que esses
homens são os modelos daqueles que, realizando um novo progresso, irão livrá-lo das
calamidades de toda espécie.” Le Play, Les Ouvriers Européens , Paris, 1855, p. 227.
6 1, 51
“A guerra das ruas tem hoje sua técnica; ela foi aperfeiçoada depois da retomada de Munique 5
à mão armada, numa obra confidencial breve e curiosa, publicada secretamente pelo governo
de Berlim. Não se avança mais pelas ruas; elas ficam vazias. Caminha-se pelo interior das
casas, abrindo buracos nas paredes. Logo que uma rua é dominada, ela é organizada; o
telefone se desenrola através dos buracos dos muros, ao mesmo tempo que, para evitar um
5 Referência às manifestações e combates de rua em Munique, em março de 1848, no contexto do
movimento revolucionário alemão daquele ano. (w.b)
a
;Movimento Social ] 741
retorno do adversário, mina-se imediatamente o terreno conquistado... Um dos progressos
mais claros é que não há mais nenhuma preocupação no sentido de poupar casas ou vidas.
Em comparação com as guerras civis do futuro, o episódio da Rue Transnonain <cf. a 10a,
5> parecerá ... inocente e arcaico.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, Paris, 1926, p.
479. ■ Haussmann ■
[a la. 1]
Orçamenro da família de um trapeiro de Paris, entre 1849 e 1851, conforme F. Le Play, Les
Ouvriers Européens, Paris, 1855, pp. 274-275- Uma passagem: “4 a seção. Despesas relativas
às necessidades morais, à recreação e ao serviço de saúde... Instrução das crianças: despesas
de escola pagas pelo patrão da família - 48 francos; - livros comprados - 1 franco e 45
centavos / Auxílios e esmolas (operários desta condição normalmente não dão esmolas.) /
Recreação e solenidades: refeições consumidas por toda a família numa das barreiras de
Paris (oito excursões por ano): vinho, pão e batatas fritas - 8 francos; - refeição de macarrão
na manteiga, com queijo e vinho consumidos no dia de Natal, na quarta-feira de Cinzas,
na Páscoa e em Pentecostes: despesas incluídas na I a seção; — tabaco de mastigar para o
operário (guimbas recolhidas pelo operário), 6,8 quilos valendo de 5 a 34 francos; — rapé
para a mulher (comprado), 2,33 quilos - 18 francos e 66 centavos; - brinquedos e outros
presentes oferecidos às crianças - 1 franco... Correspondência com os parentes: cartas dos
irmãos do operário que moram na Itália: uma por ano, em média... Nota: O recurso
principal da família em caso de acidentes é a beneficência privada... Economia do ano.
(O operário, inteiramente desprovido de previdência, que deseja, sobretudo, oferecer à sua
mulher e à sua filhinha todo o bem-estar compatível com sua condição, nunca faz economia;
gasta, dia a dia, tudo o que ganha.)”
U la, 2]
“O dano que a substituição da solidariedade pelo antagonismo traz à moralidade do operário
imprevidente consiste precisamente no fato de que ela o faz perder a ocasião de exercer suas
virtudes naturais da única forma que lhe permitiria alcançá-la. A dedicação que se revela no
desejo de fazer bem-feito, na solicitude para com o interesse do patrão, no sacrifício dos
gostos e das paixões inconciliáveis com a regularidade do trabalho é, com efeito, mais
acessível ao operário do que a dedicação que consiste em assistir os seus companheiros por
meio de uma soma de dinheiro... A virrude que assiste e protege com continuidade é,
sobretudo, um atributo das classes superiores; ela pode se revelar nos operários como um
impulso imediato e de curta duração, mas a virtude que está mais ao seu alcance manifesta-
se pelo cumprimento do dever para com o patrão.” M. F. Le Play, Les Ouvriers Européens,
Paris, 1855, P- 278, “Impresso com autorização do Imperador na Imprensa Imperial”.
[a la, 3]
Os “pequenos proprietários da periferia”. “Eles cultivam ... vinhas que produzem um vinho
A- qualidade inferior, para o qual o imposto de consumo estabelecido no interior da capital
assegura na periferia um mercado vantajoso.” F. Le Play Les Ouvriers Européens, Paris,
1855 , p. 271.
L U la, 4]
““Existe uma planta tropical que permanece pouco vistosa durante anos, sem conseguir
Éorescer, até que um dia, finalmente, ouve-se uma explosão como a de um tiro dc espingarda,
742 ■ Passagens
e, poucos dias depois, surge na ramagem uma flor gigantesca e maravilhosa, cujo crescimento
é tão rápido que se pode perceber visualmente o seu desenvolvimento. Dessa mesma forma,
insignificante e pouco vigorosa, encontrava-se a categoria social dos operários franceses em
um canto da sociedade, até que, de repente, ouviu-se a explosão da Revolução de Fevereiro.
E enrão floresceu uma gigantesca flor daquela árvore pequena e mirrada, e esta flor cheia de
seiva e vida, plena de beleza e significado, foi chamada de a associação’.” Sigmund Englânder,
Geschichte der franzosischen Arbeiter-Associationen , Hamburgo, 1864, vol. IV, p. 217.
[a 2, 1]
Organização das oficinas nacionais ( ateliers nationaux) por Thomas. “Basta mencionar que
Émile Thomas organizou os operários em brigadas e companhias, e que os chefes eram
eleitos pelos operários por sufrágio universal. Cada companhia tinha a sua bandeira, e
Émile Thomas valeu-se, nesta organização, do serviço de outros engenheiros civis e de
estudantes da École Polytechnique, que exerciam uma influência moral sobre os operários
em razão de sua juventude... Porém, mesmo que o Ministério do Trabalho Público desse
ordem aos engenheiros do Estado para que propusessem trabalhos, ... os engenheiros da
direção das Ponrs e Chaussées [Pontes e Estradas] decidiram não cumprir esta ordem do
ministro, uma vez que na França existia desde sempre uma grande rivalidade entre os
engenheiros do Estado e os engenheiros civis, 6 e eram estes os que dirigiam as oficinas
nacionais. Em razão disso, Thomas teve que contar apenas com seus próprios recursos, e
nunca pôde atribuir qualquer trabalho útil a um exército tão grande de operários, que
aumentava a cada dia. Assim, por exemplo, mandou trazer à cidade árvores das cercanias de
Paris para que fossem plantadas nos boulevards, pois as árvores antigas tinham sido arrancadas
durante as batalhas de Fevereiro. Os operários marchavam cantando e com indolência
carregando as árvores por Paris... Outros operários, como aqueles incumbidos de limpar os
parapeitos das pontes, eram motivo de gozação dos transeuntes, e assim a maioria deles
acabou preenchendo seu tempo apenas com o carteado, com cantorias e coisas do gênero...
As oficinas nacionais tornaram-se ... logo o ponto de atração para todos os vagabundos e
ociosos, cujo único trabalho consistia em marchar pelas ruas com seus estandartes, consertar
o asfalto das ruas aqui e acolá, revolver a terra e assim por diante, mas que acabavam
fazendo aquilo que lhes vinha à cabeça, cantando e gritando à sua maneira, sujos e
esfarrapados... Certa vez, apareceram de repente 600 atores, artistas e agentes comerciais,
declarando que, uma vez que a República garantia trabalho a todo cidadão, eles também
exigiam a sua parte; Thomas nomeou-os inspetores.” Sigmund Englânder, Geschichte der
franzosischen Arbeiter-Associationen, Hamburgo, 1864, vol. II, pp. 268-271. ■ Flâneur ■
0 2 , 2 ]
“Nem os prefeitos, nem os comissários de polícia, que precisavam assinar os boletins
atestando que os operários pertenciam à cidade de Paris, podiam exercer qualquer controle
diante das ameaças feitas contra eles. Em seu temor, assinavam boletins até mesmo para
crianças de 10 anos, com os quais estas se apresentavam para serem admitidas nas oficinas
nacionais.” Sigmund Englânder, Geschichte der franzosischen Arbeiter-Associationen ,
Hamburgo, 1864, vol. II, p. 272.
[a 2a, 1]
6 Na França do século XIX, há uma distinção entre os engenheiros do Estado, encarregados das obras
públicas, e os engenheiros civis, contratados não pelo Estado, mas pelos municípios ou por particulares.
(J.L.)
a
^Movimento Social ) 743
Episódios da Insurreição de Junho: “Viam-se mulheres jogando óleo fervente ou água
escaldante nos soldados, aos berros e gritos. Em alguns pontos, davam aos insurgentes uma
aguardente misturada com diversos ingredientes, que os excitava até a loucura... Algumas
mulheres cortaram os órgãos genitais de vários soldados da guarda aprisionados; sabe-se
que um insurgente vestido com roupas femininas decapitou vários oficiais prisioneiros...,
viam-se cabeças de soldados espetadas em lanças plantadas sobre as barricadas. Muitas
coisas que se contavam eram inventadas — por exemplo, que os insurgentes teriam amarrado
guardas prisioneiros entre duas tábuas de madeira e os teriam serrado ao meio ainda vivos.
Por outro lado, aconteceram de fato outras coisas tão abomináveis quanto essas... Muitos
insurgentes fizeram uso de um tipo de balas que não podiam mais ser retiradas dos ferimentos,
porque tinham um arame que as atravessava de um lado a outro. Por detrás de várias
barricadas havia bombas de pressão que projetavam ácido sulfúrico contra os soldados que
atacavam. Seria impossível relatar todas as atrocidades diabólicas praticadas por ambos os
lados; basta dizer que a história do mundo jamais presenciou nada igual.” Englánder, op.
cit., vol. II, p. 288-289.
[a 2a, 2]
Insurreição de Junho. “Sobre as portas de muitas lojas fechadas os insurgentes escreviam:
Respeito à propriedade! Morte aos ladrões!’ Muitas bandeiras das barricadas traziam a
inscrição: ‘Pão e Trabalho’. Na Rue Saint-Martin, no primeiro dia, uma joalheria permaneceu
aberta sem que houvesse qualquer ameaça contra ela, enquanto alguns passos adiante uma
loja que tinha um depósito de ferro-velho foi saqueada... Muitos insurgentes reuniam suas
mulheres e filhos nas barricadas durante os combates e gritavam: ‘Gomo não podemos
mais alimentá-los, queremos, ao menos, morrer todos juntos!’ Enquanto os homens
combatiam, as mulheres fabricavam pólvora e seus filhos preparavam projéteis, utilizando
cada pedaço de chumbo ou estanho que lhes caísse nas mãos. Algumas crianças usavam
dedais de costura para forjar as balas. Meninas carregavam paralelepípedos para as barricadas
durante a noite, enquanto os combatentes dormiam.” Englãnder, op. cit., vol. II, pp. 291
e 293.
[a 2a, 3]
Barricadas de 1848: “Contaram-se mais de 400. Muitas delas, precedidas de fossas e
guarnecidas de seteiras, elevavam-se à altura do primeiro andar.” Malet e Grillet, XD C
Sècle. Paris, 1919, p. 249.
(a 2a. 4]
“No ano de 1839, alguns operários fundaram em Paris um jornal com o título La Ruche
Btfrulaire [A Colmeia do Povo]... A redação situava-se no bairro mais pobre de Paris, na Rue
áe Quatre-Fils. Era um dos poucos jornais dirigidos por operários com repercussão junto
jo povo, o que se explica pela linha editorial adotada. Com efeito, o jornal tinha estabelecido
mmao programa levar a miséria oculta ao conhecimento dos benfeitores ricos... No escritório
nlb jpmal havia um registro da miséria, aberto para que todo cidadão faminto ali pudesse se
.inscrever Este registro da desgraça causava impacto, e como nessa época o romance Les
SÊmeres de Paris, de Eugène Sue, havia contribuído para que a caridade se tornasse moda no
mi nrin elegante, viam-se carruagens paradas diante do prédio sujo da redação, onde damas
; de pose procuravam os endereços dos desvalidos para levar-lhes esmolas pessoalmente,
do assim uma nova excitação em seus nervos amortecidos. Cada número dessa
J44 ■ Passagens
publicação dos operários começava com uma lista sumária das pessoas pobres que tinham
feito sua inscrição junto ao redator; detalhes sobre sua desgraça eram encontrados no
registro... Mesmo depois da Revolução de Fevereiro, quando todas as classes se olhavam
com desconfiança..., o jornal La Ruche Populaire continuou a favorecer os contatos pessoais
entre pobres e ricos... Isto parece ainda mais excepcional quando se pensa que mesmo nesta
época todos os artigos da Ruche Populaire eram escritos por operários de verdade, que
exerciam uma atividade prática.” Sigmund Englànder, Geschichte der jranzosischen Arbeiter-
Associationen, Hamburgo, 1864, vol. II, pp. 78-80, 82-83.
[a 3, ll
“A expansão alcançada pela indústria em Paris durante os últimos 30 anos deu ao ofício de
trapeiro, que ocupa o último degrau da escala industrial, uma cena importância. Homens,
mulheres, crianças, todos podem entregar-se facilmente ao exercício desse ofício, que não
exige nenhuma aprendizagem, e cujos instrumentos são tão simples quanto os
procedimentos: uma cesta, um gancho, uma lanterna; eis todo o equipamento do trapeiro.
O trapeiro adulto, para ganhar de 25 a 40 sous 1 por dia, dependendo da estação, geralmente
é obrigado a fazer três rondas, duas dc dia e uma à noite; as duas primeiras acontecem das
cinco às nove horas da manhã, e das onze às” [a partir daqui faltam quatro páginas no
exemplar da Bibliothèque Nationale!] “Assim como os operários, eles têm o hábito de
freqüentar as tavernas... E como eles, ou ainda mais que eles, exibem ostensivamente a
despesa que lhes traz esse hábito. Para os velhos trapeiros, e principalmentc para as velhas
trapeiras, a aguardente é um atrativo insuperável... Os trapeiros nem sempre se contentam
com o vinho ordinário das tavernas; mandam preparar vinho quente, e se sentem muito
ofendidos se esse vinho não contiver, além de muito açúcar, o aroma produzido pelo uso do
limão.” H. A. Frégier, Des Classes Dangereuses de la Population dans les Grandes Villes et des
Moyens de les Rendre Meilleures , Paris, 1840, vol. I, pp. 104, 109-
h 3, 2]
Frégier fala longamente dos écrivains publiques , 7 8 que deviam ter uma péssima reputação,
e de cujo círculo originou-se Lacenaire, que era muito apreciado por sua bela caligrafia.
— “Falaram-me de um velho marinheiro, dotado de um admirável talento para a caligrafia,
que, no mais rigoroso inverno, não tinha sequer uma camisa para vestir, e escondia sua
nudez fechando seu colete com um alfinete. Esse indivíduo tão mal vestido, cuja miséria
era ainda aumentada por uma sujeira nauseabunda, às vezes gastava cinco a seis francos em
seu janrar. H. A. Frégier, Des Classes Dangereuses de la Population , Paris, 1840, vol. I,
pp. 117-118.
[a 3a, 1]
“Se, eventualmente, um empresário dirige a um operário críticas que a este pareçam injustas,
na presença de seus camaradas, ... o operário larga suas ferramentas ali mesmo e corre para
a taverna... Em muitos estabelecimentos industriais, que não são rigorosamente
supervisionados, o operário não se contenta em ir à taverna antes da hora de começar o
trabalho e na hora das refeições, que ocorrem às 9 horas e às 2 horas; ele também vai lá às
4 horas e à noite, no caminho para casa... Há mulheres que não têm escrúpulo de seguir
seu marido à barriere [limite da cidade], acompanhadas de seus filhos - já capazes de
7 Como um sou equivale à vigésima parte de um franco, ou seja, a cinco centimes (cf. U, nota 1), o ganho
médio do trapeiro variava de 1 franco e 25 centimes a 2 francos por dia. (w.b.)
8 Pessoas que, mediante pagamento, escreviam cartas e documentos para analfabetos. (E/M)
a
[Movimento Social ] 745
matnlhar — , para, como dizem elas, fazer a festa... Gasta-se assim uma grande parte dos
saiários de toda a família, que volta para casa, na segunda-feira à noite, num estado próximo
«k embriaguez, muitas vezes fingindo — mesmo os filhos, assim como seus pais - estarem
unais embriagados do que de fato estão, para que fique bem claro, para quem quiser ver, que
des beberam, e beberam à vontade.” H. A. Frégier, Des Classes Dangereuses de la Population,
IRaris. 1840, vol. I, pp. 79-80 e 86.
[a 3a, 2]
Sobre o trabalho infantil entre os operários da indústria têxtil: “Os operários ... não podendo
prover às despesas de alimentação e manutenção de seus filhos com seu magro salário, que
■mitas vezes não passa de quarenta sous por dia, mesmo acrescentando a ele o salário de sua
mulher, que mal chega à metade dessa soma, vêem-se obrigados ... a colocar seus filhos nos
estabelecimentos de que falamos, a partir da idade em que são capazes de algum trabalho.
Essa idade é normalmente de 7 a 8 anos... Esses operários deixam seus filhos na fábrica ou
nas tecelagens até a idade de 12 anos. Nessa idade eles providenciam para que os filhos
l&çam a primeira comunhão e, em seguida, encaminham-nos para uma aprendizagem
numa oficina.” H. A. Frégier, op. cit., vol. I, pp. 98-100.
[a 3a, 3]
“Nós temos alguns cobres,
Pierre, vamos fazer a festa;
Olha que eu, nas segundas
Gosto de sair por aí.
Conheço um vinho de seis vinténs
Que não é nada mal,
Vamos então nos divertir,
Vamos lá até a barrière. ”
H. Gourdon de Genouillac, Les Rejrains de la Rue, de 1830 à 1870, Paris, 1879, p. 56.
[a 3a, 4]
*E que vinho! Quantas variedades; do Bordeaux ao Bourgogne, do Bourgogne ao encorpado
Saint-Georges, ao Lunel e ao Frontignan do Sul, e deste ao champanhe frisante! Quanta
diversidade entre os brancos e tintos, do Petit Mâcon ou Chablis ao Chambertin, ao Château-
Larose, ao Sauterne, ao vinho de Roussillon, ao Ar Mousseux! E quando se pensa que cada
um destes vinhos provoca um tipo diferente de embriaguez, que com apenas umas poucas
garrafas se pode percorrer todos os estágios entre a quadrilha de Musard e a Marselhesa, da
louca volúpia do cancã até o ardor selvagem da febre revolucionária, para enfim poder
transportar-se com uma garrafa de champanhe para a atmosfera do carnaval mais alegre do
mundo! E só a França tem uma Paris, uma cidade em que a civilização européia atinge seu
máximo esplendor, onde se unem todas as fibras nervosas da história européia, e a partir da
qual partem em intervalos regulares os impulsos elétricos que fazem estremecer o mundo
inteiro; uma cidade cuja população sabe unir como nenhum outro povo a paixão pelo
prazer com a paixão pela ação histórica, cujos habitantes sabem viver como o mais refinado
epicurista de Atenas e sabem morrer como o mais destemido espartano — Alcebíades e
Leônidas em uma só pessoa; uma cidade que realmente é, como diz Louis Blanc, o coração
746 ■ Passagens
e o cérebro do mundo.” Friedrich Engels, “Von Paris nach Bern”, Die Neue Zeit, XVH
(Stuttgart, 1899), n° 1, p. 10. — Na observação que precede esta edição póstuma do
manuscrito, Eduard Bernstein escreve: “Embora seja um fragmento, esta anotação de viagem
nos dá, talvez, uma imagem mais completa de seu autor do que qualquer outra obra que
ele tenha escrito.” Op. cit., p. 8.
[* 4 . 11
Uma canção, Jenny , a Operária, cujo refrão entusiasmava as mulheres:
“Em seu jardim, sob a flor perfumada,
Escuta-se um pássaro familiar:
É o canto de Jenny, a operária,
De coração contente, contente com pouco.
Ela poderia ser rica, mas prefere
Aquilo que Deus lhe dá.”
H. Gourdon de Genouillac, Les Refraim de la Rue, de 1830 à 1870, Paris, 1879, pp. 67-68.
[a 4, 2]
Uma canção reacionária, após a Insurreição de Junho:
“Vejam, vejam o cortejo fúnebre,
É o arcebispo, amigos, tirem seus chapéus;
Vítima — céus — de um combate sacrílego,
Ele faleceu, em prol da felicidade de todos.” 9
H. Gourdon de Genouillac, Les Refrains de la Rue , de 1830 à 1870 , Paris, 1879, p. 78.
[a 4a, 1]
“Os proletários compuseram ... uma Marselhesa, que cantavam em coro nas oficinas, com
versos amargos e terríveis, conforme se pode comprovar pelo refrão:
‘Semeie o campo, Proletário;
É o Ocioso que colherá.’”
“Die socialistischen und communistischen Bewegungen seit der dritten franzõsischen
Revolution” [Os movimentos socialistas e comunistas desde a terceira revolução francesa].
Início de <Lorenz von> Stein, Socialismus und Communismus des heutigen Frankreichs,
Leipzig- Viena, 1848, p. 210. [Extraído de V. Consideram, Théorie du Droit de Propriété et
du Droit de Travail <1848>.]
[a 4a, 2]
Buret relata a partir da Revue Britannique, de dezembro de 1839 (ou: 1829?): 10 “Os
operários associados de Brighton reconhecem que as máquinas são absolutamente benéficas.
9 Em 25 de junho de 1 848, o arcebispo de Paris, Monsenhor Affre, foi morto por uma bala perdida no
faubourg Saint-Antoine, quando tentava negociar um cessar-fogo. (E/M)
10 O exemplar da Bibliothèque Nationale está danificado no lugar em questão. (R.T.)
a
[Movimento Social ] 747
‘No entanto, dizem eles, sâo funestas em sua aplicação no regime amai. Em vez de servirem
docilmente, como as fadas serviam a Crispin, do conto alemão, as máquinas agiram como
o monstro Frankenstein (da lenda alemã), que, depois de receber a vida, empregou-a só
para perseguir aquele que lhe havia concedido esse dom.’” Eugène Buret, La Misère des
Classes Laborieuses en Angleterre et en France, Paris, 1840, vol. II, p. 219.
[a 4a, 3]
“Se os vícios das classes inferiores só afetassem aqueles que os praticam, seria compreensível
que as classes elevadas recusassem o trabalho de se ocupar com essas tristes questões, e que
abandonassem tranqüilamente o mundo à livre ação das causas boas ou más que o regem.
Mas tudo está interligado: se a miséria é a mãe dos vícios, os vícios são os pais do crime, e
é assim que os interesses de todas as classes ... estão vinculados.” Eugène Buret, La Misère
des Classes Laborieuses en Angleterre et en France, Paris, 1840, vol. II, p. 262.
[a 4a, 4]
“ 'Jenny, 1’Ouvrière 11 revelava de modo pungente uma das chagas mais terríveis do organismo
social: a jovem do povo ... forçada a sacrificar sua virtude por sua família, vendendo-se para
poder levar pão aos seus... Quanto ao prólogo de Jenny, a Operária, ele não informa o ponto
de partida do drama nem os detalhes da miséria e da fome.” Victor Hallays-Dabot, La
Censure Dmmatique et le Théâtre (1850-1870), Paris, 1871, pp. 75-76.
fa 4a, 5]
“No pensamento do chefe de fábrica, os operários não são homens, mas forças, cujo emprego
custa caro, instrumentos rebeldes e menos econômicos que as ferramentas de ferro e de
fogo... Sem ser cruel, ele pode ser completamente indiferente aos sofrimentos de uma
classe de homens com a qual ele não tem nenhuma relação moral ou sentimentos comuns.
Cenamente Madame de Sévigné não era uma mulher má ... e, no entanto, a mesma
Madame de Sévigné, enquanto conta os castigos atrozes infligidos ao povo da Bretanha,
cjue se rebelara contra uma taxa, ela mesma, Madame de Sévigné, a mãe apaixonada, fala da
ixrca e de suplícios ... com um tom jocoso, desenvolto, que não revela a menor simpatia...
Devido que sob o império das leis atuais da indústria haja mais comunidade moral entre
k senhores e seus operários do que tenha havido no século dezessete, entre pobres camponeses
: burgueses e uma bela dama da corte.” Eugène Buret, De la Misère des Classes Laborieuses
r .Andeterre et en France , Paris, 1840, vol. II, pp. 269-271.
ô [a 5, 1]
jovens ... das manufaturas freqüentemente abandonam a oficina às seis horas da
saireu. em vez de saírem às oito, e vão percorrer as ruas na esperança de encontrar algum
5 , a quem provocam com uma espécie de embaraço tímido. — É isso que nas fábricas
a-se chamar de fazer o quinto quarto de jornada.” Villermé, Tableau de l’Etat Physique
' des Ouvriers , vol. I, p. 226, cit. em E. Buret, De la Misère des Classes Laborieuses,
1840 , vol. I, p. 415.
U 5. 2]
fpios da filantropia encontram uma formulação clássica em Buret: “Como a
de e mesmo a decência não permitem deixar que seres humanos morram como
1 ! Jenny 1'Ouvrière [Jenny, a Operária] drama em cinco atos (1 850), de Adrien Decourcelle e Jules Barbier.
(w.b.)
animais, não se pode recusar a esmola de um caixão.” Eugcnc Burct, De la Misère des Classm
Laborieuses , Paris, 1840, vol. I, p. 266.
U 5. .311,
“A Convenção, órgão do povo soberano, fará desaparecer, de uma só vez, a mendicância e a
miséria... Ela garante um trabalho a todos os cidadãos que não o têm... Infelizmente, a
parte da lei que tinha como finalidade reprimir a mendicância como um crime era mais
facilmente aplicável que aquela que prometia à indigência os benefícios da generosidade
nacional. As medidas de repressão foram aplicadas e ficaram no texto, assim como no
espírito da lei, enquanto o sistema de caridade que as motivava, como sua justificativa,
jamais existiu, exceto nos decretos da Convenção!” E. Buret, De la Misère des Classes
Laborieuses, Paris, 1840, vol. I, pp. 222-224. Napoleão apropriou-se da disposição aqui
descrita por meio da lei de 5 de julho de 1 808; a lei da Convenção data de 1 5 de outubro
de 1793: o mendigo que fosse flagrado pela terceira vez corria o risco de ser deportado para
Madagascar e lá permanecer por oito anos.
[a 5, 4]
Hippolyte Passy, ex-ministro, em uma carta endereçada à Sociedade de Temperança de
Amiens (ver Le Temps, 20 fev. 1836): “Somos levados a reconhecer que, por mais exígua
que seja a parte que cabe ao pobre, o que lhe falta é a arte de aplicá-la às suas necessidades
reais, a capacidade de compreender o futuro em suas concepções; é daí que resulta sua
miséria, mais do que de qualquer outra causa.” Cir. em E. Buret, De la Misère des Classes
Laborieuses, Paris, 1840, vol. I, p. 78.
[a 5a, i]
“Houve um tempo, que ainda não está muito distante, em que fazendo um elogio pomposo
e patético do trabalho, não se deixava de insinuar ao operário que o trabalho do qual ele
tirava sua subsistência não era obra de sua vontade, mas, antes, um imposto cobrado dele
por certas pessoas que engordavam com seu suor... E o que se chamava a exploração do
homem pelo homem. Algo dessa doutrina mentirosa e sinistra restou nas canções de ruas...
Fala-se sempre do trabalho com respeito, mas esse respeito tem um quê de forçado, de
disparatado... No entanto, é verdade que essa maneira de encarar o trabalho é uma exceção;
na maioria das vezes ele é cantado como uma lei da natureza, um prazer ou um benefício...
Lutemos sempre contra o preguiçoso,
Este grande inimigo da sociedade;
Pois se ele se lamenta por dormir na palha,
E uma infelicidade que cie bem merece.
Em nossos canteiros, usinas e fábricas,
Desde cedo, respondamos ao apelo:
Operando nossas grandes máquinas,
Cantemos juntos este refrão fraterno...”
Charles Nisard, Des Chansons Populaires, Paris, 1867, vol. II, pp. 263-267.
[a 5a, 2]
a
(Movimento Social ] 749
“Os quinze anos da Restauração tinham sido anos de grande prosperidade agrícola e
industrial... Com exceção de Paris e das grandes cidades, o regime da imprensa e os diversos
sistemas de eleição entusiasmaram apenas uma parte da nação e a menos numerosa; a
burguesia. E mesmo dentro da burguesia, muitos temiam uma revolução.” A. Malet e P.
Grillet, XDC Siècle, Paris, 1919, p. 72.
[a 5a, 3]
“A crise de 1857-1858 ... pôs um fim abrupto em todas as ilusões do socialismo imperial.
Todos os esforços para manter o salário em um nível que fosse razoavelmente compatível
com a elevação constante dos preços dos gêneros alimentares e do custo de habitação
revelaram-se vãos.” D. Rjazanov, “Zur Geschichte der ersten Internationale”, in: Marx-
Emels-Archiv, vol. I, Frankfurt a. M., 1928, p. 145.
ta 5a, 4]
“Em Lyon, a crise econômica havia provocado a redução dos salários dos tecelões - os
canuts — para 18 sous por jornada de quinze a dezesseis horas de trabalho. O prefeito havia
tentado conduzir operários e patrões a um acordo que estabelecesse um valor mínimo para
os salários. Após o fracasso dessa tentativa, irrompeu, em 21 de novembro de 1831, uma
insurreição sem caráter político, um levante da miséria. ‘Viver trabalhando ou morrer
combatendo’, lia-se na bandeira negra que os canuts portavam à frente... Depois de dois
dias de combate, 12 as tropas de linha, que a Garde Nationale se recusara a sustentar,
tiveram que evacuar Lyon. Os operários depuseram as armas. Casimir Périer retomou a
cidade com um exército de 36.000 homens, destituiu o prefeito, anulou o valor que este
havia conseguido estabelecer com os patrões e licenciou a Garde Nationale (3 de dezembro
de 1831)... Dois anos mais tarde ... perseguições empreendidas contra uma associação de
operários de Lyon, os mutualistas, foram a ocasião para um levante que durou cinco dias.”
A. Malet e P. Grillet, XDC Siècle, Paris, 1919, pp. 86-88.
“Uma pesquisa sobre a condição dos operários da indústria têxtil, em 1840, revelou que
para uma jornada de 1 5 horas e meia de trabalho efetivo, o salário médio era de menos de
2 francos para os homens e de apenas 1 franco para as mulheres. O mal ... se agravou ...
sobretudo a partir de 1834, porque, uma vez assegurada a tranqüilidade interna, as empresas
industriais se multiplicaram tanto que, em dez anos, viu-se a população das cidades aumentar
em dois milhões de homens, unicamente em razão do afluxo dos camponeses rumo às
Êbricas.” A. Malet e P Grillet, XDC Siècle, Paris, 1919, p. 103-
t» 6. 2]
“Em 1 830, muitos achavam que o Catolicismo agonizava na França e que o papel político
do clero tinha terminado para sempre... Ora..., em 24 de fevereiro de 1848, os insurrectos,
ao começar o saque das Tulherias, tiraram seus chapéus diante do Crucifixo que estava
sendo levado da capela e o escoltaram até a igreja de Saint-Roch. Uma vez proclamada a
República, o sufrágio universal enviou à Assembléia Nacional ... três bispos e doze padres...
É que, durante o reinado de Luís Filipe, o clero aproximara-se do povo.” A. Malet e R
Grillet, XDC Siècle, Paris, 1919, pp. 106, 107.
[a 6, 3]
12 15.000 operários enfrentaram a Garde Nationale nas ruas de Lyon e sofreram cerca de 600 baixas
antes de capitularem. (E/M)
750 ■ Passagens
Em 8 de dezembro de 1831, o Journal des Débats, ligado ao grande capitalismo, posiciona-
se em relação à insurreição de Lyon. “O artigo no Journal des Débats causou enorme sensação.
O inimigo dos operár ios havia dado grande ênfase ao significado internacional dos sintomas
de Lyon. Contudo, nem a imprensa republicana, nem a imprensa legitimista queriam
apresentar a questão de maneira tão perigosa... Os legitimistas ... protestaram com intenção
puramente demagógica, pois o lema deste partido naquele momento era acirrar o
antagonismo entre a classe operária e a burguesia liberal, visando ao restabelecimento da
linhagem mais antiga dos Bourbons... Os republicanos, ao contrário, tinham interesse em
minimizar tanto quanto possível o aspecto puramente proletário do movimento..., para
não perder a classe operária como futura aliada na luta contra a Monarquia de Julho. Não
obstante, a impressão imediata da insurreição de Lyon foi tão peculiar e tão embaraçosa
para seus contemporâneos, que só por isso os acontecimentos de Lyon já mereceram um
lugar especial na história. Em princípio, dever-se-ia pensar que esta geração, que vivenciou ...
a Revolução de Julho, possuísse nervos de aço. No entanto, eles viam na insurreição de
Lyon algo totalmente novo..., que os assustava tanto mais quanto os próprios operários de
Lyon pareciam não enxergar e tampouco compreender esse aspecto novo.” E. Tarlé, “Der
Lyoner Arbeiteraufstand”, in: Marx-Engels-Archiv, ed. org. por D. Rjazanov, vol. II, Frankfurt
a. M., 1928, p. 102.
[a 6a, 1]
Tarlé cita uma passagem de Bõrne, relativa à insurreição de Lyon, em que este expressa sua
indignação com Casimir Périer, pois, como escreve Tarlé: “Périer se regozija com a ausência
do elemento político na insurreição de Lyon, com o fato de esta ser apenas uma guerra dos
pobres contra os ricos.” Nessa passagem (Ludwig Borne, Gesammelte Schrijien, Hamburgo-
Frankfurt a. M., 1862, vol. X, p. 20) lê-se o seguinte: “Diz-se que isto nada mais é do que
uma guerra dos pobres contra os ricos, daqueles que nada têm a perder contra aqueles que
possuem alguma coisa! E esta verdade terrível, que - por ser a pura verdade - deveria ser
sepultada no poço mais profundo, é elevada por esse homem insano e exibida ao mundo
inteiro!” Em E. Tarlé, “Der Lyoner Arbeiteraufstand”, in: Marx-Engels-Archiv , ed. org. por
D. Rjazanov, vol. II, Frankfurt a. M., 1928, p. 112.
[a 6a, 2]
Buret foi um discípulo de Sismondi. Charles Andler atribui-lhe uma influência sobre
Marx (Andler, Le Manifeste Communiste, Paris, 1901), o que Mehring (“Ein
methodologisches Problem”, DieNeueZeit, XX, n° 1, pp. 450-451) contesta veementemente.
[a 6a, 3]
<fase média>
Influência do Romantismo sobre a fraseologia política, como evidencia um ataque contra
as congregações. “Estamos no início do Romantismo, e percebe-se claramente isso pela
maneira com que se dramatizam todas as coisas. Um calvário foi erguido no Mont Valérien:
este calvário ... é visto como símbolo do domínio da sociedade religiosa sobre a sociedade
civil. O noviciado dos jesuítas chama-se simplesmente d antro de Montrouge’. Anuncia-se
a
[Movimento Social] 751
um jubileu para 1 826; e já se acredita ver, por toda parte, surgirem os homens de negro.”
Pierre de la Gorce, La Restauration, vol. II, Charles X, Paris, <1926-1928>, p. 57.
[a 7.1]
“Não somos mais que máquinas.
Nossa Babel sobe até o céu.”
Refrão:
“Amemo-nos, e quando pudermos
Nos unir para beber em roda,
Que o canhão retumbe, ou fique mudo,
Bebamos, bebamos, bebamos
À independência do mundo!”
Pierre Dupont, Le Chant des Ouvriers , Paris, 1848.
Estrofe final e refrão:
“Se é verdade que uma turba infame
Dispondo do ferro e do fogo,
Quer acorrentar o corpo e a alma
Desse verdadeiro filho de Deus, o povo,
Mostra, desmontando suas tramas,
Ó República! a esses perversos,
Tua grande face de Medusa
Por entre rubros clarões.
Ó República tutelar,
Não suba nunca ao céu,
Ideal encarnado sobre a terra
Pelo sufrágio universal!!”
Versos da quarta estrofe:
“Ah! que uma surpresa noturna
Não atente nunca contra o escrutínio!
Façamos guarda em torno da urna,
É a arca de nosso destino.”
Pierre Dupont, Le Chant du Vote, Paris, 1850.
[a 7, 2]
[a 7, 3]
Em alguns capítulos, como “Le rai sublime”, “Le fils de Dieu”, “Le sublime des sublimes”,
'Le marchand de vins”, “Le chansonnier des sublimes”, Poulot trata de tipos intermediários
entre o trabalhador e o apache. O livro é reformista, publicado inicialmente em 1869.
Denis Poulot, Question Sociale: “ Le Sublime”, nova ed., Paris.
[a 7, 4]
UFRB-VÜ
/52 ■ Passagens
Uma sugestão de Luís Napoleão, em Extinction du Paupérisme (p. 123), cit. por Henry
Fougère, em Les Délégations Ouvrières aux Expositions Universelles sous le Second Empire,
Montluçon, 1905, p. 23: “Todo chefe de fábrica ou de herdade, e todo empresário, de
qualquer ramo, que empregasse dez ou mais operários, seria obrigado por lei a contratar
um árbitro para dirigir as questões, e a lhe dar um salário duas vezes maior que o dos
simples operários.”
[a 7a, 1]
“Este povo que sobre o ouro, espalhado diante de seus passos,
Vencedor, caminhou com os pés nus e não se abaixou.”
(Hégésippe MOREAU)
Epígrafe do jornal LAimable Faubourien: Journal de la Canaille. Cit. em Curiosités
Révolutionnaires: Les Joumaux Rouges, por um girodino. Paris, 1848, p. 26.
[a 7a, 2]
Teoria de A. Granier de Cassagnac, Histoire des Classes Ouvrières et des Classes Bourgeoises,
Paris, 1838: os proletários são descendentes de ladrões e prostitutas.
[a 7a, 3]
“Acreditem, o vinho das barreiras salvou de muitos abalos as estruturas governamentais.”
Edouard Foucaud, Paris Inventeur: Physiologie de Plndustrie Française. Paris, 1 844, p. 1 0.
[a 7a, 4]
Charras, da École Polytechnique, a propósito do general Lobau, que não quis assinar uma
proclamação: ‘“Eu mandarei fuzilá-lo.’ - ‘O que você está pensando?’ replicou vivamente
o Sr. Maugin, mandar fuzilar o general Lobau, um membro do governo provisório?’ - ‘Ele
mesmo!’ respondeu o aluno, enquanto conduzia o deputado à janela, para lhe mostrar
uma centena de homens que haviam combatido no quartel de Babylone. 13 ‘E se eu ordenasse
a estes bravos homens que fuzilassem o Bom Deus, eles o fariam!”’ G. Pinet, Histoire de
PÉcole Polytechnique, Paris, 1887, p. 158 [provavelmente, uma citação literal de Louis Blanc].
[a 7a, 5]
Léon Guillemin: “Ele contava com duas providências, ... Deus e a École Polytechnique; se
uma lhe faltasse, a outra estaria lá.” Conforme G. Pinet, op. cit, p. 161.
[a 7a, 6]
Lamennais e Proudhon queriam ser enterrados em uma vala comum. (Delvau, Heures
Parisiennes, Paris, 1866, pp. 50-51).
[a 7a, 7]
Cena da Revolução de Fevereiro. As Tulherias são saqueadas. “Entretanto, a multidão se
deteve com respeito diante da capela; um aluno aproveitou esse momento para retirar os
vasos sagrados e, à noite, transportou-os para a igreja Saint-Roch. Ele mesmo quis levar o
magnífico Cristo esculpido, que estava sobre o altar; uma massa popular o seguia com
recolhimento, as cabeças estavam descobertas e se inclinavam à sua passagem. Esta cena foi
reproduzida numa estampa que, ainda muito tempo depois, podia ser vista na vitrine de
13 Em 1830, estudantes da École Polytechnique comandaram um ataque contra os Guardas Suíços no
quartel de Babylone e no Louvre; um estudante foi morto. (E/M)
a
[Movimento Social ] 753
todos os comerciantes de imagens; o Politécnico era representado com o Cristo nos braços,
mostrando-o à multidão inclinada e exclamando: ‘Eis o mestre de todos nós!’ Estas palavras
não foram pronunciadas, mas respondiam aos sentimentos da população, numa época em
que ... o próprio clero, perseguido pelo rei voltairiano, acolhia com entusiasmo a revolução.”
G. Pinet, Histoire de 1’École Polytechnique, Paris, 1887, pp. 245-246.
[a 8, 1]
Os politécnicos vigiavam o clube Blanqui, que se reunira numa sala do térreo, onde
oradores demagogos, propondo as moções incendiárias mais sinistras, já falavam em levar o
Governo provisorio ao banco dos réus. G. Pinet, Histoire de lÉcole Polytechnique, Paris
1887, p. 250.
[a 8. 2]
Durante a Revolução de Fevereiro, estudantes da École Polytechnique queimaram nas
Tulhenas documentos que lhes pareceram comprometedores para aqueles que os haviam
assinado, mas que teriam um grande interesse para a revolução: declarações de lealdade a
Luís Filipe. Pinet, p. 254.
[a 8, 3]
Lissagaray em um ensaio sobre Les Miserables, em Lã Bãtãille : “Basta tocar no povo para
tornar-se revolucionário.” [ Vitor Hugo Davant 1'Opinion , Paris, 1885, p. 129J.
[a 8, 4]
Por volta de 1840, um certo número de operários resolveu defender sua causa diretamente
diante da opinião publica...; a partir desse momento ... o comunismo, que havia até então
tomado a ofensiva, manteve-se prudentemente na defensiva.” A. Corbon, LeSecretdu Peuple
de Paris, Paris, 1863, p. 117. Trata-se do jornal comunista La Fratemitê, que encerrou suas
atividades em 1845, do anticomunista LAtelier, do LL Union e do La Ruche Populaire, o mais
antigo deles.
[a 8, 5]
Sobre os operários: Ele é, em geral, inapto a entender os negócios positivos. As soluções
que melhor lhe convêm são, portanto, aquelas que parecem dispensá-lo da preocupação
constante com o que ele considera como o lado inferior, o trabalho árduo e penoso da
vida... Podemos, pois, estar certos de que qualquer sistema que tente ligar nosso operário à
oficina, ainda que prometa mais manteiga do que pão ... será rejeitado por ele.” A. Corbon,
op. cit., pp. 186-187.
[a 8, 6]
A questão dos operários, assim como a questão dos pobres, colocou-se logo na porta de
entrada da Revolução. Como os filhos das famílias de operários e artesãos não conseguiam
suprir a demanda da indústria voraz pelo trabalho, partiu-se para a mão-de-obra das crianças
órfãs... A exploração industrial da criança e da mulher ... é uma das conquistas mais gloriosas
da filantropia. Também a alimentação de baixo custo para os operários, como meio de
diminuir seus salários, foi uma das idéias filantrópicas preferidas dos donos de fábricas e
dos economistas do século XVIII... Quando os franceses estudarem a Revolução com fria
serenidade e sem preconceitos de classe, constatarão que as idéias que contribuíram para
sua grandeza vieram da Suíça, onde a burguesia já tinha se apossado do poder: foi a partir
754 ■ Passagens
de Genebra que A. P. de Candolle introduziu as chamadas ‘sopas econômicas’ ... que fizeram
furor em Paris durante a Revolução... Até mesmo Volney, sempre tão seco e impassível, não
conseguia conter a emoção ao ver esta associação de homens de posição respeitável
empenhados em cuidar de um caldeirão de sopa fervente.” Paul Lafargue, “Die christliche
Liebestãtigkeit”, Die Neue Zeit, XXIII, n° 1, Stuttgart, pp. 148-149.
[a 8a, lj
“Basta que três homens estejam na rua conversando sobre salários, que eles peçam ao
empresário, enriquecido graças ao trabalho deles, um pequeno aumento, e o burguês logo
se assusta, grita, chama pela polícia... A maior parte dos governos ... especulou sobre esse
triste progresso do medo... Tudo o que posso dizer é que ... nossos grandes Terroristas’ não
eram absolutamente homens do povo, mas burgueses, nobres, espíritos cultivados, sutis,
bizarros, sofistas e escolásticos.” J. Michelet, Le Peuple, Paris, 1846, pp. 153-154.
[a 8a, 2]
Frégier, o autor de Classes Damereuses, foi chefe de gabinete na Prefeitura de Polícia.
[a 8a, 3]
Sobre a descrição da Revolução de Fevereiro na Êducutíon Sentimentale > de Flaubert — que
precisa ser relida — diz-se o seguinte (em relação à descrição da batalha de Waterloo por
Stendhal): 14 “Nada dc movimentos gerais, nada de grandes choques; uma seqüência de
detalhes que nunca forma um todo... Eis o modelo que o Sr. Flaubert imitou em sua
pintura dos dias de fevereiro e de junho de 1848; trata-se de uma descrição do ponto de
vista de um ocioso e de uma política niilista.” J.-J. Néscio, La Littérature sous les Deux
Empires, 1804-1852 , Paris, 1874, p. 114.
r [a 8a, 4]
Cena da Revolução de Julho. Uma mulher vestiu-se com roupas masculinas e participou
da luta, para depois, como mulher, cuidar dos feridos que estavam abrigados na Bolsa de
Valores. “Sábado à noite, os canhoneiros que levavam para o Hotel de Ville as peças de
artilharia que tinham ficado na Bolsa, puseram nossa heroína sobre um canhão ornado de
palmas e levaram-na com eles. Mais tarde, por volta das dez da noite, eles a reconduziram à
Bolsa em cortejo triunfal, à luz de tochas; ela estava sentada numa poltrona ornada de guirlandas
e palmas.” C. F. Tricotei, Esquisse de Quelques Scenes de 1’Intérieur de la Bourse Pendant les
Joumées des 28, 29, 30 et 31 Juillet Demier. Au Profit des Blessés, Paris, 1830, p. 9.
(a 9, 1]
Lacenaire escreveu uma “Ode à guilhotina”, na qual o crime é celebrado na figura alegórica
de uma mulher. Lê-se a respeito dela:
“Esta mulher ria com uma alegria espantosa,
Como um povo ri diante do trono que ele destroça.”
Esta ode foi escrita pouco antes da execução de Lacenaire, em janeiro de 1836. Alfred
Delvau, Les Lions du Jour, Paris, 1867, p. 87.
U 9, 2]
14 Cf. Stendhal, La Chartreuse de Parme, capítulo 3; e Flaubert, CÉducation Sentimentale, parte III,
capítulo 1 . Comparar a passagem de Néscio com a idéia benjaminiana da "interpretação dos
pormenores" [Ausdeutung in den Einzelheiten] da realidade, em N 2, 1 . (E/M)
a
[Movimento Social ] 755
Uma refeição beneficente do Hôtel de Ville, onde se reuniam os desempregados,
principalmente os pedreiros, durante o inverno. “A hora da refeição pública acaba de soar.
Nesta hora, o Pequeno Manto Azul deposita nas mãos de um dos assistentes a sua bengala
com bico de marfim, tira de seu colete um talher de prata que trazia junto de si, mergulha
a colher em algumas marmitas, experimenta, paga aqueles que servem, cumprimenta os
pobres que lhe estendem a mão, retoma sua bengala, embrulha seu talher e vai-se embora
tranqüilamente... Ele partiu. A distribuição começa.” O Pequeno Manto Azul era o apelido
do filantropo Champion, que era de origem muito modesta. A citação é extraída de Ch. L.
Chassin, La Légende du Petit Manteau Bleu, cit. em Alfred Delvau, Les Lions du Jour, Paris,
1867, p. 283.
[a 9, 3]
O autor, em seu panfleto contra o êxodo rural, dirige-se à jovem camponesa: “Pobre e bela
criança! O tour de J 'rance, que é um bem duvidoso para teus irmãos, é sempre um mal para
ri. Até os quarenta anos, se for preciso, não abandone o regaço de ma mãe..., e se já fizeste
a loucura de deixá-la, e o desemprego e a fome invadirem teu quartinho, chama — como
uma virgem que conheci — , chama um último hóspede em teu socorro: o CÓLERA. Pois,
pelo menos, em seus braços descarnados, em seu seio lívido, não terás nada a temer por tua
honra.” E logo em seguida: “Homens de coração, quando lerdes isso, eu vos peço, mais
uma vez, de joelhos e com as mãos postas, que divulgueis por todos os meios possíveis a
substância deste penúltimo capítulo.” Émile Crozat, La Maladie du Siecle ou les Suites
Funestes du Déclassement Social: Ouvrage Ecrit sous les Tristes Inspirations dun Avocat sans
Cause, dun Notaire et dun Avoué sans Clientèle, d’un Médecin sans Pratiques, d’un Négociant
sans Capitaux, dun OuVrier sans Travail , 15 Bordeaux, 1856, p. 28.
[a 9. 4]
Movimentos de insurreição sob Luís Filipe: “Foi então que apareceu, pela primeira vez, em
1832, a bandeira vermelha.” Charles Seignobos, Histoire Sincère de la Nation Française ,
Paris, 1933, p. 418.
[a 9a, 1]
“Em 1848 havia apenas quatro cidades com mais de cem mil almas: Lyon, Marseille,
Bordeaux e Rouen; e três cidades tinham entre setenta e cinco mil e cem mil habitantes:
Nantes, Toulouse e Lille. Só Paris era uma cidade realmente muito grande, com mais de
um milhão de habitantes — sem contar os subúrbios (anexados em 1860). A França
permanecia um país de cidades pequenas.” Charles Seignobos, Histoire Sincère de la Nation
Fmnçaise, Paris, 1933, pp. 396-397.
[a 9a, 2]
Em 1840, a pequena burguesia faz um avanço rumo ao direito de voto, ao exigir este
cfireiio para a Garde Nationale.
|a 9a, 3]
Assembléia Nacional de 1848. “A Srta. *** pede um empréstimo de 600 francos à Assembléia
Nacional para pagar seu alguel.” Fato histórico. Paris sous la République de 1848: Exposition
& la Bibliothèque et des Travaux Historiques de la Ville de Paris, 1909, p. 4 1 .
[a 9a, 4]
15 A Doença do Século ou as Consequências Funestas da Desclassificação Social: Obra Escrita sob as Tristes
Inspirações de um Advogado sem Causa, de um Notário e Representante da Justiça sem Clientela, de
um Médico sem Pacientes, de um Negociante sem Capitais, de um Operário sem Trabalho- (w.b.)
756 ■ Passagens
“Logo que se ouviu falar de um batalhão de mulheres, os desenhistas se empenharam para
criar um uniforme para elas... Eugènie Niboyet, diretora de La Voix des Femmes..., fixou a
opinião: ‘Vesuviana disse ela, ‘isto significa que cada uma dessas conscritas tem, no
fundo do coração, todo um vulcão de fogo e ardor revolucionário’... Eugénie Niboyet
reunia suas ‘irmãs’ nas galerias do piso inferior do bazar Bonne-Nouvelle ou na SalleTaranne.”
Paris sous la Republique de 1848: Exposition de la Bibliothèque et des Travaux Historiques de la
Ville de Paris, 1909, p. 28.
[a 9a, 5]
Os temas sociais ocupam um lugar preponderante na lírica de meados do século. Encontram-
se em todos os gêneros, desde os versos ingênuos de um Charles Colmance (“La chanson
des locataires” [A canção dos locatários], “La chanson des imprimeurs” [A canção dos
tipógrafos]) até os versos revolucionários de um Picrre Dupont. Celebram-se
preferencialmente as invenções, e enfatiza-se o seu significado social. Assim surgiu um
“poema em louvor do empresário prudente, que foi o primeiro a renunciar a um produto
nocivo [o alvaiade] para adotar ‘o branco do inocente zinco’”. 16 Paris sous la Republique de
1848: Exposition de la Ville de Paris , 1909, p. 44.
[a 9a, 6]
Sobre Cabet: “Foi no fim do ano 1848 que a descoberta das jazidas se tornou conhecida
em Paris, e logo formaram-se companhias para facilitar a viagem dos emigrantes. Em maio
de 1849, havia cerca de quinze delas. A ‘Compagnie parisienne’ teve a honra de embarcar
os primeiros viajantes e ... esses novos Argonautas foram confiados a um Jasao cego, que
jamais viu a Califórnia, Jacques Arago..., autor ... de uma viagem de volta ao mundo,
escrita, em parte, baseada nas notas de outros... Jornais foram fundados: La Califomie,
jornal de interesses gerais no Oceano Pacífico; LAurifere , noticiário das minas de ouro;
LEcho du Sacramento. Sociedades anônimas lançam ações de preço baixo, apenas cinco
francos, disponíveis em todas as bolsas.” Muitas cocotes viajam ao ultramar; faltam mulheres
entre os habitantes das colônias. Paris sous la Republique de 1848. Exposition de la Ville de
Paris, 1909, p. 32.
[a 10, 11
Fazer uma comparação entre Cabet e os seguintes versos, que, aliás, se dirigem contra os
saint-simonianos. O poema é de Alcide Genty, À Monsieur Chateaubriand: Poetes et Prosateurs
Français — Satire, Paris, 1 838, cit. em Carel Lodewijk de Liefde, Le Saint-Simonisme dam la
Poésie Française entre 1825 et 1865, Haarlem, 1927, p. 171:
“O insinuante Rodrigues às tribos iroquesas
Venderá tabelas de cálculo e virgens gaulesas.”
[a 10, 2]
Delphine Gay (M me E. de Girardin), em seu poema “Les ouvriers de Lyon” {Poésies Comptètes,
Paris, 1856, p. 210), revela-se uma precursora da filosofia dos donos de taverna:
“O pobre fica alegre quando o rico se diverte.”
[a 10, 3]
16 Devido ao seu caráter tóxico, o alvaiade ou carbonato de chumbo foi paulatinamente substituído na
pintura pelo branco de zinco ou carbonato de zinco; seu uso nos trabalhos públicos foi proibido por
decreto em 1849. Ver também a citação de Baudelaire em d 5a, 1 . (J.L.)
a
[Movimento Social ) 757
“Com duas bandas de ferro uma via magnífica
De Paris a Pequim cingirá minha república.
Nela, cem povos diversos, confundindo seu jargão,
Farão uma Babel de um colossal vagão.
Nela, o coche humanitário, com suas rodas em fogo
Gastará os músculos da terra até o osso.
Do alto desta nave os homens estupefatos
Verão somente um mar de couves e de nabos.
O mundo será limpo e nítido como uma tigela;
O humanitarismo fará dele sua gamela,
E o globo raspado, sem barba nem cabelo,
Como uma grande abóbora rolará pelos céus.”
Alfred de Musset, Namouna, Paris, p. 113 (“Dupont e Durand”).
Poesia saint-simoniana (Savinien Lapointe, sapateiro: “Lémeute”):
“Não, o futuro não está mais sobre uma barricada!
[a 10, 4]
Grandes! enquanto vossas mãos erguiam cadafalsos,
As minhas espalhavam flores sobre os túmulos;
A cada um sua missão ou penosa tarefa:
Ao poeta, os cantos; ao poder, o machado!”
Olinde Rodrigues, Poésies Sociales des Ouvriers, Paris, 1841, pp. 237, 239.
[a 10, 5]
Extraído de “La maison du berger”, de Alfred de Vigny, sobre a estrada de ferro:
“Que Deus guie a seu alvo o vapor fulminante
Sobre o ferro dos caminhos que atravessam os montes,
Que um anjo esteja de pé sobre sua forja estridente,
Quando o trem passar sob a terra ou fizer tremer as pontes.
Evitemos esses caminhos. - Essa viagem é sem graça,
Pois que é tão rápida, sobre suas linhas de ferro,
Quanto a flecha lançada através do espaço
Que vai do arco ao alvo fazendo silvar o ar.
Assim, lançada ao longe, a humana criamra
Não respira e nem vê, em toda a natureza,
Senão uma névoa sufocante que um raio atravessa.
758 ■ Passagens
A distância e o tempo sao vencidos. A ciência
Traça em volta da terra um caminho triste e reto.
O mundo se apequena com nossa experiência
E o equador não é mais que um anel muito apertado.”
Alfred de Vigny, Poésies Completes (nova edição), Paris, 1866, pp. 218, 220-221.
[a 10a, 1]
Fazer uma comparação entre Caber e “Le Havre”, o belo e singular poema de Élisc Fleury,
bordadeira (Olinde Rodrigues, Poésies Sociales des Ouvriers , Paris, 1841, p. 9). Ela apresenta
a descrição de um transatlântico e a comparação entre as cabines de luxo e a terceira classe.
[a 10a, 2]
“Um opúsculo em versos {Les Príncipes du PetitManteau Bleu sur le Systbne de la Communauté
<cf. a 9, 3>, de Loreux, comunista, Paris, 1847) é uma espécie de diálogo entre um
partidário e um adversário do comunismo... Para aliviar toda ... a miséria, o comunista
Loreux não apela à inveja ou à vingança, mas à bondade e à generosidade.” Jean Skerlitch,
LOpinion Publique en France d’après la Poésie Politique et Sociale de 1830 à 1848, Lausanne,
1901, p. 194.
[a 10a, 3]
Flagelo da fome em 1847; muitos poemas sobre o assunto.
[a 10a, 4]
Agosto de 1834, insurreição dos mutualistas em Lyon, quase simultânea à insurreição da
Rue Transnonain. 17 Em Lyon: “O exército teve 115 homens mortos e 360 feridos, e os
operários, 200 morros e 400 feridos. O governo quis conceder indenizações e, assim,
nomeou-se uma comissão que proclamou o seguinte princípio: ‘O governo não quer que o
triunfo da ordem social custe lágrimas e lamentações. Ele sabe que o tempo que apaga
pouco a pouco a dor causada pela perda das pessoas mais queridas é impotente para fazer
esquecer a perda de fortuna...’ Esta frase resume toda a moral da Monarquia de Julho.”
Jean Skerlitch, LOpinion Publique en France ddprès la Poésie Politique et Sociale de 1830 à
1848, Lausanne, 1901, p. 72.
[a 10a, 5]
“Amotinarei o povo em tomo de minhas verdades cruas,
Profetizarei em cada esquina destas ruas...”
Hégésippe Moreau, cit. em Jean Skerlitch, LOpinion Publique en France ddprès la Poésie
Politique et Sociale de 1830 à 1848, p. 85.
[a 11,1)
“Desde os primeiros dias que se seguiram à Revolução de 1830, uma canção — Requête d’un
ouvrier à un juste-milieu [Petição de um operário para uma justa medida] - circulava em
Paris. Seu refrão era muito expressivo:
17 Em protesto contra uma nova lei que limitava a liberdade de reunião, aconteceu uma insurreição
republicana, em 13 de abril de 1834, no quartier do Marais, em Paris. Durante a repressão, comandada
pelo general Bugeaud, todos os ocupantes de uma casa na Rue Transnonain foram mortos. O
incidente foi representado por Daumier em sua litogravura Rue Transnonain, de 1834. (E/M)
a
[Movimento Social J 759
Tenho fome!
Coma teu punho, então.
Guarde o outro para amanhã.
Este o meu refrão.
... Barthélemy ... diz ... que ... o operário sem emprego é obrigado a trabalhar no ‘canteiro
do tumulto’... Em Némésis , de Barthélemy ... o pontífice Rothschild, com uma multidão
de fiéis, reza a ‘missa do ágio’ e canta o ‘salmo do rendimento’.” Jean Skerlitch, ÜOpinion
Publique en Fmnce d’aprh la Poésie, Lausanne, 1901, pp. 97-98 e 159.
[a 11, 2]
“No dia 6 de junho, ordenou-se uma batida nos esgotos. Temia-se que eles servissem de
refúgio aos vencidos; o prefeito de polícia Gisquet era encarregado de revistar a Paris
subterrânea, enquanto o general Bugeaud varria a Paris pública — dupla operação coordenada
que exigiu uma estratégia dupla da força pública, representada no alto pelo exército e em
baixo pela polícia. Três pelotões de soldados e funcionários dos esgotos vasculharam a rede
subterrânea de Paris.” Victor Hugo, CEuvres Completes , Roman , IX, Les Misérables, Paris,
1881, p. 196.
H ii, 3]
“Abrindo suas asas douradas,
A indústria, com cem mil braços.
Alegre, percorre nossos domínios,
E fertiliza nossas terras
O deserto se povoa ao seu chamado,
O solo árido se fecunda,
E, para as delícias do mundo,
Ao mundo ela oferece as leis.” (p. 205)
Refrão: “Honra a nós, filhos da indústria!
Honra, honra a nossos trabalhos!
Em todas as artes, vencedores de nossos rivais,
Sejamos a esperança, o orgulho da pátria.” (p. 204)
Cinquante Chants Français-, letras de vários autores; música, com acompanhamento de
piano, de Rouget de Lisle, Paris, 1825 [Bibliothèque Nationale, Vm 7 .4454], p. 202. (N°
49, “Chant des industrieis”, 1821, texto de De Lisle). No mesmo volume, n° 23, a
“Marselhesa”.
[a 11,4]
Tática revolucionária e lutas de barricadas segundo Les Misérables. — Noite anterior à luta
de barricada: “A polícia invisível da rebelião vigiava por toda parte e mantinha a ordem,
isto é, a noite... Os olhos que tivessem visto do alto este amontoado de sombras poderiam
talvez ter vislumbrado, aqui e ali, de quando em quando, claridades indistintas que
iluminavam linhas quebradas e bizarras, contornos de construções singulares, algo parecido
com clarões vagando por ruínas; é lá que estavam as barricadas.” CEuvres Completes, Roman
760 ■ Passagens
VIII, Paris, 1881, pp. 522-523. — A passagem seguinte encontra-se no capítulo “Faits
d’oü 1’histoirc sort et que 1’histoire ignore” [Fatos que geram a história e que a história
desconhece]: “As reuniões às vezes eram periódicas. Em algumas delas havia, no máximo,
oito ou dez participantes, e sempre os mesmos. Em outras, qualquer um podia entrar, e a
sala ficava tão cheia que era preciso ficar de pé. Alguns entravam por entusiasmo e paixão;
os outros, porque era seu caminho para ir ao trabalho. Como no tempo da Revolução, havia
nessas tavernas algumas mulheres patriotas que beijavam os recém-chegados. Outros faros
expressivos vinham à tona. Um homem entrava numa taverna, bebia e saía dizendo: ‘Dono
da taverna, o que estou lhe devendo será pago pela Revolução...’ Um operário que bebia com
um camarada pedia a este que o tocasse, para ver o quanto ele sentia calor; o outro então
sentia uma pistola sob o seu paletó... Toda essa fermentação era pública, e poder-se-ia
quase dizer tranqüila... Nenhuma singularidade faltava a essa crise ainda subterrânea, mas
já perceptível. Os burgueses falavam pacificamente com os operários sobre aquilo que se
preparava. Ouvia-se dizer: ‘Como vai a rebelião?’ com o mesmo tom usado para dizer:
‘Como vai sua mulher?’” Victor Hugo, CEuvres Completes, Roman , VIII, Les Misérables,
Paris, 1881, pp. 43, 50-51.
[a 11a, 1]
Luta de barricadas em Les Misérables. Do capítulo “Originalité de Paris”: “Fora dos bairros
insurrectos, nada é, de costume, mais estranhamente calmo que a fisionomia de Paris
durante uma rebelião... Troca de tiros num cruzamento, numa passagem, numa rua sem
saída ... os cadáveres atravancam o calçamento. A algumas ruas dali, ouve-se o choque das
bolas de bilhar nos cafés... Os fiacres rodam; os transeuntes vão jantar na cidade, às vezes
no mesmo bairro onde se combate. Em 1831, um tiroteio foi interrompido para deixar
passar um cortejo de casamento. Durante a insurreição de 12 de maio de 1839, na Rua
Saint-Martin, um velhinho doente, puxando uma carroça que levava uma bandeira tricolor
e garrafas cheias de um líquido qualquer, ia e vinha da barricada à tropa e da tropa à
barricada, oferecendo imparcialmente copos com água de côco... Nada é mais estranho; e
este é o caráter próprio das rebeliões de Paris, que não se encontra em nenhuma outra
capital. Para isso é preciso duas coisas: a grandeza de Paris e sua alegria. F. preciso ser a
cidade de Voltaire e de Napoleão.” Victor Hugo, CEuvres Completes, Roman, VIII, Paris,
1881, pp. 429-431.
[a 11a. 2]
Sobre o motivo exótico, associado ao motivo da emancipação:
“Todos os haréns estão abertos,
O isman no vinho se inspira,
O Oriente aprende a ler,
Barrault atravessa os mares.”
Jules Mercier, “L’arche de Dieu”, in: Foi Nouvelle: Chants et Chansons de Barrault, Vinçard...,
1831 à 1834, Paris, 1 jan. 1835, caderno I, p. 28.
[a 12, 1]
a
[Movimento Sociai ] 761
“Do Oriente fundai a liberdade,
Um grito de Mulher, no dia do parto.
Parte do harém, pelo eco repetido,
Do Ocidente romper o terrível silêncio.”
Vinçard, “Le l er départ pour 1’Orient”, in: Foi Nouvelle: Chants et Chansons de Barrault,
Vinçard..., 1831 a 1834 , Paris, 1 jan. 1835, caderno I, p. 48.
[a 12, 2]
Uma estrofe estranha em “Le Départ”, de Vinçard:
“Despojado de um mundo de escravidão,
Dos velhos cueiros e do jargão,
Do povo aprende a linguagem bruta,
A cançoneta e a inj úria. ”
Foi Nouvelle, 1831 à 1834, Paris, 1 jan. 1835, pp. 89-90.
“Nossa bandeira já não se satisfaz com o céu da França,
Nos minaretes do Egito é preciso que ela balance,
U 12, 3]
Então eles nos verão, trabalhadores ágeis,
Com nossas faixas de ferro
Domar as areias do deserto;
E por todo lado, como palmeiras, fazer crescer cidades."
F. Maynard, “À FOrient”, in: Foi Nouvelle, Paris, 1 jan. 1835, pp. 85 e 88.
[a 12, 4]
No panfleto de J. Arago, “Aux juges des insurges” [Aos juízes dos insurgentes], de 1848, a
deportação aparece como instrumento de expansão colonial. Depois de passar em revista
todas as possessões ultramarinas da França utilizando uma linguagem pictórica, sem
encontrar entre elas nenhuma que pudesse servir como lugar de deportação, o autor se
atém à Patagônia. Faz uma descrição altamente poética da região e de seus habitantes.
“Estes homens, os maiores do globo; estas mulheres, das quais as mais novas são muito
apetitosas depois de uma hora de natação; estes antílopes, estes pássaros, estes peixes, estas
águas fosforescentes, este céu pontilhado de nuvens passando aqui e ali como um rebanho
de corças errantes ... tudo isto é a Patagônia, tudo isto é uma terra virgem, rica,
independente... Acaso temeis que a Inglaterra venha vos dizer que não tendes o direito de
pôr os pés nesta parte do continente americano?... Deixai, cidadãos, deixai bramir a
Inglaterra...; e se ela se armar ... transportai para a Patagônia os homens que foram punidos
pelas vossas leis; depois, quando chegar o dia da luta, estes mesmos homens que exilastes
estarão na vanguarda, de pé, implacáveis, barricadas sólidas e móveis.”
[a 12, 5]
762 ■ Passagens
Edmé Champion - self-made man, filantropo (1764-1852) Todas as vezes que e e
atravessava o centro da cidade, nunca se esquecia de dar uma olhada no necroteno , rek a
Charles-Louis Chassin a seu respeito em La Légende du Petit Manteau Bleu, Paris (por volta
de 1860), p. 15. Champion fora ourives e, durante a Revolução, protegeu alguns velhos
clientes da aristocracia, o que o colocou em perigo. [a 12a> q
Balzac, em Eugénie Grandet, a propósito dos sonhos do avarento quanto ao futuro: “O
futuro, que nos esperava para além do réquiem, foi transportado para o presente. Isto
ainda mais verdadeiro em relação aos temores dos pobres quanto ao turo. [a 12a> 2 ]
De uma análise da situação elaborada pelo prefeito de polícia, Gisquet, por volta de 1 830.
Lê-se o seguinte a respeito dos operários: “Eles não têm, como as classes abastadas da
burguesia, o temor de comprometer, por meio de uma maior extensão dos pnndp.os
liberais, uma fortuna já estabelecida... Assim como o Terceiro Estado aproveitou-se da
supressão dos privilégios da nobreza..., também a classe operária aproveitara ho,e tudo o
que a burguesia, por sua vez, tem a perder.” Cit. em Charles Benoist, Lhomme de 1848 ,
parte I, Revue des Deux Mondes , 1 jul. 1913, p- 138. j a 12a: 3 ]
“O grande populacho e a santa canalha
Lançavam-se à imortalidade.”
Versos de uma canção revolucionária, por volta de 1830. Citada em Charles Benoist,
“Lhomme de 1848”, pane I, Revue des Deux Mondes, 1 jul. 1913, p. 143. ^ ^ 4J
Em seus ensaios econômicos, Rumford reuniu uma série de receitas para reduzir o custo das
sopas filantrópicas através da substituição de produtos. “Suas sopas não sao caras demais, pois
com 11 francos e 16 centavos consegue-se alimentar, duas vezes por dia, 115 pessoas: a umca
questão é saber se elas ficam mesmo alimentadas.” Charles Benoist, “De lapolo^e du travarl
à 1’apothéose de louvrier”, Revue des Deux Mondes, 15 jan. 1913, p. 384. As referidas sopas
foram introduzidas por diferentes industriais franceses à época da Grande Revolução.
1837 _ os primeiros banquetes em prol do sufrágio universal, e a petição de ^40.000
assinaturas - uma cifra equivalente ao número de eleitores aptos a votar naquele tempo. ^
Por volta de 1840, o suicídio fazia parte do imaginário dos operários. Disputam- se os
exemplares de uma litografia que representa 0 suicídio de um operário inglês desespera o
por não poder ganhar sua vida. Na casa do próprio Sue, um trabalhador chegou a se
enforcar, com este bilhete na mão: ‘Eu me mato por desespero: achei que a morte seria
menos dura para mim se eu morresse sob o teto daquele que nos ama e nos defende,
autor operário que escreveu um pequeno livro muito lido pelos operários, ° u P ó g 0
Adolphe Boyer, também suicidou-se por desespero.” Charles Benoist, Lhomme e
parte I, Revue des Deux Mondes , 1 fev. 1914, p. 667. [a 12a> 7]
18 Balzac, CEuvres Completes, vol. VIII, Paris, Éd. Conard, 1913, p. 367. (R.T.)
a
[Movimento Social J 763
Extraído de Robert (du Var), Histoire de Ia Classe Ouvrière (1845-1848): “Você viu por esta
história, ó trabalhador! que, quando escravo, você compreendeu o evangelho e tomou-se,
por autoridade, servo; quando servo, você compreendeu os filósofos do século XVIII, e
tomou-se proletário; pois bem! hoje você compreendeu o socialismo...; quem poderá impedir
que você se tome um associado? Você é Rei, Papa, Imperador — sob este ângulo, seu destino
está em suas próprias mãos.” Cit. em Charles Benoist, “Lhomme de 1848”, pane II, Revue
des Deux Mondes, 1 fev. 1914, p. 668.
U o. 1 ]
Uma observação deTocqueville sobre o espírito dos anos quarenta: “Os grandes proprietários
gostavam de lembrar que sempre foram inimigos da classe burguesa e favoráveis à classe
popular; os burgueses, por sua vez, lembravam, com um certo orgulho, que seus pais
tinham sido operários, e, quando não podiam recuar ... até um operário..., tratavam pelo
menos de chegar a algum desfavorecido que teria feito fortuna por si mesmo.” Cit. em Charles
Benoist, “Lhomme de 1848”, parte II, Revue des Deux Mondes, 1 fev. 1914, p. 669.
[a 13. 2]
“A questão do pauperismo ... atravessou em poucos anos fases muito diversas. Nos últimos
tempos da Restauração, o debate se volta inteiramente para a extinção da mendicância, e a
sociedade procura menos aliviar a miséria que ... deixá-la de lado, relegando-a ao
esquecimento. Na Revolução de Julho, uma reação opera-se na política. O partido
republicano apropria-se do pauperismo, que ele transforma em proletariado... Os operários
tomam a pena... Os alfaiates, os sapateiros e os tipógrafos, que formavam então a associação
dos ofícios revolucionários, marcham na extrema vanguarda... Por volta de 1 835, a polêmica
é ... suspensa pelas inúmeras derrotas do partido republicano; por volta de 1840, ela é
retomada e se bifurca ... em duas escolas, uma desembocando no comunismo, a outra, na
associação de interesses entre o operário e o patrão.” Charles Louandre, “Statistique littéraire
de la production intellectuelle en France depuis quinze ans”, Revue des Deux Mondes,
15 out. 1847, p. 279.
[a 13, 3]
O blanquista Tridon: “Ó força, rainha das barricadas ... tu que brilhas no relâmpago e na
rebelião ... é a ti que os prisioneiros estendem suas mãos acorrentadas.” Cit. em Charles
Benoist, “Le ‘mythe’ de la classe ouvrière”, Revue des Deux Mondes, 1 mar. 1914, p. 105.
[a 13, 4]
Contra as “casas de trabalho”, a favor da redução da taxa para os pobres: F.-M.-L. Naville,
De la Charité Légale et Spécialement des Maisons de Travail et de la Proscription de la Mendicité,
vol. 2, Paris, 1836.
[a 13, 5]
Uma fórmula de 1848: “Deus é operário.”
[a 13a, 1]
Charles Benoist afirma encontrar em Corbon, Le Secret du Peuple de Paris, a consciência
orgulhosa da superioridade numérica sobre as outras classes. Benoist, “Le ‘mythe’ de la
classe ouvrière”, Revue des Deux Mondes, 1 mar. 1914, p. 99-
[a 13a, 2]
764 ■ Passagens
Nos panfletos do ano de 1848, predomina o conceito de organização.
U 13a, 3]
Em 1867? era possível realizar conferencias em que 400 delegados operários pertencentes
a 1 17 profissões ... discutiam ... sobre a organização de Câmaras de operários em sindicatos
mistos... Ate então, entretanto, os sindicatos operários eram bem raros ... apesar de existirem,
por outro lado, em aliança com os patrões, 42 câmaras sindicais. Antes de 1867 são citados,
à margem da lei e desafiando-a, somente os tipógrafos (1839), os modeladores (1863), os
encadernadores (1864) e os chapeleiros (1865). Depois das conferências da Passage Raoult 15
... esses sindicatos- se multiplicaram. Charles Benoist, 1 c mythe* de la classe ouvrière”,
Revue des Deux Mondes, 1 mar. 1914, p. 111.
[a 13a, 4]
Em 1848, Toussenel era membro da Comissão do Trabalho presidida por Louis Blanc e
instalada no <Palais du> Luxembourg.
[a 13a, 5]
Demonstrar a importância de Londres para Barbier e Gavarni. A série de Gavarni, Ce
Quon Voit Grátis à Londres [O Que Se Vê de Graça em Londres].
la 13a, 6]
Em seu 18 Brumário, Marx diz que, nas cooperativas, os operários “em princípio renunciam
a transformar o velho mundo com seus próprios e imensos recursos; em vez disso, procuram
realizar a sua salvação atrás das costas da sociedade, de modo particular, dentro dos limites
restritos de suas condições de existência. Cit. em E. Fuchs, Die Karikatur der europaischen
Vòlker, vol. II, Munique, 1921, p. 472.
[a 13a, 7]
A respeito das Poésies Sociales des Ouvriers , editadas por Rodrigues, escreve a Revue des Deux
Mondes\ Passam de uma reminiscência do Sr. Beranger a uma falsificação grosseira do
gênero do Sr. Lamartine e do Sr. Victor Hugo. (p. 966) O caráter de classe desta crítica se
manifesta escancaradamente quando o autor escreve sobre o operário (p. 969): “Se ele
pretende conciliar o exercício de sua profissão com estudos literários, logo experimentará o
quanto as grandes fadigas do corpo prejudicam o desenvolvimento do espírito.” Para enfatizar
suas palavras, o autor relata o destino de um poeta operário que enlouqueceu. Lerminier,
“De la Iittérature des ouvriers”, Revue des Deux Mondes, XXVIII, Paris, 1841.
[a 13a, 8]
O Livre du Compagnonnage, de Agricol Perdiguier, procura colocar as formas medievais de
cooperação dos operários, as guildas, a serviço da nova forma de associação. Esta tentativa
foi rejeitada veementemente por Lerminier, em “De la Iittérature des ouvriers”, Revue des
Deux Mondes, XXVIII, Paris, 1841, p. 955 et seq.
[a 14, 1]
Adolphe Boyer, De lÉtat des Ouvriers et de son Amélioration par 1’Organisation du Travail,
Paris, 1841. O autor deste texto era tipógrafo. Sua obra não obteve sucesso. Ele cometeu
suicídio e exortou (segundo Lerminier) os operários a seguir seu exemplo. Em 1844, o
1 9 O Passage Raoult - ou: Raoul - abrigava nos anos 1 860 reuniões de comissões operárias; cf. Jean Tulard,
org., Dictionnaire du Sccond Empire, Paris, F ayard, 1 995, p. 592 (verbete Greves et droit de grève").
(w.b.)
a
[Movimento Social J
765
texto foi publicado em Estrasburgo, em língua alemã. Era bastante moderado e procurava
colocar o compagnonnage a serviço das associações de operários.
[a 14, 2]
Í “Quando consideramos a vida rude e penosa que têm de levar as classes trabalhadoras,
ficamos convencidos de que, entre os operários, os homens mais notáveis ... não são os que
se apressam para pegar uma pena...: não são os que escrevem, mas os que agem... A divisão
do trabalho, que designa a uns a ação, a outros o pensamento, está sempre, pois, na natureza
das coisas.” Lerminier, “De la littérature des ouvriers”, Reime des Deux Mondes, XXVIII,
Paris, 1841, p. 975. Por “ação”, o autor entende, em primeiro lugar, o cumprimento de
horas extras!
[a 14, 3]
| As associações de operários depositavam seus fundos na caixa econômica ou em bônus do
tesouro. Lerminier, em “De la littérature des ouvriers” {Revue des Deux Mondes, Paris, 1841,
p. 963), elogia este procedimento. Segundo ele, os institutos de previdência dos operários
diminuem os custos da assistência pública.
[a 14, 4]
Proudhon recebe do financista Millaud o convite para um jantar. “Proudhon desculpou-se
... dizendo que vivia inteiramente no seio de sua família e que costumava deitar-se às
9 horas da noite.” Firmin Maillard, La Cité des Intellectuels, Paris, 1905, p. 383.
[a 14, 5]
Versos extraídos de um poema de Dauhéret sobre Ledru-Rollin:
“A bandeira vermelha, que todo francês venera,
É o manto que Cristo usou.
Rendamos homenagem ao bravo Robespierre
E a Marat, que a fizeram respeitar.”
Cit. em Auguste Lepage, Les Cafés Politiques et Littéraires de Paris , Paris, 1874, p. 11.
[a 14, 6]
Georg Herwegh, “Die Epigonen von 1830”, Paris, novembro de 1841:
“Oh, fora, fora com a bandeira tricolor,
Que viu os feitos de vossos pais,
E escrevei o aviso sobre os portais:
Aqui está a Cápua da liberdade!’”
Georg Herwegh, Gedichte eines Lebendigen, vol. II, Zurique- Winterrhur, 1844, p. 15.
[a 14a, 1]
Heine sobre a burguesia na Revolução de Fevereiro: “O rigor com que o povo investia
contra ... os ladrões capturados em flagrante era excessivo para alguns, e certas pessoas
ficaram muito apreensivas ao tomar conhecimento de que os ladrões eram fuzilados no ato.
76 6 ■ Passagens
Sob tal regime, pensavam consigo, no fim das contas, não se pode estar seguro nem mesmo
da própria vida.” Heinrich Heine, “Die Februarrevolution”, Sãmtliche Werke, ed. org. por
Wilhelm Bõlsche, Leipzig, vol. V, p. 363.
[a 14a, 2]
A América na filosofia de Hegel: “Hegel ... não elaborou uma expressão direta para a
consciência do fim de uma época da história, mas uma expressão indireta. Ele a manifesta
pelo fato de pensar - lançando um olhar sobre o passado, na Velhice do espírito’, ao
mesmo tempo que procura uma descoberta possível no domínio do espírito - sem revelar
expressamente o conhecimento dessa descoberta. As raras indicações sobre a América, que
já nessa época aparecia como o futuro país da liberdade” [Nota: A. Ruge, Aus früherer Z.eit,
vol. IV, pp. 72 a 84: “Fichte já pensara em emigrar para a América, na ocasião da derrocada
da velha Europa; carta a sua mulher de 28 de maio de 1807-”], “e sobre o mundo eslavo,
visavam a possibilidade de o espírito universal emigrar para fora da Europa, a fim de
preparar novos protagonistas do princípio do espírito ... que se completou com Hegel. A
América é, pois, o país do futuro, no qual a importância da história universal deve se
manifestar, numa época próxima, por exemplo, na luta entre a América do Norte e a do
Sul.’... Mas o que até hoje se passa aqui, no Novo Mundo, não é senão um eco do Velho
Mundo e a expressão de uma vivacidade estrangeira; e enquanto país do futuro, ele não nos
diz respeito. O filósofo não tem nada a ver com as profecias.’” [Hegel, Philosophie der
Geschichte , ed. org. por G. Lasson, p. 200 (e 779?).] K. Lõwith, “L’achèvement de la
philosophie classique par Hegel et sa dissolution chez Marx et Kierkegaard”, Recherches
Philosophiques, fundadas por Koyré, H.-Ch. Puech, A Spaier, ano IV (1934-1935), Paris,
pp. 246-247.
[a 14a, 3]
Auguste Barbier representou a contraparte sombria da poesia saint-simoniana; na maioria
das vezes ele sequer renega o parentesco, como nestes versos finais do prólogo:
“Se meu verso é cru demais, se sua boca não tem freio,
É que ele soa hoje num século de bronze.
O cinismo dos costumes deve sujar a palavra,
E o ódio do mal gera a hipérbole.
Ora, eu posso, pois, enfrentar o olhar recatado:
Meu verso rude e grosseiro é no fundo homem de bem.”
Auguste Barbier, Poésies, Paris, 1898, p. 4.
[a 15, 1]'
Ganneau publica anonimamente Waterloo (Paris, Au Bureau des Publications Évadiennes,
1843). O panfleto é dedicado à apoteose de Napoleão - “Jesus, o Cristo-Abel; Napoleão,
o Cristo-Caim” (p. 8) - e finaliza com a evocação da “Unidade Evadiana” (p. 15) e com a
fórmula: “Em nome do Grande Evadah, em nome do Grande Deus, Mãe, Pai ... o Mapah”
(p- 16).
[a 15, 2]
a
'Movimento Social ) 767
A Page Prophétique , de Ganneau, foi editada pela primeira vez, em 1840, e pela segunda
vez, durante a Revolução de 1848; na página de rosto desta última edição traz a seguinte
advertência: “Esta Página profética, apreendida em 14 de julho de 1840, foi encontrada
pelo cidadão Sobrier, ex-delegado do Departamento da Polícia, no dossiê do cidadão
Ganneau (Le Mapah). - (O relatório diz: ‘Página revolucionária publicada em 3.500
exemplares e distribuída nos portões residenciais.’).”
Ia 15, 3]
O panfleto Batismo, Casamento , de Ganneau, institui a era de Evadah, a partir de 1 5 de
agosto de 1838. Foi publicado na Rue Saint-Denis, 380, Passage Lemoine, e assinado “Le
Mapah . Anuncia: Maria não é mais a Mãe: Ela é a Esposa; Jesus-Cristo não é mais o
Filho: é o Esposo. O antigo mundo (compressão) acabou; o novo mundo (expansão) começa!”
Aparecem Maria-Eva, unidade Genésica fêmea” e “Cristo-Adão, unidade Genésica macho”
“sob o nome andrógino Evadam!”.
[a 15, 4]
O Devoir Mutuei de Lyon, que desempenhou um papel essencial nas insurreições de
1831 e de 1834, marca a transição da velha Mutualitè à Resistência.” Paul Louis, Histoire de
la Classe Ouvrière en France de la Révolution à nos Jours, Paris, 1927, p. 72.
Ia 15, 5]
Em 15 de maio de 1848, manifestação revolucionária dos operários parisienses pelo
restabelecimento da Polônia.
[a 15,6]
Jesus Cristo..., não tendo fornecido seu codigo político, deixou sua obra incompleta.”
Honoré de Balzac, Le Curé du Village (carta de Gérard a Grossetête), Éd. Siècle, vol. XVII
p. 183.
[a 15a, I]
A maior parte das sondagens sobre a condição dos operários foi realizada, nos primeiros
tempos, por donos de indústrias, seus representantes, inspetores de fabrica e funcionários
administrativos. Quando os médicos e filantropos responsáveis pelas pesquisas visitavam
as famílias dos operários, eram geralmente acompanhados pelos patrões ou por seus
representantes. Le Play, por exemplo, sugere que as visitas às famílias operárias ‘sejam feitas
com a recomendação de uma autoridade escolhida a dedo’; ele aconselha um comportamento
extremamente diplomático para com os diferentes membros da família, até mesmo o
pagamento de pequenas somas a título de indenização ou mesmo a distribuição de presentes:
deve-se elogiar ‘de maneira criteriosa a inteligência dos homens, a graça das mulheres, o
bom comportamento das crianças, e distribuir de modo sensato pequenos presentes a
todos’. (Les Ouvriers Parisiem, Paris, vol. I, p. 223.) Na crítica detalhada aos métodos de
pesquisa, introduzida por Audiganne nas discussões do grupo de operários de que participa,
diz-se o seguinte a respeito de Le Play: ‘Não obstante as melhores intenções, nunca se
escolheu um caminho mais equivocado. Tudo se resume no sistema. Um falso ponto de
vista, um método equivocado de observação conduzem a uma série total mente arbitrária
de idéias que não têm qualquer relação com a realidade social, e que deixam transparecer
uma incorrigível tendência ao despotismo e à rigidez.’ (Audiganne, op. cit., p. 61.) Como
erro recorrente na condução das pesquisas, Audiganne menciona a atitude cerimoniosa dos
7(® ■ Passagens
pesquisadores nas visitas às famílias operárias: ‘Se nenhuma das pesquisas realizadas durante
o Segundo Império deu algum resultado palpável, isto se deve principalmente à pompa
com que se recobriam os pesquisadores.’ (Op. cit., p. 93.) Também Engels e Marx descrevem
os métodos com que essas pesquisas sociais induziam os depoimentos dos operários e os
constrangiam até mesmo a apresentar petições contra a redução do tempo de trabalho.
Hilde Weiss, “Die ‘Enquête Ouvrierè von Karl Marx”, Zeitschrift ftir Sozialforschung, ed. por
Max Horkheimer, ano V, n° 1, Paris, 1936, pp. 83-84. O livro citado de Audiganne
intitula-se Mónoires dün Chwner de Paris, Paris, 1873.
[a 15 a., 1\
Em 1854, ocorreu o Caso dos Carpinteiros, em que uma decisão de greve tomada pelos
car pinteiros de Paris deu ensejo a uma acusação contra seus líderes, por violarem a proibição
de coalizões. Eles foram defendidos em primeira instância e na apelação por Berryer. Eis
algumas passagens da argumentação de defesa durante a apelação: “Não pode ter sido esta
sag rad a resolução, esta resolução livre de abandonar o trabalho por não conseguir retirar
dele seu justo salário, o motivo para uma punição pela lei. Não! É, na verdade, a resolução
de constranger a liberdade de outrem; é a interdição do trabalho, o impedimento de ir às
oficinas... É preciso, pois, para que haja uma coalizão, que haja um constrangimento da
liberdade do homem, uma violência contra a liberdade de outrem. E, com efeito, se não
fosse este o verdadeiro sentido dos artigos 415 e 4l6, não haveria em nossa lei uma
desigualdade monstruosa entre a condição dos operários e a dos empresários? Estes podem
deliberar entre si, decidir que o preço do trabalho está elevado demais... A lei ... não pune
a coalizão dos empresários, a não ser quando há acordo injusto e abusivo... Sem reproduzir
as mesmas palavras, a lei reproduz o mesmo pensamento em relação aos operários. E pela
interpretação sadia desses artigos que os senhores consagrarão a igualdade de condição que
deve existir entre essas duas classes de indivíduos.” Berryer, CEuvres: Plaidoyers 1836-1856 ,
vol. II, Paris, 1876, pp. 245-246. u i6 ^
Caso dos carpinteiros: “O Sr. Berryer termina sua defesa levantando a questão de se considerar
... a posição atual, na França, das classes inferiores, condenadas, diz ele, a ver dois quintos
de seus membros perecendo num hospital, ou sendo depositados sobre o mármore do
necrotério.” Berryer, Qiuvres: Plaidoyers 1836-1856 , vol. II, Paris, 1876, p. 250. (O réu
principal no processo foi condenado a três anos de prisão - sentença confirmada na apelação.)
“Os poetas operários dos últimos tempos imitaram os ritmos de Lamartine..., sacrificando
muito freqüentemente o que podiam ter de originalidade popular... Eles se vestem melhor,
colocam luvas para escrever e perdem assim a superioridade, que sua mão forte e seu braço
poderoso dão ao povo, quando sabe fazer bom uso deles. J. Michelet, Le Peuple, 2 ed.,
Paris, 1846, p. 195. Em outra passagem (p. 107), o autor enfatiza o caráter peculiar de
tristeza e doçura” desses poemas. 3 j
“Quando, em Paris, Engels pôs no papel a ‘profissão de fé que lhe fora solicitada pela seção
local da Liga Comunista, ele desaprovou a designação que Schapper e Moll tinham dado a
seu projeto. Também pareceu-lhe inapropriada a forma de catecismo, comum naquela
a
[Movimento Social ) 769
época, nos manifestos programáticos destinados aos operários, e ainda usada por Considérant
e Cabet.” Gustav Mayer, Friedrich Engels, vol. I, Berlim, 1933, p. 283. 20
■f‘ [a 16, 4]
A legislação referente à repressão aos operários remonta à Revolução Francesa. Trata-se de
leis que procuram punir a reunião e a coalÍ 2 ão dos operários que visavam à reivindicação
coletiva de salários e de greve. “A lei de 17 de junho de 1791 e a de 12 de janeiro de 1794
contêm medidas que até o presente se mostraram suficientes para reprimir esses delitos.”
Chaptal, De llndustrie Française, Paris, 1819, vol. II, p. 351.
[a 16a, 1]
“Uma vez que Marx, desde sua expulsão, era proibido de entrar em território francês,
Engels decidiu, em agosto de 1846, transferir seu domicílio para a capital francesa, com a
intenção de conquistar para a causa do comunismo revolucionário os proletários alemães
que lá viviam. No entanto, aqueles alfaiates, marceneiros e aprendizes de curtume, que
Grün procurava aliciar, não correspondiam ao tipo de proletário com o qual Engels ...
contava. A maior parte daqueles que tinham vindo para Paris, enquanto centro da moda e
do artesanato, a fim de se tornarem mais competitivos em sua profissão, ainda tinha uma
mentalidade fortemente ligada ao antigo espírito das guildas.” Gustav Mayer, Friedrich
Engels, vol. I, Friedrich Engels in seiner Frühzeit, 2 a ed., Berlim, 1933, pp. 249-250.
[a 16a, 2]
O “Comitê Comunista de Correspondência” de Marx e Engels, em Bruxelas, no ano de
1846: “Marx e ele tentaram em vão ... conquistar Proudhon. Soubemos que Engels
empreendeu uma tentativa malsucedida de convencer o velho Cabet, líder do comunismo
utópico experimental no continente, ... a participar do Comitê de Correspondência.
Somente alguns meses mais tarde ele conseguiu estabelecer um contato mais estreito com
o círculo do La Réforme, com Louis Blanc e, principalmente, com Flocon.” Gustav Mayer,
Friedrich Engels, vol. I, Friedrich Engels in seiner Frühzeit, 2 a ed., Berlim, 1933, p. 254.
[a 16a, 3]
Após a Revolução de Fevereiro, Guizot escreve: “Há muito tempo, tenho um duplo
sentimento: um é o sentimento de que o mal é muito maior do que pensamos e dizemos;
o outro é o de que nossos remédios são frívolos e não passam além da pele. Enquanto eu
tinha meu país e seus negócios nas mãos, esse duplo sentimento cresceu a cada dia; à
medida que eu vencia e permanecia no poder, sentia que nem meu sucesso, nem minha
permanência iam a fundo, que o inimigo vencido ganhava sobre mim, e que para vencê-lo
realmente seria preciso fazer coisas que não se pode nem mesmo dizer.” Cit. em Abel
Bonnard, Les Modérés (da série Le Drame du Présent, vol. I), Paris, 1936, pp. 314-315.
[a 16a, 4]
“Para que uma agitação tenha verdadeiro sucesso, o indivíduo deve se apresentar em nome
de uma coletividade... Engels teve que passar por esta experiência durante seu primeiro
período de atuação em Paris. As portas em que ele bateu anteriormente, como abriram-se
muito mais facilmente para ele na segunda vez! Como o socialismo francês em quase todas
as suas nuanças rejeitava a luta política, Engels só pôde procurar os companheiros de luta
para a iminente batalha decisiva em Paris entre aqueles democratas mais ou menos propensos
20
O que está em questão é o esboço do Manifesto Comunista. (E/M)
JJQ ■ Passagens
ao socialismo de Estado, que se agrupavam em torno do La Reforme, e que, como ele, viam
a conquista do poder político pela democracia, sob a liderança de um Louis Blanc e de um
Ferdinand Flocon, como pressuposto para qualquer transformação social. Disposto a seguir
de mãos dadas com a burguesia, cada vez que ela tomasse decididamente um caminho
democrático, Engels não precisava temer a colaboração com este partido, cujo programa
previa a abolição do trabalho assalariado, embora soubesse que Ledru-Rollin, seu líder
parlamentar, era contrário ao comunismo... Escaldado por experiências anteriores,
apresentou-se a Louis Blanc como enviado oficial dos democratas de Londres, de Bruxelas
c dos alemães da Renânia, e como agente dos cartistas’.” Gustav Mayer, Friedrich Engels,
vol. I, Friedrich Engels in seiner Frühzeit, Berlim, 1933, pp. 280-281. 21
[a 17, 1]
“Sob o governo provisório era de bom-tom - e sobretudo uma necessidade - imprimir, nos
milhares de cartazes oficiais, que os generosos operários tinham posto três meses de miséria
à disposição da República’. Era um misto de política e de arroubo pregar aos operários que
a Revolução de Fevereiro acontecera para seu próprio interesse, e que se tratava nessa
Revolução principalmente do interesse dos operários. Depois da abertura da Assembléia
Nacional, no entanto, os políticos tornaram-se prosaicos. Tratava-se então apenas de fazer
o trabalho voltar a suas antigas condições, como disse o ministro Trélat.” Karl Marx, “Dem
Andenken der Juni-Kãmpfer”, in: Karl Marx ais Denker, Mensch und Revolutionür, ed. org.
por D. Rjazanov, Viena-Berlim, 1928, p. 38 — publicado originalmente em Neue Rheinische
Zeitung, por volta de 28 de junho de 1848. 22
[a 17, 2]
Ultimo parágrafo do texto sobre os combatentes de junho, após a apresentação das medidas
com que o Estado honraria a memória das vítimas da burguesia: “Os plebeus, porém,
foram maltratados pela fome, humilhados pela imprensa, abandonados pelos médicos,
discriminados pela gente de bem’ como ladrões, incendiários, escravos nas galeras; viram
suas mulheres e filhos lançados a uma miséria ainda mais profunda, e os seus melhores
representantes deportados para além-mar - é a prerrogativa, o direito especial da imprensa
democrática de colocar a coroa de louros sobre sua fronte sombria.” Karl Marx, “Dem
Andenken der Juni-Kampfèr , in: Karl Marx ais Denker, Mensch und Revolutionür, ed. org.
por D. Rjazanov, Viena-Berlim, 1928, p. 40 - publicado originalmente em Neue Rheinische
Zeitung, por volta de 28 de junho de 1848. 23
[a 17, 3]
Sobre o livro de Buret, De la Misere des Classes Laborieuses en Angleterre et en France, e o de
Engels, Lage der arbeitenden Klasse in England. “Charles Andler apresenta o livro de Engels
apenas como uma refundição e um aperfeiçoamento’ do texto de Buret. Para nós, no
entanto, o único ponto de convergência das duas obras é o fato de ambas ... se apoiarem
nas mesmas fontes... Os critérios de avaliação do francês permanecem ancorados no direito
natural..., enquanto o alemão recorre em suas explanações às tendências do desenvolvimento
econômico e social. Enquanto Engels vê como única salvação para a situação presente a
evolução para o comunismo, Buret aposta na mobilização completa da propriedade territorial,
21 A segunda visita de Engels a Paris deu-se em outubro e novembro de 1847. (E/M)
22 O artigo foi publicado em 29 de junho de 1848. (R.T.)
23 Ver nota anterior. (R.T.)
a
[Movimento Social ] 771
na política social e em um sistema constitucional para as fábricas.” Gustav Mayer, Friedrich
Engels, vol. I, Friedrich Engels in seiner Frühzeit, Berlim, 1933, p. 195.
U 17a, 1]
Engels sobre a Insurreição de Junho. “Em um diário de viagem, provavelmente destinado à
publicação no folhetim do Neue Rheinische Zeitung, ele escreveu: ‘Entre a Paris daquele tempo
e a de agora havia o 1 5 de maio e o 25 de junho... As granadas de Cavaignac tinham destruído
a insuperável alegria parisiense; a ‘Marselhesá e ‘O canto da partida haviam silenciado, e
apenas os burgueses ainda cantarolavam entre os dentes o seu ‘Morrer pela pátria’; os operários,
sem pão e sem armas, rangiam os dentes segurando a raiva.’” Cit. em Gustav Mayer, Friedrich
Engels, vol. I, Friedrich Engels in seiner Frühzeit, Berlim, 1933, p. 317. 24
[a 17a. 2]
Durante a Insurreição de Junho, Engels considerava “o Leste e o Oeste de Paris os símbolos
dos dois grandes campos inimigos em que se dividiu aqui a sociedade inteira pela primeira
vez”. Gustav Mayer, Friedrich Engels, vol. I, Friedrich Engels in seiner Frühzeit, Berlim,
1933, p. 312.
[a 17a, 3]
Marx chama a revolução de “nosso bom amigo, nosso Robin Hood, a velha toupeira que
sabe trabalhar tão rapidamente sob a terra — a revolução”. No mesmo discurso, ao final:
“Na Idade Média havia na Alemanha um tribunal secreto, o Femgericht, para vingar os
desmandos dos poderosos. Quando se via um sinal vermelho em uma casa, aquilo significava
que seu proprietário caíra nas garras do Femgericht. Hoje há em todas as casas da Europa
uma misteriosa cruz vermelha. A própria história é o juiz — e quem executa a sentença é o
proletariado.” Karl Marx, “Die Revolutionen von 1848 und das Proletariat”, discurso
proferido durante a comemoração do quarto aniversário de Peoples Paper, que o publicou
em 19 de abril de 1856 [em Karl Marx ais Denker, Mensch und Revolutionãr, ed. org. por
D. Rjazanov, Viena-Berlim, 1928, pp. 42 e 43].
[a 17a, 4]
Marx defende Cabet contra Proudhon, considerando-o “respeitável devido à sua posição
prática diante do proletariado”. Marx a Schweitzer, Londres, 24 dc janeiro dc 1865, in:
Karl Marx e Friedrich Engels, Ausgewühlte Briefe, ed. org. por V. Adoratskij, Moscou-
Leningrado, 1934, p. 143.
Ta 18, 1]
Marx a respeito de Proudhon: “A Revolução de Fevereiro foi, de fato, muito inoportuna
para Proudhon, pois justamente algumas semanas antes ele havia comprovado de maneira
irrefutável que a era das revoluções’ estava encerrada para sempre. Embora tenha demonstrado
uma limitada compreensão da situação existente, seu discurso na Assembléia Nacional
merece elogios. Foi um ato de grande coragem depois da Insurreição de Junho. Além disso,
de teve uma conseqüência feliz, já que o Sr. Thiers, em seu discurso contra as propostas de
24 Em 15 de maio de 1848, após uma manifestação em favor da Polônia, uma multidão invadiu o recinto
da recém-eleita Assembléia Constituinte, de maioria conservadora: a ordem foi restabelecida pela
Garde Nationale. 25 de junho foi o último dia em que a insurreição demonstrou seu poder; os
generais Bréa e Négrier, assim como o deputado Charbonnel foram mortos pelos rebeldes. Na manhã
seguinte, o general Cavaignac, depois de ter rejeitado as propostas de negociação dos rebeldes,
lançou contra eles um ataque esmagador em seu último reduto, no faubourg Saint-Antoine. (E/M)
772 ■ Passagens
Proudhon - depois publicado cm forma de brochura - demosrrou para toda a Europa
que o catecismo infantil servia de pedestal para este pilar espiritual da burguesia francesa.
Em comparação com o Sr. Thiers, Proudhon assumiu de fato as proporções de um colosso
antediluviano... Seus ataques contra a religião, contra a Igreja etc. tiveram um enorme
mérito local em uma época em que os socialistas franceses julgavam adequado mostrar,
através de sua religiosidade, sua superioridade em relação ao voltairianismo burguês do
século XVIII e ao ateísmo alemão do século X3X. Se Pedro, o Grande derrotou a barbárie
russa por meio da barbárie, também Proudhon fez o melhor que pôde para abater a
fraseologia francesa por meio de frases de efeito. Marx a Schweitzer, Londres, 13 de janeiro
de 1865, in: Karl Marx e Friedrich Engels, Ausgewiihlte Briefe, ed. org. por V. Adoratskij,
Moscou-Leningrado, 1934, pp. 143-144. ^ ^ ^
“Para o seu divertimento: no Journal des Économistes de agosto deste ano, foi publicado um
artigo sobre o comunismo..., onde se lê: ‘... O Sr. Marx é um sapateiro, assim como um
outro comunista alemão, Weitling, é um alfaiate... Marx não sai ... nunca ... das fórmulas
abstratas e evita abordar qualquer questão verdadeiramente prática. Segundo ele (veja este
disparate) a emancipação do povo alemão será o sinal da emancipação do gênero humano;
a cabeça dessa emancipação será a filosofia e seu coração será o proletariado. Quando tudo
estiver preparado, o galo gaulês anunciará a ressurreição germânica... Marx diz que é preciso
criar na Alemanha um proletariado universal (!!) a fim de realizar o pensamento filosófico
comunista.”’ Engels a Marx, por volta de 1 6 de setembro de 1846, in: Karl Marx e Friedrich
Engels, Briefwechsel, vol. I, 1844-1853, ed. org. pelo Instituto Marx-Engels-Lenin, Moscou-
Leningrado-Zurique, 1935, pp. 45-46. ^ ^ ^
“O esquecimento total da causalidade revolucionária e contra-revolucionária é consequência
necessária de qualquer reação vitoriosa.” Engels a Marx, Manchester, 18 de dezembro de
1868, a propósito dos livros de Eugène Ténot sobre o golpe de Estado de 1851; in: Karl
Marx e Friedrich Engels, Ausgewãhlte Briefe, ed. org. por V. Adoratskij, Moscou-Leningrado,
1934, p. 209.
r [a 18, 4]
Em feriados nacionais, certos objetos podiam ser resgatados gratuitamente das casas de penhor.
[a 18a, 1]
Laffitte se autodenomina “um cidadão de posses”. Cit. em Abel Bonnard, Les Moderes (da
série Le Drame du Présent , vol. I), Paris, p. 79.
[a 18a, 2]
“A poesia ... consagrou o grande erro de separar a força do Trabalho da Arte. Depois de
Alfred de Vigny, que maldizia a estrada de ferro, Verhaeren invectiva contra as Cidades
Tentaculares. A poesia fugiu das formas da civilização moderna... Ela não soube ver que em
qualquer atividade humana a arte tem elementos a sua disposição, e que ela se enfraquece
quando nega a tudo o que a circunda a possibilidade de inspirá-la. Pierre Hamp, La
littérature, image de la société”, in: Encyclopédie Française, vol. XVI, Arts et Littératures dans
la Société Contemporaine, tomo 1, p. 64, 2.
^ [a 18a, 3]
a
'Movimento Social J 773
“De 1852 a 1865, a França concedeu a outros países empréstimos no valor de 4 bilhões e
meio... Os operários foram atingidos pelo desenvolvimento econômico de maneira ainda
mais imediata do que os republicanos burgueses. As conseqüências do rratado de comércio
com a Inglaterra e o desemprego na indústria de algodão, provocado pela Guerra de Secessão
americana, fizeram com que eles percebessem que sua própria situação dependia diretamente
da situação econômica internacional.” S. Kracauer, Jacques Offenbach und das Paris seiner
Zeit, Amsterdam, 1937, pp. 328 e 330.
[a 18i,41
O hino à paz de Pierre Dupont
de 1878.
ainda era cantado nas ruas durante a Exposição universal
(a 18a, 51
Em 1852, fundação do Crédit Mobilier (Péreire), para financiar as estradas de ferro, do
Crédit Foncier e do Bon Marche.
[a 18a, 6]
“Sob a influência da oposição à democratização do crédito estimulada pelos saint-simonianos,
teve início, a partir do ano de crise de 1857, uma série de processos financeiros, que
tratavam de um grande número de casos de corrupção, falências fraudulentas, abuso de
confiança e aumento artificial de preços. O processo contra Mirès, que começou em 1861
c se arrastou por anos a fio, provocou grande sensação.” S. Kracauer, Jacques OJJenbach und
das Paris seiner Zeit, Amsterdam, 1937, p- 262.
la 18a, 71
Luís Filipe a Guizot: “Jamais conseguiremos realizar nada na França, e aproxima-se o dia
em que meus filhos não terão pão para comer.” S. Kracauer, Jacques OJJenbach und das Paris
seiner Zeit, Amsterdam, 1937, p. 139.
[a 18a, 8]
Muitos manifestos precederam o Manifesto Comunista. (Por exemplo, o Manifeste de la
Démocratie Pacifique, de Consideram, em 1 843-)
J 1 [a 19, 1]
Fourier considera os sapateiros “pessoas tão polidas quanto as outras, quando reunidas
numa associação”. Fourier, Le Nouveau Monde Indmtriel et Sociétaire, Paris, 1829, p. 221.
la 19, 2}
Em 1822, a França possuía apenas 16.000 eleitores passivos e 110.000 eleitores ativos. De
acordo com a lei de 1817, era possível tornar-se um eleitor passivo aquele que tivesse 40
anos e pagasse 1.000 francos de impostos diretos; e um eleitor ativo aos 30 anos, com o
pagamento de 300 francos de impostos diretos. (Contribuintes inadimplentes tinham
que hospedar um homem (soldado?) e garantir seu sustento até o pagamento dc suas
dívidas.)
[a 19, 3]
25 Lei eleitoral de 8 de fevereiro de 1817. Os eleitores passivos eram elegíveis como membros da Câmara dos
Deputados; os eleitores ativos tinham o direito de votar em deputados. O objetivo dessa lei era abrir o
acesso da nova elite financeira ao poder. (J.L.; E/M)
7J4 ■ Passagens
Proudhon sobre Hegel: “A antinomia não se resolve: eis o vício fundamental de toda a
filosofia hegeliana. Os dois termos do qual ela se compõe se equilibram... Um equilíbrio
não é uma síntese.” “... Não nos esqueçamos”, complementa Cuvillier, “que Proudhon foi
contador durante muito tempo”. Em outra passagem, Proudhon fala dos pensamentos
que determinam sua filosofia como “idéias elementares, comuns à manutenção dos livros
e à metafísica”. Armand Cuvillier, “Marx et Proudhon”, in: À la Lumière du Marxisme,
vol. II, Paris, 1937, pp. 180-181.
U 19, 4]
Em Die heilige Familie, Marx afirma que o princípio enunciado por Proudhon no texto
seguinte já tinha sido apresentado em 1830 pelo economista inglês Sadler. Proudhon diz:
‘“Esta força imensa, que resulta da união e da harmonia dos trabalhadores, da convergência
e da simultaneidade de seus esforços, o capitalista não a pagou.’ Foi assim que 200
granadeiros conseguiram, em algumas horas, erguer na Place de la Concorde o obelisco de
Luxor, enquanto um só, trabalhando 200 dias, não teria chegado a nenhum resultado.
‘Separai os operários uns dos outros, e pode ser que a jornada paga a cada um ultrapasse o
valor de cada produto individual; mas não é disso que se trata. Uma força de mil homens,
agindo durante vinte dias, foi paga como a força de um só seria paga durante 55 anos; mas
essa força de mil fez em vinte dias o que a força de um só, repetindo seu esforço durante um
milhão de séculos, não conseguiria concluir: será que este é um negócio justo?’” Armand
Cuvillier, “Marx et Proudhon”, in: À la Lumiere du Marxisme, vol. II, Paris, 1937, p. 196.
[a 19, 5]
Diferente de Saint-Simon e Fourier, Proudhon não se interessa pela história. “A história da
propriedade, nas nações antigas, não é mais para nós senão um caso de erudição e de
curiosidade.” (Cit. em Cuvillier, “Marx et Proudhon”, in: op. cit., p. 201 .) O conservadorismo
associado à falta de sentido histórico é tão pequeno-burguês quanto o conservadorismo
associado ao sentido histórico é feudal.
[a 19a, 1]
A apologia do golpe de Estado em Proudhon: ela se encontra em sua carta a Luís Napoleao,
de 21 de abril de 1858, na qual ele afirma sobre o princípio dinástico “que esse princípio,
que antes de 1789 não era senão a encarnação do direito divino ou do pensamento religioso
numa família eleita..., é hoje, ou pode ser definido como ... a encarnação do direito humano
ou do pensamento racional da revolução numa família eleita”. Cit. em Armand Cuvillier,
“Marx et Proudhon”, in: A la Lumière du Marxisme, vol. II, parte 1, Paris, 1937, p. 219.
[a 19a, 2]
Cuvillier apresenta Proudhon como precursor de um “socialismo nacional”, no sentido do
fascismo.
[a 19a, 3]
“Proudhon pensou que fosse possível suprimir os lucros sem trabalho e a mais-valia sem
mudar a organização da produção... Proudhon concebeu esse sonho insensato de socializar
a troca num meio de produção não-socializado.” A. Cuvillier, “Marx et Proudhon”, in: À la
Lumière du Marxisme, vol. II, parte 1, Paris, 1937, p. 210.
[a 19a, 4]
a
[Movimento Sociai ] 775
“O valor medido pelo trabalho ... é ..., aos olhos de Proudhon, o próprio objetivo do
progresso. Para Marx é bem diferente. A determinação do valor pelo trabalho não é um
ideal, é um fato: ela existe em nossa sociedade atual.” Armand Cuvillier, “Marx et Proudhon”,
in: À la Lumière du Marxisme, vol. II, parte 1, Paris, 1937, p. 208.
[a 19a, 5]
Proudhon manifestou-se sobre Fourier de maneira extremamente malévola, e expressou
opiniões não menos desdenhosas sobre Cabet. Marx discordou energicamente desta atitude,
pois via em Cabet um homem muito respeitável por seu papel político junto ao operariado.
[a 19a, 6]
Exclamação de Blanqui ao adentrar o salão de M Uc de Montgolfier na noite de 19 de julho
de 1830: “Os Românticos foram derrotados!”
[a 19a, 7]
<fase tardia>
Início da Insurreição de Junho: “Em 19 de junho, anuncia-se a dissolução das oficinas
nacionais como iminente; a multidão se aglomera ao redor do Hotel de Ville. Em 21 de
junho, o Moniteur anuncia que, no dia seguinte, os operários de dezessete a vinte anos
seriam alistados no exército ou encaminhados para a Sologne, ou para outras regiões. Foi
este último expediente que mais exasperou os operários parisienses. Todos esses homens,
habituados a um trabalho manual qualificado, diante de uma bancada ou de um tomo,
recusaram a idéia dc ir revolver terras e abrir esrradas numa região pantanosa. Um dos
gritos da insurreição foi: ‘Não partiremos! Não partiremos!’” Gustave Geffroy, ÜEnfermé,
Paris, 1926, vol. I, p. 193.
[a 20, 1]
Blanqui no Libérateur de março de 1834: “Ele demoliu com uma comparação o famoso
lugar comum: ‘Os ricos colocam os pobres para trabalhar.’ ‘Mais ou menos’, disse ele,
como os fazendeiros colocam os negros para trabalhar, com a diferença que o operário não
é um capital para ser administrado, como o era o escravo’.” Gustave Geffroy, ÜEnfermé,
Paris, 1926, vol. I, p. 69.
[a 20, 2]
Propostas de Garat, de 2 de abril de 1848: “Instalação de um cordon sanitaire [cordão de
isolamento] em volta das residências dos ricos, que são destinados a morrer de fome.”
Gustave Geffroy, ÜEnfermé, Paris, 1926, vol. I, p. 152.
[a 20, 3J
Refrão de 1848:
“Tire o chapéu diante do casquete.
De joelhos diante do operário!”
[a 20, 4]
776 ■ Passagens
50.000 operários na Insurreição de Junho em Paris.
[a 20. 53
Proudhon se autodefine como um “homem novo, homem de polêmica, não de barricadas;
homem que poderia ter alcançado seu objetivo jantando todos os dias com o prefeito de
polícia e mantendo todos os De la Hodde do mundo como confidentes”. Isto em 1850.
Cit. em Gustave GefFroy, LEnfermé, Paris, 1926, vol. I, pp. 180-181.
[a 20, 6]
“Sob o Império, e até o seu fim, houve uma renovação e um desenvolvimento das idéias do
século XVIII... Nesse tempo, muitos se declaravam facilmente ateus, materialistas,
positivistas; o republicano vagamente religioso, ou assumidamente católico, em 1848,
tornou-se uma curiosidade.” Gustave GefFroy, LEnfermé, Paris, 1897, p. 247.
[a 20. 7]
Blanqui, durante o interrogatório do processo da Societè des Amis du Peuple, respondendo
às perguntas do presidente: ‘“Qual a sua profissão?’ — Blanqui: ‘Proletário.’ — O presidente:
‘Isso não é uma profissão.’ - Blanqui: ‘Como não?! Não é uma profissão?! Pois é a profissão
de trinta milhões de franceses que vivem de seu trabalho e que estão privados de direitos
políticos.’ — O presidente: ‘Pois bem! que seja. Escrivão, escreva que o acusado é proletário. ”
Défense du Citoyen Louis Auguste Blanqui Devant la Cour dAssises, 1832, Paris, 1 832, p. 4.
[a 20, 8]
Baudelaire a respeito de Rimes Héroiques, de Barbier: “Aqui, falando francamente, toda a
loucura do século irrompe e explode em sua inconsciente nudez. Sob o pretexto de fazer
sonetos em honra dos grandes homens, o poeta cantou o pára-raio e a máquina de tecer. É
fácil adivinhar a que extraordinário ridículo essa confusão de idéias e de funções poderia
nos levar.” Baudelaire, LArt Romantique, vol. III, Paris, Éd. Hachette, p. 336. 26
[a 20a, 1]
Blanqui, em sua Défense du Citoyen Louis Auguste Blanqui Devant la Cour dAssises, 1832,
Paris, 1832, p. 14: “‘O senhor confiscou os fuzis de julho.’ - ‘Sim, mas as balas partiram.
Cada bala dos operários parisienses está a caminho para dar a volta ao mundo .”
[a 20a, 2]
“O homem de gênio representa ao mesmo tempo a maior força e a maior fraqueza da
humanidade... Ele prega às nações que o interesse do fraco e o interesse do gênio se
confundem, que não se pode atingir um sem atingir o outro, e que o último limite da
perfeição só será alcançado quando o direito do mais fraco tiver substituído sobre o trono o
direito do mais forte.” Auguste Blanqui, Critique Sociale, Paris, 1885, vol. II, Fragments et
Notes, p. 46 (“Propriété intellectuelle” — 1867 — Conclusão!).
[a 20a, 3]
Sobre os aplausos com que Lamartine saudou Rothschild: “O Sr. Lamartine, este capitão
Cook da política a longo prazo, este Sindbad, o Marujo, do século XIX, ... este viajante não
menos errante que Ulisses, porém mais feliz, porque pegou as sereias como tripulação de
seu navio e passeou pelas praias de todos os partidos com a música tão variada de suas
convicções, o Sr. de Lamartine, em sua odisséia sem fim, acaba de encalhar docemente sua
26
Baudelaire, OC II, p. 145. (R.T.)
a
[Movimento Social ] 777
barca eólica sob os pórticos da Bolsa de Valores.” Auguste Blanqui, Critique Sociale, Paris,
1885, vol. II, p. 100 (“Lamartine et Rothschild”, abril de 1850).
[a 20a, 4]
Doutrina de Blanqui: “Não! Ninguém sabe nem detém o segredo do futuro. Somente
alguns pressentimentos, golpes de vista, vislumbres vagos e fugidios, são possíveis aos mais
clarividentes. Apenas a Revolução, aplainando o terreno, iluminará o horizonte, levantará
pouco a pouco as velas, abrirá as estradas, ou melhor, as trilhas múltiplas que conduzem à
ordem nova. Aqueles que pretendem ter no bolso o mapa completo dessa terra desconhecida,
estes são insensatos.” Auguste Blanqui, Critique Sociale , Paris, 1885, vol. II, pp. 115-116
(“Les Sectes et la Révolution”, outubro de 1866).
[a 20a, 5]
Parlamento de 1849: “Em um discurso pronunciado na Assembléia Nacional, em 14
de abril, o Sr. Considérant, discípulo ... de Fourier, dizia: ‘Os tempos da obediência
passaram: os homens se sentem iguais, querem ser livres: eles não acreditam mais e
querem fruir, eis o estado das almas.’ — ‘O Sr. quer dizer — o estado dos brutos!’,
interrompeu o Sr. de Larochejaquelein.” L. B. Bonjean, Socialisme et Sens Commun,
Paris, maio de 1849, pp. 28-29.
[a 21, 1]
“O Sr. Dumas (do Institut) exclama: ‘A poeira ofuscante das loucas teorias levantadas pelo
ciclone de Fevereiro dissipou-se no ar, e, por trás dessa nuvem desvanecida, reaparece o ano
de 1844 com sua majestosa figura e sua sublime doutrina dos interesses materiais.’” Auguste
Blanqui, Critique Sociale , Paris, 1885, vol. II, p. 104 (“Discours de Lamartine”, 1850).
[a 21, 2]
Blanqui, no ano de 1850, redige um texto polêmico: “Relatório gigantesco deThiers sobre
a assistência pública.”
[a 21, 3]
“A matéria assumirá ... a figura de um ponto no céu? Ou se contentará com mil, dez mil,
cem mil pontos que aumentariam de modo insignificante seu magro domínio? Não, sua
vocação e sua lei é o infinito. Ela não se deixará ultrapassar pelo vazio. O espaço não se
tornará seu cárcere.” A. Blanqui, UEternité par les Astres: Hypothese Astronomique,
Paris, 1872, p. 54.
[a 21, 4]
No fim de uma assembléia, nos primeiros dias da Terceira República: “Louise Michel
anunciou que iam pedir esmolas para as mulheres e os filhos dos prisioneiros. ‘O que nós
vos pedimos’, disse ela, hão é um ato de caridade, mas um ato de solidariedade, porque
aqueles que fazem caridade sentem-se depois orgulhosos e contentes; mas nós, nós não
estamos nunca satisfeitos’.” Daniel Halévy, Pays Parisiens , Paris, 1932, p. 165-
[a 21, 5)
Nouvelle Némésis, de Barthélemy (Paris, 18 44), contém no capítulo XVI (“Os trabalhadores”)
uma “sátira” que defende com grande empenho as reivindicações do operariado. Barthélemy
já conhece o conceito de “proletário”.
[a. 21, 6]
775 ■ Passagens
Barricadas: “Às nove horas, em uma bela noite de verão, Paris - sem lampiões, sem boutiques ,
sem gás, sem veículos - oferecia um quadro único de desolação. À meia-noite, com as
pedras do calçamento amontoadas, com suas barricadas, seus muros em ruínas, suas mil
carruagens atoladas na lama, seus boulevards devastados, com suas mas negras e desertas,
Paris não se parecia com nada de conhecido; Tebas e Herculano seriam menos tristes:
nenhum ruído, nenhuma sombra, nenhum ser vivo, fora o operário imóvel que guardava a
barricada com seu fuzil e suas pistolas. Como moldura de tudo isso, o sangue da véspera e
a incerteza do amanhã.” Barthélemy e Méry, Llnsurrection: Po eme, Paris, 1830, pp. 52-53
(Nota). ■ Antiguidade parisiense ■
[cl 21 2L* 1]
“Quem poderia imaginar! Dizem que, irritados contra a hora,
Novos Josués, ao pé de cada torre,
Atiraram nos relógios para parar o dia.”
A este respeito, a nota: “Este é um traço único na história da insurreição; é o único ato de
vandalismo cometido pelo povo contra os monumentos públicos — e que vandalismo!
Como ele exprime bem o estado dos espíritos na noite de 28! 27 Com que raiva assistia-se
cair a sombra, e o impassível ponteiro que avançava para a noite como nos dias comuns! O
que há de mais singular neste episódio é que ele se deu na mesma hora em bairros diferentes;
não foi uma idéia isolada, um capricho excepcional, mas um sentimento quase geral.” 28
Barthélemy e Méry, Llnsurrection: Pobne Dedié aux Parisiens , Paris, 1830, pp. 22 e^ 52. ^
Na Revolução de Julho, pouco tempo antes que se afirmasse a bandeira tricolor, o estandarte
dos insurgentes era negro. Com ele cobriu-se o <corpo> feminino, sem dúvida o mesmo
que foi carregado à luz de tochas pelas ruas de Paris. 29 Cf. Barthélemy e Méry, Llnsurrection,
Paris, 1830, p. 51.
r fn 11o ^
Poesia da estrada de ferro:
“Sob o nível do trilho é preciso que cada um passe;
Por toda parte, onde o vagão corta o livre espaço,
Não se distinguem mais os pequenos e os grandes:
A igualdade do solo iguala os estratos.”
Bardiélémy, Nouvelle Némésis, XII, La vapeur , Paris, 1845, p- 46.
Início do prefácio de Tissot: De la Manie du Suicide et de 1’Esprit de Révolte : “É impossível
não ficar chocado com dois fenômenos morais que são como a expressão de um mal que
agora atinge de maneira particular os membros e o corpo da sociedade: queremos falar do
Suicídio e da Revolta. Impaciente com toda lei, descontente com toda posição, o homem de
27 28 de julho de 1830 foi o segundo dos três dias de insurreição, conhecidos como “os três dias
gloriosos" ( les trois gloríeuses) da Revolução de Julho. (E/M)
28 Cf. a tese XV de W. Benjamin, "Über den Begriff der Geschichte", GS I, 702; Teses, p. 123. (w.b.)
29 Ver a 1, 3, embora esta passagem se refira à Revolução de Fevereiro de 1848. (E/M)
a
[Movimento Social] 779
nosso tempo revolta-se igualmente contra a natureza humana e contra o homem, contra si
mesmo e contra a sociedade... Este homem do nosso tempo — e o francês, mais que qualquer
outro - depois de ter rompido violentamente com o passado ... e já assustado com um
futuro cujo horizonte lhe parece tão sombrio, mata-se, se for fraco..., sem fé ... no
melhoramento dos homens, e, sobretudo, numa providência que sabe tirar o bem do mal.
lissot, De la Manie du Suicide et de l‘Esprit de Révolte , Paris, 1 840, p. V O autor afirma em
seu prefácio que não conhecia os livros de Frégier, Villermé e Degéraude quando elaborou
sua obra.
[a 22. 2]
A propósito de Méphis, de Flora Tristan: “Este nome de proletário’ que hoje se define de
maneira tão precisa, ... soava naqueles dias como algo de muito romântico e tenebroso. Era
o pária, o escravo das galés, o carbonaro, o artista, o regenerador, o adversário dos jesuítas.
De seu encontro com uma bela espanhola nascerá a mulher inspirada que deve redimir o
mundo.” Jean Cassou, Quarante-huit, Paris, 1939, p. 12.
[a 22, 3]
Blanqui, a respeito dos empreendimentos exóticos de Considérant e Cabet, fala de
experiências “num recôndito da espécie humana”. Cit. em Cassou, Quarante-huit, p. 41.
[a 22, 4]
O desemprego na Inglaterra entre 1850 e 1914 só ultrapassou uma vez os 8%. (Chegou a
16% em 1930.)
[a 22. 5]
“O tipógrafo Burgy, em seu livro Pré sen t et Avenir des Ouvriers , prega ... o celibato a seus
compagnons-, o quadro da condição proletária não estaria completo sem o traço da resignação
e do derrotismo.” Jean Cassou, Quarante-huit , Paris, 1939, p. 77-
[a 22a, 1]
Guizot em Du Mouvement et de la Résistance en Politique-, “Todo homem que, com uma
inteligência acima da média, não tem nem uma propriedade nem uma indústria, isto é,
que não quer ou não pode pagar um tributo ao Estado, deve ser considerado um homem
perigoso do ponto de vista político.” Cit. em Cassou, Quarante-huit , p. 152.
[a 22a, 2]
Guizot, em 1837, na Câmara: “Contra essa disposição revolucionária das classes pobres,
os senhores hoje não têm nenhuma outra garantia eficaz e poderosa - afora o uso da força
legal — a não ser o trabalho, a necessidade incessante do trabalho.” Cit. em Cassou,
Quarante-huit, pp. 152-153.
[a 22a, 3]
Blanqui na carta a Maillard: “Graças aos céus, há muitos burgueses no campo Proletário.
São eles que constituem a principal força, ou, pelo menos, a mais persistente. Eles trazem
nm contingente de luzes que o povo infelizmente não pode ainda fornecer. Foram os
Burgueses que ergueram primeiro a bandeira do Proletariado, que formularam as doutrinas
igualitárias, que as propagam, que as mantêm, e que as reerguem depois da queda. Por
toda parte, são os burgueses que conduzem o povo em suas batalhas contra a Burguesia.”
780 ■ Passagens
A passagem seguinte trata da exploração do proletariado como tropa de choque da política
burguesa. Maurice Dommanget, Blanqui à Belle-Ile, Paris, 1935, pp. 176-177.
“À miséria, terrível flagelo que vos atormenta sem cessar, é preciso opor um remédio
igualmente terrível, e o celibato parece o mais certo dentre os que a ciência social vem nos
indicar.” Após uma referência a Malthus: “Em nossos dias, o implacável Marcus [sem
dúvida: Malthus], sondando as sinistras conseqüências de um crescimento sem limites da
população..., ousou fazer a proposta de asfixiar as crianças que nascessem nas famílias
indigentes que já tivessem três crianças, e recompensar as mães pelo cumprimento de um
ato de tão cruel necessidade... Eis a última palavra dos economistas da Inglaterra!” Jules
Burev, Présent et Avenir des Ouvriers, Paris, 1847, pp. 30, 32-33.
u o*?- i
“Há sobre a terra um infernal tonel,
Chamam-no Paris; é uma grande estufa,
Uma fossa de pedra de imensos contornos
Que uma água amarela e lamacenta envolve triplamente;
É um vulcão fumegante e sempre ofegante
Que desloca em grandes ondas a matéria humana.”
Auguste Barbier, lambes et Poemes, Paris, 1845, p. 65 (“La cuve”).
[a 23, 1]
“A raça de Paris é o pálido vagabundo
De corpo franzino e pele amarela como um velho vintém;
E esta criança barulhenta que se vê a toda hora
Indolente e andarilha, longe de sua casa
Batendo nos magros cães ou ao longo dos grandes muros
Rabiscando entre assobios mil gararujos impuros;
Esta criança não tem fé, cospe em sua mãe,
O céu para ela é apenas uma farsa amarga.”
Auguste Barbier, lambes et Poemes, p. 68 (“La cuve”). Hugo já retocou estes traços com o
personagem de Gavroche. ^ ^ ^
b
[Daumier]
<fase média>
Uma descrição paradoxal da arte de Daumier: “A caricatura, para ele, tornou-se uma espécie
de operação filosófica que consistia em separar o homem daquilo que a sociedade fez dele,
para mostrar como ele era, fundamentalmente, o que ele poderia ter sido em um outro
meio; numa palavra, ele extraía o eu latente.” Edouard Drumont, Les Héros et les Pitres,
Paris, 1900, p. 299 (“Daumier”).
[b i, í]
Sobre o burguês de Daumier: “O guarda-chuva sobre o qual se apóia este ser ossificado,
inerte, cristalizado, à espera do ônibus, exprime algo como uma idéia de pcrrificação
absoluta.” Edouard Drumont, Les Héros et les Pitres, Paris, 1900, p. 304 (“Daumier”).
[b 1, 2]
“Muitos escritores ... ganharam lucro e renome ridicularizando os defeitos ou as imperfeições
dos outros. Quanto a Monnier, ele não foi procurar muito longe o seu modelo: plantou-se
diante do espelho, escutou a si mesmo, pensando e falando, e, achando-se enormemente
ridículo, concebeu esta cruel encarnação, esta prodigiosa sátira do burguês francês chamada
Joseph Prudhomme.” Alphonse Daudet, Trente Ans de Paris, p. 91-
tb 1, 3]
“A caricatura não só aumenta consideravelmente as técnicas do desenho...; sempre foi
também o meio de introduzir novos temas na arte. Graças a Monnier, Gavarni, Daumier,
a sociedade burguesa deste século foi descoberta para a arte.” Eduard Fuchs, Die Karikatur
der europaischen Vdlker, 4 a ed., Munique, 1921, vol. I, p. 16. 1
(b 1, 4]
“Em 7 de agosto de 1830, Luís Filipe foi proclamado ... rei, em 4 de novembro do mesmo
ano, apareceu o primeiro número de La Caricature, a revista criada por Philipon.” Eduard
Fuchs, Die Karikatur der europaischen Vdlker, Munique, vol. I, p. 326.
[b 1, 5]
Michelet teria apreciado ver uma de suas obras ilustrada por Daumier.
[bl,<5]
1 Cf. o ensaio de W. Benjamin, "Eduard Fuchs, der Sammler und der Historiker" (Eduard Fuchs, o
Colecionador e o Historiador), GS II, 465-505, especialmente 500-501. (J.L.; w.b.)
782 U Passagens
“Philipon inventou um novo tipo ... que lhe traria ainda mais popularidade do que suas
pêras: ‘Robert Macaire’, o üpo do especulador inescrupuloso. 2 Eduard Fuchs, Die Karikatur
der europãischen Vólker, Munique, vol. I, p. 354.
[b 1, 7]
“O último número de La Caricature, de 27 de agosto de 1835, foi dedicado à promulgação
das Leis de Setembro, que foram apresentadas sob a forma de pêras.” Eduard Fuchs, Die
Karikatur der europãischen Volker , vol. I, p. 352.
[b 1, 8]
Traviès, criador de Mayeux; Gavarni, criador de Thomas Vireloque; Daumier, criador de
Ratapoil - o lumpemproletário bonaparrisra.
(b 1, 9]
Em I o de janeiro de 1856, Philipon rebatiza o Journal pour Rire com o nome de Journal
Amusant.
[b 1, 10]
“Toda vez que um pároco ... exortava as moças de um vilarejo a não irem ao baile de
maneira nenhuma, e os camponeses a não freqüentarem o cabaré, os epigramas de Courier
subiam ao campanário e tocavam o sino para anunciar a chegada da inquisição na França.
Seus panfletos faziam assistir o país inteiro a esse sermão.” Alfred Nettement, Histoire de la
Littérature Française sous la Restauration, vol. I, Paris, 1858, p. 421.
[b la, 1]
“Mayeux ... é apenas uma imitação. Sob Luís XIV ... uma cerra dança a fantasia fazia furor:
crianças fantasiadas de velhos e munidas de uma enorme corcunda executavam essas grotescas
figuras. Era a chamada dança dos ‘Mayeux de Bretagne’. O Mayeux que se tornou guarda
nacional, em 1830, não era senão o descendente muito mal-educado daqueles antigos
Mayeux.” Edouard Fournier, Enigmes des Rues de Paris, Paris, 1860, p. 351.
[b la, 2]
Sobre Daumier: “Ninguém como ele conheceu e amou (à maneira dos artistas) o burguês,
este último vestígio da Idade Média, esta ruína gótica cuja vida é tão dura, este tipo ao
mesmo tempo tão banal e tão excêntrico.” Charles Baudelaire, Les Dessins de Daumier ,
Paris, 1924, p. 14. 3
[b la, 3]
Sobre Daumier: “Sua caricatura tem uma abrangência formidável, mas é sem ressentimento
e sem fel. Há em toda sua obra um fundo de honestidade e de bonomia. Muitas vezes -
notem bem este traço - recusou-se a tratar certos motivos satíricos muito belos ou muito
2 A pêra (o francês poire significa também "tolo"), que foi o emblema escolhido por Philipon para
caracterizar Luís Filipe, tornou-se uma ilustração famosa em livros de história durante várias gerações. -
O personagem Robert Macaire apareceu inicialmente no melodrama LAuberge desAdrets (1823), de
B. Antier, Saint-Amand e Paulyanthe. Com base na interpretação e recriação do papel pelo ator
Frédérick LemaTtre, Antier escreveu em 1834 uma peça em quatro atos, Robert Macaire, que foi
proibida. O personagem, que foi retratado também por Daumier - em duas séries de litografias, de
1836 a 1838 e de 1841 a 1843 -, deu origem à palavra "macairismo", sinônimo de especulação e
corrupção. (J.L.; E/M)
3 Baudelaire, OC II, p. 555. (J.L.)
b
[Daumier] 783
violentos, porque isso, dizia ele, ultrapassava os limites do cômico e poderia ferir a consciência
do gênero humano.” Charles Baudelaire, Les Dessins de Daumier, Paris, 1924, p. 16. 4
[b la, 4]
Sobre Monnier: “Mas que fontes prolíficas são esses observadores impiedosos e
imperturbáveis! O nome ... de Cibot, Balzac o tomou emprestado de Monnier, assim
como lhe tomou os nomes de Desroches e de Descoings. E Anatole France tomou dele o
nome de Madame Bergeret, como Flaubert já havia feito com o de ‘Monsieur Péguchet’,
transformando-o apenas ligeiramente.” Marie-Jeanne Durry, “De Monnier a Balzac”,
Vendredi, 20 mar. 1936, p. 5.
[b la, 5]
Quando surgiu Gavroche? De onde vem ele? De Les Misérablesí Abel Bonnard sobre o
“homem falsificado” — “bom apenas para provocar acontecimentos que não consegue
dominar”. “Esse tipo de indivíduo, constituído na nobreza, foi descendo e perdendo seu
lustro atravessando a sociedade inteira, até o momento em que aquilo que nascera na
espuma da superfície depositou-se no lodo do fundo. O que começou como ironia terminou
em escárnio. Gavroche não passa de um marquês de sarjeta.” Abel Bonnard, Le Drame du
Présent, vol. I, Les Modérés, Paris, 1936, p. 294.
[b la, 6]
<fase tardia>
“Daumier que, segundo Baudelaire, deu a Aquiles, a Odisseu e a outros heróis da mitologia
o aspecto de atores trágicos cansados, que cheiram uma pitada de rapé quando não se
sentem observados.” S. Kracauer, Jacques Offènbach und das Paris seiner Zeit , Amsterdam,
1937, p. 237.
[b 2, 1]
Fourier. “Não contentes em extrair de suas obras as inúmeras invenções burlescas que nelas
se encontram, os gazeteiros acrescentavam outras: como a história do rabo com um olho na
ponta, que ele teria atribuído aos homens da sociedade futura; ele protesta veementemente
contra essa invenção malévola.” F. Armand e R. Maublanc, Fourier, Paris, 1937, vol. I,
p. 58.
[b 2, 2]
A “École paienne” [Escola pagã] não é somente contrária ao espírito do cristianismo, mas
também ao da modernidade. No ensaio assim intitulado, 5 Baudelaire ilustra esse fato com
o exemplo de Daumier: “Daumier produziu uma obra notável, a série LiHistoire Ancienne,
que era, por assim dizer, a melhor paráfrase da célebre expressão: ‘Quem nos livrará dos
gregos e dos romanos?’ Daumier atacou brutalmente a Antigüidade e a mitologia, e cuspiu
sobre elas. E o ardente Aquiles, o prudente Ulisses, a sensata Penélope, e Telêmaco, este
grande tolo, a bela Helena, que causou a perda de Tróia, e a ardorosa Safo, esta patrona das
4 Op. c/t, pp. 556-557. (J.L.)
5 Op. c/t, pp. 44-49 ("L/École Paienne"). (w.b.).
UFPB
biblioteca central
784 ■ Passagens
histéricas - todos enfim, apareciam diante de nós numa feiúra burlesca, que lembrava as
velhas carcaças de atores trágicos que cheiram uma pitada de rapé nos bastidores.” Charles
Baudelaire, LArl Romantique, Paris, (ed. Hachette, tomo III), p. 305. 6
íb 2, 3]
Tipos: Mayeux (Traviès), Robert Macaire (Daumier), Prudhomme (Monnier).
lb 2, 4]
6 Op. c/f., pp. 46 e 556. (R.T.; J.L.)
d
[História LiterAria, Hugo]
“Thiers afirmava que a instrução, sendo um começo do bem-estar, e o bem-estar não
sendo reservado a todos’, não deveria estar ao alcance de todos. Por outro lado, ele considerava
os professores leigos ... responsáveis pelos acontecimentos de junho ... e se declarava ‘pronto
a entregar ao clero todo o ensino primário’.” 1 A. Malet e P Grillet, XIX Siècle, Paris, 1919,
p. 258.
M 1, H
25 de fevereiro de 1848: “À tarde, bandos armados vieram pedir a substituição da bandeira
tricolor pela bandeira vermelha... Lamartine, depois de um violento debate, conseguiu
dissuadi-los com um discurso de improviso, cuja peroração ficou famosa: ‘Recusarei até a
morte, exclamou ele, esta bandeira de sangue, e vocês deveriam repudiá-la mais que eu.
Porque a bandeira vermelha que vocês nos trazem nunca fez mais que a volta ao Champ de
Mars, arrastada no sangue do povo em 9 1 e 93, enquanto a bandeira tricolor fez a volta ao
mundo com o nome, a glória e a liberdade da Pátria.’” A. Malet e E Grillet, XIX Siècle ,
Paris, 1919, p. 245.
[d 1,2]
“Num admirável artigo intitulado ‘Le départ’, Balzac deplorava a queda dos Bourbons,
que significava para ele o luto das artes e o triunfo dos charlatões políticos. Evocando o
navio que levava o rei, exclamava: ‘Ali está o direito e a lógica, fora desse esquife só há
tempestades.”' J. Lucas-Dubreton, Le Comte dArtois, Charles X, Paris, 1927, p. 233.
[d 1, 3]
“Quem conhece os títulos de todos os livros que Dumas assinou? Será que ele próprio os
conhece? Se ele não manteve um registro com duas colunas, a de débito e a de crédito,
evidentemente ele terá se esquecido ... de mais de um desses filhos, de quem ele é o pai
legítimo, ou o pai natural, ou o padrinho. As produções desses últimos meses somam mais
de trinta volumes.” Paulin Limayrac, “Du roman actuel et de nos romanciers”, Revue des
Deux Mondes, XI, Paris, 1845, n° 3, pp. 953-954.
[d 1, 4J
Irônico: “Feliz idéia a que teve Balzac, de predizer uma revolta camponesa e pedir o
restabelecimento do feudalismo! Mas o que vocês esperavam? É a sua idéia de socialismo.
Madame Sand tem a dela, e Monsieur Sue, uma terceira: assim, cada romancista tem o seu
1 Referência à insurreição de junho de 1848 e à lei Falloux (março de 1850), que deu à Igreja católica a
liberdade de criar e manter instituições de ensino primário e secundário, (w.b.)
78b ■ Passagens
socialismo.” Paulin Limayrac, “Du roman actuel et de nos romanciers”, Revue des Deux
Mondes, XI, Paris, 1845, n° 3, pp. 955-956.
“O cidadão Hugo fez sua estréia na tribuna da Assembléia Nacional. Ele foi aquele que
havíamos previsto: um construtor de frases e de gestos, um orador de palavras retumbantes
e vazias; perseverando na via pérfida e caluniadora de sua última propaganda, falou dos
desempregados, da miséria, dos ociosos, dos preguiçosos, dos lazarones, dos pretorianos da
revolta, dos condoltieri - numa palavra, abusou da metáfora para desferir um ataque contra
as oficinas nacionais.” Les Boulets Rouges: Feuille du Club Pacifique des Droits de 1’Homme ,
redator-chcfe: Pélin, ano I, 22-25 jun. [1848] (“Faits divers ).
[d la. 1]
“Como se Lamartine tivesse imposto a si mesmo a tarefa de confirmar o princípio de
Platão, segundo o qual os poetas deveriam ser expulsos da república ... não se pode deixar
de sorrir ao ler a narrativa ingênua do autor acerca de um operário que, no meio de uma
massa de manifestantes diante do Hôtel de Ville, gritava ao orador: ‘Você não passa de uma
lira, vá cantar!’” Friedrich Szarvady, Paris, 1848-1852, vol. I, Berlim, 1852, p. 333.
[d la, 2]
Chateaubriand: “Ele pôs na moda a tristeza vaga ... ‘o mal do século’” A. Malct e P. Grillet,
XDC Siècle , Paris, 1919, p. 145.
íd la, 31
<fase média>
“Nós gostaríamos muito... Este desejo, este pesar, Baudelaire foi seu primeiro intérprete,
ao pronunciai- duas vezes, em LArt Romantique, o elogio inesperado de um poeta de seu
tempo, o autor de um ‘Chant des ouvriers’, Pierre Dupont, que, conforme nos diz, ‘depois
de 1848, alcançou uma grande glória. A especificação dessa data revolucionária é muito
importante aqui. Sem essa indicação, seria difícil compreender a defesa da poesia popular
e da arte ‘inseparável da utilidade’, feita por um escritor que pode se passar como o grande
artífice da ruptura da poesia e da arte com as massas... 1848 é a hora em que, sob as janelas
de Baudelaire, a rua se põe verdadeiramente a fremer, em que o espetáculo interior perde
obrigatoriamente em magnificência para o espetáculo de fora para quem encarna, no mais
supremo grau, a preocupação com a emancipação humana sob todas as suas formas e
também, infelizmente, a consciência de tudo o que pode haver de ridiculamente ineficaz
só nessa aspiração, na qual o dom do artista e do homem se faz total - a colaboração
anônima de Baudelaire nos números de 27 e 28 de fevereiro do Salut Public o atesta
suficientemente... Essa comunhão do poeta, do artista autêntico, com uma vasta classe de
homens movidos pela sede ardente de sua libertação, mesmo parcial, tem toda chance de
se produzir espontaneamente nas épocas de grande efervescência social, quando ele põe
suas reservas de lado. Rimbaud, em quem a reivindicação humana tende, no entanto ... a
seguir um curso ilimitado, coloca de imediato toda a sua confiança e todo o seu impulso
d
[História Literária, Hugo] 787
mal na Comuna. Maiakovski manteve calado dentro de si, por um longo tempo — até o
momento de explosão aquilo que, originado do sentimento individual, deixaria de
conduzir à glória exclusiva da Revolução bolchevique triunfante.” André Breton, “La grande
ar m a i ité poétique”, Minotaure, II, n° 6, inverno de 1935, p. 61.
[d 2, 1]
“O progresso é o próprio passo de Deus.” Victor Hugo, “Anniversaire de la révolution de
1848”, 24 de fevereiro de 1855 (a Jersey 2 ), p. 14.
[d 2, 2]
“Victor Hugo é o homem do século XIX, como Voltaire foi o homem do século XVIII.”
“Eis que o século XIX se fecha antes de seu fim. Seu poeta está morto.” Necrológio de
Hugo em Le National Républicain de lArdècbe e Le Phare des Charmtes [ Victor Hugo Devant
rOpinion, Paris, 1885, pp. 229 e 224].
[d 2. 3]
“Crianças das escolas da França,
Alegres voluncárias do progresso,
Sigamos o povo e sua ciência,
Vaiemos Malthus e suas sentenças!
Iluminemos as novas estradas
Que o trabalho quer abrir:
O socialismo tem duas asas:
O estudante e o operário.”
Pierre Dupont, Le Chant des Étudiants, Paris, 1 849.
[d 2a, 1]
A. Michiels, em Histoire des Idees Littéraim en France au XDV Siècle, Paris, 1 863, vol. II,
oferece, com sua descrição de Sainte-Beuve, uma excelente apresentação do escritor
reacionário de meados do século.
[d 2a, 2]
“Fiz soprar um vento revolucionário.
Coloquei um boné vermelho no velho dicionário.
Chega da palavra senador! Chega da palavra plebeu!
Fiz uma tempestade no fundo do tinteiro.”
Victor Hugo, cit. em Paul Bourget, necrológio de Victor Hugo no Journal des Débats
[Victor Hugo Devdnt 1’Opinion, Paris, 1885, p. 93].
W 2a, 3]
Sobre Victor Hugo: “Ele foi ... o poeta, não de seus próprios sofrimentos ... mas das paixões
daqueles que o cercavam. As vozes plangentes das vítimas do Terror ... passaram por suas
Odes... Depois, o som das vitórias napoleônicas repercutiu em outras odes... Mais tarde ele
se deixaria comover pelo grito trágico da democracia militante. E o que é a Legende des
Siècles ... senão o eco do vasto clamor da história humana?... Parece que ele recolheu o
suspiro de todas as famílias em seus versos sobre o lar, o sopro de todos os amantes em seus
2 Ilha no Canal da Mancha onde Victor Hugo ficou exilado de 1852 a 1855. (w.b.)
ygg m Passagens
versos de amor... É assim que ... graças a um não sei quê de coletivo e geral, a poesia de
Victor Hugo tem algo como um caráter de epopéia.” Paul Bourget, necrológio de Victor
Hugo no Journal des Débats [Victor Hugo Devant lOpinion, Paris, 1885, pp. 96-97]^
£ significativo que o prefácio a Mademoiselle de Maupin' pareça apontar para a arte pela
arte. “Um drama não é uma estrada de ferro.”
|d 2a, 5J
Gautier sobre a imprensa: “Somente Charles X havia compreendido bem a questão.
Ordenando a supressão dos jornais, prestava um grande serviço às artes e à civilização. Os
jornais são espécies de corretores ou velhacos que se interpõem entre os artistas e o público,
entre o rei e o povo... Esses berreiros perpétuos ... lançam uma tal desconfiança ... nos
espíritos, que ... a realeza e a poesia, as duas coisas mais grandiosas do mundo, tornam-se
impossíveis.” Cit. em A. Michiels, Histoire des Idées Littéraires en France au XIX' Siècle, Paris,
1863, vol. II, p. 445. Esta atitude fez com que Gautier ganhasse a amizade de Balzac.
r W 3, 1]
“Em seus arroubos de ódio [contra os críticos], o Sr. Théophile Gautier nega todo progresso,
mesmo no que diz respeito à literatura e à arte, como seu mestre Victor Hugo.” A. Michiels,
Histoire des Idées Littéraires en France au XIX Siècle, Paris, 1863, vol. II, p. 444.
[d 3, 2]
“O vapor matará os canhões. Daqui a duzentos anos — ou bem antes, talvez — grandes
exércitos vindos da Inglaterra, da França e da América ... descerão na velha Ásia sob o
comando de seus generais; suas armas serão enxadas, seus cavalos, locomotivas. Eles se
lançarão cantando sobre essas terras incultas e inaproveitadas... É assim, talvez, que se fará
mais tarde a guerra contra todas as nações improdutivas, em virtude deste axioma da
mecânica, verdadeiro para todas as coisas: não deve haver forças perdidas!” Maxime Du
Camp, Les Chants Modemes, Paris, 1855, p. 20 ( Préfàce ).
r M ^1
No prefácio de La Comédie Humaine , Balzac se coloca ao lado de Bossuet e de Bonald, e
escreve: “Escrevo à luz de duas Verdades eternas: a Religião e a Monarquia.”
Balzac sobre a imprensa, no prefácio da primeira edição de Un Grand Homme de Province
à Paris: “O público ignora quantos males assaltam a literatura em sua transformação
comercial... Outrora, o jornalismo ... exigia um certo número de exemplares ... além do
pagamento dos artigos que interessavam ... ao livreiro, que muitas vezes não os via
publicados... Hoje, esse duplo imposto aumentou com o preço exorbitante dos anúncios,
que custam tanto quanto a própria fabricação do livro... Conclui-se daí que os jornais são
funestos à existência dos escritores modernos.” Cit. em Georges Batault, Le Pontife de la
Démagogie: Victor Hugo, Paris, 1934, p. 229.
Por ocasião do debate na Câmara de 25 de novembro de 1848 — a repressão de junho —
Victor Hugo votou contra Cavaignac.
3 Romance de Théophile Gautier, publicado em 1835. (E/M)
d
'História Literária. Hugo] 789
“A multiplicação dos leitores é a multiplicação dos pães. No dia em que Cristo encontrou
esse símbolo, ele vislumbrou a imprensa.” Victor Hugo, William Shakespeare, cit. em Batauit,
Le Pontife de la Démagogie, Paris, 1934, p. 142.
íd 3, 7]
Maxime Lisbonne comenta o testamento de Victor Hugo em LAmi du Peuple. Início e fim
dessa apresentação: “Victor Hugo deixa 6 milhões de sua fortuna assim distribuídos:
setecentos mil francos para os membros de sua família. Dois milhões e quinhentos mil
francos para Jeanne e Georges, seus netos... E para os revolucionários que se sacrificaram
com ele pela República, desde 1 830, e que estão ainda neste mundo, uma renda vitalícia:
vinte centavos por dia!” Cit. em Victor Hugo Devant 1’Opinion , Paris, 1885, pp. 167-168.
ld 3a, 1]
Por ocasião do debate na Câmara dc 25 de novembro de 1 848, Victor Hugo votou contra
a repressão da revolta de junho por Cavaignac. Mas em 20 de junho, por ocasião da
discussão sobre as oficinas nacionais, ele cunhou a seguinte frase: “A Monarquia tinha os
ociosos, a República terá os vadios.”
[d 3a, 2]
Elementos “senhoriais” ainda aparecem na formação do século XIX. São características
estas palavras de Saint-Simon: “Empreguei meu dinheiro na aquisição da ciência; mesa
farta, bom vinho, muita atenção com os professores — para os quais minha bolsa estava
aberta — , proporcionavam-me todas as facilidades que poderia desejar.” Cit. em Maxime
Leroy, La Vie Véritable du Comte Henri de Saint-Simon , Paris, 1925, p. 210.
[d 3a, 3]
No que diz respeito à fisionomia do Romantismo, deve-se considerar em primeiro lugar a
litografia a cores do Cabinet des Estampes Sf. 39, tomo 2, que tenta fazer sua representação
alegórica.
[d 3a, 4]
Grasnira da época da Restauração, representando a multidão diante da loja de um editor.
Um cartaz anuncia que “O álbum para 1816” já está disponível. Legenda: “Tudo o que é
novo é sempre belo.” Cabinet des Estampes.
[d 3a, 5]
Litografia. Um pobre diabo observa com tristeza um jovem senhor que assina o quadro que
ek havia pintado. Título: Partiste et 1’amateur du XIX siècle [O artista e o amador do século
XIX]. Legenda: “Ele é meu, pois sou eu que assino.” Cabinet des Estampes.
[d 3a, 6J
litografia representando um pintor que caminha levando duas telas muito longas e estreitas,
nas quais pintou diversas guarnições e arranjos de peças de uma casa de carnes. Título: Les
«rir et la misère [As artes e a miséria]. “Dedicado aos Srs. Açougueiros.” Legenda: “O
homem das artes no embaraço de seu ofício.” Cabinet des Estampes.
[d 3a, 7]
Jacquot de Mirecourt publica Alexandre Dumas et Cie., Fabrique de Romans. Paris, 1845.
[d 3a, 8]
790 ■ Passagens
Dumas pai: “Em setembro de 1846, o ministro Salvandy lhe propôs que partisse para a
Argélia para escrever um livro sobre a colônia... Dumas ... que era lido - num cálculo
modesto - por cinco milhões de franceses, transmitiria certamente a 50 ou 60.000 mil
deles o gosto de colonizar... Salvandy ofereceu 10.000 francos para pagar as despesas de
viagem, Alexandie ainda exigiu ... um navio do Estado... Por que o Veloce, que deveria
embarcar prisioneiros liberados em Melilla, foi para Cádiz...? ...Os parlamentares ... se
lançaram sobre o incidente; e o Sr. de Castellane questionou a lógica de uma missão científica
ser confiada ... a um empresário de folhetins. A bandeira francesa foi rebaixada para proteger
sob sua sombra este senhor’; 40.000 francos foram gastos sem razão, e o ridículo foi
enorme.” O caso terminou a favor de Dumas, depois que ele teve sua proposta de duelo
recusada por Castellane. J. Lucas-Dubreton, La Vie d A lexandre Dumas Père, Paris, 1928,
pp. 146, 148-149.
[d 4, 1]
Alexandre Dumas, 1848. “Suas declarações ... são ... surpreendentes. Numa delas, dirigida
aos trabalhadores de Paris, enumera seus méritos como operário’, prova com números que,
em vinte anos, compôs quatrocentos romances e trinta e cinco peças de teatro, que
providenciaram meios de vida para 8.160 pessoas — tanto revisores e chefes de tipografia
quanto maquinistas, operárias e animadores de aplausos.” J. Lucas -Dubreton, La Vie
d’Alexandre Dumas Père, Paris, p. 167.
[d 4, 2]
“O boêmio de 1840 ... está morto e enterrado. - Ele existiu realmente? Ouvi dizer que
não. - Seja como for, em toda Paris, a esta altura, não encontrareis nenhum exemplar... Há
certos bairros, a maioria deles, em que o boêmio nunca armou sua tenda... O boêmio
pulula ao longo dos boulevards, da Rue Montmartre à Rue de Ia Paix... Menos frequentemente
no Quartier Latin, seu quartel-general de outrora... De onde vem o boêmio? Seria ele um
produto da ordem social ou da ordem natural?... A quem atribuir esta espécie: à natureza
ou à sociedade? Sem hesitar eu respondo: À natureza! Enquanto houver preguiçosos e
vaidosos, haverá boêmios.” Gabriel Guillemot, Le Bohême, Paris, 1869, pp. 11, 18-19,
111-112 ( Physionomies Parisiennes). Na mesma série, algo similar sobre as grisettes.
[d 4, 3]
Seria util acompanhar historicamente as “teses” da bohème. A atitude de um Maxime
Duchamps <Du Camp?>, que considera o sucesso uma prova da falta de qualidade artística,
deriva diretamente daquela expressa pela sentença “Não há nada de belo senão o que está
esquecido , que aparece na obra de Lurine, Le Treizième Arrondissement de Paris, Paris
1850, p. 190.
[d 4, 4]
Le Rafalers Club (Cercle des Rafàlés): “Ali, nenhum nome célebre: se um membro do Rafalers
se rebaixasse a ponto de tomar-se uma celebridade na política, na literatura ou nas artes, ele
era impiedosamente excluído.” Taxile Delord, Paris-Bohème, Paris, 1854, pp. 12-13.
[d 4 , 5]
Desenhos de Victor Hugo em sua casa na Place des Vosges n° 6, onde viveu de 1832 a
1848: Dolmen onde falou-me a boca da sombra-. Ogiva-, Meu destino (uma onda poderosa);
d
[História Literária, Hugo] 791
A vela foge, a rocha permanece (uma paisagem sombria com um rochedo à beira-mar; em
primeiro plano, um barco à vela); Ego Hugo ; V. H. (monograma alegórico); Rendas e espectro ;
um veleiro com a legenda “Exílio”, uma lápide com a inscrição “França” (correspondendo
a frontispícios de própria autoria em dois de seus livros); O burgo do anjo-. Vilarejo sob o luar,
Fracta sed invicta (destroços), um quebra-mar, o chafariz de Altdorf em torno do qual
parecem ter se concentrado todas as tempestades da terra.
[d 4a, 1]
“Tivemos o romance de bandidos purificados pela prisão, o romance de Vautrin e de Jean
Valjean; e não era para estigmatizá-los ... que os escritores evocavam esses tristes personagens...
E é numa cidade que conta com cento e vinte mil jovens vivendo clandestinamente do
vício, e cem mil indivíduos vivendo às custas dessas jovens; é numa cidade infestada de
delinqüentes, de assassinos, de ladrões, de fiutadores, de assaltantes, de olheiros, de cantores,
de filósofos, de cavaleiros pula-ventanas, de escavadores de túneis, de batedores de carteira,
de anjos da guarda, 4 de rapinadores e arrombadores — numa cidade onde vêm encalhar
todos os destroços da desordem e do vício, onde a menor centelha pode incendiar o populacho
sublimado, é aí que se fabrica esta literatura corruptora... Les Mystères de Paris, Rocambole e Les
Misérables.” Charles Louandre, Les Idées Subversives de Notre Temps, Paris, 1 872, pp. 35-37.
[d 4a, 2]
“O exemplar incompleto da Biblioteca Nacional é suficiente para avaliarmos a ousadia e a
novidade do empreendimento tentado por Balzac... O Feuilleton des Joumaux Politiques não
visava nada menos que a supressão das livrarias. Seria preciso organizar a venda direta do
editor ao comprador ... cada um teria seu benefício — o editor e o autor ganhando mais, e
o comprador pagando menos pelos livros. O acordo ... não deu resultado, sem dúvida
porque as livrarias se opuseram.” Louis Lumet, Introdução a Honoré de Balzac, Critique
Littéraire, Paris, 1912, p. 10.
[d 4a, 31
As três revistas de pouca duração que Balzac fundou: Le Feuilleton des Joumaux Politiques
(1830), La Chronique de Paris (1836-37), La Revue Parisienne (1840).
[d 4a, 4]
“A lembrança não tem valor senão como previsão. É assim que a história toma parte nas
ciências, em que a aplicação constata a cada instante sua utilidade.” Honoré de Balzac,
Critique Littéraire, com introdução de Louis Lumet, Paris, 1912, p. 117 (Resenha de Les
Deux Fous, de P. L. Jacob, bibliófilo).
[d 4a, 5]
“Não é dizendo aos pobres para não imitar o luxo dos ricos que se fará a classe pobre mais
feliz; não é dizendo às jovens para não se deixarem seduzir que se reprimirá a prostituição;
seria o mesmo que lhes dizer ‘...quando vocês não tiverem pão, tenham a complacência de
não ter fome.’ Mas a caridade cristã, como diriam, está aí para reparar todos esses males. Ao
que respondemos: a caridade cristã repara muito pouco, e não previne absolutamente
4 De acordo com o Dictionnaire dela Langue Verte, de Alfred Delvau (2 a ed., Paris, Emil Dentu, 1867), um
ange gardien é "um homem cujo trabalho ... consiste em acompanhar bêbados de volta à sua
residência, para evitar que sejam assaltados e roubados". (E/M)
792 ■ Passagens
nada.” Honoré de Balzac, Critique Littéraire , com introdução de Louis Lumet, Paris, 1912,
p. 131 (Resenha de Le Prêtre , Paris, 1830).
[d 5, 1]
“Em 1750, nenhum livro - nem mesmo se fosse FEsprit des Lois [O Espírito das Leis] 5 6 —
chegava às mãos de mais de três ou quatro mil pessoas... Hoje em dia, já foram vendidos
trinta mil exemplares das Premières Méditations de Lamartine, e sessenta mil livros de Béranger
em dez anos; trinta mil exemplares de Voltaire, de Montesquieu e de Molière já iluminaram
as inteligências.” Balzac, Critique Littéraire, com introdução de Louis Lumet, Paris, 1912,
p. 29 (“De 1’état actuel de la librairie”, espécime do Feuilleton des Journaux Politiques ,
publicado em UUniversel, 22-23 mar. 1830).
[d 5, 2]
Victor Hugo escuta a voz interior da multidão de seus ancestrais: “A multidão que ele
escutava, com admiração, em si mesmo, como anunciadora de sua popularidade, inclinou-o,
com efeito, para a multidão exterior, para os idola fori, b para o corpo inorgânico das
massas... Ele procurava no tumulto do mar pelo estrépito dos aplausos.” “Passou cinquenta
anos a disfarçar como amor do povo o seu amor pela confusão, por toda confusão, com a
condição de que ela fosse rítmica.” Léon Daudet, Les CEuvres dans les Hommes, Paris,
1922, pp. 47-48 e 11.
[d 5, 3]
Palavras de Vacquerie a respeito de Victor Hugo: “As torres de Notre-Dame eram o H de
seu nome”. Cit. em Léon Daudet, Les CEuvres dam les Hommes, Paris, 1922, p. 8.
[d 5, 4]
Renouvier escreveu um livro sobre a filosofia de Victor Hugo.
[d 5, 5]
Victor Hugo, em carta a Baudelaire - com referência específica aos poemas “Les sept
vieillards” e “Les petites vieilles”, ambos dedicados a Hugo (que forneceu o modelo para o
segundo poema, como comunica Baudelaire a Poulet-Malassis): “Você põe no céu da Arte
algo como um raio macabro. Você cria um frêmito novo.” Cit. em Louis Barthou, Autour
de Baudelaire , Paris, 1917, p. 42 (“Victor Hugo et Baudelaire”).
[d 5, 6]
Maxime Leroy, em Les Premiers Amis Français de Wagner, explica que o momento
revolucionário representou um papel importante na conversão de Baudelaire a favor de
Wagner. De fato, reunia-se em tomo das obras de Wagner uma fronda antifeudal. O fato
de o balé ter sido abolido de suas óperas escandalizou os aficionados do gênero.
(d 5, 7]
Extraído do ensaio de Baudelaire sobre Pierre Dupont: “Por tantos anos esperávamos um
pouco de poesia forte e verdadeira! Seja qual for o partido a que se pertença, sejam quais
forem os preconceitos que nos foram ensinados, é impossível não ficarmos tocados pelo
5 Neste tratado clássico de filosofia política, publicado pelo Barão de Montesquieu em 1 748, são definidas
as formas de governo da monarquia, da república e da tirania. O autor pleiteia a divisão dos três
poderes: o legislativo, o executivo e o judiciário, (w.b.)
6 "ídolos da praça pública", (w.b.)
d
[História Literária, Hugo]
793
espetáculo dessa multidão doentia respirando a poeira das oficinas, engolindo o pó do
algodão, impregnando-se de alvaiade, de mercúrio e de todos os venenos necessários à
criação das obras-primas; dormindo na sarjeta, nos fundos dos bairros em que as virtudes,
das mais humildes às mais grandiosas, aninham-se entre os vícios mais endurecidos e os
vômitos da prisão — essa multidão plangente e abatida, a quem a terra deve suas maravilhas ,
que vê um sangue vermelho e impetuoso correr em suas veias , que lança um longo olhar carregado
de tristeza sobre o sol e a sombra dos grandes parques, e que, como única consolação e
conforto, repete a plenos pulmões seu refrão salvador: Amemo-nos!.. d - “Virá um tempo
em que os sons dessa Marselhesa do trabalho circularão como uma palavra de ordem
maçónica, e em que o exilado, o abandonado, o viajante perdido, seja sob o céu ardente dos
trópicos, seja nos desertos de neve, ao ouvir essa forte melodia perfumar o ar com sua
essência original: ‘Nous dont la lampe le matin / Au clairon du coq se rallume, / Nous tous
quun salaire incertain, / Ramène avant 1’auhe à 1’enclume. . . ’ [Nós, cuja lâmpada pela manhã
/ Ao canto do galo se acende, / Nós todos, que um salário incerto, / Leva antes da aurora à
bigorna...] poderão dizer: não tenho mais nada a temer, estou na França.” - Sobre Le
Chant des Ouvriers : “Quando ouvi esse admirável canto de dor e de melancolia, fiquei
fascinado e comovido.” 7 Cit. em Maxime Leroy, Les Premiers Amis Français de Wagner,
Paris, 1925, pp. 51-53, 51.
[d 5a, 1]
Sobre Victor Hugo: “Ele colocou as urnas eleitorais sobre as tahles tournantes [mesas
giratórias].” 8 Edmond Jaloux, ‘Thomme du XIX e siècle”, Le Temps, 9 ago. 1935.
[d 5a, 2]
“Eugène Sue ... era, de cena forma, semelhante a Schiller: não só em razão de sua preferência
pela criminalística, pela colportagem e pela técnica maniqueísta, mas também por sua
inclinação para questões éticas e sociais... Balzac e Hugo consideravam-no um concorrente.”
Egon Friedell, Ktdturgeschichte der Neuzeit, vol. III, Munique, 1931, p. 149. Alguns estrangeiros,
como Rellstab, queriam ver a Rue aux Fèves, onde tiveram início os Mystères de Paris.
[d 5a, 3]
Sobre Victor Hugo: “Este antigo, este gênio único, este pagão único, este homem de gênio
sem igual era assolado por pelo menos um duplo político: um político de política, que o
fez democrata, e um político de literatura, que o fez romântico. Este gênio era corrompido
por seu(s) talento(s).” Charles Péguy, CEuvres Completes 1873-1914: CEuvres en Prose,
Paris, 1916, p. 383 (“Victor-Marie, com te Hugo”).
[d 6, 1]
A respeito de Victor Hugo: Baudelaire “acreditava na coexistência do gênio com a tolice”.
Louis Bardiou, Autour de Baudelaire, Paris, 1916, p. 44 (“Victor Hugo et Baudelaire”). No
mesmo sentido, antes do banquete organizado por ocasião do tricentenário do nascimento
de Shakespeare (23 de abril de 1864), ele fala do “livro de Victor Hugo sobre Shakespeare,
que, cheio de belezas e de tolices como todos os seus outros livros, talvez ainda desaponte
seus mais sinceros admiradores” (cit. em op. cit., p. 50). E: “Hugo, sacerdote, tem sempre
a cabeça inclinada, inclinada demais para enxergar alguma coisa além de seu umbigo.” (cit.
em op. cit., p. 57)
[d 6, 21
7 Baudelaire, OC II, p. 31. (J.L.)
8 Segundo a doutrina do espiritismo, as mesas giratórias transmitem mensagens dos espíritos, (w.b.)
794 ■ Passagens
A administração do Feuilleton des Joumaux Politiques oferecia certos livros abaixo do preço
oficial, sem intermédio das livrarias. Balzac orgulha-se da própria iniciativa, contra as
hostilidades dos opositores, e almeja consolidar por meio dela o contato direto entre editor
e público. No primeiro exemplar da publicação, Balzac apresenta a história do mercado
livreiro e editorial desde a revolução de 1789, encerrando-a com a seguinte exigência: “É
preciso, enfim, que se consiga que um livro seja fabricado exatamente como um pão, e seja
vendido como um pão; que não haja outro intermediário entre um autor e um consumidor
senão o livreiro. Então esse comércio será o mais seguro de todos... Quando um livreiro for
obrigado a gastar uma dezena de milhares de francos numa operação, ele não a fará de
forma arriscada nem mal planejada. Então eles perceberão que a instrução é uma necessidade
de sua profissão. Um vendedor que não sabe em que ano Gutemberg imprimiu a Bíblia
não imaginará que, para ser livreiro, basta apenas inscrever seu nome acima de uma loja.”
Honorc de Balzac, Critique Littéraire, com introdução de Louis Lumet, Paris, 1912, pp.
34-35.
[d 6, 3]
Pélin publica a carta de um editor que se declara disposto a comprar o manuscrito de um
autor com a condição de poder publicá-lo sob o nome de quem ele quisesse (“com a
condição ... de que ele seja assinado por uma pessoa cujo nome poderá ser para meu
negócio um elemento de sucesso”). Gabriel Pélin, Les Laitleurs du Beau Paris, Paris, 1861,
pp. 98-99.
[d 6, 4]
Honorários. Victor Hugo recebe 300.000 francos de Lacroix em troca da cessão dos direitos
sobre Les Misérables por 12 anos. “É a primeira vez que Victor Hugo recebe uma soma tão
elevada. ‘Em vinte e oito anos de trabalho intenso, diz o Sr. Paul Souday, com uma obra de
31 volumes ... ele havia embolsado ao todo 553.000 francos... Ele nunca ganhou tanto
quanto Lamartine, Scribe ou Dumas pai...’ Lamartine, de 1838 a 1851, recebeu algo em
torno de cinco milhões de francos, dos quais 600.000 foram pela Histoire des Girondins.’
Edmond Benoit-Lévy, “Les Misérables” de Victor Hugo , Paris, 1929, p. 108. Relação entre
ganhos e aspirações políticas.
“Quando Eugène Sue, depois de Les Mystères de Londres ... concebeu o projeto de escrever
Les Mystères de Paris, sua proposta básica era a de interessar o leitor pela descrição do submundo.
Ele começou qualificando seu romance de ‘história fantástica’... Foi um artigo de jornal
que decidiu seu futuro; o La Phalange fez um elogio ao início do romance que abriu os
olhos do autor: ‘O Sr. Sue acaba de empreender a crítica mais incisiva da sociedade... A ele
as nossas felicitações, por haver retratado ... os terríveis sofrimentos do povo e a cruel
indiferença da sociedade...’ O autor desse artigo ... recebeu a visita de Sue; eles conversaram
— e foi assim que o romance já começado tomou um novo rumo... O próprio Eugène Sue
convenceu-se, participou da batalha eleitoral, foi eleito... (1848)... As tendências e o alcance
dos romances de Sue eram tais que o Sr. Alfred Nettement viu neles uma das causas
determinantes da Revolução de 1848.” Edmond Benoit-Lévy, “Les Misérables” de Victor
Hugo, Paris, 1929, pp. 18-19.
[d &L, 2]
d
[História Literária, Hugo]
795
Um poema saint-simoniano dedicado a Sue como autor de Les Mystères de Parir. Savinien
Lapointe, “De mon échoppe”, 9 in: Une Voix d’en Bas, Paris, 1844, pp. 283-296.
[d 6a, 3]
“Depois de 1852, os defensores da arte educativa sáo muito menos numerosos. O mais
importante é ... Maxime Du Camp.” C. L. de Liefde, Le Saint-Simonisme dam la Poésie
Française , Haarlem, 1927, p. 115.
[d 6a, 4]
“ Les Jésuites , de Michelet e Quinet, data de 1843. (Le JuifErrant [O Judeu Errante] aparece
em 1844).” Charles Brun, Le Roman Social en France au XJX e Siècle, Paris, 1910, p. 102.
[d 6a, 51
“3.600 assinantes do Constitutionnel, passando para mais de 20.000, ... 128.074 vozes
que deram a Eugène Sue um mandato de deputado.” Charles Brun, Le Roman Social en
France au XJX e Siècle, Paris, 1910, p. 105.
[d 6a, 6]
Os romances de George Sand provocaram um aumento do número de divórcios, quase
todos requeridos pela mulher. A autora mantinha uma vasta correspondência, na qual
assumia o papel de conselheira das mulheres.
|d 6a, 7]
Pobre, porém limpo - este é o eco fáisteu a uma das partes de Les Misérables intitulada “La
boue, mais 1’âme” [A lama, porém a alma]. 10
ld 7, 1]
Balzac: “O ensino coletivo produz peças de cem vinténs em carne humana. Os
indivíduos desaparecem em meio a um povo nivelado pela instrução. Cit. cm Charles
Brun, Le Roman Social en France an XIX e Siècle , Paris, 1910, p. 120.
[d 7, 2]
Mirbeau e Natanson, Le Foyer (I, 4), Barão Courtin: “Não é desejável que a instrução se
estenda mais... Porque a instrução é um começo de bem-estar, e o bem-estar não esrá ao
alcance de todo mundo.” Cit. em Charles Brun, Le Roman Social en France au XLXL
Siècle, Paris, 1910, p. 125. Mirbeau retoma aqui a formulação de Thiers <cf. d 1, 1>
com uma intenção satírica.
[d 7, 3]
“Balzac, romântico desenfreado pelas tiradas líricas, pela simplificação ousada dos
caracteres, pela complicação da intriga, já é realista na pintura do meio local e social,
e naturalista em seu gosto pela vulgaridade e em suas pretensões científicas. Charles
Brun, Le Roman Social en France au XlX e Siècle, Paris, 1910, p. 129.
[d 7, 4]
9 Échoppe tem o duplo sentido de "oficina" e "buril". 0 autor, Savinien Lapointe, foi um sapateiro que
realizou também gravuras em couro. (E/M)
10 Victor Hugo, Les Misérables, parte V ("Jean Valjean"), livro 3. (R.T.)
J% u Passagens
A influência de Napoleão sobre Balzac, o seu elemento napoleônico: “o ímpeto da Grande
Armée na forma da cobiça, da ambição ou da libertinagem: Grandet, Nucingen, Philippe
Bridau ou Savarus”. 11 Charles Brun, Le Roman Social en France au XIX e Siècle, Paris,
1910, p. 151.
ld 7, 5]
“Balzac ... cita como autoridades ... Geoffroy Saint-Hilaire e Cuvier.” Charles Brun, Le
Roman Social en France au XlX e Siècle, Paris, 1910, p. 154.
[d 7, 6]
Lamartine e Napoleão. “Em Les Destinées de la Poésie, de 1834, ele expressa ... seu desprezo
por esta época ... de cálculo e de força, de números e de espada... Era o tempo em que
Esménard cantava a navegação, Gudin a astronomia, Ricard a esfera, Aimé Martin a física
e a química... Lamartine disse muito bem: Apenas o número era permitido, honrado,
protegido, pago. Como o número não raciocina, como é um ... instrumento ... que não faz
perguntas..., se o utilizamos para servir à opressão do gênero humano ou à sua libertação...,
o chefe militar dessa época não poderia querer outro emissário.’” Jean Skerlitch, LOpinion
Publique en France ddprès la Poésie, Lausanne, 1901, p. 65.
[d 7. 7]
“O romantismo proclama a liberdade da arte, a igualdade dos gêneros, a fraternidade das
palavras - conferindo a todas o mesmo título de cidadãs da língua francesa.” Georges
Renard, La Méthode Scienrífique de 1’Histoire Littéraire, Paris, 1900, pp. 219-220, cit. em
Jean Skerlitch, LOpinion Publique en France ddprès la Poésie, Lausanne, 1901, pp. 19-20.
[d 7, 8]
O magnífico livro sétimo da quarta parte de Les Misérables, “LArgot”, acaba liquidando
suas considerações ousadas e contínuas com esta sombria reflexão final: “Desde 89, o povo
inteiro se dilata no indivíduo sublimado; não há pobre que, tendo seu direito, não tenha
seu raio de ação; o faminto sente em si a honestidade da França; a dignidade do cidadão é
uma armadura interior; quem é livre é escrupuloso; quem vota reina.” Victor Hugo, CEuvres
Completes, Romans, vol. VIII (Les Misérables), Paris, 1881, p. 306.
[d 7a, 1]
Nettement sobre as digressões em Les Misérables-. “Estas doses de filosofia, de história, de
economia social têm o efeito de um banho de água fria sobre o leitor gelado e desencorajado.
E a hidroterapia aplicada à literatura.” Alfred Nettement, Le Roman Contemporain, Paris,
1864, p. 364.
[d 7a, 2]
“O Sr. Sue, em Le JuifErrant, insulta a religião ... para ser útil aos desafetos do Constitutionnel,
... o Sr. Dumas, em La Dame de Monsoreau, expressa com toda a força o desprezo pela
realeza ... para ser útil às paixões do mesmo jornal; ... em La Reine Margot, ele se submete
ao gosto da juventude dourada do La Presse quanto a pinturas ... arriscadas; e ... em Le
Comte de Monte-Cristo, diviniza o dinheiro e critica a Restauração para agradar ao mundo
11 Félix Grandet, o avarento; Nucingen, o banqueiro alemão; e Philippe Bridau, soldado que se
apaixona por uma dançarina e se entrega ao jogo, são personagens que aparecem, sobretudo,
nos romances Eugénie Grandet, Splendeurs et Misères des Courtisanes e La Rabouilleuse. Albert
Savarus (1842) é a história de um homem que se esforça durante anos para casar-se com uma
duquesa italiana. (E/M; w.b.)
(História Literária, Hugo] 797
dos funcionários que pululam em torno do Journal des Débats.” Alfred Nettement, Études
Critiques sur le Feuilleton-Roman, vol. II, Paris, 1846, p. 409.
^ íd 7a, 3]
VIctor Hugo: segundo uma lei de sua natureza poética, ele precisa imprimir em cada idéia
a forma de uma apoteose.
[d 7a, 4]
Uma observação de Drumont de grande alcance: “Quase todos os líderes do movimento
da escola de 1830 tiveram a mesma organização elevada, fecunda, devota do grandioso.
Quer se tratasse de ressuscitar epopéias na tela como Delacroix, de pintar uma sociedade
inteira como Balzac, de dispor quatro mil anos da vida da Humanidade em romance como
Dumas, todos ... mostravam que o fardo não assustava seus ombros.” Edouard Drumont,
Les Héros et les Pitres , Paris, 1900, pp. 107-108 (“Alexandre Dumas père”).
[d 7a, 5]
“Há cinquenta anos, dizia um dia o doutor Demarquay a Dumas filho, todos os nossos
doentes morrem com um romance de vosso pai sob o travesseiro.’ Edouard Drumont, Les
Héros et les Pitres , Paris, 1900, p. 106 (“Alexandre Dumas père”).
r [d 7a, <3
No prefácio a Les Paysans, Balzac se refere em tom de censura ao ano de 1830: “quem não
se lembra que Napoleão preferiu correr o risco de sua própria desgraça ao de armar as
massas?” Cit. em Ch. Calippe, Balzac: Ses Idées Sociales, Reims-Paris, 1906, p. 94.
[d 7a, 7]
“Bourget observou que os homens de Balzac ... apareceram sobretudo depois da morte do
romancista: ‘Balzac’, diz ele, ‘parece ter observado menos a sociedade de sua época do que
contribuído para formar uma sociedade. Este ou aquele de seus personagens era mais
verdadeiro em 1860 que em 1835.’ Nada mais justo: Balzac merece ser classificado na
primeira fila dos precursores... A realidade encontrou, trinta anos mais tarde, o terreno que
ele transpôs em um salto com sua intuição.” H. Clouzot e R.-H. Valensi, Le Paris de la
Comédie Humaine, Paris, 1926, p. 5 (“Balzac et ses fournisseurs”).
[d 8, 1]
Drumont compartilhava a opinião de que o gênio de Balzac era visionário. Ocasionalmente,
porém, ele inverte os fatos: “Os homens do Segundo Império quiseram ser os homens de
Balzac.” Édouard Drumont, Figures de Bronze ou Statues de Neige, Paris, 1900, p. 48
(“Balzac”).
[d 8, 2]
Balzac, através da voz do seu médico de aldeia: “Os proletários parecem ser, para mim, os
menores de uma nação, e devem sempre permanecer sob tutela.” Cit. em Abbé Charles
Calippe, Balzac: Ses Idées Sociales, Reims-Paris, 1906, p. 50.
[d 8, 3]
Balzac era (como Le Play) contrário à fragmentação do latifúndio: “Meu Deus! como não
se compreende que as maravilhas da arte são impossíveis num país sem grandes fortunas!”
795 ■ Passagens
(cit. em Charles Calippe, op. cit. , p. 36). Balzac ressalta, além disso, as desvantagens da
tesaurização pelos camponeses e pequeno-burgueses e calcula quantos bilhões seriam tirados
de circulação desse modo. Por outro lado, ele propõe, como único remédio, que o indivíduo
trabalhe e faça economias, para vir a ser um latifundiário. Ele cai, portanto, em contradição.
[d 8, 4]
George Sand veio a conhecer Agricol Perdiguier em 1840. Ela diz: “Fiquei impressionada
com a importância moral do assunto e escrevi o romance Le Compagnon du Tour de France
com idéias sinceramente progressistas.” Cit. em Charles Benoit, Lhomme de 1848 ,
parte II, Revue des Deux Mondes, 1 fev. 1914, pp. 665-666.
v [d 8, 51
Com três romances. Dumas pai ocupou quase simultaneamente os folhetins dos jornais La
Presse, Le Constitutionnel e Journal des Débats.
[d 8, 61
Nettement sobre o estilo de Dumas pai: “Ele é normalmente natural e bastante ágil, mas
sem força, porque o pensamento do qual ele é a expressão não tem raízes; ele está para o
estilo dos grandes escritores como a litografia está para a gravura.” Alfred Nettement,
Histoire de la Littérature Française sous le Gouvernement de Juillet, Paris, 1859, vol. II,
pp. 306-307.
[d 8, 7]
Sue, comparado a George Sand: “E ainda um protesto contra o estado da sociedade, mas
desta vez é um protesto coletivo ... em nome das paixões e dos interesses das classes mais
numerosas da sociedade.” Alfred Nettement, Histoire de la Littérature Française sous le
Gouvernement de Juillet, Paris, 1859, vol. II, p. 322.
[d 8a, 1]
Nettement chama a atenção para o fato de que os romances de Sue, que minaram a
Monarquia de Julho, foram publicados nos jornais que a defendiam — o Journal des Débats
e o Constitutionnel.
[d 8a, 2]
Fregueses habituais da cervejaria da Rue des Martyrs: Delvau, Murger, Dupont, Malassis,
Baudelaire, Guys.
[d 8a, 3]
Jules Bertaut vê a importância de Balzac na descrição das ações de personagens significativas
em um meio determinado pelos tipos da sociedade da época, portanto, na inter-relaçao
entre o estudo do caráter e o estudo dos costumes. A propósito deste último, ele escreve:
“Basta percorrer as inúmeras fisiologias ... para se dar conta até onde chegou semelhante
voga literária. Do Estudante ao Corretor da Bolsa, passando pela Ama Seca, pelo Sargento
e pelo Comerciante de Contramarcas, é uma seqüência sem fim de pequenos retratos...
Balzac conhecia esse gênero e o cultivou. Nada de espantoso, portanto, que sonhe ainda
com ele, pintando o quadro de uma sociedade inteira.” Jules Bertaut, Le Père Goriot de
Balzac, Arniens, 1928, pp. 117-118.
[d 8a, 4]
d
[História Literária, Hugo]
799
“‘Victor Hugo’, diz Eugène Spulier, ‘havia acompanhado as vozes da reação... Havia
constantemente votado com a direita’... A respeito das oficinas nacionais, ele declara em 20
de junho de 1848 que as considera um duplo erro, do ponto de vista político e do ponto
de vista financeiro... Na Assembléia Legislativa, ao contrário, ele se volta para a esquerda,
da qual se torna um dos oradores ... mais agressivos. Seria por causa de uma evolução..., ou
seria por causa de seu amor próprio ferido e rancor pessoal contra Luís Napoleão, de quem
ele teria desejado - e até mesmo esperado - tornar-se ministro da Instrução Pública?” E.
Mayer, Victor Hugo à la Tribune, Chambéry, 1927, pp. 2, 5, 7; cit. conforme Eugène
Spulier, Histoire Parlamentaire de la Seconde Republique, pp. 1 1 1 e 266.
r [d 8a, 5]
‘‘Quando ocorreu uma discussão entre Le Bon-Sens e I.a Presse sobre os jornais de quarenta
francos, interveio nela Le National. Já que La Presse aproveitou a ocasião para atacar
pessoal mente o Sr. Carrel, houve um encontro entre este e o redator-chefe do La Presse. —
“Era a imprensa política que caía, na pessoa de Carrel, diante da imprensa industrial.”
Alffed Nettement, Histoire de la Littémture Française sons le Gouvememmt de Juillet , Paris,
1859, vol. I, p. 254.
ld 8a, 6J
“A audácia com que o comunismo, esta lógica ... da democracia, ataca a sociedade na
ordem moral, anuncia que ... o Sansão popular, tornando-se prudeiue, solapará as colunas
sociais no porão, em vez de sacudi-las na sala do banquete.” Balzac, Les Paysans , cit. em
Abbc Charles Calippe, Balzac: Ses ldées Sociales, Reims-Paris, 1906, p. 108.
[d 9,1]
Literatura de viagem: “Foi a França que primeiro ... reforçou seus exércitos com uma brigada
de geógrafos, naturalistas e arqueólogos. A grande obra sobre o Egito ... marcou ... o advento
de uma ordem de trabalhos até então desconhecida... A Expédition Scientifique de la Morée e a
Exploration Scientifique de VAlgérie continuam dignamente essa grande obra... Científicos,
sérios ou superficiais..., os relatos dos viajantes ... alcançaram cm nosso tempo um tal sucesso
que se tornaram moda. Eles constituem, com os romances, as obras básicas dos gabinetes de
feitura, somando aproximadamente oitenta obras por ano, ou seja, mil e duzentas publicações
em quinze anos.” Cifra que não é, em média, muito superior à de outras áreas das ciências
naturais. Charles Louandre, “Statistique littérairc: de la produclion intellectuelle en France
depuis quinze ans”, Revue des Deux Mondes , 1 nov. 1847, pp. 425-426. ^ ^
A partir de 1835, a produção média anual de romances é de 210 obras, praticamente a
mesma dos vaudevilles.
[d 9, 3]
Literatura de viagem. Ela torna-se objeto de uma inesperada avaliação no debate da Câmara
sobre as deportações (4 de abril de 1849). “Farconet, o primeiro a combater o projeto,
discutiu a questão da salubridade das Ilhas Marquesas... O relator respondeu lendo narrativas
de viagens que mostravam as Marquesas como ... um verdadeiro paraíso...; o que lhe valeu
esta severa réplica: ‘Num assunto tão grave, apresentar idílios e bucólicas é ridículo.
E. Mayer, Victor Hugo à Ia Tribune , Chambéry, 1927, p. 60.
[d 9, 4 ]
800 ■ Passagens
A idéia da Comédie Humaine ocorreu a Balzac cm 1 833 (ano da publicação de Le Médedn
de Campagne). A influência da teoria dos tipos de Gcoffroy Saint-Hilaire foi decisiva. Do
ponto de vista literário, somam-se as influências dos ciclos de romances de Scott e Cooper.
[d 9, 5]
Em seu segundo ano de publicação, em 1851, o Almanach des Réformateurs, “em que o
governo é apresentado como um mal necessário, mistura ... a exposição da doutrina
comunista com traduções em versos de Marcial e de Horácio, com noções de astronomia e
de medicina, com toda espécie de receitas úteis.” Charles Benoist, “Le mythe’ de la classe
ouvrière”, Revue des Denx Mondes, 1 mar. 1914, p. 91.
[d 9, 6]
Derivação do romance folhetim, cujo surgimento logo implicou o início de uma concorrência
perigosa para as revistas e levou a uma considerável restrição da crítica literária. As revistas
então tiveram que tomar a decisão de também publicar romances em capítulos. As primeiras
a adotar a iniciativa foram a Revue de Paris (dirigida por Veron?) e a Revue des Deux Mondes.
“Na situação anterior, um jornal, que tinha um preço de assinatura que se elevava a oitenta
francos, era sustentado por aqueles cujas convicções políticas ele exprimia... Na nova situação,
o jornal tem que viver de publicidade... Para ter muita publicidade, foi preciso que a quarta
página, transformada em cartaz, fosse lida por inúmeros assinantes; para ter muitos
assinantes, foi preciso encontrar uma isca que se dirigisse a todas as opiniões ao mesmo
tempo, e que substituísse o interesse político pelo interesse da curiosidade geral... Foi
assim que, partindo do jornal de quarenta francos, e passando pela publicidade, chegou-se
quase fatalmente ao romance-folhetim.” Alfred Nettement, Histoire de la Littérature Française
sous le Gouvernement de Juillet , Paris, 1859, vol. I, pp. 301-302.
[d 9a, 1]
Na publicação de um romance de folhetim, omitia-se às vezes uma parte da obra, a fim de
obrigar os leitores do jornal a adquirir a edição em livro.
[d 9a, 2]
No prefácio do editor à obra de Journet, Poêsies et Chants Harmoniens, o livro A Cabana do
Pai Tomás, de Harriet Beecher Stowe, é colocado muito apropriadamente no mesmo plano
que Les Mysteres de Paris e Les Misérables.
[d 9a, 3]
“De tempos em tempos podia-se ler, no Journal des Débats, artigos do Sr. Michel Chevalier
ou do Sr, Philarète Chasles ... de tendência social progressista... Os artigos progressistas do
Débats costumavam ser publicados na quinzena que precedia a renovação trimestral da
assinatura. Na véspera das grandes renovações, observou-se no Journal des Débats uma
aproximação do radicalismo. Foi esse tipo de tendência que fez o Journal des Débats
empreender a publicação temerária dos Mysteres de Paris...-, só que a imprudente folha,
dessa vez, foi mais longe do que pensava. Assim, vários dos grandes banqueiros retiraram a
confiança que tinham no Débats ... para fundar um novo jornal... O Le Globe ... este digno
precursor do LEpoque ... foi encarregado de fazer justiça às teorias incendiárias do Sr. Eugène
Sue e da Démocratie Pacifique.” A Toussenel, Les Juifi Rois de 1’Époque, Paris, Ed. Gonet,
1886, vol. II, pp. 23-24.
[d 9a, 4]
d
[História Literária, Hugo] 801
A bohème. “Com Un Prince de la Bohême (1840), Balzac quis mostrar um ... traço dessa
boêmia nascente; as preocupações galantes ... de Rusticoli de la Palférine são apenas a
ampliação balzaquiana dos próximos triunfos de Marcei e de Rodolphe 12 ... Este romance
contém uma definição grandiloqüente da boêmia... a primeira... ‘A boêmia, que deveria ser
chamada de doutrina do Boulevard des Italiens, compõe-se de jovens ... todos homens de
gênio em seu gênero, ainda pouco conhecidos, mas que se farão conhecer... Encontram-se
ali escritores, administradores, militares, jornalistas, artistas!... Se o imperador da Rússia
comprasse a boêmia por uns vinte milhões ... e a deportasse para Odessa, em um ano
Odessa seria Paris.’ ... Na mesma época, George Sand ... e Alphonse Karr ... encenavam o
ambiente da boêmia... Mas ali são boêmios imaginários, e a boêmia de Balzac é inteiramente
fantástica. As boêmias de Th. Gautier, ao contrário, e a de Murger, deram tanto o que falar
... para que se pudesse ter hoje uma idéia do que elas foram. Na verdade, Th. Gautier e seus
amigos ... não perceberam de imediato, em 1833, que eram boêmios; contentavam-se em
ser chamados de ‘Jeune France’ ... Sua pobreza era relativa... Essa boêmia ... foi a ‘boêmia
galante’; poderia ter sido a ‘boêmia dourada’ ... Dez ou quinze anos depois, por volta de
1843, houve uma nova boêmia ... a verdadeira. Th. Gautier, Gérard de Nerval e Arsène
Houssaye aproximavam-se, então, dos quarenta anos; Murger e seus amigos ainda não
tinham vinte e cinco anos. Desta vez era um verdadeiro proletariado intelectual. Murger era
filho de um porteiro alfaiate; o pai de Champfleuiy era secretário da prefeitura em Laon..., o
de Delvau era curtidor de peles no subúrbio de Saint-Michel; a família de Courbet era meio
camponesa... Champfleury e Chintreuil empacotaram livros; Bonvin foi operário tipógrafo.”
Pierre Martino, Le Roman Réaliste sous le Second Empire, Paris, 1913, pp. 6-9.
[d 10, 1]
No início dos anos quarenta havia um processo de fotocópia denominado “Presses Ragenau”,
provavelmente baseado na litografia.
[d 10, 2]
Firmin Maillard, em La Cité des Intellectuels, Paris, 1905, pp. 92-99, apresenta um número
enorme de informações sobre os honorários dos autores.
ld 10, 3]
“Balzac ... comparou sua critica ao jornalismo parisiense com os ataques de Molière
contra os financistas, os marqueses, os médicos.” Ernst Robert Curtius, Balzac , Bonn,
1923, pp. 354-355.
[d 10, 41
Sobre Balzac: “O que nos permite dizer que ele talvez não tenha sido muito verídico,
depois de 1820, é a opinião, tantas vezes expressa, de que ele pintou maravilhosamente
com muita antecedência e até profetizou a sociedade do Segundo Império.” Edmond
Jaloux, “Les romanciers et le temps”, Le Temps, 27 dez. 1935.
[d 10, 3]
Extraído de “Lettre en vers à Alphonse Karr”, de Lamartine:
“Todo homem com orgulho pode vender seu suor:
Eu vendo meu cacho de fruta como tu vendes tua flor,
12 Personagens de Scènes de la Vie Bohème, de Henri Murger. Marcei é pintor, e Rodolphe é jornalista,
poeta e escritor de peças. (E/M)
802 ■ Passagens
Feliz quando seu néctar, sob meu pé que o esmaga,
Em meus inúmeros trabalhos corre em rios de âmbar,
Produzindo para seu patrão, inebriado com sua qualidade,
Muito ouro para pagar muita liberdade!
O destino nos reduziu a contar nossos salários;
Tu dos dias, cu das noites, ambos somos mercenários;
Mas o pão bem ganho é mais crocante ao dente:
Glória a quem come livre um sal independente!”
Veuillot, que cita este texto, Faz a seguinte observação: “Pensava-se até então que a liberdade
que se pode comprar com dinheiro não é aquela a que os homens de alma bem formada
costumam aspirar... O quê?!... Não sabeis que o modo de ser livre é desprezar muito o
ouro?! E para comprar essa liberdade que se obtém a preço de ouro ... vós produzis vossos
livros do mesmo modo mercenário que produzis legumes e vinho; pedis ao vosso espírito
dupla e tripla colheita, fazeis comércio dos frutos da estação; a musa não virá mais por
vontade própria, ela fará sua jornada e sua noite como um operário ... e vós lançareis ao
público, pela manhã, a página manuscrita na vigília distraída, mesmo sem reler a miscelânia
que a cobre, mas não sem ter contado as linhas que ela contém. ’ Louis Veuillot, Pages
Choisies, ed. org. por Antoine Albalat, Lyon-Paris, 1906, pp. 28, 31-32. (Karr vendia
flores de sua propriedade situada perto de Nice.)
[d 10a, 1]
“O fato de Sainte-Beuve ter-se deixado levar contra o autor da Comédie Humaine movido por
uma profunda antipada foi gratuito. Mas ele teve razão ao observar que o modo de publicação
dos folhetins, que a cada novo capítulo exigia que o leitor fosse acometido por um grande
choque, tinha levado os efeitos e os tons do romance a um diapasão extremo, desesperante’.”
Cit. em Fernand Baldensperger, “Le raffermisscment des tcchniques dans la littérature
occidentale de 1840”, Reme de Littémture Comparée, XV, jan./mar. 1935, n° 1, p. 82.
[d 10a, 2]
Como reação ao romance de folhetim, surgiram, por volta de 1840, as novelas (Mérimée)
e o romance de inspiração regional (D’Aurevilly).
[d 10a, 3]
Eugène de Mirecourt, em Les Vrais Misérables (Paris, 1862), lembra LHistoire des Girondins,
de Lamartine, sugerindo que Hugo tenha com os seus romances preparado sua carreira
política, à semelhança de Lamartine, que o teria feito com seu livro histórico.
[d 10a, 4]
Sobre Lamartine e Hugo: “Em vez de sugerir ... que é preciso seguir apaixonadamente os
grandes sinceros, dever-se-ia instigar a procura do que está por trás de toda sinceridade.
Mas a cultura e a democracia burguesas dependem demais desse valor! O democrata é um
homem que leva seu coração na bandeja; seu coração é uma desculpa, uma prova, um
subterfúgio. Ele é profissionalmente comovente, o que o dispensa de ser verídico.” N.
Guterman e H. Lefebvre, La Consciente Mystifiée, Paris, 1936, p. 151 (“Lc chantage et la
sincérité”).
[d 11, 1]
d
[História Literária, Hugo]
803
Sobre Lamartine: A fatuidade do poeta é inenarrável. Lamartine julgava-se um homem de
Escado da têmpera de Mirabeau — como um novo Turgot, vangloriava-se de ter consagrado
vinte anos à economia política. Pensador eminente, acreditava tirar de si mesmo as idéias
que pegava no ar e vestia com sua própria forma.” Émile Barrault, “Lamartine” (extraído
do National de 27 mar. 1869) Paris, 1869, p. 10.
.'d 11,2]
Alfred Delvau (1825-1867): “Era um filho do quartier MoufFetard... Em 1848, tomou-se
secretário particular de Ledru-Rollin, então ministro do interior. Quando os acontecimentos
o afastaram bruscamente da política ativa, ele se dedicou às letras e estreou com alguns
artigos de jornal... Publicou, no Journal Amusant, no Figaro e em alguns outros jornais,
arugos seus que tratavam principalmente dos costumes parisienses. Durante algum tempo,
■o Siecle, era encarregado de escrever sobre a municipalidade parisiense.” Na segunda
metade dos anos cinqüenta, Delvau firgiu para a Bélgica a fim de escapar de uma pena
de prisão que lhe foi infligida quando era redator do Rabelais. Mais tarde, foi perseguido
por acusações de plágio. Informações em Pierre Larousse, Grand Dictionnaire UniverseL
âuXDC Siecle , vol. VI, Paris, 1870, p. 385 (verbete: “Delvau”).
[d 11, 31
Benjamin Gastineau já havia sido deportado duas vezes para a Argélia sob o governo de
Napoleão III. “Durante a Comuna de Paris, o Sr. Gastineau foi nomeado inspetor das
bibliotecas comunais. O 20" conselho de guerra, encarregado de julgá-lo, não pôde levantar
contra ele acusação de nenhum delito do direito comum. Mas condenou-o, a despeito
disso, à deportação para um recinto fortificado.” Pierre Larousse, Grand Dictionnaire Universel
du XIX e Siecle, vol. VIII, Paris, 1872, p. 1062. - Gastineau iniciou sua carreira como
tipógrafo.
[d 11, 4]
Pierre Dupont: O poeta, como ele diz num de seus pequenos poemas,
Ouve alternadamente as florestas e a multidão.
Trata-se, com efeito, de grandes sinfonias agrestes, de vozes com que fala a natureza inteira,
<wi dos clamores e desesperos, das aspirações e dos lamentos da multidão que ele faz brotar
ama dupla inspiração. A canção, como a compreendiam nossos pais..., a canção de beber, ou
mesmo a simples balada, lhe são absolutamente estranhas.” Pierre Larousse, Grand
Dictionnaire Universel du XIX C Siecle , vol. VI, Paris, 1870, p. 141 (verbete: “Dupont”).
Assim, o ódio de Baudelaire por Béranger é ao mesmo tempo um elemento de seu amor
por Dupont.
[d 11a, 1]
'Gaitas-
te Simon descreve as cenas que ocorreram diante da livraria Paguerre por ocasião da
«■rega da segunda e da terceira parte de Les Misérables-, “Em 15 de maio de 1862, escreve
de. antes das seis horas da manhã, uma multidão compacta abarrotava a Rue de Seine, em
finte a uma loja ainda fechada; ela crescia sem cessar, e a espera tornava-a rumorosa, e
■mesmo tumultuada... A calçada estava obstruída por um inextrincável amontoado de carros
804 ■ Passagens
de transporte, de veículos privados, de cabrioles, de caleches, e mesmo de carrinhos de
mão. As pessoas traziam cestos vazios nas costas... Ainda não eram seis e meia quando a
multidão, cada vez mais agitada, atacou a vitrine, e os mais corajosos batiam contra a porta
com golpes redobrados. De repente, abriu-se uma janela no primeiro andar; uma senhora
apareceu e conversou com os impacientes exortando-os à paciência... A loja que pretendiam
invadir era bem inofensiva; ali só se vendiam livros. Era a livraria Paguerre. As pessoas que
sc lançavam contra a loja eram livreiros comissionados, agentes, compradores e corretores.
A senhora que falava do alto do primeiro andar era a senhora Paguerre.” Albert de Besancourt,
Les Pamphlets Contre Victor Hugo , Paris, pp. 227-228; conforme Gustave Simon, Les origines
des Misérables ”, na Revue de Paris , e em suas cartas sobre o livro publicadas na revista.
[d 11a, 2]
Perrot de Chezelles, em seu panfleto “Examen du livre des Misérables de M. Victor Hugo
(Paris, 1863), oferece esta contribuição mais geral à caracterização de Victor Hugo: “Ele
toma como heróis de seus dramas e romances um lacaio como Ruy Blas, uma cortesã como
Marion Delorme, seres desfavorecidos pela natureza como Triboulet e Quasímodo, uma
prostituta como Fantine, um condenado como Jean Valjean.” 13 Cit. em Albert de
Besancourt, Les Pamphlets contre Victor Hugo , Paris, p. 243.
Os trechos decisivos do romance Les Misérables sao baseados em fatos reais. A condenação
de Jean Valjean foi inspirada no caso de um homem que, por ter roubado um pão para os
filhos de sua irmã, havia sido condenado a cinco anos de prisão. Hugo documentava tais
acontecimentos com grande exatidão.
[d 12, 1]
Uma apresentação detalhada da atitude de Lamartine durante a Revolução de Fevereiro é
fornecida por Pokrowski em um artigo que se baseia em parte nos relatos diplomáticos de
Kisseliov, que na época era embaixador da Rússia em Paris. ‘“Lamartine ... admitiu -
escreve Kisseliov - que a França se encontrava numa situação que costuma ocorrer quando
um governo é derrubado e o seguinte ainda não se consolidou. Ele acrescentou, porém,
que a população provou possuir muito bom senso e um tal respeito pela família c pela
propriedade que a ordem em Paris seria preservada pelas próprias circunstâncias e pelo
estado de espírito da massa... Dentro de oito ou dez dias seria organizada uma guarda
nacional de 200.000 homens — prosseguiu Lamartine -; além disso, havia 15.000 recrutas,
cujo estado de espírito era excelente, e 20.000 homens da tropa de linha que já cercavam
Paris e que deviam avançar cidade adentro.’ Aqui é preciso parar por um instante. Como se
sabe, o pretexto para a reconvocaçao das tropas, que tinham sido retiradas de Paris depois
de fevereiro, foi a manifestação dos operários de 16 dc abril; entretanto, a conversa entre
Lamartine e Kisseliov deu-se em 6 de abril. Com efeito, Marx percebera, de maneira genial
(em Die Khssenkampfe in Frankreich ), que a manifestação fora provocada com a finalidade de
trazer de volta à capital ... a mais leal das forças da ordem. Prossigamos, pois. Estas massas
(isto é, a guarda nacional burguesa, os recrutas e as tropas de linha - M. N. E) - disse
Lamartine — ‘refrearão os fanáticos dos clubes que se apóiam em alguns milhares de vagabundos
e elementos criminosos (!) e evitarão qualquer excesso . M. N. Pokrowski, Historische Aufsãtze ,
Viena-Berlim, 1928, pp. 108-109 (“Lamartine, Cavaignac e Nicolau I”).
13 E SS es personagens aparecem respectivamente nas peças Ruy Blds e Mdrion Delorme e nos
romances Le Roi S'amuse, Notre-Dame de Paris e Les Misérables. (E/M)
d
[História Literária, Hugo] 805
[d 12, 2]
Em 6 de abril, é enviada de São Petersburgo uma instrução de Nesselrode a Kisseliov.
“Nicolau e seu chanceler não esconderam de seu agente que precisavam da aliança com a
França contra a Alemanha - contra a nova Alemanha vermelha que, com suas cores
revolucionárias, começava a fazer sombra à França, que, por sua vez, já começava a readquirir
o bom senso.” M. N. Pokrowski, Historische Aufsãtze, Viena -Berlim, p. 112.
[d 12, 3]
Michelet sobre Lamartine: “Ele desliza com sua grande asa, negligente e rápido.” Cit. em
Jacques Boulenger, “La magie de Michelet”, Le Temps , 15 maio 1936.
[d 12a, 1]
“Um observador perspicaz disse um dia que a Itália fascista era dirigida como um grande
jornal e, aliás, por um grande jornalista: uma idéia por dia, concursos, sensações, uma
hábil e insistente orientação do leitor para certos aspectos da vida social enfatizados de
modo desmedido, uma deformação sistemática do entendimento do leitor para certos fins
práticos. Numa palavra, os regimes fascistas são regimes publicitários.” Jean de Lignières,
“Le centenaire de La Presse ”, Vendredi , junho 1936.
[d 12a, 2]
“Balzac foi um dos colaboradores do La Presse ... e Girardin foi para ele um dos melhores
reveladores da sociedade em que vivia o grande homem.” Jean de Lignières, “Le centenaire
de La Presse ”, Vendredi, junho 1936.
[d 12a, 3]
“De maneira geral, as diferentes tendências do Realismo entre 1850 e 1860, tanto a de
Champfleury quanto a de Flaubcrt, sao consideradas como a escola de Balzac’.” Ernst
Robert Curtius, Balzac , Bonn, 1923, p. 487.
[d 12a, 4]
“A moderna produção em massa destrói o senso artístico do trabalho e a idéia de obra:
'temos produtos, não temos mais obras’.” Ernst Robert Curtius, Balzac, Bonn, 1923,
p. 260; citando Balzac, Béatrix, Paris, Éd. Michel-Lévy, Paris, 1891-1899, p. 3.
(d 12a, 5]
“O objetivo de Balzac é a organização da intelectualidade. Por vezes ele sonha, como os
saint-simonianos, com as idéias corporativas da Idade Média. Depois, volta a pensar ... em
incorporar o trabalho intelectual no moderno sistema de crédito. Também surge
ocasionalmente a idéia de um pagamento, por parte do Estado, aos que exercem um
trabalho intelectual.” Ernst Robert Curtius, Balzac, Bonn, 1923, p. 256.
[d 12a, 6]
“Os trabalhadores finteligenciais’ [ intelligentielsY - uma expressão criada por Balzac.
Cf. E. R. Curtius, Balzac, Bonn, 1923, p. 263.
[d 12a, 7]
S06 ■ Passagens
Chaptal, em De l' Industrie Française , vol. II, Paris, 1819, p. 198, informa que o número de
livros publicados anualmente é de 3.090.
[d 12a, 8]
Do texto extremamente desfavorável “M. de Balzac”, de Chaudes Aigues: “Os cárceres, os
prostíbulos e as colônias penais seriam asilos de virtude ... comparados às cidades civilizadas
do Sr. Balzac... O banqueiro é um homem enriquecido graças ao roubo secreto e à usura; o
homem de estado ... deve sua ascensão ... ao número de suas perfídias; o industrial é um
escroque prudente e hábil ... o homem de letras ... sempre põe à venda suas opiniões e sua
consciência... O mundo, cal como nos é apresentado pelo Sr. Balzac, é ... um lodaçal.”
I. Chaudes-Aigues, Les Écrivains Modernes de la France, Paris, 1841, p. 227.
[d 13, 1]
“Hoje em dia tantos fatos demonstrados e autênticos originam-se das ciências ocultas que
um dia essas ciências serão ministradas como se ministra a química e a astronomia. E
mesmo notável que, no momento em que se criam em Paris cadeiras de eslavo, de manchu
e de literaturas tão pouco ensinadas como as literaturas do Norte - que nem deveriam dar
lições, mas recebê-las -, não se tenha reinstaurado, com o nome de Antropologia, o ensino
da filosofia oculta, uma das glórias da antiga Universidade. Nisto, a Alemanha ... adiantou-
se à França.” Honoré de Balzac, Le Cousin Pons [CEuvres Completes, vol. XVIII, La Comédie
Humaine: Scènes de la Vie Parisienne, vol. VI], Paris, 1914, p. 131. ■ Fisiologias ■
[d 13, 2]
Sobre Lamartine: “Ele é o homem mais feminino deste século, que contou com tantos
como ele, entre os quais alguns pareciam se anunciar pelo próprio artigo que precede
seus nomes: La Fayette, Lamennais, Lacordaire, Lamartine... Temos as melhores razões
para pensar que ele havia preparado para a bandeira vermelha o mesmo discurso que
pronunciou para a bandeira tricolor.” Abel Bonnard, Le Dmme du Présent , vol. I, Paris,
1936, pp. 232-233 (“Les modérés”).
[d 13, 3]
“O romance ... não é mais apenas uma maneira de contar, mas uma investigação, uma
contínua descoberta... Balzac situa-se no limiar entre a literatura de imaginação e a literatura
de exatidão. Ele tem livros onde a pesquisa é rigorosa, como Eugénie Grandet, César Rirotteasc,
outros em que o irreal se mistura ao exato, como La Femme de Frente Am-, e outros como Le
Chef-d’euvre Inconnu, composto com elementos tirados de jogos do espírito.” Pierre Hamp,
“La littérature, image de la société”, in: Encyclopédie Française , vol. XVI, Arts et Littératures
dam la Société Contemporaine , tomo 1, p. 64, 2.
[d 13, 4]
“Em 1862, época em que Victor Hugo escreveu Les Misérables, o número de iletrados
diminuiu muito na França... À medida que o povo instruído tornou-se cliente das livrarias,
os autores passaram a escolher seus heróis na multidão, e aquele em quem se pode melhor
estudar esse fenômeno de socialização é Victor Hugo, primeiro grande poeta que deu às
obras literárias títulos coletivos: Les Misérables, Les Travailleurs de la MerL Pierre Hamp, “La
littérature, image de la société”, in: Encyclopédie Française, vol. XVI, Arts et Littératures dans
Ia Société Contemporaine, tomo 1, p. 64, 2.
[d 13a, i]
d
[História Literária. Hugo]
807
Esras frases sobre Scott poderíam se referir a Victor Hugo. “Ele considerava a retórica, a
arte oratória, como a arma natural dos oprimidos... E é interessante cogitar que, como
escritor, Scott concedia a rebeldes imaginários esta liberdade da palavra que ele recusava,
em seu papel de político estúpido, a rebeldes verdadeiros.” G. K. Chesterton, Dickens ,
traduzido por Laurent e Martin Dupont, Paris, 1927, p. 175. 14
[d 13a, 2]
A respeito de Victor Hugo, vale o mesmo que se diz sobre Dickens: “Dickens é um exemplo
admirável do que acontece quando um autor de gênio tem o mesmo gosto literário que o
público. Essa conformidade de gosto, no caso, era de ordem moral e intelectual. Dickens
não era como nossos demagogos e nossos jornalistas comuns; não escrevia apenas o que as
pessoas do povo gostavam — ele mesmo gostava do que elas gostavam... Morreu em 1870;
a nação inteira lamentou-o como nunca nenhum grande personagem foi lamentado; porque
os primeiros ministros e os príncipes, em comparação com Dickens, eram apenas simples
indivíduos. Ele foi um grande soberano popular, semelhante a um rei de alguma época
primitiva, ao qual o povo podia chegar quando ele fazia justiça sob um carvalho.” G. K.
Chesterton, Dickens, traduzido por Laurent e Martin-Dupont, Paris, 1927, pp. 72 e
168. 15
[d 13a, 31
Le Nain Jaime foi fundado por Aurélicn Scholl; La Vie Parisienne, por Marcelin, um amigo
de Worth. LÉvénement, em 1865, por Villemessant, com a colaboração de Rochefort, de
Zola e de outros oposicionistas.
[d 13a, 4]
As. vezes, Mirès e os irmãos Péreire, seguindo o exemplo dos Rothschild, faziam chover
inesperadamente sobre renomados poetas, jornalistas e dramaturgos um maná de ações,
sem exigir qualquer obrigação imediata por parte dos beneficiários.” S. Kracauer, Jacques
Offênbach und das Paris seiner Zeit, Amsterdam, 1937, p. 252.
[d 14, i]
“Uma única das novas ciências, a analogia, deve proporcionar aos autores um benefício de
€nco a seis milhões de francos por folha de dezesseis páginas.” Charles Fourier, Le Nouveau
Monde Industriei et Sociétaire, Paris, 1829, p. 35.
[d 14, 21
Numero de assinantes de jornais parisienses: em 1824, cerca de 47.000; em 1836, cerca
dr “0.000; em 1846, cerca de 200.000. (Detalhes para o ano de 1824: 15.000 assinantes
aos jornais do governo - Journal de Paris, Etoile, Gazette, Moniteur, Drapeau Blanc , Pilote ;
32.000 assinaturas para os jornais da oposição — Journal des Débats, Cunstitutionnel,
Opmtidienne, Courrier de Paris, Journal du Commerce, Aristarctue)
fd 14, 31
Cocn o aumento dos anúncios publicitários, os jornais combateram os anúncios disfarçados
<pe. por cetto, traziam mais benefícios aos jornalistas do que à administração.
[d 14, 41
’ 4 G. K. Chesterton, Charles Dickens (1906; reimpressão: Nova York, Schocken, 1965), p. 247. (E/M)
■ - Op C/t„ pp. 106 e 237. (E/M)
808 ■ Passagens
Em torno do jornal Le Globe reuniam-se como redatores aqueles que se tornariam depois
os mais importantes orleanistas; faziam parte da redação Cousin, Villemain, Guizot. Em
1829, Blanqui foi admitido como estenógrafo, encarregado, sobretudo, dos debates no
parlamento.
[d 14, 5)
Caráter jornalístico dos romances de Dumas: o primeiro capítulo de Mohicans de Paris já dá
informações sobre as taxas exigidas para se obter uma acomodação individual em caso de
prisáo, além de indicar o endereço do carrasco e os mais famosos cabarés de apaches em Paris.
[d 14, 6]
Um jovem de Sáo Petersburgo se referiu aos Mystères de Paris como “o primeiro livro depois
da Bíblia’ . J. Eckardt, Die baltischen Provinzen Ruflands, Leipzig, 1869, p. 406.
[d 14, 7 ]
Valéry, em sua Introdução às Fleurs du Mal (Paris, 1928, p. XV), sobre Hugo: “Durante
mais de sessenta anos, este homem extraordinário trabalhou todos os dias, das cinco da
manhã ao meio-dia! Procurava incessantemente combinações de linguagem, desejava-as,
esperava por elas e ouvia as suas respostas. Escreveu cem ou duzentos mil versos, e adquiriu
com esse exercício ininterrupto uma maneira singular de pensar, que os críticos superficiais
julgaram como puderam.”
[d 14, 8]
Em quase todos os românticos, o arquétipo do herói é o boêmio. Em Hugo, o arquétipo é o
mendigo. A esse respeito, não se deve deixar de observar que Hugo fez fortuna como escritor.
[d 14a, 1]
Hugo, em Post-scriptum de ma Vie: LEsprit, Tas de Pierre , p. 1 (cit. em Maria Ley-Deutsch,
Le Gueux chez Victor Hugo (da série Bibliothèque de la Fondation Victor Hugo, vol. IV),
Paris, 1936, p. 435): “Quereis verificar o poder civilizador da arte...? Procurai nos cárceres
um homem que saiba quem é Mozart, Virgílio e Rafael, que cite Horácio de memória, que
se comova com o Orphée ou com o Freischütz..., procurai este homem..., não o encontrareis.”
[d 14a, 2]
Régis Messac fala de um “período épico” do folhetim sob Luís Filipe, ocorrido antes que ele
se tornasse um artigo de massa no Segundo Império. Os romances de Gabriel Ferry pertencem
ao começo da segunda época; o mesmo vale para os romances de Paul Féval.
[d 14a, 3]
Podc-se falar, em um certo sentido, de uma contribuição das fisiologias ao romance policial.
Basta lembrar que ao método combinatório do detetive contrapõe-se um método empírico.
Este se inspira em Vidocq e revela sua ligação com as fisiologias no Chacal dos Mohicans de
Paris (cit. em Messac, Le " Detective Novel” et 1’Influence de la Pensée Scienrífique, Paris, 1929,
p. 434), de quem se diz: “Só pela observação de uma gelosia arrebentada, de uma janela
quebrada, de uma facada desferida, ele dizia: ‘Oh! oh! Conheço isto! É a maneira de trabalhar
de fulano de taK”
[d 14a, 4]
d
[História Literária, Hugo] 809
Véron pagou 100.000 francos por Le JuifErrant muito antes que uma só linha tivesse sido
escrita.
[d 14a,5]
“Todas as vezes que um folhetim retumbante ameaça levar o prêmio, Balzac redobra o zelo
com seu Vautrin. Foi em 1837-1838 que Les Mémoires du Diable pareciam dominar a forma
folhetinesca, e de imediato teve início a série Splendeim et Misères des Coustisanes. Em 1 842-
1843, aparecem Les Mystères de Paris, e Balzac responde com À Combien 1’Amour Revient aux
Vieillards. Em 1844, Monte Cristo-, em 1846, La Closerie des Genêts, e no mesmo ano, “Oü
mènent les mauvais chemins”; no ano seguinte “La dernière incarnation de Vautrin”. 16 Esse
diálogo ... só não seguiu adiante porque Balzac ... morreu logo depois.” Régis Messac, Le
“Detective Novel” et llnfluence de la Pensée Scientifique, Paris, 1929, pp. 403-40 4.
[d 14a, 6]
<fase tardia>
Sob a Segunda República, uma emenda à lei de 16-19 de julho de 1850, destinada “a
punir uma indústria que desonra a imprensa e que é prejudicial ao comércio das livrarias”.
Assim se expressa o autor da emenda, De Riancey. A lei impõe a cada folhetim uma taxa de
1 centavo por exemplar. O dispositivo foi revogado pelas novas leis de imprensa, de fevereiro
de 1852, mais rigorosas, que conferiam uma importância maior ao folhetim.
[d 15. 1]
Nettement chama a atenção para a importância especial que teve para os jornais o período
de renovação de assinaturas. Era comum, nessas épocas, iniciar a publicação de novos
romances de folhetim, mesmo que o romance anterior ainda não tivesse terminado. Nesse
mesmo período de desenvolvimento, a reação do público leitor aos romances começou a se
manifestar de modo mais imediato. Os editores tinham consciência disso e faziam suas
especulações desde o título dos novos romances.
[d 15. 2]
Como precursores do folhetim podem ser considerados os romances publicados em fascículos.
Em 1836, uma revista de Karr foi a primeira a propor a seus leitores um suplemento com
fascículos desse tipo, que mais tarde podiam ser reunidos em um só volume.
[d 15, 3]
Atitude política do Romantismo, conforme apresentada por Baudelaire em “Pétrus Borel’:
“Se a Restauração tivesse se transformado num período de glória, o Romantismo não teria se
separado da realeza.” “Mais tarde ... um republicanismo misantrópico fez aliança com a nova
escola, e Pétrus Borel foi a expressão mais ... paradoxal do espírito dos Bousingots... Este
espírito..., ao contrário da paixão democrática e burguesa, que mais tarde nos oprimiu tão
cmelmente, era movido ao mesmo tempo por um ódio aristocrático ... contra os reis e contra
a burguesia, e por uma simpatia geral ... para com tudo que fosse ... pessimista e byroniano.”
Charles Baudelaire, LArt Romantique, tomo 3, Paris, Éd. Hachette, pp. 354 e 353-354. 17
[d 15,4]
16 Les Mémoires du Diable e La Closerie des Genêts são romances de folhetim de Frédéric Soulié. "Oú
Mènent les Mauvais Chemins" e "La Dernière Incarnation de Vautrin" são títulos de partes do romance
Splendeurs et Misères des Courtisanes, de Balzac. (E/M)
17
Baudelaire, OC II, p. 155. (R.T.)
810 ■ Passagens
“Vimos ... em Paris a evolução romântica favorecida pela monarquia, enquanto os liberais
e os republicanos permaneciam obstinadamente apegados à literatura dita clássica. Charles
Baudelaire, LArt Romantique, Paris, p. 220 (“Richard Wagner e Tannhãuser”). 18
1 r [d 15. 5]
Três boêmias: “A de Théophile Gautier, Arsène Houssaye, Gérard de Nerval, Nestor
Roqueplan, Camille Rogier, Lassailly, Édouard Ourliac — a boêmia voluntária ... na qual
fingia-se a pobreza..., descendente bastarda do velho romantismo...; a de 1848, de Murger,
Champfleury, Barbara, Nadar, Jean Wallon, Schanne - esta realmente necessitada, mas
logo remediada, graças a uma camaradagem inteligente...; enfim, a de 1852, a nossa, de
maneira alguma voluntária..., cruelmentc castigada pela privação.” Jules Levallois, Milieu
du Siècle: Mémoires d’un Critique-, Paris, 1895, pp. 90-91-
1 [d 15a. 1]
Balzac vê os homens engrandecidos pela névoa do futuro, atrás da qual eles se movem.
A Paris que ele descreve 6, ao contrário, a cidade de sua época; comparada à estatura de seus
habitantes, é uma cidade provinciana.
[d 15a, 2]
“Colocarei meu pensamento de modo pleno, dizendo que não encontro nenhuma vida
interior em Balzac, mas, antes, uma curiosidade devoradora e inteiramente exterior, que
vai da forma ao movimento, sem passar pelo pensamento.” Alain, Avec Balzac , Paris,
1937, p. 120.
r [d 15a, 3]
Laforgue sobre La Fin de Satan : “Eu me lembro de uma observação do Sr. Mallarmé: Hugo
sentava-se diante do órgão todas as manhãs, assim que deixava o leito, como o grande Bach,
que empilhava partitura sobre partitura sem se preocupar com outras conseqüências.”
Antes, na mesma página: “O órgão continua enquanto a partitura do mundo visível se
abrir diante de seus olhos vivos, e enquanto houver vento para os tubos.” Jules Laforgue,
Mélanges Posthumes, Paris, 1903, pp. 130-131-
ld 15a, 4]
“Perguntou-se muitas vezes se Victor Hugo trabalhava com facilidade. É evidente que ele
não era dotado ou atormentado por esta estranha facilidade de improvisação, graças à qual
Lamartine jamais rasurou uma palavra. A pena de ferro deste corria rapidamente, mal
tocando o papel acetinado que ele cobria de traços leves... Victor Hugo faz o papel gritar
sob sua pena que grita. Reflete a cada palavra, pesa cada expressão, apóia-se sobre os pontos
como quem pára em um marco para olhar a frase terminada, e o lugar aberto onde se vai
iniciar a frase seguinte.” Louis Ulbach, Les Contemporains, Paris, 1883; cit. em Raymond
Escholier, Victor Hugo Raconté par Ceux qui Pont Vu, Paris, 1931, p. 353.
[d 15a, 5]
“Ele recebe cartas que chegam mesmo só com este endereço: Victor Hugo, Océan.”
Raymond Escholier, Victor Hugo Raconté par Ceux qui 1’ont Vu, Paris, 1931, p. 273
(“Automne”).
[d 15 a, 6]
18
Op. cit, p. 787. (R.T.)
d
[História Literária, Hugo]
811
Uma das primeiras amostras, e muito característica, do estilo folhetinesco encontra-se na
“Lettre parisienne” de 12 de janeiro de 1839, de autoria do Visconde de Launais (Mme.
de Girardin): “Comenta-se também bastante a invenção do Sr. Daguerre, e nada é mais
divertido que a explicação desse prodígio, oferecida com seriedade pelos nossos sábios de
salão. O Sr. Daguerre pode ficar bem tranquilo, pois não lhe roubarão seu segredo... Essa
descoberta é realmente admirável, mas dela não compreendemos absolutamente nada: ela
nos foi explicada demais.” Mme. de Girardin, CEuvres Complètes, vol. IV pp. 289-290;
cit. em Gisèle Freund, La Photographie en France au XIX ‘ Siècle, Paris, 1936, p. 36.
(d 16, 1]
Baudelaire menciona “um imortal folhetim” de Nestor Roqueplan, “Ou vont les chiens?”
[Para onde vão os cães?], em Le Spleen de Paris, Paris, Ed. R. Simon, p. 83 (“Les bons chiens”).
[d 16, 2]
Sobre Lamartine, Hugo, Michelet: “Faltou a esses homens tão ricos de talentos — como a
seus predecessores do século XVIII — esta parte secreta do estudo, em que o autor se
esquece de seus contemporâneos e procura as verdades que, posteriormente, poderá lhes
propor.” Abel Bonnard, Les Modérés, da série Le Drame du Présent, Paris, 1936, p. 235.
[d 16, 3]
Dickens - “A tradição revolucionária, em sua atualidade e integridade, havia inspirado em
larga medida os primeiros ataques aos quais seu radicalismo o levou: ao fazer denúncias
contra a prisão de Fleet, ele se lembrava da tomada da Bastilha. Suas acusações revelavam
acima de tudo uma certa impaciência ponderada, que era a própria essência do republicano
de outrora e que o revolucionário da nossa Europa moderna desconhece por completo.
O antigo radical não se considerava exatamente em estado de revolta: antes, achava que
um certo número de instituições absurdas estava em conflito com a razão e com ele
próprio.” G. K. Chesterton, Dickens, traduzido por Laurent e Martin-Dupont, Paris,
1927, pp. 164-165. 19
[d 16, 4]
Gustave Geffroy ( LEnfermé ', Paris, 1926, vol. I, pp. 155-156) chama a atenção para o fato
de que Balzac não descreveu a inquietude do povo de Paris em sua época, a vida nos clubes,
os profetas de esquina etc. — com exceção de Z. Marcas, o escravo do regime de Luís Filipe.
fd 16, 5]
Durante a Insurreição de Julho, Charles X mandou suas tropas distribuírem proclamações
manuscritas aos insurgentes. Ver Geffroy, LEnfermé, op. cit., vol. I, p. 50.
[d 1 6, 6]
“É ... importante conceber a possibilidade de inclinar a estética ... na direção da ação sobre
o homem, em favor de representações suscitadas pela própria morfologia da sociedade... E
mais importante ainda constatar que, de fato, desde que todo mundo começou a ler [Nota:
Isto é, desde a instituição da instrução primária obrigatória, cuja difusão efetiva é justamente
contemporânea da formação do mito de Paris] ocorrem fenômenos desse gênero.” Roger
Caillois, “Paris, mythe moderne”, Nouvelle Revue Fmnçaise, XXV, n° 284, 1 maio 1937,
p. 699.
[d 16a, 1]
19
G. K. Chesterton, Charles Dickens, p. 232. (E/M)
812 ■ Passagens
Gautier, em seu “Victor Hugo”, sobre o colete vermelho na estréia de Hemani : “Para evitar
o vermelho infame de 93, tínhamos introduzido uma ligeira proporção de púrpura em
nosso tom, porque desejávamos que não se nos atribuísse qualquer intenção política.” Cit.
em Raymond Escholier, Victor Hugo Raconté par Ceux qui l’ont Vu, Paris, 1931, p. 162.
[d 16a, 2]
1852: “A reputação do autor de Hemani havia passado, através de singulares canais da
boêmia e do utopismo, do Quartier Latin aos subúrbios de Paris. Depois, bruscamente, o
grande criador de metáforas teve a revelação do dogma do povo soberano... Revelação que
ao mesmo tempo inflamava as penas de Michelet e de Quinet, e de muitos escritores de
menor envergadura, como Considérant.” Léon Daudet, La Tragique Existence de Victor
Hugo, Paris, 1937, p. 98. - Nesta época, Hugo fez um discurso para as tropas.
[d 16a, 3]
Hugo: “Foi durante uma dessas caminhadas desoladas que a visão de um navio naufragado
sobre uma rocha sem nome e com a quilha no ar deu a Hugo a idéia de um novo Robinson,
que se chamaria Les Travailleurs de la Mer. o trabalho e o mar, os dois pólos de seu exílio...
Enquanto nas ... Contemplations ele havia embalado a dor atroz por sua filha primogênita
perdida no mar, ele iria, na prosa dos Travailleurs , embalar a terrível tristeza por sua filha
que havia partido no mar. Esse elemento marinho estava decididamente ligado, por correntes
negras, a seu destino. Léon Daudet, La Tranque Existence de Victor Hugo, Paris, pp. 202-203.
[d 16a, 4]
juliette Drouet: “Presume-se ... que além da questão dos antigos amantes e das dívidas,
a propensão aos amores ancilares, que acompanhou o poeta ... de seus trinta anos ao
fim de sua vida, despertou-lhe o desejo de reduzir sua bela intérprete a uma condição
inferior, a um papel de pobreza ... e a famosa expiação pode muito bem não ter sido
senão uma metamorfose do desejo.” Léon Daudet, La Tragique Existence de Victor Hugo,
Paris, pp. 61-62.
[d 17. 1]
Léon Daudet afirma que o fracasso de Le Roi S'amuse, em 1832, distanciou Hugo da
monarquia.
[d 17, 2]
Os elogios entusiásticos de Hugo a Luís Napoleão foram publicados em LLÉvénement.
Passagens dos protocolos das sessões espíritas em Jersey (cit. em Albert Béguin, LAme
Romantique et le Rêve, Marselha, 1937, vol. II) que Béguin finaliza com esta observação
apropriada (p. 397): “Hugo transporta tudo o que colhe - e que pode parecer pura tolice,
se julgado somente pela razão — para sua mitologia, um pouco como o selvagem iniciado
nas belezas da instrução pública, gratuita e obrigatória. Mas sua vingança (e também sua
fatalidade) será tornar-se ele mesmo o mito de uma época desprovida de qualquer sentido
mítico.” Dessa forma, portanto, Hugo transportava o espiritismo para o seu mundo: “Todo
grande espírito realiza em sua vida duas obras: sua obra de vivo e sua obra de fantasma...
Enquanto o vivo faz a primeira obra, o fantasma pensativo, à noite, durante o silêncio
d
[História Literária, Hugo]
813
universal, desperta no vivo. Ó terror! ‘O quê?’ pergunta o ser humano, não é tudo?’ —
‘Não’, responde o espectro, ‘levanta-te, de pé! Venta muito, os cães e as raposas ladram, as
trevas estão por toda parte, a natureza arrepia-se e treme sob o chicote de Deus’... O
escritor-espectro vê as idéias fantasmas. As palavras se assustam, as frases estremecem ... a
vidraça empalidece, a lâmpada fica com medo... Tome cuidado, ó vivo, ó homem de um
século, ó proscrito de uma idéia terrestre, porque isto é loucura, porque isto é o túmulo,
porque isto é o infinito, porque isto é uma idéia fantasma.” (p. 390) O grande espírito , no
mesmo contexto: “Ele encontra a certeza às vezes como um obstáculo e a claridade às vezes
como um temor.” (p. 391) — Extraído do Post-scriptum de ma vie: “Existe algo de hilário nas
trevas. Um riso noturno flutua no ar. Há espectros alegres.” (p. 396)
[d 17, 4]
Sabe-se que Hugo inebriava-se com longas listas de nomes de grandes gênios — e não
apenas em William Shakespeare. É preciso pensar, nesse sentido, na paixão do poeta em
imaginar o próprio nome numa projeção gigantesca; sabe-se que ele enxergava um “H” até
nas torres de Notre-Dame. Suas experiências espíritas revelam um outro aspecto do mesmo
processo. Os grandes gênios, cujos nomes ele pronuncia incansavelmente e sempre em
ordem diferente, são seus avatares, encarnações de seu próprio eu, anteriores à sua encarnação
atual.
[d 17a, 1]
Enquanto escrevia Notre-Dame de Paris, Hugo subia todas as noites em uma das torres da
catedral; fazia o mesmo em Guernsey (Jersey?), na rocha dos proscritos, de onde contemplava
o mar todas as tardes.
(d 17a, 2]
Esta passagem decisiva, que faz explodir o estado de consciência do século, em “Ce que dit
la Bouche d’ombre” [O que diz a Boca dc sombra]:
“Chorai sobre a aranha imunda, sobre o verme,
Sobre a lesma de dorso molhado como o inverno,
Sobre o vil pulgão que se vê pendurado nas folhas,
Sobre o caranguejo medonho, sobre a horrenda centopéia,
Sobre o sapo assustador, pobre monstro de olhos doces,
Que olha sempre o céu misterioso!” 20
Confrontar o último verso com o último verso de “Les aveugles”, de Baudelaire. 21
[d 17a, 3]
Sainte-Beuve sobre o papel de Lamartine no ano de 1848: “O que ele não previa é que seria
o Orfeu que mais tarde dirigiria e liquidaria por algum tempo, com seu arco de ouro, essa
invasão de bárbaros.” C. A. Sainte-Beuve, Les Consolations: Pensées d’Aoüt (poemas, segunda
parte). Paris, 1863, p. 118.
[d 17a, 41
20 V. Hugo, CEuvres Completes, Poésie VI, Les Contemplations II: Aujourtfhui 1843-1855, Paris, 1882,
p. 359. (R.T.)
21 "O que buscam no céu, todos esses cegos?" (Les Fleurs du Mal, XCII). O poema citado, "Ce Que
Dit la Bouche d'Ombre", faz parte do volume Les Contemplations, de Hugo. (J.L.; E/M; w.b.)
SM ■ Passagens
“Lembramo-nos que a China e as mesas começaram a dançar quando todo o resto do
mundo parecia estar imóvel - para encorajar os outros.” Karl Marx, Das Kapital, vol. I, ed.
organizada por Korsch, Berlim, 1932, p. 83. 22
|d 17a, 5]
Em uma nota de Das Kapital (ed. Korsch, p. 541), Marx fala de “Balzac, que perscrutou
tão profundamente todas as nuanças da avareza”.
[d 17a, 61
La Bohème - era em seus primórdios o órgão da intelectualidade proletária da geração de
Delvau.
[d 18, 1]
Bourget sobre Balzac: “Este ou aquele de seus personagens era mais verdadeiro em 1860
que em 1835 ” A. Cerfberr e J. Christophe, Répertoire de la Comédie Humaine , Paris, 1887,
p. V (Introdução de Paul Bourget). <C£ d 8, l.>
[d 18, 2]
Seguindo a pista de Hofmannsthal ( Versuch über Victor Hugo, Munique, 1925, pp. 23-25),
demonstrar a origem do jornal a partir do espírito da retórica, 23 e destacar como o espírito
do discurso político representativo associou-se ao da verbosidade vazia e das fofocas da
cidade.
|d 18, 3]
Sobre o folhetim: Ávidos pelo lucro, os redatores dos grandes jornais não quiseram exigir
de seus folhetinistas uma crítica fundada em convicções e na verdade. Muitas e muitas
vezes estes se prestaram a tudo.” Este foi o julgamento da imprensa fourierista. H. J. Hunt,
Le Socialisme et le Romantisme en France: Étude de la Pr esse Socialiste de 1830 à 1848,
Oxford, 1935, p. 142.
[d 18, 4]
O programa político-poético de Lamartine, modelo de programas fascistas de hoje: “A
ignorância, a timidez dos governos ... desagradam um após outro, em todos os partidos, a
todos os homens que têm força no olhar e generosidade no coração: esses homens, cada vez
mais desiludidos desses símbolos mentirosos que náo os representam mais, vão se agrupar
unicamente cm torno de idéias... E para trazer uma convicção, uma palavra a mais para
esse grupo político que renuncio momentaneamente à solidão.” Lamartine, “Des destinés
de la poésie” [segundo prefácio a Les Méditations ], em Les Grands Écrivains de la France:
Lamartine, vol. II, Paris, 1915, pp. 422-423.
[d 18, 5]
Sobre o romance folhetim à época de Sue: “A necessidade a que respondem essas fantasias
consiste em descobrir um elo entre acontecimentos cuja aparência é incoerente.
22 "Á derrota da Revolução de 1848/49 seguiu-se na Europa um período de reacionarismo político.
Enquanto nos círculos aristocráticos e burgueses na Europa surgiu um entusiasmo pelo espiritismo,
principalmente pelas mesas giratórias, ocorreu na China, sobretudo entre os camponeses, um poderoso
movimento de libertação antifeudal, que entrou para a história como a Revolução Taiping." Nota à
referida citação, em Karl Marx, Das Kapital , MEW, vol. XXIII, Berlim, 1962, p. 848. (w.b.)
23 Alusão ao título do livro de estréia de Nietzsche, D/e Geburt der Tragódie aus dem Geiste der Musik
(O Nascimento da Tragédia a Partir do Espírito da Música). (E/M)
d
[História Literária, Hugo]
815
Obscuramente a imaginação se persuade de que todas essas desigualdades da realidade
social, essas quedas, essas ascensões, constituem uma única e mesma ação, isto é, procedem
de uma causa e têm uma ligação entre elas. O desenvolvimento do romance de folhetim e
a criação das ciências sociais são paralelos.” Cassou, Quarante-buit , Paris, 1939, p. 15.
[d 18, 6]
Cassou sobre o “lirismo democrático de Lamartine”: “Descobrimos neste um pensamento
secreto: nossa propriedade, com todo o seu cortejo de delícias espirituais, acompanha-nos
até o limiar da imortalidade. Apenas aventado em Milly, ou la Terre Natale, esse tema
irrompe em La Vigne et la Maison , exprimindo o desejo supremo de Lamartine - o de
sobreviver numa imortalidade física, em que tudo conservaria sua realidade perfeita e saborosa.
Escatologia que, talvez, seja um pouco diferente do puro espiritualismo de La Mort de
Socrate, segundo Platão ... mas que confessa a natureza profunda desse grande proprietário.”
Jean Cassou, Quarante-buit , Paris, p. 173.
[d 18a, i]
As quimeras de Notre-Dame devem ser praticamente contemporâneas ao romance de
Victor Hugo. “Aqui, Viollet-le-Duc, cujo trabalho é tão duramenre criticado, conseguiu
realizar algo notável. Estes demônios e monstros são de fato parentes próximos tardios das
carrancas criadas na Idade Média por uma imaginação obcecada, que via demônios e diabos
reais por toda parte.” Fritz Stahl, Paris, Berlim, 1929, p. 72. Em Hugo encontramos ura
fenômeno análogo. Talvez tratc-se aqui de uma questão que coincida com a seguinte: por
que o século XTX é o século do espiritismo?
[d 18a, 2 ]
Uma relação importante entre informação e folhetim é enfatizada por Laverdant (em todo
caso, é assim que se lê a abreviatura “Lm” de Hunt, em Le Socialisme et le Romantisme en
France , Oxford, 1935): “Os debates inquietantes ... entre a Alemanha e a França, a guerra
da África, não seriam todos esses fatos tão dignos dc atenção quanto as histórias de outrora,
ou as desgraças individuais habilmente narradas? Então, se o público lê esses grandes
romances nacionais, capítulo por capítulo, por que tentais lhe impor vossa historieta ou
vossa doutrina de uma só vez?... Divisão do trabalho e sessões curtas — eis as exigências do
leitor.” Lm, “Revue critique du feuilleton”, La Phalange, 18 jul. 1841, in: La Phalange , 3 a
série, tomo 3, Paris, 1841, p. 540.
[d 18a, 3]
“Victor Hugo, ... segundo Théophile Gautier, misturava no mesmo prato costeletas,
feijão ao óleo, omelete de presunto, queijo brie, e bebia café com leite temperado com
um filete de vinagre c uma pitada de mostarda.” R, Brunet, “La cuisine régionalé’, Le Temps,
4 abr. 1940.
(.1191
_g
[A Bolsa de Valores, História Económica]
“Napoleão representou a última batalha do terrorismo revolucionário contra a sociedade
burguesa, proclamada pela revolução, e contra sua política. Napoleão, na verdade, já tinha
compreendido a essência do Estado moderno e o fato de este ter como base o livre
desenvolvimento da sociedade burguesa, o livre jogo de interesses particulares etc. ...
Entretanto, ao mesmo tempo, Napoleão ainda via o Estado como fim em si mesmo e a
sociedade burguesa como mera guardiã do tesouro... Ele aperfeiçoou o terrorismo colocando
a guerra permanente no lugar da revolução permanente... Se ele oprimiu de maneira despótica
o liberalismo da sociedade burguesa — o idealismo político de sua práxis cotidiana — , ele
não foi mais indulgente com os interesses materiais essenciais dela, comércio e indústria,
cada vez que estes entravam em conflito com seus próprios interesses políticos. Seu desprezo
pelos homens de negócios ligados à indústria era o complemento ao seu desprezo pelos
ideólogos... Da mesma forma que, sob Napoleão, o terrorismo revolucionário se contrapôs,
mais uma vez, à burguesia liberal, assim também na Restauração, sob os Bourbons, a
contra-revolução mais uma vez se opôs a ela. Em 1830, a burguesia finalmente realizou
seus desejos de 1789, porém com a diferença de que então seu esclarecimento [Aufklãmng\
político já estava concluído, e ela agora não considerava mais o Estado representativo
constitucional como meio de alcançar o Estado ideal, tampouco o bem-estar do mundo ou
objetivos humanos universais; ao contrário, ela o reconhecia como a expressão oficial de seu
poder exclusivo e como o reconhecimento político de seus interesses particulares.” Karl
Marx e Friedrich Engels, Die heilige Familie, cit. em Die Neue Zeit, Stuttgart, III, 1883,
pp. 388-389.
[g í, D
Um esquema extraído da obra de Edgar Quinet, De la Révolution et de la, Philosophie : “O
desenvolvimento da filosofia alemã: ...uma espécie de teoria da revolução política francesa.
Kant é a Constituinte; Fichte, a Convenção; Schelling, o Império (através do respeito pela
força física); e Hegel parece ser para ele a Restauração e a Santa Aliança.” Schmidt-Weifíenfels,
Portraits aus Frankreich, Berlim, 1881, p. 120 (“Edgar Quinet und der franzõsische
Nationalhaí?” - “Edgar Quinet e o ódio nacional francês”).
tgl.2]
Ministério Guizot. “Corromper os colégios eleitorais era coisa fácil. Estes colégios se
compunham, em geral, de poucos eleitores; muitos deles contavam apenas com 200,
dentre os quais um grande número de funcionários. Os funcionários obedeciam às ordens
g
[A Bolsa de Valores, rSstóna Econômica]
819
“O protestantismo ... aboliu os santos no céu a fim de poder suprimir na terra os feriados
a eles dedicados. A Revolução de 1789 foi ainda mais longe. A religião reformada havia
conservado o domingo; os burgueses revolucionários achavam que um dia de descanso em
cada sete era demais, e instituíram, no lugar da semana de sete dias, a década, para que
houvesse um dia de descanso só a cada dez dias. E para enterrar de vez a lembrança dos
feriados religiosos..., substituíram no calendário republicano os nomes dos santos pelos
nomes de metais, plantas e animais.” Paul Lafargue, “Die christliche Liebestátigkeit”, Die
Neue Zeit, Stuttgart, XXIII, n° 1, pp. 145-146.
Ig2,2]
“A questão dos pobres assumiu logo nos primeiros dias da Revolução ... o caráter de máxima
gravidade e urgência. Bailly, que acabara de ser eleito prefeito de Paris com o propósito de
aplacar a miséria ... dos operários, agrupou-os e formou uma massa — cerca de 18.000
pessoas — e os encurralou como animais selvagens na colina de Montmartre; aqueles que
haviam tomado a Bastilha de assalto vigiavam os operários com canhões, segurando nas
mãos as mechas acesas... Se a guerra não tivesse empurrado os operários das cidades e os
camponeses desempregados e desamparados ... para o exército, e não os tivesse lançado às
fronteiras, teria havido uma sublevação popular ... na França inteira. Paul Lafargue, “Die
chrisdiche Liebestátigkeit”, Die Neue Zeit, Stuttgart, XXIII, n° 1, p. 147.
"Nosso século, em que o soberano está em toda parte, menos no trono.” Balzac, prefacio de
Un Grand Homme de Province à Paris, cit. em Georges Batault, Le Pontife de la Démagogie,
Motor Hugo, Paris, 1934, pp. 230-231.
[g 2a, 1]
Sobre os escritos de Napoleão III: “Lugares-comuns desenvolvidos com uma solenidade
contínua..., um perpétuo tinir de antíteses, e então, de repente, uma fórmula feliz que
cariva por seu ar de grandeza ou seduz por sua generosidade..., idéias tão confusas que não
as distinguimos mais nas profundezas em que parecem enterradas, e que, no momento em
que se perdem as esperanças de apreendê-las, revelam-se como um som de trombeta.”
?ierre de la Gorce, Napoléon III et sa Politique, Paris, pp. 4, 5, cit. em Batault, Le Pontife de
Démagogie, pp. 33-34.
lg 2a, 2]
Transição do regime napoleônico de guerra para o regime de paz da Restauração. Gravuras
ãariruladas O soldado lavrador, Os soldados ceifadores. Generosidade de um soldado francês, O
simulo dos bravos. Cabinet des Estampes.
[g 2a, 3]
“Por volta de 1829, quando o Sr. de Saint-Cricq, diretor da alfândega, proclamou o
íacerramento das atividades comerciais ... ficamos incrédulos. Mas foi tão real que causou
a irvolução de Julho. Nas vésperas de fevereiro de 1848, no rude inverno que o precedeu,
o encerramento voltou, e com ele o desemprego. No fim de vinte anos, 1869, ei-lo de
volta. Ninguém mais quer fazer empreendimentos. O governo atual, com suas companhias
ac Crédit Mobilier e outras, que propiciaram o desenvolvimento da Bolsa, desviou durante
áez anos os capitais da indústria e da agricultura, que dão um lucro menor. Seu tratado de
820 ■ Passagens
livre comércio, que em 1860 abriu a França à indústria inglesa ... provocou de imediato
uma enorme mina. A Normandia anuncia que não consegue se recuperar. Ainda menos as
fundições do Norte.” J. Michelet, Nos Fi/s, Paris, 1870, pp. 300-301.
[g 2a, 4]
Uma gravura em cobre de 1818: Crítica da estrangeiromania ou Não há ultraje em ser
francês. À direita, uma coluna com as inscrições dos feitos heróicos da guerra, da poesia,
da arte. Logo abaixo, um jovem com uma placa comemorativa da indústria; seu pé está
colocado sobre uma folha em que se lê: “Produtos das manufaturas estrangeiras”. Diante
dele, um outro francês aponta cheio de orgulho para a coluna. Ao fundo, um civil inglês
discute com um militar francês. Há uma legenda com a fala de cada um dos quatro
personagens. No céu, um anjo de proporções reduzidas, planando sobre a terra e soprando
uma trombeta. No instrumento está pregado um cartaz, onde se lê: “À imortalidade”.
Cabinet des Estampes.
[g 2a, 5]
“Se você passa diante da Bolsa ao meio-dia, encontrará ali uma longa fila... Esta fila compõe-
se de gente de todas as condições: burgueses, pessoas que vivem de rendas, merceeiros,
porteiros, intermediários, carteiros, artistas, atores que ali vêm ocupar o primeiro lugar em
tomo do recinto circular... Instalados na proximidade do pregão público, eles compram
ações que negociam na própria Bolsa. Esse velho de cabelos brancos, que oferece uma
pitada de rapé ao guarda que passa, é o decano desses especuladores... Pelo aspecto geral do
pregão e das operações paralelas, pela fisionomia dos agentes de câmbio, ele adivinha a alta
ou a baixa com um instinto maravilhoso.” [Taxile Delord,] Les Petits Paris, vol. I, Paris-
Boursier, Paris, 1854, pp. 44-46.
[g 3. 1]
Sobre a Bolsa de Valores: “A Bolsa data somente da época do Sr. de Vilièle; havia mais
iniciativa e saint-simonismo na cabeça desse ministro de Toulouse do que se poderia
imaginar... Sob sua administração, os cargos de agente de câmbio chegaram a ser vendidos
por um milhão de francos. A especulação, entretanto, apenas balbuciava seus primeiros
lucros; os quatro pequenos bilhões da dívida francesa, alguns milhões da dívida espanhola
e da dívida napolitana eram o alfabeto no qual ela aprendia a ler... Acreditava-se na
propriedade rural e na casa... Dizia-se de um homem rico: ele possui terras no campo e
casas na cidade!... Foi a partir de 1832, depois das ... prédicas do saint-simonismo..., que
o país encontrou-se maduro para seu grande destino financeiro. Em 1837, um entusiasmo
irresistível arrastou todos os espíritos para a Bolsa; a criação das ferrovias deu uma nova
força a este elã... A petite-coulissc’ [o pregão paralelo] ocupa-se dos negócios da pequena
burguesia; a contre-petite-coulisse [o pequeno pregão paralelo] movimenta os capitais do
proletariado. Um pregão opera para os porteiros, os cozinheiros, os cocheiros, os donos de
rotisseria, os comerciantes de aviamentos, os garçons de café; o outro desce um degrau
abaixo na hierarquia social. Um dia dissemos a nós mesmos: ‘O sapateiro, o vendedor de
fósforos, o limpador de fossas, o vendedor de batatas fritas, não sabem como utilizar seus
capitais; podemos abrir para eles o grande mercado da Bolsa’... Abrimos então o pequeno
pregão paralelo. Vendíamos por 3 francos, 50 centavos de renda fixa; fazíamos lucros de
um centavo; os negócios eram abundantes no pequeno pregão paralelo, quando sobreveio
3 Ver arquivo "O", nota 10. (w.b.)
g
[A Bolsa de Valores, História Econômica]
821
a debacle do mês passado.”’ [Taxile Delord,] Les Petits Paris, vol. I, Paris-Boursier, Paris,
1854, pp. 6-8, 56-57.
[g3,2]
Crise comercial de 1857 como causa da campanha da Itália. 4
[g 3, 3]
“Enfantin exorta seus amigos políticos ... a fundar ao lado do 'crédito industrial’, que
eriste, um crédito intelectual’.” Isto ocorreu em 1863! C. L. de Liefde, Le Saint-Simonisme
dans la Poésie Française, 1825-1865, Haarlem, 1927, p. 113.
[g 3a, 1]
Retrato do agiota Diard, por Balzac, em Les Mararur. “Ele pediu tantos por cento sobre a
compra de quinze vozes legislativas que, no espaço de uma noite, passaram da bancada da
Esquerda para a bancada da Direita. Esse tipo de ação não é mais nem crime, nem roubo,
é um modo de governar, ser um comanditado da indústria.” Cit. em Abbé Charles Calippe,
Smizac: Ses Idées Sociales, Reims-Paris, 1906, p. 100.
[g 3a, 2]
... 1838 que o governo, através do Sr. Martin du Nord, teve a boa idéia de
às câmaras o projeto da grande rede ferroviária nacional, um empreendimento
, cuja execução estaria reservada ao Estado... O Journal des Débats publicou um
fulminante contra esse infeliz projeto governamental, que então sucumbiu. Dois
depois, as duas principais linhas do Oeste e do Sul foram concedidas pelo Estado a
grandes companhias... Cinco anos depois ... Enfantin pai era secretário do conselho
■k administração da via férrea de Lyon ... e a aliança entre Saint-Simon e Judas ... concluiu-
«r para todo o sempre... Tudo isso era obra do Pai... Havia nomes judeus demais ilustrando
» fileiras da Igreja saint-simoniana para que a constituição de um feudalismo financeiro
jjneiios discípulos de Saint-Simon pudesse nos surpreender.” A. Toussenel, Les JuiJs Rois de /’
Époque, Paris, 1886, Éd. Gonet, pp. 130-133.
[g 3a, 3]
“IBo era a burguesia francesa como tal que dominava sob o rei burguês, mas unicamente
_ a aristocracia financeira. A indústria inteira, por sua vez, estava na oposição.” Eduard
Ernchs. Die Karikatur der europãischen Volker, Munique, 1921, vol. I, p. 365-
[g 3a, 4]
Umes de 1 830, a grande agricultura detinha o poder público. Depois de 1 830, a indústria
esse lugar, mas seu reinado já tinha sido preparado sob o regime que foi derrubado
barricadas... Enquanto em 1814 havia 15 fábricas que possuíam máquinas, eram 65
«a 1820, e 625 em 1830.” Paul Louis, Histoire de la Classe Ouvriere en France de la
n a nos Jours, Paris, 1927, pp. 48-49.
[g 3a, 5]
4 Em 1859, a França entrou em guerra contra a Áustria, que tinha ocupado territórios da Itália. Após as
vitórias de Magenta e Solferino, Napoleão III propôs um tratado de paz ao Imperador da Áustria,
recebendo como recompensa os condados de Savóia e Nice. (w.b.)
822 ■ Passagens
<fase tardia>
“A escravidão dos governos cresce, e o poder dos especuladores chegou a tal ponto que o
jogo da Bolsa tornou-se bússola da opinião pública.” Cit. em F. Armand e R. Maublanc,
Fourier, Paris, 1937, vol. II, p. 32.
íg 4, 1]
A Bolsa de Fourier: “A Bolsa de uma Falange é bem mais animada e mais complexa que as
de Londres ou de Amsterdam, uma vez que cada indivíduo tem que organizar uma grande
quantidade de encontros para os dias seguintes — encontros de negócios ou de prazeres...
Supondo que haja 1.200 indivíduos presentes e 20 sessões de tratativas por indivíduo, há
nessa reunião um total de 24.000 negociações a concluir, sendo que cada uma pode envolver
20, 40, 100 indivíduos, que precisam ser consultados nominalmente, em uma luta
cabalística... Negocia-se por sinais e sem barulho. Cada negociador exibe em [ ] 5 os
escudos dos grupos ou das falanges para quem ele negocia, e certos sinais convencionais
indicam em que ponto estão as negociações, se já se alcançou a metade, ou um terço, ou
um quarto das adesões.” Publication des Manuscrits de Fourier, Paris, 1851-1858, 4 vols.,
ano 1851, pp. 191-192.
[g 4, 2]
A designação “Bolsa de trabalho” foi inventada por Fourier, ou por um de seus adeptos.
[g 4, 3]
Em 1816, sete valores foram listados na Bolsa; em 1847, mais de 200.
íg 4, 4]
Em 1825, segundo Marx, a primeira crise da indústria moderna, isto é, a primeira crise do
capitalismo.
[g 4, 5]
5 O espaço vazio encontra-se desta forma no livro citado. (R.T.)
1
[Técnica de Reprodução, Litografia] 1 *
<fase tardia>
“A filosofia social da arte do litografo em seus primórdios ... depois dos artífices da lenda
napoleônica, depois dos literatos do romantismo, vieram os cronistas da vida francesa do
dia-a-dia. Os primeiros, sem o saber, prepararam os transtornos políticos; os segundos
apressaram a evolução literária; os últimos marcaram a delimitação profunda entre o povo
e a aristocracia.” Henri Bouchot, La Lithographie , Paris, 1895, pp. 112, 114.
[i 1 . 1 ]
Pigal descreve o povo; Monnier, a pequena-burguesia; Lami, a aristocracia.
[i 1, 2]
Nos primeiros tempos da litografia, observa-se a ação significativa dos amadores - exatamente
como ocorreu mais tarde no caso da fotografia.
lí 1,31
“A luta entre a litografia e a gravura pontilhada se acentuava a cada dia, e desde o fim de
1817 a vitória coube à litografia, graças à caricatura.” Henri Bouchot, La Lithographie,
Paris, 1895, p. 50.
[i 1, 4}
Bouchot trata as litografias anteriores a 1817 como incunábulos da litografia. De 1818 a
1825 ocorre um crescimento constante da produção litográfica da França. As circunstâncias
políticas tornaram este crescimento muito mais acentuado na França do que em outros
1 Estas pesquisas de Benjamin sobre a litografia estão relacionadas com seu ensaio "Das Kunstwerk im
Zeitalter seiner tedinischen Reproduzierbarkeit" (A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade
Técnica): I 3 versão (1935): GS I, 431-469; trad. brasileira: OE I, pp. 165-196; 2 a versão (1935/1936):
GS VII, 350-384; versão francesa: 'TCEuvre d'Art à FÉpoque de sa Reproduction Mécanisée" (1936),
GS I, 709-739; 3 a versão (1936/1939), GS I, 471-508; trad. brasileira: W. Benjamin et ai, Textos
Escolhidos, São Paulo, Abril Cultural, 1975, pp. 9-34 (Coleção Os Pensadores, XLVIII). - Os artistas
mencionados neste arquivo temático são os seguintes: o caricaturista Nicolas Charlet (1792-1862)
(cf. Ch. Baudelaire, "Quelques Caricaturístes Français", in: CEuvres Complètes, vol. II, pp. 546-549),
Gustave Doré (1832-1883), o pintor Eugène Lami (1800-1890) (cf. Charles Baudelaire, "Le Peintre de
la Vie Moderne", in: op. c/t, vol. II, p. 687), Henri Monnier (1805-1877) (cf. "Quelques Caricaturistes
Français”, in: op. cit., vol. II, pp. 557-558), Edme-Jean Pigal (1798-1872) (op. C/t, pp. 545-546),
Auguste Raff et (1804-1860), especialista em cenas militares, e Alois Senefelder (1771-1834), inventor
da litografia. (J.L.; w.b.)
$24 ■ Passagens
países. Também o seu declínio é, em parte, condicionado pela política; ele coincide com a
ascensão de Napoleão III. “O fato é ... que da plêiade do reinado de Luís Filipe restavam
apenas, nos primeiros anos de Napoleão III, quatro ou cinco sobreviventes exaustos e
desorientados.” Henri Bouchot, La Lithographie, Paris, p. 182.
[ii.5]
A litografia no fim do Segundo Império; “Tantas coisas lutavam contra ela! A água-forte
ressuscitada, os procedimentos heliográficos nascentes, e em certa medida o buril.
Materialmente ela afundou sob as dificuldades da tiragem - o acúmulo daquelas pedras
muito p esadas que os editores não aceitavam armazenar como antigamente. Henri Bouchot,
La Lithographie , Paris, p. 193. ^
Raffet realizou uma reportagem litográfica na Criméia. ^ _
1835-1845: “Não podemos esquecer ... que a produção em grande escala, que ocorreu
naquela época no setor das gravuras em madeira, conduziu-a muito rapidamente a uma
forma de produção industrial. Um dos gravadores de uma fábrica se encarregava só das
cabeças ou dos corpos; outro, dos menos habilidosos, ou um dos aprendizes, fazia os
acessórios, os cenários de fundo etc. Com tal divisão de trabalho, não era possível alcançar
uma uniformidade.” Eduard Fuchs, Honoré Daumier: Holzschnitte 1833-1 870, Munique,
1918, p. 16.
[i 1, 8]
A primeira tentativa de introduzir a litografia na França, empreendida pelo sócio de
Senefelder, André, de Offenbach, foi um completo fracasso. “Este se transferiu para a
França apenas com o intuito de vender partituras musicais produzidas por meio da
litografia. A patente havia sido emitida cm seu nome em 1802; ele havia instalado uma
oficina..., sem fazer a menor idéia da fortuna posterior da invenção... Mas o tempo
também não era propício às pequenas artes de transcrição; o mestre David esmagava a
gravura com seu desprezo altivo; quando muito, tolerava a gravura em cobre, mas só até
certo ponto. O empreendimento de André fracassou muito depressa.” Henri Bouchot,
La Lithographie, Paris, 1895, pp. 28-29.
[i la, 1]
Sobre as contribuições de Doré ao Journal Illustré e ao Journal pour Tous\ “Estas publicações
baratas — Journal pour Tous, Journal Lllustré, Tour du Monde — , nas quais Doré se dedicava
com uma prodigalidade e uma verve espantosas, serviam-lhe, antes de tudo, como laboratório
de pesquisas. Com efeito, nas grandes edições das livrarias, produzidas a custo elevado
(para a época) por Hachette ou Garnier, a imaginação, a fantasia e a verve de Gustave Doré
eram..., em certa medida, regulamentadas e limitadas pelas próprias exigências de uma
edição de luxo.” Roger Dévigne, “Gustave Doré, illustrateur de journaux à deux sous et
repórter du crayon”, Arts et Métiers Graphiques, n° 50, 15 dez. 1935, p. 35.
“O operário da Paris em revolução continua sendo apresentado nos livros e nas imagens
como um velho soldado da guerra das ruas, um revolucionário experiente, circulando meio
anuiu.. ecsE uma cartucheira e um sabre a tiracolo sobre a camisa, a cabeça coberta, como a de
mm uri da África, com um quepe adornado ou um chapéu de plumas, sem dinheiro,
miilqiodbeado, magnânimo, enegrecido de pólvora e suando sob o sol, pedindo ostensivamente
.iiiipiiE miando lhe oferecem um copo de vinho, instalando-se sobre a almofada do trono à
iniiDiüia. dos sans-culottes de 93, revistando seus companheiros ao saírem dos apartamentos
mus t rczilando os ladrões. Olhem os desenhos de Charlet e de RafFet, leiam os relatórios
em fecma de apoteose que foram vendidos, alguns dias depois da baralha, em benefício das
minas.. dos órfãos e dos feridos.” Gustave Geffroy, ÜEnfermé, Paris, 1926, vol. 1, p. 51.
[i la, 3]
'((Cosas panfletos de Maix eram litografados. (Conforme Cassou, Quardnte-huit, Paris, 1939,
§t, . 1148-1
[i 2]
k
[A Comuna]
“A história da Comuna de Paris tornou-se uma pedra de toque de grande importância para
a questão de como a classe operária revolucionária deveria organizar sua tática e estratégia
para atingir a vitória final. Com a queda da Comuna, caíram também para sempre as
últimas tradições da antiga lenda revolucionária; nenhuma circunstância favorável, nenhuma
coragem heróica, nenhum martírio pode substituir a clara compreensão que o proletariado
possuía das ... condições imprescindíveis de sua emancipação. O que vale para revoluções
feitas por minorias e no interesse de minorias não vale ... para a revolução proletária... Na
história da Comuna, os germes desta revolução são ainda sufocados por plantas parasitárias
que vicejaram na revolução burguesa do século XVIII e invadiram o movimento revolucionário
dos operários do século XIX. Faltaram na Comuna a sólida organização do proletariado
como classe e a clareza de princípios referentes a sua vocação na história universal: foi disto
que resultou sua derrota." F. Mehring, “Zum Gedâchtnis der Pariser Kommune”, Die
Neue Zeit, XIV, n° 1 (Stuttgart, 1896), pp. 739-740.
[ki, í]
“Diremos apenas duas palavras sobre os espetáculos-conferências que se multiplicaram nos
últimos anos... O Sr. Ballande, imaginando dedicar as tardes de domingo a apresentações
de baixo custo de obras-primas ou de monumentos curiosos da arte, que precederiam a
explicação histórica e literária da obra, havia encontrado uma idéia boa e feliz... Mas o
sucesso provoca imitações, e é raro que as imitações não exagerem os aspectos desagradáveis
das coisas que elas copiam. Foi o que aconteceu. Representações diurnas se organizaram no
Châtelet e no Ambigu. Nestes espetáculos, a questão artística passou para o segundo plano;
a política dominou; foram procurar Agnès de Méranie, exumaram Calas e Charles IX ou
1’École des Rois...' Uma vez nesse caminho, por uma estranha sedução da loucura política,
as obras mais inofensivas forneceram matéria ... às declamações mais heteróclitas sobre os
assuntos do dia. Moiière e Luís XIV provavelmente teriam se surpreendido com os ataques
... aos quais serviram de pretexto. Este tipo de conferências, ditas teatrais, escapa
completamente a toda espécie de controle.” — “Quando eclodem as revoluções, recolhe-se
mais de uma declaração que deveria ser instrutiva. Eis o que se pode ler em Le Mot d’Ordre,
1 Agnès de Méranie (1846), tragédia escrita por François Ponsard (1814-1867). é a história de uma rainha
da França do século XII que perdeu o trono por ordem do Papa Inocêncio III. A peça Calas (1819), de
Victor Ducange (1783-1883), trata do comerciante huguenote Jean Calas, condenado e executado
no século XVIII pelo parlamento de Toulouse, com base em falsos testemunhos. Charles IX ou 1‘Êcole
des Rois ( 1789) é uma tragédia de Marie Joseph de Chénier (1764-1811), sobre o jovem rei da França
que foi conivente com o massacre de milhares de huguenotes, tramado por sua mãe, Catarina de
Médici, na noite de São Bartolomeu, de 23 a 24 de agosto de 1572. (E/M)
S28 ■ Passagens
de 17 de maio de 1871, a respeito das cartas de civismo: 2 ‘Foi celtamente a leitura
demasiadamente assídua do Chevalier de Maison-Rouge e de outros romances de Alexandre
Dumas que inspirou esse decreto aos membros da Comuna. Lamentamos ser obrigados a
lhes dizer que não se faz história com leituras dc romances.” Victor Hallays-Dabot, La
Censure Dramatique et le Théâtre (1850-1870), Paris, 1873, pp. 68-69 e 55. [Le Mot
d’Ordre é provavelmente um jornal de Rochefort.]
r [kl, 2]
A Comuna sentia-se, em todos os aspectos, uma herdeira de 1793.
[k 1.3]
O texto de Hallays-Dabot, p. 55 <cit. k 1, 2> é muito importante para a correlação entre
colportagem e revolução. ^ ^
“Em algumas encruzilhadas nosso caminho se alarga inesperadamente em vastas cúpulas...
Certamente cada um destes Coliseus clandestinos ofereceria pontos muito úteis para a
concentração de forças em algumas eventualidades, assim como o infinito da rede
subterrânea, com suas mil galerias, abre uma mina pronta sob todos os pontos da capital...
O golpe fulminante que aniquilou o Império não lhe deixou o tempo para que utilizasse
este recurso. É ainda mais difícil explicar por que os chefes da Comuna..., determinados a
tudo, não tenham recorrido a esse formidável meio de destruição diante da entrada das
tropas.” Nadar, Quand J’étais Photographe, Paris, 1900, p. 121 (“Paris souterrain”). Referência
a “Carta de N... (Paris) a Louis Blanc (Versailles), maio de 1871”, que expressa tal expectativa.
[k la, 1]
“Se Rimbaud é, de fato, admirável, não é por ter se calado, mas por ter falado. Se ele se
calou, foi certamente por falta de uma audiência verdadeira. E que a sociedade em que vivia
não podia lhe oferecer essa audiência. Devemos nos lembrar do fato muito simples de que
Arthur Rimbaud veio a Paris, em 1871, naturalmente para se engajar no exército da
Comuna... No quartel do Château-d’Eau, o jovem Rimbaud não duvidava ainda da utilidade
do escrever, e cantava as mãos da Mendiga, da Jeanne-Marie das periferias, que não é a
Marianne de gesso das prefeituras:
‘Nao são as mãos de primas
Mas de operárias de fronte larga
Que bronzeia no bosque cheirando a usina
Um sol ébrio de betume.
Elas empalideceram, maravilhosas,
Ao sol pleno, de amor carregado,
Sobre o bronze das metralhadoras
Através da Paris insurreta...’
2 As cartas de civismo, que eram carteiras de identidade emitidas pelo Comitê de Segurança Pública da
Comuna, tornaram-se obrigatórias para todos os cidadãos, em maio de 1871, numa situação de
crescente temor de espiões. (E/M)
k
]A Comuna] 829
Então, nas Assembléias da Comuna ... viam-se ao lado das operárias de Paris..., dos
combatentes do socialismo, o poeta da Internacional, Potier; o autor de LInsurgé, Jules
Vallès; o pintor do Enterrement à Ornans, Courbet; e o genial experimentador da fisiologia
do cerebelo, o grande Flourens.” Aragon, “D’Alfred de Vigny à Avdeenko’, Commune, II,
20 abr. 1935, pp. 810 e 815.
[k la, 2]
“A Comuna, em que tinham assento apenas os eleitos dos bairros operários, era formada
por uma coalizão de revolucionários sem programa comum. Dos 78 membros, somente
uns vinte tinham projetos de reforma social; a maioria deles era formada por democratas
jacobinos da tradição de 1793 (Delescluze).” A. Malet e P. Grillet, XlX e Siècle, Paris,
1919, pp. 481-482.
[k la, 3]
<fase média>
Surgiu na Comuna o projeto de um Marco Maldito, que deveria ser erigido na esquina de
uma praça cujo centro seria ocupado por um memorial. Nele (conforme o projeto) deveriam
ser listadas todas as personalidades oficiais do Segundo Império. Não faltaria nem mesmo
o nome de Haussmann. Desta forma, deveria ser inaugurada uma “história infernal’ do
regime. Contudo, pretendia-se remontar até Napoleão I, “o celerado do Brumário — chefe
desta Raça maldita de boêmios coroados que a Córsega vomitou sobre nós, desta linhagem
fatal de bastardos que já não seria reconhecida nem mesmo em seu país de origem”. Este
projeto, impresso na forma de um cartaz, data de 15 de abril de 1871. (Exposição La
Commune de Paris”, Prefeitura de Saint-Denis).
[k 2, 1]
“Eis teus frutos. Comuna sanguinária,
Sim ... quiseste aniquilar Paris.”
O último verso é o refrão de um poema, “As ruínas de Paris”, impresso como panfleto.
(Exposição da Prefeitura de Saint-Denis). ^ ^ ^
Uma litografia de Marcier, Le départ de la Commune [A partida da Comuna], publicada
por Deforet e César Éditeurs, representa uma mulher (?) montada em um animal metade
hiena, metade rocim, envolta em uma enorme mortalha, com a bandeira vermelha, rota e
suja, desfraldada, deixando para trás uma viela invadida pela fumaça negra das casas em
fogo. (Exposição da Prefeitura de Saint-Denis).
Após a tomada de Paris, Vlllustration publicou um desenho intitulado Chasse à Vhomme
dam les catacombes [Caça aos homens nas catacumbas]. De fato, um dia as catacumbas
foram vasculhadas na procura de fugitivos. Todos os que foram encontrados foram executados.
830 ■ Passagens
As tropas entraram nas catacumbas a partir da Place Denfert-Rochereau, enquanto as
saídas pelo lado do campo de Montsouris eram bloqueadas. (Exposição)
[k 2, 4]
Um panfleto da Comuna reproduz um desenho intitulado Les cadavres découverts dans les
souterrains de 1’Église Saint-Laurent [Os cadáveres descobertos nos subterrâneos da Igreja
Saint-Laurent], Dizia-se que nesse local haviam encontrado corpos de mulheres que deviam
estar ali há alguns anos. Suas pernas tinham sido abertas à força e suas mãos ainda estavam
amarradas. (Exposição)
[k 2, 5]
Folheto em folha avulsa, litografia: Elle [Ela] . Representa a república como uma bela mulher,
envolvida por uma serpente cuja cabeça tem os traços de Thiers. A mulher segura um
espelho acima da cabeça. Abaixo:
“De mil maneiras podes tê-la
Ela está para alugar, mas não à venda. ”
[k 2, 6J
As ilusões que ainda alimentavam a Comuna vêm à tona expressamente na fórmula de
Proudhon, em seu apelo à burguesia: “Salvai o povo, salvai a vós mesmos, como fizeram
vossos pais: pela Revolução.” Max Raphael, Proudhon , Marx, Picasso , Paris, 1933, p. 118.
[k 2a, 1]
Relembrar as palavras de Chevalier: “Glória a nós! Entramos no tesouro dos reis, escoltados
pela miséria e pela fome; passeamos no meio da púrpura, do ouro e dos diamantes; quando
saímos, tínhamos por companheiras a fome e a miséria.” “Religion saint-simonienne: La
Marseillaise” (extraído do Orgamsateur dc 1 1 de setembro dc 1830) [autor: Michel Chevalier,
conforme o Catálogo da Bibliothèque Nationale], p. 2.
[k 2a, 2]
Um dos últimos centros de resistência da Comuna: a Place de la Bastille.
[k 2a, 3]
Charles Louandre, Les Idees Subversives de Notre Temps , Paris, 1872, é um representante
característico dos panfletos reacionários que seguiram a Comuna.
[k 2a, 4]
Uma caricatura de Courbet: o pintor sobre uma coluna quebrada. Abaixo, a legenda
“Atualidade”. 3 Cabinet des Estampes, kc 164 a 1.
[k 2a, 5]
“Louise Michel, relatando em suas memórias uma conversa que teve com Gustave Courbet,
mostra-nos o grande pintor da Comuna, extasiado com o futuro, perdendo-se em devaneios
que, por exprimirem o seu século XIX, não deixam de ser - apesar disso ou justamente por
isso mesmo — de uma tocante e maravilhosa grandeza. ‘Se cada um’, profetiza Coubert, ‘se
3 A caricatura mostra Courbet sobre os restos da coluna da Place Vendôme, derrubada durante a Comuna.
Courbet, que presidia a Comissão de Belas-Artes da Comuna, foi posteriormente condenado por esse
ato. (R.T.)
k
[A Comuna] 831
entregar sem entraves a seu gênio, Paris duplicará sua importância. E a cidade internacional
européia poderá oferecer às artes, à indústria, ao comércio, às transações de toda espécie e
aos visitantes de todos os países uma ordem imperecível, a ordem estabelecida pelos cidadãos,
que não poderá ser interrompida pelos pretextos de pretendentes monstruosos. Sonho
ingênuo por seus aspectos de Exposição Universal, mas que, de qualquer forma, implica
profundas realidades, sobretudo a certeza de uma ordem unânime a ser fundada, ‘a ordem
criada pelos cidadãos .” Jean Cassou, “La semaine sanglante”, Vendredi, 22 maio 1936.
r lk 2a, 6]
No Primeiro Império e, sobretudo, no Segundo Império, Engels vê estados que poderiam
exercer o papel de instâncias de mediação entre os burgueses e os proletários, que dispõem
de força praticamente igual. Cf. G. Mayer, Friedrich Engels , vol. II, Berlim, 1933, p.^44h
A ultima luta desesperada da Comuna: “Delesciuze lança então sua famosa proclamação:
‘Basta de militarismo! Chega de estados-maiores engalanados e dourados em todas as costuras!
É a vez do povo, dos combatentes de braços nus! Soou a hora da guerra revolucionária...
Desperta no coração de todos um impaciente entusiasmo. Partirão para morrer, como bem
compreenderão os estrategistas poloneses; 4 cada um encontrará seu bairro, o calçamento
familiar, a esquina onde é bom viver e morrer, a tradicional barricada! Essa proclamação e o
último grito do blanquismo, o sobressalto supremo do século XIX. Quer-se ainda acreditar!
Acreditar no mistério, no milagre, no folhetim, no poder mágico da epopéia. Não se
compreendeu que a outra classe organizou-se cientificamente, confiou-se a exércitos
implacáveis. Há muito tempo seus dirigentes adquiriram uma consciência clara da situação.
Não foi sem motivo que Haussmann, com suas avenidas largas e retas, dissolveu os bairros
fervilhantes e tortuosos, os ninhos do mistério e do folhetim, os jardins secretos da conjuração
popular.” Jean Cassou, “La semaine sanglante”, Vendredi, 22 maio 1936.
[k 3, l]
Engels e a Comuna: “Enquanto o Comitê Central da Garde Narionale comandou as ações
militares, ele mantinha suas esperanças. Partiu dele, sem dúvida, o conselho que Marx
transmitiu a Paris na ocasião — o de fortificar o lado norte das colinas de Montmartre, o
lado prussiano’. 5 Ele temia que, de outra forma, a sublevação pudesse cair em uma ratoeira .
Mas a Comuna não seguiu o conselho e, como lamentou Engels, ela perdeu o momento
certo para lançar uma ofensiva... No início, Engels ainda achava que o combate duraria
muito tempo... No Conselho Geral, ele enfatizou ... que os operários parisienses estavam
melhor organizados que em qualquer outra revolta anterior; que os trabalhos de alargamento
das ruas, realizados sob Napoleão III, os favoreceriam, caso ocorresse um ataque à cidade;
que, pela primeira vez, as barricadas seriam defendidas por canhões e tropas regularmente
organizadas.” Gustav Mayer, Friedrich Engels, vol. II, Engels und der Aufstieg der
Arbeiterbewegung in Europa , Berlim, 1933, p. 227.
4 Referência à situação política e militar sem perspectivas da Polônia, cujo território foi repartido após o
Congresso de Viena (1815), entre a Prússia, a Rússia e a Áustria. (E/M)
5 Depois da vitória em Sedan e a prisão de Napoleão III, em 1 de setembro de 1870, o exército prussiano
avançou sobre Paris, completando o cerco da cidade em 23 de setembro. 0 estado de sítio durou até
fins de janeiro de 1871, quando foi assinado um armistício, preparando o fim da Guerra Franco-
Prussiana. (E/M)
832 ■ Passagens
“Em 1884, ele” [Engels] “confessou a Bernstein que no texto de Marx ‘as tendências
inconscientes da Comuna foram atribuídas a ela como planos mais ou menos conscientes ,
e acrescentou que, ‘em vista das circunstâncias, isto tinha sido legítimo e mesmo necessário ...
A maioria dos participantes da revolta era constituída de blanquistas, portanto, de
revolucionários nacionalistas, que depositavam suas esperanças na ação política imediata e
em uma ditadura autoritária exercida por alguns poucos homens decididos. Somente uma
minoria pertencia à <Primeira> Internacional, que, além do mais, era dominada pelo espírito
de Proudhon, e por isso náo se poderia dizer que era constituída por revolucionários sociais,
e muito menos por marxistas. Isto não impediu que em toda a Europa os governos e a
burguesia considerassem esta sublevação ... como uma trama do Conselho Geral da
Internacional.” Gustav Mayer, Friedrich Engels , vol. II, Engels und der Aufstieg der
Arbeiterbewegung in Europa, Berlim, p. 228. ^
A primeira communio : a cidade. “Os imperadores da Alemanha, como Frederico I e Frederico
II, por exemplo, promulgaram editos contra estas communiones [comunidades],
conspirationes..., bem no espírito do parlamento federal alemão... É engraçado que a palavra
communio ... tenha sido amaldiçoada, muitas vezes, da mesma maneira que o comunismo
hoje em dia. Assim, por exemplo, escreve o clérigo Guilbert de Noyon: Communio é uma
designação nova e péssima.’ Há por vezes algo de patético na maneira como os SpiefMrger
[os burgueses filisteus] 6 do século XII convidam os camponeses a se refugiar nas cidades,
na communio jurata :.” Marx a Engels, 27 de julho de 1854, de Londres, in: Karl Marx e
Friedrich Engels, Ausgewãhlte Briefe, ed. org. por V. Adoratskij, Moscou-Leningrado, 1534,
pp. 60-6!. [k3 »,2]
Ibsen enxergava mais longe que vários líderes da Comuna na França. Em 20 de dezembro
de 1870, ele escreve a Brandes: “O que nos mantém vivos ainda hoje nada mais é do que as
migalhas da mesa da revolução do século passado, e já mastigamos este alimento por
tempo demais... Liberdade, igualdade e fraternidade não são mais as mesmas coisas que
eram nos tempos ditosos da guilhotina. É isto que os políticos não querem compreender,
e por isso os odeio.” Henrik Ibsen, Sãmtliche Werke, vol. X, Berlim, 1905, p. 156.
<fase tardia>
Foi Beslay, um adepto de Proudhon, que, como delegado da Comuna, deixou se convencer
em 30 de março por De Ploeuc, o subdiretor do Banque de France, a não tocar - no
interesse da França - nos dois bilhões, “os verdadeiros reféns”. Com a ajuda dos adeptos de
Proudhon, que participavam do Conselho, ele conseguiu impor seu ponto de vista.
Blanqui em La Patrie en Danger, a revista que publicou durante o cerco: “Berlim é que deve
ser a cidade santa do futuro, o brilho que ilumina o mundo. Paris é a Babilônia usurpadora
6 Cf. arquivo [I], nota 3.
k
[A Comuna] 833
e corrompida, a grande prostituta que o enviado de Deus, o anjo exterrninador, com a
Bíblia na mão, vai varrer da face da terra. Vocês não sabem que o Senhor marcou a raça
germânica com o selo da predestinação?... Defendamo-nos. É a ferocidade de Odin, duplicada
com a ferocidade de Moloch, que avança contra nossas cidades; a barbárie do Vândalo e a
barbárie do Semita.” Cit. em Gustave Geffroy, LEnfermé, Paris, 1897, p. 304.
[k 4. 2!
Georges Laronze em Histoire de la Commune de 1871, Paris, 1928, p. 143, sobre o
fuzilamento dos reféns: “Quando caíram os reféns, a Comuna havia perdido o poder. Mas
ela continuou sendo responsável <pelos seus atos>.” 7
[k 4, 3!
O aparato administrativo parisiense durante a Comuna: “Ela conservava intacto todo o seu
organismo, animada por um desejo agudo de recolocar em funcionamento suas menores
engrenagens e de aumentar ainda, bem ao gosto burguês, o número de funcionários de
classe média.” Georges Laronze, Histoire de la Commune de 1871 , Paris, 1928, p. 450.
[k 4, 4]
Formações militares na Comuna: “Uma tropa pouco inclinada em ultrapassar as muralhas,
que preferia à luta em campo aberto a atmosfera de batalha de seu bairro, a febre das
reuniões públicas, dos clubes, das operações de polícia e, se fosse preciso, a morte atrás das
pedras amontoadas de uma rua de Paris.” Georges Laronze, Histoire de la Commune de
1871, Paris, 1928, p. 532.
[k 4, 5]
Courbet, juntamente com outros participantes da Comuna, manifesta-se contra Protot, a
fim de evitar a destruição das coleções <de arte> de Thiers.
[k 4, 6]
Os membros da Internacional aceitaram se eleger para o Comitê Central da Garde Nationale,
por conselho de Varlin.
[k 4, 7]
“Esta orgia de poder, de vinho, de mulheres e de sangue que se chama Comuna.” Charles
Louandre, Les Idees Subversives de Notre Temps , Paris, 1 872, p. 92.
[k 4, 8]
7 Durante a "Semana Sangrenta" (de 21 a 28 de maio de 1871), os comunardos resistiram às tropas do
governo de Thiers em combates rua por rua, recuando até o centro de Paris. Nessa situação de
desespero, executaram vários reféns, entre eles o arcebispo de Paris. (E/M)
[0 Sena, A Paris Mais Antiga]
<fase média>
Por volta de 1830: “O quartier era cheio daqueles jardins que Hugo descreveu em ‘Ce qui
se passait aux Feuillantines’. ' O Luxembourg, muito maior do que é hoje, cra margeado
diretamente pelas casas; cada proprietário tinha uma chave do jardim e podia passear ali a
noite inteira.” Dubech e D’Espezel, Histoíre de Paris , Paris, 1926, p. 367.
[I l, 1]
Rambuteau mandou plantar” — nos boulevards Saint-Denis e Bonne-Nouvelle — “duas
fileiras de árvores para substituir aquelas, antigas e belas, que haviam acabado nas barricadas
de 1830.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris , p. 382.
[I 1, 2]
“As donas de casa vão apanhar água no Sena; os bairros distantes são abastecidos por
carregadores de água.” (Monarquia de Julho). Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, p.
388-389.
111,31
Antes de Haussmann: “Antes dele, os antigos aquedutos só conseguiam levar água até o
segundo andar.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Paris, p. 418.
[1 1 . 4 ]
“A anglomania ... influenciou as idéias depois da Revolução e influenciou as modas depois
de Waterloo. Assim como os Constituintes copiavam as instituições, passou-se a copiar os
parques e as praças de Londres.” Dubech e D’Espezel, op. cit., p. 40 4.
[ 11 . 5 ]
“Como se podia ver em Strabon, a via do Sena começou a ser utilizada e apreciada. Lutécia
tomou-se o centro de uma corporação de nautas e marinheiros que, no tempo de Tibério,
ergueram ao Imperador e a Júpiter o famoso altar que foi reencontrado sob Notre-Dame,
em 1711.” Dubech e D’Espezcl, op. cit., p. 18.
[11.6J
1
Ce qui se Passait aux Feuillantines Vers 1813": poema de Victor Hugo in: Les Rayons et /es Ombres, XIX,
1840. (w.b.)
836 ■ Passagens
O inverno não é rigoroso aqui. Veem-se boas vinhas, e mesmo figueiras, desde que se
tenha o cuidado de protegê-las com palha.” Julien em Misopogon , citado em Dubech e
D’Espezel, op. cit., p. 25.
[11.7]
“O Sena parece seguir exalando o ar parisiense até sua foz.” Friedrich Engels, “Von Paris
nach Bern”, Die Neue Zeit, XVII, n° 1 (Stuttgart, 1899), p. 11.
[1 1. 8]
“Se agora é permitido ler nos jardins públicos, é proibido fumar ali; a liberdade, como se
começa a dizer, não é permissividade.” Nadar, Quand fétais Photographe, Paris, 1 900, p. 284
(“1830 e environs” [Por volta de 1830]).
[1 1. 9]
“Veremos em breve erguer-se o Obelisco trazido ontem de Luxor pelo príncipe De Joinville. 2
Estamos inquietos, porque correm boatos que não devem deixar muito tranqüilo o engenheiro
Lebas, encarregado de erguê-lo: os ingleses, sempre ciumentos ... teriam pago um traidor
para serrar o interior dos cabos. Oh! estes ingleses!” Nadar, Quand Jêtais Photographe , Paris,
p. 291 (“1830 e environs”).
[ 1 1 . 10 ]
Em 1 848, foram plantados choupos, árvores da liberdade, em Paris. Thiers, “Povo, tu serás
grande”. Foram cortados em 1850 por ordem do prefeito de polícia, Carlier.
[li.ii]
Após a Revolução de Julho: “Eram inúmeras as árvores abatidas que se viam no caminho
para Neuilly, nos Champs Élysées, nos boulevards. No Boulevard des Italiens não havia
mais uma árvore sequer. Friedrich von Raumer, Briefe aus Paris und Fmnkreich im Jahre
1830 , Leipzig, 1831, vol. II, pp. 146-147.
[1 1 , 12 ]
Veem-se jardins que tem apenas alguns passos de largura, mas que propiciam, sem dúvida,
um lugar com um pouco de verde onde se pode ler ao ar livre e, de vez em quando, ouve-
se ate mesmo o canto de um passaro. — Entretanto, a Place Saint-Georges é o lugar mais
aprazível. Ali caminham de mãos dadas o gosto campesino e o gosto urbano; ela é cercada
por edifícios voltados de um lado para a cidade, e do outro, para o campo.” Além disso,
chafarizes, terraços, estufas, canteiros de flores. L. Rellstab, Paris im Frühjahr 1843: Briefe ,
Berichte und Schilderungen, Leipzig, 1844, vol. I, pp. 55-56.
[I la. 1]
“Paris está entre duas camadas: uma camada de água e uma camada de ar. O lençol aquático,
situado numa profundidade subterrânea bastante grande ... é sustentado por uma camada
de arenito verde, situada entre o calcário cretácio e o calcário jurássico. Esta camada pode
ser representada por um disco de vinte e cinco milhas de raio; uma grande quantidade de
Luxor, cidade localizada à margem leste do Nilo, cerca de 650 km ao sul do Cairo, foi centro de poder
egípcio entre 2.100 e 750 a.C. O obelisco tinha sido acrescentado ao templo pelo faraó Ramsés II
(1304-1237 a.C.). Muhamad Ali, vice-rei do Egito, ofereceu o obelisco em 1831 ao governo francês,
em troca de apoio político. O filho do rei Luís Filipe - François Ferdinand Philippe d'Orléans, o referido
príncipe De Joinville - era encarregado da transferência. O obelisco foi erguido na Place de la Concorde
em 25 de outubro de 1836. (E/M; w.b.)
1
[O Sena, a Paris Mais Antiga] 837
rios e ribeirões é filtrada por ela; bebe-se o Sena, o Marne, o Yonne, o Oise, o Aisne, o Cher,
o Vienne e o Loire em um copo de água do poço de Grenelle. A camada de água é salubre,
ela vem primeiro do céu, em seguida da terra; a camada de ar é insalubre, ela vem do
esgoto.” Victor Hugo, CEuvres Completes , Roman , IX (Les Misérables), Paris, 1881, p. 182.
[1 la, 2]
No início do século XIX, ainda existiam trains de bois (balsas?) descendo o rio Sena, e
Ch. L. Viel, em sua obra De UImpuissance des Mathématiques pour Assurer la Solidité des
Bâtiments, critica os pilares da Pont du Louvre, onde tais embarcações de madeira teriam
se espatifado.
[1 la, 3]
Mercier ( Tableau de Paris, Amsterdam, 1782, vol. III, p. 197), entre outros, fala das
redes de Saint-Cloud. “Os corpos dos infelizes que se afogam ... ficam presos, exceto
durante o período de gelo, nas redes de Saint-Cloud.” Muitos, entre os quais Dulaure,
falam dessas redes; outros, como Gozlan e Touchard-Lafosse, negam que elas tenham
existido. Nos arquivos de Paris não se encontra informação alguma a respeito. A tradição
menciona sua extinção no ano de 1810. Conforme Firmin Maillard, Recherches Historiques
et Critiques sur la Morgue, Paris, 1860. O último capítulo deste livro (p. 137): “Les filets
de Saint-Cloud”.
[1 a, 4]
<fase tardia>
Sobre “Um rio subterrâneo em Paris”, que foi coberto em grande parte no começo do
século XVTI: “O rio ... assim ... descia gradualmente o declive em direção à casa que, já no
século XV, tinha dois salmões como insígnia, e que deu lugar à passagem de mesmo nome.
Lá, tendo se avolumado com as águas que vinham dos Halles, ele se afundava sob a terrà,
no lugar em que hoje começa a rua Mandar, e onde a entrada do grande esgoto, que ficou
aberta durante muito tempo, deu passagem aos bustos de Marat e de Saint-Fargeau ...
depois do Termidor... O rio se perdia ... no Sena, bem embaixo da cidade... Foi o suficiente
para que o rio lodoso empesteasse em sua passagem os bairros que atravessava, e que formavam
uma das partes mais populosas de Paris... Quando irrompeu a peste, via-se que ela surgia
primeiro nas ruas em que o rio, com sua vizinhança infecta, produzia antecipadamente
fixos de pestilência.” Édouard Fournier, Ênigmes des Rues de Paris , Paris, 1860, pp. 18-19,
21-22 (“Une rivière souterraine dans Paris”).
[1 2, O
‘Lembramo-nos da lâmpada divina com bico de prata, reluzindo ‘branca como a luz
elétrica’, que nos Chants de Maldoror desce lentamente o Sena, atravessando Paris. Mais
tanie, no outro extremo do ciclo, em Fantômas, o Sena conhecerá também, perto do Quai
dlcjavel, inexplicáveis luzes errando em suas profundezas.” Roger Caillois, “Paris, mythe
modeme”, Nouvelle Revue Française, XXV, n° 284, 1 maio 1937, p. 687.
11 2 . 2 ]
838 ■ Passagens
“Também os cais do Sena devem a Haussmann o seu acabamento final. Só então foram
construídos os passeios, na parte de cima, e plantadas as árvores, na parte de baixo; eles
ligam assim, também pela forma, a grande via representada pelo rio às avenidas c aos
boulevards. n ,
“Se Lutécia ainda não se comunicava diretamente com as grandes cidades do Norte, ela
estava na via comercial que duplicava o rio por terra... Era a grande via romana da margem
direita, que se tornaria a Rue Saint-Martin. No cruzamento de Château-Landon ela se
bifurcava em uma segunda via, a de Senlis. Uma terceira, a via de Melun, estrada aberta
através de um pântano profundo em direção à Bastilha, talvez existisse desde o Alto
Império... : esta se tornaria a Rue Saint-Antoine.” Dubech e D’Espezel, Histoire de Parts ,
Paris, 1926, p. 19- [ 12 , 4 ]
“Partindo dos boulevards, desçam a Rue de Rougemont: vocês verão que o Comptoir
d’Escompte [Banco de Desconto] ocupa o fundo de uma depressão acentuada: vocês se
encontram no leito primitivo do Sena.” Dubech e D Espezel, Histoire ile Paris, Paris, 1926,
P- [1 2a, 1]
“A cidade burguesa, Paris-Ville, bem distinta de Paris-Cité, cresceu na margem direita e
sobre as pontes, que naquela época eram construídas por toda parte. Seu segmento mais
influente era constituído pelos comerciantes - entre os quais liderava a corporação que
comandava o comércio pelo rio. O mercado mais importante surgiu no lugar onde se
cruzavam a rua por onde chegavam os peixes e a rua por onde os camponeses das várzeas
vizinhas traziam suas verduras, junto à igreja de Saint-Eustache. Trata-se do mesmo lugar
onde hoje se encontram Les Halles, o Mercado Central de Paris.” Fritz Stahl, Parts Berlin,
1929, p. 67.
[] 2a, 2]
m
[ÓCIO e Ociosida.de ] 1
<fase tardia>
Entrecruzamento notável: na Grécia antiga, o trabalho prático era reprovado e proscrito;
embora fosse executado essencialmente por mãos escravas, era condenado principalmente
por revelar uma aspiração vulgar por bens terrenos (riqueza); ademais, esta concepção
serviu para a difamação do comerciante, apresentando-o como servo de Maramon: “Platão
prescreve, nas Leis (VIII, 846), que nenhum cidadão deve exercer profissão mecânica; a
palavra bamlusos, que significa artesão, torna-se sinônimo de desprezível...; rudo o que é
inesanal ou envolve trabalho manual traz vergonha e deforma a alma e o corpo ao mesmo
tempo. Em geral, os que exercem tais ofícios ... só se empenham para satisfazer ... o ‘desejo
de riqueza, que nos priva de todo tempo de ócio...’ Aristóteles, por sua vez, opõe aos
excessos da crematística [arte de adquirir riquezas] ... a sabedoria da economia doméstica...
Assim, o desprezo que se tem pelo artesão estende-se ao comerciante: em relação à vida
liberal, ocupada pelo ócio do estudo {scolé, otium ), o comércio e ‘os negócios {neg-otium,
ascolía ) não têm, na maioria das vezes, senão um valor negativo.” Picrrc-Maxime Schuhl,
Machinisme et Philosophie, Paris, 1938, pp. 11-12.
[m 1 , I]
Quem desfruta do ócio, escapa da Fortuna; quem se rende à ociosidade, não lhe escapa. A
Fortuna que o aguarda na ociosidade é, contudo, uma deusa menor do que aquela da qual
escapou quem se entregou ao ócio. Esta Fortuna não se sente mais em casa na viM activd ;
seu quartel general é a vida mundana. “Os imaginários da Idade Média representam os
homens que se dedicam à vida ativa ligados à roda da Fortuna, elevando-se ou rebaixando-
se segundo O sentido em que ela gira, enquanto o contemplativo permanece imóvel no
centro.” P.-M. Schuhl, Machinisme et Philosophie, Paris, 1938, p. 30.
[m 1, 2]
1 Neste arquivo temático, o "ócio" tradicional, aristocrático, criativo (o otium dos Romanos; o alemão
MuBe: o francês loisir, o inglês leisure) é confrontado com a "ociosidade" moderna (respectivamente
Müfíiggang, oisiveté e idleness). No sistema de valores burguês, baseado no "negócio" (de nec-
otium, "negação do ócio"), o ócio dos antigos e da sociedade aristocrática - isto é, o privilégio de estar
livre da obrigação de trabalhar - é visto como aigo superado e depreciado como "ociosidade", ou
seja, “indolência" e "preguiça". Por outro lado, a "ociosidade" moderna é um protesto contra a
fetichização burguesa do trabalho. Nossa distinção entre "ociosidade" e "ócio" procura reproduzir a
diferenciação entre MüBiggang e MuBe, tentando expressar, ao mesmo tempo, através da afinidade
fonética, a dialética da mudança e da continuidade históricas. (J.L.; w.b.)
840 ■ Passagens
Sobre a caracterização do ócio. Sainte-Beuve no ensaio sobre Joubert: ‘“Conversar e conhecer,
era sobretudo nisso que consistia, segundo Platão, a felicidade da vida privada.’ Esta classe
de conhecedores e amadores ... quase desapareceu na França depois que cada um assumiu
um ofício.” Correspondance de Joubert , Paris, 1924, p. XCIX.
[m 1, 3]
Na sociedade burguesa, a preguiça — para usar uma palavra de Marx — tinha deixado de ser
“heróica” (Marx fala da “vitória ... da indústria sobre a preguiça heróica”. Bilanz der preufiischen
Revolution, em Gesammelte Schriften von Karl Marx und Friedrich Engeh , vol. III, Smrtgart,
1902, p. 211.)
[m la, 1]
Na figura do dândi, Baudelaire procura encontrar para a ociosidade uma utilidade como
aquela que o ócio tinha anteriormente. A vita contemplativa é representada e substituída
por algo que se poderia chamar de vita contemptiva. (Comparar com a parte III de meu
manuscrito <“Das Paris des Second Empire bei Baudelaire”>.) 2
[m la, 2]
A experiência \Erfahrung[ é o fruto do trabalho, a vivência [ Erlebnis ] é a fantasmagoria do
ocioso. 3
[m la, 3]
No lugar do campo de força que a humanidade perde com a desvalorização da experiência,
um novo campo se abre para ela na forma do planejamento. A massa das uniformidades
desconhecidas é mobilizada para fazer face à diversidade comprovada do tradicional.
“Planificar”, a partir de então, só é possível em grande escala. Não mais em escala individual,
isto é, nem para o indivíduo, nem por meio dele. Valéry tem razão ao dizer: “Os projetos
elaborados ao longo de muito tempo, os profundos pensamentos de um Maquiavel ou de
um Richelieu teriam hoje a consistência e o valor de um bom palpite na Bolsa de Valores.”
Paul Valéry, CEuvres Completes , J, Paris, 1938, p. 30.
[m la, 4]
O correlato intencional da “vivência” não permaneceu igual. No século XIX, era “a aventura”.
Em nossos dias, ele aparece sob a forma de “destino”. 4 No destino, esconde-se a noção da
“vivência total”, que é mortal por namreza. A guerra é sua prefiguração insuperável. (“Pelo
fato de ter nascido alemão, eu morro” — o trauma do nascimento já contém o choque que
é mortal. Esta coincidência define o “destino”.)
[m la, 5]
Seria a emparia com o valor de troca o que capacita o ser humano à “vivência total”?
[m la, 6]
2 W. Benjamin, "Die Moderne", GS 1, 570-604 - "A Modernidade", OE III, pp. 67-101. (w.b.)
3 Um traço marcante do pensamento de Benjamin é a diferenciação eritre "experiência" e "vivência".
Enquanto Erfahrung (do verbo erfahren, que originalmente significava "viajar", "atravessar") pressupõe
tradição e continuidade: Erlebnis, que é algo mais espontâneo, implica em choque e descontinuidade.
Em notas relacionadas com o ensaio "Über einige Motive bei Baudelaire" (Sobre Alguns Temas em
Baudelaire), Benjamin escreve que as "vivências são, por natureza, não utilizáveis para a produção
poética" e que se trata de "transformar as vivências em experiências" (GS I, 1183). (E/M)
4 A reflexão sobre o destino aparece desde cedo na obra de Benjamin; cf. "Schicksal und Charakter"
(1921; Destino e Caráter), GS II, 171-179. (J.L.)
m
;Ocio e Ociosidade] 841
Com o rastro, a “vivência” adquire uma nova dimensão. Ela não é mais obrigada a esperar
pela “aventura”; aquele que vivência pode seguir o rastro que o conduz até ela. Quem segue
um rastro não apenas deve estar atento; ele precisa, principalmente, já ter prestado muita
atenção em tudo. (O caçador precisa conhecer a marca da pata do animal que está rastreando;
precisa conhecer a hora em que o animal vai beber água; precisa saber qual é o curso do rio
para onde se dirige sua presa, e onde fica a parte rasa pela qual ele mesmo pode atravessá-lo.)
Manifesta-se deste modo a maneira específica na qual a experiência aparece traduzida para
a linguagem da vivência. As experiências podem, de fato, ser inestimáveis para quem persegue
um rastro. Trata-se, porém, de experiências de um tipo particular. A caça é a única forma de
trabalho em que elas são intrinsecamente úteis. E a caça é uma forma de trabalho muito
primitiva. As experiências de quem persegue um rastro provêm só muito remotamente de
uma atividade de trabalho, ou são totalmente desvinculadas dele. (Não é à toa que se fala
de “caça à fortuna”.) Elas não possuem nem seqüência, nem sistema. São um produto do
acaso e carregam em si a marca do essencialmente inacabável, que caracteriza as obrigações
preferidas do ocioso. O acúmulo fundamentalmente interminável de tudo que é digno de
ser conhecido, cuja utilidade depende do acaso, tem o seu protótipo no estudo.
[m 2, 1]
A ociosidade possui poucos elementos representativos, embora seja muito mais exibida
que o ócio. O burguês começou a envergonhar-se do trabalho. Ele, para quem o ócio não
tem mais um significado em si mesmo, gosta de exibir sua ociosidade.
[m 2, 2]
Na noção de studio concretizou-se a associação íntima entre a idéia de ociosidade e de
estudo. O studio tornou-se, principal mente para o celibatário, uma espécie de correspondente
ao boudoir.
[m 2, 3]
Estudante e caçador. O texto é uma floresta na qual o leitor é o caçador. Rumores na
floresta: a idéia — a presa arisca; a citação — uma peça do quadro. (Nem todo leitor consegue
encontrar a idéia.)
[m 2a, 1]
Existem duas instituições sociais das quais a ociosidade é parte integrante: o serviço de
notícias e a vida noturna. Ambas exigem uma forma específica de disponibilidade de trabalho.
Esta forma é a ociosidade.
[m 2a, 2]
Serviço de notícias e ociosidade. O folhetinista, o repórter e o repórter fotográfico formam
uma escala ascendente em que a espera, o “estar a postos” e o subseqüente “avançar”
tornam-se cada vez mais importantes diante das outras atividades.
[m 2a, 3J
O que disüngue a experiência da vivência é o fato de que a primeira não pode ser dissociada
da idéia de uma continuidade, de uma seqüência. O acento que recai sobre a vivência
torna-se tanto mais importante quanto mais seu substrato for independente do trabalho
de quem a vivenciou — trabalho que se caracteriza justamente por levar ao conhecimento da
experiência, lá onde o outsider chega no máximo a ter uma vivência.
[m 2a, 4]
842 ■ Passagens
Na sociedade feudal., o ócio a desobrigação do trabalho — era um privilégio reconhecido.
Na sociedade burguesa não é mais assim. O que distingue o ócio, tal como o conhece o
feudalismo, é o fato de ele se comunicar com dois tipos importantes de comportamento
social. A contemplação religiosa e a vida na corte representam, por assim dizer, as matrizes
em que podia ser moldado o ócio do nobre, do prelado, do guerreiro. Estas atitudes —
tanto a da piedade quanto a da representação - traziam vantagens ao poeta. Sua obra as
favorecia pelo menos indiretamente, ao preservar o contato com a religião e com a vida na
corte. (Voltaire foi o primeiro dos grandes escritores a romper com a Igreja, mas não deixou
de assegurar para si um lugar na corte de Frederico, o Grande.) Na sociedade feudal, o ócio
do poeta é um privilégio reconhecido. É somente na sociedade burguesa que o poeta é
considerado como alguém que vive na ociosidade.
[m 2a, 5]
A ociosidade procura evitar qualquer relação com o trabalho de quem é ocioso, e mesmo
qualquer relação com o processo de trabalho em geral. Isto diferencia a ociosidade do ócio.
[m 3, 1]
Todas as idéias religiosas, metafísicas e históricas são, em última análise, produtos de
grandes vivências do passado - representações delas.” Wilhelm Dilthey, Das Erlebnis und
die Dichtung, Leipzig-Berlim, 1929, p. 198.
[m 3, 2]
O abalo da experiência relaciona-se intimamente com o abalo das certezas jurídicas. “No
período liberal, o poder econômico estava intimamente ligado à propriedade jurídica dos
meios de produção... Mas a rápida concentração ... do capital no século passado, impulsionada
pelo desenvolvimento da técnica, fez com que a maior parte dos proprietários, em termos
legais, fosse afastada da direção dos negócios... Uma vez que os meros detentores de títulos
de propriedade são separados da produção efetiva..., restringe-se o seu horizonte ... e, por
fim, o benefício que ainda obtêm de sua propriedade ... parece socialmente inútil... A idéia
de um direito autônomo, com um conteúdo estável e independente da sociedade como
um todo, perde sua força.” Ocorre assim “a abolição de todo direito determinado pelo
conteúdo..., que é levada a cabo nos Estados autoritários”. Max Horkheimer, “Traditionelle
und kritische Theorie , Zeitschrift fiir Sozialforschung, <ano VI>, 1937, n° 2, pp. 285-287;
cf. Horkheimer, “Bemerkungen zur philosophischen Anthropologie”, op. cit., <ano 1V>’
n° 1, p. 12.
[m 3, 3]
“O verdadeiro campo de atuação da representação concreta do acontecimento atual é o
relato de vivências, a reportagem. Ela se aproxima diretamente do acontecimento e registra
a vivência. Isto pressupõe que o acontecimento realmente se transforme em vivência também
para o jornalista que o relata... A capacidade de vivenciar é, por isso, um pressuposto ... do
bom trabalho profissional.” Dovifat, “Formen und Wirkungsgesetze des Stils in der
Zeitung”, Deutsche Presse , 22 jul. 1939, Berlim, p. 285.
[m 3, 4 ]
A propósito do ocioso: a imagem arcaica dos navios em Baudelaire.
[m 3, 5]
m
[Ócio e Ociosidade] 843
A rígida ética do trabalho e das obras, própria do Calvinismo, está certamente em estreita
correlação com o desenvolvimento da vita contemplativa. Essa ética procurava colocar uma
barragem para impedir que o tempo congelado na contemplação se esvaísse na ociosidade.
Sobre o folhetim. Tratava-se, por assim dizer, de injetar na experiência, por via intravenosa,
o veneno da sensação; isto quer dizer: ressaltar na experiência comum o caráter de vivência.
A isto se prestava, em primeiro lugar, a experiência do habitante das grandes cidades. O
folhetinista tira proveito disso. Ele torna a grande cidade estranha para os seus habitantes.
Desta forma, ele é um dos primeiros técnicos convocados pela necessidade premente de
vivências. (A mesma necessidade manifesta-se com a teoria da “beleza moderna”, tal como
proposta por Poe, Baudelaire e Berlioz. A surpresa constitui-se nela como um elemento
dominante.)
Ira 3a, 2]
O processo de estiolamento da experiência começa já na manufatura. Em outras palavras:
ele coincide, em seus primórdios, com os primórdios da produção de mercadorias. (Cf.
Marx, Das Kapital , vol. I, ed. Korsch, Berlim, 1932, p. 336.)
r r [m 3a, 3]
A fantasmagoria é o correlato intencional da vivência.
[m 3a, 4]
Assim como o processo de trabalho industrial se destaca do artesanato, também a forma de
comunicação correspondente a esse processo de trabalho — a informação — destaca-se da
forma de comunicação correspondente ao processo de trabalho artcsanal, que é a narração.
íCf. Walter Benjamin, “Der Erzãhler”, Orient und Occident , nova série, n° 3, outubro de
1936, p. 21, parágrafo 3 até p. 22, parágrafo 1, linha 3; p. 22, parágrafo 2, linha 1 ate o
fim, da citação de Valéry). 5 É preciso prestar atenção a esta correlação para se ter uma idéia
da força explosiva contida na informação. Esta força explode na sensação. Com ela, arrasa-
ac tudo que ainda evoca a sabedoria, a tradição oral, o lado épico da verdade.
^ [m 3a, 5]
O “estudo” é um álibi para as relações que o ocioso gosta de manter com o demi-monde. Em
esçeadal. pode-se afirmar a respeito da boêmia que ela estuda seu próprio meio durante a
[m 3a, 6]
■*kk inteira.
Hl ociosidade pode ser considerada uma forma precursora da distração ou do divertimento.
fflta $e fonda na disposição do indivíduo de saborear sozinho uma sucessão aleatória de
I acusações. Porém, tão logo o processo de produção começou a mobilizar grandes massas de
Magnas surgiu entre aqueles que “tinham tempo livre” a necessidade de se distinguir da
■Btssa dos que trabalhavam. A esta necessidade respondeu a indústria do entretenimento,
iirjjiiiii— fogo passou a confrontar-se com seus próprios problemas. Já faz tempo que Saint-
Iftmrr Cirarrlin foi obrigado a constatar que “o homem consegue se divertir por tão pouco
. (O ocioso não se cansa tão depressa quanto aquele que se diverte.)
[m 4, 1]
5 W. Benjamin, "Der Erzãhler", GS II, 447, linhas 13-20; e 448, linhas 16-33; "0 Narrador", OE I, p. 205,
linhas 15-22; e p. 206, linhas 14-29. (R.T.; w.b.)
$44 ■ Pa ssa 9 ens
O verdadeiro “flâneur assalariado” (Henri Béraud) é o homem-sanduíche.
[m 4, 2]
A imitatio dei do ocioso: como flâneur, ele é onipresente; como jogador, onipotente; e como
estudante, onisciente. A jeunesse dorée 6 7 foi a primeira a encarnar este tipo de ocioso.
[m 4, 3]
A “empatia” ocorre por um déclic, uma espécie de comutação [ Umschaltung ] . Com ela, a
vida interior se torna um correspondente do elemento de choque na percepção sensorial.
(A empatia é uma sincronização \Gleichschaltung^' no sentido íntimo.)
r [m 4, 4]
Os hábitos são a armadura das experiências. Esta armadura c aracada pelas vivências.
[m 4, 5]
Deus terminou a tarefa da Criação; ele descansa c sc refaz. É este Deus do sétimo dia que
o burguês tomou como modelo de sua ociosidade. Na flânerie, ele tem a onipresença de
Deus; no jogo, sua onipotência; e no estudo, sua onisciência. - Esta trindade está na
origem do satanismo em Baudelaire. — A semelhança do ocioso com Deus indica que a
fórmula (protestante) que diz que “o trabalho é o ornamento do cidadão’ 8 começou a
perder sua importância.
|m 4, 6]
As exposições universais foram a escola superior onde as massas, afastadas do consumo,
aprenderam a sentir empatia pelo valor de troca. “Olhar tudo, não tocar nada.”
[m 4, 7]
A descrição clássica da ociosidade em Rousseau. Esta passagem indica, ao mesmo tempo,
que a existência do ocioso tem algo de divino e que a solidão é um estado essencial do
ocioso. No último livro das Confessions lê-se o seguinte: “Tendo passado a idade dos projetos
romanescos, e tendo a fumaça da vanglória mais me aturdido que lisonjeado, não me
restava, como última esperança, senão viver ... num ócio eterno. É a vida dos bem-aventurados
no outro mundo, e ela constituiria minha felicidade suprema, dali em diante, neste mundo
aqui. / Os que me recriminam por tantas contradições não deixarão de me reprovar por
mais uma. Eu disse que a ociosidade dos círculos tornava-os insuportáveis para mim, e eis-me
procurando a solidão unicamente para me entregar à ociosidade... A ociosidade dos círculos
é mortífera, porque é uma necessidade. A da solidão é encantadora, porque é livre e voluntária.”
Jean-Jacques Rousseau, Les Confessions , Paris, Éd. Hilsum, 1931, vol. IV, p. 173.
[m 4a, 1]
Entre as condições da ociosidade, a solidão adquire um significado especial. Só a solidão,
com efeito, emancipa - virtualmente - a vivência de qualquer acontecimento, não importando
6 A juventude rica e alinhada com a moda; na França, especialmente a juventude contra-revolucionária de
1794. (E/M)
7 Articulada em forma de um trocadilho entre Umschaltung e Gleichschaltung, a critica benjaminiana da
empatia é também uma crítica política, na medida em que o segundo termo ("sincronização" ou
"alinhamento") foi um eufemismo usado pelo regime nazista para eliminar pessoas indesejáveis da
vida pública e profissional. (J.L.; E/M)
8 Verso do poema de Schiller, "Das Lied von der Glocke" (A Canção do Sino). (J.L)
m
[Ock> e Ociosidade] 845
o quão insignificante ou medíocre ele seja: no caminho da emparia, qualquer transeunte
pode tornar-se, graças à solidão, um substrato da vivência. A emparia só é possível para o
solitário; por isso, a solidão é uma condição da verdadeira ociosidade.
[m 4a, 2|
Quando todos os fios se rompem, quando no horizonte deserto não surge nenhuma vela,
e quando cessa toda ondulação da vivência, só resta uma coisa ao sujeito solitário, acometido
pelo taedium vitac. a cmpatia.
{m 4a. 3]
Pode -se deixar em suspenso a questão de saber se e em que sentido o ócio é determinado
pela ordem de produção que o torna possível. Em vez disso, deve-se procurar elucidar o
quão profundamente arraigados na ociosidade estão os traços da ordem econômica capitalista
em que ela viceja. - Por outro lado, a ociosidade na sociedade burguesa — que desconhece
o ócio — é uma condição da produção artística. E freqUcntemcnte é a própria ociosidade
que marca aquela produção artística de forma drástica com os traços que evidenciam seu
parentesco com o processo de produção econômico.
[m 4a, 4J
O estudante “nunca termina de aprender”, o jogador “nunca se contenta com o que tem”,
o flâneur “sempre tem algo a mais para ver”. A ociosidade traz em si o desígnio de uma
duração ilimitada, que a distingue do simples prazer sensorial de qualquer natureza. (Seria
correto dizer que o “mau infinito”, que predomina na ociosidade, aparece em Hegel como
mar ra da sociedade burguesa?)
[m 5, 1]
A espontaneidade comum ao estudante, ao jogador e ao flâneur talvez seja a mesma do
caçador, quer dizer, a da forma mais antiga de trabalho, que, entre todas, é certamente a
mais estreitamente ligada à ociosidade.
[m 5, 2]
As palavras de Flaubert - “poucas pessoas serão capazes de imaginar como foi preciso estar
triste para ressuscitar Cartago ” 3 - tornam transparente a correlação entre estudo e melancolia.
(Esta, decerto, ameaça não somente esta forma de ócio, como também toda forma de
odosidade.) Cf. “mon âme est triste et j’ai lu tous les livres” [minha alma está triste e li
iodos os livros] (Mallarmé); “Spleen II” e “La voix" (Baudelaire); “Habe nun ach” [Ai de
mim!] (Goethe ). 9 10
[m 5, 3]
O elemento especificamente moderno se manifesta em Baudelaire sempre como
complemento do elemento especificamente arcaico. No flâneur, cuja ociosidade o faz percorrer
mma cidade imaginária de passagens, o poeta encontra o dândi (o dândi que se movimenta
pda multidão sem dar atenção aos esbarrões a que está exposto). Entretanto, existe também
9 Cf. a tese VII de W. Benjamin, "Über den Begríff der Geschíchte", GS I, 696; Teses, p. 70. (w.b.)
10 Benjamin cita de memória um verso do poema "Brise Marine", de Mallarmé: "La chair est triste,
hélas! et j'ai lu tous les livres."; cf. J 87,5. - A citação de Goethe é o início do primeiro monólogo
("Noite") de Fausto: "Ai de mim! Da filosofia / Medicina, jurisprudência, / E, mísero eu! da
teologia, / 0 estudo fiz, com máxima insistência." Fausto, ed. org. por Marcus Mazzari, trad. de
Jenny Klabin Segai, São Paulo/Editora 34, 2004, p. 63. (J.L.; w.b.)
S46 ■ Passagens
no flâneur uma criatura há muito desaparecida, que lança um olhar sonhador que atinge
fundo o coração do poeta. Trata-se do “filho da selva”, o homem a quem uma natureza
generosa outrora prometeu o ócio. O dandismo é o último lampejo do heróico em tempos
de decadência. É com prazer que Baudelaire encontra em Chateaubriand uma referência a
dândis índios, um testemunho do tempo de antigo esplendor dessas tribos.
[m 5, 4]
A propósito do tipo de caçador contido no flâneur: “A massa dos locatários e dos hóspedes
de passagem começa a vagar de teto em teto nesre mar de casas, como o caçador e o pastor
da pré-história; a educação intelectual do nômade também já se completou.” Oswald
Spengler, Le Déclin de l’Occident , vol. II, parte 1, Paris, 1933, p. 140.
[m 5, 5]
“O civilizado, nômade intelectual , torna-se puro microcosmo, absolutamente sem pátria e
espiritualmente livre, assim como o caçador e o pastor o eram corporalmente.” Spengler,
op. cit., p. 125.
[m Cfl
p.
[Materialismo Antropológico, História das Seitas]
<fase média>
"Gustav: Vosso traseiro é ... divino!
Berdoa: Não seria ele até mesmo imortal?
Gustav: Como?
Berdoa: Nada.''
Grabbe, Herzog Theodor von Gothland
As arrogantes e lacrimosas Mémoires de Chodruc-Duclos, 1 2 recolhidas e publicadas por J.
Arago e Edouard Gouin, Paris, 1843 (volumes I e II), sao ocasionalmente interessantes por
apresentarem elementos para uma fisiologia do mendigo. O longo prefácio não vem assinado
e não esclarece nada sobre o manuscrito. As memórias podem ser apócrifas. Ii-se o seguinte:
“Que ninguém se engane: não é tanto a recusa que humilha, mas o óbulo... Eu jamais
pedia estendendo a mão. Andava mais depressa que aquele que deveria fazer justiça à
minha requisição, abria minha mão direita, e ele deslizava nela alguma coisa.” Vol. II,
pp. 11-12. E ainda: “A água sustenta!... eu me fartava de água porque não tinha pão.” Vol.
n, P . 19.
[ P í, u
Cena no dormitório de uma prisão, no início dos anos trinta. Bcnoist cita a passagem, sem
revelar o autor: “À noite, no dormitório barulhento, os operários republicanos, antes de se
deitarem, apresentavam A Revolução de 1830, espécie de charada teatral composta por eles.
Ela reproduzia todas as cenas da gloriosa semana, desde a deliberação dc Charles X e dos
min istros para a assinatura das Ordenanças até o triunfo do povo; representava-se o combate
de barricadas com uma guerra de travesseiros por trás das camas c dos colchões empilhados,
c. no fim, os vencedores e os vencidos se reconciliavam para cantar a Marselhesa.” Charles
1 Christian Dietrich Grabbe, Werke und Briefe, ed. histórica e crítica, org. por Alfred Bergmann, vol. I,
Darmstadt, 1960, pp. 142-143. (R.T.)
2 Este homem, outrora elegante, de uma família rica de Bordeaux e centro de uma glamorosa vida social,
tentou, em vão, fazer fortuna em Paris e acabou vivendo uma existência de mendigo. Passeando
diariamente pelo Palais-Royal, com sua longa barba, vestido de trapos, e proferindo discursos cínicos,
essa figura excêntrica tornou-se parte da crônica parisiense. Morreu em 11 de outubro de 1842.
Dumas o considerou um "Diógenes moderno", e Baudelaire o associou a Sócrates ( CEuvres Completes,
ed. org. por C. Pichois, vol. I. p. 604 e nota). Cf. A 6a, 5. (J.L.)
g48 ■ Passagens
Benoist, Thomme de 1848”, parte I, Revue de Deux Mondes, 1 jul. 1913, p. 147- O texto
citado encontra-se provavelmente em Chateaubriand. ^ ^ ^
Ganeau. “O Mapah ... apresenta-se com a aparência de um perfeito dândi, apaixonado por
cavalos, amante das mulheres, apreciador da boa comida, mas completamente desprovido
de dinheiro. Supre essa falta de pecúlio com o jogo: é um habitué de todas as casas de jogo
do Palais-Royal... Ele se imagina destinado a ser o redentor da companheira do homem, e
... toma o título de Mapah, nome formado das primeiras sílabas de duas palavras — mamãe
c papai. E acrescenta que todos os nomes próprios devem ser modificados da seguinte
maneira: deve-se levar não mais o nome do pai, mas a primeira sílaba do nome materno
combinada com a primeira sílaba do nome paterno. E para deixar bem claro que se despojou
para sempre de seu antigo nome ... ele assina: Aquele que um dia foi Ganeau. Ele distribui
seus panfletos na saída dos teatros ou os envia; tentou até mesmo persuadir Victor Hugo a
ser patrono de sua doutrina. Jules Bertaut, Le Mapah , Le Temps, 21 set. 1933- ^ ^
Charles Louandre sobre as fisiologias que ele acusa de corromper os costumes: Esse triste
gênero ... logo cumpriu seu destino. A fisiologia, que se publica no formato in-32 para ser
comprada ... pelas pessoas que passeiam, figurava, em 1836, na Bibliographie de la France,
com 2 volumes. Ela apresenta 8 volumes em 1838, 76 cm 1841, 44 em 1842, 15 no ano
seguinte, e, na melhor das hipóteses, 3 ou 4 nos últimos dois anos. Da fisiologia dos
indivíduos passou-se à fisiologia das cidades. Havia Paris la nuit , Paris a table. Paris dans
1’eau, Paris à cheval. Paris pittoresque, Paris bohémien. Paris littéraire, Paris marié. Em seguida,
veio a fisiologia dos povos: Les français, les anglais peints par eux-mêmer, depois a fisiologia
dos animais: Les animaux peints par eux-mèmes et dessinés par dautres. Enfim ... os autores ...
já sem assunto, acabaram pintando a si mesmos e nos deram La physiologie des physiologistes.
Charles Louandre, “Statistique littéraire de la production intellectuelle en France depuis
quinze ans”, Revue de D eux Mondes, 15 nov. 1847, pp. 686-687.
Teses de Toussenel: “Que a felicidade dos indivíduos está em proporção direta com a
autoridade feminina”; “que o nível das espécies está em proporção direta com a autoridade
feminina.” A. Toussenel, Le Monde des Oiseaux [O Mundo dos Pássaros], vol. I, Paris,
1853, p. 485. A primeira é a “fórmula do Gavião” (p. 39).
Toussenel sobre seu Le Monde des Oiseaux; O mundo dos passaros e apenas o tema
secundário deste livro, enquanto o mundo dos homens é o tema principal. Op. cit., vol. I,
p. 2 (Prefácio do autor).
Toussenel no Prefácio de seu Le Monde des Oiseaux-. “Ele [o autor] procurou ressaltar a
importância do aspecto culinário de seu assunto, conferindo ao artigo ‘Rôti’ [Assado] mais
espaço do que normalmente ele ocupa nas obras cientificas. Op. cit., vol. I, p. 2. ^ ^ ^
3 Paris à noite, Paris à mesa, Paris nas águas, Paris a cavalo, Paris pitoresca, Paris boêmia, Paris literária, Paris
se casa-, Os franceses, Os ingleses pintados por eles mesmos; Os animais pintados por eles mesmos e
desenhados por outros ; A fisiologia dos fisiologistas. (w.b.)
p
[Materialismo Antropológico, História das Seitas]
849
“Admiramos os pássaros ... porque entre os pássaros, como em toda política bem organizada,
— é a galanteria que determina a posição... Sentimos de imediato que a mulher, que saiu
das mãos do Criador depois do homem, foi feita para comandar este, como este nasceu
para comandar os animais que vieram antes dele.” Op. cit., p. 38.
[p la. 5]
Segundo Toussenel, as raças que colocam a mulher numa posição elevada são superiores;
ocasionalmente, os germanos, mas sobretudo os franceses e gregos: “Assim como o ateniense
e o francês têm a marca do falcão, o romano e o inglês têm a da águia.” (A águia, porém,
“não se reúne a serviço da humanidade”.) A Toussenel, Le Monde des Oiseaux, vol. I, Paris,
1853, p. 125.
[p la. 6]
fisiologias cômicas: Musée pour rire\ Musée Philipon-, Musée ou Magasin comique ; Musée
parisien\ Les métamorphoses dujour.
[p 2, 1]
Uma série gráfica: Les Vésuviennes, de Beaumont: 20 pranchas. A série de Daumier: Les
Divorceuses. Uma série — de quem? — : Les Bas-bleus.' 1
[p 2, 2)
Surgimento das fisiologias: “A acalorada batalha política dos anos de 1830-1835 formou
um exército de desenhistas ... e este exército ... foi, do ponto de vista político, posto totalmente
fora de combate pelas leis de setembro. Portanto, na época em que esse exército já havia
pesquisado todos os segredos de sua arte, ele foi bruscamente isolado em um único campo
de atuação: a descrição da vida burguesa... Este é o pressuposto que explica o grandioso
painel da vida burguesa que se iniciou por volta de meados dos anos trinta na França...
"Ilido passava em desfile ... dias alegres, dias tristes, dias de trabalho e de descanso, costumes
conjugais e hábitos do celibatário, família, casa, crianças, escola, sociedade, teatro, tipos,
profissões.” Eduard Fuchs, Die Karikatur der europãisehen Võlker, 4 a ed., Munique, 1921,
toI. I, p. 362.
[p 2, 3]
Quanta mesquinharia se afirmou mais uma vez, no fim do século, na apresentação de
■emas fisiológicos! Um exemplo característico é a descrição da impotência, extraída do livro
<fc Maillard sobre a história da emancipação feminina, que fornece, em seu tom geral, um
■cstemunho drástico da reação da burguesia consolidada frente ao materialismo
antropológico. A propósito da apresentação da doutrina de Claire Démar, 4 5 lê-se o seguinte:
“Ela ... falará das decepções que podem resultar do sacrifício imenso e incomum a que se
«risca mais de um jovem, sob o sol ardente da Itália, para ter a chance de tornar-se um
cantor célebre.” Firmin Maillard, La Legende de la Fernme Emancipée, Paris, p. 98.
[p 2, 4]
Uma passagem capital do manifesto de Claire Démar: “A união dos sexos no futuro deverá
ser o resultado de simpatias ... profúndamente estudadas..., mesmo que se reconheça a
4 Litografias de Daumier em Le Charivari (1844). (R.T.)
5 Sobre o "heroísmo” de Claire Démar, ver U 14, 5 e W. Benjamin, "Das Paris des Second Empire bei
Baudelaire", GS I, 594-595 - "Paris do Segundo Império", OE III, pp. 88-90. (J.L.; w.b.)
850 ■ Passagens
existência de relações íntimas, secretas e misteriosas entre duas almas. Tudo isso ainda
poderá ruir por conta de uma última prova decisiva, mas necessária, indispensável: a PROVA
da MATÉRIA pela MATÉRIA; o EXPERIMENTO da CARNE pela CARNE!!!... É que,
muitas vezes, na soleira da alcova, uma chama devoradora já se apagou-, é que, muitas vezes,
para mais de uma grande paixão, os lençóis perfumados do leito se tomaram uma mortalha-,
é que, mais de uma..., ao ler estas linhas, já terá entrado, certa noite, no leito do himeneu,
palpitante de desejos e emoções, e levantado pela manha fria e gelada.” Claire Démar, Ma Lot
dAvenir , Paris, 1834, pp. 31-32. [p2 5]
Sobre o materialismo antropológico. Conclusão de Ma Loi dAvenir , de Claire Démar:
“Basta de maternidade, basta de lei do sangue. Digo: chega de maternidade. Com efeito,
a mulher libertada ... do homem, que não lhe pagará mais o preço de seu corpo, ... manterá
sua existência ... somente com seu trabalho. Para tanto, pois, é necessário que a mulher
busque um trabalho, que ocupe uma função — e como ela poderia fazê-lo, se vive condenada
a dedicar uma parte mais ou menos extensa de sua vida aos cuidados que exige a educação
de um ou de vários filhos? ...Vocês querem libertar a mulheP. Pois bem, tirem o recém-
nascido do seio da mãe de sangue e levem-no para os braços de uma mae social, da ama
funcionária, e a criança será mais bem educada... Então - e somente então - homem,
mulher e criança serão todos libertados da lei do sangue, da exploração da humanidade
pela humanidade.” Claire Démar, Ma Loi dAvenir: Ouvrage Posthume Publié par Suzanne ,
Paris, 1834, pp. 58-59. [p2i>1]
“O quê! Então só porque uma mulher não fez confidências ao público sobre suas sensações
de mulher; só porque entre todos os homens que a envolveram com suas atenções, ...
nenhum outro olhar, além do seu, é capaz de distinguir aquele que ela prefere..., conclui-
se ... que ela seria ... a escrava de um homem?... O quê! A mulher assim seria explorada ...
porque, se ela não temesse que eles iriam se estraçalhar, ela poderia satisfazer simultaneamente
o amor de vários homens... Acredito, como o Sr. James de Laurence, na necessidade ... de
uma liberdade sem ... limites ... apoiada no mistério que é, para mim, a base da nova
moral.” Claire Démar, Ma Loi dAvenir, Paris, 1834, pp. 31-32.
[p 2a, 21
A exigência do “mistério” nas relações entre os sexos, em oposição a sua “publicidade”, para
Démar, está estreitamente relacionada com a exigência de períodos probatórios mais ou
menos longos. Não obstante, para ela, a forma tradicional do casamento deveria ser
suplantada por uma forma mais flexível. Ademais, a reivindicação do matriarcado decorre
logicamente destas concepções. 2a 3]
Extraído da argumentação contra o patriarcado: Ah! É com o apoio de um imenso feixe de
punhais parricidas, entre os gemidos lançados de tantos peitos, só pelos nomes de pai e de
‘mãe’, que eu me aventuro a levantar a voz ... contra a lei do sangue, a lei da geração! Claire
Démar, Ma Loi dAvenir , Paris, 1834, pp. 54-55.
[p 2a, 4]
{Materialismo
p
Antropológico, História das Seitasj
851
A caricatura representa um papel importante na elaboração das legendas. Significativamente,
Henn Bouchot, em La Lithographie (Paris, 1895, p. 1 14) 6 recrimina Daumier pelo tamanho
e a importância excessiva atribuída às suas legendas.
tp 2a, 5]
Henn Bouchot, em La Lithographie (Paris, p. 138) compara Deveria, no que diz respeito a
sua produtividade, com Balzac e Dumas.
[p 2a, 6]
liara caracterizar a relação de Claire Démar com James de Laurent, é preciso citar várias
passagens de sua obra Ma Loi d’Avenir. A primeira encontra-se no prefácio escrito por
^ ue (< traCa inicialmente da recusa de Claire Démar em colaborar com La Tribune
T F emmes: Arc ° 17 ° número, ela havia repetidamente recusado, dizendo que o tom
,Í=SC ^ era demasiadamente moderado... Quando esse número saiu, havia uma passagem
«■artigo meu que, por sua forma, por sua moderação, exasperou Claire. - Ha me
Íboktoí dizendo que responderia. - Mas ... sua resposta tornou-se uma brochura. Ela
Hfcodiu então publicá-la separadamente, fora do jornal... Aqui está, aliás, o fragmento do
artigo, do qual Ciam citou apenas algumas linhas: ‘Há ainda pelo mundo um homem que
interpreta ... o cristianismo ... de maneira ... favorável a nosso sexo: é o Sr. James de Laurence,
autor de uma brochura mtituhda Les Enfants de Dieu, ou La Religion de Jésus... O autor não
é saint-simoniano, ... ele concebe a hereditariedade pelo lado das mães. Certamente esse
sistema ... é muito vantajoso para nós; tenho fé que uma parte entrará ... na religião do
futuro, e que o princípio da maternidade tornar-se-á uma das leis fundamentais do Estado.’”
(Claire Démar, Ma Loi d’Avenir: Ouvrage Posthume Publié par Suzanne, Paris, 1834, pp.
14-16). No texto de seu próprio manifesto, Claire Démar defende a causa de Laurence e
refuta as objeções do jornal La Tribune des Femmes contra ele, que o recrimina por defender
uma liberdade moral ... sem regras nem limites”, que “nos levaria a uma grosseira e
repugnante confusão”. A crítica incide sobre o fato de Laurence fazer do mistério o princípio
nestes assuntos, um mistério em virtude do qual deveríamos prestar contas somente a um
Deus místico. O jornal La Tribune des Femmes, por sua vez, afirma: “A sociedade do futuro
repousará não sobre o mistério, mas sobre a confiança, porque o mistério prolongaria ainda
mais a exploração de nosso sexo.” Claire Démar retruca: “Certamente, Senhoras, se eu
confundisse, como vocês, a confiança com a publicidade; se proclamasse, como vocês, que
o mistério prolonga a exploração de nosso sexo, eu deveria saudar com minhas bênçãos os
tempos em que vivemos.” Ela descreve então a brutalidade dos costumes da época: “Diante
do prefeito e diante do padre..., um homem e uma mulher arrastaram um longo séquito
de testemunhas... Eis ... a união dita legítima, a que permite que uma mulher diga sem
enrubescer: tal dia, tal hora, receberei um homem na minha CAMA de MULHER!!!... A
união, contraída perante a multidão, arrasta-se lentamente através de uma orgia de vinhos
e danças até o leito nupcial, transformado em leito de devassidão e prostituição, e permite
à imaginação delirante dos convidados seguir ... todos os detalhes ... do drama lúbrico
representado com o nome de noite de núpcias! Se o costume que assim mostra a recém-
casada ... aos olhos audaciosos..., que a prostitui para os desejos desenfreados..., não lhes
parece uma horrível exploração ... não sei mais o que dizer.” (Op. cit., pp. 29-30).
ÍP 3. rj
6 A indicação bibliográfica de Benjamin não procede. (R.T)
852 ■ Passagens
Data de publicação do primeiro número de Charivari : 1 dez. 1832.
[p 3, 2]
Confissão lésbica de uma saint-simoniana: “Eu começava a gostar tanto do meu próximo
que era mulher quanto do meu próximo que era homem...; deixava ao homem sua força
física e seu tipo de inteligência para elevar ao lado dele, de maneira igual, a beleza corporal
da mulher e suas faculdades espirituais particulares.” Sem indicação de fonte ou autoria,
em Firmin Maillard, Ijz Legende de la Femme Emancipée, Paris, p. 65-
[p 3a, 11
A imperatriz Eugénie como sucessora da Mãe:
“Basta querer, sagrada e abençoada,
O gênero humano com entusiasmo,
Saudará em EUGÉNIE,
O arcanjo que o guia ao porto!!!”
Jean Journet, LÈre de la Femme, ou Le Règne de 1’Harmonie Universelle, Paris, janeiro de
1857, p. 8.
[p 3a, 2]
Máximas de James de Laurence, em Les Enfants de Dieu, ou La Religion de Jésus Réconciliée
avec la Philosophie , Paris, junho de 1831: “É mais razoável crer que todos os filhos são feitos
por Deus, que dizer que todos os casados são unidos por Deus” (p. 14). A partir do episódio
da adúltera que fica sem castigo diante de Jesus, Laurence chega à conclusão de que este
não era favorável ao casamento: “Ele a perdoou porque considerava o adultério uma
conseqüência natural do casamento, e ele o teria admitido se o encontrasse entre seus
discípulos... Enquanto existir casamento, a mulher adúltera será uma criminosa, porque
ela dá ao seu marido a carga dos filhos de outro. Jesus não podia tolerar uma tal injustiça;
seu sistema é conseqüente: ele queria que os filhos pertencessem à mãe. Daí estas palavras
admiráveis: A ninguém na terra chameis ‘Pai’ pois um só é o vosso Pai, o celeste.’” 7 (p. 13).
“Os filhos de Deus, descendentes de uma só mulher, formam uma só família... A religião
dos judeus foi a da paternidade, através da qual os patriarcas exerceram sua autoridade
doméstica. A religião de Jesus é a da maternidade , cujo símbolo é uma mãe trazendo uma
criança nos braços; e esta mãe é chamada a Virgem’, porque mesmo cumprindo os deveres
de uma mãe, ela não havia renunciado à independência de uma virgem.” (pp. 13-14)
[p 3a, 3]
“Algumas seitas, ... nos primeiros séculos da Igreja, parecem ter adivinhado as intenções de
Jesus: os Simonianos, os Nicolaítas, os Carpocratianos, os Basilidianos, os Marcionitas e
outros ... não só aboliram o casamento, como também estabeleceram a comunidade das
mulheres.” James de Laurence, Les Enfants de Dieu, ou La Religion de Jésus Réconciliée avec la
Philosophie, Paris, junho de 1831, p. 8.
[p 3a, 4]
7 Bíblia de Jerusalém, São Paulo, 1985, p. 1882 (Mateus 23, 9). Sobre a mulher surpreendida em
adultério, ver João, 8, 1-11. (E/M; w.b.)
p
[Materialismo Antropológico, História das Seitas]
853
<fase tardia>
James de Laurence dá ao milagre de Caná 8 uma interpretação bem ao estilo do início da
Idade Média, para torná-lo uma prova de que Jesus era contrário ao casamento: “Ao ver os
dois cônjuges fazendo o sacrifício de sua liberdade, ele transformou a água em vinho, para
mostrar que o casamento era uma loucura que só se podia fazer com a razão perturbada
pelo vinho.” James de Laurence, Les Enfants de Dieu, ou La Religion de Jésus Réconciliée avec
la Philosophie, Paris, junho de 1831, p. 8.
[p 4, 1)
“O Espírito Santo, ou a alma da natureza, desceu sobre a Virgem como uma pomba; ora,
sendo a pomba o símbolo do amor, isso significa que a mãe de Jesus cedera à inclinação
natural do amor. ” James de Laurence, Les Enfants de Dieu, ou La Religion de Jésus Réconciliée
avec la Philosophie , Paris, junho de 1831, p. 5.
[p 4, 2)
Certos temas dos escritos teóricos de Laurence já se encontram em seu romance de quatro
volumes, Le Panorama des Boudoirs, ou lEmpire des Nairs , Paris, 1817, publicado antes na
Alemanha; um fragmento do romance já havia sido publicado em 1793 em Deutscher
Merkur , de Wieland. Laurence era inglês.
íp 4, 3]
“De maneira inesquecível, Balzac descreveu a fisionomia do parisiense: os rostos
atormentados, maltratados pelo sol, lívidos, ‘a cor quase infernal das fisionomias parisienses’;
não são nem rostos, são máscaras.” Ernst Robert Curtius, Balzac, Bonn, 1923, p. 243
(citação extraída de La Filie aux Yeux d’Or).
[ P 4, 4]
“O interesse de Balzac pela longevidade faz parte daquilo que ele tem em comum com o
século XVIII. Os naturalistas, os filósofos, os charlatões daquela época dão-se as mãos...
Condorcet esperava da era fotura, que ele pintava em cores brilhantes, um prolongamento
infinito da vida. O conde de Saint-Germain receitava um chá da vida; Cagliostro, um
'elixir da vida; outros recomendavam ‘sais siderais’, ‘rintura de ouro’, ‘camas magnéticas.”
Emst Robert Curtius, Balzac, Bonn, 1923, p. 101.
[p 4, 5]
Existem em Fourier ( Nouveau Monde, Paris, 1829-1830, p. 275) argumentos contra os
-tos do casamento que lembram os ataques de Claire Démar.
[p 4, 6]
.Anotação de Blanqui da primavera de 1 846, no hospital de Tours: “Nos dias de comunhão,
as fieiras do hospital de Tours ficam inabordáveis, ferozes. Elas comeram Deus. O orgulho
ika digestão divina as convulsiona. Esses vasos de santidade tornam-se vidros de ácido
ttifurico.’’ Gustave Geffroy, LEnfermé, Paris, 1926, vol. I, p. 133.
8 João, 2, 1-11. (E/M)
lp 4, 7]
854 m Passagens
Sobre as núpcias de Caná; 1848: “Foi planejado um banquete para os pobres, o banquete
de vinte e cinco centavos: pão, queijo, vinho, para serem consumidos na campina de Saint-
Denis — com transporte de ônibus incluído. O banquete não aconteceu: foi marcado
primeiro para o dia 11 de junho, depois adiado para 18 de junho, e depois para 14 de
julho. Porém, as reuniões que o prepararam, a subscrição que foi aberta e as adesões que
atingiram, em 8 de junho, o número de 165.532, acabaram por sobreexcitar a opinião
pública.” Gustave Geffroy, LEnfermé, Paris, 1926, vol. I, p. 192.
[p 4a, 1]
“Em 1 848, encontram-se pregados na parede do quarto de Jenny, a operária, os retratos
de Béranger, de Napoleão e de Nossa Senhora. Já se crê no advento do culto da
Humanidade. Jesus é um grande homem de 48. Em meio à massa, há indícios de uma
fé nos presságios... O Almanach Prophétique de 1849 anuncia a volta do cometa de
1264, o cometa guerreiro, produzido pela influência de Marte.” Gustave Geffroy,
LEnfermé, Paris, 1926, vol. I, p. 156.
J [p 4a. 2]
Babick, deputado do 10° arrondissement , polonês, operário, depois alfaiate, mais tarde
perfomista: “Ele era ... membro da Internacional e do Comitê Central, e ao mesmo tempo
apóstolo do culto fúsionista. Uma religião de inspiração então recente, feita para o uso de
cérebros semelhantes ao seu. Concebida por um certo Sr. de Toureil, ela reunia ... vários
cultos, aos quais Babick acrescentara o espiritismo. Para essa religião, ele havia criado, como
perfomista, uma língua que, na falta de outro mérito, cheirava a droga e a ungüento. Ele
escrevia no cabeçalho de suas cartas: ‘Paris-Jerusalém’, colocava como data um ano da era
fúsionista, e assinava ‘Babick, filho do reino de Deus e perfomista.” Georges Laronze,
Histoire de la Commune de 1871 , Paris, 1928, pp. 168-169.
[p 4a, í\
“A iniciativa fantasiosa do coronel da 12 a legião não foi mais feliz. Ela instituía uma companhia
de cidadãs voluntárias , encarregada, para maior vergonha dos infratores, de executar sua prisão.”
Georges Laronze, Histoire de la Commune de 1871, Paris, 1928, p. 501.
5 [p 4a, 4]
A cronologia do fosionismo começa em 30 de dezembro de 1845.
lp 4a, 5]
Maxime Du Camp, em Souvenirs, faz um jogo de palavras com Évadiens [evadianos] e
s’évader [evadir-se].
[p 4a, 6]
Extraído da constituição das Vesuvianas: “As cidadãs deverão formar um contingente para
os exércitos de terra e mar... As recrutas formarão um exército designado como reserva, que
será distribuído em três divisões: a das operárias, a das vivandeiras, a de caridade... Sendo o
casamento uma associação, cada um dos dois esposos deve participar de todos os trabalhos.
Todo marido que se recusar a fazer sua parte nos cuidados domésticos será condenado ... a
assumir, em vez de seu serviço pessoal na Garde Nationale, o serviço de sua mulher na
Guarda Cívica.” Firmin Maillard, La Légende de la Femme Émancipée, Paris, pp. 179 e 181.
[p 5, U
p
[Materialismo Antropológico, História das Seitas]
855
Os sentimentos contraditórios provocados por Hegel nos membros da Jovem Alemanha,
que oscilavam entre uma forte atração e uma repulsa ainda mais forte, manifestam-se da
maneira mais eloqüente em Quarantãne im Irrenhause [Quarentena no manicômio] de
Gustav Kühne... Pelo fato de a Jovem Alemanha dar mais ênfase ao livre-arbítrio subjetivo
que à liberdade objetiva, os jovens hegelianos desprezavam a ‘confusão sem princípios’ de
seu egoísmo beletristã... Ouviu-se ecoar nas fileiras da Jovem Alemanha o temor de que a
dialética implacável da doutrina hegeliana pudesse privar a juventude da força necessária ...
para a ação, mas esta preocupação revelou-se injustificada.” Ao contrário, quando os membros
da Jovem Alemanha, “após a proibição de seus escritos, precisaram reconhecer que já tinham
queimado o bastante as próprias mãos, e esperavam ainda poder viver uma vida bem
burguesa com seu trabalho diligente, o seu ímpeto arrefeceu rapidamente”. Gustav Mayer,
Friedrich Engels, vol. I, Friedrich Engels in seiner Frühzeit, Berlim, 1933, pp. 37-39.
[p 5, 2]
Na época em que apareceram as “fisiologias”, historiadores como Thierry, Mignet e Guizot
deram ênfase à análise da “vida burguesa”.
[p 5, 3J
Engels sobre a região de Wuppertal: “Aqui, prepara-se um terreno magnífico para nosso
princípio, e assim que pudermos pôr em movimento nossos valentes e inflamados tintureiros
e branqueadores, tu ainda te surpreenderás com Wuppertal. Já faz alguns anos que os
trabalhadores atingiram o último estágio da velha civilização; com um aumento acelerado
de crimes, roubos e assassinatos, eles protestam contra a velha organização social. As mas
são muito inseguras à noite, a burguesia é surrada, ferida a facadas e roubada. Se os proletários
daqui evoluírem segundo as mesmas leis dos proletários ingleses, logo perceberão que esta
forma de protesto ... é inútil, e protestarão como homens em sua capacidade plena: com os
meios do comunismo.” Engels a Mane, outubro de 1844, de Barmen, in: Karl Marx e
Friedrich Engels, Briefivechsel, ed. org. pelo Instituto Marx-Engels-Lenin, vol. I, Zurique,
1935, pp. 4-5.
[p 5, 4]
O ideal heróico de Baudelaire é andrógino. Isto não o impede de escrever: “Conhecemos
a mulher autora filantropa, a sacerdotisa sistemática do amor, a poetisa republicana, a
poetisa do futuro, fourierista ou saint-simoniana; c nossos olhos ... nunca conseguiram
se acostumar com toda essa feiúra presunçosa.” Baudelaire, LArt Romantique , tomo III,
Paris, Éd. Hachette, p. 340 (“Marceline Desbordes- Valmore”). 9
[p 5a, I]
Uma das últimas seitas que surgiram no século XIX é a religião fúsionista. Ela foi propagada
por L. J. B. de Tourreil (nascido no ano VIII, morto em 1863 (ou 68?)). A influência de
Fourier faz-se notar em sua periodização da história; a Saint-Simon se deve sua concepção
da Trindade como uma unidade de Pai-Mãe com a qual se associa Filha-Filho ou Andrógino.
A substância universal é determinada em seu comportamento por três processos, em cuja
definição manifesta-se o fundo medíocre desta doutrina. Estes processos são: “A emanação,
... propriedade que a substância universal possui de se expandir infinitamente para fora de
si mesma... A absorção, ... propriedade que a substância universal possui de se voltar
infinitamente sobre si mesma... A assimilação, ... propriedade que a substância universal
9 Baudelaire, OC II, p. 146. (R.T.)
■ Passagens
possui de penetrar intimamente em si mesma.” (p. 1) - Uma passagem característica é o
aforismo: “Pobres, ricos”, que se dirige aos ricos e lhes fala sobre os pobres: “Aliás, se não
quereis erguê-los até o vosso nível e sentis desprezo ao misturar-se a eles, por que então
respirais o mesmo ar, habitais a mesma atmosfera? Para não respirar e assimilar sua emanação
... é preciso deixar este mundo, respirar um outro ar, viver numa outra atmosfera.” (p. 267)
— Os mortos são multiformes e existem simultaneamente em muitos lugares da terra. Por
isso, os homens precisam se interessar muito, durante sua vida, pela melhora da terra
(p. 307). Finalmente, tudo se retine em uma série de sóis que, após terem percorrido o
estágio unilumière [luz única] realizam a “luz universal” na “região universalizante”. Religion
Fusionienne, ou Doctrine de l’Universalisation Réalisant le Vrai Catholicisme , Paris, 1902.
[p 5a, 2]
“Eu: - Há ainda alguma prática do culto que o senhor considere notável? Sr. de Toureil: -
Nós oramos ffeqüentemente, e nossas preces começam habitualmente com estas palavras:
‘Ó Map supremo e eterno.’ Eu: — O que significa este som, ‘Map’? Sr. de Toureil: — É um
som sagrado, que reúne o ríi significando mãe, o p’ significando pai, e o a’ significando
amor... Estas três letras designam o grande Deus eterno.” Alexandre Erdan [A A. Jacob] ,
La France Mistique, 2 vols., Paris, 1855, vol. II, p. 632 [paginação contínua].
[p 6, 1]
O fusionismo não procura um sincretismo, mas a fusão dos homens entre si e com Deus.
[p 6, 2]
“Não haverá felicidade para a humanidade senão no dia em que a República enviar o filho
de Deus à oficina de marcenaria do senhor seu pai.” Esta frase é posta na boca de Courbet
em um panfleto que apresenta ao público os heróis da Revolução de Fevereiro.
[p 6, 3]
r
[École Polytechnique]
<fase média>
Sobre o comércio: “Se a concorrência entre os comerciantes ... ou qualquer ourra causa não
permite que as vendas se realizem no tempo oportuno, o comerciante é forçado a ... suspender
seus negócios e, como reação, lançar o problema de volta para os produtores... E por isso
que não se consegue distinguir as crises comerciais das crises industriais, já que a indústria
é tão dependente dos intermediários... Faz-se uma avaliação, terrível e precipitada, de
todos os valores em circulação e declara-se que uma enorme quantidade deles é nula...
Chama-se de crise cada um desses momentos de avaliação dos valores comerciais.” Eugène
Buret, De la Misère des Classes Laborieuses en Angleterre et en France, Paris, 1840, vol. II,
pp. 211 e 213.
[rl, 1]
“Em 1860, a França, que dormia nos braços do protecionismo, acordou bruscamente
‘sobre o travesseiro do livre-comércio’. Exercendo o direito que lhe conferia a Constituição
de 1 852, Napoleão III havia negociado, fora do parlamento, a abertura de nossas fronteiras
aos produtos das outras nações, e a abertura de muitos mercados estrangeiros para o nosso
livre-comércio... Longos anos de prosperidade haviam permitido às nossas forças industriais
... enfrentar essa luta mundial.” Henry Fougère, Les Délégations Ouvrières aux Expositions
Universelles sous le Second Empire, Montluçon, 1 905, p. 28.
[r 1, 2]
Fundação da École Polytechnique: “O Terror no lado de dentro, a invasão bem nas
fronteiras...; o país arruinado, desorganizado, sem poder adquirir no exterior o salitre
necessário para a pólvora e nem utilizar para a fabricação das armas as suas manufaturas,
que estavam quase todas nas mãos dos insurrectos. Eis o cenário no qual se deram as
deliberações das quais resultou a nova instituição. ‘Tudo o que o gênio, o trabalho e a
atividade podiam criar de recursos, disse Biot, foi empregado para que a França pudesse se
manter sozinha contra toda a Europa ... enquanto durasse a guerra, mesmo que ela fosse
eterna e terrível’... A característica da École Polytechnique ... era a coexistência do ensino
puramente teórico com uma série de cursos de aplicação relativos à engenharia civil, à
arquitetura, à fortificação, às minas, e mesmo às construções navais... Napoleão ... decretou
a obrigação da residência em quartel para os alunos... Em seguida, vieram os acontecimentos
$55 ■ Passagens
de ... 1815, depois dos quais ... nao se escondia mais a esperança de ver a École receber
cada vez mais recrutas vindos das famílias aristocráticas... A instituição perdeu assim o
caráter de escola preparatória para os serviços públicos..., a ciência pura não ganharia nada
com isso; pois ... as promoções ... de 1817 a 1830 foram, de longe, as que deram a menor
proporção de membros ao Institut <de France>... Em 1848, a École foi ameaçada de
fechamento.” A. de Lapparent, Le Centenaire de 1’École Polytechnique , Paris, 1894, pp. 6-7,
Votação de 18 de março de 1871 na École Polytechnique sobre a posição a ser tomada em
relação à Comuna: “Alguns ... se perguntam que comitê é esse, que se pretende eleito pela
federação de trezentos mil cidadãos... Outros ... propõem retomar a tradição do passado e
se colocar à frente do movimento. Depois de uma discussão muito viva, mas sem tumulto,
faz-se a votação: os partidários do Comitê Central são quatorze!” G. Pinet, Histoire de 1’Ecole
Polytechnique , Paris, 1887, p. 293-
[r la. 1]
Em 1872, a École Polytechnique suscitou uma desconfiança, aliás, justificada. Ouvia-se
dizer: “A École não é mais aquela de 1830!” (Pinet, op. cit., p. 297).
[r la, 2]
Duas passagens características sobre as concepções do Vormarz a respeito da indústria e do
operário, em Édouard Foucaud, Paris Inventeur: Physiologie de llndustrie Française , Paris,
1844: “A inteligência industrial é filha do céu: ela só tem amor e entrega por aqueles que
a sociedade . . . chama de mão-de-obra, e que os inteligentes chamam de irmãos ou trabalhadores”
(p. 181). “Hoje, no século XIX, a coisa dos romanos..., o servo de Charlemagne, o camponês
de Francisco I, essa trindade miserável que a escravidão havia embrutecido, mas que o
gênio da emancipação fez brilhar, chama-se povo ” (pp. 220-221).
[r la. 3]
“A menos que seja rico ... ou que tenha um cérebro limitado ... o trabalhador sente que o
repouso proporcionado pela renda o esmaga. Mesmo que o céu esteja sem nuvens, a casa
em que ele mora seja verdejante, perfumada pelas flores e repleta de alegria com o canto dos
pássaros; seu espírito inativo permanece insensível aos encantos da solidão. Se, por acaso,
seu ouvido surpreende algum ruído agudo vindo de uma manufatura distante, ou mesmo
o estalar monótono do moinho de uma fábrica, logo sua fronte se ilumina; ele não escuta
mais o canto melodioso dos pássaros; não sente mais o perfume delicado das flores; a
espessa fumaça que escapa da alta chaminé da fábrica, o barulho retumbante que a bigorna
envia aos seus ouvidos fazem-no estremecer de alegria, levando-o a lembrar-se dos belos
dias de trabalho manual, motivado pela inspiração do cérebro.” Édouard Foucaud, Paris
Inventeur: Physiologie de 1’Industrie Française, Paris, 1844, pp. 222-223.
[r la, 4]
“‘Em meio à desordem reinante’, escreve Vaulabelle, ‘o seu uniforme conhecido, apreciado
por todos, dava-lhes uma espécie de caráter oficial, que os tornava ... os agentes mais ativos
e mais úteis do poder que se organizava’... ‘Quando tínhamos que dar uma ordem que
exigia o apoio de alguma força’, diz o Sr. Mauguin, ‘geralmente nós confiávamos sua execução
[École Polytechnique] 859
a um aluno da École Polytechnique. O aluno descia a escadaria do Hôtel de Ville; antes de
.alc an çar os últimos degraus ele se dirigia à multidão, que se fizera atenta, e simplesmenre
pronunciava estas palavras: duzentos homens de boa vontade! Depois, acabava de descer e
entrava sozinho na passagem. No mesmo instante, desencostavam-se do muro e caminhavam
atrás dele, uns com fuzis, outros somente com sabres - um homem, dois homens, vinte
homens, depois cem, quarrocentos, quinhentos; havia sempre o dobro do que ele pedira.’”
G. Piner, Histoire de l’École Polytechnique, Paris, 1887, pp. 156-157. [As duas passagens
citadas são de Vaulabelle, Histoire des Deux Restaurations, vol. VIII, p. 291, e da Carta do
Sr. Mauguin ao jornal La Presse, Saumur, 8 mar. 1853.]
[r 2, 1]
Os alunos da École Polytechnique organizaram uma coleta para ajudar o jornal La Tribune
a pagar uma multa em dinheiro. (Pinet, op. cit., p. 220.)
[r 2, 2]
Lamartine em Destinées de la Poésie, segundo Michiels: “O Sr. Lamartine, que viu com seus
próprios olhos a servidão intelectual do Império, descreve-a... ‘Era uma liga universal dos
estudos matemáticos contra o pensamento e a poesia. Somente o algarismo era permitido,
honrado, protegido, pago. Como o algarismo não raciocina ... o chefe militar dessa época
não poderia querer outro ... prosélito.’” Alfred Michiels, Histoire des Idées Littéraires en
France au XIX e Siècle, Paris, 1863, vol. II, p. 94.
[r 2, 3]
Pinet, Histoire de 1’École Polytechnique , Paris, 1 887, (p. VIII) chama os enciclopedistas “os
verdadeiros fundadores” da École Polytechnique.
[r 2, 4 ]
“Tentou-se com todos os meios, sem nenhum sucesso, conquistar a École para a causa dos
Bourbons.” Pinet, Histoire de lÉcole Polytechnique , p. 86.
Ir 2, 5]
Usos e regras dos alunos da École Polytechnique, reunidos no “Codc X”: “Ele repousa
inteiramente neste princípio, adotado na École desde sua fundação: ‘Toda resolução votada
é obrigatória, sejam quais forem suas conseqüências.”’ Pinet, pp. 109-110.
[r 2, 6]
Michelet sobre a École Polytechnique e a École Normale: “Depois dessas grandes provações, 1
parece que houve um momento de silêncio para todas as paixões humanas; pôde-se pensar
que não haveria mais orgulho, interesse ou inveja. Os homens mais eminentes no Estado e
na ciência aceitaram as mais humildes funções do ensino. Lagrange e Laplace ensinaram
aritmética. Mil e quinhentos alunos, homens feitos, e muitos já ilustres, vieram ... assentar-se
nos bancos da École Normale e aprender a ensinar. Vieram como puderam, em pleno
inverno, naquele momento de pobreza e fome... Um grande cidadão, Carnot..., foi o
verdadeiro fundador da École Polytechnique. Eles aprendiam com o espírito de quem
combate... Espectadores das invenções de seus mestres, eles também inventavam. Imaginem o
espetáculo de um Lagrange que, no meio da aula, parava de repente, e sonhava... Esperava-se
Michelet refere-se, sobretudo, ao regime de Terror implantado por Robespierre. À queda do líder
jacobino, guilhotinado em 28 de julho de 1794 (o 9 termidor, segundo o calendário da Revolução),
seguiu-se a perseguição aos jacobinos e o "Terror Branco". (E/M: w.b.)
em silêncio. Por fim, ele despertava e lhes entregava, ainda ardente, a jovem invenção,
recém-nascida de seu espírito... Depois dessa época, que declínio!... Depois de terem lido
os relatórios feitos à Convenção, leiam os de Fourcroy e de Fontanes — vocês passarão ... da
virilidade à velhice.” J. Michelet, Le Peuple, Paris, 1846, pp. 336-338.
“Parnaso do triângulo e da hipotenusa” é como Paul-Ernst Rattier chama a École
Polytechnique em Paris N’ existe Pas, Paris, 1857, p. 19.
Ch. F. Viel, tanto como adversário da engenharia de construção quanto como monarquista,
teve que ser também um adversário da École Polytechnique. Ele deplora a decadência da
arquitetura como arte “...que data da época terrível em que o trono de nossos Reis foi
derrubado.” Charles-François Viel, De la Chute Imminente de la Science de la Construction
des Bâthnens en France, vol. I, Paris, 1818, p. 53. O estudo da arquitetura como arte seria,
segundo ele, mais difícil do que o estudo da teoria matemática da construção; prova disso
seriam os inúmeros prêmios recebidos pelos alunos da École Polytechnique nesta area. O
autor fàla com desprezo dos novos estabelecimentos de ensino, “estas novas instituições
onde se ensina tudo ao mesmo tempo”, e escreve na mesma página: “Rendamos aqui
homenagem ao Governo que avaliou tão bem a diferença que existe entre as matemáticas e
a arquitetura, que conservou a escola especial de Paris para o ensino desta arte e recriou o
internato de Roma.” Charles-François Viel, De Hmpuissance des Mathématiques pour Assurer
la Solidité des Bâtimens, Paris, 1805, p. 63. Viel enfatiza {pp. cit, pp. 31-32) o elemento
irracional no verdadeiro estudo da arquitetura: “As formas preexistem à construção e
constituem essencialmente a teoria da arte de construir.” Ainda em 1819 {De la Chute...,
vol. II, p. 20) ele denuncia “o espírito do século sobre as belas artes em geral, e que a
classifica no setor das artes industriais”.
[r 2a, 3]
Desde Napoleão I, sempre houve uma atitude de reprovação em relação ao fato de a École
Polytechnique dar à formação prática uma base teórica demasiadamente ampla. Em <sic>
1855, essas críricas suscitaram propostas de reforma, às quais Arago se opôs com grande
determinação. Ao mesmo tempo, ele também protestou contra a afirmação de que a Ecole
seria um viveiro do espírito revolucionário: “Falou-se da reprovação dirigida à instrução
politécnica, segundo a qual os estudos matemáticos, os de cálculo diferencial e de cálculo
integral, por exemplo, teriam como resultado a transformação dos que a eles se entregam
em socialistas da pior espécie... Como será que o autor de tal reprovação não viu que assim
estava contribuindo para nada menos que situar os Huyghens, os Newton, os Leibniz, os
Euler, os Lagrange e os Laplace entre os socialistas demagogos mais ardentes? É realmente
vergonhoso alguém ser levado a fazer tais aproximações.” Arago, Sur lAncienne École
Polytechnique, Paris, 1853, p. 42.
Em Le Curé de Village, que Balzac escreveu entre 1837 e 1845, lêem-se (na carta de Grégoire
Gérard a seu benfeitor, o banqueiro Grossetête) acusações veementes contra a École
Polytechnique. Balzac teme que o estudo forçado das ciências exatas possa ter efeitos
devastadores sobre a constituição espiritual e a longevidade dos alunos. Ainda mais
características são as seguintes reflexões: “Não acredito que um engenheiro saído da École
r
[École Poiytechnique] 86l
possa jamais construir um desses milagres da arquitetura feitos por Leonardo da Vmci, que
era ao mesmo tempo mecânico, arquiteto, pintor, um dos inventores da hidráulica, um
infatigável construtor de canais. Moldados desde a tenra idade à simplicidade absoluta dos
teoremas, os alunos saídos da École perdem o sentido da elegância e da ornamentação.
Uma coluna lhes parece inútil; eles retomam ao ponto em que a arte começa, fixando-se no
útil.” H. de Balzac, Le Curé de Village, Paris, Ed. Siècle, p. 1 84.
[r 3. 2]
O discurso de Arago sobre a questão das fortificações 2 dirige-se contra o relatório de Thiers
e contra Lamartine. O discurso é de 29 de janeiro de 1841. Uma das passagens mais
importantes é intitulada “As fortificações isoladas examinadas no aspecto político. Será
verdade que os governos nunca viram as cidadelas como um meio de controlar, de oprimir
a população?” Lê-se: “O Sr. Thiers não quer admitir que, para manter a obediência da
população, governo algum iria propor o bombardeio das cidades... Essa ilusão certamente
honra sua humanidade, seu gosto pelas belas artes; mas ... poucas pessoas a compartilharão...
Assim ... foi possível assinar os protestos de 1833 contra as fortificações isoladas e contra as
bastilhas, sem incorrer nos epítetos de ‘beócios’, ‘insensatos’ e outras delicadezas do gênero.”
Arago, Sur les Fortifications de Paris , Paris, 1841, pp. 87, 92-94.
Ir 3, 3]
.Arago luta pela enceinte continue [muralha contínua] e contra os forls dé taches [fottes isolados].
“A finalidade que precisa ser alcançada com a fortificação de Paris é, evidentemente, dar a
essa imensa cidade os meios de se defender sozinha, com a ajuda de sua guarda nacional, de
seus operários, da população das redondezas e de alguns destacamentos de tropas de linha...
Isso posto, as melhores fortificações para Paris serão aquelas que a população considerar as
mcLofes; as fortificações que se conjugarão mais intimamente com os gostos, hábitos,
i iiiiittgjgK e necessidades da burguesia armada. Colocar assim a questão é rejeitar inteiramente
■ai ■ ãiiftterna dos fortes isolados. Atrás de uma muralha contínua, o guarda nacional terá a toda
ftiiBEi notícias dos seus. Caso seja ferido, não lhe faltarão os cuidados deles. Em semelhante
piMtção, até mesmo os tímidos valerão como soldados aguerridos. Seria, ao contrário, uma
leisão imaginar que cidadãos submetidos às obrigações coddianas de chefes de família e de
chefes de comércio aceitariam, sem grande resistência, trancar-se entre as quatro muralhas
dos fortes; que se prestariam a um seqüestro completo, justamente no momento em que a
dificuldade das circunstâncias exigiria mais imperiosamente sua presença no lar, no balcão,
na loja ou na oficina. Já ouço a resposta para essas graves dificuldades: os fortes serão
ocupados pela tropa de linha! Reconhece-se, pois, que o sistema dos fortes não permitiria
que a população se defendesse sozinha. Isto é ... uma imensa, uma terrível confissão.”
Arago, Sur les Fortifications de Paris , Paris, 1841, pp. 80-81.
[r 3a, 1]
Marx sobre a Insurreição de Junho: “Para que se dissipasse a última ilusão do povo, para
que se rompesse totalmente com o passado, era necessário que também os ingredientes
poéticos habituais da rebelião francesa — a entusiasmada juventude burguesa, os alunos da
2 Em 1 833, Thiers apresentou à Câmara dos Deputados um projeto para a construção de fortificações
isoladas, fora do recinto urbano (forts extérieurs détachés). A proposta não foi aceita. Em 1 840, porém,
devido a temores de guerra, um ordenança do Rei determinou que Paris fosse protegida por um anel
( enceinte ) de fortificações. O projeto foi implementado a partir de fevereiro de 1841 e terminado em
1 845. A enceinte (demolida em 1 91 9) incorporou uma série de municípios vizinhos - como Montmartre
e Belleville - que foram integrados administrativamente à capital somente em 1859. (J.L)
862 ■ Passagens
École Polytechnique, os chapéus de três pontas — ficassem do lado dos opressores.” Karl
Marx, “Dem Andenken der Juni-Kàmpfer”, in: Karl Marx ais Denker, Mensch und
Revolutionãr, ed. org. por D. Rjazanov, Viena-Berlim, 1928, p. 36.
[r 3a, 2]
Ainda em 1871, em sua estratégia para a defesa dc Paris, Blanqui volta a falar da inutilidade
das fortificações que Luís Filipe mandou construir em torno de Paris.
[r 3a, 3]
<fase tardia>
As tendências pós-revolucionárias da arquitetura, que se manifestam em Ledoux, são
caracterizadas por estruturas separadas em forma de blocos, aos quais se acrescentam, muitas
vezes, escadas e pedestais “modulares”. Talvez seja possível perceber neste estilo um reflexo
da arte napoleônica da guerra. A isso se acrescenta o empenho de criar certos efeitos por
meio de massas. Segundo Kaufmann, “a arquitetura revolucionária pretendia impressionar
valendo-se de massas gigantescas, do ímpeto das formas - daí a preferência pelas formas
egípcias, que se expressava já antes da campanha napoleônica — e, finalmente, do tratamento
do material. A bossagem ciclópica das Salinas, a possante estrutura do Palais de Justice de
Aix, a extrema severidade da penitenciária projetada para esta cidade ... dão uma idéia exata
dessa aspiração.” Emil Kaufmann, Von Ledoux bis Le Corbusier, Viena-Leipzig, 1933, p. 29.
Ir 4, 1]
O projeto de barreira aduaneira, de Ledoux: “Desde o início, seu objetivo foi colocado no
ponto mais alto possível. Suas barreiras deveriam anunciar de longe a glória da cidade real.
Nenhuma das mais de quarenta casas da guarda se parecia com qualquer outra, e em seu
espólio foram encontrados inúmeros projetos ainda não realizados para a ampliação desse
sistema.” Emil Kaufmann, Von Ledoux bis Le Corbusier: Ursprung und Entwicklung der
autonomen Architektur, Viena-Leipzig, 1933, p. 27.
[r 4, 2]
“Pouco depois de 1800, chegou-se a tal ponto que as idéias de Ledoux e Boullée, que mais
parecem arroubos elementares de naturezas apaixonadas, eram ensinadas oficialmente...
Apenas três décadas separam a obra madura de Blondel, que ainda encarna ... a doutrina
clássica francesa, e o Précis des Leçons dArchitecture, de Durand, que teve influência
determinante durante o Império e o período seguinte. Trata-se das três décadas que
coincidem com a atividade de Ledoux. Durand, que foi o representante da norma da École
Royale Polytechnique em Paris, ... diverge de Blondel em todos os pontos essenciais. Sua
cartilha começa ... com ataques veementes a duas obras famosas da arte clássica e barroca.
A basílica de São Pedro em Roma, juntamente com sua praça, e o Panthéon parisiense são
apresentados como contra-exemplos... Enquanto Blondel adverte contra a planimetria
monótona e não quer ver negligenciado o efeito de perspectiva, Durand vê nos esquemas
elementares do plano as únicas soluções corretas.” Emil Kaufmann, Von Ledoux bis Le
Corbusier , Viena-Leipzig, 1933, pp. 50-51.
[r 4, 3]
[École Polytechmquel 863
A instituição da <École des> Ponts et Chaussées [Escola de Engenharia de Pontes e Estradas]
teve o singular privilégio de passar pela Grande Revolução sem ser contestada.
[r 4a, 1]
Os alunos da École Polytechnique em Barthélemy:
“Glória a vós, jovens de prazeres e de festas!
Quantos aplausos saíram de nossos corações de poeta
Quando aparecestes no empoeirado caminho,
Com roupas de luxo e um fuzil em punho!”
Barthélemy e Méry, UImurrection, Paris, 1830, p. 20.
[r 4a, 2]
ÍMiage dc 1’Opéra
F“kwothèque des Musées de k Ville de Paris. Clichê: Habouzit.
Htarclida em 1924, esta passagem cornou-se símbolo de todas as demais através do livro Le Paysan
i<sr Paris 11926), de Louis Aragon, principal fonte inspiradora do projeto de Benjamin.
866
Passage Vivierme
Les Passages Couvens de Paris, de Patrice de Moncan, Les Editions du Mécène, Paris, 2003.
p. X. Photo: P. Clapot - Les Editions du Mécène, Paris.
Exemplo de uma “passagem como templo do capital mercantil”. Cf. [A 2, 2}
Igreja Santa Maria Novella (Florença)
Archivio Plurigraf.
permanece algo de sagrado, um resquício de nave de igreja, nesta fileira de mercadorias que é a
passagem.” [F 4, 5]
Passage du Caire
Photothèque des Musées de Ia Ville de Paris. Clichê: Briant Remi.
Construída em 1798/1800, após a campanha do Egito, dc Napoleao I, foi uma das primeiras passagens,
senão a primeira. Símbolo dos projetos de expansão da França enquanto potência colonial.
Passage des Panoramas, por volta de 1810
Evidencia a feitura arquitetônica, a vivacidade e animação das passagens, bem como
a profusão de mercadorias, lembrando os bazares do Oriente.
870
Magasin na Passage Véro-Dodat
Photothèque des Musées de la Vi 1 1 c de Paris. Clichê: Andreani.
Uma das lojas ( magasins ) que compõem as passagens; a profusão de guarda-chuvas e bengalas faz
lembrar a origem do magasin a partir do “depósito” de mercadorias.
Grand Magasin Au Bon Marche, por volta de 1880
As lojas de departamentos nasceram como ampliações dos magasins de nouveautés c das passagens,
com a vantagem de se poder abranger todas as mercadorias “com um só olhar”.
872
Avenue de POpéra
Bibliothèque Nationale de France.
A haussmannização era um “embelezamento estratégico”, na medida em que rasgava avenidas elegantes com
vistosas perspectivas através do amontoado insalubre das moradias dos pobres que foram expulsos para a periferia;
ao mesmo tempo, essas vias permitiam o rápido deslocamento de tropas em casos de insurreições.
|| -a p.- mm'* n ■
Ministério da Marinha. Litografia de Charles Meryon
© Copyright the Trustees ofThe British Museum.
A caducidade da metrópole, realçada por Meryon em suas gravuras, era um tema retomado por
Bei jamin, que testemunhou o poder bélico moderno capaz de arrasar com cidades inteiras.
874
Torre Eiffel: detalhe
Giedion, Siegfried, Bauen in Frankreich , 2 a ed., Leipzig: Klinkhardt &
Biermann, 1928.
A Torre Eiffel, inaugurada em 1889 e construída com 12.000 peças de metal,
milimetricamente ajustadas e ligadas por 2 Vi milhões de parafusos, tornou-se
modelo pata a “estrutura em aço da historiografia materialista” de Benjamin,
que pretendia criar a obra das Passagens em forma de uma montagem de
milhares de fragmentos.
WÉÈtt
MM
PLácio de Cristal — Londres
O Palácio de Cristal, que sediou a Primeira Exposição universal, em 1851, tornou-se uma referencia
iendária — o símbolo por excelência da história primeva do século XIX — por unir o mais avançado
know-how tecnológico, em termos de construção em aço e vidro, com elementos da vida aristocrática
e dos contos de fadas.
876
Grandville (= Ignacc Isidore Gérard):
A Ponte dos Planetas [Un Autre Monde , Paris, 1844].
<94-051705> Patrice Schmidt/RMN/Otherlmages
Em suas especulações gráficas e literárias, Grandville projetou a ideologia de conforto do mundo burguês
sobre o universo. Sua gravura tem também a conotação de um projeto de expansão planetária.
877
Intérieur burguês: os aposentos de Sarah Bernhardt
Roger-Viollet, Paris. 1653-2.
O século XIX tinha, como diz Benjamim “uma verdadeira obsessão pela moradia”. Luxuoso,
repleto de tapeçarias, mantas, cobertores, baldaquins, luminárias, quadros, almofadas, bordados
e bibelôs, a moradia era “o estojo”, o aconchego onírico, o “útero” onde se refugiava o burguês
diante dos perigos e conflitos do mundo.
878
Charles Baudelaire. Fotografia de Nadar
< 1 8846> Selva/Leemage/Otherlmages
Na terceira fase do seu trabalho (1937-1938), Benjamin planejou redigir um “modelo em miniatura ,
das Passagens , em forma de um livro que se intitularia “Charles Baudelaire, um poeta lírico no auge
do capitalismo”.
Palais-Royal, 1815
Bibliothèque Nationale de France.
Com suas casas de jogo e centenas de “mulheres perdidas”, o Palais-Royal — esse
lugar de nascimento das passagens - foi, durante a Restauração, um “imenso bazar
de prazeres”.
...
ik Wm
Hl ^ ,h 'í «
- •
1
• V
r
v.f>
i-.i »
Boulevard Bonne-Nouvelle
Roger-Viollet, Paris. 12974-12.
O sgrands boulevards, decisivamente ampliados por Haussmann, formam um semi-anel próximo do centro
do poder e dos negócios; enquanto domínio da flânerie e lugares de encontro, constituem o espaço público
por excelência da burguesia parisiense.
881
Boulevard Saint-Denis, por volta de 1895
Roger-Viollet, Paris. 5139-15.
Enquanto o Boulevard Bonne-Nouvelle ostenta a majestosa largura de suas calçadas, observa-se
nesta foto, do Boulevard Saint-Denis, o mundo dos transportes na metrópole oitocentista: coches
de todos os tipos, de modelos modestos aos mais luxuosos, e ônibus de dois andares.
882
Panorama em construção
Coll. Stephan Octtcrmann.
Nos panoramas, procurava-se exibir uma imagem fiel do mundo, em toda sua extensão geográfica e histórica,
com os meios da pintura utilizando gigantescos painéis em forma de rotunda.
883
Cirq ue d’Hiver — Cinema Pathé
Roger-Viollet, Paris. 5021-1.
O Cinema, aqui instalado no prédio do Cirque d’Hiver, é, no fim do século XIX, a realização do sonho
prefigurado nos panoramas.
884
A Arte a serviço do Comércio
Bibliothèque Nationale de France.
Essa situação é representada pelo pintor carregando
quadros com pedaços de porco. “ Un beau morceau de
l’art ” , era o trocadilho a respeito da Passage Véro-Dodat,
construída por dois ricos salsicheiros, ou seja: “um belo
pedaço de arte”, mas também “um belo pedaço de
toicinho”. Cf. [A la, 3]
Quiosque de novidades
Musée Carnavalet.
Esse quiosque de novidades ilustra o poder de uma mídia
que se firmou no século XIX e, desde então, não parou
de crescer: o reclame, a publicidade, a propaganda, que
usa uma quantidade de escrita e imagens que supera a
de qualquer outro meio.
.
885
Antoine Wiertz: Pensamentos e visões de um decapitado. (Inv. 1925)
Musées Royaux des Beaux-Arts de Belgique, Bruxelles.
A cabeça continua pensando e sofrendo. Sofre o
fogo que queima, sofre o punhal que estraçalha, sofre
o veneno que convulsiona, sofre nos membros que
são serrados, sofre nas entranhas que são arrancadas,
sofre na carne que é cortada e moída, sofre nos ossos
que são fervidos devagar em óleo quente. Todos esses
sofrimentos juntos não chegam a dar uma ideia do que
se passa com o executado...”
jâciira do excêntrico pintor belga A. Wiertz (1806-
a»65', muito apreciado por Benjamin, é uma história
sofrimentos e da violência na Modernidade
:ória maldita, avessa a harmonizações, conciliações
consolos. Em seu tríptico sobre um decapitado (cf.
ntário escrito: DCDB, p. 176-178), ele procura
ificar-se com o que sente a cabeça separada do
886
Ni áatôes d'a» áCAHfcOtttte, mais fòya&t >** ò* deirá-jwjíí .
Cocotes com crinolinas
Litografia de Honorc Daumier.
A crinolina, esta saia enorme, foi a criação mais espetaculosa da moda do século XIX;
tornou-sc o tema de inúmeras caricaturas e até emblema do “imperialismo” do Segundo
Império.
Passage des Princes
Bibliothèque Nationale de France.
Com suas belas luminárias, refinados ornamentos e vidros brilhantes, esta passagem,
inaugurada em 1860, é um símbolo de elegância, suntuosidade e glamour. Príncipes e
reis do mundo inteiro acotovelaram-se ali para contemplar uma bela atriz trocando de
roupa atrás de um biombo que “não escondia muita coisa”. Maliciosamente, ela também
era chamada de “passage des princes”.
O áwógrafo Nadar
pEBap-afia de Honoré Daumier.
A feeenda de Daumier, “Nadar elevando a fotografia ate à
ailteri da arte”, Benjamin replica questionando “se a invenção
ítliíts fotografia não transformou o caráter geral da arte”.
Os Esgotos de Paris, 1861-1862. Fotografia de Nadar
Bibliothèque Nationale de France.
A pesquisa da “história primeva ( Urgescbichte) do século XTX ’
implica uma descida num poço do tempo ou nas camadas
subterrâneas da cidade, na “Paris ctônica”. E o que acontece
com as fotografias de Nadar nas catacumbas ou, como aqui,
no sistema de esgotos.
888
Rue Transnonain, abril 1834
Litografia de 1 í o no ré Daumier.
Em protesto contra uma lei que limitava a liberdade de reunião, aconteceu uma insurreição republicana em 13
de abril de 1834, no quartierAo Marais, em Paris. Durante a repressão, todos os ocupantes de uma casa na Rue
Transnonain foram mortos.
889
Quadrillc
Litografia de Barry Gustave/Linder.
Hiotothèque des Musées de la Ville de Paris. Clichê: Ladet.
* percorrer todos os estágios entre a quadrilha de Musard e a Marselhesa, da louca volúpia do cancã até o ardor
selvagem da febre revolucionária... Paris, uma cidade ... cuja população sabe unir como nenhum outro povo a
paixão pelo prazer com a paixão pela ação histórica...” (Friedrich Engels)
890
Alexandre Dumas, pai, 1855- Fotografia de Nadar
<91-001 175> Hervé Lewandowski/RMN/Otherlmages
Nada caracteriza mellior a imensa popularidade desse escritor do que esta frase de um médico: "Todos
os nossos doentes morrem com um romance de A. Dumas sob o travesseiro. Representante da
“literatura industrial”. Dumas empregava mais de 8.000 pessoas para produzir as centenas de romances
publicadas com seu nome. O governo lhe ofereceu uma gorda remuneração para que escrevesse um
livro sobre a Argélia, transmitindo a 50 ou 60 mil franceses “o gosto de colonizar”.
891
"Esta obra é minha pois eu a assino-”
Bibliothèque Nationale de France.
Esta litografia mostra o lado escondido da produção artística: “Um pobre diabo observa com tristeza
um jovem senhor que assina o quadro que ele havia pintado.” Centenas de artistas e literatos anônimos
viviam nessa condição: os chamados nègres ou escravos.
1 «L . jSJJEy]
Barricada durante a Comuna de Paris, março 1871
Fotografia de autor desconhecido.
Em 1871, as barricadas já não tinham a mesma eficácia como em 1830 e 1848. O
governo francês concluiu um armistício com o inimigo externo, a Prússia, a fim de
poder utilizar todo o aparato bélico para esmagar o inimigo interno. A derrota da
Comuna significou o fim das revoluções na Europa ocidental.
A coulisse - mercado paralelo à Bolsa de Valores
Musée Carnavalet.
“Em 1837, um entusiasmo irresistível arrastou todos
os espíritos para a Bolsa... A petite-coulisse [o pregão
paralelo, aqui representado] ocupa-se dos negócios da
pequena burguesia; a contre-petite-coulisse movimenta os
capitais do proletariado.” [g 3, 2]
M#nê
I m**
Uma página do manuscrito das Passagens
“Notas e Materiais”; no caso, o começo do Konvolut “N". Repare-se na distribuição
dos fragmentos na página e no tipo de escrita, minúscula e em caracteres góticos.
É possível identificar as duas epígrafes e os fragmentos de [N 1, 1] a [N 1, 11].
Cher Monsteur Aron,
ceiajous conviendra-í-il de mus votr samedi versles 6 heures au
LáfeCltíny.Jevous..)
{jl xnatgine c stfâ-ppatOj il segno jxiancantc) Allcgorio I
O Paristír Antikc II
A Ewige^e<fci^áftín (
+ Politische Reaktionen III
m jagcftdsta in
■ Rcbdl und Spitzel II
© Fortsdhritt III j
À Natur und Stãdt II (cancdlato hei manoscritto) '
V Anschauung des Organischen I
SI der Flâheur und die Menge II
0 Sensitivç Aniage I
® Cbtonisches Paris II ,
+ Nouveauté III ; -
© Perte d’auréole III
D Melancholie I
# enüui II ■' ■'
[X dandylll]
+ Lesbos II
X Literarischer Markt II
♦ Phystognomischcs III
éi Gautier-Note I Part pour l’ait
+ Aestetische Passion I
0 die Ware III
D der Heros II
Dante-Note III Physiognomie der Holle
% X Spleen III ;; 1 -■ : V ; ?
*"* Kriminalroinane II (cancdlato nd manoscritto)
X die Dirne (cifra illeggibile)
© Rettung III . f
O Rezeption III
O sistema benjaminiano de siglas em cores. Folha retangular de 13,5 x 21,5 cm.
No verso, esboço interrompido de uma carta a Raymond Aron.
Bibliothèque Nationale de France.
Estas siglas serviam para marcar dentre os 4.234 fragmentos do “grande manuscrito”
aqueles 1.745 fragmentos que seriam utilizados na planta de construção do livro-
modelo das Passagens (o Baudelaire).
895
"XVter Benjamin em 1937, na Bibliothèque Narionalc
PtoJhe de fotografia de Gisèle Freund.
< ®5-513627> Adam Rzepka/Phoro (iNAO/tMNAM/RMN/Otherlmages
C rrsialho das Passagem só podia ser escrito ali, nesse acervo único que é a “B. N.”. E, com efeito, é
lis*: que Benjamin realizou: compor uma enciclope'dia urbana de milhares de “passagens”, extraídas
de jicmeros dos “milhares de livros” já escritos sobre a cidade de Paris.
PRIMEIRO ESROÇO
NOTA INTRODUTÓRIA
Willi Bolle
A denominação “o primeiro esboço das Passagens” (“dc[r] ‘erstefj’
Passagenentwurf”) é de Walter Benjamin; ele a empregou numa carta a Gretei
Adorno, de 16/08/1935 (GS V, 1138), quando já estava trabalhando no “segundo”
esboço. A expressão do próprio autor do trabalho das Passagens apresenta-se para
o organizador desta edição brasileira como a maneira mais adequada de pôr o
leitor em contato com os textos iniciais. Trata-se ao todo de quatro textos (dos
quais um com “paralipômenos”), escritos entre junho de 1927 e dezembro de
1929, talvez início de 1930. Na ordem cronológica indicada pelo editor alemão
(GS V, 1073-1074), estes textos são os seguintes (entre parênteses, os títulos ou
denominações com que aparecem nos GS, e entre < ... >, os acréscimos do editor):
1. “Passagens” (Passagem GS V, 1041-1043) e
“Paralipômenos” (Paralipomena; GS V, 1341-1047)
2. “Passagens Parisienses <I>” (Pariscr Passagen <T>; GS V, 993-1038)
3. “<Passagens Parisienses II>” (<Pariser Passagen II>; GS V, 1041-1059)
4. “O anel de Saturno ou Sobre a Construção em Ferro” (Der Saturnring
oder Etwas vom Eisenbau; GS V, 1060-1 063). 1
Expliquemos brevemente o estatuto de cada um destes textos.
0 primeiro, “Passagens”, um manuscrito datilografado e inédito, data do
primeiríssimo momento, verão ou outono de 1927, quando Benjamin planejava escrever
com Franz, Fíessel um artigo para uma revista. — Para esse projeto de artigo, encontram-se
no espólio de Benjamin várias notas preparatórias e complementares; esses paralipômenos
são reproduzidos no final do presente conjunto do “primeiro esboço das Passagens”.
1 Seguindo o princípio de dividir os textos de Benjamin entre "concluídos" e "os que permaneceram
fragmentos" (GS V, 1075), o editor alemão criou dois títulos a mais: <"Erste Notizen"> (Primeiras
Notas, GS V, 991), onde situa o texto 2, e <"Frühe Entwürfe"> (Primeiros Esboços. GS V, 1039), onde
agrupa os textos 1 (sem os paralipômenos), 3 e 4. Em vez de seguir essa subdivisão alheia, decidimos
nos basear na designação "o primeiro esboço das Passagens", do próprio Benjamin. (w.b.)
yOQ m Passagens
O segundo texto, que se apresenta com o título Passagens Parisienses , é,
por suas características, o texto fundador do trabalho das Passagens. Escrito de meados
de 1927 até fins de 1929 ou início de 1930 e composto de 405 fragmentos, é o texto
mais detalhado e mais abrangente da primeira fase do projeto, mostrando inclusive
que o gênero filosófico-literário do fragmento, que marca o projeto até o fim, não é
uma forma ocasional ou contingente, mas constitutiva da escrita benjaminiana da
história. Como se esses fragmentos constituíssem uma espécie de banco de dados
inicial, aproximadamente a metade deles foi transcrita, provavelmente já a partir do
outono ou inverno de 1928 (GS V, 1074), para o grande manuscrito das “Notas e
Materiais”. Esse manuscrito, organizado em arquivos temáticos, constituiu, a partir
da retomada do trabalho das Passagens, de 1934 em diante, o acervo central das
pesquisas de Benjamin. Para evidenciar a gênese e o desenvolvimento do projeto,
indicaremos mais adiante - seguindo o exemplo da edição norte-americana - quais os
fragmentos iniciais que foram retomados pelo autor no manuscrito principal.
O terceiro texto, “<Passagens Parisienses II> , escrito em 1928 e 1929 com
base nas “Passagens Parisienses <I>” e comentado mais detalhadamente pelo editor
alemão em sua “Introdução” a esta edição, apresenta indícios de estar relacionado com
o projeto do ensaio intitulado “Passagens Parisienses: uma Feeria Dialética” (Panser
Passagen. Eine dialektische Feerie), de que Benjamin fala em 30/01/1928 em carta a
Gershom Scholem (GS V, 1083). Com o intuito de transmitir uma idéia “daquele
ensaio que Benjamin pensava escrever, mas que efetivamente não escreveu”, Rolf
Tiedemann escolheu, dentro do conjunto desses manuscritos, aqueles 24 fragmentos
que têm forma de redação acabada. Foi com a leitura desses textos que Benjamin
apresentou uma primeira versão do seu projeto das Passagens a Theodor W. Adorno,
Max Horkheimer e Gretei Adorno, em 1929, em Kõnigstein e Frankfurt (cf. GS V,
1349).
Também o quarto e último texto, “O anel de Saturno ou Sobre a Construção
em Ferro”, escrito em 1928 ou 1929, foi, ao que parece, lido por Benjamin naquela
ocasião. Há indícios de que pode ter sido escrito para uma emissão radiofônica ou para
jornal, mas permaneceu inédito. O que justifica sua incorporação ao trabalho das
Passagens pelo editor foram a temática e o fato de Benjamin tê-lo inserido nas “Notas
e Materiais”, no início do arquivo “G: Exposições, Reclame, Grandville .
PASSAGENS
Na Avenue des Champs-Elysées, inauguraram-se, recentemente, arcadas, em meio a novos
hotéis com nomes anglo-saxões, nascendo a mais nova passagem parisiense. Para a
inauguração, uma orquestra-monsrro, toda em uniforme, diante de canteiros de flores e
chafarizes. Aos gemidos, passando por cima de limiares de arenito, uma multidão
aglomerava-se ao longo de vidros espelhados, olhava a chuva artificial caindo nas entranhas
de cobre dos mais novos automóveis, como prova da qualidade do material, via rodas
girando no óleo, lia em plaquinhas negras com algarismos de strass preços de artigos de
couro, de discos de gramofone e quimonos bordados. Sob a luz difusa vinda de cima,
deslizava-se sobre lajotas. Enquanto se oferecia aqui à elegante Paris um novo corredor de
acesso, desaparecia uma das mais antigas passagens da cidade, a Passage de 1’Opéra, tragada
pela abertura do Boulevard Hausmann. Tal como até há pouco esta estranha galeria, ainda
hoje algumas passagens preservam sob uma luz ofuscante e em recantos sombrios um
passado que se tornou espaço. Ofícios antigos mantêm-se nestes espaços interiores e a
mercadoria exposta é por demais escura e obscura. Já as inscrições e tabuletas nos portões
de entrada (igualmente pode-se dizer portões de saída, pois nestas estranhas construções,
uma mistura de casa e rua, cada portão é ao mesmo tempo entrada e saída), como as
inscrições que se repetem nas paredes do interior, onde, entre cabides entulhados de roupas,
aqui e ali uma escada em caracol sobe em direção à escuridão, possuem algo de enigmático.
ALBERT, no número 83, deve ser um cabeleireiro e “maillots de théâtre” devem ser malhas
de seda, porém estas letras insistentes devem significar muito mais. E quem teria a coragem
de subir a escada gasta até o Instituto de Beleza do Professor Alfred Bitterlin. Soleiras de
mosaicos ao estilo dos antigos restaurantes do Palais-Royal conduzem a um “Díner de
Paris”, elas sobem, ampliando-se até uma porta de vidro, porém, é muito improvável que,
por detrás dela, realmente haja um restaurante. E a porta de vidro ao lado que anuncia um
cassino e deixa entrever algo como uma bilheteria com os preços das entradas afixados, não
irá ela, ao ser aberta, conduzir, não a uma sala de teatro, mas à escuridão, descendo a um
porão ou em direção à rua? E de repente sobre a caixa estendem-se meias, de novo meias,
assim como do outro lado no hospital de bonecas e um pouco antes na mesa vizinha do
boteco. — Nas passagens movimentadas dos boulevãrds, como nas passagens semidesertas
da velha Rue Saint-Denis, estão expostos guarda-chuvas e bengalas: uma falange de muletas
coloridas. Há inúmeros institutos de higiene, aí, onde gladiadores usam faixas abdominais
e bandagens envolvem alvos ventres de manequins. Nas vitrines dos cabeleireiros vêem-se
as últimas mulheres de cabelos longos, ostentando volumes ricamente ondulados,
petrificados volteios capilares. Comparado a isto, como parece quebradiço o revestimento
das paredes: papier maché pulverizando-se! “Suvenires” e bibelôs a ponto de se tornarem
assustadores, ao lado do tinteiro está a odalisca à espreita, sacerdotisas em roupas de malha
erguem cinzeiros qual pias de água benta. Uma livraria avizinha manuais da arte de amar e
902 ■ Passagens
imagens coloridas de Épinal e permite que, ao lado das memórias de uma camareira,
Napoleão cavalgue por Marengo e, entre um livro de interpretação de sonhos e um de
receitas culinárias, que ingleses de antigamente percorram o largo e o estreito caminho do
Evangelho. Nas passagens, conservam-se ainda modelos de botões de colarinho, cujos
colarinhos e camisas não mais conhecemos. Caso um sapateiro seja vizinho de uma
confeitaria, seus porta-cadarços vão assemelhar-se a fileiras de alcaçuz. Por cima de carimbos
e caixotins com letras de imprensa rolam barbantes e novelos de seda. Bonecas de torsos
nus e cabeças calvas estão à espera de cabelos e roupas. Pentes de cor verde-sapo e vermelho-
coral nadam como num aquário, trombetas tornam-se conchas, ocarinas viram cabos de
guarda-chuvas, há alpiste nas bacias de uma câmara escura fotográfica. O vigia da galeria
possui em sua cabine três cadeiras de pelúcia com protetores de crochê para os espaldares
e braços, ao lado, porém, há uma loja vazia de cujo inventário só restou uma tabuleta
oferecendo a compra de dentaduras em ouro, cera ou até mesmo quebradas. Aqui, no
recanto mais silencioso do corredor lateral, pessoas de ambos os sexos podem tornar-se
empregados num cenário de sala de estar montado por derrás de um vidro. Sobre o papel
de parede de cor esmaecida, cheio de quadros e bustos de bronze, recai a luz de uma
lâmpada a gás. Junto dela, uma velha senhora a ler. Está sozinha, dir-se-ia há anos. Agora,
a galeria torna-se cada vez mais deserta Um pequeno guarda-chuva vermelho de latão ao
pé de uma escadaria indica acima, em direção a uma fábrica de armações de guarda-
chuvas; um empoeirado véu de noiva anuncia uma loja de enfeites para casamentos e
banquetes. Porém, ninguém mais acredita nisso. Escadas de incêndio, calhas: estou do
lado de fora, ao ar livre. Defronre, mais uma vez há algo como uma passagem, arcos, e lá
uma rua sem saída até um Hôtel de Boulogne ou Bourgogne, com uma só janela. Contudo,
não mais preciso entrar ali, caminho rua acima até o arco de triunfo, construído cinzento e
glorioso para Lodovico Magno. Na base das pirâmides esculpidas em seus pilares, repousam
leões e encontram-se armas, couraças e troféus crepusculares.
PASSAGENS PARISIENSES <I > 2
No meio, o leito asfaltado da rua: parelhas de pessoas, carruagens humanizadas. Procissão
de carruagens humanizadas.
<A°, 1>
A rua que atravessa casas. Trajeto de um fantasma atravessando paredes de casas. [cf. L 2, 7]
<A°, 2>
Moradores destas passagens: as placas com os nomes pouco têm em comum com aquelas
penduradas em entradas respeitáveis. Lembram mais as placas nas jaulas de jardins
zoológicos, que indicam não tanto o domicílio, mas nomes e origem de animais em
cativeiro, [cf. b°, 2]
<A°, 3>
Mundo de singulares afinidades secretas: Palmeira e espanador, ventilador e a Vénus de
Milo, garrafas de champanhe, próteses e epistolário, cinterrompkk» [cf. a°, 3 e R 2, 3]
<A°, 4>
Quando na infância ganhávamos de presente aqueles grandes compêndios Weltall und
Menschheit ( Universo e Humanidade ) ou Die Erde (A Terra) ou o último volume do Neues
Universum (Novo Universo), não nos lançávamos todos primeiro sobre a colorida prancha
representando uma “Paisagem do carbonífero” ou sobre uma “Fauna da Europa na Era
Glacial”, não nos atraía logo à primeira vista uma afinidade indefinida entre os ictiossauros
e os bisontes, os mamutes e as florestas? A paisagem de uma passagem, porém, revelamos
pertencimento semelhante e um parentesco primevo. Mundo orgânico e inorgânico,
necessidade vulgar e luxo atrevido aliam-se da maneira mais contraditória, as mercadorias
ficam expostas e se sucedem tio inescrupulosamente como imagens dos sonhos mais
confusos. Paisagem primeva do consumo, [cf. a °, 3]
<A", 5>
2 Estes 405 fragmentos, de <A°, 1> a <Q°, 25>, representam o texto fundador das Passagens- As siglas
com "cotovelos" < ... > são do editor alemão: trata-se de uma classificação meramente serial, sem
conotação semântica, de textos surgidos em ordem espontânea. Destes fragmentos, Benjamin
transcreveu aproximadamente a metade para sua grande coletânea de " Notas e Materiais", organizada
de forma sistemática em 36 arquivos temáticos ( Konvolute ), onde os fragmentos foram identificados
por ele próprio por siglas alfanuméricas, marcadas aqui com colchetes [...]. Baseando-nos na edição
norte-americana, e com a mesma ressalva de que nossa lista não é exaustiva, indicamos entre colchetes,
por exemplo [cf. L 2, 7], os fragmentos que foram retomados por Benjamin, no manuscrito principal
ou ainda em outros textos do "primeiro esboço". - Todas as observações entre < ... > são do editor;
palavras ilegíveis do manuscrito foram assinaladas com < x > e as palavras que suscitam dúvidas vêm
acompanhadas de <?>. (R.T., w.b.)
904 ■ Passagens
Comércio e trânsito são os dois componentes da rua. Para a passagem, porém, o primeiro
está praticamente morto, seu trânsito é rudimentar. Ela é apenas rua lasciva do comércio,
propícia apenas a despertar volúpias. Por isso, não é surpreendente que as prostitutas se
sintam espontaneamente atraídas em sua direção. Pois, como nessa rua todos os humores
circulam lentamente, a mercadoria viceja junto à fachada das casas c forma novas e fantásticas
associações, tal qual um tecido de tumores.
<A°, 6>
O desejo revolve-se em plena rua ao encontro do prazer, arrastando como volúpia à sua
cama sombria tudo o que encontra no caminho, fetiche, talismã e fiança do destino, levando
de roldão os resquícios de coisas em decomposição: cartas, beijos e nomes. O amor avança
com os dedos tateantes da saudade pela rua sinuosa. No interior do amante, o amor prossegue
seu caminho que sc desvenda para ele na imagem da amada que paira no ar diante dele.
Esta imagem desvenda-lhe este interior pela primeira vez. Pois, como a voz da genuinamente
amada evoca em seu coração um eco que ele jamais percebera em si, as palavras que ela diz
despertam nele pensamentos desse eu novo, até então oculto, revelado a ele pela imagem
dela, e a mão resvalante da amacia desperta <interrompido>
<A°, 7>
Jogo em que as crianças têm que formar uma frase bem curta com certas palavras
predeterminadas. As vitrines parecem ter desistido desse jogo: binóculos e sementes de
flores, parafusos e partituras, maquiagem e lontras empalhadas, peles e revólveres.
<A°, 8>
Maurice Renard descreveu em seu livro Le Péril BleiP habitantes de uma estrela
desconhecida que pesquisam o tipo de flora e fauna existente no fundo do mar rarefeito
- em outras palavras, sobre a superfície da Terra. Os habitantes do planeta vêem no ser
humano algo semelhante a minúsculos <?> peixes do oceano, ou seja, seres que habitam
o fundo de um mar. Tal como nós mal percebemos a pressão atmosférica, tampouco o
peixe percebe a pressão da água: isso nada muda no fato de que ambas as criaturas
seguem sendo do fundo de um mar. Com a observação das passagens, tem início uma
nova orientação bem semelhante do espaço. Nela, a própria rua dá-se a conhecer como
<x> um intérieur intensamente habitado: como sala de estar do coletivo, pois os verdadeiros
coletivos habitam a rua como tais: o coletivo é um ser eternamente desperto, eternamente
agitado, que vivência, experimenta, conhece e inventa tantas coisas entre as fachadas
quanto os indivíduos no abrigo de suas quatro paredes. Para este coletivo, as esmaltadas
tabuletas das firmas comerciais são uma decoração de parede tão boa, senão melhor,
quanto uma cópia a óleo barata o é para a intimidade do lar. Muros com o “Proibido
colar cartazes” são sua escrivaninha; bancas de jornais, suas bibliotecas; vitrines, suas
inacessíveis cristaleiras envidraçadas; caixas de correio, seus bronzes; bancos, a mobília
de seu dormitório e o terraço do café, a sacada de onde ele observa seu lar. Como numa
grade, na qual os calceteiros penduram o paletó antes de ir ao trabalho, o vestíbulo é,
para ele, o oculto portão de entrada, que conduz a uma série de pátios, e o corredor que
assusta estranhos é, para ele, a chave de sua casa. [cf. d°, 1 e M 3a, 4]
<A°, 9>
Paris, 1911. (R.T.)
3
Primeiro Esboço ^assaçens Parisienses <I> ■ 905
Uma fábrica de enfeites 4 para casamentos e banquetes. Paramentos de noivas. Alpiste nas
bacias de uma câmara escura fotográfica. — Mme de Consolis - Professora de Balé, Aulas,
Cursos, Números, Mme de Zahna Cartomante - Enlouquecidas ilusões, Amplexos secretos,
fcf. “Passagens” e a°, 3]
^ <A°, io>
Meias representam por toda parte seu papel de atrizes convidadas, ora aparecem em
fotografias ou numa clínica de bonecas, ora sobre a mesa contígua de um balcão, vigiadas
por uma moça. [cf. “Passagens” e b°, 1]
r <a°, n>
Pensar a passagem como pavilhão termal. Mito da passagem
L 2, 6]
com fonte lendária, [cf.
<A°, 12>
Já é tempo de descobrir as belezas do século XIX.
<A°, 13>
Passagem e estação: sim / passagem e igreja: sim / igreja e estação: Marselha /
<A°, 14>
Cartaz e passagem: sim / cartaz e edifício: não / cartaz e <x>: aberto /
<A°, 15>
Conclusão: magia erótica / tempo / perspectiva / reviravolta dialética (mercadoria
tipo)
<A°, ití>
Para falar novamente de restaurantes, existe uma escala quase infalível para avaliar sua
ordem hierárquica. Não se trata, como se poderia crer facilmente, do preço. Encontramos
essa escala inesperada na modulação da voz que nos recepciona quando <interrompido>
cB“, li
O caráter festivo, ponderado, calmo da refeição parisiense pode ser medido, melhor do que
nos pratos, no silêncio que nos cerca no restaurante parisiense, tanto diante de mesas sem
toalhas e paredes caiadas, quanto no dining-room atapetado e ricamente ornado. Em parte
alguma encontra-se o burburinho de restaurantes berlinenses, nos quais os fregueses se
lâzem de importantes e a comida é apenas um pretexto ou uma necessidade. Conheço um
rat-in m escuro, modesto, em pleno centro, onde poucos minutos após as doze horas as
costureiras dos ateliês vizinhos reúnem-se junto às longas mesas de mármore. São a única
íreguesia, ficam entre si e têm pouco a dizer umas às outras na curta pausa. E, no entanto
— trata-se apenas de um murmúrio no qual sobressai ainda de maneira suave, delicada o
idÈncar rias facas e garfos como que escandido. Num “Rendez-vous des Chauffeurs , como
«os pequenos btstrôs gostam de denominar-se, um poera e pensador pode tomar seu café da
4 No lugar de "5000nden" (cinco mil pessoas) da edição alemã (R.T.), a tradução francesa (J.L.) propõe
"cocardes" (enfeites). Optou-se por esta proposta, (w.b.)
5 )()() ■ Passagens
manhã e estimular um bocado seus pensamentos numa vizinhança em meio a uma clientela
internacional de motoristas de táxi russos, italianos, franceses. Se por acaso quiser fruir todo
o silêncio comunicativo de uma refeição em público, ele não se dirige a um dos antigos e
afamados restaurantes, muito menos a um novo e chique, ao contrário, ele sai à procura da
nova mesquita num dos bairros afastados de Paris. Lá, encontra, ao lado do jardim interno
com sua fonte, ao lado do bazar obrigatório cheio de tapetes, tecidos e pratos de cobre, três
ou quatro salas reservadas, de tamanho mediano, iluminadas por lamparinas suspensas,
mobiliadas com tamboretes e divãs. De fato, não só terá que dizer adeus à cozinha francesa,
em troca de uma refinada cozinha árabe, mas também aos vinhos franceses. A despeito disso,
a melhor sociedade parisiense já descobrira os “segredos da mesquita” depois de poucos meses
e saboreia seu café no pequeno jardim ou um jantar tardio numa das pequenas salas.
<B°, 2>
Caso se queira descrever o charme inexaurível de Paris em poucas palavras, pode-se dizer
que nessa atmosfera situa-se uma mistura sabiamente balanceada que <interrompido>
<B°, 3>
Carus 5 sobre Paris, a atmosfera e suas cores / Paris como cidade dos pintores. Chirico: a
paleta de cinza. [cf. D la, 8]
< B°, 4>
Sonha-se de modo muito diferente de acordo com a região e a rua, e principalmente, de
acordo com as estações do ano e o tempo. O tempo de chuva na cidade, em toda sua
doçura astuta e sua tentação de abrigar-se na mais tenra infância, só é compreensível à
criança de uma cidade grande. Naturalmente, ele nivela o dia e em tempo de chuva
pode-se fazer a mesma coisa dia após dia, jogar baralho, ler ou discutir, enquanto o sol
sombreia as horas de forma, bem diferente e também é menos propício ao sonhador. Por
isso, é preciso ocupar-se o dia todo desde as primeiras horas da manhã, é preciso, antes
de mais nada, levantar cedo para ter a consciência tranquila para o ócio. Ferdinand
Hardekopf, o único verdadeiro decadente gerado pela literatura alemã, e que considero
o mais improdutivo e o mais diligente de todos os poetas alemães que agora se encontram
em Paris, indicou ao sonhador na “Ode vom seligen Morgen” (Ode da manhã bem-
aventurada), 6 dedicada a Emmy Hennings, as melhores medidas de precaução para dias
ensolarados. Na história dos poetas malditos, aliás, ainda está por ser escrito o capítulo
de sua batalha contra o sol; a neblina parisiense da qual há pouco falamos, foi muito cara
a Baudelaire. [cf. D la, 9]
<B°, 5>
Todo ano se diz que o último “quatorze juillet” ficou atrás dos anteriores. Infeliz e
excepcionalmente desta vez foi verdade. Motivo; em primeiro lugar, tempo fresco. Em
5 Benjamin conhecia o diário parisiense de Cari Gustav Carus através de extratos feitos por Rudolf
Bochardt em sua antologia Der Deutsche in der Landschaft, Munique, 1927, e a coletânea de
C.G. Carus, fie/sen und Briefe, org. por Eckart von Sydow, Leipzig, 1 926; cf. a resenha desses dois
livros in: GS III, 91-94 e 56-57. (R.T.)
6 Cf. Ferdinand Hardekopf, Gesammelte Dichtungen, Zurique, 1963, pp. 50 et seq. (R.T.)
Primeiro Esboço [ Passagens Parisienses <I> ■ 5*07
segundo lugar, desta vez, a cidade negou os subsídios às comissões organizadoras das
festividades. Em terceiro, o franco está mais estável. Sabe-se bem como um câmbio instável
é uma excelente base para festas populares. No ano passado, quando em julho o franco
estava no meio de uma expressiva queda, a moeda comunicou sua inclinação ao público
desesperado. Dançou-se como nunca se dançara antes. Nas esquinas, via-se o antigo quadro:
longas guirlandas de lâmpadas elétricas, estrados com músicos, multidão de curiosos. Porém,
a dinâmica dos ritmos foi indubitavelmente mais fraca e a festa de três dias não se estendeu
tanto noite adentro como de costume. Em compensação, seus efeitos duraram mais. Um
pequeno gnipo de tendas de jogos de dados, confeiteiros ambulantes, bancas de tiro ao
alvo <interrompido>
<c°, i>
A morte, a estação central dialética: a moda , a medida do tempo.
<c°, 2 >
Na primeira metade do século passado, também os teatros foram transferidos
preferencialmente para as passagens. Na Passage des Panoramas, encontra-se o Théâtre des
Variétés, ao lado do teatro infantil de M. Comte; 7 8 um outro, o Gymnase des Enfants na
Passage de 1’Opéra, onde havia por volta de 1896 o teatro naturalista de reportagem <?> de
Chirac: o Théâtre de Vérité, no qual um casal de amantes nus representava peças de um
ato. Ainda hoje encontram-se, na Passage Choiscul, as Bouffes Parisiennes, e se as salas
restantes tiveram que mudar-se, as pequenas reluzentes cabinas das agências de venda de
bilhetes inauguram <algo> como um acesso secreto a todos os teatros. Mas isso não dá a
idéia de quão estritamente primordial foi a ligação da passagem com o teatro. Sob ... havia
o hábito de denominar magazines de luxo segundo os maiores sucessos dos vaudevilles da
temporada. E como tais lojas de galanterias constituíam na maioria das vezes a parte mais
distinta das passagens, essa galeria parecia em determinados trechos um cenário de um
teatro. Estes magasins de nouveautés eram um caso especial.
Claretie fala da “perspectiva sufocada” de certas imagens e a compara à ausência de ar das
passagens. Todavia, a perspectiva destas pode ser comparada àquela perspectiva abafada
que, por sua vez, é exatamente a do estereoscópio. O século XIX <interrompido>
<C°, 4>
Forças de repouso (da tradição) que chegam do século XIX até nós. Forças da tradição
histórica deslocadas. O que significaria o século XEX para nós, se a tradição nos ligasse a ele?
Como se configuraria ele como religião ou mitologia? Não remos relação tátil alguma com
ele. Quer dizer, nós fomos educados para a visão à distância do domínio histórico, própria
do romantismo. Prestar contas do legado imediatamente transmitido é importante. Porém,
ainda é muito cedo para, por exemplo, colecionar. Exige-se a reflexão concreta, materialista,
sobre o que está mais próximo. A “mitologia”, como diz Aragon, coloca novamente as coisas
a distância. Apenas a apresentação daquilo que nos é familiar e que nos condiciona é
7 Alusão è estabilização do franco no governo Poincaré, em junho de 1928. (J.L.)
8 O teatro de Comte situava-se na Passage des Panoramas antes de instalar-se, em 1 826, na Passage
Choiseul. "Lá havia uma mescla de exibições de habilidades físicas, prestidigitação, ventriloquia com
pequenas cenas representadas por crianças." (G. Bertier de Sauvigny, La Restauration , Nouvelle
Histoire de Paris, p. 372.) (J.L.)
908 ■ Passagens
importante. O século XIX, para falar como os surrealistas: são os ruídos que intervêm em
nosso sonho, que interpretamos ao despertar.
<C°, 5>
Um passeio por Paris terá início com o aperitivo, isto é, por volta das 5 ate às 6 horas. O
senhor esteja bem à vontade. Como ponto de partida, o senhor pode tomar uma das
grandes estações: a Gare du Nord, de onde se parte para Berlim; a Gare de 1’Est, para
Frankfurt; a Gare St. Lazare, para Londres; ou a Gare de Lyon, de onde se toma o P[arisj-
L[yon] - M [arseille] . Se quiser saber minha opinião, aconselho a Gare St. Lazare. E que lá o
senhor terá meia França e meia Europa ao seu redor: nomes como Havre, Provence, Rome,
Amsterdam, Constantinople perpassam a rua como o doce recheia uma torta. Trata-se do
assim chamado bairro Europe, no qual as maiores cidades da Europa delegaram uma noa
como portadora de seu prestígio. Nesse corpo diplomático de ruas européias reina uma
etiqueta bastante precisa e rigorosa. Cada uma delas destaca-se muito sobre a outra. Caso
tenham a ver uma com a outra - nas esquinas - encontram-se muito cortesmente sem
qualquer ostentação. Um estrangeiro a quem nada se avisa, talvez nem mesmo perceberia
que se encontra aqui numa corte. Quem reina aqui é justamente <porém ?> a Gare St.
Lazare, uma soberana robusta e suja, uma princesa de ferro e fumaça que vocifera e solta
fogo pelas ventas, [cf. L 1, 4] Todavia, não somos obrigados a nos ater necessariamente às
estações de trem. Estações são boas como ponto de partida, entretanto são também muito
boas como ponto de chegada. Pensemos nas praças. Aqui faz-se necessária uma diferenciação:
temos praças sem história <?> e sem nome. Assim, a Place de la Bastille e a Place de la
Republique, a Place de la Concorde e a Place Blanche, mas também outras, cujo arquiteto
é desconhecido e cujos nomes se procuram por muito tempo num muro e por vezes em
vão. Estas praças são felizes coincidências na paisagem urbana, não se encontram sob o
patronato da história como a Place Vendôme ou a Place de Greve, não foram planejadas
minuciosamente, mas assemelham-se a improvisações arquitetônicas, agrupamentos de
casas onde construções baixas se espairecem de maneira um tanto desordenada. Nestas
praças, as árvores têm a palavra; as menores árvores dão aqui uma espessa sombra. À noite,
porém, sua folhagem paira diante da lanterna a gás como frutos transparentes. Estas
minúsculas praças ocultas são os futuros <?> jardins das Hespérides. [cf. P 1, 2] Vamos
supor que nos sentemos por volta das 5 horas na Place Sainte-Julie 9 para um aperitivo. De
uma coisa podemos ter certeza: seremos os únicos estrangeiros e não teremos talvez sequer
um parisiense a nosso lado. Caso se aproxime alguém, esse vizinho dará a impressão de um
provinciano <?> que se achega para o afável aperitivo crepuscular. Existe um tipo de senha
maçónica através da qual os fanáticos aficionados de Paris, tanto franceses quanto estrangeiros,
reconhecem uns aos outros: a palavra “província”. Dando de ombros, o verdadeiro parisiense,
mesmo que ano após ano jamais saia em viagem, rejeita morar em <Paris>. Ele mora no
treizième ou no deuxième ou no dix-huitième, não em Paris, e sim em seu arrondissement
— no terceiro, sétimo ou no vigésimo - e isto é a província. Talvez esteja aqui o segredo da
suave hegemonia desta cidade sobre a França: que ela tenha acolhido no coração de seus
bairros que são também pequenas Franças particulares - o seu outro, de modo que possui
mais províncias do que a França inteira. Pois seria absurdo proceder aqui segundo a ordem
dos cadastros burocráticos: Paris tem mais do que vinte arrondissements e possui inúmeras
cidades e aldeias. Um jovem autor parisiense, Jacques de Lacretelle, há pouco tomou como
9 Conforme observa o tradutor francês (J.L.), esta praça não existe.
Primeiro Esboço | Passagens Parisienses <I> ■ 909
tema de seu flanar sonhador <?> essa investigação dos secretos distritos parisienses, das
províncias dos arrondissements, escrevendo um “Rêveur parisien”, de cujas vinte páginas
muito se aprende. 10 Paris possui o seu Sul com sua Riviera e sua praia onde brincam as
novas construções parisienses <?>, sua costa bretã de neblina e chuva junto à margem do
Sena <?>, não longe do Hotel de Ville, seus recantos borgonheses no mercado e as mais
mal afamadas ruelas portuárias como em Toulon e Marseille; naturalmente não na Butte
Montmartre, e sim bem atrás da reputada Place Saint-Michel. Existem outros lugares que
parecem como se a foto de uma <interrompido>
<C°, 6>
Perder a noite que acaba de começar, com a pergunta familiar no instante mais intenso da
hora, eis a prova de que essa tarde de Paris foi plena e feliz, linda demais para ser apenas um
vestíbulo do Moulin Rouge. Numa próxima vez, numa visita à Paris noturna, procuraremos
tomar nosso <x> somente após o jantar.
<C°, 7>
Surrealismo - vague de rêves 1 1 — nova arte do flanar. Novo passado do século XIX — Paris, o
lugar clássico de tudo isso. Aqui, a moda inaugurou o entreposto dialético entre a mulher
e a mercadoria. Seu espigado e atrevido caixeiro, a morte, mede o século em braças e por
economia ele mesmo faz o papel de manequim e gerencia pessoalmente a liquidação, que
em francês se chama révolution. [cf. f°, 1 e B 1, 4] E sabemos de tudo isto apenas desde
ontem. Olhamos para os escritórios vazios e onde <?> ontem foi <?> ... sala.
<D°, 1>
A moda nunca foi senão: provocação da morte pela mulher. Provocação que acabou aqui
com a vitória da morte. Esta doou a armadura das prostitutas como troféu empalidecido à
margem do novo Letes que rola pelas passagens como um rio de asfalto, [cf. f°, 1 e B 1, 4]
<n°, 2 >
E nada do que dizemos aqui de fato existiu. Tudo isso nunca viveu: assim como nunca
viveu um esqueleto, e sim apenas um ser humano. Embora, na verdade <interrompido>
< 0 °, 3 >
O ser passado, não ser mais, é o que trabalha com mais paixão nas coisas. É a isso que o
historiador confia o seu assunto. Prende-se a essa força e reconhece as coisas como são no
momento do não-mais-ser. Tais monumentos de um não-mais-ser são as passagens. E a
força que nelas trabalha é a dialética. A dialética as revolve, as revoluciona, revira para baixo
o que está por cima, faz delas o que nunca foram, transforma-as de locais luxuosos em <x>.
E delas nada mais resta do que o nome: passagens, e: Passage du Panorama. No íntimo
desses nomes trabalha a subversão, por isso preservamos um mundo nos nomes das velhas
mias e ler à noite um nome de ma assemelha-se a uma transmigração <?>.
<D°, 4 >
10 Jacques de Lacretelle, "Le Rèveur Parisien", NRF, 166, 01/07/1927, pp. 23-29. (R.T.)
1 1 Referência ao texto teórico homônimo de Louis Araqon, de 1 924, sobre o surrealismo, (w.b.)
910 m Passagens
A moda como paródia do
cadáver (colorido)
Moda, um diálogo com o corpo,
com a putrefação.
Forma oca em que foi moldada
a Modernidade
Surrealismo
Paisagem primeva do consumo / Cores
Moradores
Aposentos internos
Reviravolta dialética / Bonecas parisienses
Intérieur / Salon
Espelho / Perspectiva
Teatro / Dioramas
Magasins de nouveautés I Guias de Paris
Moda / tempo
Lestes (moderno)
Rua como intérieur I O salon / a reviravolta dialética
Ültimo abrigo da mercadoria
<D“, 5>
Tudo isso é a passagem a nossos olhos. E nada disso ela foi outrora. [cf. a°, 2 e C 2a, 9]
Enquanto nela ardiam as lâmpadas a gás e a óleo, elas eram castelos de fadas. Contudo,
quando queremos pensá-las no auge de sua magia, imaginamos então a Passage des Panoramas
por volta de 1870 <?>, quando num dos lados pendia a iluminação a gás, e no outro
bruxuleavam ainda as lâmpadas a óleo. A decadência começa com a iluminação elétrica.
Mas no fundo não foi uma decadência, e sim, para ser exato, uma reviravolta. Assim como
os amotinados tomam um local fortificado após longos dias de conspiração, assim a
mercadoria assegurou-se com um golpe do domínio sobre as passagens. Só então adveio a
época das firmas e das cifras. O brilho interior das passagens apagou-se com o acender das
luzes elétricas e ocultou-se em seus nomes. Mas então seu nome tornou-se qual um filtro
que deixou passar apenas o mais íntimo, a amarga essência do ocorrido. (Esta maravilhosa
força de destilar o presente como essência mais íntima do ocorrido concede ao nome seu
excitante e misterioso poder sobre os autênticos viajantes.)
<D°, 6>
A arquitetura como o testemunho mais importante da “mitologia” latente. E a mais
importante arquitetura do século XIX é a passagem. - Tentativa de despertar de um sonho
como melhor exemplo da reviravolta dialética. Dificuldade desta técnica dialética.
<D”, 7>
Comerciante de binóculos
< E",
1 >
Em 1893 as passagens são proibidas às cocotes, [cf. H 1, 4]
< E°, 2>
Primeiro Esboço Passagens Parisienses <I> ■ 911
Música nas passagens “Lanterna mágica! Peça curiosa!' . Com esse grito um vendedor
ambulante percorria as ruas e, atendendo a um chamado, subia nos apartamentos para
apresentar sua lanterna. O cartaz da primeira exposição de cartazes mostra,
caracteristicamente, uma lanterna mágica, [cf. Q 2, 3]
<E°, 3>
Moda das tartarugas em 1839. Ritmo do flanar nas passagens, [cf. D 2a, 1]
<E°, 4>
Nomes de magasins de nouveautés (na maioria das vezes, segundo vaudevilles de sucesso):
La filie dhonneur / La vestale / Le page inconstant / Le masque de fer / Le coin de la rue
/ La lampe merveilleuse / Le petit chaperon rouge / La petite Nanette / Chaumière
Allemande / Mamelouk. [cf. A 1, 2]
< E°, 5>
Tabuleta de um confeiteiro: “Às armas de Werther”. Luveiro: “Aqui em frente, jovem”,
[cf A 1, 2]
Olympia - Continuação da rua. 12 Afinidade com a passagem.
<E°, 7>
Musée Grevin: Cabinet des Mirages. Aí apresenta-se uma mistura de templo, estação,
passagens, mercados, onde é vendida carne estragada. A ópera na passagem. Catacumbas
na passagem.
<E°, 8>
Em 1857, a primeira iluminação elétrica de rua em Paris (junto ao Louvre). [cf. T 1, 4J
<E°, 9>
No Impasse Maubert, antigamente dAmboise, nos números 4 e 6, por volta de 1756,
morava uma envenenadora com suas duas cúmplices. Certa manhã, encontraram as três
mortas por terem inspirado gases venenosos, [cf. A la, 8]
<E° 10>
Na Passage de la Réunion, outrora um pátio, no século XVI foi um ponto de encontro de
gatunos. No início do século XIX ou ao fim do século XVIII, um vendedor de musselina
(por atacado) estabelece-se na passagem. ^
Dois locais de diversão, em 1799: Coblentz 13 (para os emigrantes que retornaram) e o
Temple.
r <E“, 12>
No Charivari de 1836 encontra-se uma ilustração mostrando um cartaz que se estende por
metade da fachada de uma casa. As janelas foram poupadas, à exceção de uma,
12 Trata-se, provavelmente, do grande music-hall, construído em 1893, no Boulevard des Capucines.
(J.L.)
13 Petit-Coblentz foi o nome dado sob o Diretório (1795-1799) à parte do Boulevard des Italiens
frequentada, sobretudo, pelos emigrados que retornaram. (J.L.)
912 * Passagens
aparentemente, pois nela se apóia um homem cortando o pedaço de papel que o incomoda,
[cf. G 3, 6]
<E°, 13>
No início, o gás era entregue em recipientes para o consumo diário dos estabelecimentos
mundanos, [cf. T 1, 51
«E 6 , 14>
Thurn <?> como georama na Galerie Colbert.
<E°, 15>
Félicien David: Le Désert (representado diante de <por?> árabes), Christophe Colomb (música
panoramática). [cf. H 1, 5]
<E°, 16>
Passage du Pont-Neuf: descrita em Thérese Raquin, de Zola, logo no início (idêntica à
antiga Passage Henri IV<?>) 14
<E°, 17>
Elie Nachmeron <?> / Passage du Bois de Boulogne (hoje „. 15 ), du Caire, du Commerce,
de la Grosse Tête, de la Réunion.
<E”, 18>
“O inverno ao famoso calor das lâmpadas ...” Paul de Kock, La Grande Ville , IV.
<E°, 19>
Paul de Kock: “números de fogo” diante dos cassinos.
<E°, 20>
Passage Vivienne - Esculturas nos portais, representando alegorias do comércio. Num
pátio interno, cópia de um Mercúrio da Antigüidade, sobre um pedestal.
<E°, 21>
Expansão industrial sob Luís XVIII. [cf. A la, 9]
<E°, 22>
Luís Filipe expulsa a prostituição do Palais-Royal, fecha os cassinos.
<E°, 23>
Disposição dos panoramas: uma plataforma elevada, cercada por uma balaustrada, permite
a vista sobre superfícies pintadas situadas à frente e abaixo. A pintura estende-se ao longo
de uma parede cilíndrica, de aproximadamente 100 metros de comprimento e 20 metros
de altura. Os principais panoramas de Prévost (o grande pintor de panoramas): Paris,
Toulon, Roma, Nápoles, Amsterdam, Tilsit, Wagram, Calais, Antuérpia, Londres, Florença,
Jerusalém, Atenas. Entre seus discípulos: Daguerre. [cf. Q la, 1]
<E°, 24>
14 A Passage du Pont Neuf situava-se entre a Rue Mazarine e a Rue de Seine no VI e arrondissement,
enquanto a antiga Passage Henri IV situava-se perto da Rue des Bons-Enfants no I er arrondissement.
(J.L.)
15 A Passage du Bois de Boulogne tornou-se Passage du Prado em 1929. (J.L.)
Primeiro Esboço | Passagens Parisienses <I> ■ 913
Localização da Passage du Caire na mal-afamada “Cour des Miracles (v. Hugo, Notre
Dame de Paris). Era denominada cour des miracles porque os mendigos ao chegar ali - que
era o refugio de sua corporação — , despiam-se de suas doenças simuladas, [cf. A 3a, 6]
<E°, 25>
Em 12 de fevereiro de 1790, execução do Marquis de Favras (acusado de conspiração
contra-revolucionária). 16 A Place des Grèves e o cadafalso decorados com lampiões, [cf. T
la, 9]
<E°, 26>
Um fabricante de pianos, Schmidt, de Estrasburgo, construiu a primeira guilhotina.
<E°, 27 >
Georama no XIV e arrondissement.
[cf. Q 2, 4]
Pequena reprodução da França imitando a natureza.
<E°, 28>
Passage Vivienne, a “bem comportada”, em comparação à Passage des Panoramas. Na
primeira, nenhuma loja de luxo. Lojas na Passage des Panoramas. Restauram Véron, Marquis,
cabinet de lecture, marchand de musique, caricaturiste, Théâtre des Variétés (alfaiates,
fabricantes de botas, quitandeiros, comerciantes de vinhos, fabricantes de bonés), [cf. A 2, 1]
<E°, 29>
A perspectiva da ópera no Musée Grevin (quanto à Passage de 1’Opéra, comparar com Le
Fantôme de 1’Opéra 17 ).
<E“, 30>
O (caricaturista ?) Aubert 18 na Passage Véro-Dodat. Pavimentação de mármore!
<E°, 31>
Rei-Maçon — apelido de Luís Filipe, [cf. E la, 1]
<E“. 32>
Em 1863, Jacques Fabien publica Paris en Songe. Ele demonstra ali como a eletricidade
freqüentemente provoca cegueira pelo excesso de luz, e desvario por conta do ritmo acelerado
das notícias, [cf. B 2, 1]
<E°, 33>
Nomes dos joalheiros reproduzidos com pedras falsas sobre a loja. [cf. A 1, 2]
<E°, 34>
Transição da boutique para o magazine. O comerciante compra estoque para uma semana e
muda-se para o entressolho. [cf. A 1, 3]
<E°, 35>
16 A execução ocorreu de fato em 19 de fevereiro de 1790. (J.L.)
17 Este romance, de Gaston Leroux, foi publicado em Paris em 1 91 0. Depois de <E“, 30> falta uma página
do manuscrito. (R.T.)
18 Provavelmente Eugène Aubert (1789-1847), autor de Vues de Paris. (J.L)
914 ■ Passagens
Grande moda por volta de 1820: caxemiras.
<F.°, 36>
Origem da lanterna mágica. Descobridor Athanasius Kircher.
<E°, 37>
Em 1757, só havia três cafés em Paris. [cf. D 3a, 1]
<E°, 38>
A investigar: o frontispício do vol. I do LHermite de la Chaussée dAntin , Paris, 18 13. 19
“Deus seja louvado e minhas boutiques também”, atribuído a Luís Filipe.
<E°, 40>
Rachel habitava a Passage Véro-Dodat. [cf. A la, 4]
cE D , 412
Rue Franciade 84, “Passage du désir ” conduzindo outrora a um lugar galante, [cf. A 6a, 4]
<E°, 42>
Os panoramas na Passage des Panoramas foram fechados em 1831-
<E°, 43>
Gutzkow relata que os salões de exposição estariam cheios de cenas orientais que deviam
despertar o enmsiasmo pela Argélia, [cf. I 2, 2]
<e°, 44>
Questionário para o trabalho das Passagens.
A pelúcia só ocorre sob Luís Filipe?
<E°, 45>
O que é uma “peça de gaveta” ( pièce à tiroirs )? 20 (Gutzkow, Briefe aus Paris I, 84).
<E", 46>
Em que espaço de tempo dava-se antigamente a mudança da moda?
<E", 47>
Descobrir o significado na gíria de “bec-de-gaz” 21 e de onde vem?
<E°, 48>
Fazer consultas sobre a fabricação de espelhos.
<E°, 49 >
1 9 UHermite de la Chaussée d'Antin, ou Observations sur les Moeurs et les Usages Parisiens au Commencement
du XIX * Siède, de Victor-Joseph Jouy (1764-1846). O frontispício mostra o autor sentado à
escrivaninha. Acima dele, projetada na parede, há uma cena de rua parisiense com a seguinte
legenda: "Minha cela é como uma câmara obscura na qual se recordam objetos externos." (E/M)
20 Na "peça de gaveta" o espectador vê as cenas se sucederem no mesmo ritmo em que se abrem uma
a uma as gavetas de uma cômoda. O termo alemão é "Schubladenstück". (J.L.)
21 Gíria para "policial". (J.L.)
Primeiro Esboço Passagens Parisienses <I> ■
Quando surge o costume de conferir às ruas nomes que não têm relação alguma com elas,
e sim que devem lembrar um homem famoso etc.?
<E°, 50>
Diferença entre passage e cité ?
<E°, 51>
Primeiros escritos sobre construções de ferro, técnica para a construção de fábricas etc.?
<E°, 52>
O que é a lâmpada astral? Inventada por Bordin-Marcet <?> em 1809- 22
<E°, 53>
O que são os trens de ferro atmosféricos de Vallance? 23
<E°, 54>
Qual a fonte da citação de Apollinaire em Crevel? 24
<E°, 55>
De onde Picabia tirou a sugestão de fazer dois espelhos se olharem um ao outro e um
dentro do outro? Igualmente citado em Crevel. Como epígrafe do capítulo sobre espelhos.
<E°, 56>
Informações sobre a construção da lâmpada Carcel, na qual um mecanismo impulsionava
o óleo até o pavio, enquanto na lâmpada Argand ( quinquet ) o óleo pingava de um recipiente
em cima do pavio, produzindo assim uma sombra, [cf. T la, 7]
<E°, 57>
Onde Charles Nodier escreveu contra a iluminação a gás? 25 [cf. T 2a, 3]
<E°, 58>
O que é “une psychc”? 26 [cf. Z 1, 3]
<£”, 59>
A cidade de mercados e feiras. Assim aparece Riga como magazine na luz crepuscular, do
outro lado do rio. Quando nuvens coloridas concentram-se sobre o mar, diz então a lenda
chinesa: os deuses reúnem-se para fazer feira. Ela chama isso de hai-thi ou a feira do mar.
<F°, 1>
22 A "lâmpada astral", redonda e suspensa, projeta sua luz do alto. (J.L)
23 Um senhor Vallance (de Brighton) foi o primeiro a ter a idéia de utilizar trens com rodas pneumáticas no
transporte de passageiros. Experiências foram feitas na década de 1840. (J.L.)
24 Cf. René Crevel, "LEsprít Contre la Raison", Cahiers du Sud (dezembro de 1827). (J.L.)
25 Ch. Nodier e Amédée Pichot, Essai Critique surte Gaz Hydrogène etles Divers Modes d' Édairage Artificiei,
Paris, 1823. (J.L.)
26 Há duas leituras possíveis, bastante diferentes: 1) móvel de toucador com grandes espelhos e muitas
gavetas; 2) assunto de colunistas sociais que espelham o que se passa no mundo da moda; cf. a
referência a "psyché" nas Cartas de Paris, de Gutzkow, cit. em Z 1, 3. (w.b.)
C)Jfi ■ Passagens
Comparação das passagens com galpões cobertos, onde se aprendia a pedalar. Nesses locais,
a mulher assumia sua figura sedutora: como ciclista. Assim aparece nos cartazes de então.
Chéret como pintor dessa beleza feminina, [cf. B 1, 2]
Música nas passagens. Parece ter se estabelecido nesses espaços com o declínio das passagens,
isto é, simultaneamente à época da música mecânica. (Gramofone. O teatrofone , de
certa forma seu precursor.) E, no entanto, havia música no espírito das passagens, uma
música panoramática que se consegue ouvir agora apenas em antiquados concertos elegantes,
por exemplo, da orquestra da estação de águas de Monte Cario: as composições panoramáticas
de David (Le Désert , Herculanuni). [cf. H 1, 5]
As nove musas do Surrealismo: Luna, Cléo de Mérode, Kate Greenaway, Mors, Fríederike
Kempner, Baby Cadum, Hedda Gabler, Libido, Angelika Kauffmann, a Condessa de
Geschwitz. 2/ [cf. F°, 10 e C 1, 3]
<F°, 4>
Na fumaça das batalhas das folhas ilustradas mora uma fumaça na qual emergem os espíritos
(das Mil e Uma Noites), [cf. D 2a, 8]
Existe uma experiência da dialética totalmente singular. A experiência compulsória, drástica,
que desmente toda “progressividade” do devir e comprova toda aparente “evolução” como
reviravolta dialética eminente e cuidadosamente composta, é o despertar do sonho. Para o
esquematismo dialético, que está na base dessa ocorrência mágica, os chineses encontraram
em sua literatura de contos maravilhosos e novelas a expressão mais radical. E assim
apresentamos o método novo, dialético, de escrever a historia: atravessar o ocorrido com a
intensidade de um sonho para experienciar o presente como o mundo da vigília ao qual o
sonho se refere! (E cada sonho refere-se ao mundo da vigília. Todo o anterior deve ser
perscrutado historicamente.) [cf. h°, 4 e K 1, 3]
r <F, 6>
O despertar é um processo gradual que se impõe na vida tanto do indivíduo quanto da
geração. O sono é o seu estágio primário. A experiência de juventude de uma geração tem
muito em comum com a experiência do sonho. Sua configuração histórica é configuração
onírica. Cada época tem um lado voltado aos sonhos, o lado infantil. Para o século passado,
isto aparece claramente nas passagens. Porém, enquanto a educação de gerações anteriores
interpretava esses sonhos segundo a tradição, no ensino religioso, a educação atual volta-se
simplesmente à “distração” das crianças. O que é apresentado a seguir é um ensaio sobre a
H
27 Luna: a lua; Cléo de Mérode (1875-1966): dançarina de boate; Kate Greenaway (1846-1901): pintora
inglesa, conhecida por suas ilustrações de livros infantis; Mors: a morte; Friederlke Kempner (1836-
1904): poetisa e sodalite alemã; Baby Cadum: figura do reclame e da publicidade; Hedda Gabler:
heroína da peça homônima de Henrik Ibsen; Libido: referência a Freud; Angelika Kaufmann (1741-
1807): pintora, amiga de Goethe; Condessa de Geschwitz: artista lésbica, personagem da peça de
Frank Wedekind, A Caixa de Pandora, que inspirou a ópera Lulu, de Alban Berg. Esse catálogo de
musas reaparece, com leves variações, em F°, 1 0 e Ç 1 , 3. A primeira versão, bastante diferente, parece
ser a de h°, 1. (J.L.; E/M.)
Primeiro Esboço Passagens Parisienses <I> ■ 917
•lÉcrvs do despertar. A revolução dialética, copernicana, da rememoração (Bloch). [c£ h°,
+ *KI, 1]
<P, 7>
®õcSo e poeira. Sonho, um casaco que não se pode virar do avesso. Por fora, o tédio cinzento
(Mo sono). O estado de sono, isto é, hipnótico, das figuras empoeiradas do Musée Grevin.
Uma pessoa que dorme não pode ser bem representada em cera. O tédio é sempre o lado
lOacrior do acontecimento inconsciente. Por isso, o tédio pôde parecer elegante para os
grandes dândis. Como justamente <?> o dândi despreza a roupa nova; o que ele veste,
precisa ter a aparência levemente usada. Contra uma teoria do sonho, segundo a qual
“almas” surgem a nós, o mundo em que não há espanto. Como é ele? [cf. e°, 2 e D 2a, 2]
<F°, 8>
Passagens: casas, galerias, que não têm o lado exterior. Como o sonho. [cf. L la, 1]
<F°, í»
Catálogo de musas: Luna, a Condessa de Geschwitz, Kate Greenaway, Mors, Cléo de
Mérode, Dulcinéia (variante: Hedda Gabler), Libido, Baby Cadum e Friederike Kempner. 28
[cf. F°, 4 e C 1, 3]
<F°, 10>
E o tédio é a treliça diante da qual a cortesã provoca a morte. [cf. B 1, 1]
<F°, 11>
Há, no fundo, dois tipos de filosofia c dois modos de anotar os pensamentos: um é semeá-los
na neve — ou então, se voce preferir, na argila das páginas. Saturno é o leitor para contemplar
o crescimento deles, ate mesmo para deles recolher a flor, o sentido ou o seu fruto, o verbo.
O outro é enterra-los dignamente e erguer como sepultura a imagem, a metáfora, mármore
frio e infecundo, acima de seu túmulo.
<F°, 12>
Aspecto mais secreto das grandes cidades: esse objeto histórico da cidade grande com suas
mas uniformes e incontáveis fileiras de casas faz existir arquiteturas sonhadas pelos antigos:
ela transformou em realidade os labirintos. Homem da Multidão. Instinto que transforma
as grandes cidades em labirinto. Perfeição através das galerias cobertas das passagens, [cf M
6a, 4]
<F°, 13>
Perspectiva: pelúcia 29 para os olhos. Pelúcia, o tecido da época Luís Filipe, [cf. E 1,7]
<F°, 14>
O auto-retrato fotográfico e a vida inteira que se desenrola dos agonizantes. Dois tipos de
memória (Proust). [cf. K 8a, 1] Afinidade deste tipo de memória com o sonho.
<F°, 15>
28 As duas diferenças desta lista de musas, em comparação com a de F°, 4, são a introdução de Dulcinéia,
a mulher amada de Dom Quixote, e a ausência de Angelika Kaufmann. (w.b.)
29 Assim como o tradutor francês, seguimos o texto de E 1, 7. (w.b.)
9/(9 ■ Passagens
Hegel: em si - para si — em si e para si. Estes momentos da dialética tornam-se na
Fenomenolona consciência — consciência de si — razão.
<F“, 16>
Escalas musicais na palavra “passage”.
<F°, 17>
“As pancadas de chuva fizeram nascer muitas aventuras.” Diminuição da força mágica da
chuva. Capa de chuva [cí. D 1, 7J
<F“, 18>
O que a cidade grande da era moderna fez da antiga concepção do labirinto. Através dos
nomes de ruas, ela o elevou à esfera da linguagem, a partir da rede de ruas, na qual ela
denominava <x> de <x> no interior da linguagem <x>.
<?", 19 >
A cidade possibilitou a todas as palavras, ou pelo menos a uma grande quantidade delas,
algo que só era acessível a pouquíssimas, a uma casta privilegiada delas, aos nomes: serem
elevadas à nobreza do nome. E esta suprema revolução na língua foi realizada pelo que há
de mais comum: a rua. E uma poderosa ordem vem aí à tona, o fato de que nas cidades
todos os nomes se entrechocam sem exercer influências <x> uns sobre os outros. De fato,
mesmo os nomes de homens ilustres, por serem empregados com excessiva freqüência,
quase já se tornaram conceitos, passam aqui mais uma vez por um filtro e reencontram o
absoluto. A cidade, através dos nomes de mas, é imagem de um cosmos lingüístico. [cf. P
3, 5]
<F“, 20>
Apenas o encontro de dois nomes diferentes de ruas produz a magia da “esquina”.
<F°, 21>
Nomes de ruas escritos verticalmente (quando? Livro <x>? de qualquer forma um livro
alemão). Sobre a invasão das letras.
<F°, 22>
A estrutura de livros como La Grande Ville, Le Diable à Paris, Les Français Peints par Eux-
mêmes é um fenômeno literário que corresponde aos estereoscópios, panoramas etc. [cf. Q
2, 6]
<F°, 23>
O verdadeiro não possui janelas. O verdadeiro não dirige em parte alguma seu olhar para
o universo. E o interesse por panoramas consiste em ver a verdadeira cidade. “A cidade
dentro da garrafa” — a cidade dentro da casa. O que se encontra na casa sem janelas é o
verdadeiro. Semelhante casa sem janelas é o teatro. Daí o eterno prazer que ele dá; daí o
prazer também nas rotundas sem janelas, nos panoramas. No teatro, após o início do
espetáculo, as portas permanecem fechadas. Transeuntes nas passagens são por assim dizer
habitantes de um panorama. As janelas desta casa estão voltadas para eles. Eles são olhados
a partir das janelas, porém eles mesmos não podem olhar dentro destas, [cf Q 2a, 7]
<F°, 24>
Primeiro Esboço i Passagens Parisienses <I> ■ ^19
Pinturas de folhagens na Bibliothèque Nationale. Este trabalho foi elaborado em ... .
<P, 25 >
Com os letreiros dramáticos dos magasins de nouveautés “a arte põe-se a serviço do
comerciante”, [cf. A la, 9]
<F°, 26>
A moda persa manifesta-se na mania dos “magazines”.
<F°, 27>
Destino dos nomes de mas nas abóbadas do metrô. [cf. P 2, 3]
<F°, 28>
Sobre a volúpia singular de dar nomes às mas. [cf. P 1, 8] Jcan Brunet, Le Messianisme ,
organisation générale de Paris: Sa constitution générale, parte I, Paris, 1858. “Rue du Sénégal”,
“Place dAfrique”. [cf. P la, 3] Nesta ocasião, algo a respeito da Place du Maroc. Monumentos
também são esboçados neste livro.
<F°, 29>
Luzes vermelhas como entrada ao Hades dos nomes. Combinação de nome e labirinto no
metrô. [cf. C la, 2]
<F°, 30 >
A caixeira como Danaé. [cf. C 1, 4]
<F°, 31>
Reconhece-se o verdadeiro caráter expressivo dos nomes de mas quando os comparamos
com as propostas de reforma para sua normatização. [cf. P 2, 4]
<F°, 32>
Observação de Proust sobre a Rue de Parme e a Rue du Bac.
<F°, 33>
Ao fim de Matière et Mémoire, Bergson desenvolve a idéia de que a percepção é uma função
do tempo. Poder-se-ia dizer que, se vivêssemos segundo um outro ritmo, mais sereno, não
existiria para nós nada “duradouro”; ao contrário, tudo se desenrolaria diante de nossos
olhos, tudo viria de encontro a nós. Ora, assim é precisamente o sonho. Para compreender
as passagens a fundo, nós as imergimos na camada onírica mais profunda, falamos delas
como se tivessem vindo de encontro a nós. De maneira semelhante um colecionador observa
as coisas. As coisas vêm de encontro ao grande colecionador. Como ele as persegue e as
encontra, qual não é a modificação provocada por uma nova peça em seu conjunto — tudo
isso faz com que ele veja as suas coisas como dissolvidas num fluxo perpétuo, como o real no
sonho. [cf. H la, 5]
<F°, 3 4>
Axé 1870 aproximadamente, reina a carruagem. O flanar a pé ocorria principalmente nas
passagens, [cf. A la, 1]
<F°, 35>
920 ■ Passagens
Ritmo da percepção no sonho: história dos três duendes.
<F*. 36>
“Ele explica que a Rue Grande-Batelière é particularmente empoeirada, que nos sujamos
terrivelmente na Rue Réamur.” Aragon, Le Paysan de Paris , Paris, 1926, p. 88.
“Os mais grosseiros papéis pintados que forram as paredes dos albergues serão aprofundados
como esplêndidos dioramas.” Baudelaire: Les Paradis Artificieis, p. 72. 30
Baudelaire sobre a alegoria (muito importante!), Les Paradis Artificieis, p. 73. 31
[cf. H 2, 1],
<G°, 3>
“Aconteceu-me muitas vezes apreender certos fatos menores que se passavam diante de
meus olhos e perceber neles uma fisionomia original, na qual eu me comprazia em discernir
o espírito da época. ‘Isto , eu dizia a mim mesmo, ‘só poderia se dar hoje, não poderia ser
em outro momento. Isto é um sinal do tempo.’ Ora, reencontrei nove vezes em dez o
mesmo fato em circunstâncias análogas em velhos relatos ou em velhas histórias. A. France,
Le Jardin d’Épicure, p. 113. [cf. S 1, 2]
<G°. 4>
A figura do flâneur. Ele se assemelha ao comedor de haxixe, como este absorve o espaço em
si. Na embriaguez do haxixe, o espaço começa a piscar para nós: “Então, o que terá acontecido
em mim?” E com a mesma pergunta, o espaço aproxima-se do flâneur. [cf. M la, 3] Em
nenhuma outra cidade ele pode respondê-la de maneira mais exata do que aqui. Pois a
respeito de nenhuma outra foi escrito tanto e aqui sabe-se mais sobre certas ruas do que em
outros lugares sobre a história de países inteiros.
<G°, 5>
A morte e a moda, Rilke, o trecho nas Elegias de Duíno. [cf. B 1 , 5]
<G°, 6>
São característicos do JugendstiP 2 os cartazes que representam figuras inteiras. Enquanto
durou o Jugendstil, o homem não mais concedeu às coisas a enorme e prateada superfície de
espelho e reclamou-a totalmente para si.
<G°, 7>
Definição do “moderno” como o novo no contexto do que sempre existiu, [cf. S 1, 4]
<G°, 8>
30 Baudelaire, OC I, p. 430. (R.T.)
31 Idem. (R.T.)
32 Optou-se por manter a palavra alemã em vez de traduzi-la convencionalmente por "art-nouveau" ou
"modem style", pois assim se conserva o sentido literal de "estilo de juventude". Benjamin
aproximou o Jugendsfrf da Jugend bewegung, ou seja, do "movimento de juventude", de que
ele participou no limiar da Primeira Guerra Mundial; cf. S 5, 3. (w.b.)
Primeiro Esboço \ Passagens Parisienses <I> ■ $ 21
“As engenhosas parisienses, ... para divulgar mais facilmente sua moda, lançavam mão de
uma reprodução especialmente atraente de suas novas criações, a saber, as bonecas
manequins... Essas bonecas, que ainda tinham uma grande importância nos séculos XVII
e XVIII, eram dadas às meninas como brinquedos, depois de terem terminado sua função
de figurinos de moda”. Karl Grõber, Kmderspielzeug aus alter Zeit, Berlim, 1928, p. 31-32.
[cf. Z 1, 1]
<G°, 9>
A perspectiva no decorrer dos séculos. Galerias barrocas. Cosmorama do século XVIII.
<G°, 10>
Trocadilhos com “rama” (segundo o modelo de “diorama”) em Balzac no início do Père
Goriot. [cf. Q 1, 6]
<G°, n>
Rückert: as selvas em miniatura.
<G°, \ 2 >
Tomar cultiváveis regiões onde até agora viceja apenas a loucura. Avançar com o machado
afiado da razão, sem olhar nem para a direita, nem para a esquerda, a fim de não sucumbir
ao horror que acena das profundezas da selva. Todo solo deve alguma vez ter sido revolvido
pela razão, carpido do matagal do desvario e do mito. É o que deve ser realizado aqui para
o solo do século XIX. [cf. N 1 , 4]
<G°, 13>
Viagem microcósmica que o sonhador empreende através dos domínios do próprio corpo.
Pois ele se sente como o louco: os ruídos do interior do próprio corpo - que para a pessoa
sadia se associam para compor a maré da saúde que lhe traz o sono saudável, e que ele mal
costuma ouvir — dissociam-se para ele: pressão arterial, movimentos dos intestinos, batimentos
cardíacos, sensações musculares, tudo isso torna-se para ele isoladamente perceptível e
exige uma explicação, que a loucura ou a imagem onírica têm à disposição. Possui essa
aguçada capacidade de percepção o coletivo que sonha, o qual se aprofunda nas passagens
como se fossem as entranhas do próprio corpo. Devemos segui-lo para interpretar o século
XIX como sua visão onírica, [cf. K 1, 4]
<G°, 14>
O farfalhar da folhagem pintada na abóbada da Bibliothèque Nationale provém das
incontáveis páginas viradas dos livros que aqui são constantemente manuseados, [cf. S 3, 3]
<G°, I5>
Ibisagem da charneca, tudo fica sempre novo, sempre igual (Kafka, O Processo), [cf. S 1, 4]
<G°, 1 6 >
O moderno, o tempo do inferno. Os castigos do inferno são sempre o que há de mais novo
neste domínio. Não se trata do fato de que acontece “sempre o mesmo” (a fortiori, aqui não
se trata de um caso do eterno retorno) e, sim, do fato de que o rosto do mundo, a imensa
cabeça, nunca muda naquilo que é o mais novo, que este “mais novo” permanece sempre o
mesmo em todas as suas partes. E isto que constitui a eternidade do inferno e o desejo de
922 ■ Passagens
novidade dos sádicos. Determinar a totalidade dos traços em que o “moderno” se manifesta,
significa representar o inferno. [c£ S 1, 5] ^
Sobre o Jugendstil : Péladan. [cf. J 18, 6]
<G°, 18>
Verificação cuidadosa, qual a relação entre a óptica do miriorama 33 e a época da
modernidade, do mais novo. Ambas são certamente organizadas como as coordenadas
fundamentais deste mundo. É um mundo de estrita descontinuidade, o sempre-novo não
é o velho que permanece, tampouco o já ocorrido que retorna, e sim uma e a mesma coisa
entrecruzada por in úm eras intermitências. (Assim vive o jogador na intermitência.) A
intermitência faz com que cada olhar no espaço encontre uma nova constelação.
Intermitência, a medida do film e. E o que resulta disso? Tempo do inferno e capítulo sobre
a origem no Livro sobre o Barroco. 34
<G“, 19>
Todo verdadeiro conhecimento provoca redemoinhos. Nadar a tempo contra a corrente
em redemoinhos. Tal como na arte, o decisivo é: escovar a natureza a contrapelo.
<G°, 20>
Caráter de perspectiva da crinolina com os múltiplos babados. Antigamente, eram usados
pelo menos seis saiotes por baixo. [cf. E 1, 2]
<G°, 2l>
A Salomé de Wilde - Jugendstil - cigarro pela primeira vez. O Letes corre nos ornamentos
do Jugendstil.
<G°, 22>
“Boneca de tragacanto <?>”. O texto de Rilke sobre bonecas. 35
Vidro sobre pinturas a óleo - só no século XIX?
<G°, 23>
<G°, 24>
Fisiologia do aceno. O aceno dos deuses (v. a introdução ao espólio de Heinle 36 ). O aceno
a partir da diligência postal, no ritmo orgânico dos cavalos que trotam. O aceno absurdo,
desesperado, cortante, que se faz da janela do trem que parte. O aceno perdeu-se na estação.
De outro tipo, o aceno a desconhecidos que passam no trem em movimento. Isto,
principalmente, nas crianças que acenam para as pessoas silenciosas, desconhecidas, que
nunca retornam, como se fossem anjos. (Elas acenam também ao trem em movimento.)
<G°, 25>
33 Pintura de paisagem composta de vários recortes que podem ser combinados de diferentes maneiras.
(E/M)
34 Cf. ODBA, pp. 67-69. (w.b.)
35 Bonecas de cera? Cf. Rainer Maria Rilke, "Puppen. Zu den Wachspuppen von Lotte Pritzel", in:
Sãmtliche Werke, vol. 6, Frankfurt a. M., 1966, pp. 1063-1074. (w.b.; R.T).
36 O espólio do poeta Cristoph Friedrich Heinle se perdeu em 1933 assim como o estudo que
Benjamin lhe consagrara. (R.T.)
924 ■ Passagens
Desabamento das estruturas de ferro do mercado de Paris em 1842.
<H°, 7>
Dennery, Caspar Hauser, Marechal Ney, Le Naufrage de La Pérouse (1859). Le Tremblement
de Terre de la Martinique (1843), Bohémiens de Paris (1843). [cf. Y la, 6]
<H°, 8>
Louis François Clairville, Les Sept Châteaux du Diable (1844), Les Pommes de Terre Malades
(1845), Rothomago (1862), Cendrillon (1866). [cf. Y la, 6]
<H°, 9>
Duveyrier. [cf. Y la, 6]
<H°, 10>
Dartois. 37 [cf. Y la, 6]
<H°, 11>
A especialidade como critério para a diferenciação básica <?> dos objetos expostos segundo
os interesses dos compradores e dos colecionadores. Eis a chave histórico-materialista para
a pintura de gênero, [cf. A 2, 6 e I 2a, 7]
<H°, 12>
Wiertz, o pintor das passagens: O enterro apressado-, O suicídio-, A criança queimada-, A leitora
de romances-. Fome, loucura e crime, Pensamentos e visões de um decapitado-, O farol de Gólgota-,
Um segundo após a morte; O poder do homem não tem limite-, O último canhão : (neste quadro:
dirigíveis e veículos celestes a vapor como os arautos da paz conquistada!). Em Wiertz,
“imagens enganosas”. Legenda do quadro Triunfo da luz\ “Executar em dimensões
gigantescas.” Uma voz contemporânea lamenta que não se tenham dado, por exemplo,
“estações de trem” para Wiertz pintar, [cf. O 0 , 19 e O 0 , 21]
<H°, 13>
Apresentar a imagem daqueles salões, em cujos umbrais acortinados o olhar se enredava,
em cujos espelhos se refletiam portais de igrejas, em cujas conversadeiras <?> abriam-se
gôndolas diante do olhar de quem reza, e que é iluminada pela luz a gás, vinda de um
globo de vidro, como pela lua. [cf. 11,8]
<H°. 14>
Importante é a dupla natureza dos portais em Paris: portas da cidade e portais triunfais,
[cf. C 2a, 3]
<H°, 15>
Sobre o ritmo atual que determina este trabalho. É característico no cinema o antagonismo
entre a seqüência bastante sincopada das imagens que satisfaz a mais profunda necessidade
desta estirpe de ver repudiado o “fluxo” da “evolução” e a música de acompanhamento.
Expulsar toda “evolução” da imagem da história e apresentar o devir como uma constelação
no ser graças à ruptura dialética entre sensação e tradição, eis também a tendência deste
trabalho.
<H°, 16>
37 Trata-se, provavelmente, de Armand d'Artois. (R.T.)
Primeiro Esboço | Passagens Parisienses <I> ■ 925
Delimitação da tendência deste trabalho em relação a Aragon: enquanto Aragon persiste
no domínio do sonho, deve ser encontrada aqui a constelação do despertar. Enquanto em
Aragon permanece um elemento impressionista - a “mitologia” — (e a esse impressionismo
* devem os muitos filosofemas vagos do livro), trata-se aqui da dissolução da “mitologia”
no espaço da história. Isso, de fato, só pode acontecer através do despertar de um saber
ainda não consciente do ocorrido, [cf. N 1 , 9]
<H°, 17>
Interiores de nossa infância como laboratórios para a representação de aparições de fantasmas.
Relações experimentais. O livro proibido. Ritmo da leitura: duas angústias, em níveis
diferentes, apostam uma corrida. A estante com vidros abaulados de onde o livro proibido
foi retirado. A vacinação por aparições de fantasmas. O outro antídoto: as “imagens
enganosas”.
<H”, 18>
A poesia dos surrealistas trata as palavras como nomes de firmas comerciais e elabora textos
que são, na verdade, prospectos de empresas que ainda não se estabeleceram. Nos nomes
de firmas aninham-se as qualidades que se queria procurar antigamente nas palavras
originárias, [cf. G la, 2]
<H°, 19>
Daumier <?>, Grandville - Wiertz —
<H°, 20>
F. Th. Vischer, Mode und Zynismus, Stuttgart, 1879.
<1°, i>
Revolta das anedotas. As épocas, correntes, culturas, movimentos afetam a vida física sempre
da mesma maneira, invariavelmente. Nunca houve uma época que não se sentisse “moderna”
no senrido mais excêntrico do termo e não se julgasse estar à beira de um abismo. Uma
consciência desesperadamente lúcida da “crise” decisiva é crônica na história da humanidade.
Cada época parece a si mesma irremediavelmente moderna. O “moderno”, porém, que
afeta fisicamente os homens, é exatamente tão variado quanto os variados aspectos do
mesmo caleidoscópio. — As construções da história são comparáveis a instruções que
dam a verdadeira vida e a confinam em quartéis. Contra isso, se dá a revolta da
nas ruas. A anedota aproxima as coisas espacialmente de nós, faz. com que entrem
ou nossa vida. Ela representa a rigorosa oposição à história que exige a “emparia”, que torna
«nrin abstrato. “Empatia”, eis o que resulta da leitura do jornal. Aqui está o verdadeiro método
um tomar as coisas presentes: representá-las em nosso espaço (não nos representar no espaço
delas) . Só a anedota consegue nos levar a isso. Apresentadas assim, as coisas não permitem
uma construção mediadora a partir de “grandes contextos”. - Assim também a contemplação
de grandes coisas passadas - a Catedral de Chartres, o Templo de Paestum - é, na verdade,
um recebê-las em nosso espaço (não a empatia em relação a seus arquitetos ou sacerdotes).
Não somos nós que nos transportamos até elas: são elas que entram em nossa vida. — A
mesma técnica da proximidade deve ser usada em relação às épocas, à maneira dos calendários.
926 ■ Passagens
Imaginemos que um homem morra exatamente ao completar cinqiienta anos, no dia do
nascimento de seu filho, a quem ocorrerá o mesmo etc. - Daí resulta: desde o nascimento
de Cristo, não viveram mais do que umas quarenta pessoas. Objetivo desta ficção: aplicar às
épocas históricas uma escala adequada à vida do homem e que faça sentido para ele. Este
páthos da proximidade, o ódio contra a configuração abstrata da vida humana em épocas,
animou os grandes céticos. Anatole France é um bom exemplo disso. Sobre a oposição
empada versus presentificação: Leopardi, 13 (“Jubileus”). 38 [cf. S la, 4; S la, 3; H 2, 3]
<r, 2>
Benda relata a surpresa de um alemão quando, duas semanas após a tomada da Bastilha,
sentado à mesa de hóspedes em Paris, ninguém falava de política. A anedota de Anatole
France sobre Pôncio Pilatos que, em Roma, durante o lava -pás não se lembra direito do
nome do judeu crucificado, [cf. S 1, 3]
<P, 3>
Máscaras para as orgias. Ladrilhos de Pompéia. Arcos de portão. Talas. Luvas.
Muito importante: vidros de' fundo de garrafa na porta do armário, contudo, havia algo
assim também na França? [cf. I 2a, 4]
<\°, 5>
Representar pessoas de maneira verdadeiramente palpável não significa trazer à tona a
nossa recordação delas?
<l", 6>
A flor como emblema do pecado e sua via-cnícis através das estações das passagens, da
moda, da pintura de Redon, sobre quem Marius-Ary Leblond disse “é uma cosmogonia
de flores”.
<I", 7>
Ainda em relação à moda: o que a criança (e na lembrança esmaecida, o homem) encontra
nas dobras dos velhos vestidos, nas quais ela se comprimia ao agarrar-se às saias da mãe.
[cf. K 2, 2]
< 1 °, 8 >
As passagens como ambiente de Lautréamont.
<1°, 9>
Diversas notas a partir de Brieger 39 e Vischer:
Por volta de 1880, conflito declarado entre a tendência de alongar o corpo feminino e a
tendência do rococó de realçar o corpo abaixo da cintura com muitas saias.
<J°> i>
38 Referência à parte 13 dos Pensieri, de Giacomo Leopardi. (R.T.)
39 Trata-se, provavelmente, do escritor Lothar Brieger-Wasservogel que foi, por algum tempo, amigo de
Dora, esposa de Benjamim (R.T.)
Primeiro Esboço | Passagens Parisienses <I> ■ *)27
Em 1876, desaparece o enchimento para os quadris, mas retorna.
<J°, 2 >
Formas de flores nos desenhos de pessoas ciclotímicas que, por sua vez, lembram os desenhos
de médiuns.
<J°» 3>
História da criança com a mãe no panorama. O panorama representa a batalha de Sedan.
A criança lamenta que o céu esteja encoberto. “Assim fica o tempo na guerra”, retruca a
mãe. [cf. D 1, 1]
<J°, 4>
No fim dos anos sessenta, Alphonse Karr escreve que não se sabe mais fazer espelhos, [cf. R
1, 7]
<r. 5>
Em Karr, de forma muito característica, surge a teoria racionalista da moda. Ela apresenta
semelhança com as teorias religiosas do Iluminismo. Karr imagina, por exemplo, o motivo
do aparecimento de saias longas no fato de certas mulheres terem o interesse de esconder
seus pés sem graça. Ou ele denuncia como origem de certas formas de chapéu e penteados
o desejo de disfarçar um cabelo ralo. [cf. B 1, 7]
<J°, 6 >
Complemento às observações sobre as estações do metrô: elas fazem com que os nomes dos
lugares onde Napoleão I conquistou vitórias se transformem em deuses do Hades.
<K°, I>
As radicais reformas de Paris promovidas por Luís Napoleão (Napoleão III), principalmente
na linha Place de la Concorde — Hotel de Ville em Stahr, Nach fiinfjahren, I, Oldenburg,
1857, pp. 12-13 - Aliás, Stahr morava na época na Leipziger Platz. [cf. E 1, 6]
<K°, 2>
O amplo Boulevard de Strassbourg, que liga a estação ferroviária de Estrasburgo com o
Boulevard Saint-Denis.
<K°, 3>
Por volta da mesma época, a macadamização das ruas, a que se deveu poder conversar
diante dos cafés a despeito do intenso trânsito, sem precisar gritar nos ouvidos das pessoas,
[cf. M2, 6]
<K°, 4 >
Para a imagem arquitetônica de Paris, a guerra de 1870 talvez tenha sido uma bênção, pois
Napoleão III tinha a intenção de reformar bairros inteiros da cidade. Por isso, Stahr escreve
que deveríamos nos apressar para ainda ver a antiga Paris “cujo novo soberano, como parece,
não tem vontade de deixar sobrar muita coisa tampouco do ponto de vista arquitetônico.”
[cf. E 1, 6]
<K°, 5>
928 ■ Passagens
Ornamento e tédio. [cf. D 2a, 2]
<K 0 , 6>
Oposição entre perspectiva e proximidade concreta, tátil.
<K°, 7>
Para a arte de colecionar é importante o isolar, o considerar cada um dos objetos em
particular. Uma totalidade, cujo caráter integral é tão distante quanto possível da utilidade,
e que, no máximo, consiste em uma espécie fenomenologicamente bastante definida, bastante
singular, de “completude” e que se opõe (diametralmente à utilidade), [cf. H la, 2]
Relação histórica e dialética entre diorama e fotografia.
<K°, 9>
Um aspecto importante da arte de colecionar: o fato de que o objeto esteja separado de
todas as funções originais de sua utilidade torna-o mais decisivo no ato de significar. O
objeto torna-se então uma verdadeira enciclopédia de toda a ciência da época, da paisagem,
da indústria, dos proprietários, de onde provém, [cf. H la, 2]
<K°. 10>
Havia o pleorama (passeios náuticos, do grego pléo, “eu navego”), navalorama, cosmorama,
diafanorama, efeitos ópticos pitorescos, viagens pitorescas no quarto, pitoresca viagem pelo
quarto e o diafanorama. [cf. Q 1, 1]
<K°, 11>
Entre os quadros: O mar glacial na geleira de Grindelwald na Suíça, Vista do porto de
Gênova a partir dos salões do Palácio Dória, Vista interior da Catedral de Brou na França,
Galeria no Coliseu de Roma, Catedral gótica sob a luz matinal.
<K°, 12>
Os trocadilhos com “-rama” (v. Balzac, Le Père Gorioi) também na Alemanha. “<Isso> está
vivo?” [cf 0 1,6]
<K°, I3>
Tempo e tédio. Como as energias cósmicas têm apenas efeito soporífero, narcotizante,
sobre a pessoa comum, isto atesta sua relação com uma de suas manifestações superiores: o
tempo. Comparação com o modo como Goethe soube investigar o tempo — nos estudos
sobre a meteorologia. 40 - Sobre o tempo atmosférico criado num recinto onde há uma
fonte. (Vestíbulo do diorama de Daguerre em Berlim.) Tempo atmosférico nos cassinos,
[cf D 1, 3]
Um balé cuja cena principal se passa no cassino de Monte Cario. Barulho das bolas rolando,
dos ratôs, os jetons determinando a música.
<K“, 15>
Outros nomes: belvedere óptico.
<K°, 16 >
40 Cf. Goethe, Versuch einer Witterungslehre, 1825. (R.T.)
Primeiro Esboço J Passagens Parisienses <I> ■ j ? 29
fio ano em que Daguerre inventou a fotografia (1839), seu diorama foi destruído pelo
fogo. [cf. Q 2, 5]
<K°, 17>
É preciso pesquisar o que representa o fato de as variações de luz, que um dia proporciona
a uma paisagem, transcorrerem nos dioramas em quinze minutos ou em meia hora. [cf. Q
la, 4]
<K°, 18>
O diorama berlinense fecha em 31 de maio de 1850, as imagens são enviadas em parte
para Petersburgo.
<K°, 19?
A primeira exposição de Londres, em 1851, reúne as indústrias do mundo. Na seqüência
dela, fundação do Museu de South-Kensington. Segunda exposição em 1862 (em
Londres !). Com a exposição de Munique, em 1875, o Renascimento alemão tornou-se
moda. [cf. G 2a, 3]
<K”, 20>
Em 1903, Émile Tardieu publicou em Paris o livro LEnnui, no qual procura demonstrar
que toda atividade humana não passa de uma tentativa vã de fogir ao ennui; ao mesmo
tempo, porém, tudo que é, foi e será, é tão-somente o alimento inesgotável deste mesmo
sentimento. Diante de tal descrição, poder-se-ia imaginar ter diante de si um grandioso
monumento literário da Antigüidade, um monumento aere perennius erigido por um romano
ao taedium vitae. Todavia, trata-se apenas da ciência auto-suficiente e mesquinha de um
novo Homais que deseja transformar toda sisudez, incluindo-se a ascese e o martírio, somente
em testemunho de seu descontentamento pequeno-burguês, sem reflexão nem inspiração,
[cf. Dl, 5]
<K°, 21>
A mencionar-se em relação à moda dos xales: a verdadeira e em sentido estrito única
decoração dos aposentos de estilo Biedermeier é “constituída pelas cortinas cujos drapeados
extremamente requintados, de preferência numa mistura de vários xales de diferentes cores,
eram arranjados pelo tapeceiro; teoricamente, pelo decorrer de quase um século, a decoração
de interiores limita-se a fornecer ao tapeceiro orientações para o arranjo apurado das cortinas”.
Max von Boehn, Die Mode im XIX. Jahrhundert, II, Munique, 1907, p. 130. [cf. E 1, 1]
<K'\ 22>
Relógios de pedestal com cenas de gênero em bronze. O tempo está dentro da base. Duplo
significado de “temps” <x>. 41 [cf. D 2a, 3]
<K°, 23?
Rue des Immeubles Industrieis - qual será a sua idade? [cf. P la, 5]
<K”, 24>
“Para o homem atual, as estações ferroviárias são verdadeiramente fábricas de sonhos.”
Jacques de Lacretelle, “Le rêveur parisien” (N R. F, 1927). [cf. L 1, 4]
<K°, 25>
41
Isto é: "tempo cronológico " e "tempo atmosférico" . Em alemão, estes termos são inteiramente diferentes:
"Zeit" e "Wetter"; por isso, a observação de Benjamin. (w.b.)
■ Passagens
Na moldura dos quadros pendurados na sala de jantar, prepara-se lentamente a chegada
das aguardentes dos reclames, do cacau de Van Houten, do... . Naturalmente, pode-se
dizer que o conforto burguês das salas de jantar perdurou por mais tempo nos pequenos
cafés etc.; mas talvez possa dizer-se também que a partir do espaço daquelas salas
desenvolveu-se o espaço dos cafés, onde cada metro quadrado e cada hora são pagos num
sentido muito mais exato do que nos apartamentos de aluguel . Apartamentos decorados
como cafés - em Frankfurt a. M. - muito característicos para a cidade. Tentativa de
formular o que havia em seu interior, [cf. G 1, 2]
^ <K°, 26>
Ruas vazias e iluminadas quando se chega à noite nas cidades. As mas se abrem ao nosso
redor em forma de leque, como raios de uma mandorla da qual somos o centro. E o olhai
para dentro da sala revela sempre uma família durante a refeição ou ocupada com misteriosa
futilidade à mesa sob a lâmpada de teto com a cúpula de vidro sobre uma armação de
metal. Tais eidola 42 são as células primevas da obra de Kafka. E essa experiência é uma
propriedade inalienável de sua geração, e apenas de sua geração e, portanto, da nossa,
porque apenas para ela o mobiliário de terror do incipiente auge do capitalismo preenche os
cenários de suas mais tenras experiências infantis. — Inesperadamente, surge aqui a rua de um
modo que ainda não conhecemos, como caminho, como estrada urbanizada, [cf. I 3, 3]
<K°, 27>
O que sabemos nós, afinal, das esquinas de ruas, dos meio-fios, da arquitetura da calçada,
nós que nunca sentimos a rua, o calor, a sujeira e as arestas das pedras sob os pés descalços,
e que tampouco examinamos o desnível entre as largas lajotas para ver se poderiam nos
servir de leito? 43 [cf. P 1, 10]
<K°, 28>
Mode und Zynismus AA - percebe-se no exemplar da Staatsbibliothek [Berlim] 45 o quanto já
foi lido anteriormente.
<L°, 1>
Redon foi muito amigo do botânico Armand Clavaud.
<L°, 2>
“O sobrenatural não me inspira. Não faço senão contemplar o mundo exterior; minhas
obras são verdadeiras não importa o que se diga.” Odilon Redon.
<L°, 3>
“Um cavalo de reforço que, em Notre-Dame de Lorette, garantia a pesada subida da Rue
des Martyrs.” [cf. M 1, 1]
<L°, 4>
42 "Imagens-fantasma", (w.b.)
43 Assim como os tradutores americanos, lemos aqui betten ("acamar" - de onde "servir de leito", como
em P 1, 10) em vez de leiten ("guiar"), (w.b.)
44 F. T. Vischer, Mode und Zynismus, Stuttgart, 1879. Cf. I o , 1. (R.T.)
45
Nota w.b.
Primeiro Esboço Passagens Parisienses <I> ■ £3/
André Mellerio, Odilon Redon, Paris, 1923; utilizar as tabelas às p. 57 e 115.
<L°- 5>
Dizer algo sobre o próprio método da composição: como tudo o que estamos pensando
durante um trabalho no qual estamos imersos deve ser-lhe incorporado a qualquer preço.
Seja pelo fato de que sua intensidade aí se manifesta, seja porque os pensamentos de
antemão carregam consigo um telos em relação a esse trabalho. É o caso deste projeto, que
deve caracterizar e preservar os intervalos da reflexão, os espaços entre as partes mais essenciais
deste trabalho, voltadas com a máxima intensidade para fora. [cf. N 1, 3]
<L°, 6>
A Comédie Humaine engloba uma seqüência de obras que não são romances no sentido
corrente, e sim algo como uma escrita épica da tradição das primeiras décadas da
Restauração. A partir do espírito da tradição oral, o caráter interminável deste ciclo, o
contrario do rigoroso trabalho formal de Flaubert. Sem dúvida — quanto mais próxima
uma obra estiver das formas de expressão coletiva da épica, tanto mais conforme ela deve
evocar variada e episodicamente sempre o mesmo círculo de personagens, segundo o
exemplo eterno da lenda grega. Balzac tinha assegurado esta concepção mítica de seu
mundo através de contornos topográficos definidos. Paris é o terreno de sua mitologia,
Paris com seus dois ou três grandes banqueiros (Nucingen etc.), com seu médico
recorrente, seu comerciante empreendedor (César Birotteau), suas quatro ou cinco grandes
cortesãs, seu agiota (Gobseck), alguns militares e banqueiros. Todavia, e principalmente,
é sempre das mesmas ruas e recantos, dos mesmos aposentos e ângulos, que emergem as
personagens deste círculo. Isso não significa outra coisa a nao ser que a topografia representa
o esboço de qualquer espaço mítico da tradição, podendo até ser a chave para o mesmo,
assim como o fora para Pausânias na Grécia, assim como a história, localização e
distribuição das passagens parisienses o deverão ser para este século que equivale ao
mundo subterrâneo ao qual Paris sucumbiu, [cf. C 1, 7]
<L°, 7>
Stahr relata que o primeiro dançarino de cancan do Bal Mabille, um certo Chicard, d ança
sob a vigilância de dois agentes da polícia, cuja única função é vigiar a dança deste único
homem. [cf. O 4, 2]
<L°, 8>
Retratos de famosas dançarinas de cancan pendurados nas passagens (Rigolette e Frichette).
[cf. G la, 1]
<L°, 9>
Sobre Redon: “Enfim e sobretudo indiferente ao efeito móvel e passageiro, por mais sedutor
que seja, é a própria essência da vida, como uma alma profunda, que ele quer dar às suas
flores.” André Mellerio, Odilon Redon, Paris, 1923, p. 163.
<L°, 10>
Projeto de Redon: ilustrar Pascal.
cL”, 11 >
932 ■ Passagens
Apelido de Redon após 1870, no salão de Mme de Rayssac: O príncipe dos sonhos.
<L°, 12>
As flores de Redon e o problema da ornamentação, principalmente no haxixe. Mundo das
flores.
<L°, 13>
‘Rococó”, na época da Restauração, tem o significado de “antiquado”.
<L°. 14>
Chevet 46 no Palais-Royal “ofertava” a sobremesa em troca de uma certa soma gasta com
frutas e guloseimas durante a ceia.
b <L°, 15>
Eugène Sue - um castelo nos Bordes, 47 um harém no qual há mulheres de cor. Após sua
morte, a lenda segundo a qual jesuítas o teriam envenenado, [cf. I 2, 1]
<L°, 16>
As prateleiras de metal com flores artificiais que se <éncontram> nos bufês dos restaurantes
de estações ferroviárias etc. são rudimentos dos arranjos de flores, que outrora a <x>
tinha ao redor de si. [cf. T 1, 9]
<L”, 17>
O Palais-Royal vive seu esplendor sob Luís XVIII e Charles X.
<L°, 18>
Marquês de Sévry: diretor dos Salons des Etrangers. Suas ceias dominicais em Romainville.
<L°, 19>
Como Blücher jogava em Paris. (S. Gronow, Aus der grofíen Welt, Stuttgart, 1908, p. 56).
Blücher tomou emprestados 100.000 francos do Banco da França, [cf. O 1, 3]
<L°, 20>
Sinetas: despedida de viagem <?> no Panorama Imperial, [cf. C 3,5]
<L°, 2I>
Sobre a topografia mitológica de Paris: qual o caráter que lhe conferem as portas. Mistério
do marco divisório inserido na cidade, marco que antigamente fixava o local onde a
mesma terminava. Dialética da porta: do arco do triunfo à ilha de proteção de pedestres,
[cf. C 2a, 3]
<L°, 22>
Quando foi que a indústria se apossou da esquina? Emblemas arquiteturais do comércio:
tabacarias ocupam a esquina, as farmácias, os degraus... [cf. C 2, 4]
<L°, 23>
Vidros onde não se refletem os candelabros, mas apenas as luzes.
<L°, 24 >
46 Trata-se Chevet, o famoso vendedor de delikatessen, do Palais-Royal, de que fala Balzac - e não de
Chéret, como está na edição alemã. (J.L.)
47 Les Bordes, na Sologne, propriedade de Eugène Sue, que foi viver lá em 1845. (J.L.)
Primeiro Esboço | Passagens Parisienses <I> ■ 533
Excurso sobre a Place du Maroc. Não apenas a cidade e o intérieur, a cidade e o campo
aberto podem se entrecruzar; tais entrecruzamentos podem dar-se de maneira muito mais
concreta. Existe a Place du Maroc em Belleville; este tristonho monte de pedras, com suas
habitações populares, tornou-se para mim, quando me deparei com ele numa tarde de
domingo, não só o deserto marroquino, mas também e ao mesmo tempo um monumento
do colonialismo imperial. Naquela praça, a visão topográfica entrecruzava-se com o
significado alegórico e, nem por isso, perdeu seu lugar no coração de Belleville. O poder de
despertar semelhante visão é habitualmente reservado aos alucinógenos. E, de fato, os
nomes de ruas são em tais casos como substâncias inebriantes que tornam nossa percepção
mais rica em esferas e camadas do que na existência comum. Deveríamos levar em
consideração o estado ao qual elas nos transportam, sua virtude evocadora — e isso também
refere-se a certos estados cíclicos — , mas isso ainda diz pouco, pois o elemento decisivo aqui
não é a associação e sim a interpenetração e perscrutação das imagens. O paciente que
percorre a cidade durante horas noite adentro e se esquece de voltar para casa talvez esteja
sob o domínio desta força. [cf. P la, 2]
<L°, 25>
Tinham prefácios os livros da Antigüidade?
<L°, 2 6>
Bonomia das revoluções no Livro sobre Baudelaire E2. 4a
<L°, 27>
Passagens como templos do capital mercantil, [cf. A 2, 2]
<L°, 28>
Passage des Panoramas, antes: Passage Mirès. [cf. A la, 2]
<L°, 29>
Nos domínios de que tratamos aqui, o conhecimento existe apenas em lampejos. O texto
é o trovão que segue ressoando por muito tempo. [cf. N 1, 1]
<L°, 30>
O mais profundo encantamento do colecionador: enfeitiçar as coisas como se fosse tocá-las
com uma vara mágica, de modo que elas subitamente se petrificam, enquanto as percorre
um último estremecimento. Toda arquitetura torna-se suporte, pedestal, moldura, andga
galeria de quadros. Não se deve pensar que seja estranho ao colecionador, ao flâneur, o topos
hyperouranios onde Platão abriga as imagens primevas e imutáveis das coisas. O colecionador
se perde, certamente. Mas ele possui a força de recuperar toda sua grandeza agarrando-se a
uma tábua de salvação. 49 Da névoa que envolve seu sol, os quadros destacam-se como as
tábuas dos deuses, as ilhas no Mar Mediterrâneo, [cf. H la, 2]
<V, 31>
48 Esta referência não foi encontrada. (R.T., E/M).
49 Assim como o tradutor francês - que compara esta passagem com H la, 2 - nós lemos Strohhalm
(palha), ou seja, metaforicamente "tábua de salvação", no lugar de Vorhaben <?> "projeto",
de R.T. (w.b.)
Primeiro Esboço | Passagens Parisienses <I> ■ 533
Excurso sobre a Place du Maroc. Não apenas a cidade e o intérieur, a cidade e o campo
aberto podem se entrecruzar; tais entrecruzamentos podem dar-se de maneira muito mais
concreta. Existe a Place du Maroc em Belleville; este tristonho monte de pedras, com suas
habitações populares, tornou-se para mim, quando me deparei com ele numa tarde de
domingo, não só o deserto marroquino, mas também e ao mesmo tempo um monumento
do colonialismo imperial. Naquela praça, a visão topográfica entrecruzava-se com o
significado alegórico e, nem por isso, perdeu seu lugar no coração de Belleville. O poder de
despertar semelhante visão é habitualmente reservado aos alucinógenos. E, de fato, os
nomes de ruas são em tais casos como substâncias inebriantes que tornam nossa percepção
mais rica em esferas e camadas do que na existência comum. Deveríamos levar em
consideração o estado ao qual elas nos transportam, sua virtude evocadora — e isso também
refere-se a certos estados cíclicos — , mas isso ainda diz pouco, pois o elemento decisivo aqui
não é a associação e sim a interpenetração e perscrutação das imagens. O paciente que
percorre a cidade durante horas noite adentro e se esquece de voltar para casa talvez esteja
sob o domínio desta força. [cf. P la, 2]
<L°, 25>
Tinham prefácios os livros da Antigüidade?
<L°, 2 6>
Bonomia das revoluções no Livro sobre Baudelaire E2. 4a
<L°, 27>
Passagens como templos do capital mercantil, [cf. A 2, 2]
<L°, 28>
Passage des Panoramas, antes: Passage Mirès. [cf. A la, 2]
<L°, 29>
Nos domínios de que tratamos aqui, o conhecimento existe apenas em lampejos. O texto
é o trovão que segue ressoando por muito tempo. [cf. N 1, 1]
<L°, 30>
O mais profundo encantamento do colecionador: enfeitiçar as coisas como se fosse tocá-las
com uma vara mágica, de modo que elas subitamente se petrificam, enquanto as percorre
um último estremecimento. Toda arquitetura torna-se suporte, pedestal, moldura, andga
galeria de quadros. Não se deve pensar que seja estranho ao colecionador, ao flâneur, o topos
hyperouranios onde Platão abriga as imagens primevas e imutáveis das coisas. O colecionador
se perde, certamente. Mas ele possui a força de recuperar toda sua grandeza agarrando-se a
uma tábua de salvação. 49 Da névoa que envolve seu sol, os quadros destacam-se como as
tábuas dos deuses, as ilhas no Mar Mediterrâneo, [cf. H la, 2]
<V, 31>
48 Esta referência não foi encontrada. (R.T., E/M).
49 Assim como o tradutor francês - que compara esta passagem com H la, 2 - nós lemos Strohhalm
(palha), ou seja, metaforicamente "tábua de salvação", no lugar de Vorhaben <?> "projeto",
de R.T. (w.b.)
934 ■ Pa ssa 9 ens
A necessidade de sensação como vício supremo. A associar com dois dos sete pecados
capitais. Quais? A profecia de que os homens se tornariam cegos por excesso de luz eietnca
e desvairados pela velocidade da transmissão das notícias, [cf. B 2, 1J <IA 32>
Como introdução ao capítulo sobre as condições atmosféricas: Proust, a história do pequeno
personagem que indica o tempo. Minha alegria quando pela manha o ceu esta encoberto.
[cf. O 2, 4] <L°, 33>
As “demoiselles”, incendiários disfarçados de mulher, por volta de 1830. <L „ 34>
Por volta de 1830, havia em Paris um jornal com o nome de Le Sylphe. Inventar um ballett
des journaux. [cf. A 2, 9] <l°, 35>
<xx> fasces de lictores, bonés frígios, tricórnios.
<L°, 36>
<xx> os “reis do baralho em pedra , em Hacklãnder.
<Carl> von Etzel - construções ferroviárias.
<L°, 38>
Rememorar as diversas passagens berlinenses: as arcadas nas proximidades do Spittelmar t
(Leipziger Strafie); as arcadas numa ma tranqiiila do bairro de confecções; a passagem, as
arcadas junto ao Hallesches Tor; as balaustradas como acesso a ruas particulares. Deve ser
lembrado também o cartão postal azul do Hallesches Tor, que mostrava todas as jane as
iluminadas sob o luar, clareadas exatamente pela mesma luz que emana da lua. Aqui também
deve ser lembrada a paisagem intocável da tarde dominical, que se desvenda em algum
lugar no fim de uma deserta rua perdida na “descida”, e em cuja proximidade as casas deste
bairro suspeito parecem elevar-se subitamente à nobreza de palacios. <M . x>
Magia do ferro fimdido: “Hahblle pôde então se convencer de que o anel desse planeta
nada mais era do que uma sacada circular onde, à noite os habitantes de Saturno vem
tomar ar fresco.” GrandviUe, Un Autre Monde, Paris, 1844, p. 139. (Classificar talvez sob
a rubrica haxixe.) [cf. “O anel de Saturno” >eF1 *71
Comparação da Fenomenologia de Hegel e das obras de GrandviUe. Dedução da obra de
GrandviUe do ponto de vista da filosofia da história. Importante é a hipertrofia da epígrafe
nessa obra. A associar a GrandviUe também a observação de Lautreamont. As obras de
Primeiro Esboço I Passagens Pari s ienses <I> ■ 535
Grandville são a verdadeira cosmogonia da moda. Importante talvez também uma
comparação entre Hogarth e Grandville. Uma parte da obra de Grandville poderia ser
intitulada assim: Vingança da moda nas flores. As obras de Grandville são os livros sibüínos
da publicidade. Tudo que nele existe sob a forma germinal da pilhéria, da sátira, atinge sua
verdadeira plenitude como reclame, [cf. B 4, 5 e G 1, 3]
<M°, 3>
A superposição segundo o ritmo do tempo. Em relação ao cinema e à transmissão
“sensacionalista” das notícias. Do ponto de vista do ritmo, segundo a percepção temporal,
o “devir”, para nós, não possui mais qualquer evidência. Nós o decompomos dialeticamente
em sensação e tradição. — Importante dar a estas coisas uma expressão analógica no domínio
biográfico.
<M°, 4 >
Paralelismo entre este trabalho e o Livro sobre o drama barroco: ambos têm em comum o
tema: teologia do inferno. Alegoria, reclame, tipos: mártir, tirano - prostituta, especulador.
<M°, 5>
Haxixe ao meio-dia: sombras são uma ponte sobre a corrente luminosa da ma.
<M°, 6>
Na arte de colecionar, a aquisição como fator decisivo.
<M°. 7>
A arte de preparar o fundo no ler e no escrever. Quem souber esboçar da maneira mais
superficial é o melhor autor.
<M°, 8>
Visita subterrânea aos canais de esgoto: percurso preferido Chatelet-Madeleine. [cf. C 2a, 7]
<M°, 9>
Passage du Caire construída em 1799 sobre o local do jardim do convento Filles-Dieu.
[cf. A 3a, 6]
<M“, 10>
A melhor arte de capturar, sonhando, a tarde nas malhas da noite é fazer planos, [cf. M 3a, 2]
<M”, 11>
Comparação do homem a um painel de comando no qual há milhares de lâmpadas; ora
apagam-se umas, ora outras, <e> acendem-se novamente.
<M’, 12>
O páthos deste trabalho: não há épocas de decadência. Tentativa de ver o século XIX de
maneira tão positiva quanto procurei ver o século XVII no Livro sobre o drama barroco.
Nenhuma crença em épocas de decadência. Assim também (fora dos limites) qualquer
cidade para mim é bela; e, por isso, não acho aceitável qualquer discurso sobre o valor
maior ou menor das línguas, [cf. N 1, 6]
<M°, 13>
936 ■ Passagens
O coletivo que sonha ignora a história. Para ele, os acontecimentos se desenrolam segundo
um curso sempre idêntico e sempre novo. Com efeito, a sensação do mais novo, do mais
moderno, é tanto uma forma onírica do acontecimento quanto o eterno retomo do sempre
igual. A percepção do espaço que corresponde a essa percepção do tempo é a superposição.
Quando então estas formas se dissolvem na consciência iluminada, surgem em seu lugar
categorias político-teológicas. E apenas sob estas categorias, que congelam o fluxo dos
acontecimentos, forma-se em seu interior a história como constelação cristalina. - As
condições econômicas, sob as quais a sociedade existe, a determinam não apenas em sua
existência material e na superestrutura ideológica: elas encontram também sua expressão.
Assim como o estômago estufado de um homem que dorme não encontra sua superestrutura
ideológica no conteúdo onírico, assim também ocorre com as condições econômicas da
vida do coletivo. O coletivo interpreta essas condições e as explica, elas encontram sua
expressão no sonho e sua interpretação no despertar, [cf. S 2, 1 e K 2, 5]
O homem que espera como tipo oposto ao flâneur. A apercepção do tempo histórico do
flâneur comparada ao tempo do homem que espera. Não olhar as horas. Caso de
superposição na espera: a imagem da mulher que é aguardada sobrepõe-se à de uma
desconhecida. Somos uma barragem onde se acumula o tempo, que se precipita em nós
mesmos quando surge aquela que esperamos. “Todos os objetos são como chefes.” Édouard
Karyade.
<M°, 15>
O fato de termos sido crianças nesta época faz parte de sua imagem objetiva. Ela tinha que
ser assim para fazer nascer esta geração. Quer dizer: no contexto onírico, procuramos um
momento teleológico. Este momento é a espera. O sonho espera secretamente pelo despertar,
o homem que dorme entrega-se à morte apenas até nova ordem, ele espera pelo segundo
em que escapará com astúcia de suas garras. Assim também o coletivo que sonha, para o
qual os filhos tornam-se o feliz motivo para seu próprio despertar, [cf. K la, 2]
<M°, 16>
Investigar a relação entre colportagem e pornografia. Imagem pornográfica de Schiller -
uma litografia - numa pose pitoresca, ele aponta com uma das mãos para um longínquo
ideal, com a outra, se masturba. Paródias pornográficas de Schiller. O monge fantasmagórico
e lascivo: a longa procissão de fantasmas e da lascívia: nas Mémoires de Satumin , de Madame
de Pompadour, a fileira lasciva dos monges; à frente, o abade com sua prima.
<M°, 17>
Sentimos tédio quando não sabemos o que estamos esperando. E o fato de o sabermos ou
imaginar que o sabemos é quase sempre nada mais do que a expressão de nossa
superficialidade ou distração. O tédio é o limiar para grandes feitos, [cf. D 2, 7]
<M°, 18>
Atmosfera nebulosa, mutabilidade nebulosa das coisas no espaço visionário
<M°, 19>
Tarefa da infância: integrar o novo mundo no espaço simbólico. A criança é capaz de fazer
algo que o adulto não consegue: rememorar o novo. Para nós, as locomotivas já possuem
Primeiro Esboço | Passagens Parisienses <I> ■ j?37
um caráter simbólico, uma vez que as encontramos na infância. Nossas crianças, por sua
vez, perceberão o caráter simbólico dos automóveis, dos quais nós apenas íntimos o lado
novo, elegante, moderno, atrevido. [c£ K la, 3]
<M°, 20>
O lugar envidraçado diante de meu assento na Staatsbibliothek; círculo mágico intocado,
terra virgem a ser pisada por figuras de meus sonhos, [cf. N 1, 7]
<M°, 21>
“Ela era contemporânea de todo mundo.” Marcei Jouhandeau, Prudence Hautechaume ,
Paris, 1927, p. 129. [cf. B 2, 5]
<M°, 22>
<xxxxx> monde — e a moda.
<M°, 23>
Na entrada da pista de patinação, da cervejaria nos pontos turísticos, das quadras de tênis:
penates. A galinha que bota ovos dourados de chocolate, a máquina que imprime nosso
nome, máquinas de jogos de azar, a máquina que lê a sorte, guardam o limiar.
Surpreendentemente, elas não prosperam na cidade — fazem parte dos pontos turísticos,
das cervejarias dos subúrbios. E o passeio nas tardes de domingo dirige-se não apenas para
lá, aos espaços verdes, mas também para os limiares misteriosos. P.S.: Balanças de peso
automáticas: o moderno gnothi seauton , 50 Delfos. [cf. C 3, 4 e I la, 4]
<M°, 24>
A galeria que conduz às Mães 51 é de madeira. A madeira sempre reaparece transitoriamente
também nas grandes transformações na paisagem urbana, reconstrói em meio ao trânsito
moderno - em tapumes e tábuas de madeira, colocados sobre os alicerces escancarados - a
imagem do tempo primevo aldeão da grande cidade, [cf. C 2a, 4]
<M”, 25>
Limiar e fronteira devem ser rigorosamente diferenciados. O limiar é uma zona. Mais
exatamente, uma zona de transição. Mudança, transição, fluxo <?> estão contidos na
palavra schwellen (inchar, entumescer), e a etimologia não deve negligenciar estes
significados. Por outro lado, é necessário determinar o contexto tectônico imediato que
deu à palavra o seu significado. Tornamo-nos muito pobres em experiências liminares. O
“adormecer” é talvez a única delas que nos restou. Porém, assim como se sobrepõe ao
limiar o mundo onírico com suas figuras, também sobrepõem-se a ele as oscilações do
entretenimento e as mudanças de comportamento entre os sexos ao longo das gerações.
- Do círculo de experiências liminares desenvolveu-se então o portal que transforma
aquele que passa sob seu arco. O arco romano da vitória transforma em triumphator o
general que retorna. Contra-senso do relevo na face interna do portal, um equívoco
classicista. [cf. O 2a, 1 e C 2a, 3]
<M°, 2 6>
50 "Conhece-te a ti mesmo." (w.b.)
51 As "Mães" aparecem no Fausto II, de Goethe, como figurações das "imagens primevas", (w.b.)
938 m Passagens
I. W. Samson, Die Frauenmode der Gegenwart , Berlim, 1927 (MI - marcas e imagens <?>)
J <N°, 1>
Mercado das flores “Ali, sem recorrer ao esforço
Da brilhante arquitetura
Para nos dissimular seus tesouros
Flora tem seu templo de verdura.”
r <N°, 2>
Descrição <?> de Ferragus. 52
Heinrich Mann, Kaiserin Eugenie 53 <?>
<N°, 4>
O cavalo de Tróia - sob forma de neve <?>, como o
[cf. K 2, 4]
despertar iminente se insinua no sonho.
<N°, 5>
O crepúsculo: a hora da inspiração das grandes obras (inspiration littéraire), segundo
Daudet, no entanto, também a hora dos erros de leitura <?>
A indestrutibilidade da vida suprema em todas as coisas. Contra aqueles que prognosticam
a decadência. Pode-se filmar o Fãusto de Goethe. E, com efeito: não se trata de uma profanação,
e não há um mundo entre a obra literária e o filme? É o caso. E não existe, de novo, um
mundo inteiro entre uma adaptação boa e uma adaptação ruim do Fãusto para o cinema.
Na cultura, o que conta não são os grandes contrastes, e sim as nuanças. <Delas nasce> o
mundo sempre <de novo>. [cf. N la, 4]
O lado pedagógico deste projeto: “Educar em nós o médium criador de imagens para um
olhar estereoscópico e dimensional para a profundidade das sombras históricas. São palavras
de Borchardt, Epilegomenã zu Dante, I, Berlim, 1923, pp. 56-57. [cf. N 1, 8] ^
Desde o início ter em vista esta idéia e avaliar seu valor construtivo: os fenômenos residuais
e de decadência como precursores - de certa forma, como miragens das grandes sínteses
que vêm em seguida. Essas novas realidades sintéticas devem ser focalizadas em toda parte:
o reclame, a realidade cinematográfica etc. [cf. Y 1, 4]
52 Trata-se, provavelmente, da descrição das ruas de Paris no começo de "Ferragus , primeiro episódio de
Histoire des Treize de Balzac. (J.L.)
53 Heinrich Mann, Eugénie oder die Bürgerzeit, Berlim-Viena-Leipzig, 1928. (R.T.)
Primeiro Esboço Passagens Parisienses <I> ■ $ 3 $
Interesse vital em reconhecer num determinado momento da evolução que as idéias se
situam numa encruzilhada: ou seja, o novo olhar lançado sobre o mundo histórico encontra-
se no ponto em que a decisão deve ser tomada quanto à utilização reacionária ou
revolucionária. Nesse sentido, os surrealistas e Heidegger propõem-se a mesma coisa em
sua obra. [cf. S l, 6]
<o°, 4 >
Diz-se que o método dialético consiste em levar em conta, a cada momento, a respectiva
situação histórica concreta de seu objeto. Mas isso não basta. Pois, para esse método, é
igualmente importante levar em conta a situação concreta e histórica do interesse por seu
objeto. Esta situação sempre se funda no fato de o próprio interesse já se encontrar pré-
formado naquele objeto, e, sobretudo, no fato de ele concretizar o objeto em si, sentindo-
o elevado de seu ser anterior para a concretude superior do ser agora. A questão de como este
ser agora (que nada mais é do que o ser agora do tempo do agora) já significa em si mesmo
uma concretude superior, entretanto, não pode ser apreendida pelo método dialético no
âmbito da ideologia do progresso, mas apenas numa visão da história que ultrapasse tal
ideologia em todos os aspectos. Aí deveria se falar de uma crescente condensação (integração)
da realidade, na qual tudo que é passado (em seu tempo) pode adquirir um grau mais alto
de atualidade do que no próprio momento de sua existência. A maneira como o passado se
adapta a sua própria atualidade superior c determinada e criada pela imagem pela qual e
sob a qual é compreendido. - Tratar o passado, ou melhor: tratar o ocorrido, não como se
fez até agora, segundo o método histórico, mas segundo o método político. Transformar as
categorias políticas em teóricas, eis a tarefa — sendo que antigamente ousava-se apenas
aproximá-las do presente, na perspectiva da práxis. A perscrutação dialética c a presentificação
de conexões do passado são a prova de verdade da ação presente. Isso, porém, significa: o
explosivo que se encontra na moda (que sempre se reporta ao passado) deve ser detonado
[cf. K 2, 3]
<0°, 5>
Sobre a figura do colecionador. Pode-se partir do pressuposto de que o verdadeiro
colecionador retira o objeto de suas relações funcionais. Esse olhar, todavia, não explica a
fundo esse comportamento singular. Pois não é esta a base sobre a qual se constrói uma
contemplação “desinteressada” no sentido de Kant c de Schopenhauer, de tal modo que o
colecionador consegue lançar um olhar incomparável sobre o objeto, um olhar que vê mais
e enxerga coisas diferentes do que o olhar do proprietário profano, e o qual deveria ser
melhor comparado ao olhar de um grande fisiognomonista. Entretanto, o modo como este
olhar sc depara com o objeto deve ser presentificado de maneira ainda mais aguda através
de <uma outra> consideração, [cf. H 2, 7 e H 2a, 1]
<0°, 6>
É preciso saber: para o colecionador, o mundo está presente em cada um de seus objetos e,
ademais, de modo organizado. Organizado, porém, segundo um arranjo surpreendente,
incompreensível para uma mente profana. Este arranjo está para o ordenamento e a
esquematização comum das coisas mais ou menos como a ordem num dicionário está para
uma ordem natural. Basta que nos lembremos quão importante é para cada colecionador
não só o seu objeto, mas também todo o passado deste, tanto aquele que faz parte de sua
940 ■ Passagens
gênese e de sua qualificação objetiva, quanto os detalhes advindos de sua história,
aparentemente exterior: proprietários anteriores, preço de aquisição, valor etc. Tudo isso, os
dados “objetivos”, como os outros, forma para o autêntico colecionador em relação a cada
uma de suas possessões uma completa enciclopédia mágica, uma ordem do mundo, cujo
esboço é o destino de seu objeto. Aqui, portanto, neste âmbito estreito, é possível compreender
como os grandes fisiognomonistas (e colecionadores são fisiognomonisras do mundo das
coisas) tornam-se intérpretes do destino. Basta que acompanhemos um colecionador que
manuseia os objetos de sua vitrine. Mal segura-os nas mãos, parece estar inspirado por eles,
parece olhar através deles para o longe, como um mago. (Seria interessante situar o
colecionador de livros como o único que não necessariamente desvinculou seus tesouros de
seu contexto funcional.) [cf. H 2, 7 e H 2a, 1]
<o°, 7>
Tentativa de avançar a partir das teses de Giedion. Ele diz: “A construção desempenha no
século XIX o papel do subconsciente.” 54 Não seria melhor dizer: “o papel do processo
corpóreo”, em torno do qual se colocam as arquiteturas “artísticas” como os sonhos em
torno do arcabouço do processo fisiológico? [cf. K la, 7]
< 0 °, 8 >
Ter sempre em mente que o comentário de uma realidade (tal como o escrevemos aqui)
exige um método totalmente diferente do que aquele requerido para um texto. No primeiro
caso, a ciência fundamental é a teologia, no segundo, a filologia, [cf. N 2, 1]
<o°, 9>
A perscrutação como princípio no filme, na nova arquitetura, na colportagem.
<o°, io>
A moda situa-se na penumbra do instante vivido, porém, do instante vivido no coletivo. —
Moda e arquitetura (no século XIX) fazem parte da consciência onírica do coletivo. É
preciso investigar como ele desperta. Por exemplo, no reclame. Seria o despertar a síntese
da tese da consciência onírica e da antítese da consciência desperta? [cf. K 2a, 4]
< 0 “, 11 >
O problema do espaço (haxixe, miriorama), tratado sob a rubrica “flanar”; o problema do
tempo (intermitências), tratado sob a rubrica “roleta”.
<o°, 12>
Imbricação da história das passagens com o todo da apresentação.
<0°, 13>
Motivos para o declínio das passagens: calçadas alargadas, luz elétrica, proibição às
prostitutas, cultura do ar livre. [cf. C 2a, 12]
<0°, 14>
Desenvolver o motivo do tédio na matéria semi-acabada.
<o°, 15>
54 S. Giedion, Bauen in Frankreich, Leipzig-Berlim, 1928, p. 3. (R.T.)
Primeiro Esboço Passagens Parisienses <I> ■ 941
Os “objetivos supremos” do socialismo raramente são tão claros como em \\ íertz. Sendo
que sua base é a do materialismo vulgar.
<o=. 16>
As grandiosas adivinhações mecânico-materialistas de Wiertz devem ser observadas no
contexto dos temas de seus quadros - e não só dos temas ideais, utópicos, mas igualmente
dos temas horríveis, à maneira das colportagens.
<0°, 17>
Anúncio de Wiertz: “Senhor Wiertz procura um serviçal que saiba pintar acessórios da
Idade Média, fazer todo tipo de pesquisa etc., etc., tais como, <x> etc.” A. J. Wiertz,
CEuvres Littémires, Paris, 1870, p. 235.
< o °, 18>
De suma importância a grande legenda que Wiertz fez para os Pensamentos e visões de um
decapitado. A primeira coisa que chama a atenção nesta experiência magnetopática é o salto
magnífico que a consciência dá na morte. “Estranho! Aqui debaixo do cadafalso está a
cabeça no chão, pensando que ainda está em cima, acredita que ainda faz parte do corpo e
ainda está esperando o golpe que deve separá-la do tronco.” A. J. Wiertz, CEuvres Littéraires,
Paris, 1870, p. 492. (Trata-se, em Wiertz, da mesma inspiração que permitiu a Ambrose
Bierce criar a sua inesquecível narrativa. 55 O rebelde que é enforcado na ponte sobre o rio.)
[cf. H°, 13 e K 2a, 2]
<0°, 19>
Será que porventura a moda morre pelo fato de ela não conseguir acompanhar o ritmo —
pelo menos em certos domínios? Enquanto, por outro lado, existem domínios nos quais
ela consegue acompanhar o ritmo e até mesmo determiná-lo? [cf. B 4, 4]
<o°, 20>
Título de um quadro de Wiertz: As coisas do presente diante dos homens do futuro. Curiosa é
a tendência deste pintor à alegoria. No catálogo consta, por exemplo, a seguinte explicação
relativa ao quadro Um segundo após a morte : “Note-se a idéia do livro caído das mãos e estas
palavras na capa do livro: Grandezas humanas.” CEuvres Littéraires, p. 496. Figura da
“Civilização” e outras muitas alegorias no Último canhão, [cf. H°, 13]
<o-, 21?
Quadro de Wiertz: A bofetada de uma dama belga. “Este quadro foi composto com a
intenção de provar a necessidade para as senhoras de exercer-se no manejo das armas. Sabe-
se que M. Wiertz teve a idéia de instalar um estande de tiro especial para damas e que
ofereceu como prêmio do concurso de tiro o retrato da heroína vitoriosa. CEuvres Littéraires,
p. 501 . (Catálogo de obras do próprio pintor.)
Trecho sobre museus em Proust. 56 [cf. S 11, 1]
<0°, 23>
55 Trata-se do conto "An Occurrence at Owl Creek Bridge", publicado por Ambrose Bierce em 1891. (E/M)
56 M. Proust, À la Recherche du Temps Perdu, I, p. 644. (R.T.)
942 ■ Passagens
O tédio das cenas de cerimonial apresentado nos quadros históricos e o tédio em geral.
Tédio e museu. Tédio e quadros de batalhas. [c£ D 2 a, 8]
<o°, 24>
Excurso sobre o gênero “quadro de batalha”!
<0‘, 25>
Poder-se-ia provavelmente acrescentar ao complexo do tédio e da espera — sendo que é
indispensável uma metafísica da espera - o da dúvida num certo contexto. Lê-se numa
alegoria de Schiller: “A asa indecisa da borboleta.” 57 Isto remete à correlação entre a eufórica
leveza e o sentimento da dúvida, tão característica da embriaguez no haxixe, [cf. M 4a, 1]
<o°, 26>
O plano de Hofmannsthal para o “Noviço” 58 e o “Adivinho”. 59
<0°, 27>
Polêmica contra os trilhos nos anos trinta. A. Gordon, em A Treatise in Elementary Locomotion,
recomendava que os “carros a vapor” transitassem sobre estradas de granito, [cf. F 3, 4]
<0“, 28>
Grandes colecionadores. Pachinger, o amigo de Wolfskehl, que conseguiu reunir uma coleção
de objetos proscritos e decadentes que pode se comparar à coleção de Figdor em Viena. Ele
abaixava-se subitamente no Stachus, para apanhar algo que estava procurando há semanas:
uma passagem de bonde com erros de impressão que circulara por apenas uma hora. Gratz
no Wuhlgarten. 60 A família em que cada um dos membros coleciona algo, por exemplo,
caixas de fósforos. Pachinger mal se lembra como são as coisas comuns da vida, explica a
suas visitas não só os aparelhos mais antigos, mas também os lenços, os espelhos deformantes
etc. “Belo começo de uma coleção.” Hoerschelmann. Um alemão em Paris que coleciona
arte mim (somente arte ruim!), [cf H 2a, 2]
<0°, 29>
Gabinete de figuras de cera: misto do efêmero e do que está na moda. “Mulher que prende
sua liga.” [André Breton,] Nadja, Paris, 1928, p. 200. [cf B 3, 4 e E 2a, 2]
<0°, 30>
Aporia do urbanismo (beleza de bairros antigos), dos museus, dos nomes de ruas, do
intérieur. [cf I 2a, 6]
<o°, 31>
O problema formal da nova arte pode ser expressado exatamente desta maneira: quando e
como os universos de formas — que, sem que o percebêssemos, surgiram na mecânica, na
construção de máquinas etc. e que nos subjugaram - transformarão em história primeva
57 Friedrich Schiller, Sãmtliche Werke, ed. por Gerhard Fricke e Herbert G. Gõpfer, vol. I, 4 a ed.,
Munique, 1965, p. 229. (R.T.)
58 Cf . o esboço do drama "Der Priesterzõgling'', de Hugo von Hofmannsthal, in: Dramen, III ( Qesammelte
Werke, ed. por Herbert Steiner), Frankfurt a. M., 1957, pp. 491-493. (R.T)
59 Hugo von Hofmannstahl, "Der Zeichendeuter", in: Sãmtliche Werke, 29, Erzãhlungen, 2, Frankfurt
a. M.,1978, pp. 202-206. (R.T.)
60 Um instituto para epilépticos em Berlim. (J.L.)
Primeiro Esboço ] Passagens Parisienses <1> ■ $ 43
aquilo que nelas é natureza? Quando será atingido o estado da sociedade <em que estas
formas ou> as que delas surgiram revelar-se-ão para nós como formas naturais? [cf. K 3a, 2]
<o°, 32>
Sobre a frase de Veuillot “Paris cheira a mofo”. 61 As modas e todo o contraste com o mundo
ao ar livre de hoje. O “glauco clarão” sob os saiotes, de que fala Aragon. O espartilho como
passagem do tronco. Aquilo que hoje é comum nas prostitutas baratas — não se despir —
pode ter sido outrora a praxe mais distinta. Marca da moda de então: sugerir um corpo que
nunca conhece a nudez total. [cf. E 2, 2; O la, 3; B 3, 1]
<0°, 33>
Muita coisa em Proust sobre o “renfermé”. Principalmente o retiro no bosque. 62
<0°, 34>
A Rue Laferrière, antigamente uma passagem. V. Léautaud, Le Petit Ami.
<o°, 35>
Método deste trabalho: montagem literária. Não tenho nada a dizer. Somente a mostrar.
Não me apropriarei de formulações espirituosas, não surrupiarei coisas valiosas. Porém, os
farrapos, os resíduos: estes não quero descrever e sim exibir. [Cf. N la, 8]
<0°, 36>
Notas sobre a montagem em meu diário. Talvez deva ser indicada neste contexto a ligação
íntima que há entre a intenção relativa à proximidade mais próxima e o aproveitamento
intensivo dos resíduos - tal como ocorre na montagem.
<0°, 37>
Pôr em evidência o caráter fetiche da mercadoria por meio do exemplo da prostituição.
<0°. 38:-
Sobre a imbricação da rua e dos intérieurs: os números das casas tornam-se fotografias
queridas, familiares.
<o°, 39>
Ambigüidade perfeita das passagens: rua e casa.
<0°, 4u>
Quando e, principalmente, como surgiu o nome “jardim de inverno” referente a um teatro
de variedades? (cf. Cirque d’hiver)
<o°, 41 >
O transporte no estágio do mito. A indústria no estágio do mito. (Estações ferroviárias e as
primeiras fábricas)
<0°, 42>
O tédio da viagem de trem. Histórias de condutores. Aqui, Unold sobre Proust, no
Frankfurter Zeitung, em 1926 ou 1927.
<0°, 43a
61 "Paris sent le renfermé." Expressão de Louis Veuillot em Los Odeurs de Paris, Paris, 1914, p. 14. (J.L.)
62 M. Proust, À la Recherche du Temps Perdu, I, p. 492. (J.L.)
()44 ■ Passagens
Afinidade entre mito e topografia. Aragon e Pausânias. (Consultar também Balzac.) [cf. C
1, 7]
<0°, 44>
O tédio e: a espera da mercadoria por sua venda.
r <o°, 4 5>
Motivo do tempo onírico: a atmosfera dos aquários. A água reduzindo a resistência?
r <0°, 46>
Motivos para o declínio das passagens: calçadas mais largas, luz elétrica, proibição da
prostituição, culto do ar livre. [cf. C 2a, 12] ^ ^
Sobre o r^ma das bonecas: “O senhor não imagina o quanto estes autômatos e estas bonecas
podem se tornar detestáveis, e o quanto ficamos aliviados quando encontramos nesta
sociedade uma criatura autêntica.” Paul Lindau, Der Abend {A Noite), Berlim, 1896, p.
17- [cf. Z 1, 5]
As cores mundanas, verde e vermelho, nos locais de diversão de hoje, que, como manifestação
da moda, correspondem vagamente ao saber que queremos elucidar aqui, encontram uma
interpretação excelente num trecho de Bloch, onde ele fala da “câmara de recordação revestida
de verde, com cortinas de um vermelho crepuscular”. {Geist der Utopie, Munique e Leipzig,
1918, p. 351.)
r áOs,
Unir a doutrina do saber ainda não consciente à teoria do esquecimento (notas sobre Der
blonde Eckbert (O Loiro Eckbertf 3 e aplicá-la aos coletivos, em suas épocas. O que Proust,
enquanto indivíduo, viveu em termos de fenômeno da rememoração, nós somos obrigados
a experimentar (em relação ao século XIX) como “corrente”, “moda’ , tendência — como
uma espécie de castigo pela indolência que nos impediu de assumirmos esta rememoração.
[cf. K 2a, 3]
<0°, 50>
Estas portas também são limiares. Não são marcadas por nenhum degrau de pedra. Porém,
a atitude de expectativa de algumas pessoas se incumbe disso. Passos parcimoniosamente
medidos refletem, sem que as pessoas o saibam, que se <está diante de uma decisão.
Citação de <Aragon> sobre a espera das pessoas diante de passagens. 64 [cf. C 3, 6]
Uma teoria realmente singular em Dacqué: 65 a de que o homem seria um germe. (Existem
formas germinais na natureza que se apresentam como embriões desenvolvidos, porém,
63 Referência à novela de Tieck, Der blonde Eckbert (1812). Benjamin planejou escrever um trabalho
sobre esta obra na qual a memória e o esquecimento desempenham papel importante. (R.T.; J.L.).
64 Talvez L. Aragon, Le Paysan de Paris, Paris, Gallimard, 1976, p. 102. (J.L.)
65 Uma passagem semelhante encontra-se também na resenha de Benjamin, "Krisis des Darwinismus?"
(1929); cf. G5 IV, 534. (R.T.)
Primeiro Esboço Passagens Parisienses <I> ■ $45
não transformados.) O homem, e as espécies animais antropomórficas, os antropóídes, em
seu estágio primordial, teriam adquirido sua forma mais apropriada, mais humana. No
embrião humano desenvolvido — e no do chimpanzé (isto é, no ser humano e no chimpanzé
desenvolvidos) — o elemento animal ousaria ressurgir. Mas <interrompido>
< 0 °, 52>
É absolutamente necessário estudar os teóricos do Jugendstil. Em A. G. Meyer, Eisenbauten,
Esslingen, 1907, a seguinte referência: “Homens, cuja consciência artística seria
especialmente sensível, lançaram do altar da arte incontáveis imprecações contra os
engenheiros civis. Basta lembrar-se de Ruskin.” (p. 3). No contexto do Jugendstil-. Péladan.
<0°, 53>
“Torna-se cada vez mais difícil ser revolucionário ao mesmo tempo no plano espiritual e no
plano social.” Emmanuel Berl, Premier pamphlet ( Europe , n° 75, 1929, p. 40).
<0°, 54>
Arte floral e pintura de gênero.
<o°, 55>
Poder-se-ia dizer que há duas orientações neste trabalho: a que vai do passado até o presente
e apresenta as passagens etc. como precursoras, e a que vai do presente até o passado a fim
de fazer explodir no presente a completude revolucionária destes “precursores”, sendo que
esta orientação entende também a observação elegíaca, enlevada, do passado recente como
sua explosão revolucionária.
<O ç , 56>
A sombra projetada pelo mito que esta época movimentada lança sobre o passado, como o
fazia a Hélade prenhe de mitos ( mytbokotos ).
<0”, 57>
Léon Daudet relata sua vida topograficamente. Paris vécu.
< 0 °, 58 ?
Passagem e processo judicial. Mirès.
<0', 59>
O movimento vital da moda: transformar poucas coisas.
<o°, 60>
No jazz, o ruído se emancipa. O jazz surge num momento em que o barulho é cada vez
mais eliminado do processo da produção, da circulação e do comércio. Assim também o
rádio.
<0°, 61 >
Anotações do Bazar , jornal feminino ilustrado de Berlim (a partir de 1857): bordado em
pérolas para caixas de hóstias ou de fichas de jogo, sapatos masculinos, caixas de luvas,
travesseiros, espanadores, agulheiros, alfineteiros, pantufas. Trabalhos de Natal, cúpulas de
946 ■ Passagens
abajur, gibeiras, puxadores de campainha, anteparos, porta-notas, cestos para facas, estojos
de pavios, formas para mingaus, fichas de jogos.
O tipo do flâneur ganha nitidez quando se pensa por um minuto na boa consciência que
deve ter tido o tipo do “industriei” de Saint-Simon, que possuía este título apenas por ser
proprietário de capital.
<0°, 63>
Uma diferença notável entre Saint-Simon e Marx. O primeiro amplia do modo mais
abrangente possível a classe dos explorados (os produtores), incluindo entre eles até os
empresários, uma vez que estes pagam juros a seus credores. Marx, ao contrário, inclui na
burguesia todos aqueles que de alguma forma são exploradores, ainda que estes também
sejam vítimas de exploração, [cf. U 4, 2]
<o°, 64>
Agravamento dos antagonismos de classe: a ordem social como uma escada na qual a
distância entre os degraus aumenta de ano para ano. O número infinito de degraus
intermediários entre a riqueza e a miséria na França do século passado.
<0°, 65>
Misticismo bizantino na École Polytechnique (cf. Pinet, “UÉcole Polytechnique et les
Saints-Simoniens”, Revue de Paris , 1894).
<0°, 66>
Não foi Marx quem ensinou que a burguesia como classe nunca poderia atingir uma
consciência perfeitamente clara de si mesma? E, caso isso seja verdade, não seria legítimo
complementar a sua tese com a idéia do coletivo onírico (que é o coletivo burguês)?
[cf. S 2, 1]
<0\ 67>
Não seria possível, ademais, comprovar como todos os fatos de que trata este trabalho se
esclarecem no processo de autoconscientizaçao do proletariado?
<o°, 68>
Os primeiros estímulos do despertar aprofundam o sono
la, 9]
- (estímulos do despertar), [cf. K
<0°, 69>
Os Comptes Fantastiques
artigos no Temps.
dHaussmann 66 foram publicados primeiramente como série de
<o°, 70>
Boa formulação de Bloch sobre o trabalho das Passagens: a história mostra seu distintivo da
Scodand Yard. Foi no contexto de uma conversa na qual eu explicava como este trabalho -
comparável ao método da fissão nuclear que libera as forças gigantescas que mantêm unidos
os átomos - deve liberar as forças gigantescas da história que são acalentadas no “era uma
66 Trocadilho entre o gênero dos "contos" fantásticos (contes), típico do escritor alemão E.T.A. Hoffmann
(1776-1822), e a prestação de "contas" ( comptes ) do Barão de Haussmann, prefeito de Paris, (w.b.)
Primeiro Esboço | Passagens Parisienses <I> ■ $47
vez” da narrativa histórica clássica. A historiografia que se empenhou em mostrar “como as
coisas efetivamente aconteceram”, 67 foi o narcótico mais poderoso do século XIX. [cf. N 3, 4]
<o*. 71 >
A concretude apaga o pensamento, a abstração o acende. Toda antítese é abstrata, toda
síntese, concreta. (A síntese apaga o pensamento.)
<o°, 72>
Fórmula: construção a partir de fatos. Construção sob total eliminação da teoria. O que
somente Goethe tentou fazer em seus escritos morfológicos.
<0°, 73>
Sobre o jogo. Existe uma determinada estrutura do destino que só se deixa conhecer no
dinheiro, e uma estrutura particular do dinheiro que só se deixa conhecer no destino,
[cf. O 3, 6]
<o°, 74>
A passagem como templo de Esculápio. Pavilhão termal. Transformação terapêutica.
Passagens (como pavilhões termais) em desfiladeiros. Em Schuls-Tarasp, em Ragaz. A
“garganta” como ideal paisagístico no tempo de nossos pais. [cf. L 3, 1] Como o olfato
desperta na presença de recordações muito distantes. Quando estava em St. Moritz diante
de uma vitrine e olhava os canivetes de madrepérola como “lembranças”, a mim parecia
que eu poderia sentir-lhes o cheiro.
<0°, 75>
O que é vendido nas passagens são suvenires, O “suvenir” é a forma da mercadoria nas
passagens. Compra-se suvenir desta ou daquela passagem. Surgimento da indústria de
suvenires. Como o sabe o fabricante. O oficial alfandegário da indústria, [cf. T 53, 1]
<o°, 7 6>
Como as recordações visuais ressurgem transformadas após longos anos. O canivete que me
veio à mente quando encontrei um na vitrine de Saint-Moritz — com o nome da localidade
escrito entre edelweiss em madrepérola — , tinha sabor e cheiro.
<0°, 77>
Não é preciso fazer o tempo passar, é preciso carregá-lo em si. Passar o tempo (expulsar o
tempo, matá-lo): drenar-se. Tipo: o jogador, o tempo jorra-lhe dos poros. - Carregar-se de
tempo como uma bateria: tipo: o tipo flâneur. Por fim, o tipo sintético: ele carrega e
transmite a energia “tempo” sob uma outra forma: aquele que espera, [cf. D 3, 4]
<0“, 78>
“História primeva do século XIX” — esta não teria interesse se apenas significasse que
formas da história primeva deveriam ser encontradas nos repertórios do século XIX Apenas
onde o século XIX fosse apresentado como forma originária da história primeva - isto é,
como uma forma na qual toda a história primeva se renova de tal maneira que algumas de
67 "Mostrar como as coisas efetivamente aconteceram" foi o lema do historiador Leopold Ranke (1795-
1886), que representa a posição do historicismo. Cf. a critica de Benjamin ao historicismo em "Sobre
o Conceito de História", tese XVI. (J.L.)
$48 ■ Passagens
suas características antigas pudessem ser identificadas somente como precursoras destas
mais novas — , o conceito de uma história primeva do século XIX teria sentido, [cf. N 3a, 2]
<o°, 79>
Todas as categorias da filosofia da história devem ser levadas aqui até seu ponto de indiferença.
Nenhuma categoria histórica sem sua substância natural, nenhuma categoria natural sem
sua filtragem histórica.
° <0°, 80>
O conhecimento histórico da verdade só é possível como superação da aparência: esta
superação, porém, não deve significar volatilização ou atualização do objeto, e, sim, por sua
vez, assumir a configuração de uma imagem veloz. A pequena imagem veloz em oposição à
comodidade científica. Esta configuração de uma imagem veloz coincide com o
reconhecimento do “agora” nas coisas. Mas não do futuro. Semblante surrealista das coisas
no agora, semblante pequeno-burguês no futuro. A aparência que é superada aqui é aquela
segundo a qual o tempo anterior estaria no agora. Na verdade: o agora é a imagem mais
íntima do ocorrido.
<0°, 81>
Em relação ao capítulo das flores. Os jornais de moda da época traziam conselhos para a
conservação dos buquês, [cf. I 4, 2]
<P°, 1>
A fiíria das câmaras e das caixas. Tudo vinha em estojos, era colocado em caixas e trancado.
Porta-relógios, porta-pantufas, suporte de termômetros, tudo bordado em tela. [cf. I 4, 4]
<P°, 2 >
Análise do habitar. A dificuldade aqui é, por um lado, que no habitar o elemento mais
antigo - talvez eterno - precisa ser identificado: imagem da estada do ser humano no
ventre materno. E, por outro lado, independentemente deste motivo da história primeva,
é preciso considerar no habitar em sua forma mais extrema um modo de existência do
século XIX, com o qual começamos a romper. A forma primeva de todo habitar é a existência
não numa casa, mas num casulo. Eis a diferença entre ambos: aquela traz à tona de maneira
bem visível a impressão de seu morador. A moradia no caso mais extremo torna-se um
casulo. O século XIX, mais do que qualquer outro, tinha uma fixação pela moradia. Entendia
a moradia como o estojo do homem e o encaixava tão profundamente nela com todos os
seus acessórios que se poderia pensar no interior de um estojo de compasso, onde o
instmmento se encontra depositado com todas as suas peças em profundas cavidades de
veludo, geralmente de cor violeta. Não existiria um só objeto para o qual o século XIX não
tenha inventado um estojo. Para relógios de bolso, chinelos, porta-ovos, termômetros,
baralhos e para um sem-número de coisas eram confeccionadas capas protetoras, passadeiras,
cobertas. O século XX, com sua porosidade e transparência, seu gosto pela vida em plena
luz e ao ar livre, pôs um fim à maneira antiga de habitar. A primeira tentativa, coisas <?>
como “residências para seres humanos”, no Arquiteto Solness de Ibsen. Não é à toa que se
trata de um drama que se baseia no Jugendstil, o qual abalou profúndamente a mentalidade
95Q ■ Passagens
Kafka, O Médico Rural (“Um sonho”)
<Q°, 5>
No trabalho das Passagens, é preciso abrir um processo contra a contemplação. Mas esta
deve defender-se e afirmar-se brilhantemente.
<Q°, 6>
Felicidade do colecionador, felicidade do solitário: tête-à-tête com as coisas. Não é esta a
bem-aventurança que rege nossas recordações? O fato de que nelas estamos sós com as
coisas que se agrupam silenciosas ao nosso redor e que mesmo as pessoas que nelas aparecem
assumem esse silêncio confiante e cúmplice das coisas. O colecionador “alimenta” seu
destino. E isto significa que ele desaparece no mundo da recordação.
<Q°, 7>
E. T. A. Hoffmann, “Os autômatos” (Die Serapionsbrüder, II).
<Q°, 8>
Hoffmann como tipo do flâneur. “Des Vetters Eckfenster” (A janela de esquina do primo)
é o testamento do flâneur. Daí, o grande êxito de Hoffmann na França. Nas observações
biográficas da edição em cinco volumes de seus últimos escritos, lê-se: “Hoffmann nunca
foi um grande aficionado do ar livre. Os seres humanos - a comunicação com eles, sua
observação, o simples fato de olhá-los - importavam-lhe mais que qualquer outra coisa.
Quando saía a passeio no verão, o que, com bom tempo, ocorria diariamente no entardecer,
fazia-o apenas para chegar a locais públicos onde encontrava pessoas. No caminho,
praticamente não havia uma taverna ou confeitaria onde ele não tivesse entrado, para ver se
lá havia pessoas, e de que espécie.” [cf. M 4a, 2]
<Q°, 9>
Arcabouço de estudos fisiognomônicos: o flâneur, o colecionador, o falsário, o jogador.
<Q“, 10>
Hans Kistemaecker, “Die Kleidung der Frau, ein erotisches Problem” (O vestuário feminino,
um problema erótico), Zürcher Diskuszionen , Caderno 8, 1898. O autor é provavelmente
Panizza.
<Q°, n>
Louis Schneider, Offenbach, Paris, 1923. 70
<Q°, I2>
Le Guide Historique e Anecdotique de Paris, Paris (Editions Argo). 71
<Q°, 13>
É certo que outrora a arte, no seu domínio sociológico, nas hierarquias que nela se fundavam,
na maneira como ela se formava, tinha muito mais afinidade com aquilo que hoje é a
70 Louis Schneider, Les MaJtres de 1'Opérette Française: Offenbach, Paris, 1923. (R. T.)
71 Le Guide Historique et Anecdotique de Paris: l'Histoire de Paris, deses Monuments, de ses Révolutions,
de ses Célébrités, desa Vie Artístique, Scientifique, Politique, Mondaine, org. por E. Cuervo-Marquez,
Paris, 1929. (R.T.)
Primeiro Esboço Passagens Parisienses <I> ■ 951
moda, do que com aquilo que é chamado hoje de arte. Moda: nascimento aristocrático-
esotérico do artigo de uso mais corrente.
<Q°. 14>
O mal-entendido como elemento constitutivo no desenvolvimento da moda. A nova moda,
já à mínima distância de seu local de origem e nascimento, é logo desviada e mal-entendida.
<Q°, 15>
Metternich, Denkwürdigkeiten (Memórias), Munique, 1921.
<Q°, 16>
Hans von Veltheim, Héliogabak ou Biographie du XIX Siècle de la France, Braunschweig,
1843.
<Q°, 17>
Grasse und Jánnicke, Kunstgewerbliche Altertümer und Kuriositaten, Berlim, 1909.
<Q°, 18 >
Sobre A Muda de Portici. 71 Estréia em 1828. Uma música ondulante, uma ópera de
drapeados que se elevam e recaem sobre as palavras. Muito evidente o sucesso que esta
música deve ter obtido na época, quando o drapeado iniciou seu desfile triunfal
(primeiramente, na moda, como xale turco). O público compreende o novarum rerum
cupidus 7 3 do revolucionário como um interesse pelas novidades. Com razão, mostrou-se-lhe
uma revolta, cuja primeira tarefa era garantir a segurança do rei diante dela. A revolução
como um drapeado ocultando um reviramento nos círculos dominantes, como certamente
foram os de 1830. [cf. B 4, 3]
<Q°, 19>
Henri Sée, Franzosische WirtschaftsgesckichteX
<Q°, 20>
Sobre a imagem dialética. Dentro dela, situa-se o tempo. Ela já se encontra na dialética de
Hegel. A dialética hegeliana, porém, conhece o tempo apenas como o tempo propriamente
histórico, senão psicológico, como tempo do pensamento. O diferencial de tempo, no qual
apenas a imagem dialética é real, ainda lhe é desconhecido. Tentativa de demonstrá-lo na
moda. O tempo real não entra na imagem dialética em tamanho natural - e muito menos
psicologicamente — e sim sob sua forma ínfima, [cf. N 1, 2] — O momento temporal só
pode ser totalmente detectado por intermédio da confrontação com um outro conceito.
Este conceito é o “agora da cognoscibilidade”.
<Q°, 21 >
A moda é a intenção que acende, o conhecimento c a intenção que apaga.
<Q°, 22>
Aquilo que é “sempre o mesmo”, não é o acontecimento, e, sim, o que nele é novo, o
choque com o qual ele nos afeta.
<Q°, 23>
72 La Muette de Portici, de Daniel Auber, foi considerada o arquétipo da grande ópera. (E/M)
73 "A avidez peias coisas novas." (w.b.)
74 Primeiro volume da edição alemã (Jena, 1930), de H. Sée, Histoire Économique de la France. (J.L.)
952 ■ Passagens
Sou eu aquele que se chama W. B. ou simplesmente chamo-me W. B.? Eis os dois lados da
mesma moeda. O reverso, porém, está gasto, enquanto o verso possui traços nítidos. Esta
primeira versão faz ver que o nome é objeto de uma mímesis. De fato, faz parte de sua
natureza singular não se mostrar no que virá, e sim somente no ocorrido, o que quer dizer:
no que foi vivido. O hábito de uma vida vivida: é isso o que o nome preserva e também
preestabelece. Ademais, com o conceito de mímesis já se diz que o domínio do nome é o
domínio da semelhança. E como a semelhança é o órganon da experiência, isto significa: o
nome só pode ser reconhecido nos contextos da experiência. Apenas neles identifica-se sua
essência, isto é, sua essência lingüística. [cf. Q°, 1]
Ponto de partida das observações precedentes: uma conversa com Wiesengrund sobre
as óperas Electra e Carmen\ em que medida seus nomes já contêm seu caráter
propriamente dito, permitindo à criança ter uma idéia dessas óperas muito antes de
conhecê-las. (A Carmen lhe aparece no xale que a máe usa ao dar-lhe o beijo de boa-
noite quando vai à ópera.) O conhecimento contido no nome é desenvolvido mais
intensamente na criança, uma vez que a capacidade mimética diminui nas pessoas à
medida que envelhecem.
n <Q°, 25>
PASSAGENS PARISIENSES <ll > 75
“Chamamos repetidamente a atenção”, diz o guia ilustrado de Paris, um retrato completo
da cidade às margens do Sena e de seus arredores, do ano de 1852, “às passagens que
desembocam nos boulevards internos. Estas passagens, uma recente invenção do luxo
industrial, são galerias cobertas de vidro e com paredes revestidas de mármore, que atravessam
quarteirões inteiros, cujos proprietários se uniram para esse tipo de especulação. Em ambos
os lados dessas galerias, que recebem a luz do alto, alinham-se as lojas mais elegantes, de
modo que tal passagem é uma cidade, um mundo em miniatura, onde o comprador
encontrará tudo que precisar. Numa chuva repentina, são elas o refugio para todos os
que são pegos desprevenidos, garantindo-lhes uma caminhada segura, porém restrita, da
qual também os comerciantes tiram suas vantagens.” Foram-se os compradores e os
transeuntes surpreendidos pelo mau tempo. A chuva proporciona às passagens apenas a
clientela mais pobre, sem capas de borracha ou outros tipos de impermeável. Tratava-se
de lugares para uma geração que sabia muito pouco a respeito das condições do tempo e
que, aos domingos, quando nevava, aquecia-se nos jardins de inverno, em vez de esquiar.
Vidro que chegou cedo demais, ferro prematuro: era essa uma única e mesma estirpe,
passagens, jardins-de-inverno com a palmeira imperial e halls de estações ferroviárias
onde foi cultivada “a despedida”, aquela falsa orquídea com suas pétalas a acenar um
adeus. Há muito que o hangar os substituiu. E hoje sucede ao material humano no
interior o mesmo que ao material de construção das passagens. Cafetões são as naturezas
de ferro desta rua e as prostitutas, seus frágeis vidros. Foi aqui o último abrigo das
criaturas-prodígio que viram a luz do dia na época das exposições universais: como mala
com iluminação interna, canivete de um metro de comprimento ou cabo de guarda-
chuva patenteado, com relógio e revólver. E, ao lado dessas gigantescas criaturas
degeneradas, a matéria semi-acabada, encalhada. Percorremos o corredor estreito e escuro
até o lugar onde, entre uma livraria com liquidações, na qual maços de papel, amarrados
com barbante colorido, expressam todas as formas de falência, e uma loja só de botões
(de madrepérola e outros que em Paris são chamados de botões-fantasia), localizava-se
uma espécie de sala de estar. Uma lâmpada a gás iluminava um papel de parede de um
75 Como informa o editor alemão, a ordem em que ele agrupou os 24 fragmentos redigidos que
compõem este texto não é a mesma em que eles se encontram nos manuscritos de Benjamin.
A ordem original destes fragmentos é a seguinte (cf. GS V, 1349):
a°, 1; a°, 3; b°, 1; b°, 2;
c°, 3; e°, 1;
c°, 1; c°, 4; d° ,1; d° ,2; c° ,2;
h°, 5;
h°, 1; a°, 2; P, 1; h°, 2; h°, 3; h°, 4; a°, 5;
f°, 2; e°, 2; f°, 3; a°, 4; g°, 1 . (R.T.; w.b.)
954 ■ Passagens
colorido pálido, cheio de quadros e bustos. Junto dela lia uma velha senhora. Está ali,
sozinha, como há anos, procurando dentaduras “de ouro, de cera ou quebradas”. A partir
deste dia, ficamos sabendo de onde o doutor Milagre tirou a cera com a qual fabricou a
Olympia. São as verdadeiras fadas destas passagens - mais venais e gastas do que as de
tamanho natural — as bonecas parisienses, outrora célebres no mundo inteiro, girando ao
som de música sobre um pedestal, segurando um pequeno cesto de flores, do qual, a cada
acorde em tom menor, emergia o focinho farejador de um cordeirinho.
<a°, 1:.
Tudo isso é a passagem aos nossos olhos. E nada disso ela foi outrora. Elas <as passagens>
brilhavam como grutas na Paris do Império. Quem entrasse em 1817, na Passage des
Panoramas, ouviria de um lado o canto das sereias da iluminação a gás e, defronte, o
chamado sedutor das lâmpadas a óleo como odaliscas. Com o súbito aparecimento das
lâmpadas elétricas, apagou-se o brilho irrepreensível nessas galerias, agora mais difíceis de
serem encontradas, que praticavam a magia negra das portas, olhando para seu interior
através de janelas cegas. Isso não significou um declínio, e sim uma reviravolta. De um só
golpe, tornaram-se o molde oco, a partir do qual se cunhou a imagem da “modernidade”.
Aqui, o século espelhava com arrogância seu passado mais recente. Aqui foi o asilo para
idosos das criaturas-prodígio...
<a°, 2 >
Quando na infância ganhávamos de presente aqueles grandes compêndios Weltall und
Menschheit ( Universo e Humanidade), Neues Universum (Novo Universo), Die Erde (A Terra),
não recaía o olhar primeiro sobre a colorida ilustração de uma “Paisagem do carbonífero”
ou sobre “Lagos c geleiras da Era Glacial”? Tal panorama ideal de um tempo primevo mal
deixado para trás revela-se ao olhar pelas passagens encontradas em todas as cidades. Aqui
vive o último dinossauro da Europa, o consumidor. Nas paredes destas cavernas viceja a
mercadoria como flora imemorial, urdindo as relações mais desordenadas, como um tecido
de tumores. Um mundo de afinidades secretas: palmeira e espanador, secador de cabelos e
a Vénus de Milo, prótese e manuais de correspondência reencontram-se aqui como após
uma longa separação. A odalisca repousa à espreita ao lado do tinteiro, sacerdotisas erguem
cinzeiros como se fossem taças sacrificiais. Estas mercadorias expostas são uma charada e a
resposta fica na ponta da língua ao ver-se a maneira como o alpiste é guardado na bacia de
uma câmara escura fotográfica, sementes de flores ao lado de binóculos, parafusos quebrados
sobre uma partitura e o revólver sobre o aquário de peixinhos dourados. Aliás, nada disso
parece novo. Os peixinhos dourados originam-se talvez de um recipiente há muito desprovido
de água, o revólver terá sido um corpus delicti e dificilmente estas partituras terão impedido
sua antiga proprietária de morrer de fome quando os últimos alunos deixaram de comparecer.
<a°, 3>
Nunca se deve confiar naquilo que os escritores dizem a respeito de suas próprias obras.
Quando Zola quis defender sua Thérèse Raquin das crídcas hostis, explicou que seu livro
era um estudo científico sobre os temperamentos. Sua intenção teria sido a de demonstrar
detalhadamente, a partir de um exemplo, como o temperamento sangüíneo e o nervoso
reagem um sobre o outro - em detrimento de ambos. Esta declaração não satisfez a ninguém.
Tampouco explica o impacto inaudito da colportagem, o caráter sanguinário, a atrocidade
cinematográfica da ação. Não é à toa que esta se desenrola em uma passagem. Se este livro
Primeiro Esboço Passagens Pansiercses <ll> ■
de fato demonstra algo cientificamente, é a agonia das passagens parisienses, o processo de
decomposição de uma arquitetura. A atmosfera deste livro está prenhe de seus venenos, e
estes fazem suas personagens sucumbir.
<a°, 4>
Na antiga Grécia, apontavam-se lugares por onde se descia ao mundo das sombras. Também
nossa existência desperta é um espaço onde, a partir de locais ocultos, se desce ao mundo
das sombras, cheio de regiões insignificantes onde desaguam os sonhos. Durante o dia,
passamos por elas sem nada perceber, porém, mal chega o sono, agarramo-nos a elas com
gestos rápidos e nos perdemos nos corredores escuros. O labirinto de casas da cidade
assemelha-se em pleno dia à consciência; as passagens (são elas as galerias que conduzem à
sua existência anterior) desembocam nas mas durante o dia, sem que se perceba. À noite,
contudo, sob as massas escuras de casas, emerge assustadoramente sua escuridão mais
compacta; e o transeunte tardio passa por elas rapidamente, a não ser que o tenhamos
encorajado a empreender a caminhada através da ruela estreita.
<a°, 5>
Cores mais falsas sao possíveis nas passagens; pouco surpreende o fato de pentes serem
vermelhos e verdes. A madrasta da Branca de Neve possuía objetos assim, e quando o pente
não cumpria sua tarefa, lá estava a linda maçã que prestava ajuda, meio vermelha, meio
verde-veneno, tal qual os pentes de preço módico. Por toda parte, meias representam seu
papel de atrizes convidadas ora permanecendo sob fonógrafos diante de uma loja de selos,
ora junto à mesa vizinha de uma taberna, onde uma moça as vigia. Assim também, em
frente, diante da loja de selos, estão friamente distribuídos, entre os envelopes com selos
finamente combinados, manuais de uma ultrapassada arte de viver, “Enlouquecidas ilusões”
e “Amplexos secretos”, e introduções a obsoletos vícios e paixões. As vitrinas estão recobertas
com imagens coloridas de Épinal, nas quais Arlequim celebra o noivado da filha, Napoleão
cavalga por Marengo e, entre toda a sorte de peças de artilharia, franzinos cidadãos ingleses
percorrem a larga estrada em direção ao inferno e o ermo caminho do Evangelho. Nenhum
comprador deveria adentrar esta loja com opinião preconcebida, ficaria feliz ao deixá-la
levando um volume para casa: “A busca da verdade”, de Malebranche, ou “Miss Daisy,
diário de uma cocheira inglesa”.
<b°, 1>
Os moradores destas passagens são designados muitas vezes por placas e inscrições que se
repetem no interior, nas paredes entre as lojas, onde aqui e ali uma escada em caracol
conduz à escuridão. Têm pouco a ver com aquelas que estão penduradas em entradas
respeitáveis, lembrando mais as placas em grades de jardins zoológicos que indicam não
tanto o domicílio, mas principalmente a origem e o gênero de animais em cativeiro. Nos
caracteres das placas de metal ou também de esmalte, precipitou-se um sedimento de
todas as formas de escrita empregadas desde sempre no Ocidente. “Albert no 83” deve
referir-se a um cabeleireiro, e “maillots de théâtre” devem designar roupas de malha de
seda cor-de-rosa ou azul-claro para jovens cantoras e dançarinas, porém estas letras insistentes
pretendem significar ainda mais e algo diferente. Colecionadores de curiosidades histórico-
culturais têm, em suas gavetas secretas, folhetos de uma literatura muitíssimo bem paga,
isto é, prospectos de firmas ou cartazes de teatro que parecem ser isso mesmo apenas à
primeira vista e esbanjam dúzias de diferentes alfabetos na roupagem de um convite sem
Ç)% u Passagens
mistério. Estas placas de esmalte escurecido lembram o vestuário romântico que reveste a
obscenidade de uma diversidade de caracteres. - Remetem à origem do cartaz moderno.
Em 1861, surgiu nos muros londrinos o primeiro cartaz litográfico: viam-se as costas de
uma mulher branca que, envolta em um xale, acabara de alcançar apressadamente os degraus
superiores de uma escada e, com a cabeça semivoltada e os dedos sobre os lábios, entreabre
uma porta pesada através da qual se vislumbra o céu estrelado. Assim anunciava Wilkie
Collins seu novo livro, um dos maiores romances policiais: A Mulher de branco. Pelos
muros escorriam ainda sem cor as primeiras gotas de uma chuva de letras que se abate hoje,
sem cessar, dia e noite, sobre as grandes cidades, e foi aclamada como se representasse as
pragas do Egito. - Por isso ficamos inquietos, quando, pressionados por aqueles que realmente
fazem compras, entre os cabides entulhados de roupas, na curva inferior da escada em
caracol, deparamos com a placa “Instituto de Beleza do Professor Alfred Bitterlin . E na
“Fábrica de Gravatas, no segundo andar” - será que ali realmente encontramos gravatas?
(A “Faixa Pontilhada”, de Sherlock Holmes? 76 ) Ah, provavelmente, ali pratica-se a costura
de modo inocente, e todos os temores imaginados serão computados objetivamente nas
estatísticas da tuberculose. É um consolo perceber que raramente faltam nestes lugares
os institutos de higiene. Ali, gladiadores usam faixas abdominais e bandagens envolvem
alvos abdomens de manequins. Algo impele o proprietário da loja a andar frequentemente
no meio deles. - Muita aristocracia, que ignora o almanaque de Gotha: “Mme de Consolis
— Professora de balé, Lições, Cursos, Números, Mme de Zahna Cartomante.” Se lhes
tivéssemos pedido uma profecia, em meados dos anos noventa, certamente seria a do
declínio de uma cultura.
<b°, 2>
Muitas vezes, estes espaços interiores abrigam ofícios antiquados, mas também os amais
adquirem nesses espaços um ar obsoleto. É o local dos serviços de informações e investigações
que ficam lá na luz mortiça das galerias do entressolho ao encalço do passado. Nas vitrines
dos cabeleireiros vêem-se as últimas mulheres de cabelos compridos. Ostentam cabeleiras
volumosas, ricamente onduladas, que são agora “encaracolados permanentes”, penteados
artísticos petrificados. Devia-se consagrar pequenas placas votivas àqueles que criaram um
mundo próprio a partir destas construções capilares, Baudelaire e Odilon Redon, cujo
nome cai como uma mecha lindamente cacheada. Em vez disso, foram traídas e vendidas,
e a cabeça da própria Salomé foi utilizada, caso aquilo que jaz enlutado no console não seja
o corpo embalsamado de Arma Czillag. E, enquanto essas cabeleiras se petrificam, o
revestimento das paredes tornou-se quebradiço, na parte de cima. Quebradiços, também,
os umbrais revestidos de mosaicos que, ao estilo dos antigos restaurantes do Palais-Royal,
conduzem a um “Díner de Paris” por cinco francos; seus largos degraus levam a uma porta
de vidro, contudo mal se acredita que por detrás dela exista realmente um restaurante. A
porta de vidro seguinte promete um “Pequeno Cassino”, deixando entrever uma bilheteria
e os preços das entradas; caso fosse aberta, porém, seria realmente essa a entrada? Não se
iria dar na ma, do outro lado, em vez de ingressar em uma sala de teatro? Como porta e
paredes são intercaladas por espelhos, não se sabe qual a entrada ou a saída diante de tal
incerta claridade. Paris é uma cidade de espelhos. Asfalto liso e espelhado de suas rodovias,
principalmente bistrôs de paredes envidraçadas. Uma fartura de vidraças e espelhos nos
cafés lá estão a fim de tornar seu interior mais claro e conceder uma amplidão agradável aos
minúsculos recintos e compartimentos em que se subdividem os estabelecimentos
76 "The Speckled Band", de The Adventures of Sherlock Holmes. (w.b.)
Primeiro Esboço Passagens Parisienses <ll> ■
parisienses. As mulheres vêem-se aqui espelhadas, mais do que em qualquer outro lugar, de
onde advém a particular beleza das parisienses. Antes que um homem olhe para elas, já
terão visto, elas mesmas, sua imagem refletida por dez vezes. Mas o homem também
vislumbra sua própria fisionomia, na brevidade de um instante. Mais rapidamente do que
em qualquer outro lugar, ele encontra aqui sua imagem e mais rapidamente sente-se em
conformidade com ela. Até mesmo os olhos dos passantes são espelhos velados. E sobre o
grande leito do Sena, Paris, estende-se o céu como o espelho cristalino sobre os leitos baixos
das casas de prazeres.
<c°, i>
Caso dois espelhos reflitam um ao outro, Satã estará praticando seu truque predileto,
abrindo aqui à sua maneira (tal qual seu parceiro o faz nos olhares dos amantes) a perspectiva
ao infinito. Seja por inspiração divina ou satânica: Paris possui a paixão das perspectivas em
espelho. O Arco do Triunfo, Sacré-Coeur, mesmo o Panthéon aparecem de longe como
imagens que pairam a pequena altura e ampliam arquitetonicamente a miragem. Quando
o Barão de Hausmann redesenhou Paris na época do Segundo Império, inebriou-se com
estas perspectivas e quis multiplicá-las tanto quanto possível. Nas passagens, a perspectiva
está duradouramente conservada como em naves de igrejas. E as janelas no andar superior
sao tribunas onde se aninham anjos, aos quais se dava o nome de “andorinhas”. - “Andorinhas
<mulheres> que, em vez de fazer o trottoir, aqui fazem a janela.”
<c°, 2>
A ambiguidade das passagens como ambigüidade do espaço. A maneira mais rápida de
compreender este fenômeno poderia se dar a partir do emprego múltiplo das figuras em
museus de cera. Por outro lado, o posicionamento intencional para se aceder à ambigüidade
do espaço deve favorecer a teoria das ruas parisienses. A riqueza de espelhos fornece o
aspecto exterior e apenas periférico da ambigüidade das passagens, riqueza esta que amplia
os espaços de maneira fabulosa e dificulta a orientação. Talvez isto não queira dizer grande
coisa. Entretanto, esta orientação pode ter múltiplos significados e até mesmo uma infinidade
deles, porém, sempre permanece ambígua - como no mundo dos espelhos. Ela pisca os
olhos, é sempre algo e também nada, a partir do qual logo surge outra coisa. O espaço que
se transforma o faz no seio do nada. Em seus espelhos sujos e embaçados, as coisas trocam
olhares à maneira de Kaspar Hauser com o nada: é um piscar de olhos de duplo sentido
vindo do nirvana. E novamente sentimos aqui a nos roçar o sopro glacial do nome atrevido
de Odilon Redon, que captou como nenhum outro esse olhar das coisas no espelho do
nada, e como nenhum outro sabia introduzir-se na cumplicidade das coisas com o não-ser.
Um murmúrio de olhares preenche as passagens. Aqui não há coisa alguma que, quando
menos se espera, não lance um pequeno olhar para então fechar os olhos num rápido
piscar, e se alguém quiser olhar mais atentamente, terá desaparecido. O espaço concede seu
eco ao murmúrio desses olhares: “O que, pergunta-se ele, piscando, terá acontecido dentro
de mim?” Ficamos surpresos. “Sim, o que será tudo isso que aconteceu dentro de você?”,
replicamos em voz baixa. Aqui poderia ter acontecido tanto a coroação do imperador Carlos
Magno quanto o assassinato de Henrique IV, a morte dos filhos de Ricardo na Torre de
Londres e... Por isso os museus de cera escolheram aqui seu domicílio. Esta principesca
galeria óptica é seu principal tesouro. Para Luís XI, ela é a sala do trono, para York <?>, é a
Torre de Londres, para Abd el Krim, o deserto, e Roma, para Nero.
<c°, 3>
25# ■ Passagens
As células lu m inosas mais íntimas da “cidade-luz”, os velhos dioramas, aninhavam-se nestas
passagens, advindo daí o nome com o qual uma delas se designa ainda hoje: Passage des
Panoramas. Num primeiro momento, era como se entrássemos em um aquário. Ao longo
da parede da grande sala escura, interrompida por estreitas articulações, estendia-se por
detrás do vidro um país de água iluminada. O jogo cromático da fauna submarina não
poderia ser mais ardente. Entretanto, o que se apresentava aqui eram maravilhas atmosféricas,
do ar livre. Em pequenos lagos enluarados refletem-se serralhos, desfraldam-se noites brancas
em parques abandonados. Reconhece-se sob o luar o castelo de Saint-Leu onde ha cem
anos foi encontrado o último dos Conde, enforcado numa janela. Ainda brilha uma luz
numa das janelas do castelo. Aqui e ali incide um largo raio de sol: à luz transparente de
uma manhã de verão vêem-se as stanze do Vaticano, tal como devem ter aparecido aos
nazarenos; não muito longe, ergue-se toda a Baden-Baden e, não fosse o ano de 1860,
talvez pudéssemos identificar, dentre as personagens, em uma escala de 1:10.000,
Dostoiévski no terraço do cassino. Mas também a luz de velas merece todas as honrarias.
Na catedral envolta em sombras, velas de cera circundam o corpo do Duque de Berry
assassinado, como numa capela ardente; e os lampiões nas abóbadas de seda 77 quase
envergonham a lua redonda. Foi um experimento sem igual com a mágica noite enluarada
do Romantismo, e sua nobre substância emergiu vitoriosa desta prova engenhosa. Quem
permanecesse mais algum tempo diante da imagem transparente da velha estação de águas
de Contrexéville teria a impressão de já ter percorrido em vidas passadas este caminho
ensolarado entre choupos, de ter andado ao longo do muro de pedras - modestos efeitos
mágicos para uso doméstico, como os teríamos experimentado apenas em raras ocasiões,
diante de grupos chineses de pedra-sabão ou pinturas russas de laca.
<c°, 4>
As ruas são a morada do coletivo. O coletivo é um ser eternamente desperto, eternamente
agitado que vivência, experimenta, reconhece e imagina tantas coisas entre as fachadas
quanto os indivíduos no abrigo de suas quatro paredes. Para este coletivo, as brilhantes e
esmalta das tabuletas de firmas comerciais são uma decoração de parede tão boa, senão
melhor, quanto um quadro a óleo o é para o burguês em seu salão; muros com o “Proibido
colar cartazes” são sua escrivaninha; bancas de jornais, suas bibliotecas; caixas de correio,
seus bronzes; bancos são a mobília de seu dormitório e o terraço do café, a sacada de onde
ele observa seu lar. A grade onde os calceteiros penduram o paletó é o vestíbulo, e o caminho
de entrada que conduz a uma série de pátios até o ar livre, o longo corredor que assusta o
burguês, é para ele o acesso às câmaras da cidade. De todas elas, a passagem era o salão.
Mais do que em qualquer outro lugar, a rua apresenta-se na passagem como o interior
mobiliado e desgastado, habitado pelas massas.
<d°, 1>
O burguês que ascendeu com Luís Filipe faz questão de transformar a proximidade e a
distância em intérieur. Ele conhece apenas um único cenário, o salão. No ano de 1839,
realiza-se um baile na embaixada inglesa. Encomendaram-se duzentas roseiras. “O jardim”
- assim relata uma testemunha ocular - “estava coberto por um toldo e parecia um salão.
E que salão! Os canteiros, cheios de flores perfumadas, tinham se transformado em enormes
jardineiras, a areia das alamedas desaparecia sob tapetes deslumbrantes, em lugar de bancos
de ferro fundido foram colocados canapés revestidos de tecido adamascado e seda; uma
77 Assim como o tradutor francês - que compara esta passagem com Q 3, 2 - nós lemos Seidenhimmel
(abóbadas de seda), em vez de Seitenhimmel (abóbadas laterais) como está na edição de R.T. (w.b.)
Primeiro Esboço | Passagens Parisienses <U> ■
mesa redonda expunha livros e álbuns; o som distante da orquestra ecoava dentro deste
imenso aposento, e a alegre juventude divertia-se nesta tresdobrada galeria das flores que
cobriam toda a sua volta. Foi um deleite!” A miragem empoeirada do jardim de inverno, a
obscura perspectiva da estação com o pequeno altar da felicidade na interseção das
plataformas, tudo isso se deteriora sob falsas constmções, sob vidro utilizado precocemente,
sob ferro que é prematuro ainda hoje. Por volta da metade do século XK, ninguém ainda
imaginava como deveria se construir com ferro e vidro. Todavia, há muito o hangar os
resgatou. Agora acontece com o material humano no interior das passagens o mesmo que
com o seu material de construção. Os cafetões são as naturezas de ferro desta rua, e as
prostitutas são sua vítrea fragilidade.
<d°, 2 >
Para o que flana ocorre uma transformação com a rua: ela o conduz através de um tempo
deixado extinto. Ele vagueia ao longo da rua; para ele, qualquer uma delas é íngreme. Ela
converge para baixo, quando não em direção às Mães, ao menos em direção a um passado
que pode ser tanto mais profundo quanto não seja seu próprio passado, seu passado particular.
Entretanto, o passado continua sendo sempre o passado de uma juventude. Mas por que
então o passado da vida que ele viveu? O solo sobre o qual ele caminha, o asfalto, é oco. Seus
passos despertam uma ressonância surpreendente, o gás que incide sobre os ladrilhos lança
uma luz ambígua sobre este solo duplo. A figura do flâneur avança, como que impelida por
um mecanismo de relógio, pela rua de pedra com seu chão duplo. E, no interior, onde se
esconde este mecanismo, ouve-se <?> uma caixa de música tocando como num brinquedo
antigo a canção: Desde minha infância / desde a minha infância uma canção me persegue
sem parar. Nesta melodia, ele reconhece novamente o que o cerca; não o passado de sua
própria infância, da mais recente juventude, mas interpela-o uma infância anteriormente
vivida, e tanto faz que este passado seja o de um ancestral ou seu próprio passado. - Uma
embriaguez apossa-se daquele que por muito tempo vagou sem rumo pelas ruas. A caminhada
adquire uma força crescente a cada passo; cada vez menores tornam-se as tentações dos
bistrôs, das lojas, das mulheres que sorriem, cada vez mais irresistível o magnetismo da
esquina seguinte, de uma praça distante na neblina, das costas de uma mulher que caminha
«fiante dele. Então vem a fome. Ele, porém, nada quer saber das centenas de possibilidades
aie saciá-la; ao contrário, como um animal ele vagueia por bairros desconhecidos à procura
4c alimento, de uma mulher, até que, profundamente exausto, chega prostrado em seu
«puarto que o acolhe frio e hostil. Paris criou este tipo. Estranho é que não tivesse sido
Mama. E a razão? Não é que em Roma até mesmo o devaneio percorre rumos já traçados?
E não é que a cidade já possui templos em demasia, monumentos, praças cercadas, santuários
s para poder adentrar inteira no sonho do passante a cada paralelepípedo, cada
de loja, cada degrau e cada portão? Algo disso também poderia explicar-se pelo
nacional do italiano. Pois não foram os estrangeiros e sim os próprios parisienses que
nam de Paris a cidade prometida do flâneur, a “paisagem construída com a própria
f, como a chamou certa vez Hugo von Hofmannsthal. Paisagem, é isso o que ela de fato
fr M™ para o flâneur. Ou mais precisamente: para ele, a cidade divide-se claramente em
uámiK pólos dialéticos: ora abre-se como paisagem, ora o circunda como uma sala. - E mais:
embriaguez anamnéstica, na qual o flâneur vagueia pela cidade, não apenas se alimenta
que se apresenta sensível aos seus olhos, mas também consegue apoderar-se do
saber e mesmo de dados inertes como de algo experienciado e vivido. Este saber
%0 ■ Passagens
sensível se transmite naturalmente pessoa a pessoa, principalmente como conhecimento
oral. Todavia, no decorrer no século XIX, marcou igualmente uma infinidade de obras de
literatura. Já antes de Lefeuve, que fez desta fórmula de modo muito pertinente o título de
sua obra em cinco volumes, com todo amor pintou-se Paris, rua por rua, casa por casa ,
como o cenário paisagístico de um ocioso sonhador. O estudo destes livros consdtuía para
o parisiense uma segunda existência já inteiramente preparada para o devaneio; o
conhecimento que estes livros lhe ofereciam assumia forma e imagem durante o passeio
vespertino antes do aperitivo. E não deveria ele sentir de fato mais fortemente sob os pes a
leve subida atrás da igreja de Notre Dame de Lorette se soubesse: aqui, quando Paris
recebeu seus primeiros ônibus, era atrelado um terceiro cavalo diante da carruagem, o
“cavalo de reforço”? „
O tédio é um tecido quente e cinzento, forrado de seda com tons vibrantes e coloridos.
Nós nos enrolamos neste tecido quando sonhamos. Sentimo-nos então em casa nos arabescos
de seu forro. Aquele que dorme, porém, parece cinzento e entediado debaixo dele. E
quando então desperta e quer relatar o que sonhou, na maioria das vezes comunica apenas
este tédio. Pois quem saberia puxar para fora com um gesto o forro do tempo? E, no
entanto, relatar os sonhos não significa outra coisa. E não se pode tratar as passagens de
modo diferente, arquiteturas nas quais revivemos oniricamente a vida de nossos pais e avos,
como o embrião revive na mãe a vida dos animais. A existência nestes espaços transcorre,
pois, sem ênfase particular como os episódios nos sonhos. O flanar fornece o ritmo desta
sonolência. Em 1839, a moda das tartarugas invadiu Paris. Não é difícil imaginar como os
elegantes assumiram o ritmo destas criaturas nas passagens mais facilmente ainda que nos
boulevards. O tédio é sempre o lado exterior do acontecimento inconsciente. Por isso, o
tédio pôde parecer elegante para os grandes dândis. ^ ^
Aqui a moda inaugurou o entreposto dialético entre a mulher e a mercadoria. Seu espigado
e atrevido caixeiro, a morte, mede o século em braças e, por economia, ele mesmo faz as
vezes de manequim e toma as rédeas da liquidação que, em francês, se chama “révolution”.
Pois a moda nunca foi senão a paródia do cadáver colorido, a provocação da morte pela
mulher e o diálogo amargo e sussurrado com a putrefação, entre altos e penetrantes gritos
de júbilo. Por isso, a moda muda tão rapidamente: faz cócegas na morte e já se torna outra,
uma moda nova, quando a morte olha ao redor à sua procura para bater nela. A moda não
ficou a dever-lhe nada durante cem anos; agora, finalmente, está a ponto de bater em
retirada. A morte, porém, doa um troféu com a armadura das prostitutas à margem de um
novo Leres, que rola sua corrente de asfalto através das passagens.
* cr°. 1>
Quando, para um de seus contos de fada, Hacklãnder aproveitou esta mais recente
descoberta do luxo industrial”, ele também assentou as maravilhosas bonecas na perigosa
passagem que a irmã Tinchen tem que percorrer por ordem da fada Concordia, a fim de
salvar seus pobres irmãos. “Confiante, Tinchen atravessou a fronteira para o país das
maravilhas, pensando apenas em seus irmãos. A principio, não viu nada de especial, logo,
porém, o caminho a conduziu por uma sala imensa, totaímente cheia de brinquedos.
Aqui, havia pequenas tendas decoradas com as mais variadas coisas, carrosséis com cavalinhos
Primeiro Esboço Passagens Parisienses <11 > ■
puxando carrinhos, gangorras e cavalinhos de balanço e, principalmente, as mais maravilhosas
casinhas de boneca. Junto a uma pequena mesa posta, duas grandes bonecas estavam
sentadas em cadeiras de braços, e a maior e mais bela delas levantou-se quando o olhar de
Tinchen pousou nela, cumprimentou-a com uma graciosa reverência e dirigiu-lhe a palavra
com uma vozinha delicada.” A criança não quer saber nada a respeito de brinquedos
sobrenaturais, no entanto, a magia maléfica deste caminho perigoso gosta de assumir até os
dias de hoje a forma de grandes bonecas móveis. Mas quem ainda hoje se lembra do lugar
onde as mulheres, na última década do século passado, exibiam ao homem sua figura mais
sedutora, a promessa mais íntima de sua silhueta? Nos pavilhões cobertos e asfaltados, nos
quais se aprendia a pedalar. Como ciclista, a mulher disputa o primeiro lugar com a cantora
nos cartazes de Chéret e inspira à moda suas linhas mais ousadas.
<f®, 2 >
Existe pouca coisa na história da humanidade que conheçamos tanto quanto a história da
cidade de Paris. Dezenas de milhares de volumes são dedicados unicamente ao estudo
deste minúsculo pedaço de terra. Em algumas mas, conhece-se o destino de quase cada
uma das casas no decorrer dos séculos. Com uma bela frase, Hofmannsthal denominou
esta cidade “uma paisagem construída a partir da própria vida”. E, na atração que ela exerce
sobre as pessoas, age uma espécie de beleza que é própria da grande paisagem, mais
precisamente: da paisagem vulcânica. Na ordem social, Paris é a contrapartida daquilo que
é o Vesúvio na ordem geográfica. Um maciço ameaçador e perigoso, um junho de 1848
sempre ativo. Como, porém, as encostas do Vesúvio tornaram-se jardins paradisíacos graças
às camadas de lava que a recobrem, assim, da lava da revolução florescem igualmente a arte,
a vida mundana e a moda como em nenhum outro lugar.
<f°, 3>
Devido a suas constantes errâncias, não está ele acostumado a reinterpretar por toda pane
a imagem da cidade? Não transforma ele a passagem em um cassino, num salão de jogos
onde aposta as fichas dos sentimentos, vermelhas, azuis e amarelas, em mulheres, em um
rosto que surge - será que retribuirá o seu olhar? -, em uma boca muda - será que falará?
Aquilo que, dissimulado em cada número do feltro verde da mesa, contempla o jogador -
a felicidade -, lança-lhe uma piscadela vinda dc todos os corpos femininos qual quimera da
sexualidade: seu tipo de mulher. Este nada mais é do que o número, o algarismo, no qual
neste exato momento a felicidade gostaria de ser chamada pelo nome, mudando
imediatamente para outro número. O tipo - este é o compartimento da trigésima sexta
bênção, no qual o olho do libertino recai sem querer, como a bola de marfim cai na caçapa
vermelha ou preta. Ele sai do Palais-Royal de bolsos recheados, acena para uma prostituta
e encontra mais uma vez em seus braços o ato de acasalamento com o número, graças ao
qual o dinheiro e a riqueza, antes o mais incômodo, o mais pesado, chegam até ele pelo
destino como a recompensa de um abraço totalmente feliz. Pois no bordel e no salão de
jogos dá-se o mesmo, a volúpia mais pecaminosa, mais condenável: enfrentar o destino no
prazer. Somente o idealismo inocente pode crer que os prazeres dos sentidos, não importa
de que tipo sejam, poderiam determinar o conceito teológico de pecado. O conceito de
incúria no sentido da teologia é determinado justamente por nada além do que esta abdicação
do prazer no decorrer da vida com Deus, vida na qual a ligação com Deus reside no nome.
O próprio nome é o grito do prazer puro. Este elemento sagrado, sóbrio, em si mesmo
desprovido de destino — o nome — não conhece um adversário maior do que o destino que
coma seu lugar na prostituição e constrói seu arsenal na superstição. Daí a superstição do
jogador e da prostituta, superstição que enfrenta as figuras do destino, que preenche todo
o entretenimento galante com o atrevimento e a lascívia do destino, fazendo até o próprio
prazer curvar-se diante de seu trono.
<g°. i>
O pai do surrealismo foi Dada; sua mãe foi uma passagem. Quando Dada travou
conhecimento com ela, já era velho. Em fins de 1919, Aragon e Breton, por aversão a
Montp amasse e Montmartre, transferiram seus encontros com amigos para um café da
Passage de 1’Opéra. A abertura do Boulevard Haussmann provocou seu fim. Louis Aragon
escreveu 135 páginas a respeito dela, sendo que a soma desses algarismos oculta o número
nove, o número das musas que prestaram serviços de parteiras para o nascimento do pequeno
surrealismo. Estas musas robustas chamam-se: Ballhorn, Lenin, Luna, Freud, Mors, Marlitt
e Citroen. 78 Um leitor cuidadoso se esforçará em desviar-se de todas elas da maneira mais
discreta possível toda vez que as encontrar no decorrer destas linhas. No Paysan de Paris,
Aragon prestou a essa passagem a homenagem póstuma mais tocante jamais prestada por
um homem à mãe de seu filho. Tal homenagem deve ser fida naquele livro. Aqui, porém,
não se deve esperar nada mais que uma fisiologia e, para dizê-lo fiancamente, um resultado
de dissecação dessas partes mais misteriosas e mais amortecidas da capital da Europa.
<h°, 1>
A revolução copernicana na visão histórica é a seguinte: considerava-se o “ocorrido” o ponto
fixo e via-se o presente empenhado em aproximar-se tateando o conhecimento deste elemento
fixo. Agora esta relação deve se inverter e o ocorrido deve adquirir sua fixação dialética da
síntese que o despertar realiza com as imagens oníricas contrárias. A política recebe o
primado sobre a história. E os “fatos” históricos tornam-se algo que acabou de nos acontecer:
constatá-los é tarefa da recordação. E o despertar é o caso exemplar da recordação, no qual
conseguimos nos recordar do mais próximo, mais manifesto (o Eu). O que Proust quer
dizer com a reacomodação experimental dos móveis e o que Bloch reconhece como a
obscuridade do instante vivido, nada mais é do que aquilo que é estabelecido aqui no plano
do histórico e do coletivo. Existe “um saber ainda não consciente” do ocorrido, cujo fomento
possui a estrutura do despertar.
<h°, 2>
Neste processo histórico e coletivo de fixação, a arte de colecionar representa um certo
papel. Colecionar é uma forma da recordação prática e, entre as manifestações profanas de
perscrutação do “ocorrido” (entre as manifestações profanas da “proximidade”), a mais
convincente. E o mais ínfimo ato de reflexão política marca época, por assim dizer, no
comércio de antiguidades. Construímos aqui um despertador que sacode o kitsch do século
passado, convocando-o para o “colecionar”. Este genuíno desprendimento de uma época
possui a estrutura do despertar também pelo fato de ser inteiramente regido pela astúcia.
Pois o despertar opera com a astúcia. Com a astúcia, e não sem ela, libertamo-nos do
78 Esta é, sem dúvida, a primeira versão do catálogo de musas, que reaparece numa variante mais completa
em F°, 4 (e em seguida também em F°, 10 e C 1, 3). Note-se aqui a presença do impressor Johann
Ballhorn (1528-1603), famoso por suas emendas desastrosas (daí o verbo alemão vertallhornen,
"deformar"); do grande revolucionário Lenin, morto em 1924; de Eugénie Marlitt (1825-1887),
autora de romances populares publicados na revista D/e G artenlaube; e de André Citroen (1878-
1935), fabricante francês de automóveis. (J.L.; w.b.)
Primeiro Esboço | Passagens Parisienses <ll> ■ ^63
domínio do sonho. Mas existe também um desprendimento falso, cujo signo é a violência.
Também aqui se aplica a lei do esforço que provoca o contrário. Para a época que aqui está
em questão é o Jugendstil que representa este esforço infrutífero.
<h°, 3>
Estrutura dialética do despertar: recordação e despertar estão estreitamente relacionados.
O despertar é, na verdade, a reviravolta dialética, copernicana, da rememoração. Trata-se de
uma reviravolta eminentemente elaborada do mundo do sonhador para o mundo da vigília.
Para o esquematismo dialético, que está na base dessa ocorrência fisiológica, os chineses
encontraram, em sua literatura de contos maravilhosos e novelas, a expressão mais radical.
O novo método dialético de escrever a história ensina a transformar o ocorrido no espírito,
com a rapidez e a intensidade dos sonhos, para experienciar o presente como o mundo da
vigília ao qual, em última análise, cada sonho se refere.
<h°, 4>
A redação deste texto, que trata das passagens parisienses, foi iniciada ao ar livre, sob um
céu azul sem nuvens que formava uma abóbada sobre folhagens e, no entanto, estava
polvilhado pelos milhões de páginas, diante das quais a brisa amena da dedicação, a respiração
ofegante da pesquisa, o ímpeto do ardor juvenil e o sopro da curiosidade se cobriam com a
poeira de centenas de séculos. Pois o céu de verão pintado nas arcadas da sala de leitura da
Biblioteca Nacional de Paris estendeu seu cobertor cego e sonhador sobre a primogenitura
da idéia deste texto. E quando este céu se abriu diante dos olhos desta recente idéia, não
estavam lá dentro as divindades do Olimpo - Zeus, Hefesto, Hermes ou Hera, Artemis e
Atena — , e sim, em primeiro plano, os Dióscuros . 79
<h°, 5>
79 0 nome grego do par mitológico Castor e Pollux, filhos gêmeos de Leda, que foram transformados por
Zeus na constelação de Gêmeos. Provavelmente uma alusão de Benjamin a seu trabalho conjunto com
Franz Hessel. (J.L.; E/M)
0 ANEL DE SATURNO
OU SOBRE A CONSTRUÇÃO EM FERRO
No início do século XIX, foram realizadas as primeiras tentativas de constmção com ferro,
cujos resultados, associados aos da máquina a vapor, iriam transformar de maneira tão
radical a imagem da Europa no fim do século XIX. Em vez de tentar apresentar uma
evolução histórica desse processo, queremos associar algumas observações dispersas a uma
pequena vinheta de meados do século (tal qual a extraímos do grosso volume do qual ela
consta), e que indica, embora de maneira grotesca, possibilidades ilimitadas que entrevemos
na construção com ferro. A imagem provém de uma obra de 1844 — Um Outro Mundo , de
Grandville que narra as aventuras de um pequeno duende fantástico, o qual procura
orientar-se no universo: “Uma ponte, cujas duas extremidades não conseguimos abarcar de
uma só vez com a vista e cujos pilares apóiam-se em planetas, conduzia de um mundo a
outro por um asfalto maravilhosamente liso. O pilar de número trezentos e trinta e três mil
ficava em Saturno. Então nosso duende viu que o anel desse planeta nada mais era do que
uma sacada circular onde, à noite, os habitantes de Saturno vêm tomar ar fresco.”
Vemos também candelabros a gás em nossa ilustração. Naquela época, não se podia deixar
de notá-los quando se falava dos prodígios da técnica. Se hoje para nós a iluminação a gás
por vezes provoca uma impressão lúgubre e opressiva, naquela época ela representava o
máximo em luxo e pompa. Quando Napoleão foi sepultado no Dôme des Invalides, ao
lado do veludo, da seda, do ouro, da prata e das coroas de flores, não faltou uma lâmpada
a gás perpétua acima do jazigo. As pessoas consideravam uma verdadeira maravilha a invenção
de um engenheiro de Lencastre, que conseguiu desenvolver um mecanismo graças ao qual
a luz de gás iluminava automaticamente os relógios das torres ao anoitecer e também
automaticamente apagava a chama quando amanhecia.
Aliás, as pessoas estavam acostumadas a encontrar gás e ferro fundido juntos naqueles
estabelecimentos elegantes que, na época, acabavam de surgir: as passagens. Para os grandes
estabelecimentos de moda, restaurantes chiques, boas confeitarias etc., era uma questão de
prestígio conseguir lojas com magazines nestas galerias. A partir daí, desenvolveram-se
mais tarde as grandes lojas de departamentos, cuja realização pioneira, o Bon Marche,
também foi idealizada pelo construtor da Torre Eiffel.
Com jardins-de-inverno e passagens, portanto, com estabelecimentos verdadeiramente
luxuosos, é que teve início a construção de ferro. Rapidamente, porém, ela encontrou seus
verdadeiros domínios de utilização técnica e industrial, e surgiram aquelas construções que
não tinham modelo no passado e foram desenvolvidas a partir de necessidades totalmente
novas: mercados cobertos, estações de trem, palácios para exposições. Esse trabalho pioneiro
%(y m Passagens
foi realizado por engenheiros. Mas também certos poetas tiveram uma surpreendente visão
do futuro. Assim se expressa o escritor romântico francês, Gautier: “Criaremos no mesmo
instante uma arquitetura própria ao utilizarmos os novos meios oferecidos pela nova indústria.
O emprego do ferro fundido possibilita e remete a muitas formas novas, como se pode
observar em estações de trem, pontes pênseis e nas abóbadas de jardins-de-inverno.” A
obra de Offenbach, Vida parisiense , foi a primeira peça de teatro cujo cenário era uma
estação de trem. “Estações de trem de ferro”, era o que se costumava dizer então e associavam-
se a elas as mais singulares idéias. Antoine Wiertz, um pintor belga bastante progressista,
candidatou-se em meados do século a pintar afrescos em estações de trem.
Passo a passo, a técnica contornou na época dificuldades e resistências em novos domínios
das quais hoje em dia nem fazemos idéia. Assim, nos anos 1830, travou-se na Inglaterra
uma discussão acirrada em tomo dos trilhos da estrada de ferro. De forma alguma, afirmava-
se então, seria possível encontrar ferro suficiente para a projetada rede ferroviária inglesa (na
época, ainda bem modesta). Seria necessário fazer andar os “carros a vapor” sobre estradas
de granito.
Ao lado das discussões teóricas, ocorriam as discussões práticas sobre os materiais. Para
tanto, a história da construção da ponte sobre o Firth of Tay é um exemplo bastante
expressivo. Os trabalhos duraram seis anos, de 1 872 a 1 878. E pouco antes de sua conclusão,
em 2 de fevereiro de 1877, um furacão (um daqueles de extraordinária violência que
costumam assolar justamente a foz do Tay, provocando também a catástrofe de 1879) 80
arrastou dois de seus pilares. Não foram apenas as constmções de pontes que puseram à
prova a paciência dos construtores; deu-se o mesmo com os túneis. No ano de 1858,
quando foi projetado o longo túnel de doze quilômetros através do Mont Cenis, calculou-
se um prazo de sete anos para concluir os trabalhos.
Enquanto, num âmbito maior, realizava-se um trabalho heróico em construções exemplares
e pioneiras, reina curiosamente, ainda, uma confusão jocosa num âmbito menor. Parece
que as pessoas e, em particular, os “artistas”, não conseguem utilizar abertamente esse novo
material com todas as suas possibilidades. Enquanto deixamos hoje nossos móveis de aço
lisos e lustrosos como são, há cem anos padecíamos com o esforço de im pin gir aos móveis
de ferro, já então produzidos, a aparência das madeiras mais nobres, graças às elaboradas
camadas de tinta. Na época, começou a ser uma questão de honra produzir vidros imitando
porcelana, jóias de ouro imitando correias de couro, mesas de ferro imitando o vime, e
coisas desse gênero.
Todas essas foram vãs tentativas de dissimular o abismo que se originou do desenvolvimento
da técnica, entre o construtor da nova escola e o artista à antiga. Subterraneamente, porém,
acirrava-se a luta entre o arquiteto acadêmico, para quem o importante eram as formas
estilísticas, e o construtor, a quem interessavam as fórmulas. Ainda em 1805, um líder da
velha escola publicou um texto com o título: “Sobre a incapacidade da matemática em
assegurar a estabilidade de construções.” 81 Quando, no fim do século, terminou
definitivamente tal disputa a favor dos engenheiros, deu-se uma virada: a tentativa de
80 Cf. o texto de Benjamin para o rádio, "Die Eisenbahnkatastrophe vom Firth of Tay", de março de
1932; GS VII, 232-237. (E/M; w.b.)
81 Charles-François Viel, De 1'lmpuissance dês Mathématiques pour Assurer la Solidité des Bâtimens
<sio, et Recherches sur la Constructions des Ponts, Paris, 1805. (R.T.)
PnrT>eiro Esboço | O And de Saturno ■ 967
renovar a arte a partir do arsenal de formas da técnica, e isso foi o JugenJstil. Simultaneamente,
porém, essa época heróica da técnica encontrou seu monumento na incomparável Torre
Eiffel, a respeito da qual o primeiro historiador das construções de ferro escreveu: “Aqui a
forma plástica da imagem cede espaço a uma enorme tensão de energia espiritual... Cada
uma das 12.000 peças de metal foi milimetricamente definida, como também cada um
dos dois e meio milhões de parafusos... Neste canteiro de obras não se ouvia nenhum golpe
de formão que retira da pedra a sua forma; mesmo ali o pensamento dominava a força
muscular, transferindo-a para seguros andaimes e gruas.” 82
82
Alfred Gotthold Meyer, Eisenbauten: Ihre Ceschichte und Aesthetik, Esslingen, 1907, p. 93.
Cf. F 4a, 2. (R.T.; J.L.)
PARAUPÔMENOS 83
Imagens enigmáticas da Revolução Francesa ou História Universal Visível (Paris dos Romanos,
Idade Média, Antigo Regime, Revolução etc.). Ruas e Esquinas de Balzac. (Sue, Hugo etc.)
1° de maio na butte rouge. 84
Catacumbas novas e antigas, metrô, tabernas em porões, antigüidades.
Comércio de rua.
Gueto
A rua onde se imprimiam os jornais
Animais perdidos (La Fourrière)
Os matadouros
Fortificações sociais.
{Passeio em tomo das muralhas da cidade, já desaparecidas (Antiguidade)
Filipe Augusto, Luís XII, Fiscais de impostos e a última fortificação prestes a ser demolida.}
Gasolina. (O perfeito chofer em Paris)
Espelhos.
A lareira e a ‘lanterna
Os últimos fiacres
Velhas tabuletas comerciais.
Conveniências e dificuldades (tabaco, caixas de correio, bilhetes, colunas de reclames etc.)
Parisienses sobre Paris.
Mulher fácil, garota, mulher da rua, lorette, artista etc.
(Tiposcrito 2771]
Paris alpina.
Biografia e história artística da Torre Eijfel.
Manhãs em Montmartre.
Manuais de boas maneiras às refeições
Monumentos inócuos
83 Estas notas, escritas por Walter Benjamin e Franz Hessel, em 1927, para um artigo conjunto sobre as
passagens parisienses, foram datilografadas em itálico e são reproduzidas aqui da mesma forma. As
anotações à mão por parte de Benjamin são apresentadas em itálico e sublinhadas : as de Hessel, em
redondo. Entre colchetes, [...], as notas do editor. (R.T.)
84 Colina onde havia as manifestações operárias, (w.b.)
970 ■ Passagens
É preciso divertir as crianças
Biografia de uma rua (Rue Saint-Honoré, respectivamente Rivoli)
Quermesse.
Ateliês de moda
As pontes.
Portas e janelas.
Arquiteturas do acaso. (Cartazes)
Passagens.
Hotel
Bal musette , 85
A menor praça de Paris.
Vitrais de igrejas
Os parques de Monceau até Buttes Chaumont.
Rua dos marchands (1.000 metros de tela pintada)
O domingo da gente humilde
Chá no Bois.
A América e a Ásia em Paris
Conselhos reconfortantes para visitas a museus
Hora de almoço das costureirinhas. (Motivo de contos de fadas.)
(Fisiologia do Cabaré)
História curiosa do desenvolvimento de pequenos restaurantes.
(Com Saint-Simon, Liselotte e outros fantasmas em Versailles.)
Corridas de todo tipo.
[Tiposcrito 2772]
O domingo das pessoas humildes.
Escadarias, janelas, portas e tabuletas de Paris.
Bailes populares ao som da musette em diversos bairros
Paris alpina.
O café da manhã das costureirinhas.
Como nasce um restaurante de primeira classe.
Aperitivo, local, tempo, tipos
Feira.
Como guiar meu carro em Paris
Teatros com menos de 500 lugares.
(Intermediários das diversões)
85 Baile popular junto às portas da cidade de Paris, (w.b.)
Primeiro Esboço Paraiipó menos ■ J
Chás da moda.
Café-concerto.
Mil metros de arte moderna (Rue de la Boétie)
Labirinto de Paris, grande e pequeno. Catacumbas e Paris.
Paris traduzida.
Jornais secretos
Espelhos de Paris do bistrô até Versailles.
Tipos de cocotas, mulheres da rua, garotas, mulheres fáceis (de luxo), relações
mundanas, cortesãs, leoas, amiga, concubinagem, afeição, artista
Artista séria.
Bibelôs, selarias, apetrechos de montaria, quinquilharias
Coisas antigas e coisas do gênero. Sagração. Arrendamento. 1. N.
Passeio com o agente secreto.
ITiposcriro 2773]
Pequeno corredor lateral da Passage des Panoramas: passagem de serviço com escadas de ferro nas
paredes.
Cartões de visita são feitos na hora, botas são engraxadas na hora
Soleiras de mosaico ao estilo dos antigos restaurantes do Palais Royal conduzem a um “Diner
de Parts” por 5 francos, através de degraus largos e vazios, de tal modo que não se consegue
acreditar que depois deles possa realmente haver um restaurante. O mesmo vale para o
corredor do Petit Casino. Vêem-se aí a bilheteria e os preços dos lugares, porém tem-se a
sensação de que, se atravessássemos a porta de vidro, chegaríamos não a uma sala de teatro,
e sim novamente à rua.
Inúmeros institutos de higiene. ‘Ao Bíceps, Redutor de quadris \ gladiadores com faixas abdominais,
Bandagens envolvem alvos ventres de manequins
Em antigos salões de cabeleireiro, as últimas mulheres de cabelos longos, ricamente ondulados,
petrificados volteios capilares.
Se estes se petrificam, as paredes das passagens, ao contrário, parecem muitas vezes feitas de papel
maché quebradiço.
“Suvenires” ridículos e bibelôs horrorosos
Odaliscas repousando ao lado de tinteiros, sacerdotisas que erguem cinzeiros como se fossem
taças sacrificiais.
[Tiposcrico 2766]
Na loja “À la Capricieuse”, lingerie de todo tipo.
Conserto de bonecas.
Fábrica de leques em baixo da cúpula
Livraria prateleira superior: Amplexos secretos, A Arte de amar, Enlouquecedoras ilusões. As
Insaciáveis, Escola do amor, Memórias de uma mulher disposta a qualquer coisa. Abaixo,
5 >72 ■ Passagens
imagens de Épina. Arlequim casa sua filha. Imagens de Napoleão, Artilharia. O Caminho
ao Céu e ao Inferno, com legendas em francês e alemão. (Em uma loja de artigos religiosos
da Rue du Vai de Grâce, O Caminho estreito e o largo, em inglês.)
Tipografias.
Cartões de visita feitos na hora
[Tiposcrito 2768]
Ror todos os lados, como acessório, meias como atrizes convidadas. Ora junto a fotos, ora
junto a um balcão, vigiadas por uma moça (temos em mente o teatro em Montrouge, onde
durante o dia elas ficam em cima da bilheteria da noite)
Subida ao restaurante árabe Kebab
Freqüentemente, bolsinhas em caixas de papelão sem tampa, envoltas em papel de seda..
Na casa seguinte, onde se encontra uma entrada com um portão, uma quase-passagem:
Mme de Consolis - Professora de Balé, Aulas, Cursos, Números, Mme Zahna - Cartomante.
{Corredor estreito} atrás, o Hôtel de Boulogne com uma janela acima do cabeleireiro. A moça que
espera embaixo e aquela que olha pela janela. Tudo isso emoldurado pela entrada.
[Desenho de Hessel representando o referido portão]
Isso diante de mim (visto a partir do Café) e, à direita, a porta Lodovico Magno com leões
deitados, couraças e vagos troféus junto a pirâmides.
[Tiposcrito 2769]
Nas passagens, são possíveis cores mais ousadas. Há pentes vermelhos e verdes.
Nas passagens, conservam-se formas de botões de colarinho, cujos colarinhos ou camisas não mais
conhecemos.
Se um sapateiro é vizinho de uma confeitaria, seus cordões de sapato parecem balas de alcaçuz
penduradas em fios.
{Existem muitas lojas de selos (que, com suas estampilhas representando beija-flores sul-americanos
empapei com manchas de mofo, fazem o visitante berlinense lembrar-se de sua infância e de um
relógio cuco).}
Seria possível imaginar uma loja ideal em uma passagem ideal que reúna todos os tipos de ofícios:
que seja uma clínica de bonecas e uma loja ortopédica para pessoas, com trombetas e conchas à
venda. Alpiste para aves em bacias de uma câmara escura fotográfica, ocarinas como cabos de
guarda-chuvas.
Uma fabrica de enfeites para casamentos e banquetes, paramentos de noivas.
[Tiposcrito 2770]
1. (Há pouco desapareceu um pedaço da antiga Paris, a Passage de 1'Opéra que ligava outrora os
boulevards e a antiga Ópera. A construção do Boulevard Haussmann a engoliu. Isto desperta
nosso interesse pelas passagens que ainda existem: as mais claras, movimentadas, renovadas, da
região próxima à Ópera, e as estreitas, muitas vezes vazias e empoeiradas, de regiões mais sombrias.
Primeiro Esboço | Paratipómenos ■ $ 73
As passagem dão, por vezes, em seu todo, outras vezes, em parte, a impressão de um passado que
se fez espaço, abrigando oficios que se tomam antiquados e, mesmo os que são bastante atuais,
adquirem nestes espaços interiores algo de vetusto.) Como a luz só vem de cima, através de tetos de
vidro, e como todas as escadarias de acesso para as moradias, entre as lojas, conduzem para a
penumbra, é pouco clara a idéia da vida nesses espaços aos quais conduzem essas escadarias.
la . O Guia Ilustrado de Paris, um retrato completo da cidade junto à margem do Sena e seus
erredores, do ano de 1852, escreve a respeito das passagens o seguinte. “Chamamos repetidamente
a atenção às passagens”... [Segue-se a citação como em “<Passagens Parisienses II>, no
início do fragmento <a°, 1>, até também os comerciantes tiram suas vantagens”.]
2. Nas portas de entrada das passagens (pode-se dizer
igualmente portas de saída, pois nestas curiosas construções,
uma mistura de casa e rua, cada porta é ao mesmo tempo
entrada e saída), portanto, nas laterais das entradas
encontram-se inscrições e tabuletas curiosas, por vezes
enigmáticas, que se repetem pelas paredes entre as lojas
onde aqui e ali uma escada em caracol conduz para cima,
para a escuridão. Distingue-se bem:ALBERT no número
83 deve ser um cabeleireiro e “maillots de théâtre” devem
nenhuma responsabilidade ser malhas de seda cor-de-rosa ou azul-claro para jovens
em relação à nova época: no cantoras e dançarinas, porém estas letras imistentes querem
futuro nada mais pode acontecer nos dizer ainda mais e outras coisas. E, impelidos por
aqueles que realmente compram e vendem, de pé entre
cabides cheios de roupas, junto à curva inferior da escada
em caracol, lemos Instituto de Beleza do Professor Alfred
Bitterlin e sentimos medo. E a Fábrica de Gravatas no
2 o : será que lá vendem-se gravatas que servem para
estrangular ? Ah, provavelmente ali pratica-se a costura
de modo inocente, mas estes degraus escuros e gastos
obrigam-nos a sentir medo. O que pode significar: Union
artistique de France no 3 o ? (Em todas as passagens,
tanto nas mais largas e movimentadas dos boulevards,
como naquelas estreitas junto à Rue Saint-Denis, existem
vitrines de bengalas e gua rda-chu vas: fileiras compactas
de muletas coloridas.)
3. {Muitas vezes, estes espaços interiores abrigam oficios
que se tomam antiquados e também os bastante atuais
adquirem neles algo {de antiquado} de extinto }
Nas passagens largas e movimentadas dos boulevards,
assim como nas passagens estreitas e vazias junto à Rue
Saint-Denis existem ?iumerosas vitrines de guarda-chuvas
e bengalas: fileiras compactas de muletas coloridas
{Há freqüentemente institutos de higiene, onde gladiadores
usam faixas abdominais e bandagens envolvem alvos
ventres de manequins.)
(Nas vitrines dos cabeleireiros vêem-se as últimas mulheres
de cabelos longos; elas ostentam volumes ricamente
9J4 ■ Passagens
* ÍBaudelaire: A Cabeleira
(La Chevelure). Redon e Baudelaire.
que criaram um mundo próprio a
partir da cabeleira. “Vendido e
traído" — é um destino que só
compreende nestes espaços. Aqui até
mesmo a cdbeca de Salomé tomou-
se um acessório ; ou melhor, uma
cabeça que vagueia indecisa entre a
de Anna Cyllacs e a de Salomé. I
ondulados que são permanentes, petrificados volteios
capilares. *E enquanto estes se petrificam, o muro da parede
acima é quebradiço como papel maché.
Quebradiças são também as soleiras de mosaicos que, ao
estilo dos antigos restaurantes do Palais-Royal, conduzem
a um “Diner de Paris” por cinco francos; são largos,
elevando-se até uma porta de vidro, mas não se consegue
acreditar que logo atrás haverá realmente um restaurante.
A porta de vidro seguinte promete um Petit Casino,
deixando entrever uma bilheteria e os preços dos lugares,
mas se fosse aberta e se entrássemos, será que no lugar da
sala de teatro não chegaríamos do outro lado à rua?**
Ou a uma penumbra como aquela à qual conduzem
todas as escadarias ao lado do acesso às moradias?)
** (No centro da porta há um espelho e. como todas as paredes
são entrecortadas por espelhos, estamos perdidos em meio de tanta
ambígua claridade. Paris é a cidade dos espelhos ...)
4. {Nas passagens, são possíveis cores { mais ousadas} mais falsas, não causa estranheza que haja
pentes vermelhos e verdes, não é de se admirar. A madrasta de Branca de Neve tinha pentes
assim. E quando o pente não conseguiu cumprir sua tarefa , ele teve que ser substituído por uma
maçã vermelha-e-verde.
Lojas de venda de ingressos para os teatros dispõem de lugares à vontade para teatros vazios de
tanto fazer bocejar. E então não seremos enganados caso tenhamos a nosso lado uma aiatura
amassada Í?J que rinterrompido l
Em uma tal loja foi inventado o bilhete de entrada
“Suvenires” e bibelôs podem tomar-se especialmente terríficos, a odalisca repousa à espreita ao
lado do tinteiro, sacerdotisas erguem cinzeiros como se fossem taças sacrificiais. Por toda parte,
meias atuam como atrizes convidadas, ora ficam depositadas ao lado de fotografias ou em uma
clínica de bonecas, ora sobre a mesa vizinha de um balcão, vigiadas por wna moça.
Uma livraria reúne em fileiras contíguas {os manuais sedutores sobre a arte de a?nar,} introduções
a vícios ultrapassados, relatos sobre paixões e vícios raros, lembranças de uma criada disposta a
tudo, com imagens coloridas de Épinal, nas quais Arlequim casa sua filha, Napoleão cavalga por
Marengo e, ao lado de todo tipo de peças de artilharia, antigos cidadãos anglo-saxões percorrem
o largo caminho em direção ao inferno e o caminho estreito do Evangelho.}
Conservam-se nas passagens formas de botões de colarinho, cujos colarinhos e camisas não mais
conhecemos.
Caso haja um sapateiro cabos de guarda-chuva [interrompido]
5. Lemos na entrada de uma das passagens mais miseráveis: Agência de emprego para pessoas de
ambos os sexos,* fundada em 1859.
* tais pessoas devem viver aqui . é o que se conclui da fato de que existe uma Agência
de emprego para eles
Isto figurava na tabuleta “Artigos de Paris, Especialidades para feiras”. Percorremos o corredor
estreito e escuro até descobrirmos, entre uma Livraria em liquidação, onde montes de livros estavam
amarrados em pilhas empoeiradas, e uma loja cheia de botões (de madrepérola e outros que são
Primeiro Esboço | Paralipômenos ■ ^75
chamados em Paris de botões-fantasia) uma espécie de sala de visitas. O papel de parede cheio de
retratos e bustos era iluminado por uma lâmpada a gás. Junto a ela, uma senhora idosa lia. Está
sozinha, como se há muitos anos.
I Passando por uma venda de selos com estampilhas sul-americanas representando beija-jlores
sobre papel manchado de mofo, chegamos a um estabelecimento de cortinas negras: lá compram-
se ouro e prata.} La encontram-se dentaduras em ouro, de cera ou mesmo quebradas. *
E não muito lonpe dali deve t e r ficado a oficina, onde, no fim da época do Biedermeier.
o _E)outor Mil açr e criou sua Olímpia. Pois são as verdadeiras fadas destas passagem.
mais vendáveis e u tilizad as do que as bonecas em tamanho natural as bonecas parisienses
de fama internacional, que gira vam sobre um pedestal sonoro, segurando nas mãos
uma ces tinha de onde , ao som de um acorde em tom menor, uma ovelhinha esticava
seu focinho a farejar .
Mas um pequeno guarda-chuva vermelho de lata acena, convidando a subir a escada ao
lado, até uma Fábrica de armações de guarda-chuva.
[Tiposcdcos 2761-2767]
ANEXOS
PRIMEIRA VERSÃO E MATERIAIS DO EXPOSÉ DE 1935
Nota introdutória
Willi Bolle
A edição alemã do Passagen-Werk apresenta dois tipos de materiais
complementares aos exposés-. por um lado, variantes daqueles textos, por outro, notas
avulsas, como listas temáticas, esquemas de composição, reflexões metodológicas. São
materiais que permitem ao leitor um insight da gênese da obra. - Quanto às variantes
do exposé de 1935, a situação é a seguinte. Existe uma primeira versão, sem título, da
qual faltam algumas páginas, enquanto alguns parágrafos são apresentados em duas
ou, no caso da seção sobre Baudelaire, em três versões diferentes (GS V, 1223-1237).
Assim como ocorre nas edições italiana e norte-americana, optamos por traduzir apenas
as passagens que apresentam diferenças substanciais em relação ao texto definitivo do
exposé. Além disso, o editor alemão publicou também uma versão do exposé de 1935
que Benjamin enviou a Adorno (GS V, 1237-1249). Tiedemann justifica a publicação
pelo fato de Adorno, em sua importante carta escrita a Benjamin a partir de Hornberg,
em 02/08/1935 (GS V, 1127-1136), comentar detalhadamente essa versão, fazendo
referências à sua paginação específica. Não sendo possível publicar aqui a referida
carta de Adorno e considerando, por outro lado, a observação do próprio Tiedemann
de serem “mínimas” as diferenças dessa variante em comparação com o texto principal
(GS V, 1237), decidiu-se não traduzi-la. Esse foi, aliás, também o procedimento
adotado nas edições italiana, francesa e norte-americana. - A edição alemã reproduz
ainda uma versão alemã da Introdução e Conclusão do exposé francês de 1939 (GS
V, 1255-1258); ela foi consultada para fins de nossa tradução do exposé francês. —
No que concerne às notas avulsas (GS V, 1206-1223; 1250-1251), numeradas de
1 a 25 — iniciadas em 1934 e terminadas em 1935 (exceto a de n° 25, que é de data
posterior) — , encontram-se traduzidas aqui na íntegra.
PRIMEIRA VERSÃO DO EXPOSÉ DE 1935
<Paris, a capital do século XIX>
I. Fourier ou as passagens
"Cada época sonha a seguinte."
Míchelet, Avenir! Avenir!
à forma do novo meio de produção, que no início ainda é dominada por aquela do andgo
(Marx), correspondem na superestrutura social imagens de desejo nas quais o novo e o
antigo se interpenetram de maneira fantástica. Esta inter-relação adquire seu caráter fantástico
principalmente pelo fato de o antigo nunca se destacar de maneira nítida em relação ao
novo no decorrer do desenvolvimento social, mas o novo, em seu empenho de distinguir-
se do antigo, renova elementos arcaicos, primevos. As imagens utópicas que acompanham
a eclosão do novo recorrem sempre, de maneira concomitante, a um passado primevo. No
sonho, onde diante dos olhos de cada época surge em imagens a época seguinte, esta
aparece associada a elementos da história primeva. Os reflexos da infra-estrutura pela
superestrutura são, portanto, inadequados, não porque teriam sido conscientemente
falsificados pelas ideologias da classe dominante, mas porque o novo, para tomar a forma
de uma imagem, sempre associa seus elementos àqueles da sociedade sem classes. O
inconsciente coletivo tem neles uma participação maior do que a consciência do coletivo. É
dele que se originam as imagens da utopia que deixaram seu rastro em mil configurações da
vida, desde as construções até as modas.
Estas relações podem ser identificadas na utopia de Fourier...
[GS V, 1224-1225]
... No sonho, em que diante dos olhos de cada época surge em imagens a época seguinte,
esta aparece associada a elementos da história primeva, ou seja, de uma sociedade sem
dasses. As experiências desta sociedade, que têm seu depósito no inconsciente do coledvo
982 ■ Passagens
{não se detêm no limiar das culturas mais antigas e acolhem em sua evolução elementos da
história natural. Este movimento gera}, geram, em interação com o novo, a utopia, que
deixou seu rastro em mil configurações da vida, das construções duradouras até as modas
fugazes.
° [GS V, 1226)
III. Grandville ou a Exposição Universal
"Moda: Senhora Morte! Senhora Morte!"
Leopardi, Diálogo Entre a Moda e a Morte.
As exposições universais constroem o universo das mercadorias. As fantasias tardias de
Grandville transferem para o universo o caráter de mercadoria. Elas o modernizam. O anel
de Saturno torna-se assim uma sacada de ferro fundido na qual à noite os habitantes de
Saturno tomam ar fresco. O contraponto literário desta utopia gráfica é representado pelos
livros de Toussenel, seguidor de Fourier. — A moda prescreve o rimai segundo o qual o
fetiche mercadoria deseja ser adorado. Grandville estende a ação da moda aos objetos de
uso diário, tanto quanto ao cosmos. Ao persegui-los até os extremos, ele desvenda sua
natureza. Ela se encontra sempre em conflito com o orgânico. O objeto mais perfeito para
sua arte não é o corpo e sim o cadáver. Ela fàz valer os direitos do cadáver no ser vivo,
unindo-o ao mundo inorgânico. O fetichismo subjacente ao sex appeal do inorgânico é seu
nervo vital. Por ourro lado, é precisamente a moda que supera a morte. Ela introduz o que
está morto no presente. A moda é contemporânea de toda época passada.
Por ocasião da exposição universal de 1867, em Paris, Victor Hugo lança um manifesto...
[1228-1129]
V. Baudelaire ou as ruas de Paris
[1] O engenho de Baudelaire, em sua afinidade com o spleen e a melancolia, é um engenho
alegórico. “Tudo para mim torna-se alegoria.” Paris como objeto da visão alegórica. O olhar
alegórico como olhar daquele que se sente um estranho. Indiferença do flâneur.
O flâneur como contraponto da “multidão”. A multidão londrina em Engels. O homem
da multidão em Poe. O flâneur completo é um bohémien, um desenraizado. Ele não se
sente em casa em sua classe e sim apenas na multidão, isto é, na cidade. Excurso sobre o
Anexos ■ 983
bohémien. Seu papel nas sociedades secretas. Característica do conspirateur profissional. O
fim da antiga bohbne. Sua cisão em oposição legal e oposição revolucionária.
A posição híbrida de Baudelaire. Seu refugio junto aos elementos associais. Ele vive com
uma prostituta. {A teoria estética da arte pela arte. Ela se origina da intuição do artista de
que doravante ele será obrigado a produzir para o mercado.}
O motivo da morte na poesia de Baudelaire. Ele se confunde com sua imagem de Paris.
Excurso sobre o lado ctônico da cidade de Paris. Rastros topográficos da pré-história: o
antigo leito do Sena. Os rios subterrâneos. As catacumbas. Lendas da Paris subterrânea.
Conspiradores e communards nas catacumbas. O mundo subaquático das passagens. Seu
significado para a prostituição. Ênfase no caráter de mercadoria da mulher no mercado do
amor. A boneca como símbolo de desejo.
A fantasmagoria do flâneur. O ritmo do trânsito em Paris. A cidade como paisagem e como
aposento. A loja de departamentos como a última passarela do flâneur. Lá materializaram-
se suas fantasias. O flanar, que teve início como arte do homem privado, termina hoje
como necessidade para as massas.
A arte em sua luta contra seu caráter de mercadoria. Sua capitulação diante da mercadoria
como arte pela arte. A gênese da obra de arte total a partir do espírito da arte pela arte. A
sedução exercida por Wagner sobre Baudelaire.
[2] O engenho de Baudelaire, que se alimenta da melancolia, é um engenho alegórico.
“Tudo para mim torna-se alegoria.” Com Baudelaire, pela primeira vez, Paris torna-se
objeto da poesia lírica. Não como a cidade natal, ao contrário, o olhar que o alegórico lança
sobre ela é o olhar do homem que ali se sente um estranho.
O flâneur é um desenraizado. Ele não se sente em casa nem em sua classe, nem na sua
cidade natal e sim apenas na multidão. A multidão é o seu elemento. A multidão londrina
em Engels. O homem da multidão em Poe. A fantasmagoria do flâneur. A multidão como
véu através do qual a cidade familiar transparece metamorfoseada. A cidade como paisagem
e aposento. A loja de departamentos é a última passarela do flâneur. Lá materializaram-se
suas fantasmagorias.
O flâneur como bohémien. Excurso sobre o bohémien. Ele nasce simultaneamente ao mercado
da arte. Ele trabalha para o grande público anônimo da burguesia, não mais para o mecenas
feudal. Ele constitui o exército de reserva da intelectualidade burguesa. Suas primeiras
participações nas conspirações do exército dão lugar mais tarde às participações nas
insurreições do operariado. Ele se torna um conspirador profissional. Falta-lhe a formação
política. Incerteza quanto à consciência de classe. Revolução “política’ e social . O Manifesto
Comunista como seu atestado de óbito. A bohbne divide-se em uma oposição legal e uma
oposição anarquista. Seu refúgio junto aos elementos associais.
O motivo da morte interpenetra-se na poesia de Baudelaire com a imagem de Paris. Os
“Tableaux parisiens”, o Spleen de Paris. Excurso sobre o lado ctônico da cidade de Paris. O
984 ■ Passagens
antigo leito do Sena. Os rios subterrâneos. Lendas da Paris subterrânea. Conspiradores e
communards nas catacumbas. Nelas, o lusco-fusco. Sua ambigüidade. Elas se encontram
entre raca e rua, entre o largo e o pavilhão. O mundo subaquático das passagens. Seu
significado para a prostituição. Ênfase no caráter de mercadoria da mulher no mercado do
amor. A boneca como símbolo de desejo.
"Tudo para mim torna-se alegoria."
Baudelaire, Le Cygne.
O engenho de Baudelaire, que se alimenta da melancolia, é um engenho alegórico. Com
Baudelaire, pela primeira vez, Paris torna-se objeto da poesia lírica.
[GS V, 1231-1232]
“É fácil descer o Averno."
Virgílio, Eneida.
O que é único na poesia de Baudelaire é o fato de que as imagens da mulher e da morte se
interpenetram com uma terceira imagem, a de Paris. A Paris de seus poemas é uma cidade
submersa, mais subaquática que subterrânea. É a Paris de um idílio mortal. Seu substrato,
porém, não é natural e não se constitui nem dos rios subterrâneos de Paris, nem de suas
catacumbas e lendas que se formaram em torno deles. Trata-se sobretudo de um substrato
social, quer dizer, de um substrato moderno. Mas a modernidade, justamente, cita sempre
a história primeva. Aqui, isto ocorre devido à ambigüidade própria das relações sociais e
dos produtos desta época. O lusco-fusco das passagens, que os contemporâneos comparavam
a uma paisagem subaquática, projeta-se sobre a sociedade que as construiu. Sua própria
construção é ambígua. Elas situam-se, por um lado, entre casa e rua, por outro, entre o
largo e o pavilhão. Ao mesmo tempo, no mercado do trabalho esta ambigüidade dava o
tom. A prostituição, na qual a mulher representa em uma só pessoa a vendedora e a
mercadoria, adquire um significado especial.
[GS V, 1233]
"Viajo para conhecer minha geografia."
O último poema das Flores do Mal : “A viagem”. A última viagem do flâneur: a morte. Seu
destino: o novo. O novo é uma qualidade independente do valor de uso da mercadoria. É
a última palavra da moda. Trata-se da aparência que é a essência das imagens que o sujeito
sonhador da história produz. A arte, que duvida de sua missão, precisa fazer do novo seu
valor supremo...
A imprensa organiza o mercado de valores espirituais provocando a princípio uma alta dos
preços. Eugène Sue torna-se a primeira celebridade do folhetim. Os inconformados rebelam-
Anexos ■ 985
se contra o caráter de mercadoria da arte. Agrupam-se sob a bandeira da arte pela arte.
Deste lema origina-se a concepção da obra de arte total que tenta proteger a arte, rornando-
a impermeável ao desenvolvimento da técnica. A obra de arte total é uma síntese prematura
que carrega em si o germe da morte. A solenidade com a qual este culto é celebrado é o
contraponto dos divertimentos que cercam a apoteose da mercadoria. Ambas fazem abstração
em suas sínteses da existência social do homem. Baudelaire sucumbe à sedução de Wagner.
[GS V, 1233-1234]
VI. Haussmann ou o embelezamento estratégico de Paris
... aumentou o risco financeiro da haussmannização.
A exposição universal de 1867 foi o apogeu do regime e do poder de Haussmann. Paris
afirma-se como a capital do luxo e das modas. Excurso sobre o significado político da
moda. As mudanças da moda deixam intacta a substância da dominação. A moda faz
passar o tempo para os que são dominados, um tempo que é fruído pelos dominadores. As
concepções de E Th. Vischer.
Haussmann tenta reforçar sua ditadura...
[GS V, 1234]
"Mostra, desvendando teu ardil,
Ó república, a esses perversos.
Tua grande face de Medusa
Por entre rubros clarões."
Canção de operários, por voita de 1850.
A barricada ressurge na Comuna. Ela está mais forte e mais protegida do que nunca.
Estende-se pelos grandes boulevards e esconde trincheiras situadas atrás dela. Assim como
o Manifesto Comunista encerra a época dos conspiradores profissionais, também a Comuna
põe fim à fantasmagoria de que o proletariado e sua república estariam encarregados de
completar a obra de 1789. Esta fantasmagoria domina os quarenta anos desde a insurreição
de Lyon até a Comuna parisiense. A bourgeoisie não compartilhou desse erro.
[GS V, 1235-1236]
986 ■ Passagens
[1] {Balzac foi o primeiro a falar das ruínas da burguesia. Porém, ainda nada sabia a respeito
delas. Quem lançou o primeiro olhar sobre o campo de ruínas que o desenvolvimento
capitalista das forças produtivas deixou atrás de si foi o Surrealismo.}
Porém, apenas o Surrealismo permitiu o olhar livre sobre esse campo de ruínas. Elas se
tornaram para ele objeto de uma pesquisa não menos apaixonada do que os vestígios da
Antigüidade clássica para os humanistas do Renascimento. Pintores como Picasso ou Chirico
fazem alusão a essa analogia. Este confronto impiedoso entre o passado mais recente e o
presente é algo historicamente novo. Outros membros vizinhos na cadeia de gerações
encontravam-se na consciência coletiva, mal se distinguindo uns dos outros no coletivo. O
presente, porém, já se encontra em relação ao passado mais rcccntc assim como o despertar
em relação ao sonho. O desenvolvimento das forças produtivas no decorrer do século anterior
fez cair em ruínas os seus símbolos de desejo, antes mesmo que desmoronassem seus
monumentos representativos e antes que amarelasse o papel sobre o qual foram registrados.
Este desenvolvimento das forças produtivas no século XX emancipou as formas plásticas
da arte, assim como no século XVI as ciências tinham se libertado da filosofia. O início é
dado pela arquitetura enquanto obra de engenharia. Segue-se a fotografia enquanto
reprodução da natureza. A criação imaginária prepara-se para tornar-se prática ao colocar-
se como arte gráfica a serviço da publicidade. A poesia submete-se à montagem dos folhetins.
Todos esses produtos estão prestes a oferecer-se ao mercado como mercadorias. Contudo
hesitam ainda no limiar. Permanecem parados no meio do caminho. Valor e mercadoria
celebram um breve casamento antes que o preço de mercado legitime esta união. Desta
época originam-se as passagens e os intérieurs , os pavilhões de exposição e os panoramas.
São resquícios de um mundo onírico. Mas como a utilização dos elementos oníricos no
momento do despertar é o caso exemplar do pensamento dialético, o pensamento dialético
é o órgão do despertar histórico. Apenas o pensamento dialético está à altura do passado
mais recente, porque ele sempre é seu resultado. Cada época sonha não apenas a próxima,
mas ao sonhar, esforça-se em despertar. Traz em si mesma seu próprio fim e o desenvolve -
como Hegel já o reconheceu - com astúcia. Há muito tempo que os primeiros monumentos
da burguesia começaram a desmoronar, mas nós reconhecemos pela primeira vez como
estavam destinados a isso desde o início.
[GS V, 1236-1237]
Anexos ■ 987
Materiais para o Exposé de 1935 1
N° 1
1 848 10 de dezembro: eleição de Luís Bonaparte
Bloco dos católicos, legitimistas, orleanistas. Napoleão concede a liberdade de ensino
Ledru-Rollin: 400.000 votos; Lamartine: 8.000; Cavaignac: 1.500.000; Napoleão:
5.500.000
1850 Lei Falloux
Caução dos jornais aumentada para 50.000 francos
Lei eleitoral que prevê a residência por três anos no município, conforme as listas
tributárias
1851 Rejeição das emendas napoleônicas à lei eleitoral
Victor Hugo tenta em vão mobilizar os trabalhadores contra o golpe de Estado
20 de dezembro: plebiscito 7.500.000 sim, 650.000 não
1852 20 de novembro: plebiscito sobre a restauração do Império: 7-839-000 sim, 53-000 não,
20% de abstenções
1863 Thiers e Berryer eleitos para a Câmara
1866 Criação do “ Terceiro partido” (tiers parti) sob Ollivier
1868 Restabelecimento da liberdade de imprensa e de reunião
1869 Republicanos: 40 cadeiras (Gambetta, Rochefort); União liberal: 50; Terceiro
116. Bonapartistas: minoria
1870 Plebiscito: a favor da monarquia constitucional: 7.350.000 contra 1.538.000
(bonapartistas e republicanos)
1864 Concessão do direito de greve
1848 Isenção do uso de uniforme para a Guarda Nacional
Aumento do número de eleitores de 200. 000 para mais de 9. 000. 000 devido ao
1 As passagens riscadas por Benjamin no manuscrito foram colocadas entre { ... }. (R.T.)
988 ■ Passagens
sufrágio
universal
Indenização parlamentar de 25 francos diários
17 de março e 16 de abril: manifestações para reivindicar o adiamento das eleições
para a Constituinte
Dissolução [?] da Guarda Móvel
1831ss. Partido do Movimento: Laffitte, La Fayette, Barot
Partido da resistência: Perier, Mole, Guizot , Thiers
[Manuscriio 11071
N° 2 Moda
1866 A cabeça como uma nuvem bem acima do vale formado pelas batas
Lâmpadas em forma de vaso: a flor rara Luz é colocada em oleo
1868 O peito coberto com um tapete de franjas
Formas arquitetônicas em roupas
A Visitação da Virgem Maria como tema das imagens da moda
Roupas da moda como tema para os confeiteiros
Entre os anos de 1850 e 1860, aparecem nas roupas motivos sob a forma de cercas [?],
de bordados em forma de franjas [?]
A mulher como triângulo eqüilátero (crinolina)
A mulher como “X” - fim do Império
Jaqueta como porta de duas folhas
A bata como leque
Infinitas possibilidades de permutação dos elementos da moda
[Manuscrito 1142]
N° 3 O melhor livro sobre Paris
A cidade de espelhos (O armário de espelhos)
Forças da cidade grande: tanques de gasolina
Luminosos: novo tipo de escrita (nenhum luminoso nas passagens)
Anexos ■ 989
Tabuletas: velho tipo de escrita
Luz a gás em Baudelaire
Passage de TOpéra
Técnica de Aragon comparada à técnica fotográfica
Foire no subsolo (“ Quermesse de Paris’’)
Teleologia de Paris: Torre Eiffel e auto-estradas
Ruas parisienses na literatura francesa (estatisticamente)
O sistema das ruas parisienses: uma rede vascular da imaginação
{. Bemouard ': dialetos parisienses na guerra}
Sacré-Caeur: ictiossauro — Torre Eiffel: girafa
Baby Cadum [N] M me Zahna [N]
Muros corta-fogo
{Paris e os autores viajantes [?]
Aragon Vague de rêves ( Onda de sonhos)
Século XIX: kitsch, novas coleções
Espelhos nos cafés: devido à luz, mas também porque as salas são muito pequenas}
[Manuscrito 1109]
N° 4 Temas para o Trabalho das Passagens
A entrada da ferrovia no mundo onírico e simbólico
{Apresentação do conhecimento histórico segando a imagem do despertar}
O estilo da “fuga industrial” de Fourier como assinatura de uma época cuja coroa é
representada pelas exposições universais
A Guarda Nacional ordem militar da indústria e do comércio
{O intérieur (mobiliário) em Poe e Baudelaire}
Três reinos são os padrinhos para as passagens: o reino mineral com vidro e ferro; o reino
vegetal com a palmeira ; o reino animal com a fauna aquática
A crise da pintura de paisagens provocada pelo diorama estende-se ao retrato devido à
fotografia
{Wiertz enobrece o diorama}
Da loja de departamentos à Exposição universal
{O “embelezamento estratégico” de Paris por Haussmann}
990 ■ Passagens
/ O idílio arcaico de Fourier: a criança selvagem como consumidor; a utopia moderna de
Pestalozzi: o cidadão como produtor}
{Napoleão I como último representante do terrorismo revolucionário diante da burguesia }
O saber ainda não consciente do ocorrido origina-se do instante
{História da Bolsa de Valores parisiense e dos Salões dos estrangeiros}
0 passado aparece no museu de cera como a distância no intérieur.
[Manuscrito 1138 r J
N° 5 [Temas para o Trabalho das Passagens II]
A camuflagem dos elementos burgueses na bohème.
A bohbne como forma de existência da intelectualidade proletária.
Os ideólogos da burguesia: Victor Hugo, Lamartine. Ao contrário: Rimbaud
Os mestres de prazer da burguesia: Scribe , Sue.
Industrialização da literatura, o “negro". 2 Industrialização da literatura através da imprensa
Poesia industrial dos saint-simonianos
Primórdios do comércio como imagens modernas
{Literatura panoramática}
{Primórdios da obra de arte total nos panoramas}
Literatura e comércio ( nome das lojas de departamentos tomado de empréstimo aos
vaudevilles)
Especialidade e originalidade
Inspirações dos primeiros tempos da fotografia; em Wiertz, na idéia, em Nadar, na técnica.
{O discurso de Arago na Câmara sobre a fotografia} {A teoria da fotografia de Balzac}
{A fotografia na exposição industrial de 1855}
Significado da reprodução fotográfica de obras de arte; domínio da arte pela fotografia
Fotografia e luz elétrica (em Nadar)
{Posição da intelectualidade reacionária em relação à fotografia (Balzac)}
{A arte verista da fotografia com base no ilusionismo à moda dos panoramas}
Wiertz como precursor da montagem ( realismo e tendência); estereorama e pintura (Wiertz)
Três aspectos do flanar; Balzac, Poe, Engels; os aspectos ilusionista, psicológico, econômico
O flanar como estufa da ilusão; o projeto de Servandoni
- Cs * -egros .oeçjesi 1 erarr. zs Iharascs qiue esboça*! ou -serenar - anorTiiimanent®;. onc ‘'eoiics*,
as cidras que srarr, asnadas por aunones ae suices:.. inaJau
Anexos ■ 99J
A literatura intraduzível do flanar, “Paris me par me, maison par maison”
O flâneur e o colecionador; a Paris arcaica do flanar
{O flâneur contorna a atualidade }
{A cidade como paisagem e como aposento}
{A “égalité” como fantasmagoria}
{O ntmo do flanar e sua eliminação; tomando como exemplo o restaurante e os meios de
transporte}
Indecisão do flâneur; ambiguidade das passagens; falta de transparência das relações de
classe
{A boneca no anexo sobre a cocote}
{Interpretação psicológico-sexual do culto às bonecas. Corpo e figura de cera; disfarce}
Intérieur e museu
{O Jugendstil ou o fim do intérieur (Jugendstil e cartaz).}
Emancipação e prostituição
Girardin; as ‘ 'demoiselles ” 3 de 1830; Fourier e Feuerbach
A emancipação e os saint-simonianos; a caixeira
Culto do amor: tentativa de opor a força produtiva natural à força produtiva técnica
Surgimento do proletariado; seu despertar na insurreição de Junho
{As bolsas de trabalho}
A cultura do século XIX como um gigantesco esforço de inibir as forças produtivas
{Sínteses prematuras. Proteção contra o proletariado}
A Guarda Nacional
Os pioneiros das ações da Bolsa
Transformação das formas de propriedade pela ferrovia
Corrupção na concessão de empreendimentos ferroviários e nas obras de Haussmann
{Plechanow sobre a exposição universal de 1889}
Museus e exposições
tf entronização da mercadoria (reclame e exposições)}
3 Designavam-se como "demoiselles" os incendiários fantasiados de mulher, que surgiram por volta de
1830; cf. "Passagens Parisienses <I>". <±°, 34>. (w.b.)
992 ■ Passagens
A influência da indústria sobre a linguagem posterior à exercida sobre a imagem ( nos
surrealistas)
Alegoria e reclame (Baudelaire)
Polícia e conspiradores; os “portadores de lanternas”
Excursos fisiognomônico
oftâneur / {o boêmio}
{o jogador} / o {dândi} /
{o colecionador}
{A construção desempenha o papel
do inconsciente}
Construção no urbanismo
O papel da cidade grande
no século XIX
O estilo de Flaubert
A alegria de Fourier
Godin e Ford
Christ industriei (Lamartine)
Mercúrio em Fourier
O esnobe (o novo)
O novo como oposto
ao planejado
Imagem e destruição na história
Anamnese histórica
O saber ainda não consciente do
ocorrido
l Abolição da moda}
Efeito e expressão
{A dúvida em relação à história}
Componentes da morte / Excurso
sobre Proust
{A Comuna como prova da lenda revolucionária}
{A moda em Apollinaire} {Cabet e o fim da moda } 4
{A cidade como objeto da moda (Lefeuve)}
A relação entre técnica e arte como chave da moda
{O fenômeno dos quartiers (Jules Janin)}
Participação das mulheres na natureza da mercadoria através da moda
{Correlação entre moda e morte}
{Teorias da moda: Karr / Vischer}
Moda e colportagem: “contemporânea de todo mundo ” 5
4 Na Icária, país descrito no romance de Étienne Cabet, Voyage en Icarie (1839), os profissionais da moda
e do luxo são banidos, ou seja, a moda nunca muda; cf. B 4, 2. (E/M; w.b.)
5 Cf. "Passagens Parisienses <I>", <M°, 22> e B 2, 5 (w.b.; E/M)
Anexos ■ £93
integração do sexo no mundo da matéria }
(Destruição da Passage de 1’Opéra pela construção do Boulevard Haussmannj
(Surgimento da perspectiva no urbanismo: fim das passagens}
{Nascimento dos bairros operários nos faubourgs}
{O fim dos “quartiers” provocado por Haussmannj
i A linguagem do chefe de polícia}
{Declínio das passagens em “ Thérèse Raquin”}
Meios de trabalho e trabalhadores em Haussmann
{O fim da passagem: os ginásios onde se anda de bicicleta}
Pontos de contato entre o saint-simonismo e o fascismo
{As bugigangas [?]}
{O colecionador }
{A loja de raridades como intérieur }
{O primeiro socialismo, a polícia, os conspiradores (sobre Fourier)}
Associações de trabalhadores {Efeitos tardios de 1789}
{Oposições de classe pouco nítidas} {O Manifesto comunista como conclusão do I o
período}
{Os conspiradores e a bohème}
{Milagres técnicos a serviço da insurreição}
Promiscuidade e hostilidade entre as classes; sua comunicação no ônibus
Huysmans descreve Ménilmontant
As associações de trabalhadores
Efeito do ilusionismo na paisagem urbana: as perspectivas
{Sua inclusão no intérieur através do espelho}
Por que não houve um Idealismo francês l
Prazeres sensoriais do homem burguês
Hedonismo e cinismo
Ilusionismo das cocotes
As passagens como imagem onírica e imagem de desejo do coletivo
Fermentos da embriaguez na consciência coletiva
/ Fantasmagoria do espaço (o flâneur), fantasmagoria da tempo (o jogador)}
{Lafargue sobre o jogador.} {Fantasmagoria da sociedade: (o bohémien)}
Atmosfera do sonho: clima
O sonho da Império; os museus / {as casas servem de inspiração às primeiras fábricas}
{O estilo Empire como expressão do terrorismo revolucionário}
A forma Empire das primeiras locomotivas; a técnica sob controle / o tesouro de imagens da
técnica
Há influências inglesas no estilo Empire ? / A técnica e o novo
A primeira aparição da máquina na época da Império, que servia para a restauração do antigo
{Posição de Napoleão em relação aos industriais e aos intelectuais}
{A exposição universal de 1867}
{Grandville e Toussenel; Cabet } / {Grandville e o reclame}: sonho e despertar
Hedonismo burguês
{Salvação dos utópicos; as concepções de Marx e Engels sobre Fourier}
Fourier e Scheerbart; { Sobrevivência de Fourier em Zola}
{Fourier e Jean Paul} to verdadeiro significado da utopia: ela é um reflexo de sonhos coletivos
{A entronização da mercadoria em escala cósmica / mercadoria e moda}
Reclame e cartaz (comércio e política )
{Dominação do capital financeiro sob Napoleão III}
{Ojfenbach e a opereta}
A ópera como centro
{A crinolina e o Segundo Império}
Polêmica contra Jung que quer manter o despertar distante do sonho.
[Manuscrito 1 144]
N° 6 Esquemas provisórios
Práxis revolucionária
Técnica dos combates de rua e da construção de barricadas
“Mise-en-scène” revolucionária
Conspiradores profissionais e proletários
A moda
contemporânea de todo mundo
Tentativa de atrair o sexo ao mundo da matéria
[Manuscrito 1138 v ]
Anexos ■ 99 )
N° 7 Esquemas dialéticos
Inferno — Idade do ouro
Itens para o inferno: ennui, jogo , pauperismo
Um cânone desta dialética: a moda
A Idade do ouro como catástrofe
Dialética da mercadoria
Um cânone para esta dialética a ser tomado em “Odradek” b
O positivo no fetiche
Dialética do mais novo e do mais antigo
Também para esta dialética a moda é um cânone
O mais antigo como o mais novo: o fait-divers
O mais novo como o mais antigo: o Império
[Manuscrito 1 1 37]
N° 8
1. Estágio dialético: a passagem transforma-se de um lugar brilhante para um lugar
abandonado
2. Estágio dialético: a passagem transforma-se de uma experiência inconsciente para algo
perscrutado
Saber ainda não consciente do ocorrido. Estrutura do ocorrido neste
estágio. Saber do ocorrido como uma tomada de consciência que possui a estrutura do
despertar.
Saber ainda não consciente dos coletivos
Conceber toda a compreensão ( intuitiva ) segundo o esquema do despertar. E não deveria o “saber
ainda não consciente” ter uma estrutura onírica ?
— {Kitsch onírico
Relatos parisienses} (As aterrorizantes batidas na porta}
A feiúra do objeto é a batida aterrorizante
na porta quando dormimos
{Fazemos época na história do comércio de antiguidades e construímos um relógio no qual se
detecta quando os objetos estão maduros para serem coletados.}
5 Odradek é personagem de um conto de Kafka, "A Preocupação do Pai de Família" (Die Sorge des
Hausvaters). (w.b.)
9 % ■ Passagens
Nós construímos o despertar teoricamente, isto é, reproduzimos no domínio da linguagem o
estratagema que é, fisiologicamente, o elemento decisivo no despertar. O despertar opera com a
astúcia. Com astúcia, e não sem ela, libertamo-nos do domínio do sonho.
O despertar é a forma exemplar da recordação: a forma enorme e importante que nos permite
recordar o que é mais recente (o mais próximo). O que Proust tem em mente quando fala da
mudança experimental do lugar dos móveis nada mais é do que aquilo que Bloch procura captar
como obscuridade do instante vivido.
Coloca-se aqui a questão sobre quais são os diferentes comportamentos paradigmáticos que o
homem (o indivíduo, mas também o coletivo) pode adotar diante dos sonhos? E, no fundo, que
forma de vigília verdadeira é adequada?
Consideramos o sonho: 1) como fenômeno histórico, 2) como fenômeno coletivo. Tentativas [?] de
introduzir um pouco de luz nos sonhos do indivíduo através da teoria dos sonhos históricos do
coletivo.
{Conforme nossa teoria, nas camadas oníricas a realidade não é, mas ocorre ao sonhador. E trato
as passagens exatamente como se elas, no fundo, tivessem ocorrido a mim}
Temos que despertar da existência de nossos pais. Devemos, neste despertar, prestar contas da
proximidade desta existência, a obediência como a categoria da proximidade na educação religiosa.
A arte de colecionar como categoria profana da proximidade, o colecionador interpreta sonhos do
coletivo.
A teoria do sonho relativo à natureza, em Freud. Sonho como fenômeno histórico.
Oposição a Aragon: perscrutar tudo isto tendo em vista a dialética do despertar, não se deixar
embalar cansado no “sonho” ou na “mitologia”. Dos sons da manhã que desperta, quais são os
que incorporamos em nossos sonhos? A “feiúra”, o “fora de moda” são apenas vozes matinais
de figuradas que falam de nossa infância.
[Manuscriro 112 6 1 ]
N° 9
Tese e antítese devem ser reunidas na imagem da variação onírica. Os aspectos do esplendor e da
miséria das passagens são uma visão onírica. A reviravolta dialética que se transforma em síntese
éo despertar. Sua mecânica. Como nos libertamos com astúcia do mundo de nossos pais. Antinomia
do sentimental. Sobre a função alucinatória de construções arquitetônicas. Imagens oníricas que
emergem no mundo da vigília.
O tipo de falsa substituição: Jugendstil. A lei do esforço que produz o contrário é confirmada por
ele.
O tema da dialética deve ser posto individualmente em prática no que se refere
à perspectiva
ao luxo e à moda
Desenvolver a teoria do despertar com base na doutrina do tédio.
Teoria da perspectiva em relação a Flaubert. Perspectiva e pelúcia.
(Citar uma observação de Aragon, que constitui o centro destas questões: as passagens são
para nós aquilo que são pelo fato de não mais serem (em si mesmas).} A eliminação dos
Anexos *997
1
“8
K
%
s
1
«
s
a
S
§
«
A
-lo
Base econômica
O comumidor
Construções de luxo
Moda e boulevard
Reviravolta
Matéria fracassada
Ritmo modificado
Data fatídica: 1893
{Novo significado das passagens
Aragon: nova mitologia
Relação com o século XIX
O despertar
Descoberta da perspectiva}
{Capítulos
Nomes de ruas / Perspectiva / O ato de colecionar /
O interior da rua / moda /}
A moda sempre coloca sua folha de parreira no lugar em que
se encontra a nudez revolucionária da sociedade. Um pequeno
deslocamento e... Mas por que este deslocamento é fecundo só
onde é realizado no corpo do passado mais recente? (Noé [?] e seu pudor?)
[Manuscrito 1 1 2 (f*)
N° 10
{Tédio}
{Primeiro tratado sobre o declínio: Aragon}
Dialética da mercadoria Magasins de nouveautés
{Teoria do colecionador
Matéria fracassada
Mercadoria elevada à
condição de alegoria}
Dialética da sentimentalidade (frases extraídas do “Kitsch onírico") 1
{Arqueologia do [xj. O sonho é a terra na qual
são feitas as descobertas.}
1 Referência ao artigo "Traumkitsch", GS II, 620-622, publicado em Die neue Rundschau 38 (1927), p.
110-111 sob o titulo "Glosse zum Sürrealismus". (w.b.)
■ Passagens
Dialética do flanar O intérieur como ma (luxo)
A rua como intérieur (miséria)
Dialética da moda Prazer e cadáver
{Início: apresentação das passagem de hoje
Seu desenvolvimento dialético: mercadoria /
Perspectiva
Atualidade das passagem em sua estrutura
onírica}
{Tentativa de uma determinação da
essência dos nomes das ruas: não
são puras alegorias
Topografia mitologia : 8
Bakac}
Tese
Antítese
Síntese
Descoberta das passagem
O saber inconsciente do
ocorrido toma-se consciente
Teoria do despertar
Dialética da perspectiva
Dialética da moda
Dialética da sentimentalidade
{Dioramas
Perspectiva de pelúcia
Tempo chuvoso}
Documento: Ms 1127
8 No lugar de "tipografia mitológica" (R.T.), lemos "topografia mitológica" (como E/M), uma vez que é este
o tema desenvolvido desde o primeiro esboço; cf. "Passagens Parisienses <I>", <L°, 7>. (w.b.)
Anexos ■ 999
N° 11
Aspectos críticos fundamentais
Arquitetura externa sistemática
Mercadorias — materiais
História primeva do folhetim
Idade do ouro e inferno
Teoria da fantasmagoria: cultura
Determinação mais precisa da mercadoria
Fetiche e caveira
Aspectos errôneos
Exposições universais e
operariado
Fourier e passagens
Pintura em negativo do rastro
Escritório e câmara de comércio
Problema de Saturno
Concreto Barcelona
[Manuscrito 1 1 36]
N° 1 2 Aspectos metodológicos
As imagens dialéticas são símbolos de desejo. Nelas toma-se presente simultaneamente à própria
coisa a sua origem e o seu declínio.
Que tipo de visibilidade deve possuir a apresentação da. historiai Nem a visibilidade
frouxa e barata dos livros de história burgueses, nem a visibilidade insuficiente dos livros marxistas.
O que ela deve fixar com visibilidade são as imagem provenientes do inconsciente coletivo.
O [x] das forças produtivas de uma sociedade não é determinado somente por suas matérias-
primas e instrumentos, mas também por seu meio ambiente e pelas experiências que faz aí.
A espera como forma de existência dos elementos parasitários.
[Manuscrito 1 1 34]
N° 1 3 Novos temas e formulações
l Com o aumento crescente dos transportes e das comunicações, regride o valor de informação da
pintura. Como reação à fotografia, ela começa a enfatizar durante meio século os elementos
coloridos do quadro. Quando o Impressionismo dá lugar ao Cubismo, a pintura conquistou um
novo domínio no qual a fotografia não pode, a princípio, acompanhá-la.}
I Ninguém pode assumir a responsabilidade de um posicionamento subjetivo na apresentação do
novo que surge em meados do século no meio ambiente e na sociedade: daí a objetiva.}
Esperar e fazer esperar. A espera como forma de existência dos elementos parasitários
[Manuscrito 1132 1 ]
1000 ■ Passagens
N° 1 4 Questões fundamentais
0 significado histórico da aparência
{O que são as ruínas da bourgeoisie?}
Onde se estende, no novo, a fronteira entre a realidade e a aparência
História primeva do século XIX
Relação entre falsa consciência e consciência onírica. O reflexo realiza-se na consciência
onírica. Consciência onírica coletiva e superestrutura.
A dialética produz uma imagem na imobilidade. A aparência é essencial a esta última
O agora da cognoscibilidade é o instante do despertar
No despertar, o sonho se imobiliza.
O movimento histórico é um movimento dialético. Mas o movimento da falsa consciência não o
é. Esta se toma dialética também no despertar.
[Manuscrito 1131]
N° 1 5 Reflexões metodológicas
Lançar mão de estudos sobre o “agora da cognoscibilidade”
Lançar mão da apresentação do despertar por Proust
O despertar como o instante crítico na leitura das imagem oníricas
Exigências particulares do passado mais recente feitas ao método do historiador
Delimitação em relação à história da cultura
Reler Hegel a respeito da dialética na imobilidade
A experiencia de nossa geração: a de que o capitalismo não morrerá de morte natural.
Pela primeira vez o passado mais recente toma-se aqui um passado distante. A história
primeva se imere no passado mais recente como à longa distância as montanhas parecem
imerir-se na paisagem diante delas.
[Manuscrito 1130 1 ]
N° 16 Wiesengrund
Imagem dialética e dialética na imobilidade em Hegel
[Manuscrito 1 130*1
Anexos ■ 1001
N° 17
A utopia de Fourier anuncia uma transformação das funções da poesia
[Manuscrito 1132^
N° 18
Assim colocado no centro da história [interrompido]
Assim como o homem forma o centro do horizonte que se estende ao seu redor diante de seu olhar ;
assim também sua existência forma para ele o centro da história. Enxergando-se no ponto em que
o sol está a pino , ele convida os espíritos descamados do passado a sentar-se à sua mesa. {O
historiador preside} um banquete de espíritos. O historiador é o arauto que convida os defuntos
para este banquete de espíritos {para a mesa} .
A geração viva [interrompido]
[Manuscrito 1128]
N° 19 9
{O mérito deste pequeno volume consiste na evocação dos diferentes bairros de uma cidade grande.
Não é seu lado pitoresco nem nada de exterior que foi visado pelo autor. E sobretudo a marca
única que conferem a cada um desses bairros as camadas sociais que neles habitam e as ocupações}
Se os fenômenos especulativos da “haussmannização” permanecem em parte na sombra , tanto
mais claramente vêm à tona os interesses de ordem tática que explicam a reforma que Napoleão
III certamente escondia de bom grado por detrás de suas ambições imperiais. Em compensação,
uma justificativa contemporânea do projeto expressa-se a esse respeito em uma linguagem muito
clara. Elogiam-se as novas ruas por “não se prestarem à tática habitual das insurreições locais”.
Anteriormente, já havia sido feita em Paris uma pavimentação de madeira para privara revolução
de matéria-prima. “ Não é possível”, escreve Karl Gutzkow em Pariser Briefe, “construir barricadas
com blocos de madeira”. Para se ter uma idéia do que isto quer dizer, é preciso lembrar-se do fato
de que em 1830 havia cerca de 6.000 barricadas na cidade.
Luís Philippe já recebera o apelido de “Roi Maçon”. Em Napoleão III, somaram-se aspectos
mercantis, higiênicos e militares que levaram à transformação da imagem da cidade com o desejo
de [se] imortalizar em monumentos de um poder pacífico. Em Haussmann, ele encontrou a
9 Plano de um ensaio em francês sobre Haussmann (início de 1934), para o qual Benjamin recebeu o
convite da revista Le Monde, dirigida então por Alfred Kurella. 0 ensaio propriamente dito não foi
escrito (cf. GS V, 1 096), mas Benjamin iniciou a partir daí os trabalhos da segunda etapa do projeto das
Passagens. (R.T.)
1002 ■ Passagens
energia necessária para empreender esta obra. Pô-la em prática, porém, certamente não lhe foi
fácil.
Um carreirista a serviço de um usurpador
Intran
O Imperialismo -
destruidor pacífico
ou
A Haussmannização de Paris”
I. Haussmann e Napoleão III O carreirista servindo ao usurpador
II. O embelezamento estratégico
III. Contos (contas) fantásticos de Haussmann
O embelezamento estratégico Napoleão como pretendente
A técnica das lutas de barricadas O golpe de Estado e Haussmann
As fileiras estratégicas A polícia e o atentado de Orsini
A base teórica Haussmann e o parlamento
A jurisprudência A carreira posterior de Haussmann
As exibições; estética
Os meios de Haussmann
Significado dos alicerces
As ferrovias
As exposições universais
O novo urbanismo
[Manuscrito 1108]
N° 20 Esboço de março de 1934 10
[[Retrato de Haussmann
energias destrutivas nele ]]
10 As anotações assinaladas com os números 20 e 21 referem-se a estudos preparatórios para o exposé
“Paris, a Capital do Século XIX". Enquanto o primeiro texto foi datado por Benjamin como sendo de
março de 1934, o segundo deve ter se originado pouco antes do texto final do exposé propriamente
dito, portanto, no inicio de maio de 1935. - As reflexões de número 22 parecem referir-se a outras
anotações que se perderam. - Ao reproduzir-se aqui o número 20, os acréscimos posteriores de
Benjamin foram incluídos em parênteses duplos [[...]]. (R.T.; w.b.)
Anexos ■ 1003
Paris
Capital do século
+ Haussmann ou o embelezamento estratégico
Grandville ou a exposição mundial **)
Baudelaire ou as ruas de Paris ***)
Luís Filipe ou o intérieur ****;*****; ++)
+ Daguerre ou o panorama
Fourier ou as passagens
XDÍ
Luta de classes
Caráter fetiche da mercadoria
A bohbne
O inconsciente coletivo
[[ISicologia do jornal:
A necessidade de novidade]]
[[Esquemas transversais
Paris Metafísica
Proletariado Fisiognornonia (?)
Dialética ]]
**) Moda
***) Flâneur
**»*) féáio *****) jnggncistil (O Jugendstil como fim do intérieur
++ O colecionador
Zola: O Trabalho
I. Fourier ou as passagens
Dar realce à sua figura em relação ao Empire / Antiguidade e país das maravilhas /
Hedonismo histórico ***
Fourier e Jean Paul / Por que não houve um Idealismo francês?
[II. Daguerre ou o Panorama (Passage des Panoramas 1800)
Panoramas / Museus / Exposições / As sínteses prematuras / O triunfo da daguerreotipia /
Irrupção da técnica no domínio da arte }
III Luís Filipe ou o intérieur
A casa dos sonhos ** / fO colecionador / O flâneur / O jogador)
TV. Grandville ou a exposição universal Colecionador
Felicidade das máquinas IA mercadoria no cosmos / O sonho de Fourier Jogador
Plechanow sobre 1889 Falsário
V. Haussmann ou o embelezamento de Paris Flâneur
*** Surgimento das passagens
e história primeva
** A Paris ctônica
[Manuscrito 1 1 06]
1004 ■ Passagens
N° 21
Fragmentos do plano geral
VI. {Haussmann ou o “embelezamento estratégico" de Paris
Excurso sobre o jogador
As destruições de Paris
O fim das passagens
Técnica dos combates de rua e de barricadas
A função política da moda; crítica da crinolina em F. Th. Vischer
A Comuna}
I. Fourier ou as passagens
Finalidades transitórias das construções de ferro.
A este propósito: o ferro, como o primeiro material de
construção artificial, é o primeiro que sofre uma
evolução. Esta se desenvolveu cada vez mais
rapidamente no decorrer do século. As passagens em
Fourier servem como moradia.
O estilo Empire
Tendências materialistas na burguesia (fean Paul Pestalozzi; Fourier)
Surgimento das passagens Marx e Engels sobre Fourier
As passagens em Fourier Teoria da educação como raiz da utopia
Continuidade de Fourier em Zola
Os primórdios da construção de ferro / O disfarce da construção
II. {Daguerre ou o panorama
Excurso sobre arte e técnica (Beaux-Arts e École Polytechnique)
Jl A saudação da fotografia (Balzac e Arago)
O confronto entre arte e técnica em Wiertz
s? Estações ferroviárias e halls como novos centros de arte
i
g Os panoramas como fenômeno de transição entre arte e técnica de reprodução da
natureza
Anexos ■ 1005
Excurso sobre o desenvolvimento posterior: extensão do mundo das mercadorias
através da fotografia
{Paris como panorama. A literatura de panorama 1830-1850
(A vida do trabalhador como objeto do idílio)}
A fotografia na exposição industrial de 1855
A arte bate em retirada diante a técnica em Talmeyr (1900)}
III. Grandville ou as exposições universais
A moda como meio de transpor ao cosmos o caráter de mercadoria
Magia do ferro fundido no espaço cósmico e no mundo subterrâneo
Desenvolvimento das passagens nos pavilhões de exposição. O palácio de cristal
de Paxton, de 1851
O sex appeal da mercadoria
Mobilização do inorgânico através da moda ; seu triunfo na boneca
{O mercado do amor em Paris}
Paris como material da moda; psicologia do “quartier” em Janin e Lefeuve
{A luta entre a utopia e o cinismo em Grandville}
Grandville como precursor do desenho publicitário
A exposição universal de 1867; triunfo do cinismo; Ojfenbach como seu demônio
Grandville e os fourieristas (A filosofia da natureza de Toussenel)
A extensão universal do caráter de mercadoria ao mundo
das coisas
Corpo e figura de cera
Elementos ctônicos em Grandville / {Aspectos ctônicos na fisionomia urbana de Paris}
A “spécialité”
[Manuscrito 1 148 V ]
N° 22
A propósito de V
{Crítica da modernidade (provavelmente um parágrafo especial.) O novo possui um caráter
aparência e coincide com a aparência da eterna repetição. A aparência dialética do novo e
sempre-igual é a base da “história cultural”.}
1006 ■ Passagens
A propósito de V
4 excursos sobre o tédio. O esnobe, que vive no mundo da aparência do novo e etemamente igual,
tem como companhia constante o tédio. Em Proust, o esnobismo toma-se a chave da análise da
alta sociedade.
A obra de arte total constitui uma tentativa de impor à sociedade o mito (sobre o qual Rafael diz
com razão <em Proudhon, Marx, Picasso, Paris, 1 933>, p. 171, ser a condição das “obras de
arte integrais ”)
[Manuscrito 1129]
N° 23 11
[O eterno retomo como pesadelo da consciência histórica]
l Jung quer manter o despertar distante do sonho}
{Três aspectos do flanar: Balzac, Poe, Engels; os aspectos ilusionista, psicológico, econômico}
[Servandoni <?>]
[O novo como oposto do planejado}
Alegoria e reclame [a personificação de mercadorias, em vez de conceito;
O Jugendstil aproxima a figura alegórica do reclame]
{A caixeira como imagem viva, como alegoria da caixa registradora}
Culto do amor: tentativa de opor à força produtiva técnica a força produtiva natural
pôr à mostra a tentativa da produção industrial diante da produção natural
[O conceito de cultura como máximo desdobramento da fantasmagoria]
[O conceito do eterno retomo: a “última mobilização” contra a idéia de progresso]
[Destruição da fantasmagoria da cultura na idéia do eterno retomo]
[Odradek e a dialética da mercadoria]
[Tentativa de afastar o ennui através do novo]
[Esperar pelo novo: no último poema — ir ao encontro do novo — mas é o encontro com
a morte]
[Manuscrito 478]
1 1 As anotações assinaladas com os números 23 e 24 foram provavelmente escritas depois da conclusão do
exposé de 1935; as de número 25 são posteriores a 22/12/1938, pois encontram-se no verso de uma
carta desta data, dirigida a Benjamin. Este último texto apresenta afinidades com as teses "Sobre o
Conceito de História". (R.T.)
Anexos ■ 2007
N° 24
(A espera como forma de existência dos elementos parasitários}
Na imagem dialética , toma-se presente simultaneamente com a própria coisa a sua origem e o
seu declínio. Seriam ambos eternos ? (a eterna transitoriedade)
[A imagem dialética é livre da aparência?]
{O agora da cognoscibilidade é o instante do despertar}
{[Proust: Apresentação do despertar]}
[Hegel sobre a dialética na imobilidade]
{A experiência de nossa geração: o capitalismo não morrerá de morte natural}
Pela primeira vez, o passado mais recente torna-se aqui passado distante
A obra de arte total representa uma tentativa de impor à sociedade o mito (que, conforme
Raphael p. 171 diz com razão, é a condição da obra de arte integral).
“Contemporânea de todo mundo” e eterno retomo
[Manuscrito 479]
N° 25
A questão formulada em I: o que é o objeto histórico?
A resposta de III: a imagem dialética
A extraordinária fugacidade do autêntico objeto histórico (chama) confrontada com a fixidez
do objeto filosófico. Onde o próprio texto é o objeto histórico absoluto — como na
teologia — ele fixa o momento da máxima fugacidade no caráter da “revelação”.
A idéia de uma história da humanidade como idéia do texto sagrado. De fato, desde sempre
interpretou-se a história da humanidade — como profecia - a partir do texto sagrado.
O novo e o sempre-igual como as categorias da aparência histórica Como fica a
eternidade?
A dissolução da aparência histórica deve ocorrer no mesmo processo que a construção da
imagem dialética
Figuras da aparência histórica: I.
II. Fantasmagoria
III. Progesso
[Manuscrito 487]
MATERIAIS PARA 0 LIVRO-MODELO DAS PASSAGENS
(O BAUDELAIRE)
NOTA INTRODUTÓRIA
Willi Bolle
A questão mais complexa e mais controvertida da gênese, edição e recepção
da obra de Waker Benjamin é sem dúvida a relação das Passagens propriamente ditas
com o projeto do Livro sobre Baudelaire, isto é, Charles Baudelaire — Um Poeta Lírico no
Auge do Capitalismo , que o auror qualificou como um “modelo muito exato do trabalho
das Passagens ” (GS V/2, 1165), mas que não chegou a terminar. Com o intuito de
apresentar uma síntese dessa questão, com base no estado atual das pesquisas, reunimos
aqui algumas informações que situam historicamente a edição alemã das Passagens
(1982) com relação ao estágio anterior (a parte concluída do Livro sobre Baudelaire,
1974) e posterior (1989), quando a descoberta de novos manuscritos obrigou os
pesquisadores a repensar a relação entre essas duas facetas mais avançadas do opus
magnum de Benjamin.
Quando foi organizada a edição dos Gesammelte Schriften de Benjamin (7
volumes, 1972-1989), o principal responsável, Rolf Tiedemann, optou pela
classificação entre “textos concluídos” e “textos que permaneceram fragmentos” e por
publicá-los separadamente, de acordo com esse critério (GS 1/2, 767). Assim, a parte
concluída do livro Charles Baudelaire — Ein Lyriker im Zeitalter des Hochkapitalismus foi
editada em 1974 no volume GS 1/2 (acompanhada de um amplo aparato de notas no
volume GS 1/3): é a parte do meio, denominada “A Paris do Segundo Império em
Baudelaire” (“Das Paris des Second Empire bei Baudelaire”, pp. 509-604). A isso,
Tiedemann ainda acrescentou o artigo “Sobre Alguns Temas em Baudelaire” (“Über
einige Motive bei Baudelaire”, pp. 605-653) e a coletânea de fragmentos “Parque
Central” (“Zentralpark”, pp. 654-690). Já os textos das Passagens propriamente ditas
foram publicados em 1982 nos dois tomos do volume GS V sob o título Das Passagen-
Werk. A informação mais relevante sobre a relação das Passagens com o Livro sobre
Baudelaire encontra-se ali às pp. 1262-1277, onde são apresentadas “As Siglas
Benjaminianas de ‘Transferência’” (“Benjamins ‘Übertragungs’-Zeichen”). Trata-se de
1010 m Passagens
uma lista que indica detalhadamente os cerca de 1.700 fragmentos das Notas e Materiais
que Benjamin selecionou para o projetado livro sobre Baudelaire. Tiedemann, naquele
momento, só podia afirmá-lo em forma de hipótese: “É de se supor que o sistema de
siglas tenha sido desenvolvido em conexão com o trabalho em A Paris do Segundo
Império em Baudelaire” (GS V/2, 1263). A hipótese estava parcialmente certa, mas
ainda não se dispunha dos materiais para comprová-la.
Coincidentemente, na mesma época, em 1981, quando o volume GS V já
estava praticamente concluído, foram descobertos por Giorgio Agamben na Bibliothèque
Nationale em Paris novos manuscritos de Benjamin - justamente do Livro sobre Baudelaire
- que trouxeram novos conhecimentos sobre a relação desse projeto com as Passagens.
Esse fato obrigou os pesquisadores, entre eles também o organizador da edição alemã, a
reavaliar a questão. No volume final dos Gesammelte Schriften , intitulado Adendos
( Nachtràge , 1989), Tiedemann publicou novos materiais referentes ao Livro sobre Baudelaire
(GS VII/2, 735-770) e às Passagens (pp. 852-872); ele admitiu que seu modo de separar
os dois tipos de textos pode ser criticado, mas deixou uma edição alternativa por conta
da imaginação do leitor (p. 872).
Para compreender a posição que o Livro sobre Baudelaire ocupa no conjunto
do projeto das Passagens, é preciso relembrar sua gênese. Em abril de 1 937, Benjamin
recebeu de Max Horkheimer a proposta de escrever para a revista do Instituto de
Pesquisa Social “um artigo materialista sobre Baudelaire” (GS V/2, 1158). Ora, o
trabalho acabou ganhando as dimensões de um livro, o que Benjamin comunicou a
Horkheimer em agosto de 1938 (p. 1167). Com efeito, o que ele enviou, em fins de
setembro de 1938, foi “a segunda parte do livro sobre Baudelaire” (p. 1167). O
Instituto recusou a publicação por motivos teóricos e insistiu para que Benjamin
reescrevesse o trabalho em forma de um artigo , o que ele, bolsista do Instituto, acabou
fazendo. Esse texto foi entregue em 1 de agosto de 1939 e publicado em janeiro de
1940 na Zeitscbrift für Sozialjbrschung, sob o título “Sobre Alguns Temas em Baudelaire”.
Paralelamente, como o atesta a versão francesa do exposé “Paris, Capitale du XIX e
Siècle”, enviada a Horkheimer em março de 1939, Benjamin mostrou-se disposto a
retomar o trabalho nas Passagens stricto sensu. O Instituto, contudo, o deixou agora à
vontade para “concentrar toda a sua energia sobre o Baudelaire” (GS 1/3, 1128). Tanto
assim que Benjamin, no início de maio de 1940, sinalizou que iria “ocupar-se
seriamente da continuação do Baudelaire” (p. 1133). Mas nessa altura ele já estava
travando uma corrida contra um tempo implacavelmente adverso. Com o
desencadeamento da II Guerra Mundial, a fuga de Benjamin de Paris em junho de
1940 e sua morte, em setembro do mesmo ano, a obra ficou definitivamente inconclusa.
Consideremos agora as condições materiais da transmissão desses textos. Antes
da fuga de Paris, Benjamin entregara seus manuscritos mais importantes a Georges
Bataille, para que fossem preservados. Com efeito, foi assim que esses papéis
sobreviveram. A planta de construção do Livro sobre Baudelaire, que aqui nos interessa
especialmente, foi descoberta por Agamben no espólio de Bataille. Até o primeiro
Anexos ■70/7
semestre de 1996, o manuscrito ficou na Bibliothèque Nationale; depois foi transferido
para Frankfurt am Main e finalmente, em 2004, para o Arquivo Walter Benjamin da
Akademie der Künste em Berlim. Outra parte dos manuscritos, sobretudo o volumoso
conjunto das Notas e Materiais , chegou às mãos de Adorno, durante os anos 1940
(cf. GS 1/2, 759 e GS V/2, 1071), e acabou sendo integrada em 1950 ao Benjamin-
Archiv Theodor W. Adorno em Frankfurt, de onde foi transferida em 2004 igualmente
para o arquivo em Berlim. Essa separação, historicamente condicionada, dos
manuscritos do mesmo complexo temático em arquivos diferentes foi sem dúvida um
dos fatores que pesaram na separação editorial entre as Passagens e o Livro sobre
Baudelaire.
A diáspora dos textos evidencia a diferença fundamental entre o autor e seu
editor quanto à percepção do projeto das Passagens e do Livro sobre Baudelaire como
um todo. Enquanto Benjamin tinha em mãos o conjunto dos manuscritos, Tiedemann,
em 1974 e 1982, só dispunha do texto de origem. Estudando os arquivos temáticos
das Notas e Materiais , verificou que dos cerca de 4.000 fragmentos uns 1.700 eram
marcados com o que ele, com base em Benjamin, chamou de “siglas de transferência”.
Minuciosamente, fez um levantamento de todas as ocorrências em forma de uma lista
(GS V/2, 1264-1277). A título de exemplo, eis o início do arquivo “A - Passagens...”
(GS V/2, 1264):
A epígrafe 1: sigla: quadrado preto com cruz vermelha
A 1, 4: sigla: quadrado preto com cruz vermelha
A 1, 5: sigla: cruz vermelha
A la, 1: sigla: quadrado preto com cruz preta
A 2, 4: sigla: quadrado preto com cruz vermelha
A 2, 6: sigla: círculo amarelo cheio com cruz preta
A 3, 4: sigla: quadrado preto com cruz vermelha
[etc.]
É preciso deixar claro que este levantamento de dados é só da autoria de
Tiedemann; não se encontra como tal nos manuscritos de Benjamin que estabeleceu
uma lista diferente, como veremos. Quanto aos signos de transferência, que constituem
um sistema de siglas em cores, elas representavam para Tiedemann, no momento de
finalizar a edição da Passagen-Werk , um “segredo” de maior importância (GS V/2,
1263). O segredo só se elucidou com a descoberta dos manuscritos por Giorgio
Agamben, onde o próprio Benjamin fornece o código das siglas.
1012 ■ Passagens
Com efeito, o sistema das siglas em cores é a chave para a relação entre as
Passagens e o Livro sobre Baudelaire. Como se vê pelo código, tanto na prancha colorida
reproduzida por Agamben (W. Benjamin, Parigi, Capitale dei XIX Secolo, Torino, 1986,
p. XIX), quanto na versão transcrita por Tiedemann (GS VII/2, 739), essas siglas,
num número total de 30, representam as categorias construtivas do Livro sobre
Baudelaire. Foi em função desse “livro-modelo” que Benjamin marcou com as siglas
1.745 fragmentos no meio dos 4.234 de sua coletânea de Notas e Materiais , para
transferi-los para o manuscrito novo.
Voltando ao extrato de lista acima citado: o leitor dos Gesammelte Schrifien
só ficou sabendo em 1989, através dos Adendos (GS VII/2, 739), que o “quadrado
preto com cruz vermelha” designa A mercadoria-, a cruz vermelha, a Novidade ; o quadrado
preto com cruz preta, O flâneur e a massa ; e o círculo amarelo cheio com cruz preta, o
Jugendstil. E também só então chegou a conhecer três breves amostras das listas de
fragmentos elaboradas em função do texto de destino - pelo próprio Benjamin. Eis um
exemplo (GS VII, 737-738):
A Mercadoria [sigla: quadrado preto com cruz vermelha]
J 43a, 8 denominação classificatória do alegorista (Gautier)
J 48, 8? função destrutiva (e potencializadora) da arte
J 49, 1 as posições da teoria da arte de B.: polos dialéticos, não estágios
evolutivos
J 49, 1 “o poeta” nos poemas iniciais das Fleurs du Mal
F 7a, 6 Michelet, em 1846, não acredita no domínio total da produção em
massa
S 6a, 4 pintura de gêneros na Bélgica
A 1,4 o grande poema das vitrines (Balzac)
[etc.]
Como se vê, por este início de uma das 30 categorias construtivas da planta
de construção do Livro sobre Baudelaire , cada fragmento ocupa na folha manuscrita
uma linha, sendo identificado pela sua sigla alfanumérica e resumido sucintamente.
Este documento original permite ao leitor acompanhar como Benjamin trabalhou, a
partir dos diversos arquivos das Notas e Materiais, na construção do livro-modelo.
Percebe-se também que o conjunto das categorias construtivas do Livro sobre Baudelaire
representa uma inovação teórica e estrutural com relação às categorias temáticas das
Passagens propriamente ditas.
Anexos ■ 1013
Evidentemente é de todo interesse do leitor poder acompanhar esse processo
de elaboração das Passagens em direção ao “livro-modelo” centrado em Baudelaire,
ainda mais que Benjamin, em seus últimos depoimentos, deixou claro que essa era sua
preferência. Existe, portanto, uma demanda objetivamente justificada pela lista das
1.745 siglas, tal como o próprio Benjamin a estabeleceu em função do texto de destino.
O volume dos Adendos só traz uma amostra de apenas 30 fragmentos (GS VII/2, 737-
738), sendo esses poucos também os únicos resumos publicados até agora, não a lista
inteira. Felizmente, essa lista - transcrita a partir dos manuscritos originais da planta
de construção do Livro sobre Baudelaire — está disponível no artigo de Michel Espagne
e Michael Werner, “Vom Passagen-Projekt zuni ‘Baudelaire’: Neue Handschriften
zum Spãtwerk Walter Benjamin” ( Deutsche Vierteljahrsschrift fiir Literaturwissenschafi
und Geistesges c hichte, IV, 1984, pp. 593-657, especialmente pp. 649-657), citado,
aliás, em GS VII, 871. Reproduzimos a seguir esta lista, usando como meio de
verificação o levantamento de dados fornecido por Tiedemann (GS V/2, 1264-1277)
e nossas próprias transcrições dos manuscritos da planta de construção do Baudelaire ,
que deciframos durante um estágio de pesquisa de oito meses na Bibliothèque Nationale,
em 1995/1996.
Na apresentação das siglas de transferência ou categorias da planta de
construção do livro Charles Baudelaire - Um Poeta Lírico no Auge do Capitalismo,
usamos a subdivisão em três partes, tal como foi comunicada por Benjamin a
Horkheimer em setembro de 1938: 1. “Baudelaire como autor alegórico” (“Baudelaire
ais Allegoriker”), 2. “A Paris do Segundo Império cm Baudelaire” (“Das Paris des
Second Empire bei Baudelaire”), 3- “A mercadoria como objeto poético” (“Die Ware
ais poetischer Gegenstand”) (GS I, 1089-1092),
A seqüência das categorias em cada uma das três partes - das quais apenas a
do meio foi redigida -, é reproduzida aqui conforme a planta de construção de meados
«ir 1938, quando Benjamin visualizou “o volumoso todo em todas as suas partes” (GS
K. 1087) e iniciou a redação. É opinião unânime entre os pesquisadores dos manuscritos
é impossível determinar com certeza a ordem de todas as categorias, uma vez que
são anotadas em folhas avulsas; além disso, a planta de um livro em elaboração é, por
■MKureza, um gênero provisório. Enquanto a maioria dessas categorias estava destinada
a mansformar-se em capítulos, com localização definida (marcada no manuscrito com
PT. “II” e “III”), várias outras (sem número ou com o número riscado, por exemplo
pHT) são de localização incerta: geralmente foram dissolvidas e tiveram seu conteúdo
buído sobre as outras categorias durante o processo de elaboração. Mesmo
d procuramos imaginar um lugar justificado para tais categorias avulsas, estamos
cs de que lidamos com um projeto de livro ainda em elaboração. Assim, esta
tação pode oferecer apenas uma constelação das categorias entre várias outras
nte possíveis.
No que concerne o sistema de anotação: quando um mesmo fragmento foi
o por Benjamin para várias categorias construtivas, esse indiciamento múltiplo
1014 ■ Passagens
é indicado por colchetes “[ ... ]”, como no manuscrito. Fragmentos riscados a posteriori
são colocados entre chaves “{ ... }”• Referências às epígrafes dos arquivos temáticos sao
indicadas por uma barra oblíqua (exemplo “M / 4”).
OS FRAGMENTOS DAS PASSAGENS
UTILIZADOS NO LIVRO SOBRE BAUDELAIRE
Parte I: Baudelaire como autor alegórico
As categorias Notcts sobre Gautier, Notas sobre Dante e Recepção em geral têm
afinidade temática com Recepção ; a categoria Banimento do orgânico , com Alegoria.
1 Recepção [sigla: círculo vermelho]
K 2, 3 - N 3, 1 - N 3a, 4 - N 9a, 6 - N 7a, 1 - J 27, 8 - J 28, 6 - J 32a, 2 - J 36, 2 -
N la, 1 -N2, 6-J 41a, 1 - N 43, 7 - J 45, 3 - J 12, 4 [Alegoria] -J 12, 5 -J 12a, 1
-J 64a, 4 -J 45a, 1 - J 26, 1 - J 33a, 1 - J 33a, 10 - J 37, 3 -J 3a, 1 - J 11, 3 -J 23a,
2 — J 76a, 5 — J 76a, 6 — J 77, 2 [Disposição sensitiva].
1 Disposição sensitiva [sigla: cruzamento preto num quadrado vermelho]
J 41a, 3 — ]J 42, 8 [Melancolia]} - J 42a, 6-J 45a, 2 - J 46a, 9 - J 47, 2 - S 6a, 3 - a 19a,
7 - a 20a, 1 - d 4, 4 — d 4, 5 — d 6a, 4 - d 15, 5 — d 15a, 1 [bohême réelle] — d 16a, 2
-J 50a, 6-J 30, 7-J 30a, 1 -J 30a, 5 -J 31a, 5 - J 33, 3 - J 33, 4 - J 33, 6-J 33a,
3 - J 35a, 3 - J 35a, 4 - J 36, 7 - W 8a, 4 - W 11a, 4 - U 13a, 5 - V 8, 3 - J 38a, 4 -
J 38a, 5 - J 40, 7 - J 1, 2 - [J 3, 1 [Notas sobre Dante]} - J 9a, 1 {[Banimento do
orgânico]} [Alegoria] [A mercadoria] -J 11, 7-J 12a, 5 - J 15a, 1 [Rebelde e alcagüete]
[Progresso] [A mercadoria] - J 17a, 2 - J 19a, 10 -J 80a, 2 - J 20, 3 - J 21a, 4 - J 24, 6
- J 25a, 2 - J 25a, 3 - J 25a, 4 - J 5 la, 1 - J 5 la, 2 - J 54a, 5 [Perda da auréola] - J 55,
2 — {J 55a, 6 [Alegoria]} - J 56, 9 — J 56a, 6 [Alegoria] — J 57, 4 [Banimento do orgânico]
-J 57a, 5 - J 66, 3 [Alegoria]} -J 66, 5 - J 66, 6 -J 10a, 1 - J 59, 5 -J 27, 7-J 27a,
6-J 11, 8 -J 67a, 3 - J 67a, 8 - J 68a, 7 - J 69, 1 - [J 70a, 4 [Alegoria]} - J 71, 3 - J
72, 1 -J72a, 5-j35,3-J 13, 8 - J 41a, 6 - J 29a, 3 - J 7a, 5 - J 14a, 6 - J 53, 2 - J
24a, 1 - J 77, 2 [Recepção].
/ Paixão estética [sigla: cruz preta sobreposta a um círculo roxo cheio]
J 30, 8 - J 30, 12 - J 34a, 6 - J 37, 4 - J 40, 4 - p 2, 4 - p 2, 5 - B 2a, 2 - J 28a, 8 - J
32a, 8 - J 34a, 5 - J 46, 3 - J 46a, 2 - J 47, 1 [Alegoria] - O 11, 1 - J 10, 9 - J 13a, 2
1016 ■ Passagens
-] 14, 2 - J 14, 7 - J 14a, 4 - J 17, 4 - J 17a, 1 - J 19a, 3 - J 56, 2 [Melancolia] - J 56a,
9 - J 57, 1 - J 57, 6 - J 57, 9 - J 57a, 2 - J 58a, 1 - J 58a, 2 - J 59, 5 [Disposição
sensitiva] -J 60, 1 - J 62, 2 - J 62, 3 - J 62, 4 - J 63, 1 - J 63, 4 - J 63a, 1 - J 64, 1 -
J 66a, 9 - J 19, 2 - J 60a, 5 [Melancolia] - J 7a, 1 [Banimento do orgânico] - J 5, 5
[Lesbos] - J 70a, 2 - J 71a, 4 - J 71a, 5 - J 72a, 3 - J 3, 1 - J 42, 2 - J 45, 1 - J 50a, 2
- J 29, 12 - J 38, 2 - J 4a, 2 - J 11a, 4 -J 14a, 2- J 17, 7 -J 23, 1 -J 77a, 6.
I Alegoria [sigla: cm/ preta cortando um círculo verde cheio]
J 41a, 2 -J 43, 8 -J 43a, 1 -J 44, 2 -I 45a, 5 - J 48, 4 - J 48a, 1 - H 2, 1 - H 2a, 4
- J 26, 2 - J 26a, 2 - J 29a, 4 - J 31a, 6 - J 32, 3 - J 32, 5 - J 32a, 4 - J 33, 8 - J 33a,
8 - J 33a, 9 -J 33a, 11 -J 37, 2 — J 39, 1 — U 50, 3 [Melancolia]} - J 50, 5 -J 50a, 3 -
J 31, 5 -J 31a, 1 - J 31a, 2 - J 32a, 5 - J 44, 1 - K 3, 2 - 1 4a, 3 - N 2, 7 [A mercadoria]
- C 6a, 1 — J 47, 1 [Paixão estética] - J 1, 6 — J 4a, 3 — J 5a, 6 — J 6a, 2 [O herói] — J 6a,
4 [O herói] - J 7, 3 - J 12, 4 [Recepção em geral] - J 15a, 5 - J 16, 3 - J 16a, 3 - J 18,
I - J 18a, 7 - J 18a, 9 — J 20, 4 — J 22, 4 — J 22, 5 — 0 24a, 1 [Banimento do orgânico]}
- J 25, 1 - J 52, 4 - J 52a, 1 - {53, 1} - {J 53, 2} - {J 53, 3 [Melancolia]} - J 53, 5 - J 53,
6 - J 53, 7 - J 53a, 1 - J 53a, 3 - J 53a, 4 - J 54, -1 - J 54, 3 - J 54, 4-J 54, 5 - {J 54,
7} _ j 54 , 8 - J 54a, 2 - J 54a, 3 - J 54a, 4 - J 55, 4 - J 55, 6 - J 55, 7 - J 55, 8 - J 55,
I I - J 55, 12- J 55, 17 - J 55a, 3 - J 55a, 5 - (J 55a, 6 [Disposição sensitiva]} - J 55a,
7 - J 56, 1 - J 56, 3 - J 56, 4 - {J 56, 7} - J 56, 8 - {J 56a, 4} - {56a, 6 [Disposição
sensitiva] - J 57, 3 [Perda da auréola] - J 58a, 4 [Gautier] — J 59, 4 — J 61, 3 — J 63a, 2 -
J 64a, 5 - J 65a, 2 - J 65a, 4 - {J 66, 3 [Disposição sensitiva]} - J 55a, 8 - J 62a, 4
[Melancolia] - {B 9, 3} - {J 67a, 5} - J 67a, 7 - J 68, 2 - J 69, 6 - J 69a, 4 - J 70, 5 - {J
70a, 4 [Disposição sensitiva]} — J 71, 1 — J 72, 2 — J 31, 2 — J 31, 3 — J 18a, 5 — J 21a, 5
- J 34, 3 - L 4a, 5 - {J 53, 1} - J 9a, 1 [A mercadoria] - J 78, 3 J 78a, 2 - J 79, 1 - J
80, 1 - J 81, 6.
I Melancolia [sigla: retângulo preto dividido por vertical roxa]
J 42, 8 [Disposição sensitiva] - J 48, 2 - J 45, 6 - J 45, 7 - {O 11, 1} - J 50, 3 [Alegoria]
- J 30a, 6- J 32, 4 -J 32a, 1 - J 35a, 8 -J 38, 5 - J 40, 8 - W 11a, 6- J 60a, 3 -] 8a,
2- J 12, 6— J 13, 5 -J 15, 1 -J 19, 4-J 19a, 8 -J 20, 8 -J 21a, 2- J 53,3 [Alegoria]
- J 55, 16 - J 55a, 1 - J 55a, 2 - J 56, 2 [Paixão estética] - J 57, 7 - J 60a, 3 — {J 60a, 5
[Paixão estética]} -J 62a, 3 - J 62a, 4 [Alegoria] - J 63, 3 - J 69, 5 - J 70, 1 - J 71a, 3 -
J 70, 4 - J 70a, 4 -J 53, 1 - J 54, 7- J 67a, 5 - J 55a, 6 - J 56, 7 - J 66, 3 - B 9, 3 - J
77a, 2 - J 78, 2 - J 79, 6 -J 79a, 1 - J 81, 2.
Notas sobre Gautier [sigla: triângulo cor-de-rosa cheio]
J 41a, 6 - J 41a, 8 - J 29a, 2 - J 29a, 3 - J 36a, 1 - J 27a, 5 - J 3a, 2 -J 7a, 5 - J 14a, 6
- J 18, 3 - J 18a, 3 - J 25, 7 [Elementos fisionômicos] - J 58a, 4 [Alegoria].
Anexos ml 01 7
Notas sobre Dante [sigla: linha serpentiforme verde]
J 42a, 1 - J 45a, 1-J49.3 [A mercadoria] - J 26, 1-J33a, 1 -J33a, 10-J37,3-J
3, 1 {[Disposição sensitiva]} [Paixão estética] - J 3a, 1 - J 11, 3 — J 11, 4 - J 53, 4 [O
herói] — J 23a, 2.
iH Recepção em geral [sigla: círculo cor-de-rosa]
J 27, 1 - J 27, 8 - J 28, 1 - J 28, 2 - J 28, 3 - J 28, 4 - J 28, 6 - J 32a, 1 - J 33a, 2 - J
35, 3 -J 36, 2 - N la, 1 - N 2, 6 - N 2a, 3 - N 7, 5 - N 7, 6 [Salvação] - N 8a, 3 - N
9a, 5 [Salvação] — N 10, 4 -J 27a, 2 -J 30, 10 -J 33, 7- J 41, 2 -J 41, 6 -J 41a, 1-
J 42, 1 [Eterno retorno] - J 42, 3 - J 42, 7 - J 43, 5 - J 43, 7 - J 45, 3 - J 45, 4 -J 45,
5 - J 12, 4 [Alegoria] - J 12, 3 - J 12, 5- J 12a, 1-J 13, 8- J 14, 5- J 14, 9- J 14a, 5-
J 16a, 5— J 18, 2 — J 21, 6 [Elementos fisionômicos] - J 23a, 1 [Spleen] - J 24a, 3- J 24a,
4- J 52a, 6 - J 60a, 1- J 64a, 4- J 21, 6 [Elementos fisionômicos].
Banimento do orgânico [sigla: triângulo invertido marrom]
A 11a, 4 — A 11a, 6 — O 8a, 2 —J 29, 7 — M 10, 2 - M 15a, 1 - I 5a, 1-J 6, 4-J7a,
1 [Paixão estética] - J 9a, 1 [Disposição sensitiva] [A mercadoria] - J 14, 6 - J 16a, 11
[Jugendstil] - J 24a, 1 [Alegoria] -J 57, 4 [Disposição sensitiva].
Parte II: A Paris do Segundo Império em Baudelaire
Como esta parte foi redigida (GS 1/2, 511-604), o tipo de uso das categorias
aqui listadas pode ser verificada no texto. Observam-se proximidades temáticas entre
as seguintes categorias: Reações políticas e Rebelde e alcagüete-, A prostituta e O flâneur e
a massa-, Paris ctônica e Antigüidade parisiense-, e, finalmente, a tríade Lesbos, O dândi,
Elementos fisionômicos e O herói. Nota-se nesta parte II um predomínio de caracteres
sociais.
II Rebelde e alcagüete [sigla: quadrado roxo cheio] [cf. GS 1/2, 513-527 e 603-604]
b 1, 9 — b la, 2 — b la, 6 — J 42a, 8 — J 45a, 9 — J 46, 6 — b 2, 4 - a la, 2 — a 3, 2 — a 3a,
2 — a 4, 1 — a 5, 3 — a 5a, 4 — a 6, 1 — a 6a, 2 - a 7, 3 — a 7, 4 - a 7a, 3 — a 8a, 3 — a 9a,
1 - a 11, 2 - a 13, 4 - a 13a, 6 - [a 14, 2} - a 16a, 4 - a 17, 3 - a 17a, 4 - a 20, 2 - a 20,
6 — X3, 5-d2, l-d2a, l-d4a, 2-d5, 7-d5a, l-d8, 3-dlO, 1 — dlla, 1 —
<1 12, 2 — dl5, 4 — d 15a, 1 [Disposição sensitiva] - d 15a, 2 — d 16, 5 - d 17a, 4 - J 27a,
4 — J 28a, 3 - J 28a, 4 - J 29, 9 - J 30, 2 - J 30, 11-J30, 13 - J 31, 1-0 35, 2} - J
61 , 2 - J 38a, 2 -J 40, 6 - {J 39a, 4} - U 5a, 4 - U 7, 3 - U 7a, 1 - U 7a, 3 - U 8a, 1
1018 ■ Passagens
- U la, 5 - u 13a, 1 - U 13a, 2 - U 16, 4 - M 5a, 2 - E la, 6 - E la, 7 - E 2, 7 - E 9a,
7 - E 9a, 8 - E 9a, 9 - k 4, 2 - V 2, 1 - V 2a, 1 - V 5, 8 - V 5a, 4 - V 6, 3 - V 8a, 1 -
d 18, 1 - J la, 1 - 0 5a, 1 [O flâneur]} - J 5a, 2 - J 14a, 3 - J 15, 2 - J 15a, 1 [Disposição
sensitiva] [A mercadoria] [Progresso] — J 21 , 4 — J 23a, 3 — J 23a, 5 — J 25, 5 — J 55, 5 —
J 56a, 5 [Mercado literário] — J 61, 1 — J 61, 2 — J 61, 7 — J 29, 4 — J 42a, 3 [Mercado
literário] — J 46, 5 — J 68 , 3 — [J 68 , 4} — J 68 a, 1 — J 68 a, 2 — J 68 a, 3 — J 68 a, 4 — J 69a,
2 - J 70a, 1 - J 71 , 4 - V 10, 1 - d 10a, 1 [Mercado literário] - a 10a, 5 - V 9, 1 [O herói]
— V 9a, 2 — V 9a, 5 — J 40, 1 — J 61, 4 -J 65, 2-J 65a, 1 -J 27a, 7 - E 8, 9 - k 4, 5 -
d 11, 2-d la, 2 - d 9a, 3-J 73, 3 - J 73a, 4 [Mercado literário] -J 73a, 1 - J 73a, 2 -
J 73a, 3 - J 74, 2 - J 74, 3 - J 74, 4 - J 74a, 1 - 0 77, 4} - J 79a, 3 - J 82, 2.
II Mercado literário [sigla: cruzamento marrom] [cf. GS 1/2, 528-536 e 537-546]
J 4la, 7 ~ J 46, 2 - Y 1 , 2 - Y 5, 8 - H 3, 1 - H 3, 2 - A 3a, 7 [O flâneur e a massa] -
A 6 a, 3 - A 7a, 3 [A mercadoria] - d 1 , 4 - d 3 a, 8 - d 3 a, 6 - d 3a, 7 - d 6 , 4 - d 6 a, 1
- d 6 a, 7 - d 7a, 3 - d 9a, 1 - d 9a, 4 - d 10a, 1 [Rebelde] - d 12a, 2 - d 14, 2 - d 14,
3 _ d 14, 5 - d 14, 6 - d 15, 1 - J 26, 3 - J 27, 4 - J 27a, 3 -J 28, 8 - J 29, 6 -J 30,
1 - J 32, 2 - J 35a, 7 -] 36a, 5 - J 49a, 2 - U 3, 3 - U 4a, 7 - U 8 , 3 - U 8 a, 3 - U 9,
1 _ u 9 , 3 _ u 14a, 3 - M 16, 4 [O flâneur] - M 16a, 1 [O flâneur] - L 2a, 4 - L 3, 5
- P 3 a, 3 - J 21, 2 - J 25, 2 - J 52a, 3 - J 56, 6 - J 56a, 3-J 56a, 5 [Rebelde e alcagüete]
- J 42a, 3 [Rebelde] - d 16, 1 - T 3, 1 [O flâneur] - J 3a, 4 - J 14, 4 - d 6 a, 2 - d 6 a, 6
- J 73, 6 -J 73a, 4 [Rebelde e alcagüete] - J 58a, 5-
II O flâneur e a massa [sigla: cruzamento preto num retângulo preto] [cf. GS 1/2, 547-568]
M 1 , 4 - M 1 , 6 - M 2, 8 - M 2a, 2 - M 3, 8 - M 3a, 4 - M 4a, 2 - M 4a, 3 - M 4a,
4 _ M 5, 6 - M 5, 8 - M 5a, 1 - [M 6, 5] - M 6, 6 - M 6a, 2 - M 7, 3 - M 7, 5 - M
7, 7 _ M 7, 8 - M 7a, 6 - M 8, 1 - M 8, 2 - M 8, 3 - M 8a, 1 [Perda da auréola] - M
8a, 2 - M 8a, 3 - M 9a, 1 - M 9a, 3 - M 9a, 4 - M 9a, 5 - M 10, 1 - M 10, 3 - M 10,
4- [M 11, 2} - [M 11, 3} -M 11a, 1 - M 11a, 4-M 11a, 5 - M 11a, 6- M 12,3-
M 12, 4 - M 12, 5 - M 12, 6 - M 12a, 1 - M 12a, 2 - M 12a, 3 - M 12a, 4-M 12a,
5 - M 13 , 1 - M 13, 2 - M 13, 3 - M 13, 4 - M 13a, 1 - M 13a, 2 - M 13a, 4 - M 14,
1 - M 14, 2 - M 14, 3 - M 14, 5 - M 14, 6 - M 14a, 1 - M 15, 4 - M 15, 5 - M 15a,
2 - M 16 , 1 - M 16, 2 - M 16, 3 - M 16, 4 [Mercado literário] - M 17, 1 - E 5, 3 - I
4, 4 [Jugendstil] — I 5, 2 — I 5a, 2 — I 5a, 4 — I 6, 4 — I 6a, 4 — I 7, 3 — p la, 1 — p 2, 3 —
r la, 4 - T 3, 1 - [Mercado literário] - B 5a, 3 - C 2a, 2 - J 3a, 5 - J 4, 1 - J 6, 3 - O 6,
2 - D 2 a, 1 - D 4, 3 - D 5, 3 - J 41, 1 - [M 3, 5} - a 10, 1 [Eterno retorno] - a 14a, 3
[Eterno retorno] — a 1 9, 5 — Ala, 1— A 3, 9 — A 3a, 7 [Mercado literário] — A 5a, 2 — A
6a, 5 — X 1, 4 — O 5a, 1 [A prostituta] — O 6a, 2 — d 3a, 2 — d 5, 3 — d 7a, 1 — d 13a, 2
- d 14a, 4 - d 14a, 6 - d 17, 4 - d 17a, 1 - d 17a, 3 - d 17a, 5 - J 43, 2 - J 29, 5 - J 29,
11 - J 31a, 4- J 32, 1 - J 34, 1 - J 34, 2 - J 34a, 2-J 34a, 3 - J 35, 7 - J 35a, 1 - J 35a,
2 _ J 40, 5 - J 40a, 3 - k 1, 2 - M 16a, 2 - M 16a, 3 - M 17, 6 - M 6a, 4 - J 10a, 1
[Disposição sensitiva] [A mercadoria] - J 12a, 3-J 14, 1 - J 16, 1 - J 18a, 4 - J 19a, 7 -
J 20, 1 -J 20a, 5 - J 22, 1 -J 22, 6 - J 22a, 3 -J 23, 5 - J 52a, 7-J 56, 6 [Mercado
Anexos ■ 1019
literário] - J 56a, 7 - J 57, 8 - J 58, 5 - (J 58a, 5} - J 58a, 6 - J 59, 1 -J 59, 2 -J 59, 3
-J60, 2-J60, 4-J60a, 6-J61, 5-J61, 8-J61, 9-J6la, 1 - J 66a, 3 - J 66a, 6
— P 1, 4 — P2, 8 — P2a, 4— J 52a, 4 — J 66a, 2 [Antiguidade parisiense] - J 5a, 1 [Rebelde
e alcagüete] — J 43a, 6 - J 46, 4 - J 46a, 4 — J 4a, 5 — J 69, 2 - J 72, 3 — M 16a, 1
[Mercado literário] - D 4a, 4 — G 1, 4 — M 18, 1 - J 73, 4 — J 73, 5 — J 79, 4 — J 81,4
- J 81a, 1 - J 23, 6.
II Tédio [sigla: círculo preto cheio] [cf. GS 1/2, 579-581]
D la, 10 - D 2, 2 - D 2, 3 - D 2, 8 - D 2a, 6 - D 3a, 6 - D 4, 5 - D 4a, 3 - D 5, 4 -
J 46a, 5 — D 2a, 4 — F 6a, 1 - J 33a, 6 — U 10, 3 — gla, 3 — M3, 5 — M 3, 6 — M 5, 5
- M 6a, 1 - M / 4 - M 9, 2 - M 1 la, 3 - M 12, 1 - M 12, 2 - M 14a, 3 - M 14a, 4 -
M 15a, 4 [Antigüidade parisiense] - G 15, 2 - G 15, 6 - E 1, 6 - E la, 1 - E 2, 9 - E 2a,
3 - E 2a, 4 - E 3a, 6 - E 7, 4 - E 10, 3 - E 11a, 1 - E 12, 1 - K 5a, 2 - R 2, 1 - P la,
3 - P 2a, 5 - J 66, 7 [Antigüidade parisiense] - J 2, 1 - J 2, 2 - J 2, 3 - J 2a, 1 - J 2a, 2
[O herói] — J 2a, 3 — J 2a, 5 — J 2a, 6 — J 6, 1 [Andgüidade parisiense] — J 6, 2 - J 7, 2 —
J 10, 6- J 15, 5 -J 15a, 4- J 24a, 2-J 25, 3 -J 52, 5 -J 58, 2- J 59,8 [Antigüidade
parisiense] - J 60a, 7 - J 66, 7 [Antigüidade parisiense] - J 66a, 1 {[Progresso]} [O herói]
- J 66a, 5 - A 4a, 1 - J 69, 7 - J 71, 6 - J 71, 7 - J 72, 4 - D la, 8 - D 3, 5 - J 76, 4 -
J 76, 6 [O herói] - E 4, 2 — C 7, 1 [Antigüidade parisiense] — E la, 2 [Antigüidade
parisiense] .
II O herói [sigla: quadrado azul] [cf. GS 1/2, 569-584 e 600-604]
J 41a, 5 - J 42, 6 - J 43, 4 - J 48, 5 - J 37, 5 - J 37, 7 - J 37a, 3 -X 5, 1 - M 10a, 2 -
K 2, 1-J la, 3 - J 2a, 2 [Tédio] — J 4, 2 — J 4, 8 - J 4a, 1 - J 5, 1 - J 5a, 4 -J 5a, 5 - J
6a, 1 — J 6a, 2 [Alegoria]— J 6a, 4 [Alegoria] — J 7, 4 — J 13a, 5— J 17, 2 — J 24a, 6 — J 25,
6 - J 53, 4 [Notas sobre Dante] - {J 55, 9} — J 57a, 1 — J 65a, 5 — J 3a, 3 — J 51a, 7
[Antigüidade parisiense] — J 68a, 8 — J 39a, 1 [Antigüidade parisiense] — p 2a, 1 — p 3, 1
— p 3a, 1 -p 3a, 3-P 5a, 1 - K 4a, 3-J 5, 4-J 7, 8-J 10a, 5 -J 18, 6 -J 18a, 9-
J 21, 5 - J 27, 6 - J 28a, 6 - J 33a, 4 - J 42, 5 - J 44a, 3 -J 49a, 1 - D 4, 1 - D 5, 1 -
J 1 la ,2 — J 23, 4-J 41, 3 — J 46a, 3-J 50, 4 -J 29a, 5 -J 30, 6 - B 7, 2 - J 10, 1 -
J 10, 8 - J 16a, 9 - J 20a, 3 - J 21, 6 - J 52, 2 - J 57a, 4 - J 62, 6 - V 9, 1 [Rebelde e
alcagüete]- \] 73, 3} - J 73a, 5 - J 74, 1 - J 77, 3 - J 77a, 3 - J 78a, 1 [Novidade] - J 79a,
5 - J 81, 1 — J 81, 5 — J 79, 3 [Novidade] -M 11,2-M 11.3-M6, 5-J 18, 4 — J 35,
2-J 81a, 2-J 39a, 4-J 82, 1 - {B 2a, 6} -J 68, 4-J 77, 4.
H Antigüidade parisiense [sigla: quadrado vermelho. O nome desta categoria foi riscado e
seu conteúdo incorporado à categoria O herói.] [cf. GS 1/2, 584-594]
J 43a, 3 -J 43a, 4 - D 4a, 2 - D 5, 2 - S 5a, 4 - a 9a, 2 -J 50a, 5 - J 31a, 3 - J 36, 4
— J 36a, 6 - J 38a, 1-J 39, 2-J 39, 3 — J 39a, 1 [O herói] - J 40a, 1 — M 10a, 4 — M
15a, 4 [Tédio] — {E 4, 2} — K 4a, 2 — B 2a, 5 - B 2a, 6 [Elementos fisionômicos] — B 2a,
1020 ■ Passagens
7 - B 8, 1 - B 7, 5 - C 4, 1- C 5, 1- C 5, 2 - C 7, 1 [Tédio] - C 7a, 1 - C 7a, 4 - C 8,
2 - J 6, 1 [Tédio] - J 6a, 3 - J 13, 1 - J 13a, 3 - J 51a, 7 [O herói] -J 52, 1 - J 56a, 1
- J 57a, 3 - J 59, 8 [Tédio] - J 66, 7 [Tédio] - J 66a, 2 [O flâneur e a massa] - J 68a, 5
- J 69, 3 - J 71a, 1 - J 72, 5 [Eterno retorno] [Spleen] - C 9a, 1 - J 44, 3 - ] 34, 4 - E
la, 2 - a 12a, 7 - a 14, 2 - J 42a, 4 — J 28, 5 — J 74a, 2 - J 74a, 3 - J 76, 6 [Tédio] - J
66a, 1 [Tédio] - E la, 3.
PH Reações políticas [sigla: cruz amarela] [cf. GS 1/2, 525-526]
J 41a, 9 - J 42a, 10 - J 47a, 3 - J 48, 1 - a 19a, 2 - a 19a, 4 - A 1 la, 2 - J 26a, 2 - J 27,
9 -J 27a, 1 - J 27a, 7 - J 28a, 5 - J 29, 8 - J 40, 1 - U 4a, 5 - U 16a, 5 - G 4, 6 - E 6a,
4 - r 1, 2 - J la, 2 - J 9a, 3 - J 19a, 2 - J 20, 7 - J 23a, 6 - J 55, 1 - J 61, 4 - J 20a, 4
- J 65, 2 - J 65a, 1 - J 33, 1 - J 46a, 7 - J 70a, 8.
-H A prostituta [sigla: cruzamento roxo] [cf. GS 1/2, 559]
Z 1, 2 - Z 2a, 2 -X 2, 1 - X 3, 3 - O 11a, 2 - O la, 3 - O 3a, 3 - O 5a, 1 [O flâneur]
- O 6, 2 - O 7, 1 - O 7a, 4 - O 10a, 7 - O / 2 - M 10a, 1 - B 6a, 2 - J 54a, 6 - J 60,
5 - J 65a, 6 [A mercadoria] - J 66, 8 [A mercadoria] - J 67, 5 - J 67a, 1.
a Paris ctônica [sigla: círculo preto num quadrado amarelo cheio] [cf GS 1/2, 590-593]
D 1, 2 - D la, 5 - D la, 8 - D 3, 5 - J 42, 4 - J 44, 3 - J 48a, 3 - Y 2, 2 - J 31, 2 - J
31 , 3 - J 34, 3 - J 34, 4 - M 6a, 4 - L 5, 3 - L 4a, 4 - L 4a, 5 - E la, 2 - C 9, 1 - J 18a,
5 - J 21a, 5 - J 22a, 2 [Perda da auréola] - J 56a, 2 — J 70, 4 - J 72, 6 — J 72a, 1.
íí Lesbos [sigla: cruz verde] [cf GS 1/2, 594-598]
J 42, 5 - J 44a, 3 - J 27, 6 - J 28a, 6-J 33a, 4- J 49a, 1 - K 4a, 3 - p 2a, 1 - p 3, 1 -
p 3a, 1 - p 3a, 3 - p 5a, 1 -J 5, 4 -J 5, 5 [Paixão estética] - J 7, 8 - J 10a, 5 - J 18, 6 -
J 18a, 10 -J 21, 5.
PH O dândi [sigla: cruzamento azul] [cf GS 1/2, 599-600]
D 4, 1 - D 4a, 4 - D 5, 1 - J 50, 4 [Elementos fisionômicos] - J 42a, 4 - J 10, 8
[Elementos fisionômicos] - J 11a, 2 - J 23, 4.
Anexos mJ02I
Hl Elementos fisionômicos [sigla: cruz preta sobreposta a um círculo azul cheio] [cf. GS 1/2,
600-601]
J41, 3-J42, 2-J45, 1 - J 46a, 3 - J 47, 5 - J 48a, 2 - Y 5a, 7 - d 16, 4 - J 50, 1-
J 50, 4 [O dândi] - J 50a, 2 - J 50a, 4 - J 27, 5 - J 28, 5 - J 28, 7 - J 29, 1 - J 29, 12
- J 29a, 5 - J 30, 6- J 31, 4- J 36a, 3-J 37a, 5 - J 38, 2 - V 9a, 2 - V 9a, 5 - J 40, 7
- B7, 2 — B8, 4 — B 2a, 6 [Antigüidade parisiense] — J 3a, 4 — J 4, 6 - J 4a, 2 — J 7a, 4
-J 8a, 1 -J 8a, 3-J 10, 1 -J 10, 7 -J 10, 8 [O dândi] -J 11a, 1 -J 11a, 3 -J 11a, 4
[A mercadoria] — J 14, 4 — J 14a, 2 - J 16a, 9 — J 17, 7 - J 19a, 5 - J 20a, 3 — J 21, 6
[Recepção em geral] - J 23, 1 - J 25, 7 - J 51, 1 - J 51a, 4 - J 52, 2 - J 52, 6 - J 56a, 5
- J 57a, 4 — J 58, 1 - J 59, 7 [Perda da auréola] — J 59, 9 — J 60a, 2 — J 62, 1 — J 62, 6 -
J 29a, 1 - J 40, 3 - J 10a, 3.
Parte III: A mercadoria como objeto poético
Nesta parte predominam as categorias teóricas. Salvação e Progresso podem
ser ligadas à Tradição ; a primeira categoria, por afinidade temática, a segunda, por
oposição.
III A mercadoria [sigla: cruzamento vermelho num quadrado preto]
J 43a, 8 - J 48, 8 - J 49, 1 - J 49, 2 - F 7a, 6 - S 6a, 4 - A 1, 4 - A 2, 4 - A 3, 4 - A 3,
5 - A 3a, 3 - A 4, 1 - A 4, 2 - A 6, 2 - A 7a, 3 [Mercado literário] - A 7a, 4 - A 8, 3 -
A 9, 1 - A 9, 2 - A 1 1 , 3 - A 1 la, 7 - A / 1 - X 3, 4 - d 7, 2 - d 12a, 5 - J 49, 3 - J 49,
6 - J 49a, 3 - J 43, 6 - J 32a, 7 - J 33, 2 - J 36a, 7 - J 37a, 4 - U 4, 1 - X 3, 6 - X 3a,
3 - X 4, 3 - G 5, 1 - G 8, 2 - E 4a, 4 - 1 3, 4 - N 2, 7 - N 5, 2 - J 1 , 1 - J 7a, 3 - {J 9,
3 ] - J 9, 4 - J 9, 9 - J 9a, 1 {[Banimento do orgânico]} [Alegoria] [Disposição sensitiva] -
J 10a, 1 [Flaneur] [Disposição sensitiva] - J 13, 3-J 15a, 1 [Disposição sensitiva] [Rebelde
e alcagüete] [Progresso] — J 15a, 2 — J 16, 2 — J 18a, 1 — J 20, 6 — {J 23, 6} — J 23, 7 — J 24a,
5 - J 51, 2 -J 51, 3-J 51a, 6-J 55, 10 -J 58, 3-J 58, 4- J 59a, 1 -J 59a, 2- J 59a,
3 - J 60, 6 - J 61, 10 - J 62a, 1 - J 62a, 2 [Eterno retorno] - J 66, 2 - J 66, 4 - J 52, 3
-J 11a, 4 {[Elementos fisionômicos]} - J 52a, 8 - J 62, 5 [Perda da auréola] - J 65a, 6 [A
prosdtuta] - J 66, 8 [A prostituta] - J 67, 2 - J 67a, 2 - [J 76, 3}.
III Novidade [sigla: cruz cor-de-rosa]
D 5a, 5 - S / 3 - S 1, 5 - S la, 2 - S 1, 2 - S 2, 4 - S 2a, 2 - A 1, 5 - O 9, 4 - d 3a, 5
— J 34a, 1 — J 38a, 6 - G 16, 3 [Eterno retorno] — BI 1-B 1,4-B 1, 5 — B 2, 5 [Eterno
leromo] — B 3a, 1 — B 3a, 4 — B 4, 2 — B 4a, 1 — B 5a, 2 — B 6, 1 — B 7, 7 — B 8, 2 — B 9,
1 - J 7, 1 - J 24, 2 - J 54, 2 - J 56a, 1 0 [Eterno retorno] - J 60, 7 [Eterno retorno] - J 66,
1 - B 9, 2 -J 43a, 7 - J 71, 2 [Spleen] - Z 2a, 2 - B 6a, 2 - M 10a, 1 - J 46, 9 — J 48,
6 - d 6, 2 - J 32a, 6 - J 38a, 7 - J 38a/8 - J 40, 2 - {J 6la, 3} - J 64, 2 - J 65, 1 - J 66a,
1022 ■ Passagens
1 [Tédio] - N 7, 5 - J 8a, 3 - N 10, 4 - N 10, 2 - J 75, 3 - J 78a, 1 [O herói] - J 79, 3
[O herói] — J 79a, 2.
III Eterno retomo [sigla: triângulo azul]
D 5, 6 - D 5a, 1 - D 5a, 2 - D 5a, 3 - D 5a, 6 - D 6, 1 - D 6, 2 - D 6a, 1 - D 6a, 2
- D 6a, 3 - D 7, 1 - D 7a, 1 - D 8, 1 - D 8, 2 - D 8, 3 - D 8, 4 - D 8, 5 - D 8, 6 -
D 8, 7 - D 8a, 1 - {J 45, 6} - {J 45, 7} - J 47a, 2 [Spleen] - J 48a, 4 - S 8, 3 - S 8a, 4
[Spleen] - a 21, 4 - a 20a, 5 - X 2a, 1 -X 2a, 2 - J 36, 5 - J 37, 1 - J 37a, 2 - D 9, 2
- D 9, 3 - g 2a, 4 - g 3, 2 - g 3, 3 - E 11a, 2 - K 4, 4 - k 2, 1 - k 3a, 1 - D 8, 8 - D
8a, 2 - N 8a, 4 - N 9, 5 - N 9a, 8 - G 16, 3 [Novidade] - B 2, 5 [Novidade] - B 4, 1
-J 15, 6 - J 56a, 10- [Novidade] -J 56a,ll -J 58, 6 [Progresso] - J 61a, 2 - J 62a,2 [A
mercadoria] - J 63, 2 - J 42, 1 [Recepção em geral] - J 60, 7 [Novidade] - J 67, 3 - J 55a,
4 - J 69a, 5 - J 70, 2 - J 70, 3 - J 70a, 3 - J 70a, 7 - J 72, 5 [Antigüidade parisiense]
[Spleen] — a 14a, 3 [O flâneur] — J 72a, 4 — a 10, 1 [O flâneur] - J 6la, 3 - G 16, 4 — D
8a, 3 - D 10, 1 - D 8a, 4 - D 9, 4 [Jugendstil] - D 9, 5 - D 9, 6 - J 73, 2 - J 74a, 4 -
J 76, 2 - J 76, 3 - J 76, 5 - J 77a, 1.
III Spleen [sigla: cruzamento de cor alaranjada]
J 44, 5 - J 46a, 10 - J 48a, 5 - J 47a, 2 [Eterno retorno] - S 8a, 4 [Eterno retorno] - O
2a, 5 - O 4a, 1 - J 49, 5 -J 50, 2 - J 50a, 1 - J 50a, 1 - I 2, 6 - {N 8a, 2} - {N 9, 4} -
N 9a, 1 -{N 10, 2} - J 30, 5 - J a, 5 - J 8a, 5 -J 16a, 7-J 18, 5 -J 19a, 9 -J 20a, 1
- J 21a, 6 - J 23, 2 - J 23a, 1 [Recepção em geral] - ] 54, 6 - J 54a, 1 - J 57, 5 - J 59a,
4 - J 59a, 5 - J 63, 5 - J 63, 6 - J 64, 5 [Perda da auréola] - J 64a, 3 - J 66a, 4 - J 67a,
4 - J 68, 1 - J 68a, 6 - J 69a, 1 - J 71, 2 [Novidade] - J 72, 5 [Antigüidade parisiense]
[Eterno retorno] - J 47, 5 - Y 5a, 7 - J 50a, 4 - J 1 la, 3 - J 58, 1 - J 10a, 3 - J 73, 1 —
J 73a, 6 - J 74a, 5 [Jugendstil] - J 77a, 5.
III Perda da auréola [sigla: cruz preta numa elipse marrom]
J 35, 6 - J 48, 7-J 48, 8 - J 47, 6 - J 36a, 2 - J 47, 4 - J 47a, 1 - J 45a, 6 - (J 50, 6}
- U 50, 7} - [J 50, 8} — [J 50, 9} - S 3a, 2 [Jugendstil] - Y 5, 6 - d 4, 1 - d 9, 2 - d 9,
4_j 49 , 4 _ j 50, 6-J 50, 7-J 50, 8 - J 50, 9-J 30a, 3-J 35, 6 -J 36a, 2 - M 7, 1
- M 8a, 1 [O flâneur] - M 8a, 5 - M 11, 1 - Q4a, 4 - G 1, 1 - G 6, 1 - G 7a, 5 - E 8a,
2 — I2a, 7-p5a, 1— V 1,6 — V4, 4-M 16a, 4— J 44, 4 - J 13, 6-J 21a, 1-J21a,
3- J 21a, 7 - J 22, 2 - J 22a, 1 - J 22a, 2 [Paris ctônica] - J 54a, 7-J 55, 15 - J 56a, 12
- J 57, 2 - J 57, 3 [Alegoria] - J 58a, 3 - J 59, 7 [Elementos fisionômicos] - J 60a, 4 - J
62, 5 [A mercadoria] — J 64, 4 — J 64, 5 [Spleen] — J 64a, 1 — J 64a, 2 — J 54a, 5
[Disposição sensitiva] — J 69a, 3 — J 70a, 9 — J 72a, 2 — Y la, 4 — Y 2, 3 — Y 2a, 1 — Y 2a,
4 - Y 4a, 1 - Y 4a, 2 - Y 4a, 4 - Y 6, 3 - Y 6, 7 - Y 8a, 1 -Y10a, 1 -Y 10a, 2- Y 11,
1 - Y 7a, 1 - Y 9a, 1 - J 11a, 1-J60a,2-J 62, 1 - J 52, 6-J 55, 1-J47a, 3-J 76,
1 -J 77a, 8 -J 78, 1 - J 80a, 4 - J 80a, 5 - J 81,3.
Anexos ■ 1023
III Jugendstil [sigla: círculo amarelo cheio cortado por uma cruz preta
D la, 3 - J 44a, 1 -J 46, 1 - F 2, 8 - F 3, 1 - F 3, 4 - F 3a, 1 - F 3a, 4 - F 3a, 5 - F 4,
3 - F 4a, 5 - F 5, 1 - F 6a, 3 - S 2, 5 - S 2a, 1 - S 2a, 4 - S 2a, 5 - S 2a, 6 - S 3, 2 - S
3a, 1 - S 3a, 2 - S 3a, 3 - S 4, 2 - S 4, 1 - S 4, 4 - S 4, 5 - S 4, 6 - S 4a, 1 - S 4a. 2 -
5 4a, 3 - S 5, 4 - S 5a, 1 - S 5a, 3 - S 7a, 3 - S 7a, 4 - S 7a, 5 - S 7a, 6 - S 8, 1 - S 8,
2 - S 8, 4 - S 8, 5 - S 8, 6 - S 8, 7 - S 8, 8 - S 8a, 1 - S 8a, 2 - S 8a, 3 - S 8a, 5 - S 8a,
6 - S 8a, 7 - S 9, 1 - G 1, 7 - G 7, 4 - K la, 9 - I 4, 4 [O flâneur] - 1 7, 5 - 1 7a, 1 - N
9a, 7 — J 11, 1 — J 55, 3— J 61, 6 — J 65a, 3 — J 26a, 1 — J 16a, 1 1 [Banimenro do orgânico]
- J 56a, 8 - J 67, 6 - J 70, 6 - J 70a, 5 - S 9, 2 - J 48a, 2 - J 36a, 3 - J 25, 7 - J 51, 1
- J 5 la, 4 - J 56, 5 - D 9, 4 [Eterno retorno] - J 74a, 5 [Spleen] - J 77a, 4 - A 2, 6.
III Tradição [sigla: secção de círculo cor-de-rosa]
N 7, 6 - N 7, 7 - N 9a, 5 - N 11, 3 - N 8a, 2 - N 9, 4 - J l4a,5-J42a, 1-J76a, 1
- J 76 a, 2 -J 76a, 4- J 77, 1 -J 77a, 7.
Ui Progresso [sigla: cmz preta num círculo azul]
[D 5, 7} -J 46, 9 -J 48, 5 - S 6, 4 - S 6a, 1 - S 7a, 1 - Y la, 4 - Y 2, 3 - Y 2a, 1 - Y
2a, 4 - Y 4a, 1 -Y 4a, 2 - Y 4a, 4 - Y 6, 3 - Y 6, 7 - Y 8a, 1 - Y 10a, 1 - Y 10a, 2 - Y
11 , 1 — Y 7a, 1— Y 9a, 1 — Y 2a, 2 — d 6, 2 — J 32a, 6 — J 38a, 7 [Salvação] — J 38a, 8 — J
40 , 2 - G 4, 5 - G 13a, 3 - J 58, 6 [Eterno retorno] - J 6la, 3 - J 64, 2 - J 65, 1 - J 66a,
1 [Ennui].
tfí Salvação [sigla: cruz preta num círculo verde]
d 16, 3 - J 38a, 7 [Progresso] - K 2, 3 - N 3, 1 - N 3a, 4 - N 6, 5 - N 7, 6 [Recepção
em geral] — N 7, 7 - N 7a, 1 — N 9, 6 - N 9, 8 - N 9a, 5 [Recepção em geral] — N 9a, 6
-N 10a, 2-N 11, 3-J 51a, 5.
BIBLIOGRAFIA UTILIZADA POR WALTER BENJAMIN
Willi Bolle
Com base nos livros, artigos, panfletos e outras fontes indicadas por Benjamin
ao longo de suas “Notas e Materiais”, o organizador da edição alemã, Rolf Tiedemann,
compilou uma ampla bibliografia (GS V, pp. 1277-1323), completando detalhes que
eventualmente faltavam nas referências. Esta bibliografia, que incorporamos à edição
brasileira, ajudará o leitor a acompanhar melhor o trabalho de Benjamin nas Passagens,
que foi baseado em minuciosas pesquisas bibliográficas durante muitos anos.
Foram mantidos na presente bibliografia os títulos na íntegra e a numeração
da edição alemã (850 itens). Apenas não foram incorporados — assim como naquela
edição - os textos citados por Benjamin segundo fontes secundárias, nem os apenas
mencionados ou obras da cultura geral, citadas por ele sem referência a uma edição
específica.
1. Acht Tage in Paris. Paris, julho 1855.
2. Adorno, Theodor Wiesengrund. "Arabesken zur Operette". Die Rampe : Blãtter des Deutscher
Schauspielhauses Hamburg, 1931/1932, n° 9, pp. 3-5.
3. Adorno, Theodor Wiesengrund. "Fragmente über Wagner". Zeitschrift für Sozialforschung VIII (1939/
1940), n° 1/2, pp. 1-49.
4. Adorno, Theodor Wiesengrund. Kierkegaard: Konstruktion des Ãsthetischen. Tübíngen, 1933. (Beitrãge
zur Philosophie und ihrer Geschichte, 2.)
5. Adorno, Theodor Wiesengrund. " Konzertarie, Der Wein'". In: Reich, Willi. Alban Berg. Mit Bergs eigenen
Schriften und Beitrãgen von Theodor Wiesengrund-Adorno und Ernst Krenek. Viena-Leipzig-Zurique,
1937, pp. 101-106.
6. Adorno, Theodor Wiesengrund. "Rede über den Rarítâtenladen von Charles Dickens". Frankfurter Zeitung,
ano LXXV, n° 285, 1 8/abr./l 93 1 , pp. 1-2.
7. Adorno, Theodor Wiesengrund. "Versuch über Wagner" [Manuscrito],
8. Adorno, Theodor Wiesengrund. "Brief vom 5.6.1935 an Walter Benjamin" [Carta inédita; extratos],
9. Adorno, Theodor Wiesengrund. "Brief vom 5.8.1935 an Walter Benjamin" [Carta inédita; extratos].
10. Alain [Émile Auguste Chartier], Avec Balzac. 3 a ed.. Paris, 1937.
11. Alain [Émile Auguste Chartier]. Les Idées et les âges. Vol. I. Paris, 1927.
1026 ■ Passagens
12. Allard, Roger. Baudelaire et '1'Esprit nouveau". (De quelques préfaces, théories, prophéties.) Paris, 1918.
13. Almanach indicateur parisien. Paris, 1866.
14. Almeras, Henri d'. La Vie parisienne sous te règne de Louis-Philippe. Paris, 1925.
15. Anglemont, Édouard d'. Le Cachemire: Comédie en un acte eten vers. Représentée pour la première fois,
à Paris, sur le Théâtre Royal de l'Odéon, le 16/déc./1826. Paris, 1827.
16. Anglemont, Édouard d'. ^Internationale. Paris, 1871.
17. anônimo. "Faits divers". Les Boulets Rouges: Feuille du dub pacifique des droits de 1'homme. Rédacteur:
Le C en Pélin. Ano I, n° 1, 22 a 25/jun./1848, p. 1.
18. anônimo. “Galante Unterhaltungen zweier Mãdchen des 19. Jahrhunderts am hãuslichen Herd". Roma-
Paris: Editora von Grangazzo, Vache & Cie, s.d.
19. anônimo. "Heine an Marx". Die Neue Zeit, XI V (1895/1896), tomo 1, n° 1, pp. 14-19.
20. anônimo. "Klassenkâmpfe”. Die Neue Zeit, XII (1893/1894), tomo 2, n° 35, pp. 257-260.
21 . anônimo. "Questions diffidles à résoudre". Le Panorama; Revue critique et littéraire, ano I, n° 3, 25/fev./
1840, p. 3.
22. anônimo. Tagebuch einer Verlorenen: Von einer Toten. Org. e rev. por Margarete Bõhme. Berlim, 1905.
23. anônimo. "Zeitschriftenschau". Die Neue Zeit, XXIX (1910/1911), tomo 1, n° 11, pp. 382-384.
24. Anthologie de 1'Académie française: Un siède de discours académiques, 1820-1920. Org. por Paul Gautier.
Vol. II. Paris, 1921.
25. Apollinaire, Guillaume. Le Poète assassine. Nova ed., Paris, 1927.
26. Arago, François. "Lettre de M. Arago sur 1'embastillement de Paris". Carta extraída do National, de 21/jul./
1833. Orgs.: Associations nationales en faveur de la presse patriote. Comité central et comité parisien. Paris:
Impr. Auffray, 1833.
27. Arago, François. Sur 1’andenne École polytechnique. Paris, 1853.
28. Arago, François. Sur les Fortifications de Paris. Paris, 1841.
29. Arago, Jacques. "Aux juges des insurgés". Paris: Impr. Wittersheim, 1848. [Panfleto.]
30. Aragon, Louís. "D'Alfred de Vigny à Avdeenko: Les écrivains dans les Soviets". Commune: Revue de
1‘assodation des écrivains et des artistes révotutionnaires, ano II, n° 20, abr. 1935, pp. 801-815.
31. Aragon, Louis. Le Paysan de Paris. 8 a ed.. Paris, 1926.
32. Arçay, Joseph d' [Paul de Malherbe], La Salle à manger du Docteur Véron. Paris, 1868.
33. Ariste, Paul d'. La Vie et le monde du boulevard. (1830-1870.) (Un dandy: Nestor Roqueplan.) Prefácio de
Jacques Boulenger. Paris, 1930.
34. Armand, Félix e Maublanc, Renê. Fourier. 2 vols. Paris, 1937. (Socialisme et culture, 1.)
35. Audebrand. Philibert. Michel Chevalier. Paris: Impr. Vallée, 1861.
36. Auriac, Eugène d'. Histoire anecdotique de 1'industrie française. Paris, 1861.
37. Avenel, George d'. "Le Mécanisme de la vie moderne, I: Les grands magasins". Revue des deux mondes,
ano LXIV, 4 o período, tomo 124, 15/jul./1894, pp. 329-369.
38. Babou, Hippolyte. Les Payens innocents: Nouvelles. Paris, 1858.
39. Babou, Hippolyte. La Vérité sur le cas de M. Champfieury. Paris, 1857.
40. Baldensperger, Fernand. "Le Raffermissement des techniques dans la littérature ocddentale de 1840".
Revue de littérature comparêe 15 (1935), pp. 77-96.
41 . Balzac, Honoré de. CEuvres complètes. Vol. XVIII. La Comédie humaine. Texto revisado e anotado por Marcei
Bouteron e Henri Longnon. Études de mceurs: Scènes de la vie parisienne, VI. Les parents pauvres: II: Le
cousin Pons. Un prince de ta bohême. Un homme d'affaires. Paris, 1914.
Anexos ■ 1027
42. Balzac, Honoré de. "Ce qui disparaít de Paris", in: Le Diable à Paris: Paris et les parisiens - Mceurs et
coutumes, caractères et portraits des habitants de Paris, tableau complet de leur vi e prfvee, publique,
politique, artistique, Httéraire. industrielle etc, etc. Textos de Balzac, Eugène Sue, George Sand e outros.
Precedidos de uma "Géographie de Paris", de Théophile Lavallée. Vol. II. Paris, 1846, pp. 1 1-19.
43. Balzac, Honoré de. Critique Httéraire. Introdução de Louis Lumet. Paris, 1912. (Bibliothèque des critiques.)
44. Balzac, Honoré de. Le Curé de village. Paris: Ed. Siècle, s.d.
45. Balzac, Honoré de. "Histoire et physiologie des boulevards de Paris: De la Madeleine à la Bastille". In: Le
Diable à Paris [ ver n° 42 desta bibliografia], pp. 89-104.
46. Balzac, Honoré de. Cillustre Gaudissart. Paris: Ed. Calmann-Lévy, s.d.
47. Balzac, Honoré de. La Peau de chagrin. Paris: Ed. Ernest Flammarion, Impr. Comte-Jacquet, s.d.
48. Balzac, Honoré de. Pensées, sujets, fragments. Ed. original, com prefácio e notas de Jacques Crépet. Paris
1910.
49. Bandy, W. T. Baudelaire Judged by his Contemporaries (1845-1867). Nova York, 1933.
50. Banville, Théodore. Mes Souvenirs: Victor Hugo, Henri Heine, [...] Charles Baudelaire etc (Petites études )
Paris, 1882.
51. Barbara, Charles. L'Assassinat du Pont-Rouge. Paris, 1859.
52. Barbey d'Aurevilly, Jules-Amédée. Joseph de Maistre, Blanc de Saint-Bonnet, Lacordaire, Gratry, Caro. Paris,
1910. (Chefs-d’ceuvres de la littérature religieuse, 543.)
53. Barbey d'Aurevilly, Jules-Amédée. Les CEuvres et les hommes. (XIX e siècle.) Parte III: "Les Poètes". Paris, 1862.
54. Barbier, Auguste. Jambes et poèmes. Paris, 1841.
55. Barbier, Auguste. Jambes et poèmes. 5 a ed., revista e aumentada. Paris, 1845.
56. Barbier, Auguste. Poêsies: Jambes et poèmes. Paris, 1 898.
57 . Barrault, Émile. Aux Artistes: Du passê et de 1’avenir des beaux-arts. (Doctrine de Saint-Símon.) Paris, 1830.
58. Barrault, Émile. "Lamartine: Poésie et politique". Artigo extraído do National, de27/mar./1869. Paris, 1869.
59. Barré, Albert, Radet, Jean-Baptiste e Desfontaines, F.-G. M. Durelief, ou Petite revue des embellissements de
Paris; en prose et en vaudevilles. Représentée pour la première fois, à Paris, sur le Théâtre du Vaudeville, le
09/juin/1810. Paris, 1810.
60. Barrès, Maurice. La Folie de Charles Baudelaire. Paris, 1926.
61. Barrière, Théodore. Les Parisiens: Pièce en trois actes. Représentée pour la première fois, à Paris, sur le
Théâtre du Vaudeville, le 28/déc./1854. Paris, 1855.
62. Barrière, Théodore e Thiboust, Lambert. Les Filies de marbre: Drame em cinq actes, mêlé de chant. Musique
nouvelle de M. Montaubry. Représentée pour la première fois, à Paris, sur le Théâtre du Vaudeville, le
17/mai/1853. Paris, 1853.
63. Barthélemy, Auguste-Marseille. Nouvelle Némésis: Satires. Tomo 1. Paris, 1845.
64. Barthélemy, Auguste-Marseille. Paris: Revue satirique. À M. G. Deiessert, Préfet de Police. Paris, 1 838.
65. Barthélemy, Auguste-Marseille. Le vieux Paris et le nouveau : Dialogue en ve/s. Paris, 1861.
66. Barthélemy, Auguste-Marseille e Méry, Joseph. dlnsurrection: Poème dédié aux parisiens. Paris, 1830.
67. Barthou, Louis. Autour de Baudelaire. ("Le Procès des Fleurs du Mal", "Victor Hugo et Baudelaire” .) Paris,
1917.
68. Bastiat, Frédéric. "Un Économiste à M. de Lamartine à 1'occasion de son écrit intitulé Du droitau travai!" .
Journal des économistes: Revue mensuelle d‘économie politique et des questions agricoles, manufacturières
et commerdales, tomo 10, ano IV, n° 39, fev. 1845, pp. 209-223.
69. Bataille, Henry. "Baudelaire". Comcedia, ano XIII, n° 2944, 07/jan./1 921, p. 1.
70. Batault, Georges. Le Pontife de la démagogie: Victor Hugo. Paris, 1934.
1028 ■ Passagens
71. Baudelaire, Charles. (Euvres complètes.
Vol. I: Les Fleurs du Mal. Les Épaves. Introd. e notas de Jacques Crépet. 2 a ed.. Paris, 1930.
Vol. VII: Traductions. Nouvelles histoires extraordinaires par Edgar Poe. Introd. e notas de Jacques Crépet.
Paris, 1933.
Vol. X: Traductions. Histoires grotesques et sérieuses par Edgar Poe. Introd., notas e índice de Jacques
Crépet. Paris, 1937.
72. Baudelaire, Charles. (Euvres. Org. e notas de Yves-Gérard Le Dantec. 2 vols. Paris, 1931 e 1932. (Bibliothèque
de la Plêiade, 1 e 7).
73. Baudelaire, Charles. L'Art romantique. Tomo 3. Paris: Ed. Hachette. s.d.
74. Baudelaire, Charles. Dernières lettres inédites à sa mère. Introd. e notas de Jacques Crépet. Paris, 1926.
75. Baudelaire, Charles. Les Dessins de Daumier. Paris, 1924. (Ars graphica, 2.)
76. Baudelaire, Charles. Les Fleurs du Mal. Paris: Ed. Payot, 1919. (Bibliothèque miniature, 39.)
77. Baudelaire, Charles. Lettres 1841-1866. 4 a ed. Paris, 1915.
78. Baudelaire, Charles. Lettres á sa mère. Paris, 1932.
79. Baudelaire, Charles. "Notes nouvelles sur Edgar Poe". In: (Euvres complètes. Vol. VI: Traductions II:
Nouvelles histoires extraordinaires par Edgar Poe. Paris: Ed. Calmann Lévy, 1886, pp. 1-24.
80. Baudelaire, Charles. Les Paradis artificieis: Opium et haschich. Paris, 1917.
81. Baudelaire, Charles. Le Spleen de Paris. Paris: Ed. Hilzum, s.d.
82. Baudelaire, Charles. Le Spleen de Paris. Paris: Ed. R. Simon, s.d.
83. Baudelaire, Charles. Vers latins. Suivis de compositions latines de Sainte-Beuve etAlfred de Musset. Introd.
e notas de Jules Mouquet. Paris, 1933.
84. Baudelaire, Charles. Vers retrouvés (Juvenilia - sonnets). Manoel. Introd. e notas de Jules Mouquet. Paris,
1929.
85. Beaurepaire, Edmond. La Chronique des rues. I a série. Paris, 1900. (Paris d'hier et d'aujourd'hui.)
86. Béguin, Albert. L'Âme romantique et le rêve: Essai sur le romantisme allemand et la poésie française. Vol. II.
Marseille, 1937.
87. Behne, Adolf. Neues Wohnen - neues Bauen. Leipzig, 1927. (Prometheus-Bücher.)
88. Benda, Julien. Un régulier dans le siècle. Paris, 1938.
89. Benda, Julien. La Trahison des deres. Paris, 1927. ("Les Cahiers verts", 6).
90. Benjamin, Walter. "Der Erzãhler: Betrachtungen zum Werk Nikolai Lesskows". Orient und Occident, NF, n°
3 (out. 1936), pp. 16-33.
91 . Benjamin, Walter. "Eduard Fuchs, der Sammler und der Historiker" . Zeitschrift für Sozialforschung VI (1937),
pp. 346-381 .
92. Benjamin, Walter. "Das Paris des Second Empire bei Baudelaire" [Manuscrito],
93. Benjamin, Walter. "Der Sürrealismus: Die letzte Momentaufnahme der europàischen Intelligenz". D/e
literarische Welt, 15/fev./1929 (ano V, n° 27), p. 7.
94. Benjamin, Walter. Ursprung des deutschen Trauerspiels. Berlim, 1928.
95. Benjamin, Walter. "Brief vom 6.1.1938 an Max Florkheimer" [ ver GS I, pp. 1071-1072].
96. Benoist, Charles. "La Crise de l'état moderne: De 1'apologie du travail à 1'apothéose de 1'ouvrier (1750-
1848). II: Jusqu'à 1848". "III: Le, mythe' de la classe ouvrière’". Revue des deux mondes, ano LXXXIII, 6°
período, tomo 13, 15/jan./1913, pp. 367-397; e ano LXXXIV, 6° período, tomo 20, 01/mar./1914, pp.
84-116.
97. Benoist, Charles. THomme de 1848. 1: Comment il s'est formé: LTnitiation révolutionnaire (1830-1840)".
"II: Comment il s'est déveíoppé: Le communisme, 1'organisation du travail, la réforme (1840-1848)".
Revue des deux mondes, ano LXXXIII, 6° período, tomo 16, 01/jul71913, pp. 134-161; e ano LXXXIV, 6“
período, tomo 19, 01/fev./1914, pp. 638-670.
Anexos *1029
98. Benoit-Lêvy, Edmond. Les Misérables de Victor Hugo. Paris, 1929. (Les grands événements iittéraires.)
99. Benzenberg, Johann Friedrich. Briefe geschrieben auf einer Reise nach Paris (im Jahr 1804). Parte I.
Dortmund, 1805.
1 00. Béraud, F.-F.-A. Les Filies publiques de Paris, et la police qui les régit. Precedido de uma nota histórica de
M.A.M. "Sur la Prostitution chez les divers peuples de la terre". 2 vols. Paris-Leipzig, 1839.
101. Bergler, Edmund. "Zur Psychologie des Hasardspielers". Imago XXII (1936), n° 4, pp. 409-441.
102. Berl, Emmanuel. "Premier pamphlet: Les littérateurs et la révolution". Europe, tomo 19, n° 75, 15/mar./
1929, pp. 397-414.
103. Berlioz, Hector. Gesammelte Schriften. Vol. I:À travers chants: Musikalische Studien, Huldigungen, Einfàlle
und Kritiken. Ed. alemã org. por Richard Pohl. Leipzig, 1864.
104. Bernheim, Ernst. MittelalterlicheZeitanschauungen in ihrem EinfluB auf Politik und Geschichtsschreibung.
Parte I: "Die Zeitanschauungen: Die Augustiníschen Ideen - Antichrist und Friedensfürst - Regnum und
Sacerdotium". Tübingen, 1918.
105. Berryer, Pierre-Antoine. duvres. 2 a série: Plaidoyers. Tomo 2: 1836-1856. Paris, 1876.
106. Bertaut, Jules. "Le 'Mapah'". Le Temps, ano LXXV, n° 27.046, 21/set./1935, p. 3.
107. Bertaut, Jules. Le Père Goriot de Balzac. Amiens. 1928. (Les grands événements Iittéraires, 4.)
108. Berthet, Elie. "Rue et passage du Caire". In: Paris chez soi. Histoire, mceurs, rues, monuments, palais,
musées, théâtres, chemins de fer, fortifications et environs de Paris ancien et moderne. Par 1'élite de la
littérature contemporaíne. Paris, 1854, pp. 353-362.
109. Bertrand, Louis. "binauguration à Genève du monument de Chateaubriand: Discours". Le Temps, ano
LXXV, n° 27.043, IS/set/1935, p. 3.
1 10. Besancourt, Albert de. Les Pamphlets contre Victor Hugo. Paris, s.d.
111. Besson, George. La Photographie française. Paris, 1936. (Col. "Arts et Métiers".)
112. Billy, André. Les Écrivains de combat. Paris, 1931 . (Le XIX e siècle.)
1 1 3. Biographie universelle (Michaud) ancienne et moderne, ou Histoire, par ordre alphabétique, de la vie
publique et privée de tous les hommes qui se sont fait remarquer par leurs écrits, leurs actions, leurs talents,
leurs vertus et leurs crimes. Nouvelle édition, publiée sous la direction de M. Michaud, revue, corrigée et
considérablement augmentée d'articles omis ou nouveaux; ouvrage rédigé par une société de gens de
lettres et de savants. Vol. XIV. Paris, 1856. - Verbete “Fontaine, Pierre-François-Léonard", de F. H-l-y.
1 14. Bisson, E. Souvenirde la visite de LL. MM. Tempereur & 1'impératrice aux magasins de MM. Bisson frères,
le 29/déc./1856. Paris, 1857.
1 1 5. Blanc, Charles. Le Cabinet de M. Thiers. Paris, 1871 .
116. Blanc, Charles. "Considérations sur le vêtement des femmes. Fragments d'un ouvrage sur les arts
décoratifs". Instituí de France. Texto publicado na Gazette des Beaux-Arts. Apresentado na sessão pública
anual das cinco academias a 25/out./1872. Paris: Impr. de 1'Tnstitut, 1872.
1 1 7. Blanc, Charles. Le Trésor de la curiosité. Tiré des catalogues de vente de tableaux, dessins, estampes ... et
autres objets d'art. Avec diverses notes & notices hístoriques & bibliographiques et précédé d'une lettre à
1'auteur sur la curiosité et les curieux. Paris, 1858.
118. Blanche, Jacques-Émile. Mes modeles - Souvenirs Iittéraires: Barrès - Hardy - Proust - James - Gide -
Moore. 5 a ed.. Paris, 1929.
119. Blanqui, Adolphe. Histoire de 1'exposition des produits de Tindustrie française en 1827. Paris, 1827.
120. Blanqui, Auguste. Critique sociate. Tomo 1: Capital et travai!. Tomo 2: Fragments et notes. Paris, 1885.
121. Blanqui, Auguste. Défense du citoyen Louis-Auguste Blanqui devant la cour d'assises, 1832. Paris: Impr.
Auguste Mie, 1832.
122. Blanqui, Auguste. VÊternitê par les astres: hypothèse astronomique. Paris, 1872.
123. Bloch, Ernst. Erbschaft dieser Zeit. Zurique, 1935.
1030 ■ Passagens
124. Bloch, Ernst. "Leib und Wachsfigur". Frankfurter Zeitung [s.d.].
125. Bloch, Jean-Richard. "Langage d'utilité, langage poétique". In: Encydopédie française. Vol. XVI: Arts et
littératures dans ta sotiété contemporaine, tomo 1. Paris, 1935. Fase. 16.50-8 a 16.
1 26. Bóhle, Franz. Theater-Catechismus oder humoristische Frklárung verschiedener vorzüglich im Bühnenleben
üblicher Fremdwõrter. Munique, s.d.
127. Boehn, Max von. Die Mode: Menschen und Moden im neunzehnten Jahrhundert nach Bildern und
Kupfern derZeit. Org. por Oskar Fischel. Vol. II: 1818-1842. Munique, 1907.
128. Bõrne, Ludwig. Gesammelte Schriften. Nova ed. completa. Vols. III eX. Hamburgo-Frankfurt a. M„ 1862.
129. Boetticher, Karl. "Das Prinzip der FHellenischen und Germanischen Bauweise hinsichtlich der Übertragung
in die Bauweise unserer Tage: Festrede am 13. Mãrz 1846". In: Zum hunderjàhrigen Geburtstag Karl
Bôttichers. (Impresso como manuscrito.) Berlim, 1906, pp. 15-65.
130. Boissière, Charles. Éloge de 1'ennui. Dédié à 1'Académie française. Paris, 1860.
131. Bonjean, Louis-Bernard. Socialisme et sens commun. Paris, 1849.
132. Bonnard, Abel. Le Drame du présent. Vol. I: Les modérés. Paris, 1936.
133. Bonnier, Charles. "Das Fourier'sche Prinzip der Anziehung". Die Neue Zeit, X (1891/1892), tomo 2,
n° 47, pp. 641-650.
134. Bonnières, Robert de. Mémoires d'aujourd'hui. 3 e série. Paris, 1888.
135. Borchardt, Rudolf. Schriften. Epitegomena zu Dante, I: Einleitung in die Vita Nova. Berlim, 1923.
136. Bouchot, Henri. La Lithographie. Paris, 1895. (Bibliothèque de l'enseignement des beaux-arts.)
137. Bouglé, Célestin. Chez les prophètes socialistes. Paris, 1918.
138. Boulenger, Jacques. "La magie de Michelet". Le Temps, ano LXXVI, n° 27.282, 15/mai/1936, p. 3.
139. Bounoure, Gabriel. "Abímes de Victor Hugo". Mesures, ano II, n° 3, 15/jul./1936, pp. 33-51.
140. Bourget, Paul. Essais de psychoiogie contemporaine. Tomo I. Ed. definitiva e aumentada, com anexos.
Paris, 1901.
Bourget, Paul. Ver Anthologie de l'Académie française [n° 24 desta bibliografia],
Bourget, Paul. Ver Cerfberr, Anatole [n° 175 desta bibliografia],
141. Bourlier, Louis. Épitre aux détracteurs du jeu. Paris, 1831.
142. Bourlier, Louis. Pétition à MM. les députés, ave c un exposé lumineux. Paris, 1839.
1 43. Bourlier, Louis. Stances à 1'occasion de ta ioi qui supprime la ferme des jeux, adressées â la chambre qui a
voté cette suppression, et qui, a été supphmée elle-même. Paris, 1 837.
144. Brandenburg, F. von. Victoria! Eine neue Welt! Freudevoller Ausruf in Bezug darauf, daB auf unserm
Planeten, besonders auf der von uns bewohnten nõrdlichen Halbkugel eine totale Temperatur-Veranderung
hinsichtlich der Vermehrung der atmosphârischen Wârme eingetreten ist. 2 a ed., aumentada. Org. e escrita
por F. von Brandenburg, autor da obra Der Sturz der Cholera morbus usw. Berlim, 1835.
145. Brazier [Nicolas], Gabriel e Dumersan. Les Passages et les rues, ou La guerre dédarée: Vaudevilleen unacte.
Représenté pour la première fois, à Paris, sur le Théâtre des Variétés, le 07/mars/1827. Paris, 1827.
146. Brecht, Bertolt. "Fünf Schwierigkeiten beim Schreiben der Wahrheit". UnsereZeit, Paris-Basiléia, VIII, n° 2/3,
abril 1935, pp. 23-34.
147. Brecht, Bertolt. Tradução de Percy Bysshe Shelley, "Peter Bell the Third". [Inédita; extrato.]
148. Brecht, Bertolt. Versuche 4-7, Caderno 2. Berlim, 1930.
149. Brecht, Bertolt. Versuche 8-10, Caderno 3: Die Dreigroschenoper, Der Dreigroschenfilm, Der
DreigroschenprozeB. Berlim, 1931.
1 50. Breton, André. " La Grande actualité poétique" . Minotaure: Revue artistique et littéraire, ano II, n° 6, hiver
1935, pp. 61-62.
Anexos ■/ 031
151. Breton, André. Nadja. 7 a ed.. Paris, 1928.
1 52. Breton, André. Point du jour. 5 a ed.. Paris, 1934.
153. Breton, André. Position politique du surréalisme. Paris, 1935. (Les documentaires
1 54. Brod, Max. Über die Schõnheit hãBlicher Bilder: Ein Vademecum für Romantiker unserer Zeit. Leipziç
1913.
155. Brun, Charles. Le Roman social en France au XIX? siède. Paris, 1910.
156. Brunet, Jean-Baptiste. Paris, sa constitution générale. Parte I: "Le messianisme, organisation générale".
Paris, 1858.
157. Brunet, R. "La Cuisine régionale". Le Temps, 04/abr./1940.
1 58. Brunetière, Ferdinand. CÉvolution de la poésie lyrique en France au dix-neuvième siède: Leçons professées
à la Sorbonne. Vol. II. Paris, 1894.
1 59. Brunetière, Ferdinand. Essais sur la littérature contemporaine. Paris, 1 892.
160. Brunetière, Ferdinand. Nouveaux essais sur la littérature contemporaine. Paris, 1895.
161. Brunetière, Ferdinand. Questions de critique. Juin, 1887.
1 62. Brunot, Ferdinand. Histoire de la langue française des origines à 1900. Tomo 9: La Révolution et 1'empire.
Parte 2: "Les événements, les institutions et la langue". Paris, 1937.
163. Budzislawski. "Krõsus baut". Die neue Weltbühne XXXIV (1938), n° 5, 03/fev./1 938, pp. 125-130.
1 64. Buret, Eugène. De la misère des classes laborieuses en Angleterre et en France; de la nature de la misère,
de son existence, de ses effets, de ses causes, et de 1'insuffisance des remedes qu'on lui a opposés jusqufci;
avec 1'indication des moyens propres à en affranchir les sociétés. 2 vols. Paris, 1 840.
1 65. Burgy, Jules. Présent et avenir des ouvriers: par un typographe. Paris, 1 847.
166. Cabanès, Augustin [?]. "Le sadisme chez Baudelaire". La Chronique médicale, ano IX, n° 221, 15/nov./
1902, pp. 725-735.
167. Caillois, Roger. "La mante religieuse: Recherches sur la nature et la signification du mythe". Mesures, ano
III, n° 2, 15/abr./1 937, pp. 85-119.
1 68. Caillois, Roger. "Paris, mythe moderne". La Nouvelle Revue Française, ano XXV, n° 284, 01/mai/1937, pp.
682-699.
169. Calippe, Charles. Balzac: ses idées sodales. Reims-Paris, 1906. (Publications de 1'action populaire.)
170. Carné, L. de. "Publications démocratiques et communistes". Revue des deux mondes, XXVII (1841), p.
746.
171. Cassou, Jean. Quarante-huit (Anatomie des révolutions.) Paris, 1939.
172. Cassou, Jean. "La semaine sanglante". Vendredi: Hebdomadaire littéraire et politique, n° 29, 22/mai/
1936, p. 7.
173. Caubert, Louis-Antoine-Justin. La nèvrose de Baudelaire: Essai de critique médico-psychologique. Tese de
doutorado em medicina, Université de Bordeaux. Bordeaux, 1930.
174. Caume, Pierre. "Causeries sur Baudelaire: Décadence et modernité". La Nouvelle Revue, ano XXI, tomo
119, fase. 4, 1 5/ago./1 899, pp. 659-672.
175. Cerfberr, Anatole e Christophe, Jules. Répertoire de la Comédie humaine de Honoré de Balzac. Introdução
de Paul Bourget. Paris, 1887.
176. Champfleury [Jules Husson], Souvenirs et portraits de jeunesse. Paris, 1872.
177. Chaptal, Jean-Antoine-Claude. De /' Industrie française. Vol. II. Paris, 1819.
178. Chaptal, Jean-Antoine-Claude. Rapport fait à la Chambre, parM. lecomteJ.-A.-CI. Chaptal, au nom d'une
commission spécia/e chargée de 1'examen du projet de loi relatifaux altérations et suppositions de noms sur
les produits fabriqués. Paris, 1824. (Chambre des Pairs de France. Impressions diverses. Session de 1824.
Tomo 5, n° 152; sessão de 17/jul./1824.)
1032 ■ Passagens
179. Chapuis, Alfred e Gélis, Edouard. Le Monde des automates: Étude historique et technique. Prefácio de
Edmond Haraucourt. Tomo I. Paris, 1928.
1 80. C haravay, Etienne. A. de Vigny et Charles Baudelaire, candidats à 1'Académie française: Étude. Paris, 1 879.
181. Charpentier, John. "La poésie britannique et Baudelaire" (III). Mercure de France, ano XXXII, tomo 147,
n° 549, 01/mai/1921, pp. 635-675.
182. Chassin, Charles-Louis. La Légende du Petit-Manteau-Bleu. Paris, s.d. [por volta de 1860.] (Les Veillées
populaires.)
183. Chatelain, U.-V. Baudelaire: Chomrne et le poète. Paris, s.d.
1 84. Chaudes-Aigues, Jacques-Germain. Les Écrivains modernes de la France. Paris, 1 841 .
185. Chenou, Joseph-Charles e D., H. Notice sur 1'exposition desproduíts de 1'industrie et des arts qui a eu lieu
à Doual en 1827. Douai, 1927.
186. Chéronnet, Louis. "Avant 1'Exposition de 1937: Les trois gran'mères, 1878, 1889, 1900". Vendredi:
Hebdomadaire littéraire et politique, ano III, n° 78, 30/abr./1 937, p. 8.
187. Chéronnet, Louis. "Le Coin des vieux". Vendredi, 09/out./1936.
188. Chesterton, Gilbert Keith. Charles Dickens. Trad. [para o francês] de Achille Laurent e L. Martin-Dupont.
Paris, 1927.
189. Chevalier, Michel. "Chemins de fer". Extrato do Dictionnaire de Féconomie politique. Paris, 1852.
190. Chevalier, Michel. Discours sur une pétition rédamant contre la destruction du palais de 1’exposition
universelle de 1867. (Sénat. - Sessão de 3 1/jan./1 868.) Paris, 1868.
191. Chevalier, Michel. Du Progrès: Discours prononcé à 1’ouverture de son cours au Collège de France, le
08/jan./1852. Paris, 1852.
192. Chevalier, Michel. Religion Saint-Simonienne : Le bourgeois. - Le revélateur Paris: Impr. Éverat, 1832.
1 93 . Chevalier, Michel. Religion Saint-Simonienne: Fin du choléra par un coup d'état. Paris: Impr. Éverat, 1 832.
194. Chevalier, Michel. Religion Saint-Simonienne: La Marseillaise. (Extrato de LVrganisateur, de 1 1/set./1830.)
Paris: Impr. Éverat, 1830.
195. Chodruc-Duclos. Mémoires. Ed. org. por J. Arago e Édouard Gouin. 2 vols. Paris, 1843.
196. Le dnquantenaire de Charles Baudelaire. Paris, 1917.
197. Clairville [Louis-François Nicolaíe] e Cordier, Jules. Le Palais de Cristal ou Les Parisiens à Londres: Grande
revue de 1'exposition universelle en dnqactesethuittableaux. Representée pour la première fois, à Paris, sur
leThéâtre de la Porte-Saint-Martin, le 26/mai/1851. Paris, 1851.
1 98. Clairville [Louis-François Nicolaíe], Delatour [de Lajonchèr] e Auguste Gay. 1837 aux enfers: Revue fantastique
mêlée de couplets. Représentée, pour la première fois, sur le Théâtre du Luxembourg, le 30/déc71837.
Paris, 1838.
199. Claretie, Jules. La Vie à Paris 1881. 2 e année. Paris, 1882.
200. Claretie, Jules. La Vie â Paris 1882. 3 e année. Paris, 1883.
201. Claretie, Jules. La Vie à Paris 1895. Paris, 1896.
202. Claretie, Jules. La Vie à Paris 1896. Paris, 1897.
203. Claretie, Jules. La Vie à Paris 1900. Paris, 1901 .
204. Claretie, Jules. [Carta]. In: Le Tombeau de Charles Baudelaire. Ouvrage publié avec la collaboration de
Stéphane Mallarmé [et alj; précédé d‘une étude [...] par Alexandre Ourousof et suivi d'ceuvres posthumes
[...] de Charles Baudelaire [...]. Paris, 1896, p. 91.
205. Claretie, Léo. Paris depuis ses origines jusqu'em l'an 3000. Prefácio de Jules Claretie. Paris, s. d. [1886],
206. Clouzot, H. / Valensi, R.-H. Le Paris de la Comédie humaine. ("Balzac et ses fournisseurs''.) Paris, 1926.
207. Cochut, André. "Opérations et tendances financières du Second Empire". Extrato da Revue des deux
mondes, remessa de 01/jun71868, Paris, 1868.
Anexos ■ 1033
208. Colusont, Achille de [?]. Histoire des expositions des produits de /'industrie frança/se. Paris, 1855.
209. Conrad, Joseph. D/e Schattenlinie: Eine Beichte. [The Shadow Une: a Confession .] Trad. [para o alemão!
de Elsie McCalman. Prefácio de Jakob Wassermann. Berlim, 1926.
210. Considérant, Victor. Déraison et dangers - De Tengouement pour les chemins de fer: Avis à 1‘opinion et
aux capitaux. Paris, 1838.
211. Coppée, François. "Réponse au discours de M. de Heredia". In: Institut de France, Académie Française.
Discours prononcés dans la séance publique tenue par T Académie Française pour la réception de M. José-
Maria de Heredia, le jeudi 30 mai 1895. Paris, 1895, pp. 29-51.
212. Corbon, Anthime. Le secret du peuple de Paris. Paris, 1863.
213. Le Corbusier [Charles Édouard Jeanneret-Gris], Urbanisme. Paris [1925]. (Collection de TEsprit nouveau".)
214. Cordier, Henri. "Notules sur Charles Baudelaire". (Extrato do Bulletin du bibliophile.) Paris, 1900.
215. Corti, Egon Caesar Conte. Der Zauberer von Homburg und Monte Cario. Leipzig, s. d. [1932],
216. Couturier de Vienne, F. A. Paris moderne: Plan d'une ville modèle que Tauteur a appellée Novutopie. Paris,
1860.
217. Crane, Walter. "Nachahmung und Ausdruck in der Kunst". ["Imitation and Expression in Alt".] Trad.
[para o alemão] de Otto Wittich. D/e NeueZeit, XIV (1895/1896), tomo 1, n° 1, pp. 423-431.
218. Crépet, Eugène. Charles Baudelaire: Étude biographique. Revue et mise à jour par Jacques Crépet. Suivi
des Baudelairiana d'Asselineau, recueil d'anecdotes publié pour la première foís in-extenso et de nombreuses
lettres adressées à Ch. Baudelaire. Paris, 1 907.
219. Crépet, Jacques. "Miettes baudelairiennes". Mercure de France, ano XLVI, tomo 262, n° 894, 15/set./
1935, pp. 514-538.
220. Crozat, Émile. La maladie du siède ou les suites funestes du déclassement social. 4 a ed., Bordeaux, 1856.
221. Croze, J.-L. "Quelques spectacles de Paris pendant l'été de 1835". Le Temps, ano LXXV, n° 27.016,
22/ago./1935, p. 4.
222. Cuisin, P. La galantehe sous la sauvegarde des lois. Paris, 1815.
Curiosités révolutionnaires. Ver Delmas, Gaétan. Curiosités révolutionnaires.
223. Cutius, Ernst Robet. Balzac. Bonn, 1923.
224. Cuvillier, Armand. "Marx et Proudhon". In: A la Lumière du marxisme: Essais. Tomo 2: Karl Marx et la
pensêe moderne. Pate I: "Auguste Comte, Les utopistes français, Proudhon". Auguste Cornu [et al.]
(Conférences faites à la Commission scientifique du Cercle de la Russie Neuve en 1935-1936.) Introdução
de Henri Wallon. Paris, 1937, pp. 153-238.
225. Dali, Salvador. TÂne pourri". Le Surréalisme au Service de la révolution (diretor: André Breton), n° 1, Paris,
1930, pp. 9-12.
226. D'Allemagne, Henry-René. Les Saint-Simoniens 1827-1837. Prefácio de Sébastien Charléty. Paris, 1930.
227. Dancei, Jean-François. De 1'lnfluence des voyages sur Thomme etsurses maladies: Ouvrage spécialement
destiné aux gens du monde. Paris, 1 846.
228. Datz, P. Histoire de la publidté depuis les temps les plus reculés jusqu'à nos jours. Vol. I. Paris, 1894.
229. Daudet, Alphonse. Trente ans de Paris. Paris, s. d.
230. Daudet, Léon. Les Pèlerins d'Emmaüs. Paris, 1928. (Courrier de Pays-Bas, 4).
231. Daudet, Léon. Flambeaux: Rabelais, Montaigne, Victor Hugo, Baudelaire. Paris, 1929.
232. Daudet, Léon. Les ceuvres dans les hommes: "Victor Hugo ou la légende d'un siècle" [e outros]. Paris,
1922.
233. Daudet, Léon. Paris vécu. I a série: Rive droite. 39 a ed., Paris, 1930.
234. Daudet, Léon. Le Stupide Xb? siède: Exposé des insanités meutrières qui se sont abattues sur la France
depuis 130 ans, 1789-1919. Paris, 1922.
1034 ■ Passagens
235. Daudet, Léon. La tragique existence de Victor Hugo. Paris, 1937.
236. Delmas, Gaétan. Curiosités révolutionnaires: Les journaux rouges. Histoire critique de tous les journaux
ultra-républicains, publiés à Paris depuis fe 24 février jusqu'au 1 er octobre 1848. Avec des extraits-
spédmens et une préface par un Girondin. Paris, 1 848.
Delord, Taxile. Ver Les Petits-Paris.
237. Delvau, Alfred. Les Dessous de Paris. Paris, 1860.
238. Delvau, Alfred. Dictionnaire de la langue verte: Argots parislens compares. Paris, 1866.
239. Delvau, Alfred. Les Heures parisiennes. Paris, 1866.
240. Delvau, Alfred. Les Lions du jour: Physionomies parisiennes. Paris, 1867.
241. Démar, Claire. Ma Loi d‘avenir. Ouvrage posthume, publié par Suzanne. Paris, 1834.
242. Démy, Adolphe. Essai historique sur les expositions universelles de Paris. Paris, 1907.
243. Desjardins, Paul. "Charles Baudelaire". Revue bleue: Revue politique et littéraire, ano XXIV, 3 a série, tomo
14, n° 1, 2, julho 1887, pp. 16-24.
244. Destrée, Jules. "Der Zug nach der Stadt: Ein modernes soziales Phãnomen in der Beleuchtung eines
Dichters (Emil Verhaeren) und eines Nationalõkonomen (Emil Vandervelde)", Die Neue Zeit, XXI (1902/
1903), tomo 2, n° 44, pp. 567-575.
245. Deubel, Léon. Qiuvres. Prefácio de Georges Duhamel. Paris, 1929.
246. Deutsche Denkreden. Ed. org. por Rudolf Borchardt. Munique, 1925.
247. Dévigne, Roger. "Gustave Doré, illustrateur de journaux á deux sous et repórter du crayon " . Arts et métiers
graphiques, n° 50, 15/dez./1935, pp. 33-41.
248. Dévigne, Roger. "Des .Milidennes' de 1937 aux .Vésuviennes' de 1848". Vendredí: Hebdomadaire
littéraire et politique, ano III, n° 81, 21/mai/1937, p. 4.
249. Devrient, Eduard. Briefe aus Paris. Berlim, 1840.
250. Didcens, Charles. Der Raritatenladen. [The Old Curiosity Shop - A Loja de antiguidades] Trad. [para o
alemão] de Leo Feld. Leípzig, s. d. (Charles Dickens, Ausgewãhlte Romane und Novellen, 2.)
251. Diederich, Franz. "Victor Hugo". Die Neue Zeit, XX (1901/1902), tomo 1, n° 21, pp. 644-652.
252. Diederich, Franz. "Zola ais Utopist". Die Neue Zeit, XX (1901/1902), tomo 1, n° 11, pp. 324-332.
253. Dilthey, Wilhelm. Das Erlebnis und die Dichtung: Lessing, Goethe, Novalis, Hòlderlin. 10 a ed„ Leípzig-
Berlim, 1929.
254. Dommanget, Maurice. Auguste Blanqui à Belle-lle (1850-1857). Paris, 1935. (Faits et documents, 15.)
255. Doncourt, A. S. de [Drohojovska, Antoinette Joséphine Anne Simon de Latreiche], Les Expositions
universelles. Lille-Paris, 1889.
256. Dovifat, Emil. "Formen und Wirkungsgesetze des Stils in der Zeitung". Deutsche Presse, Berlim, 22/jul/
1939, p. 285.
Drohojowska, A. <nome correto para n° 690: Prohojowska, A.; ver também n° 255: Doncourt >
257. Drumont, Édouard. Les Tréteaux du succès: Figures de bronze ou statues de neige. Paris, 1900.
258. Drumont, Édouard. Les Tréteaux du succès: Les héros et les pitres. Paris, 1900.
259. Dubech, Lucien e D'Espezel, Pierre. Histoire de Paris. Paris, 1926. (Bibliothèque historique.)
260. Du Camp, Maxime. Les Chants modernes. Paris, 1855.
261. Du Camp, Maxime. Paris: Ses organes, ses fonctions et sa vie dans la seconde moitié du XIX? siède. 6 vols.
<1 a ed.: Paris, 1869-1875.>
262. Du Camp, Maxime. Souvenirs littéraires. Vol. II: 1850-1880. 3 a ed., Paris, 1906.
263. Ducos (de Gondrin), J. Comment on se ruine à la Bourse. Paris, 1858.
264. Dulaure, Jacques-Antoine. Histoire physique, civile et morale de Paris, depuis 1821 jusqu'à nos jours.
Vol. II. Paris, 1835.
Anexos a 1035
265. Dumanoir, Philippè-F. e Barrière, Théodore. Les Toilettes tapageuses : Comédie er un aoe, mêtée de
couplets. Paris, 1856.
266. Dumas, Alexandre. Les Mohicans de Paris. Vol. I. Paris, 1859. Vol. III. Paris, 1863.
267. Dumesnil, Alexis. Le Siède maudit. Paris, 1843.
268. Duncker, Hermann. "Brief vom 18.7.1938 an Margarete Steffin" [Carta inédita, extrato].
269. Dupassage, Adrien [Jean Selz], "Peintures foraines". Arts et métíers graphiques, 1939.
270. Dupont, Pierre. Le Chant des étudiants. Paris: chez l'auteur-lmpr. Bautruche. 1849. [Panfleto.]
271. Dupont, Pierre. Le Chant des ouvriers. Paris: chez 1’auteur-lmpr. Bautruche, 1848. [Panfleto.]
272. Dupont, Pierre. Le Chant du vote. Paris: Cassanet, 1850. [Panfleto.]
273. Le Chauffeur de bcomotive. Paroles et musique de Pierre Dupont. Paris: Impr. Boisseau et Comp., s. d.
[Panfleto.]
274. Durand, A. "Chales-Cachemires indiens et français". In: Paris chez soí: Histoire, mceurs, rues, monuments,
palais, musées, théâtres, chemins de fer, fortifications et environs de Paris ancien et moóerne. Par 1'élite de
la littérature contemporaine. Paris, 1854, pp. 139-140.
275. Durry, Marie-Jeanne. "Audiences: De Monnierà Balzac". Vendredi: Littéraire, politique et satirique, n° 20,
20/mar./1936, p. 5.
276. Dusolier, Alcide. Nos gens de lettres: Leur caractères et leurs aeuvres. Paris, 1 864.
277. Ebeling, Adolf. Lebende Bilder aus dem modernen Paris. Vol. II. Colônia, 1863.
278. Eckardt, Julius. D/e battischen Provinzen RuBlands: Politische und culturgeschichtliche Aufsãtze. 2 a ed.,
aumentada, Leipzig, 1869.
279. Enault, Louis. "Le Palais de 1'lndustrie". In: Paris et les parísiens au XIX? siède: Mceurs, arts et monuments.
Textos de Alexandre Dumas, Théophile Gautier, Arsène Houssaye [e outros]. Paris, 1856, pp. 310-316.
280. Encydopédie de l'architecture et de la construction. Organizador: P. Planat. Vols. I-VI. Paris, 1888 e segs.
281. Enfantin, Barthélemy-Prosper. De 1'Allemagne. [Publicação, por Duguet, de uma resposta de Enfantin a
Heinrich Heine.] Paris: Impr. E. Duverger, 1835.
282. Engels, Friedrich. D/e Entwicklung des Sozialismus von der Utopie zur Wissenschaft. Hottingen-Zurique,
1882.
283. Engels, Friedrich. "Ludwig Feuerbach und der Ausgang der klassischen deutschen Philosophie". Die
Neue Zeit, IV (1886), n° 4, pp. 145-157, e n° 5, pp. 193-209.
284. Engels, Friedrich. Herrn Eugen Dührings Umwâlzung der Wissenschaft. ("Anti-Dühring"). Trad. francesa.
285. Engels, Friedrich. D/e Lage der arbeitenden Klasse in England. Nach eigner Anschauung und authentischen
Quellen. 2 a ed., Leipzig, 1848.
286. Engels, Friedrich. "Von Paris nach Bern: Ein Reisefragment". (Nota preliminar de Eduard Bernstein.) D/e
Neue Zeit, XVII (1898/1899), n° 1, pp. 8-18, e n° 2, pp. 36-40.
287. Englãnder, Sigmund. Geschichte der franzõsischen Arbeiter-Associationen. Partes 1 a 4. Hamburgo,
1864.
288. D'Ennery et Grangé, Adolphe Philippe. Les Bohémiens de Paris: Drame en dnq actes et huit tableaux.
Représenté, pour la première fois, à Paris, sur le Théâtre de 1'Ambigu-Comique, le 27/sep./1843. Paris,
1843. (Magazin théâtral.)
289. Erdan, Alexandre. La France mystique: Tableau des excentridtés religieuses de ce temps. Vol. II. Paris, 1855.
290. Escholier, Raymond. "LArtiste". Art et métiers graphiques, n° 47, 01/jun./1935, pp. 5-14.
291. Escholier, Raymond. Victor Hugo raconté par ceux qui Pont vu: Souvenirs, lettres, documents réunis,
annotés et accompagnés de résumés biographiques. Paris, 1931.
292. Europáische Dokumente: Historísche Photos aus den Jahren 1 840-1900. Ed. org. por Wolfgang Schade.
Stuttgart-Berlim-Leipzig.
1036 ■ Passagens
293. Exposition universelle de 1867, à Paris. Album des installations les plus remarquables de l'exposition cfe
1 862, à Londres, publiée par la commission impériale pour servir de renseignement aux exposant des
diverses nations. Paris, 1866.
294. Fabien, Jacques. Paris en songe. Essai sur les logements à bon marché - le bien-être des masses - a
protection due aux femmes [...]. Paris, 1863.
295. Faguet, Émile. "Baudelaíre". La Revue (antiga Revue des Revues), ano XXI, 6 a série, vol. 87, n° 1 7, 01/set/
1910, pp. 615-624.
296. Falke, Jacob. Geschichte des modernen Geschmacks. Leipzig, 1866.
297. Fargue, Léon-Paul. "Cafés de Paris, 2: Les cafés des Champs-Élysées". Vu, n° 416, março 1936, pp. 270-
271.
298. Ferrari. "Des idées et de 1'école de Fourier depuis 1830". Revue des deux mondes, ano XIV, nova série,
tomo II, 1845, pp. 387-434.
299. Ferry, Jules. Comptes fantastiques d’Haussmann. Lettre, adressée à MM. les membres de la commission du
corps législatif chargés d'examiner le nouveau projet d'emprunt de la ville de Paris. Paris, 1 868.
300. Figuier, Louis-Guillaume. La Photographie au Salon de 1859. Paris, 1860.
301. Finelière, A. de la e Descaux, Georges. Charles Baudelaíre. Paris, 1868. (Essaisde bibliographie contemporaine, 1J
302. Fischer, Hugo. Karl Marx und sein Verhàltnis zu Staat und Wirtschaft. Jena, 1932.
303. Focillon, Henry. Vie des formes. Paris, 1 934. (Forme et style: Essais et mémoires d'art et d'archéologie.)
304. Foi nouvelle: Chants et chansons de Barrault, Vmçard, Brious, J. Mercier, Lagache, Corréard, Rousseau, F.
Maynard- 1831-1834. 1 er cahier. Paris, 1835.
305. Foucaud, Édouard. Paris imenteur; Physiologie de 1'industrie française. Paris, 1844.
306. Fougère, Henry. Les Délégations ouvrières aux expositions universelles sous le Second Empire. Tese de
doutorado, Faculté de Droit, Université de Paris. Montluçon, 1905.
307. Fourier, Charles. CEuvres complètes. Vol. I: Théorie des quatre mouvements et des destinées générales:
Prospectus et annonce de la découverte. 2 a ed., Paris, 1 841 . Vol. III; Théorie de Tunité universelle, tomo 2.
Paris, 1841.
308. Fourier, Charles. [Antologia] org. por E. Poisson. Paris, 1932. (Réformateurs sociaux. Collection de textes.)
309. Fourier, Charles. "Cités ouvrières: Des modifications à introduire dans 1'architecture des villes". Extrato de
La Phalange. Paris, 1849.
310. Fourier, Charles. La fausse Industrie, morcelée, répugnante, mensongère, et Tantidote, 1'industrie
naturelle, combinèe, attrayante, véridique, donnant quadruple produit et perfection même en toutes
qualités. [Vol. II.], Paris, 1836.
311. Fourier, Charles. Le nouveau Monde industriei etsodétaire, ou Invention du procédé dfndustrie attrayante
et naturelle distribuée en séries passionnées. Paris, 1829-1830.
312. Fourier, Charles. Théorie de Tunité universelle. Vol. I. Paris, 1834.
313. Fourier, Charles. Traité de Tassodation domestique-agricole. Vol. II. Paris-Londres, 1822.
314. [Fourier, Charles.) Publication des manuscrits de Charles Fourier. Année 1851 . Paris, 1851. - Années
1857-1858. Paris, 1858.
315. Fournel, Victor. Ce qu'on vo it dans les rues de Paris. Paris, 1858.
316. Fournel, Victor. Paris nouveau et Paris futur. 2 a ed., aumentada, Paris, 1868.
317. Fournier, Édouard. Chroniques et legendes des rues de Paris. Paris, 1864.
318. Fournier, Édouard. Énigmes des rues de Paris. Paris, 1860.
319. Fournier, Édouard. Les Lanternes: Histoire de Tanden édairage de Paris. Suivi de la réimpression de
quelques poèmes rares. Paris, 1854.
320. Fournier, Édouard. Paris démoli. 2 a ed., revista e aumentada, com um prefácio de Théophile Gautier. Paris, 1855.
Anexos ■ 1037
321. Fournier, Marc. "Les Spêcialités parisiennes". In: La Grande Ville: Nouveau tabteaci òe Paris - comique,
critique et philosophique. Textos de Paul de Kock, Balzac, Dumas [e outros], VòJ. II. Pans, 1844, pp. 57-72
322. France, Anatole. Le Jardin d'Épicure. Paris, s. d.
323. France, Anatole. La Vie littéraire. 3 a série. Paris, 1891.
324. Francesco, Grete de. Die Macht des Charlatans. Basiléia, 1937.
325. Franklin, Benjamin. Conseils pour faire fortune. Avis d‘un vieil ouvríer à un jeune ouvher. et ia soence du
bonhomme Richard. Caísses d'épargnes. Organisation du travail. Introduction à la soence populaire de
Claudius. Paris, 1848.
326. Franz, Rudolf. [Resenha] "E. Silberling, Dictionnaire de Sodologie Phalanstérienne: Guide des ceuvres
complètes de Charles Fourier, Paris, 191 1 ". Die Neue Zeit, XXX (191 1/1912), tomo 1, n° 9, pp. 332-333.
327. Frégier, H.-A. Des Classes dangereuses de la population dans les grandes villes, et des moyens de les
rendre meilleures. Ouvrage récomposé en 1838. 2 vols. Paris, 1840.
328. Freund, Cajetan. Der Vers Baudelaires. Tese de doutorado. Munique, 1927.
329. Freund, Gisèle. La Photographie en France au dix-neuvième siècle: Étude de sodologie et d’esthétique.
Tese de doutorado. Faculte des Lettres, Université de Paris. Paris, 1936.
330. Freund, Gisèle. "La Photographie au point de vue sociologique". [Manuscrito de n° 329.]
331. Freund, Gisela. "Entwicklung der Photographie in Frankreich". [Manuscrito da versão alemã de n° 329.]
332. Friedell, Egon. Kulturgeschichte derNeuzeit: Die Krisis der europãischen Seele von der schwanzen Pestbis
zum Weltkrieg. Vol. III: Romantik und Liberalismus / Imperialismus und Impressionismus. Munique, 1932.
333. Friedmann, Georges. La Crise du progrès: Fsquisse d'histoire des idées 1895-1935. 2 a ed., Paris, 1936.
334. [Fuchs, Eduard.] Honoré Daumier: Flolzschnitte und Lithographien. Ed. org. por Eduard Fuchs. Vol. I:
Holzschnitte 1833-1870. Munique, 1918.
335. Fuchs, Eduard. Illustrierte Sittengeschichte vom Mittelalter bis zur Gegenwart. Vol. III: Das bürgerliche
Zeitalter. Volume complementar. Impressão particular. Munique, s. d. [19267]
336. Fuchs, Eduard. Die Karikatur der europãischen Võlker. Parte l: Vom Altertum bis zum Jahre 1848. 4 a ed.,
aumentada, Munique, s. d. [1921],
337. Fuchs, Eduard. D/e Karikatur der europãischen Võlker. Parte II: Vom Jahre 1848 bis zum Vorabend des
Weltkrieges. 4 a ed., aumentada, Munique, s. d. [1921].
338. Fumet, Stanislaus. Notre Baudelaire. Paris, 1926. (Le Roseau d'or: CEuvres et chroniques, 8.)
339. Ganneau, chamado Le Mapah. Baptême, mariage. Paris: Impr. Pollet, Soupe et Guillois, s. d. [Panfleto.]
340. Ganneau, chamado Le Mapah. Ceffe Page prophétique, saisie le 14 juillet 1840, a été trouvée par le
citoyen Sobrier,... dans le dossier du citoyen Ganneau... Paris: ímpr. Lacrampe et Feriaux, s. d. [Panfleto.]
341. Ganneau, chamado Le Mapah. Waterloo: À vos beaux fils de France morts pour 1'honneur, saiut et
glorification! Paris: Bureau des publications évadiennes, 1843.
342. Galimard, Auguste. Examen du Salon de 1859. Paris, s. d. [1850].
343. Gall, Ferdinand von. Paris und seine Salons. Vol. I. Oldenburg, 1844. - Vol. II. Oldenburg, 1845.
344. Gastineau, Benjamin. Paris en rose. Paris: Librairíe ínternationale, 1866.
345. Gastineau, Benjamin. Les Romans du voyage: La vie en chemin de fer. Paris, 1861 .
346. Gaubert, Ernest. "Une Anecdote controuvée sur Baudelaire". Mercure de France, ano XXXII, tomo 148,
n° 550, 15/ma i/1 921, pp. 281-282.
347. Gautier, Féli. Charles Baudelaire. Orné de 26 portraits différents du poète et de 28 gravures et reproductions.
Dessins de Baudelaire, facsimilés d'autographes, etc. Bruxelas, 1904.
348. Gautier, Théophile. "Études philosophiques’'. In: Paris et les parisiens au XIX a siècle: Mceurs, arts et
monuments. Textos de Alexandre Dumas, Théophile Gautier, Arsène Houssaye [e outros]. Paris, 1856, pp.
24-28.
1038 ■ Passagens
349. Gautier, Théophile. Histoire du romantisme. Suivle de notices romantiques et d‘une étude sur la poésie
française 1830-1868. Paris, 1874.
350. Gautier, Théophile. "IntroductiorT' [a] Paris et les parisiens au XDf siècle: Mceurs, arts et monuments.
Textos de Alexandre Dumas, Théophile Gautier, Arsène Houssaye [e outros]. Paris, 1856, pp. I-IV.
351 . Gautier, Théophile. "Mosaíque deruines”. In: Paris et les parisiens au XIX* siède: Mceurs, arts et monuments.
Textos de Alexandre Dumas, Théophile Gautier, Arsène Houssaye [e outros]. Paris, 1856, pp. 38-43.
352. Gautier, Théophile. "Photosculpture". Extrato do Moniteur universet, de 04/jan./1864. Paris, 1864.
353. Gautier, Théophile. Portraits contemporains: Littérateurs, peintres, sculpteurs, artistes dramatiques. Paris,
1874.
354. Gautier, Théophile. "Revue des Théâtres". Moniteur, 1 7/set./1 S67.
355. Gay, Sophie. "Der Salon des Frãulein Contet”. In: Europa: Chronik der gebildeten Welt. Org. por August
Lewald. Vol. I. Leipzig-Stuttgart, 1837, p. 358.
356. Geffroy, Gustave. CEnfermé. Paris, 1897.
357. Geffroy, Gustave. CEnfermé. Ed. revista e aumentada. Vol. I. Paris, 1926. (Bibliothèque de TAcadémie
Goncourt, 1 1 .)
358. Geffroy, Gustave. Charles Meryon. Paris, 1926.
359. Geismar, Eduard. Sõren Kierkegaard: Seine Lebensentwicklung und seine Wirksamkeit ais Schriftsteller.
Trad. [para o alemão] de E. Krüger [et al.]. Gõttingen, 1929.
360. George, Stefan. Hymnen, Pilgerfahrten, Algabal. 7 a ed., Berlim, 1922.
361. Gerstãcker, Friedrich. Die versunkene Stadt. Berlim: Neufeld und Henius, 1921.
362. Gide, André. "Charles Baudelaire". In: Charles Baudelaire. Les Fleurs du Mal. Introdução de André Gide.
Paris, 1917, p. XI e segs.
363. Gide, André. "Baudelaire et M. Faguet". La Nouvelle Revue Française, ano II, n° 23, 01/nov./1910, pp.
499-518.
364. Gide, André. "En relisant Les Plaisirs et les jours" . In: Hommage à Marcei Proust Nouvelle Revue Française,
ano X, tomo 20, n° 112, 01/jan./1923, pp. 123-126.
365. Gide, André. Fourier, précurseur de la coopération. Paris, 1924.
366. Giedion, Sigfried. Bauen in Frankreich: Eisen, Eisenbeton. Leipzig-Berlim, s. d. [1928],
367. Girardin, Madame Émile de (Delphine Gay). Poésies completes. Paris, 1856.
368. Girardin, Madame de. Lettres parisiennes du Vicomte de Launay. Ed. de 1857, tomo IV.
369. [Goncourt.] Journal des Goncourt: Mémoires de la vie littéraire. Vol. VI: 1878-1884. Paris, 1892.
370. Gorce, Pierre de la. La Restauration, II: Charles X. Paris, s. d.
371. Gottschall, Rudolf. "Das Theater und Drama des Second Empire". In: Unsere Zeit - Deutsche Revue:
Monatsschrift zum Conversationslexikon. Leipzig, 1867, p. 933.
372. Gourdon, Edouard. Les Faucheurs de nuit: Joueurs et joueuses. Paris, 1860.
373. Gourdon de Genouillac, Nicolas-Jules-Henri. Paris à travers les siècles: Histoire nationale de Paris et des
parisiens depuis la fondation de Lutèce jusqu'à nos jours. Ouvrage rédigé sur un plan nouveau avec une
lettre de Henri Martin. Vol. V. Paris, 1882.
374. Gourdon de Genouillac, Nicolas-Jules-Henri. Les Refrains de la rue de 1830 à 1870. Recueillis et annotés.
Paris, 1879.
375. Gourmont, Rémy de. Le ll me Livre des masques: Les masques au nombre de XXIII, dessinés par F. Valloton.
11 a ed., Paris, 1924.
376. Gourmont, Rémy de. Judith Gautier. Biographie illustrée de portraits et d'autographes, suivi d'opinions,
de documents et d'une bibliographie. Paris, 1 904. (Les Célébrités d'aujourd'hui.)
377. Gourmont, Rémy de. Promenades littéraires. I a série. Paris, 1904. - 2 a série. Paris, 1906.
Anexos ■ 1039
378. Gozlan, Léon. Le Triomphe des omnibus: Poême héróí-comique. Paris. 1828.
379. Grand-Carteret, John. Le Décolleté et le retroussé: Un siède de gauloiserie. Vo \ : 1300 Pans, s. d. [1910].
380. Grand-Carteret, John. Les Élégances de la toilette. Paris, s. d.
381 . La Grande Ville: Nouveau tableau de Paris - c omique, critique et philosophique. Textos de Paul oe Kock,
Balzac, Dumas [e outros]. Vol. I. Paris, 1844.
382. Grandville [Jean-lgnace-lsidore Gérard], Un Autre monde: Transformations, visions, incamavcns er
autres choses. Paris, 1 844.
383. Granier de Cassagnac, Adolphe. Histoire des classes ouvrières et des classes bourgeoises. ( Introductíon à
l'histoire universelle. Parte I.) Paris, 1838.
384. Granveau, Antoine. EOuvrier devant la société. Paris, 1868.
385. Grappin, Henri. "Le Mysticisme poétique et 1'ímagination de Gustave Flaubert". La Revue de Paris, ano XJX,
tomo 16, n° 23, 01/dez./1912, pp. 609-629, e n° 24, 15/dez./1912, pp. 849-870.
386. Gregorovius, Ferdinand. Briefe an den Staatssekretãr Hermann von Thile. Ed. org. por Hermann von
Petersdorff. Berlim, 1894.
387. Grillet, Claudius. Le Diable dans la littérature au XIX 11 siède. Lyon / Paris, 1935.
388. Grillet, Claudius. Victor Hugo spirite. Lyon / Paris, 1929.
389. Grõber, Karl. Kinderspielzeug aus alter Zeit: Eine Geschichte des Spielzeugs. Berlim, 1 927.
390. Gronow, Captain. Aus der GroBen Welt: Pariser und Londoner Sittenbilder 1810-1860. Ed. org. por
Heinrich Conrad. Stuttgart, 1908. (Memoirenbibliothek, 3 a série, vol. II.)
391. Grossmann, Henryk. [Verbetes] "Sozialistische Ideen und Lehren". I: "Sozialismus und Kommunismus";
II: "Geschichtliche Entwicklung"; VII: "Die Fortentwicklung des Marxismus biszur Gegenwart". In: Wõrterbuch
der Volkswirtschaft in drei Bànden. Org. por Ludwig Elster. 4 a ed., vol. III, Jena, 1933, pp. 313-341 .
392. Grund, Helen. Vom Wesen der Mode. Separata. Munique, 1935.
393. Guérin, Alexandre. "Les Mansardes". Le Bohême: Journal non politique, ano I, n° 7, 13/maí/1855, p. 2.
394. Guillemot, Gabrièl. Le Bohême. Paris, 1869. (Physionomies parisiennes.)
395. Guillot. Dit des Rues de Paris. Prefácio, notas e glossário de Edgar Marcuse. Paris, 1875.
396. Gutermann, Norbert / Lefebvre, H. La Consdence mystifiêe. Paris, 1936. (Les Essais, 14.)
397. Gutzkow, Karl. Briefe aus Paris: Erster Theil. Leipzig, 1842. -Zweiter Theil. Leipzig, 1842.
398. Gutzkow, Karl. Oeffentliche Charactere: Erster Theil. Hamburgo, 1835.
399. G., Veronika von. "Die Mode". Der Bazar: Berliner illustrierte Damen-Zeitung, ano III, 1857.
400. Hacklander, Friedrích Wilhelm. Marchen. Stuttgart, 1843.
401 . Halévy, Daniel. Décadence de la liberté. Paris, 1931. (Les " Écrits" .)
402. Halévy, Daniel. Pays parisiens. Paris, 1932.
403. Hallays-Dabot, Victor. La Censure dramatique et le théâtre: Histoire des vingt dernières années ( 1850 -
1870). Paris, 1871.
404. Hamp, Pierre. "La Littérature, image de la société". In: Encyclopédie française. Vol. XVI: Arts et littératures
dans la société contemporaine, tomo 1. Paris, 1935. Fase. 16.64-1 a 4.
405. Harmel, Maurice. "Charles Fourier". Portraits d'hier, ano II, n° 26, 0 1/set./1 910.
406. Hase, Cari Benedict. Briefe von der Wanderung und aus Paris. Ed. org. por O. Heine. Leipzig, 1894.
407. Hauser, Henri. Les Débuts du capitalisme. Nova ed.. Paris, 1931.
408. Haussmann, Georges-Eugène. Confession d‘un lion devenu vieux. S. L, s. d. [Paris, 1888],
409. Haussmann, Georges-Eugène. Mèmoires. Vol. II: Préfecture de la Seine: Exposé de la situation en 1853;
transformation de Paris; plan etsystème financier des grands travaux; résultats généraux en 1870. 3 a ed.,
Paris, 1890.
1040 ■ Passagens
410. Hegel, Georg Wilhelm Friedrich. Werke: Vollstãndige Ausgabe durch einen Verein von Freunden des
Verewigten. Vol. XIX: Briefe von und an Hegel. Ed. org. por Karl Hegel. Parte II. Leipzig, 1887.
41 1 . Hegel, Georg Wilhelm Friedrich. Sãmtliche Werke. Ed. org. por Georg Lasson. Vol. V: £ ncyclopSdie der
philosophischen Wissenschaften im Grundrisse. Nova ed. org. por Georg Lasson. 2 a ed., Leipzig, 1920.
(Philosophische Bibliothek, 33.)
412. Heine, Heinrich. Sãmtliche Werke: Ausgabe in 12 Bànden Vol. V: Franzõsische Zustande, I. Hamburgo,
1876.
413. Heine, Heinrich. Sãmtliche Werke. Ed. org. por Wilhelm Bõlsche. Vol. V. Leipzig.
414. Heine, Heinrich. Gesprãche, Briefe, Tagebücher, Berichte seiner Zeitgenossen. Ed. org. por Hugo Bieber.
Berlim, 1926.
41 5. Heine, Th. D/e StraBe von Paris. Ver Die Pariser Weltausstellung in Wort und Bild.
416. Helmersen, Joachim von. "Pariser Kamine". Frankfurter Zeitung, ano LXXVII, n° 109/110, 1 0/fev./1 933,
pp. 2-3.
Hérault de Séchelles. Ver Séchelles.
417. Héritier, Louis. "Die Arbeitsbõrsen". Die Neue Zeit, XIV (1895/1896), tomo 1, n° 21, pp. 645-650, e n°
22, pp. 687-692.
418. Herwegh, Georg. Gedichte eines Lebendigen. Vol. II. Zurique, Winterthur, 1844.
419. Hessel, Franz. [Manuscrito; sem indicação de título.]
420. Heym, Georg. Dichtungen. Munique, 1922.
421 . Histoire des Cafés de Paris. Extraite des mémoires d'un viveur Cafés du Palais-Royal, des boulevards, de ville
etc. Ed. revista e aumentada por M. Constantin. Paris, 1857.
422. Histoire de lutes César, I, Paris, 1865.
423. Hoffmann, Ernst Theodor Amadeus. Ausgewàhlte Schriften. Vols. XIV e XV: £. T.A. Hoffmann's Erzãhlungen
ausseinen letzten Lebensjahren, sein Leben und NachlaB. 5 vols. Ed. org. por Micheline Hoffmann.
Vol. IV [= XIV], E.T.A. Hoffmann's Leben und NachlaB. Ed. org. por Julius Eduard Hitzig. Vol. II, 2. Ed.
aumentada e melhorada. Stuttgart, 1839.
Vol. V [= XV], Idem. Vol. III, 3. Ed. aumentada e melhorada. Stuttgart, 1839.
424. Hofmannsthal, Hugo von. Buch der Freunde: Tagebuch-Aufzeichnungen. 2 a ed., Leipzig, 1929.
425. Hofmannsthal, Hugo von. Versuch über Victor Hugo. Munique, 1925.
426. Holitscher, Arthur. "Charles Baudelaire". In: Die Literatur. Vol. XII, pp. 14-15.
427. Honegger, J. J. G rundsteine einer Allgemeinen Culturgeschichte der Neuesten Zeit. Vol. V: Dialektik des
Culturgangs und seine Endresultate. Leipzig, 1874.
428. Horkheimer, Max. "Bemerkungen zur philosophischen Anthropologie". Zeitschrift für Sozialforschung,
ano IV (1935), n° 1, pp. 1-25.
429. Horkheimer, Max. "Materialismus und Moral". Zeitschrift für Sozialforschung, ano II (1933), n° 2, pp.
162-195.
430. Horkheimer, Max. "Traditionelle und kritische Theorie". Zeitschrift für Sozialforschung, ano VI (1937), n° 2,
pp. 245-292.
431. Horkheimer, Max. "Brief vom 16.3.1937 an Walter Benjamin" [Carta reproduzida em W. Benjamin,
GS 13, pp. 1332-1333],
432. Houssaye, Arsène. "Le Paris futur". In: Paris et les parisiens au XIX* siècle: Mceurs, arts et monuments.
Textos de Alexandre Dumas, Théophile Gautier, Arsène Houssaye [e outros]. Paris, 1856, pp. 458-461.
433. Hugo, C. "Der Sozialismus in Frankreich wãhrend der groGen Revolution". Die Neue Zeit, XI (1892/
1893), tomo 1, n° 26, pp. 812-819.
434. Hugo, Victor. duvres complètes. Édition definitive d'après les manuscrits originaux. [Seção I:] Poésie.
Vol. II: Les Orientales. Les Feuilles d'automne. Paris, s. d. [1880].
Anexos *1041
Vol. III: Les Chants du crépuscule. Les Voix intérieures. Les Rayons et les ombres. Paris, s. d. [1880].
Vol. IV: Les Châtiments. Paris, s. d. [1882],
Vol. VI: Les Contemplations, II: Au]ourd'hui 1843-1855. Paris, 1882.
Vol. IX: La Légende des sièdes, III. Paris, 1883.
435. Hugo, Victor. duvres completes. Édition definitive d'après les manuscrits originaux. [Seção VI:] Roman.
Vol. III: Notre-Dame de Paris, I. Paris, s. d. [1880],
Vols. VII-IX: Les Misérables, lll-V, Paris, 1881 .
436. Hugo, Victor. CEuvres c hoisies. Ilustrações de Léopold-Lacour. Prefácio de Gustave Simon. Poésies et
drames en vers. Paris, s.d. [191 2].
437. Hugo, Victor. Les Châtiments. Paris: Ed. Charpentier, s.d.
438. Hugo, Victor. Discours: Anniversaire de la révolution de 1848 - 24 février 1855, à Jersey. Jersey: Impr.
Universelle, s. d.
439. Hugo, Victor. La Fin de Satan. 3 a ed., Paris, 1886.
440. Hugo, Victor. La Fin de Satan. Dieu. Paris, 1911.
441 . Victor Ftugo devant Fopinion: Presse française; Presse étrangère. Avec une lettre de Gustave Rivet. Paris,
1885.
442. Huizinga, Johan. Herbst des Mitíelalters: Studien über Lebens- und Geistesformen des 14. und 15.
Jahrhunderts in Frankreich und in den Niederlanden. [O Declínio da Idade Média: Um estudo das formas
de vida e de pensamento na França e nos Países Baixos nos séculos XIV e XV] Trad. [para o alemão] de Tilli
Wolff-Mõnckeberg. 2 a ed., Munique, 1928.
443. Hunt, H. J. te Socialisme et le romantisme en France: Étude de la presse soríaliste de 1830 à 1848. Oxford,
1935. (Oxford Studies in Modem Languages and Literature.)
444. Huxley, Aldous. Croisière d'hiver: Voyage en Amérique Centrale [Beyond tbe Mexique Bay, 1933], Trad.
[para o francês] de Jules Castier. Paris, 1935.
445. Huysmans, Joris-Karl. Croquis parisiens. Nova ed., aumentada. Paris, 1886.
446. Ibsen, Henrik. Briefe. Ed. org. por Julius Elias e Halvdan Koht. (Henrik Ibsen. Samtliche Werkein deutscher
Sprache. Vol. X (volume complementar). Berlim, 1905.
447. Ingres, Jean-Auguste-Dominique. Réponse au rapport sur 1'École Impériale des Beaux-Arts, adressée au
Maréchal Vaillant. Paris, 1 863.
448. Isoard, Eric. "Les Faux bohêmes". Le Bohême: Journal non politique, ano I, n° 6, 06/mai/1855, p. 1 .
449. Jacquin, Robert. Notions sur le langage d‘après les travaux du P. Marcei Jousse: Programme à Foption du
Baccalauréat de Philosophie. Paris, 1 929.
450. Jaloux, Edmond. "Le Centenaire de Baudelaire". La Revue hebdomadaire, ano XXX, n° 27, 02/jul71921,
pp. 66-78.
451. Jaloux, Edmond. “Le dernier Flâneur". Le Temps, ano LXXVI, n“ 27.289, 22/mai/1936, p. 3.
452. Jaloux, Edmond. 'THomme du XIX* siècle". Le Temps, ano LXXV, n° 27.003, 09/ago71935, p. 3.
453. Jaloux, Edmond. "Journaux intimes", Le Temps, ano LXXVII, n° 27.651, 23/mai/1937, p. 3.
454. Jaloux, Edmond. "Les Romanciers et le temps". Le Temps, ano LXXV, n° 27.143, 27/dez./1935, p. 3.
455. Jaloux, Edmond. [Resenha] "Jean Vaudal, Le Tableau noir [e] Madeleine Bourdouxhe, La Femme de
Gilles". Les Nouvelles littéraires, artistiques et scientifiques, n° 788, 20/novV1937, p. 4.
456. Jhering, Rudolph von. DerZweck im Recht. Vol. II. Leipzig, 1883.
457. [Jochmann, Cari Gustav.] Cari Gustav Jochmann's von Pemau Reliquien: Aus seinen nachgelassenen
Papieren. Ed. org. por Heinrich Zschokke. 3 vols. Hechingen, 1836, 1837 e 1838.
458. Jochmann, Cari Gustav. Ober die Sprache. Heidelberg, 1828.
459. Joubert, Joseph. Correspondance. Précédée d'une notice sur sa vie, son caractère et ses travaux par M. Paul
de Raynal et des jugements littéraires de Sainte-Beuve [e outros]. Paris, 1924.
1042 ■ Passagens
460. Joubert, Joseph. Pensées. Précédées de sa correspondance, d'une notice sur sa vie, son caractère et ses
travaux par M. Paul de Raynal et des jugements littéraires de Sainte-Beuve [e outros]. Vol. II. 8 a ed., Paris,
1 924. (Joseph Joubert. CF uvres, vol. II.)
461. Jouhandeau, Marcei. Images de Paris. 5 a ed.. Paris, 1934.
462. Jouhandeau, Marcei. Prudence Hautechaume. 5 a ed., Paris, 1927.
463. Journet, Jean. L'Ère de la femme ou le règne de l'harmonie universelle. Paris: Vaugirard, 1 857.
464. Journet, Jean. Poésies et chants harmoniens. Paris, 1857.
465. Jung, Cari Gustav. Seelenprobleme der Gegenwart. 2a ed., Zurique-Leipzig-Stuttgart, 1932. ( Vortráge
und Aufsãtze. Psychologische Abhandlungen. Vol. III.)
466. Kafka, Franz. DerProzeB: Roman. Posfácio de Max Brod. Berlim, 1 925. (Die Romane des XX. Jahrhunderts.)
467. Kahn, Gustave. " Préface" [a] Charles Baudelaire, Mon Cceur mis à nu et Fusées. Joumaux intimes. Édition
conforme au manuscrit. Paris, 1909.
468. [Karr, Alphonse.] DEsprit d’Alphonse Karr. Pensées extraites de ses o euvres completes. Paris, 1877.
469. Karr, Alphonse. 300 pages: Mélanges philosophiques. Nova ed., Paris, 1861.
470. Karski, J. "Moderne Kunststrõmungen und Sozialismus". Die Neue Zeit, XX (1901/1902), tomo 1, n° 5,
pp. 140-147.
471. Kaufmann, Emil. Vort Ledoux bis Le Corbusier: Ursprung und Entwicklung der Autonomen Architektur.
Viena / Leipzig, 1933.
472. Kautsky, Karl. Die materialistische Geschichtsauffassung. Vol. I: Natur und Gesellschaft. Berlim, 1927.
473. Kermel, Amédée. " Les Passages de Paris" . In: Paris, ou Le Livre des cent-et-un. Vol. X. Paris, 1 833, pp. 49-72.
474. Kierkegaard, Sõren. Gesammelte Werke. [Obras reunidas.] Vol. I: Entweder/Oder. [Ou.. ./Ou...?] Parte I.
Posfácio de Christoph Schrempf. Trad. [para o alemão] de Wolfgang Pfleiderer e Christoph Schrempf. Jena,
1911.
475. Kierkegaard, Sõren. Gesammelte Werke. [Obras reunidas.] Vol. II: Entweder/Oder. [Ou. ../Ou...?] Parte II.
Posfácio de Christoph Schrempf. Trad. [para o alemão] de Wolfgang Pfleiderer e Christoph Schrempf. Jena,
1913.
476. Kierkegaard, Sõren. Gesammelte Werke. [Obras reunidas.] Vol. III: Furcht und Zittern / Wiederholung.
[Temor e Tremor / Repetição.] Posfácio e trad. de Hermann Gottsched. 2 a ed„ Jena, 1909.
477. Kierkegaard, Sõren. Gesammelte Werke. [ Obras reunidas.] Vol. IV: Stadien auf dem Lebensweg. [Estágios
no caminho da vida.] Posfácio de Christoph Schrempf. Trad. [para o alemão] de Christoph Schrempf e
Wolfgang Pfleiderer. Jena, 1914.
478. Klassen, Peter. Baudelaire: Welt und Gegenwart. Weimar, 1931.
479. Koch, Richard. Der Zauber der Heilquellen: Eine Studie über Goethe ais Badegast. Stuttgart, 1933.
480. Korsch, Karl. "Karl Marx". [Manuscrito em 3 partes.]
481. Kracauer, Siegfried. Jacques Offenbach und das Paris seiner Zeit. Amsterdam, 1937.
482. Kraus, Karl. Nachts. Viena-Leipzig, 1924.
483. KreySig, Friedrich. Studien zur franzõsischen Cultur- und Literaturgeschichte. Berlim, 1865.
484. Kroloff, Eduard. Schilderungen aus Paris. Vol. II. Plamburgo, 1839.
485. Labédollière, Emile Gigault de. Histoire du nouveau Paris. Paris, s. d.
Lachambaudie <nome correto para n° 551 : Louhambaudie>.
486. Lacretelle, Jacques de. "Le Rêveur parisien". La Nouvelle Revue Française, ano XIV, tomo 29, n° 166, 01/
jul./1 927, pp. 23-39.
487. Lafargue, Paul. "Die christliche Liebestãtigkeit, 4: Der Wohltãtigkeítsbetrieb der Bourgeois". Die Neue Zeit,
XXIII (1904/1905), tomo 1, n° 5, pp. 145-153.
488. Lafargue, Paul. "Der Klassenkampf in Frankreich". D/e Neue Zeit, XII (1893/1894), tomo 2, n° 46, pp.
613-621; n° 47, pp. 641-647; n° 48, pp. 676-682; e n° 49, pp. 705-721.
489. Lafargue, Paul. "Marx' historischer Materialismus, 3: Vlcos Gesetze der Gesctiktite'. Die Neue Zeit, XXII
(1903/1904), tomo 1, n° 26, pp. 824-833.
490. Lafargue, Paul. “Persónliche Erinnerungen an Friedrich Engels". D/e Neue Zeit, XXIII (1904/1905), tomo
2, n° 44, pp. 556-561.
491. Lafargue, Paul. "Die Ursache des Gottesglaubens, 3: Die õkonomiscfien Wurzeln des Gottesglaubens
beim Bourgeois". Die Neue Zeit, XXIV (1905/1906), tomo 2, n° 16, pp. 508-518.
492. Laforgue, René. duvres complètes. Vol. III: Mélanges posthumes. Pensées et paradoxes [e outros textos].
Paris, 1903.
493. Laforgue, René. L'Éche c de Baudelaire: Étude psychanalytique sur la névrose de Charles Baudelaire. Paris,
1931.
494. Lahrs, S. F. [?]. "Briefe aus Paris". In: Europa: Chronik der gebildeten Welt. Org. por August Lewald. Vol.
II. Leipzig-Stuttgart, 1837, pp. 206-209.
495. Lamartine, Alphonse de. CEuvres complètes. Vol. I. Paris, 1850.
496. Lamartine, Alphonse de. Méditations poétiques. Nouvelle édition publiée d'après les manuscrits et les
éditions originales avec des variantes, une introduetion, des notices et des notes par Gustave Lanson. Vol.
II. 2 a ed.. Paris, 1922. (Les grands écrivains de la France.)
497. Lanfranchi, Louis Rainier [Étienne-Léon de La Mothe-Langon], Voyage à Paris, ou Esquisses des hommes
et des choses dans ceife capitale. Paris, 1 830.
498. Lapointe, Savinien. Une Voix d'en bas. Précádé d'une préface par M. Eugène Sue, et suivi des lettres
adressées à 1'auteur par MM. Béranger, Victor Hugo, Léon Gozlan etc. Paris, 1844.
499. Lapparent, Albert Coehon de. "Le Centenaire de 1'École Polytechnique”. (Extratos do Correspondant.)
Paris, 1894.
500. Lapparent, Albert Coehon de. Le Siède de fer. Paris, 1890.
501 Larbaud, Valery. "Rues et visages de Paris". Commerce: Cahiers trimestriels publiés par les soins de Paul
Valéry, Léon-Paul Fargue, Valery Larbaud. CahierVIII, été 1926, pp. 29-60.
502. Larchey, Lorédan. Fragments de souvenirs: Le boa de Baudelaire: 1’impeccable Banville. Paris, 1901.
503. Laronze, Georges. Le Baron Haussmann. Paris, 1932.
504. Laronze, Georges. Histoire de la Commune de 1871 d'après des documents et des souvenirs inédits: La
Justice. Carta-prefácio de Louis Barthou. Paris, 1928. (Bibliothèque historique, vol. I.)
505. Larousse, Pierre. Grand dictionnaire universel du XIX? siède. Vols. III, VI e VIII. Paris, 1867, 1870 e 1872.
506. Laurence, James de [Sir James Lawrence]. Les Enfants de Dieu ou la religion de Jésus récondliée avec la
philosophie. Paris, 1831.
507. Laurecin [Paul-Aimé Chapelle] e Clairville [Louis-François NicolaTe]. Le Roi Dagobert à 1'Exposition de 1844:
Revue-Vaudeville en deux actes et trois époques. Représentée pour la première fois, à Paris, sur le Théâtre
du Vaudeville, le 19/avr./1844. Paris, 1844.
508. [Lavedan, Henri.] Institut de France. Académie Française. Discours prononcés dans la séance publique
tenue par i: Académie Français pour la réception de Henri Lavedan. 29/déc./1899. Paris, 1899.
509. Laverdant. Gabriel-Désiré. "De la Mission de Cart et du rôle des artistes: Salon de 1845". (Extrato de La
Phalange, 2 a e 3 a remessa.) Paris, 1845.
510. Laverdant, Gabriel-Désiré. "Revue critique de feuilleton". La Phalange, ano X, 3 a série, tomo 3, n° 34,
18/jul./1 841, col. 540.
511. Léautaud, Paul. "Gazette d'hier et d'aujourd'hui: (Vieux Paris)”. Mercure de France, ano XXXVIII, tomo
199, n° 704, 1 5/out./1 927, pp. 501-505.
Lebende Bilder aus dem modernen Paris ; ver Ebeling, Adolf.
10 44 ■ Passagens
512. Le Breton, André. Balzac: l'homme et 1'ceuvre. Paris. 1905.
513. Lecomte, Jules. Les Lettres de Van Engelgom. Introdução e notas de Henri d'Almeras. Paris, 1925.
(Collection des chefs-d'aeuvre méconnus.)
514. Lefeuve, Charles. Histoire de Paris, rue par rue, maison par maison: Les andennes ma, sons de Paris. Vols.
I, || e IV. 5 a ed.. Paris, 1875.
515. Léger, Fernand. "Londres". Lu, ano V, n° 23 (209). 77jun./1935, p. 18.
516. Lemaitre, Jules. Les Contemporains: Études etportraits littéraires. 4 a série. 1 1 a ed.. Paris, 1895. (Nouvelle
bibliothèque littéraire.)
517 Lemer, Julien. Paris au gaz. Paris, 1861 .
518. Lemercier, Népomucène. Suite de la Panhypocrisiade ou le spectacle infernal du dix-neuvième siède. Paris,
1832.
519. Lemercier, Népomucéne. "Sur la Découverte de Ungénieux peintre du “^'^37^ ^
France Séance publique annuelle des dnq académies, 2/m al /l839. Paris, 1839, PP- •
520. Lemonnier, Léon. Edgar Poe et ,a cr, tique française de 1845 à 1875. Tese de doutorado. Faculté des
Lettres, Université de Paris. Paris, 1928.
521 . Lepage, Auguste. Les Cafés politiques et littéraires de Paris. Paris, 1 874.
522 Le Play Frédéric. LesOuvners européens: Êtudessurles travaux, la vie domestique et la condition mora/e des
* rtm*. d'un «posé de I» —.d, d ota».». W*
523. Lerminier. "De la Littérature des ouvriers". Revue des deux mondes, ano XXVIII (1841). PP . 955 e segs.
524. Leroy, Maxime. Les Premiers amis trançais de Wagner. Paris, 1925. (Bibliothèque musicale.)
525. Leroy, Maxime. Les Spéculations fondères de Saint-Simon et ses querelles dWaires avec son asso oê, le
comte de Redern. Paris, 1925.
526. Leroy. Maxime. La Vfe véritable du comte Henri de Saint-Simon (1760-1825). Paris, 1925. ("Les Cahiers
verts", vol. LIV.)
527. Lessing, Julius. DashalbeJahrhundertderWeltausstelIungen.V ortrag gehalten in derVolkswirthschaftlichen
Gesellschaft zu Berlin, Màrz 1900. Berlim, 1900.
528. Levallois, Jules. Milieu du siède: Mémoires d'un critique. Paris, 1895.
529. Levasseur, Emile. Histoire des classes ouvrières et de 1'industrie en France de 1789 à 1870. 2 a ed.,
inteiramente revista, 2 vols., Paris, 1903 e 1904.
530. Levasseur, Emile. Histoire du commerce de la France. Parte II: De 1789 à nosjours. (Avec un avertissement
de Auguste Deschamps.) Paris, 1912.
531. Levic-Torca. Paris-Noceur. Ouvrage orné de portraits d'après nature et de compositions inédites de Léon
Roze. Paris, 1910.
532. Lewald, August. Album der Boudoirs. Leipzig-Stuttgart, 1836.
533. Ley-Deutsch, Maria. Le G ueuxchez VictorHugo. Paris, 1936. (Bibliothèque de la Fondation Victor Hugo,
vol. IV.)
534. Liébert, Alphonse. Les Ruines de Paris: 100 photographies. Vol. I. Paris. 1871.
535. Liefde, Carel Lodewijk de. Le Saint-Simonisme dans la poésie française entre 1825 et 1865. Tese de
doutorado, Amsterdam. Haarlem, 1927.
536. Lignières, Jean de. "Le Centenaire de la Presse". Vendredi, junho 1936.
537. Limayrac, Paulin. "Du Roman actuel et de nos romanders". Revue des deux mondes, ano XIV- nova série.
1845, tomo II, pp. 937-957.
538. ümousin, Charles-Mathieu. Le Founérisme: Brefexposé. Laprétendue folie deFourier. Réponse à un article
de Edmond Villey intitulé "Fourier et son oeuvre". Paris, 1898.
Anexos ■ 1045
539. Lindau, Paul. Der Abend: Schauspiel in vier Aufzügen. Berlim, 1896. (Manuscrito.)
540. Linfert, Cari. "Vom Ursprung groBer Baugedanken". Frankfurter Zeitung, ano LXXX, n° 15/16, 9/jan J
1936, p. 11.
541. Lion, Ferdinand. Geschichte biologisch gesehen: Essays. Zurique-Leipzig, 1935.
542. Lipps, Theodor. "Über die Symbolik unserer Kleidung". Nord und Süd, Breslau-Berlim, n° 33 (1885).
543. Lõwith, Karl. "CAchèvement de la philosophie classique par Hegel et sa dissolution chez Marx et Kierkegaard" .
Recherches philosophiques, IV (1934/1935), pp. 232-267.
544. Lõwith, Karl. Nietzsches Philosophie der ewigen Wiederkunft des Gleichen. Berlim, 1935.
545. Lohenstein, Daniel Casper von. Agrippina: Trauer-Spiel. Leipzig, 1724.
546. Loize, )ean. "Émile Zola, photographe" . Arts et métiers graphiques, n° 45, 15/fev./1935, pp. 31-35.
547. Lotze, Hermann. Mikrokosmos: Ideen zur Naturgeschichte und Geschichte der Menschheit. Versuch einer
Anthropologie. Vols. II e III. Leipzig, 1858 e 1864.
548. Louandre, Charles. Les Idées subversives de notre temps: Étude sur la société française de 1 830 à 1871.
Paris, 1872.
549. Louandre, Charles. "Statistique littéraire: La poésie depuis 1830". Revue des deux mondes, 4 a série, tomo
3, 1 5/jun./1 842, pp. 971-1002.
550. Louandre, Charles. "Statistique littéraire: de la production intellectuelle en France depuis quinze ans".
Revue des deux mondes, ano XVII - nova série, 1847, tomo 20, pp. 253-286, 416-446 e 671-703.
551. Louhambeaudie [?]. <Nome correto: Lachambaudie> Fables et poésies diverses. Paris, 1851.
552. Louis, Paul. Histoire de la classe ouvrière en France de la révolution à nos jours: La condition matérielle des
travailleurs; Les salaires et le coüt de la vie. Paris, 1 927.
553. Lucas, Hippolyte e Barre, Eugène. Le Ciei et 1'enfer: Féerie mêlée de chants et de danses, en 5 actes et 20
tableaux. Représentée pour la première fois, à Paris, sur le Théâtre de 1'Ambigu-Comique, le 23/mai/1853.
Paris, 1853.
554. Lucas-Dubreton, J. L'Affaire Alibaud ou Louis-Philippe traqué (1836). Paris, 1927.
555. Lucas-Dubreton, J. Le Comte d'Artois ; Charles X: le prince, l'ém/gré, le roí. Paris, 1927. (Figures du passé.)
556. Lucas-Dubreton, J. La Vie d' Alexandre Dumas père. Paris, 1928. (Vie des hommes illustres, XIV.)
557. Lurine, Louis. "À travers les rues". In: Paris chez soi: Histoire, mceurs, rues, monuments, palais, musées,
théâtres, chemins de fer, fortifications et environs de Paris ancien et moderne. Par 1'élite de la littérature
contemporaine. Paris, 1854, pp. 3-12.
558. Lurine, Louis. "Les boulevarts". In: Paris chez soi: Histoire, mceurs, rues, monuments, palais, musées,
théâtres, chemins de fer, fortifications et environs de Paris ancien et moderne. Par l'êlite de la littérature
contemporaine. Paris, 1854, pp. 49-62.
559. Lurine, Louis. Le Treizième arrondissement de Paris. Paris, 1850.
560. Lux, Joseph August. "Maschinenâsthetik". Die Neue Zeit, XXVII (1908/1909), tomo 2, n° 39, pp. 436-
439 ( Feuilleton der Neuen Zeit, n° 16-17, 25/jun./1 909).
561. L, F. "Über eine Plakatausstellung in Mannheim". Frankfurter Zeitung, 1927.
562. Mabille, Pierre. "Préface à YÊioge des prêjugés populaires". Minotaure: Revue artistique et littéraire, ano
II, n° 6, hiver 1935, pp. 1-3.
563. Mac Orlan, Pierre. " Grandville le prêcurseur” . Arts et métiers graphiques, n° 44, 1 5/déc./1 934, pp. 1 9-24.
564. Maillard, Firmin. La Cité des intellectuels: Scènes cruelles etplaisantes de la vie littéraire des gens de lettres
au XIT? siède. 3 a ed., Paris, 1905.
565. Maillard, Firmin. La Légende de la femme émandpée: Histoire de femmes, pour servir à Fhistoire
contemporaine. Paris, s.d.
1046 ■ Passagens
566. Maillard, Firmin. Recherches historiques et critiques sur la Morgue. Paris, 1860.
567. Maire, Gilbert. "La Personnalité de Baudelaire et Ia critique biologique des Fleurs du Mal". Mercure de
France, tomo 83, n° 302, 16/jan./1910, pp. 231-248, e n° 303, 1/fev./1910, pp. 400-417.
568. Maistre, Joseph de. Les Soirées de Saint-Pétersbourg. [Extratos.] Notice et notes par Ch.-M. Des Granges.
Paris, 1922. (Les classiques pour tous, vol. LXXVIII.)
569. Malet, Albert e Grillet, P. XD? siède (1815-1914). Paris, 1919.
570. "La Dernière Mode de Stéphane Mallarmé". Extratos, introduzidos por Henry Charpentier. Minotaure:
Revue artistique et littéraire. ano II, n° 6, hiver 1935, pp. 25-29.
571. Mallarmé, Stéphane. Divagatlons. Paris, 1897.
572. Mallarmé, Stéphane. Poésies. Paris, 1917.
573. Mann, Heinrich. G eist und Tat: Franzosen 1780-1930. Berlin, 1931.
574. Marquiset, Alfred-L. Jeux et joueurs d'autrefois (1789-1837). Paris, 1917.
575. Marsan, Eugène. Les c annes de M. Paul Bourget et le bon choix de Philinte : Petit manuel de l'homme
élégant suivi de portraits en référence: Barres, Moréas, Bourget [e outros], Com uma carta de Paul Bourget
para o autor. Paris, 1923.
576. Martin, Alexis. "Sur 1'Asphalte. I: Physiologie de 1'asphalte". Le Bohême: Journal non politique, ano I, n° 3,
15/abr./1855, p. 3.
577. Martino, Pierre. Le Roman réaliste sous le Second Empire. Paris, 1913.
578. Marx, Karl e Engels, Friedrich. Historisch-kritische Gesamtausgabe. Werke/Schriften/Briefe. Ed. org. por
David Rjazanov, a serviço do Instituto Marx-Engels em Moskau. Seção I, vol. I, tomo 1 : Karl Marx, Werke und
Schriften bis Anfang 1844 nebst Briefen und Dokumenten. Frankfurt a. M., 1927.
579. Marx, Karl e Engels, Friedrich. Gesammelte Schriften 1841 bis 1850, vol. III: Von Mai 1848 bis Oktober
1850. Stuttgart, 1 902. Ed. org. por Franz Mehring a partir do espólio literário de Karl Marx, Friedrich Engels
e Ferdinand Lassalle.
580. Marx, Karl. Der achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte . Nova ed. aumentada, com um prefácio de
Friedrich Engels. Ed. org. por David Rjazanov. Viena-Berlim, 1927.
581. Marx, Karl. "Der franzõsische Materialismus des 18. Jahrhunderts". Die Neue Zeit, III (1885), n° 9, pp.
385-395.
582. “Karl Marx über Karl Grün ais Geschichtsschreiber des Sozialismus. Aus dem Marx-Engelsschen NachlaB".
Nota introdutória de Eduard Bernstein. Die Neue Zeit, XVIII (1 899/1 900), tomo 1 , n° 1 , pp. 4-1 1 ; n° 2, pp.
37-46; n° 5, pp. 132-141; e n° 6, pp. 164-172.
583. Marx, Karl. Der historische Materialismus: Die Frühschriften. Ed. org. por Siegfried Landshut e J. P. Mayer,
com a colaboração de F. Salomon. Vol. I. Leipzig, 1932. (Krõners Taschenausgabe, 91.)
584. Marx, Karl. DasKapital: Kritik der politischen Õkonomie. Vol. I, livro 1 : Der ProduktionsprozeB des Kapitals.
Ed. org. por Friedrich Engels. 10 a ed., Flamburgo, 1922.
585. Marx, Karl. DasKapital: Kritik der politischen Õkonomie. Vol. I, livro 1. Ed. integral, conforme a 2 a ed. de
1872. Org. e prefácio de Karl Korsch. Berlim, 1932.
586. Marx, Karl. D/e Klassenkãmpfe in Frankreich 1848 bis 1850. Reimpressão do texto publicado em Neue
Rheinische Zeitung: Politisch-ókonomische Revue, Hamburgo, 1850. Com uma introdução de Friedrich
Engels. Berlim, 1895.
587. Marx, Karl. Randglossen zum Programm der Deutschen Arbeiterpartei. Ed. org. por Karl Korsch, com uma
introdução e seis anexos. Berlim-Leipzig, 1922.
588. Karl Marx ais Denker, Mensch und Revolutionâr: Ein Sammelbuch. Ed. org. por David Rjazanov. Viena-
Berlim, 1928. (Marxistische Bibliothek: Werke des Marxismus-Leninismus, 4.)
589. Marx, Karl e Engels, Friedrich. "Über Feuerbach: Der erste Teil der Deutschen Ideologie". Marx-Engels-
Archiv: Zeitschrift des Marx-Engels-lnstituts in Moskau, ed. por David Rjazanov. Vol. I. Frankfurt a. M., 1928,
pp. 205-306.
Anexos ■ 1047
590. Marx, Karl e Engels, Friedrich. "Verschwõrer und Polizeispione in Frankreich: [Resenha de] Chenu, Les
Conspirateurs, e Lucíen de la Hodde, La Naissance de la république en février 1848" . Die Neue Zeit, ano
IV (1886), pp. 549-561.
591 . Marx, Karl e Engels, Friedrich. Ausgewãhlte Bríefe. Ed. org. pelo Instituto Marx-Engels-Lenin de Moscou sob
a redação de Vladimir Adoratskij. Moscou-Leningrado, 1934. (Bibliothek des Marxísmus-Leninismus, 2.)
592. Marx, Karl e Engels, Friedrich. Briefwechsel. Ed. org. pelo Instituto Marx-Engels-Lenin de Moscou. Vol. I:
1844-1853. Zurique, 1935.
593. Mauclair, Camille. "Préface" a Charles Baudelaire, Vmgt-sept poèmes des 'Fleursdu Mal'. Com ilustrações
de Auguste Rodin. Paris, 1918, pp. 1-8.
594. Maupassant, Guy de. C/a/r de lune: Uenfant - En voyage - Le búcher. Paris, 1 909. (CEuvres completes, 24.)
595. Mayer, Gustav. Friedrich Engels: Elne Biographie in zwei Bànden. Vol. I: Friedrich Engels in seiner Frühzeit.
2 a ed., Berlim, 1933.
596. Mayer, Gustav. Friedrich Engels: Eine Biographie in zwei Bànden. Vol. II; Engels und der Aufstieg der
Arbeiterbewegung in Europa. Berlim, 1933.
597. Mehring, Franz. "Ein Gedenktag des Kommunismus". Die Neue Zeit, XVI (1897/1898), tomo 1, n° 12,
pp. 353-356.
598. Mehring, Franz. "Lose Blãtter. Charles Dickens". Die Neue Zeit, XXX (1911/1912), tomo 1, n° 17, pp.
621-624 ( Feuilleton der Neuen Zeit, n° 47, 26/jan./1912).
599. Mehring, Franz. "Ein methodologisches Problem". D/e Neue Zeit, XX (1901/1902), tomo 1, n° 15, pp.
449-453.
600. Mehring, Franz. “Zum GedãchtniB der Pariser Kommune". Die Neue Zeit, XIV (1895/1896), tomo 1, n°
24, pp. 737-740.
601 . Meister, Karl. Die Hausschwelle in Sprache und Religion der Rõmer. Heidelberg, 1925. (Sitzungsberichte
der Heidelberger Akademie der Wissenschaften. Phílosophisch-hístorische Klasse. Vol. XV, ano 1924/
1925, tratado n° 3. Apresentado em 7/out./1924.)
602. Mercier, Louis Sébastien. Le Nouveau Paris. Vols. IV e V. Paris, 1800.
603 . Méry, Victor. "Le Climat de Paris" . In: Le Diable à Paris: Paris et les parisiens-Mceurs et coutumes, caractères
et portraits des habitants de Paris, tableau complet de leur vie privée, publique, politique, artistique,
littéraire, industrielle etc, etc. Textos de George Sand, P.-J. Stahl, Léon Gozlan e outros. Precedidos de uma
"Histoire de Paris", de Théophile Lavallée. Vol. I. Paris, 1845, pp. 238-248.
604. Meryon, Charles. Eaux-fortes sur Paris. Introdução: R. Castinelli.
605. Messac, Régis. Le "Detective Novel" et 1'influence de la pensée scientifique. Tese de doutorado, Faculte de
Lettres, Université de Paris. Paris, 1929.
606. Meyer, Alfred Gotthold. Eisenbauten: Ihre Geschichte und Àsthetik. Obra terminada após a morte do autor
por Wilhelm Freiherr von Tettau. Com uma apresentação de Julius Lessing. Esslingen a. N„ 1907.
607. Meyer, E. Victor Hugo à la tribune: Les grands débats parlementaires de FAssemblée Législative. Prefácio do
presidente Édouard Herriot.
608. Meyer, Friedrich Johann Lorenz. Fragmente aus Paris im IVten Jahr der franzõsischen Republik. Partes I e II.
Hamburgo, 1797.
609. Meyer, Julius. Geschichte der modernen franzõsischen Malerei seit 1 789 zugleich in ihrem VerhàltniB zum
potitischen Leben, zur Gesittung und Literatur. Leipzig, 1867.
610. Meyer, Julius [?]. "Die Pariser Kunstausstellung von 1861, und die bildende Kunst des 19. Jahrhunderts".
Die Grenzboten: Zeitschrift für Politik und Literatur. Leipzig, 1861, 2° semestre, vol. III, pp. 143-144.
611. Michelet, Jules. "Avenir! Avenir!" Europe, tomo XIX, n° 73, 15/jan71929, pp. 6-10.
612. Michelet, Jules. Bible de Fhumanité. Paris, 1864.
613. Michelet, Jules. Nos fils. Paris, 1870.
1048 ■ Passagens
614. Michelet, Jules. Le Peuple. 2 a ed, Paris, 1846.
615. Michelet, Victor-Émile. Figures d'évocateurs. Paris, 1913.
616. Michels, Robert. "Psychologie der antikapitalistischen Massenbewegungen". In: QrundriB der
Sozialòkonomik. Seção IX: Das soziale System des Kapitalismus. Parte 1 : D/e gesellschaftliche Schichtung im
Kapitalismus. Com contribuições de G. Albrecht et al. Tübingen, 1926, pp. 241-359.
61 7. Michiels, Alfred. Histoire des idées littéraires en France au XIX? siècle et de leurs origines dans les siècles
antérieurs. 4 a ed., aumentada e continuada até 1861. Vol. II. Paris, 1863.
618. Mirecourt, Eugène (Jacquot) de. Fabrique de romans : Maison Alexandre Dumas et Compagnie. Paris,
1845.
619. Mirecourt, Eugène (Jacquot) de. Les vrais Misérables. 2 vols. Paris, 1862.
620. Moilin, Tony. Paris en l'an 2000. Paris, 1869.
62 1 . Montglond, André. Le Préromantisme trançais. Vol. I: Le Héros préromantique, Vol. II: Le Maitre des âmes
sensibles. Grenoble, 1930.
622. Monnier, Adrienne. "La Gazette des amis des livres". La Gazette des amis des livres, ano I, n° 1, janeiro
1938, pp. 1-20.
623. Montaigu, J. ["Prólogo" a] Le Flâneur: Journal populaire, n° 1, 3/mai/1848, p. 1.
624. Montorgueil, Georges. Paris au hasard. Paris, 1 895.
625. Montrue, Eugène. Le XO? siède vécu par deux trançais. Paris.
626. Morand, Paul. 1900. Paris, 1931. (Collection "Marianne", 1.)
627. Morand, Paul. TAvarice". In: Les Sept Péchés capitaux. Jean Giraudoux, "L'Orgueil"; Paul Morand,
"EAvarice"; Pierre Mac Orlan, "La Luxure" [e outros]. Paris, 1926, pp. 21-39.
628. Moréas, Jean. "Un Manifeste". Le Figaro. Supplément littéraire, 1 8/set./l 886.
629. Morienval, Jean [Henri Thévenin], Les Créateurs de la grande presse en France: Émile de Girardin, H. De
Villemessant, Moise Millaud. Paris, 1934.
630. Mornand, Félix. La Vie des eaux. Paris, 1862.
631. Motte, Ch. Révolutions de Paris, 1830. Plan figuratif des barricades ainsi que des positions et mouvements
des citoyens armés et des troupes pendant les journées des 27, 28 et 29 juillet. Paris, 1830.
632. Les Murailles révolutionnaires. Collection complète des professions de foi, affiches, décrets, bulletins de
republique, fac-simile de signatures. (Paris et les départements.) Ed. org. por Alfred Delvau. Paris, 1852.
633. Muret, Théodore. LHistoire parle théâtre 1789-1851. 3 vols.: I: La Révolution, le Consulat, 1'Empire ; II: La
Restauration ; 111: Le Gouvernement de 1830, La Seconde Republique. Paris, 1865.
634. Musset, Alfred de. Namouna. Paris.
635. Nadar, Gustave-Félix. Quand j‘étais Photographe. Prefácio de Léon Daudet. Paris, 1900.
636. Naville, François Marc Louis. De la Charité légale, de ses effets, de ses causes, et spécialement des maisons
de travail et de la proscription de la mendicité. 2 vols. Paris, 1 836.
637. Nerval, Gérard de. Les CEuvres completes. Vol. III: te Cabaret de la Mère Saguet, suivi de divers inédits. Paris,
1927.
638. Néscio, J.-J. [pseudônimo da dupla de autores Jules David e Jules d'Auriac], La Littérature sous les deux
empires. (1804-1852.) Paris, 1874.
639. Nettement, Alfred. Études critiques sur le feuilleton-roman. Vol. I. Paris, 1845; Vol. II. Paris, 1846.
640. Nettement, Alfred. FUstoire de la littérature trançais sous le gouvernement de Juillet. 2 vols. 2 a ed., Paris,
1859.
641 . Nettement, Alfred. Le Roman contemporain: ses vicissitudes, ses divers aspects, son influence. Paris, 1 864.
642 . Nettement, Alfred. Les Ruines morales et intellectuelles: Méditations sur la philosophie et 1'histoire. Paris,
1836.
Anexos ■ 1049
643. Niépovié, Gaétan. Études physiologiques sur les grandes métropoles de /'Europe ocddentaie: Paris. Paris,
1840.
644. Nietzsche, Friedrich. Gesammelte Werke, Ed. Musarion:
Vol. XIV: Aus dem NachlaB (der Zarathustra- und Umwertungszeit 1882-1888). Munique, 1925.
Vol. XVIII: Der Wille zur Macht. Livros I e II. Munique, 1926.
Vol. XIX: Der Wille zur Macht. Livros III e IV. Munique, 1926.
645. Nietzsche, Friedrich, Also sprach Zarathustra. Leipzig: Ed. Krõner.
646. Nisard, Charles. Des Chansons populaires chez les anciens et chez les trançais: Essai historique suM d'une
étude sur la chanson des rues contemporaine. Vol. II. Paris, 1867.
647. Nisard, Désiré. Étude de mceurs et de critique sur les poètes latins de la décadence . 2 a ed., suivie de
jugements sur les quatre grands historiens latins. Vol. I. Paris, 1849.
648. Noack, Ferdinand. "Triumph und Triumphbogen". In: Vortràge der Bibliothek Warburg. Ed. org. por Fritz
Saxl. Vortrãge 1925-1926. Leipzíg-Berlim, 1928, pp. 149 e segs.
649. Nordau, Max. Aus dem wahren Milliardenlande: Pariser Studien und Bilder. Vol. I. Leipzig, 1878.
650. Nouveaux tableaux de Paris. Litografias de Marlet, textos de Pierre-Joseph-Spiridion Duféy. Paris: Impr. E.
Pochard, 1821/1822.
651. Nouveaux tableaux de Paris, ou observations sur les mceurs et usages des parisiens au commencement du
XIX? siède. Ed. org. por Marie-Joseph Pain. Vol. I. Paris, 1828.
652. Ourousof, Alexandre. "Étude sur les textes de Les Fleurs du Mal: Commentaire et variantes". In: Le
Tombeau de Charles Baudelaire. Ouvrage publié avec la collaboration de Stéphane Mallarmé [et al.];
prédédé d'une étude [...] par A. Ourousof et suivi d'ceuvres posthumes [...] de Charles 8audelaire [...].
Paris, 1896, pp. 7-37.
653. Ozenfant, Amédée. "Les Besoins collectifs et la peinture. B: La peinture murale". In: Encydopédie française.
Vol. XVI: Arts et littératures dans la société contemporaine, tomo 1 . Paris, 1 935. Fase. 1 6.70-2 a 6.
654. Pailleron, Édouard. Théátre complet. Vol. III: L'Âge ingrat, Le Chevalier Trumeau, UÉtincelle [e outros]. Paris,
1911.
655. Palais de 1'industrie. Paris, Plon.
656. Paris de 1800 à 1900 d‘après les estampes et les mémoires du temps. Ed. org. sob a direção de Charles
Simond. Vol. II: 1830-1870 - La Monarchie de Juillet, la Seconde République, le Second Empire. Paris, 1 900.
657. Paris désert: Lamentations d‘un Jérémie haussmannisé, Paris: Impr. G. Towne, 1868.
658. Paris nouveau: Jugé par un flâneur. Paris, 1868.
659. Paris sous la République de 1848. Exposition de la Bibliothèque et des Travaux historiques de la ville de
Paris, organisée avec le concours de la Société d'histoire de la révolution de 1848 et de plusieurs
collectionneurs. (Autores: Marcei Poete, Edmond Beaurepaire, Étienne Clouzot e Gabriel Plenriot.) Paris,
1909.
660. D/e Pariser Weltausstellung in Wort und Bild. Ed. org. por Georg Malkowsky, com a colaboração de Paul
Apostol [e outros], Berlim, 1900.
661 . Patry, Flenry [?]. 'TÉpilogue du procès des Fleurs du Mal: Une lettre inédite de Baudelaire à 1'impératrice
(1857)". Revue d‘histoire littéraire de la France, XXIX (1922), pp. 67-75.
662. Pécard, Maurice. Les Expositions internationales au point de vue économique et social particulièrement en
France. Tese de doutorado, Faculté de Droit, Université de Paris. Paris, 1901.
663. Péguy, Charles. duvres completes. Vol. I: CEuvres de prose. Tomo 4: Notre jeunesse. Victor-Maire, comte
Hugo. Introdução de André Suarès. Paris, 1916.
664. Péladan, Joséphin. "Théorie plastique de 1'androgyne". Mercure de France, tomo 84, n° 308, 16/abr./
1910, pp. 634-651.
665. Pélin, Gabriel. Les Laideurs du beau Paris: Histoire morale, critique et philosophique des industries, des
habitants et de monuments de la capitale. Paris, 1861.
1050 ■ Passagens
666. Pellarin, Charles. We de Fourier. 5 a ed„ aumentada com dois capítulos e um novo prefácio. Paris, 1871.
667. Pène, Henry de. Paris intime. Paris, 1859.
668. Perdiguier, Agricol. Le livre du compagnonnage. Contenant des chansons de compagnons, un dialogue
sur l'architecture, un raisonnement sur le trait [etc.]. Paris, 1840.
669. Perret, Auguste. "Les Besoins collectifs et 1'architecture". In: Encydopédie française. Vol. XVI: Arts et
littératures dans la société contemporaine, tomo 1. Paris, 1935. Fase. 16.68-6 até 12.
670. Les Petits-París. Par les auteurs des Mémoires de Bilboques [Taxile Delord e outros]. Paris, 1854.
Vol. I: Paris-boursier.
Vol. VI: Paris-bohême.
Vol. X: Paris-viveur.
671. Pierre-Quint, Léon. "Signification du cinema". In: L'Art dnématographique. vol. II. Paris, 1927, pp. 1-28.
672. Pinet, G. Histoire de l'École Polytechnique. Paris, 1887.
673. Pinkerton, Mercier e Cramer, C. F. Ansichten der Hauptstadt des franzõsischen Kayserreichs vom Jahre
1806 an. Vol. I. Amsterdam, 1807.
674. Pinloche, A. Fourier et le sodalisme. Paris, 1933.
675. Planhol, René de. Les Utopistes de famour. Paris, 1921.
676. Plekhanov, Georgi. "Über die Anfãnge der Lehre vom Klassenkampf". Die NeueZeit. XXI (1902/1903),
tomo 1, n° 9, pp. 275-286, e n° 10, pp. 292-305.
677. Plekhanov, Georgi Valentinovitch. "Wie die Bourgeoisie ihrer Revolution gedenkt". Trad. para o alemão
por Boris Naumovitch Kritchevski. D/e NeueZeit, IX (1890/1891), tomo 1, n° 4, pp. 97-102, e n° 5, pp.
135-140.
678. Plekhanov, Georg Valentinovitch. "Zu Hegels sechzigstem Todestag". Die Neue Zeit, X (1891/1892),
tomo 1, n° 7, pp. 198-203; n° 8, pp. 236-243; e n° 9, pp. 273-282.
679. Poe, Edgar. Nouvelle histoires extraordinaires. Tradução de Charles Baudelaire. (= Ch. Baudelaire, duvres
complètes, vol. VI: Traductions, II, Paris: Calmann Lévy) Paris, 1887.
680. Poésies sodales des ouvriers. Ed. org. por Olinde Rodrigues. Paris, 1841.
681 . Poéte, Marcei. Une Vie de dté: Paris de sa naissance a nos jours. Album. Paris, 1925.
Poisson, E.; ver Charles Fourier.
682. Pokrovski, Michael Nikolaevitch. Historische Aufsãtze: Ein Sammelband. Tradução do russo para o alemão
por Axel F. Viena-Berlim, 1928. (Marxistische Bibliothek: Werke des Marxismus-Leninismus, 17.)
683. Pollès, Flenri. "L'Art du commerce". Vendredi: Hebdomadaire littéraire etpolitique, ano III, n° 67, 12/f ev./
1937, p. 12.
684. Porché, François. La Vie douloureuse de Charles Baudelaire. Paris, 1 926. (Le Roman des grandes existences, 6.)
685. Poulot, Denis. Question sodale: Le sublime. 3 a ed., Paris, 1887. (Bibliothèque socialiste.)
686. Pradier, Charles. "Pères et fils" . Le Bohême: Journal non politique, ano I, n° 5, 29/abr71855, pp. 1-2.
687. Pradier, Charles. "Réponse à la Revue de Paris". Le Bohême, ano I, n° 8, 1 0/jun./1 855, p. 2.
688. Prévost, Jean. [Resenha] "Journaux intimes de Charles Baudelaire, avertissement et notes de Jacques
Crépet; Les Mystères galans des théâtres de Paris". La Nouvelle Revue Française, ano XXVII, tomo 52, n°
308, 1/mai/1939, pp. 887-888.
689. Privat d'Anglemont, Alexandre. Paris inconnu. Precedido de um estudo sobre sua vida por Alfred Delvau.
Paris, 1861.
690. Prohojovska, A. [?] cnome correto: A. Drohojovska; ver n° 255: Doncourt> Les Grandes Industries de
France: Pédairage. Paris.
691 . Proles, Charles. Raoul Rigault: La préfecture de police sous la Commune; Les otages. (Les Flommes de la
révolution de 1871.) Paris, 1898.
Anexos ■ 1051
692. Une Promenade a travers Paris au temps des romantiques. Exposition de la Bítfothèque et des Travaux
historiques de la ville de Paris, organisée avec le concours des collectxxis de Georges Decaux et Georges
Hartmann. (Autores: Marcei Poete, Edmond Beaurepalre, Étienne Cbuzot e Gaboel Henriot) Paris, 1908.
693. Proust, Marcei. Du Cotê de chez Swann, I (À la Recherche du temps perdu, vd. I.) Paris, 1939.
694. Proust, Marcei. À l'Ombre des jeunes filies en fleurs, II. (À /a Recherche du temps perdu, vd. II.) Paris, 1 932.
695. Proust, Marcei. À 1'Ombre des jeunes filies en fleurs, III. ( À la Recherche du temps perdu, vd. III.) Paris,
1939.
696. Proust, Marcei. Le Côté de Guermantes, I. <À la Recherche du temps perdu, vd. III.) Paris, 1920.
697. Proust, Marcei. La Prisionnière ( Sodome et Gomorrhe, III) I. (A la Recherche du temps perdu, vol. VI.) Paris,
1924.
698. Proust, Marcei. La Prisionnière ( Sodome et Gomorrhe, III) II. (À Is Recherche du temps perdu, vol. VI.) Paris,
1923.
699. Proust, Marcei. Le Temps retrouvé, II. ( À la Recherche du temps perdu, vol. VIII.) Paris, 1927.
700. Proust, Marcei. "A propos de Baudelaire". La Nouvelle Revue Française, ano VIII, tomo 16, n° 93, 1/jun J
1921, pp. 641-663.
701. Proust, Marcei. Chroniques. Paris, 1927.
702. Proust, Marcei. "Préface" [a] Paul Morand, Tendres stocks. 2“ ed., Paris, 1921.
703. Proust, Marcei. Correspondance générale. Ed. org. por Robert Proust e Paul Brach. Vol. I. Lettres à Robert
de Montesquiou 1893-1921. Paris, 1930.
704. Pujoulx, Jean-Baptiste. Paris à la fin du XVIlf siècle, ou esquisse historique et morale des monuments et des
ruines de cette capitale; de 1‘état des Sciences, des arts et de !' industrie à ceife époque, ainsi que des mosurs
et des ridicules de ses habitans. Paris, 1801.
705. Pyat, Félix. Le Chiffonnier de Paris: Drame en cinq actes. Nova ed., revista, corrigida e aumentada com um
prefácio. Paris, 1884.
706. Rageot, Gaston. "La Mode intellectuelle: Qu'est-ce qu'un événement?" Le Temps, ano LXXIX, n° 28.339,
1 6/abr./1 939, p. 3.
707. Raphael, Max. Proudhon Marx Picasso: Trois études sur la sodologie de l'art. Paris, 1933.
708. Rapports des délégués des ouvriers parisiens à Texposition de Londres en 1862. Ed. org, pela Commission
ouvrière. Paris 1862/1864.
709. Rattier, Paul-Ernest de. Paris ríexiste pas. Paris, 1857.
710. Raumer, Friedrich von. Briefe aus Paris und Frankreich im Jahre 1830. Parte I. Leipzig, 1931. - Parte II.
Leipzig, 1931.
711. Raymond, Marcei. De Baudelaire au surréalisme: Essay sur le mouvement poétique contemporain. Paris,
1933.
712. Raynaud, Ernest. Charles Baudelaire: Étude biographique et critique suivie d‘un essai de bibliographie et
d'iconographie baudelairiennes. Paris, 1922. (Bibliothèque d'histoire littéraire et de critique.)
713. Régnier, Henri de. "Baudelaire et les Fleurs du Mal" . (Introdução a] Charles Baudelaire, Les Fleurs du Mal
et autres poèmes. Paris, 1930. [Sem paginação.]
714. Reichardt, Johann Friedrich. Vertraute Briefe aus Paris geschrieben in den Jahren 1802 und 1803. Partes
I e II. 2 a ed., Hamburgo, 1805.
715. Reik, Theodor. Der überraschte Psychologe: Ober Erraten und Verstehen unbewuBter Vorgãnge. Leiden,
1935.
716. Réja, Marcei. L'Art chez les fous: Le dessin, la prose, la poésie. Paris, 1907.
717. Rellstab, Ludwig. Paris im Frühjahr 1843: Briefe, Berichte und Schilderungen. Vol. I. Leipzig, 1844.
718. Renan, Ernest. Essais de morale et de critique. Paris, 1859.
1052 ■ Passagens
719. Renard, Jules. Journal inédit 1887-1895. Paris, 1925.
720. Rency, Georges. Physiognomies littéraires. Bruxelas, 1907.
721. Rey, Jean. Études pour servir à 1‘histoire des châles. Paris, 1823.
722. Reynaud, Jean. Philosophie religleuse: Terre et Ciei. Paris, 1854.
723. Reynold, Gonzague de. Charles Baudelaire. Paris-Genebra, 1920. (Collection Franco-Suisse.)
724. Rílke, Rainer Maria. Duineser Elegien. Leipzig, 1923.
725. Rilke, Rainer Maria. D/e frühen Gedichte. Leipzig, 1922.
726. Rimbaud, Arthur. CEuvres: Vers et proses. Poèmes retrouvés. Ed. org. por Paterne Berrichon. Prefácio de
Paul Claudel. Paris, 1924.
727 . Rivière, Jacques. Études. Paris.
728. Rjasanoff, N. "Marx und seine russischen Bekannten in der vierziger Jahren". D/e NeueZeit, XXXI (1912/
1913), tomo 1, n° 20, pp. 715-721, e n° 21, pp. 757-766.
729. Rjazanov, David. "Zur Geschichte der Ersten Internationale. I: Die Entstehung der Internationalen
Arbeiterassoziation". Marx-Engels-Archiv:ZeitschriftdesMarx-Engels-lnstitutsinMoskau, ed. porD, Rjazanov.
Vol. I, Frankfurt a. M., 1928, pp. 119-202.
730. Robiquet, Jacques. L'Art et le goüt sous la Restauration 1814 à 1830. Paris, 1928. (Collection L'art et le
goüt.)
731. Rodenbach, Georges. LÊlite: écrivains, orateurs sacrés, peintres, sculpteurs. Paris, 1899.
732. Rodenberg, Julius. Paris bei Sonnenschein und Lampenlicht: Ein Skizzenbuch zur Weltausstellung. Com
contribuições de Heinrich Ehrlich e outros. Leipzig, 1867.
Rodrigues, Olinde. Ver Poésies sociales des ouvriers.
733. Rollinat, Maurice. Fin cfceuvre. Prefácio de Gustave Geffroy. Paris, 1919.
734. Romains, Jules. Cela dépend de vous. Paris, 1939.
735. Romains, Jules. Le 6 octobre. ( Les Hommes de bonne volonté, vol. I.) Paris, 1932.
736. Romains, Jules. Crime de Quinette. ( Les Hommes de bonne volonté, vol. II.) Paris, 1932.
737. Bibliothèque Nationale. Le Romantisme: Catalogue de 1'exposition 22janvier- Wmars 1930. Paris, 1930.
738. Rouget de Lisle, Claude Joseph. "Chant des industrieis". In: Cinquante chants trançais. Paris, 1825, pp.
202-205.
739. Rousseau, Jean-Jacques. Les Confessions. Vols. II, III e IV (= Livros V-XII). Paris, 1931 . (Coleção “Génie de
la France"; CEuvres de J.-J. Rousseau.)
740. Rousseau, Jean-Jacques. Les Rêveries du promeneur solitaire. Prefácio ("Dix jours à Ermenonville") de
Jacques de Lacretelle. Paris, 1926.
741. Rühle, Otto. Karl Marx: Leben und Werk. Hellerau bei Dresden, 1928.
742. Ruff, Marcel-A. "Sur 1'Architecture des Fleurs du Mal". Revue d'histoire littéraire de la France, XXXVII
(1930), pp. 393-399.
743. Russische Gespenster-Geschichten: Acht Novellen. Trad. e org. por Johannes von Guenther. Munique,
1921.
744. Sainte-Beuve, Charles-Augustin. V/e, poésies et pensées de Joseph Delorme. Nova ed., aumentada.
( Poésies de Sainte-Beuve, parte I.) Paris, 1863.
745. Sainte-Beuve, Charles-Augustin. Les Consolations. Pensées d'aoút. Notes et sonnets - Un dernier rêve.
( Poésies de Sainte-Beuve, parte II.) Paris, 1863.
746. Sainte-Beuve, Charles-Augustin. "De la Littérature industrielle". Revue des deux mondes, XIX (1839), n° 4,
pp. 681 e segs.
747. Sainte-Beuve, Charles-Augustin. Portraits contemporains. Vols. II e IV. Paris, 1882.
Anexos ■ 1053
748. Samson, Josef W. "Die Frauenmode der Gegenwart: Eine medizinisch-psycíxDtogísche Studie'. Beriím-
Colônia, 1927. (De: Zeitschrift für Sexualwissenschaft, 14.)
749. Sanvoisin, Gaétan. "La Soirée du scrutín à Paris: Rarement la víllefutaussi calme". Lefígaro, ano III, n° 118,
27/abr./1936, p. 1.
750. Saulnier, Paul. "Du Roman en général et du romancier modeme en particulier". Le Bohême: Journal non
politique, ano I, n° 5, 29/abr./1855, p. 2.
751. Scherer, Edmond. Études sur la littérature contemporaine. Vol. IV. Paris, 1886.
752. Schinzel, Elisabeth. Natur und Natursymbolik bei Poe, Baudelaire und den franzòsischen Symbolisten. Tese
de doutorado. Bonn-Düren, 1931.
753. Schlegel, Fríedrich. Ludnde. Leipzig.
754. Schmídt, Adolf. Pariser Zustãnde wãhrend der Revolutionszeit 1789-1800. Parte III. Jena, 1876.
755. Schmidt-WeiBenfels, Eduard. Portraits aus Frankreich. Berlin, 1881.
756. Schuhl, Pierre-Maxime. Machinisme et philosophie. Paris, 1938. (IMouvelle encydopédie philosophique, 16.)
757. Schulte, Fritz Th. "Honoré Daumier”. D/e Neue Zeit. XXXII (1913/1914), tomo 1, n° 22, pp. 831-837.
758. Séché, Aíphonse. La Vie des "Fleurs du Mal". 3‘ ed., Amíens, 1928. (Les grands événements littéraires, 1 1 .)
759. Séché, Léon. Alfred de Vigny. Vol. II: La Vie amoureuse. Paris, 1913. (Études d'histoire romantique.)
760. Séchelles, Hérault de. Théorie de l'ambition. Introdução de Jean Prévost. Paris, 1927.
761. Second, Albéric. "Rue Notre-Dame-de-Lorette". In: Paris chez soi: Histoire, mceurs, rues, monuments,
palais, musées, thèãtres, chemins de fer, fortifications et environs de Paris ancien et modeme. Par 1'álite de
la littérature contemporaine. Paris, 1854, pp. 187-192.
762. Seígnobos, Charles. Histoire sincère de la nation française: Bssai d'une histoire de Tévolution du peuple
français. 14 a ed., Paris, 1933.
763. Seillière, Ernest. Baudelaire. Paris 1931. (Âmes et visages.)
764. Senancourt, Etienne-Pivert de. Obermann. Nova ed„ revista e corrigida. Prefácio de George Sand. Paris: Éd.
Eugène Fasquelle, 1901.
765. Seyffarth, Woldemar. Wahrnehmungen in Paris 1853 und 1854. Gotha, 1855.
766. 70 Jahre deutsche Mode. 1925.
767. Silberling, E. Dictionnaire de sociologie phalanstérienne: Guide des ceuvres completes de Charles Fourier.
Paris, 1911.
768. Simmel, Georg. Mélanges de philosophie relativiste: Contribution à la culture philosophique. Trad. do
alemão para o francês por A. Guillain. Paris, 1912.
769. Simmel, Georg. Philosophie des Geldes. Leipzig, 1900.
770. Simmel, Georg. Philosophische Kultur: Gesammelte Essays. Leipzig, 1911. (Philosophisch-soziologische
Bücherei, 27.)
771 . Simond, Charles. Ver Paris de 1800 à 1900 d'après les estampes et les mémoires du temps.
772. Skerlitch, Jean. COpinion publique en France d'après la poésie politique etsodale de 1830 à 1848. Tese
de doutorado, Faculté des Lettres, Université de Lausanne. Lausanne, 1901.
773. Sonolet, Louis. La Vie parisienne sous le Second Empire. Prefácio de Roland Dorgelès. Paris, 1 929.
774. Souday, Paul. "Le Cínquantenaire de Baudelaire". Le Temps, 4/jun./1917.
775. Souday, Paul. "Des Lettres de Baudelaire". Le Temps, ano LVII, n° 20.495, 17/ago./1917, p. 1.
776. Souday, Paul. [Resenha] "Gonzague de Reynold, Charles Baudelaire". Le Temps, ano LXI, n° 21.81 1, 21/
abr./l 92 1 , p. 3.
777. Soupault, Philippe. Baudelaire. Paris, 1931. (Maítres des littératures, 8.)
1054 ■ Passagens
778. Spengler, Oswald. Le Dédin de 1'Octident: Esquisse d'une morphologie de l'histoire universelle. Parte II:
Perspectives de 1'histoire universelle. Trad. do alemão para o francês por M. Tazerout. Paris, 1 933. (Bibliothèque
des idees.)
779. Spitzer, Leo. Stilstudien. Vol. II: Stilsprachen. Munique, 1928.
780. Spühler, Willy. Der Saint-Simonismus: Lehre und Leben von Saint-Amand Bazard. Zurique, 1926. (Zürcher
Volkswirtschaftliche Forschungen, 7.)
781 . Spuller, Eugène. Histoire parlementaire de la Seconde République suivie d' une petite histoire du Second
Empire Paris, 1891.
782. Stahl, Fritz. Paris: eine Stadtals Kunstwerk. Berlim, 1929.
783. Stahr, Adolf. Nach fünf Jahren: Pariser Studien aus dem Jahre 1855. Parte I. Oldenburg, 1857.
784. Stahr, Adolf. Zwei Monate in Paris. Partes I e II. Oldenburg, 1851 .
785. Stein, Lorenz von. "Die socialistischen und kommunistischen Bewegungen seit der dritten franzõsischen
Revolution". Anexo de L. von Stein, Socialismus und Communismus des heutigen Frankreichs. Leipzig-
Viena, 1848.
786. Stenger, Erich. Daguerres Diorama in Berlin: Ein Beitrag zur Vorgeschichte der Photographie. Berlim, 1925.
787. Sternberger, Dolf. "Hohe See und Schiffbruch: Verwandlungen einer Allegorie". D/e Neue Rundschau,
XLVI (1935), tomo 2. n° 8 (agosto), pp. 184-201.
788. Sternberger, Dolf. "Jugendstil: Begriff und Physiognomik". Die Neue Rundschau, XLV (1934), tomo 2, n°
9 (setembro), pp. 255-271.
789. Sternberger, Dolf. Panorama oder Ansichten vom 19. Jahrhundert. Hamburgo, 1938.
790. Sternberger, Dolf. "Das wunderbare Licht: Zum 150. Geburtstag Daguerres". Frankfurter Zeitung, ano
LXXXII, n° 593-594, 21/nov./1937, p. 6.
791 . Strindberg, August. Mãrçhen. Trad. do sueco para o alemão por Emil Schering. 8 a ed., Munique-Berlim,
1917.
792. Strodtmann, Adolf. Dichterprofile: Literaturbilder aus dem neunzehnten Jahrhundert. Vol. I: Deutsche
Dichtercharaktere. Stuttgart, 1879.
793. Suarès, André. "Baudelaire et Les Fleurs du Mal" . Prefácio a Charles Baudelaire, Les Fleurs du Mal. Paris,
1933, pp. V-XLIV.
794. Suarès, André. Sur la Vi e: Essais. Vol. II. Paris, 1925.
795. Suarès, André. Trois grands vivants: Cervantès, Tolstoi, Baudelaire. Paris, 1938.
796. Szabó, Erwin. [Resenha] "A. Asturaro, II materialismo storico e la sociologia generale, Genua, 1904". Die
NeueZeit, XXIII (1904/1905), tomo 1, n° 2, pp. 61-62.
797. Szarvady, Friedrich. Paris: Politische und unpolitische Studien und Bilder, 1848-1852. Vol. I. Berlim, 1852.
798. Talmeyr, Maurice. "Moeurselectorales: Le marchand de vins". Revue des deux mondes, ano LXXXVI, tomo
148, 15/ago./1898, pp. 876-891.
799. Talmeyr, Maurice. Tableaux du siècle passé: La Cité du sang. Paris, 1901 .
800. Tardieu, Emile. 1'Ennui: Étude psychologique. Paris, 1903.
801. Tarlé, E. " Der Lyoner Arbeiteraufstand" . Marx-Engels-Archiv: Zeitschrift des Marx-Engels-lnstituts in Moskau,
ed. por David Rjazanov. Vol. II., Frankfurt a. M., 1928, pp. 56-113.
802. Thérive, André. [Resenha] "Henry Bordeaux, Le Pays sans ombre " [e outros], Le Temps, ano LXXV, n°
26.961, 27/jun./1935, p. 3.
803. Thérive, André. [Resenha] “Édouard Dujardin, Mallarmé par un des siens'' [e outros]. Le Temps, ano
LXXVI, n° 27.322, 25/5un71936, p. 3.
804. Thérive, André. Le Parnasse. Paris, 1 929. (Le XIX a siècle.)
Anexos ■ 1055
805. Thérive, André. [Resenha] "Paul Valéry, Variété IV [e] Regards sur le monde actuet [CEuvres completes,
tomo J]" [e outros], Le Temps, ano LXXIX, n° 28.343, 20/abr71939, p. 3.
806. Thibaudet, Albert. Histoire de la littérature française de 1789 à nos jours. Paris, 1936.
807. Thibaudet, Albert. Les Idées politiques de la France. Paris, 1932.
808. Thibaudet, Albert. Intérieurs: Baudelaire, Fromentin, Amiel. Paris, 1924.
809. Thomas, Louis. Curiosités sur Baudelaire. Paris, 1912.
810. Thurow, H. "Aus den Anfãngen der sozialistísehen Belletristik". Die NeueZeit, XXI (1902/1903), tomo 2,
n° 33, pp. 212-222.
811. Tissot, Amédée de. Paris et Londres comparés. Paris, 1830.
812. Tissot, Claude-Joseph. Dela Manie du suicide et de 1'esprit de révolte: Deleurs causes et de leurs remedes.
Paris, 1 840.
813. Tourquet-Milnes, G. The Influence of Baudelaire in France and England. Londres, 1913.
814. Tourreil, Louis-Jean-Baptiste de. Religion fusionienne ou doctrine de Tuniversalisation réalisant le vrai
catholidsme. Paris, 1902.
815. Toussenei, Alphonse, VEsprit des bêtes. Le Monde des oiseaux. Orn/thologie passionnelle. Vol. I. Paris,
1853.
816. Toussenei, Alphonse. L'Esprit des bêtes. Zoologie passionnelle. Mammifères de France 4 “ ed , revista e
corrigida, Paris, 1884.
817. Toussenei, Alphonse. LesJuifs. Rois de Tépoque. Histoire de la féodalité finandère . 3 a ed. Prefácio, nota
biográfica e notas ao texto por Gabriel de Gonet. 2 vols. Paris, 1886.
8 1 8. La Transformation de Paris sous le Second Empire. Exposition de la Bibliothèque et des Travaux historiques
de la ville de Paris, organisée avec le concours des collectíons de P. Slondel [e outros], (Autores: Marcei
Poete, Etienne Clouzot e Gabriel Henriot.) Paris, 1910.
819. Trial, Raymond. La Maladie de Baudelaire: Étude médico-psychologique. Paris, 1926.
820. Tricotei, C.-F. [Charles-Maurice Descombes], Esquisse de quelques scènes de Tintérieur de la Bourse,
pendant les journêes des 28, 29, 30 e 31 juillet dernier Paris, 1930.
821 . Turgot, Anne-Robert-Jacques. CEuvres. Nova ed., org. por matérias, com as notas de Dupont de Nemours;
acrescentada de cartas inéditas, questões sobre o comércio e notas complementares de Eugène Daire e
Hippolyte Dussard, além de uma introdução de Eugène Daire sobre a vida e as obras de Turgot. Vol. II. Paris,
1844. (Collection des prindpaux économistes, 4.)
822. Usenet, Hermann. Gótternamen: Versuch einer Lehre von der religiôsen Begriffsbildung. Bonn, 1896.
823. Valéry, Paul. Cahier B 1910. Paris, 1930
824. Valéry, Paul. Choses tues: Cahier d'impressions et d’idées. Retrato de Paul Valéry por Edmond Marie,
águas-fortes originais e desenhos do autor. Paris, 1930. (Les Images du temps, 10.)
825. Valéry, Paul. “Introduction" [a] Charles Baudelaire, Les Fleursdu Mal. Texto da 2‘ ed. Paris, 1926, pp. VII-
XXX. (Collection prose et vers, 8.)
826. Valéry, Paul. Pièces sur Tart. Paris.
827. Valéry, Paul. "Préambule" [ao catálogo] Exposition de Tart italien de Cimabue à Tiepolo. Petit Palais, 1935.
Paris, 1935, pp. III-IX.
828. Valéry, Paul. Regards sur le monde actuel. (CEuvres de Paul Valéry, vol. J.) Paris, 1938.
829. Vergniol, Camille. "Cinquante ans après Baudelaire". La Revue de Paris, ano XXIV, tomo 4 (jul.-ago.
1917), pp. 671-709.
830. Verhaeren, Emile. "A Charles Baudelaire [poema]". In: Le tombeau de Charles Baudelaire. Ouvrage publié
avec la collaboration de Stéphane Mallarmé [et al.l précédé d'une étude [...] par Alexandre Ourousof et
suivi d'oeuvres posthumes [...] de Charles Baudelaire [...]. Paris, 1896, pp. 83-84.
1056 ■ Passagens
831. Veuillot, Louis. Les Odeurs de Paris. Paris, 1914.
832. Veuillot, Louis. Pages choisies. Com uma introdução crítica de Antoine Albalat. Paris, 1906.
833. Víel, Charles-François. De la Chute imminente de la Science de la construction des bâtiments en France: des
causes directes et indirectes qui l'accélèrent. Vol. I, Paris 1818; Vol. II, Paris, 1819.
834. Viel, Charles-François. De l'lmpuissance des mathématiques pour assurer la solidité des bâtimens, et
recherches sur la construction des ponts. Paris, 1805.
835. Viel-Castel, Horacede. Mémoires sur le règne de Napoléon 111(1851-1864). Prefácio de L. Léouzon Le Duc.
Vol. II: 1852-1853. Paris, 1883.
836. Vigny, Alfred de. Poésies complètes. Poèmes antiques etmodernes. Les Destinées , poèmes philosophiques.
Nova ed., revista e corrigida. Paris, 1866.
837. Vildrac, Charles [Charles Messager). Les Ponts de Paris. Paris s.d. [por volta de 1930].
838. Villiers, Roland. Le Cinema etses merveilles. Paris, 1930.
839. Vischer, Friedrich Theodor. Kritische Gãnge: Neue Folge. Caderno 3. Stuttgart, 1861.
840. Vischer, Friedrich Theodor. Mode und Cynismus: Beitràge zur KenntniB unserer Culturformen und
Sittenbegriffe. Stuttgart, 1879.
841. Volgin, V. "Über die historische Stellung St.-Simons". Marx-Engels-Archiv: Zeitschrift des Marx-Engels-
Instituts in Moskau, ed. por David Rjazanov. Vol. I, Frankfurt a. M„ 1928, pp. 82-1 18.
842. Walpole, Hugh. The Fortress. Hamburgo-Paris-Bolonha, 1933. (The Albatros Modern Continental Library, 92.)
843. Weidlé, Wladimir. Les Abeilles d'Aristée: Fssai sur le destin actuel des lettres et des arts. Paris, 1 936.
844. Weiss, Louise. Souvenirs d'une enfance républicaine. Paris, 1937.
845. WeiG, Hilde. "Die Enquête Ouvrière von Karl Marx" . Zeitschrift für Sozialforschung, ano V (1 936), n° 1 , pp.
76-98.
846. Wendel, Hermann. "Juies Vallès". Die Neue Zeit, XXXI (1912/1913), tomo 1, n° 3, pp. 105-111
( Feuilleton der Neuen Zeit, n° 56, 18/out/1912).
847. Westheim, Paul. "Die neue Siegesallee". Die neue Weltbühne XXXIV (1938), n° 8, 24/fev./1938, pp. 236-
240.
848. Wiertz, Antoine-Joseph. (Euvres littéraires. Paris, 1870.
849. Winter, Amalie. Memoiren einer Berliner Puppe für Kinder von 5 bis 10 Jahren und für deren Mütter.
Leipzig, 1852.
850. Zahar, Marcei. "Les Arts de 1'espace. I: LestendancesactuellesdeFarchitecture". \rr. Encydopédie française.
Vol. XVII: Arts et littératures dans la société contemporaine, tomo 2. Paris, 1935, fase. 17.10-3 a 8.
LÉXICO DE NOMES, CONCEITOS, INSTITUIÇÕES
A base deste léxico é o “Guide to Names and Terms” que acompanha a
edição norte-americana das Passagens. Além da tradução de seus cerca de 800 verbetes
— com algumas modificações visando realçar sua relação com as Passagens e a obra de
Walter Benjamin em geral — , foram acrescentados cerca de 100 verbetes novos: vários
nomes e conceitos importantes para o conhecimento do contexto e uma série de
informações básicas sobre a topografia cultural de Paris e a história política da França
entre 1789 e 1871. Entre outras fontes, foram consultados sobretudo Carlos Guilherme
Mota, A Revolução Francesa 1789-1799, São Paulo, Ática, 1989; Michael Erbe,
Geschichte Frankreichs von der Gr o fie n Revolution bis zur 3. Republik , Stuttgart,
Kohlhammer, 1982; eJeanTuIard (org.), Dictionnaire du Second Empire, Paris, Fayard,
1995. A tradução e confecção deste léxico, como está especificado no Posfácio, é o
resultado de um trabalho de equipe.
Abdel Krim (1885-1963). Líder dos berberes na região do Rif em Marrocos na guerra contra os colonizadores
franceses e espanhóis. Derrotado em 1 926, foi para o exílio em Réunion.
About, Edmond (1828-1885). Romancista francês, dramaturgo e jornalista.
Absalom. Filho de Rei Davi no Antigo Testamento. Revolta-se contra seu pai e é morto. Ur Samuel 2, 18.
Académie Française. Instituição fundada em 1634 pata promover o desenvolvimento da literatura francesa.
Adler, Max (1 873-1937). Advogado e filósofo, representante do austro-marxismo. Membro do Partido
Social-Democrata da Áustria e co-fimdador da revista Marx-Studien ( 1 904). Autor de Soziologie des
Marxismos ( 1 930- 1932).
-Adorno, Theodor Wiesengmnd (1903-1 969) . Filósofo e sociólogo, co-fimdador da Escola de Frankfurt.
Membro do Instituto de Pesquisa Social. Um dos principais interlocutores de Walter Benjamin. Autor,
entre outros, de Kierkegaard, Konstruktion des Asthetischen (1931), Dialektik der Aufklarung{\^A7 ; em
co-autoria com Max Horkheimer), Philosophie der neuen Musik ( 1 949) .
Êmaé Martin, Antoine-Louis (17 86- 1841). Homem de letras, professor e bibliotecário da Bibliothèque
Sainte-Geneviève em Paris.
Abem, Leon Battista (1404-1472). Arquiteto, pintor e escritor italiano. Foi o primeiro a investigar as leis da
perspectiva. Autor de De re aedificatoria (1452).
Abertus Magnus. Pseudônimo de Albert von Bollsrádt (11 93?- 1280). Teólogo, cientista e filósofo alemão.
Dizia-se dele que era um mágico devido aos seus estudos científicos. Foi canonizado em 1932.
1058 ■ Passagens
Alhambra. Fortaleza e palácio construído pelos mouros em Granada (Espanha) , nos séculos XIII e XIV
Ambigu, Théâtre de 1'. Teatro parisiense construído em 1827; lugar de apresentação de melodramas
populares. Foi demolido em 1966.
Amiel, Henry (1821-1881). Poeta suíço e filósofo; autor do introspectivo Journal Intime ( 1 8 83- 1 884) .
Anarcharsis. Sábio dos citas que, de acordo com Heródoto, realizou inúmeras viagens para estudar os
costumes de outros povos.
Ancelle, Narcisse-Désiré (180T1888). Advogado francês. Em dois anos, Baudelaire gastou mais da metade
dos bens da família; por isso, sua mãe indicou Ancelle como seu guardião legal.
Annenkov, Pavel (1812-1 882) . Homem de letras russo, entrou em contato pessoalmente com Marx nos
anos de 1840.
Anschütz, Ottomar (1846-1907). Fotógrafo alemão. Realizou experiências com fotografia de alta velocidade.
Inventou um taquitoscópio precursor do projetor de cinema.
Antony (183 1). Peça de Alexandre Dumas, cujo herói influenciou toda uma geração de jovens franceses.
Arago, François (1786-1853). Cientista que investigou a teoria da luz e o eletromagnetismo. Foi diretor do
Observatório de Paris (1830). Participou da Revolução de 1830efoi ministro da guerra no governo
provisório de 1 848. Adversário de Napoleão III.
Arago, Jacques (1790-1855). Irmão de François Arago; viajante, romancista e dramaturgo.
Aragon, Louis ( 1 897-1 982) . Romancista, poeta, ensaísta; um dos líderes dos dadaístas e depois dos surrealistas.
Autor de Feu de Joie ( 1 920) , Une Vague de Rêves ( 1 924) , Le Paysan de Paris ( 1 926) , I.e Voyage de llmpériale
(1940).
Arco do Triunfo. Monumento militar no centro da antiga Place de 1’Étoile, centro radial de 12 avenidas,
entre elas a Champs-Elysées. Esta construção, iniciada em 1806 e terminada em 1836 — e que tem
elementos de passagem e de limiar — , rememora as vitórias dos exércitos de N apoleío.
Argand,Aimé (1755-1803). Físico suíço. Inventor de uma eficiente lamparina a óleo.
Arrondissement. Distrito administrativo da cidade de Paris, identificado por número. As 20 subdivisões
da cidade foram criadas em meados do século XIX.
Article de Paris. Objeto de uso feminino, sobretudo bijuteria, produzido artesanalmente e vendido a
preços populares.
Artois, conde de. Ver Carlos X.
Assassinos. Seita islâmica que existiu entre os séculos XI e XIII que considerava matar os seus inimigos
um dever.
Asselineau, Charles (1820-1874). Crítico francês e bibliófilo. Amigo próximo, editor e biógrafo de
Baudelaire, o qual revisou a sua coleção de contos La Double Vie (1859).
Assembléia Nacional Constituinte (1789-1791). Depois da tomada da Bastilha, em 14 de julho de
1789, que simboliza o fim do Antigo Regime, esta assembléia - que promulgou a Constituição de 1791,
precedida pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão — transforma a França numa monarquia
constitucional. A tentativa de fuga da família real, em junho de 1 79 1 , e as guerras internas e no exterior
provocam uma nova fase revolucionária. Ver Assembléia Nacional Legislativa (1791-1792).
Anexos ■105.9
Assembléia Nacional Legislatíva (outubro de 1791 a setembro de 1792). Neste período, a França entra
em guerra contra a Prússia e aÁustria. A colaboração do rei da França com as forças estrangeiras
provoca o surgimento da Comuna Insurrecional de Paris. O rei é preso e a Assembléia Legislativa,
substituída pela Convenção Nacional.
Atala (1801). Fragmento épico de François-René de Chateaubriand. A narrativa passa-se na Louisiana
no século XVIII e trata da vida dos índios. É considerado o marco inicial do movimento romântico
na literatura francesa.
LAtelier. Publicação mensal de artistas e operários influenciados pelo socialismo cristão de linha moderada.
Publicado em Paris de 1 840 a 1 850. Teve como subtítulo: Organe spécial de la classe laborieuse redigé
par des ouvners exclusivement.
Auber, Damel-François-Esprit (1787-1847). Considerado um dos fundadores da grande ópera francesa,
colaborou com Eugène Scribe em 38 obras para o palco entre 1 823 e 1 864. Compositor AtLaMuettede
Portici( 1828).
Aubert, Gabriel (1787-1847). Ex-tabelião que, por muitas décadas, gerenciou uma loja de impressões na
Passage V éro-Dodat. Publicou grande parte das obras de Daumier.
Aubert, Jacqeust (falecido em 1753). Violinista francês e compositor de óperas, sonatas e balés.
Aupick, Jacques (1789-1857). Oficial de exército, embaixador e senador. Reprimiu a revolta organizada
por Blanqui em Paris em 1 839. Padrasto de Baudelaire, com quem teve inúmeras desavenças.
Austerlitz. Cidade na atual República Tcheca, onde Napoleão I, em 2 de dezembro de 1805, obteve
uma vitoria decisiva sobre os exércitos russo e austríaco comandados pelo czar Alexandre I e o
imperador Francisco II. Seu sobrinho, Luís Napoleão, usou essa data para fazer um golpe de Estado,
em 185 1; e novamente, cm 1852, para proclamar-se imperador com o título de Napoleão III.
Azais, Pierre-Hyacinthe (1766-1845). Filósofo francês. Em seu Système Uni versei ( 1 800- 1 8 ! 8), ele
desenvolveu a teoria das forças e do equilíbrio universal.
Babeuf, François (1760-1797). Agitador e jornalista durante a Revolução Francesa. Defendia a
distribuição igual de renda e de terras. Organizou uma conspiração contra o Diretório e a favor do
retorno à Constituição de 1793. Apunhalou-se antes de ser conduzido à guilhotina. Autor de um
manifesto sobre a igualdade social (1796).
Babou, Hippolyte (1824-1878). Crítico e novelista, amigo de Baudelaire.
Baby Cadum. Figura de reclame. Imagem do rosado Bebê Cadum, símbolo do popular sabonete
Cadum lançado na França em 1912.
Babylone. Bairro de Paris - hoje Sèvres-Babylone.
Bachofen, Johann (1815-1887). Antropólogo e jurista suíço. Autor de obras sobre o direito civil
romano e de Das Mutterrecht (1 86 1), a primeira história científica da família como instituição social.
Baillv, Jean (1736-1793). Cientista e político francês. Como prefeito de Paris, a partir de 1 5 de julho
de 1789, impôs alei marcial e confiou a manutenção da ordem à Garde Nationale (1791). Perdeu
a popularidade e foi guilhotinado.
Bairam. Dois festivais religiosos islâmicos que seguem o jejum do Ramadam.
1060 ■ Passagens
Ballhorn, Johann (1 528-1603). Impressor alemão, famoso por suas emendas desastrosas (daí o verbo
alemão verballbomen, “deformar”).
Baltard, Louis (1764-1846). Arquiteto e gravurista francês. Professor da École de Beaux-Arts e também
da École Polytechnique.
Banquetes dc reformas. Durante os últimos meses do governo de Luís Filipe, a partir de julho de 1847,
a oposição organizou uma série de banquetes públicos, durante os quais se pleiteou por uma reforma
eleitoral, no sentido de aumentar o número de eleitores. A proibição, pelo governo, de um desses
banquetes desencadeou a Revolução de Fevereiro de 1 848.
Banville, Théodore de (1823-1891). Poeta, dramaturgo e crítico. Amigo próximo de Baudelaire e
editor de suas obras juntamente com Charles Asselineau.
Barbara, Charles (1822-1886). Ativo escritor satírico em 1 840; era ligado ao grupo de boêmios em torno
de Henri Murger e colaborou com Le Corsaire.
Barbès, Armand (1809-1870). Conspirador e líder republicano. Em 15 de abril de 1934, participa da
insurreição na Rue Transnonain . Condenado duas vezes a prisão perpetua, consegue escapar e se exila na
Holanda.
Barbey d’ Aurevilly, Jules (1808-1889). Crítico francês e novelista; amigo de longa dato de Baudelaire.
Barbier, Auguste (1805-1882). Poeta admirado por Baudelaire, mas a quem ele criticava as tendências
moralistas. Sua obra lambes (1831) satirizava a monarquia de Luís Filipe.
Bamum, Phineas (1810-1891). Showman norte-americano ligado aos negócios do circo. Inaugurou “The
Greatest Show on Earth” em Brooklyn, em 1871.
Barrault, Émile (1799-1869). Escritor e político saint-simoniano. Publicou em Le Globe. Autor deAux
Artistes: Du Passé et de 1’Avenir des Beaux-arts (1830), 1833 ou lAnnée de la Mére ( 1 833), e Ocdrlent et
Orient( 1835).
Barrès, Maurice (1862-1923). Escritor e político. Empenhou-se pela restauração da “energia nacional” na
França.
Barrot, Odilon (1791-1873). Líder da oposição liberal na França antes de fevereiro de 1 848. De dezembro
de 1 848 a outubro de 1 849, presidiu o ministério apoiado pelos monarquistas.
Barthélemy, Auguste (1791-1867). Poeta e satírico francês. Editou o jornal semanal Némésis, que
atacou o governo de Luís Filipe em 1 83 1 - 1 832. Colaborou com Joseph Méry de 1 824 a 1 834.
Basilidianos. Seita gnóstica do século II, fundada por Basílides. O filho dele, Isidoro, aconselhava a livre
satisfação dos desejos carnais para que a alma pudesse encontrar paz nas suas preces.
Bastille e Place de la Bastille. Fortaleza erguida entre 1370 e 1382, a Bastille tomou-se, no .Antigo Regime,
o local dos presos políticos e, com isso, símbolo da opressão. Sua tomada, pelo povo de Paris, a 14 de
julho de 1789, marca o início da Revolução Francesa. Depois de a antiga prisão ter sido demolida, foi
aberta a Place de Bastille neste local.
Batignolles. Povoado próximo a Montmartre, que se tomou parte de Paris em 1860. Um lugar de
encontro de artistas e políticos no século XIX.
Anexos «70Í7
Baudelaire, Charles (1821-1867). O poeta por excelência da Modernidade. Autor de Les Fleurs du
Mal(1857), Spleen de Paris (1869) e “Le Peintre de la Vie Moderne” (1863), entre outros. Tradutor
de Edgar Allan Poe.
Bazard, Saint-Amand (1791-1832). Socialista, seguidor de Saint-Simon e organizador dos carbonari
(charbonniers) franceses. Proferiu uma longa série de conferências em Paris (1828-1830), ganhando
muitos adeptos para o saint-simonismo.
Beaumont, Charles (1821-1 888). Artista gráfico francês, contribuidor do jornal Le Charivari. Ilustrou
também obras de Victor Hugo e Eugène Sue.
Belgrand, Eugène (1810-1878). Engenheiro que modernizou o sistema de esgotos de Paris. Ofereceu
suporte para as fotografias que Nadar tirou dos esgotos. Autor de Les Iravaux Souterraim de Paris (1875).
Bellamy, Edward (1850-1898). Autor norte-americano; escreveu Looking Backward (1888), um
romance utópico baseado em princípios socialistas.
Bellangé. Pseudônimo de François-Joseph Belanger ( 17 44- 1818). Arquiteto francês. Tornou-se conhecido
graças ao emprego inovador do ferro na construção da cúpula do antigo mercado cerealista de Paris.
Belle-Isle. Ilha no Golfo de Biscaya. De 1 849 a 1 857, serviu como lugar de detenção para prisioneiros
políticos franceses, especialmente, para operários que participaram da Insurreição de Junho.
Belleville. Bairro operário a Leste de Paris. Formou, a partir de 1 860, o 20° arrondissement, juntamente
com os bairros de Charonne e Ménilmontant.
Benda, Julien (1867-1956). Crítico francês. Autor, entre outros, de La Trahison des Clercs (1927),
um ensaio sobre a traição dos intelectuais, resenhado por Benjamim
Béraldi. Referência incerta. Talvez se trate de Léon Bérardi, jornalista e diretor do LIndependence Belge.
Béranger, Pierre (1780-1857). Poeta lírico imensamente popular dos simpatizantes da política liberal.
Béraud, Henry (1885-1958). Romancista e ensaísta que promoveu o nacionalismo e o anti-semitismo.
Autor de Le Vitriol de la Lune (1 92 1 , prêmio Goncourt) .
Berg, Alban (1885-1935)- Compositor austríaco, discípulo de Arnold Schõnberg. Autor dos libretos Lulu
(1917-1922) e Wozzek (1929-1935).
Berl, Emmanuel (1892-1976). Escritor e jornalista francês, ligado ao círculo dos surrealistas em tomo de
Breton e Aragon.
Berlioz, Hector (1803-1869). Compositor francês, um dos pioneiros da orquestração moderna.
Bemard, Claude (1813-1878). Fisiologista que investigou o sistema nervoso simpático e o fenômeno
químico da digestão.
Bemardin de Saint- Pierre, Jacques (1737-1814). Escritor que antecipou o Romantismo francês. Autor de
Paul et Virgine (1788).
Bemouard, François. Editor francês. Amigo de Benjamin durante os anos 1 920 e 1 930.
Bemstein, Eduard (1850-1932). Escritor e político alemão. Co-editor do Der Sozialdemokrat (1881-
1890), orgão do Partido Operário Social-Democrata. Administrou o espólio literário de Engels.
1062 ■ Passagens
Be^CWlesFerdinand, duque de^ (1778-1820). Filho do conde de Artois (Carlos X) e sobrinho do rei
Lms XVIII, era um provável sucessorno trono. Seu assassinato por um bonapartista fanático levouauma
guinada do governo para o Jado dos monarquistas extremos.
Bcrryer, Pierre-Antoine (1790-1868). Advogado e político francês; legimista.
Bertin. Família fámosa pela associação com Le Journal des Débats, comprado em 1799 por Louis-François
Bertin (1766-1841). Ele o administrou junto com seu irmão Louis-François Bertin de Vaux (1771-
1842). Os filhos do último, Armand (1801-1854) e François-Edouard (1797-1871), herdaram o cargo
Bibliographie de la France. Lista oficial
Nationale.
e semanal dos livros publicados que era distribuída pela Bibliothèque
íbhotheque Nationale de France. Instituição onde Walter Benjamin realizou a parte essencial de suas
pesquisas sobre as Passagens. Fundada no século XIV como Biblioteca do Rei, a instituição, localizada
desde o século XVII na Rue de Richelieu, tornou-se patrimônio nacional a pardr da Revolução Francesa.
A sala de leit ura, com a cúpula de ferro e vidro, foi construída por Henri Labrouste, durante o II Império.
Nos anos 1 990, a parte principal da BNF foi transferida para um novo edifício, em Tolbiac.
Biedermeier. Período da história alemã entre o Congresso de Viena (1815) e a Revolução de 1848.
sencialmente conserador, é voltado para os valores domésticos, a moradia, o idílio burguês e pequena
urgues em detrimento da preocupação com os problemas sociais. É também um estilo de móveis e de
pintura de generos e de paisagens.
Bierce, Ambrose ( 1 842- 1914?). Jornalista e escritor norte-americano. Serviu na Guerra Civil. Tornou-se
conhecido por seus escritos espirituosos e corrosivos; sua obra tardia tem um tom amargo e lúgubre.
Biot, Jean Baptiste (1774-1862). Matemático, físico e astrônomo francês.
Bisson, Louis-Auguste. Fotógrafo da primeira geração e amigo de Nadar.
Blanc, Louis (181 1-1882). Jornalista e político. Como líder socialista engajou-se a favor da criação de
empregos durante o Governo Provisório de 1848. Autor de Htsmre de la Révolution Françahe (1847-
XoDZj.
Blanquijéróme (1798-1854). Economista francês; irmão de Louis-Auguste Blanqui.
Blanqiu, Ixnús-Auguste (1805-1881). Teórico socialista e revolucionário. Nascido numa família burguesa,
o então estudante de Direito e Medicina começou com atividades de conspiração junto aos carbonan.
Possuído pela doença das revoluções”, segundo Lamarúne, ele engajou-se na luta das barricadas durante
a Revolução de 1 830, e depois em várias sociedades secretas como a Société républicaine e a Société des
saisons; ressurgiu durante a Comuna de Paris em 1871 . Ferido várias vezes em batalhas de rua e tendo
passado quase 40 anos de sua vida na prisão, tornou-se uma figura-símbolo da agitação socialista Com
- Sem P re 11111 ardentc Patriotismo. Autor de LÉtemité par les Astres (1872) e Critique
Blondel, Jacques François (1705-1774). Arquiteto cujas idéias influenciaram decisivamente seus
contemporâneos. Inaugurou em Paris a primeira escola de artes que ensinava arquitetura ( 1743 ). Lecionou
apamr de 1756 na Académie Royale d’Architecture.
Blüchet, Gebh^ (1742.1819). Marechal pruarhmo. Derrotou N.poldfo em Iuou (1814) e ajudou ,
derrotá-lo em Waterloo (1 8 1 5); em seguida, seu exército ocupou Paris.
Anexos ■ 1063
Boetticher, Karl Heinrich von ( 1 833- 1907). Teórico alemão de arquitetura. Conselheiro de Bismarck.
Antorde Tektonik der Hellenen (1844-1852).
Bõhme. Margarete. Publicou em 1 905 Tagebuch einer Verlorenen, anotações anónimas de uma prosrituta.
Esse livro foi a base para o filme homônimo de G. W. Pabst, em 1 929.
Boileau, Nicolas (1636-171 1). Crítico e poeta de tradição clássica. Autor do famoso tratado didáuco llArt
Poétique (1 674) .
Bois de Boulogne. Bosque a Oeste de Paris. Transformado em parque público sob a administração de
Haussmann.
Bois de Vincennes. Bosque a Leste de Paris. Transformado em parque público sob a administração de
Haussmann.
Boissy-d’Anglas, conde François de (1756-1826). Político francês. Ajudou a derrubar Robespierre. Foi
senador sob Napoleão e membro da Chambre des Pairssob Luís XVIII.
Bonald, Louis (1 745-1840). Filósofo e ensaísta político; ministro da educação sob Napoleão I. Um dos
principais representantes do pensamento conservador. Autor de ThéorieduPouvoirPoliúqueetReligieux
dans la Socièté Civile (1796).
Bonaparte, Luís Napoleão. IA- Napoleão III.
Bonvin, François (1817-1887). Pintor dc retratos, de cenas cotidianas c de natureza morta. A vitalidade de
seus quadros chamou a atenção de Baudelaire.
Bordeaux, Henry (1870-1963). Romancista e crítico, conhecido por seus contos sobre a vida da família
francesa.
Borel d’Hauterive, JosephPétrus (1809-1859). Escritor francês de tendências extremamente românticas.
Publicou uma coleção de versos, Rhapsodies (1831), e duas obras de ficção.
Bomstedt, Adalbert von (1808-1851). Oficial da Guarda Prussiana e, depois, editor de Die Deutscbe-
Brüsseler Zeitung. Ativo na Liga Comunista até sua expulsão por Marx.
Bossuet, Jacques (1627-1704). Prelado católico e tutor do daupbin. Um dos teóricos do Absolutismo e do
direito divino dos soberanos.
Boucher, François (1 703-1770). Pintor francês. Designer de palcos para ópera e ilustrador conhecido pelo
seu estilo de ornamentos.
Boulevards. Largas avenidas, construídas desde o início do século XIX no lugar de antigas fortificações
e muralhas. A abertura de boulevards tornou-se um emblema do “embelezamento estratégico de
Paris sob Haussmann.
Boollée, Étienne-Louis (1728-1799). Arquiteto amante em Paris na restauração e construção de edifícios,
durante o século XV 111.
Bourget, Paul (1852-1935). Romancista e crítico. Líder de opinião entre os intelectuais conservadores no
período anterior àl Guerra Mundial.
Boyer, Philoxène (1827-1868). Poeta e crítico que, após receber uma grande herança em 1850, passou
dois anos oferecendo grandes jantares nos melhores restaurantes de Paris para um círculo de escritores
que incluia Baudelaire.
1064 ■ Passagens
Bracquemond, Félix (1833-1914). Pintor e gravurista. Amigo de Baudelaire.
Brandes, Georg (1 842- 1 927). Crítico literário dinamarquês com reputação de radical. Professor de
estética na Universidade de Copenhagen e autor de estudos sobre Shakespeare, Voltaire, Goethe e
Kierkegaard.
Briseis. Na Ilíada de Homero, concubina de Aquiles que se toma objeto de disputa entre ele e Agamenon.
Brumário, 18 - (9 de novembro de 1799). Na situação de profunda instabilidade política da França,
vários membros do Diretório cogitam um golpe de Estado. No 18 Brumário, o general Napoleão
Bonaparte dissolve o corpo legislativo e assume o poder como cônsul, ao lado de Sieyès e Ducos. Este
golpe marca o fim da Revolução. Serviu depois de modelo para o golpe de Estado de Luís Bonaparte
(Napoleão III) em 1851.
Brummel, George. Chamado Beau Brummell (1778-1840), era um dândi e jogador inglês, amigo do
príncipe de Wales. Morreu insano em um asilo na França.
Bruneseau. Personagem do romance Les Misérables ( 1 862), de Victor Hugo, que supervisiona a limpeza dos
esgotos de Paris durante o governo de Napoleão I.
Brunet, Charles-Louis-Fortuné (1801-1862). Engenheiro e arquiteto francês; discípulo de Vandoyer.
Brunetière, Vincent ( 1 849- 1 906). Crítico e professor de literatura na École Normale Supérieure. Editor de
La Revue des Deux Mondes ( 1 893) , e autor de Études Critiques, 8 vols. (1880-1 907) ■
Buchez, Philippe (1796-1 865). Político e historiador francês; saint-simoniano. Foi fundador do socialismo
cristão e presidente da Assembléia Constituinte (maio de 1848). Editor da revista LAtelier.
Biichner, George (1813-1837). Dramaturgo alemão. Autor das peça sDantons Tod ( 1 835), Leonceund
Lena (1836) e Woyzeck (1836).
Bugeaud de la Piconnerie, Thomas ( 1 7 84- 1 849) .Militar francês. Tornou-se marechal da França em 1 843-
Bulwer-Lytton, E. G. (1803-1873). Romancista e dramaturgo inglês. Autor de The Last Days ofPompeii
(1834).
Buonarroti, Filippo (1761-1837). Político de descendência italiana, representante do radicalismo francês
nas décadas de 1820 e 1830. Junto com Louis-Auguste Blanqui, era membro da Societé des Amis du
Peuple (1832), e líder dos babeuvistes (seguidores de Babeuf) que advogaram o papel revolucionário da
educação na política.
Buret, Antoine (1810-1842). Jornalista francês. Autor àt De UM isère des Classes Lahorieuses en Angleterre et
en France, 2 vols. (1 840).
Cabet, Étienne (1788-1856). Um dos representantes do socialismo utópico. Partipou da Revolução de
1 830; foi exilado de 1 834 a 1 839 devido a seus escritos radicais. Influenciado por Robert Owen, fundou
em 1849 em Nauvoo/Illiniois uma comunidade utópica chamada “Içaria”, mas retirou-se em 1856 após
desentendimentos. Autor do romance socialista Voyage en Icarie ( 1 839).
Cabinet des Estampes. Seção iconográfica da Bibliothèque Nationale, em Paris.
Cacus. Na mitologia clássica, monstro que cospe fogo, um dos filhos de Vulcano. Vive em uma caverna na
colina de Aventino. É morto por Hércules, por ter roubado seus rebanhos (Virgílio, Eneida, canto 8) .
Cagliostro, Conde Alessandro di. Nome real Giuseppe Balsamo (1743-1795). Impostor italiano. Filho
de pais pobres, viajou por toda a Europa fingindo ser médico e alquimista.
Anexos ■ 1065
Caillois, Roger (1913-1978). Escritor francês que fundou o Collège de Sociologie em 1937, junto
com Georges Bataille e Michel Leiris. Benjamin participou de alguns eventos lá.
Calicot Empregado em casas comerciais, encarregado das vendas ao público.
Calonne, Charles (1734-1802). Ministro das finanças sob Luís XVI; exilado de 1787 a 1802. Construtor
de estradas e canais nos anos anteriores à Revolução.
Campanella, Tommaso (1568-1639). Filósofo italiano. Autor de CivitasSolis (1623), escrito durante um
longo aprisionamento, descrevendo um Estado utópico semelhante ao de Platão em República.
Canal de 1’Ourcq. Canal situado na parte nordeste de Paris. Construído em 1813-1821 para o
abastecimento de água de Paris, permitindo também a navegação. Foi estendido sob o governo de
Haussmann até o rio Marne.
Candolle, Augustin (1778- 1841). Botânico suíço que se mudou para Paris em 1796. Estabeleceu um
novo sistema de classificação de plantas, que substituiu o sistema de Lineu. Foi professor de ciência
natural em Genebra (1816-1 836) .
Canning, George (1770-1827). Político inglês. Como ministro das relações exteriores, defendeu uma
enérgica política bélica contra Napoleão (1807-1810). Rival de Castlereagh, com quemduelou.
Canova, Antonio (1757-1822). Escultor neoclássico italiano.
Cápua. Cidade romana de importância estratégica na Via Apia, próxima a Nápoles. Nesta cidade,
durante a Segunda Guerra Púnica (218-201 a.C), os romanos impuseram em 21 1 a.C. uma derrota
decisiva aos cartagineses que eram chefiados por Aníbal.
Capus, Alffed (1858-1922). Jornalista e dramaturgo francês. Editor de política do jornal LeFigaro (1914-
1922). Escreveu entre outros as peças La Veine e Les Deux Hommes.
Carbonari. Grupo revolucionário italiano organizado por volta de 1811 com o objetivo de criar uma
república italiana unificada. O nome provém de conspiradores antigos que costumavam encontrar-se em
cabanas de carvoeiros. Na França, a charbonnerie dirigia-se contra a Restauração dos Bourbons; iniciada em
1 820 por jovens militantes republicanos, espalhou-se secretamente através das escolas de Paris para outras
cidades.
Carcel, Bertrand (1750-1812). Relojoeiro francês que, por volta de 1800, inventou a lamparina Carcel, na
qual o óleo é bombeado por um mecanismo de relógio para o mbo do pavio.
Cardanus, Girolamo (1501-15 76). Matemático, médico e astrólogo italiano.
Carjat, Etienne (1828-1906). Um dos mais importantes fotógrafos da primeira geração. Fotografou
Baudelaire.
Carlos X = conde de Artois (1757-1 836) . Após a morte de Luís XVIII, seu irmão, ele torna-se rei da França,
em 1824. Sua política dava a impressão de uma volta ao Antigo Regime. Seu conflito com a Câmera dos
Deputados recém-eleita e a promulgação de ordenanças restringindo os direitos políticos desencadearam
a Revolução de 1830.
Camot, Lazare (1753-1823). Engenheiro militar e político. Membro do Comitê de Salvação Pública
(1793) e do Diretório (1795-1797). Ministro sob Napoleão. Autor de trabalhos em matemática e
estratégia militar. 14rEoole Polytechnique.
1066 ■ Passagens
Carpocratianos. Segmdores de Carpócrates, um dos principais representantes do gnosticismo de Alexandria
(séc. II d.C.). Ao contrário da maioria dos gnósdcos, que defendiam uma posição ascética com relação ao
sexo e ao casamento, Carpócrates incentivou seus seguidores a um comportamento mais livre.
Canis, Cari Gustav(1789-1869). Médico, naturalista, filósofo e pintor alemão. Um dos representantes da
pintura romântica de paisagem.
Carrel, Nicolas Armand (1800-1836). Jornalista e líder político liberal. Fundador, junto com Thiers e
Mignet, e editor (1830-1836) do Le National. Morto por Émile de Girardinem um duelo.
Casanova, Giovanni (1725-1798). Aventureiro italiano e escritor, autor dc Mémoires Écrites parLui-même
(12 vok, 1826-1838).
Castellane, Victor Bonifece (1788-1862). Político ftancês que participou de campanhas militares sob Napoleão
I. Tornou-se membro da Chambre des Pairs, em 1 837, e senador e marechal, em 1852.
Casdereagh , Robert Stewart (1769-1 822). Político inglês. Como ministro da guerra, travou um duelo com
seu rival George Canning em 1 809.
Casdes. Um espião do governo inglês.
Catacumbas. Cavidades e galerias no subsolo de Paris, formando um labirinto de uns 300 km de extensão.
Surgidas desde a Idade Média a partir de pedreiras, serviram de cemitério, vias secretas e esconderijo,
particularmente durante a Comuna.
Catilina, Lucius Sergius (108-62 a.G). Aristocrata romano que conspirou para a queda do governo de
Cícero em 63-62 a.C. Figura política controversa, apesar de defender os pobres e oprimidos.
Caussidière, Marc (1808-1861). Organizador de sociedades secretas revolucionárias sob Luís Filipe.
Prefeito de Polícia de Paris após a Revolução de Fevereiro (1848). Emigrou para a Inglaterra em junho
de 1848.
Cavaignac, Louis (1802-1857). General do exército francês. Como ministro da guerra, reprimiu
violentamente a Insurreição de Junho de 1848. Não teve sucesso em sua candidatura para o cargo de
presidente da França em dezembro de 1 848.
Cazotte, Jacques (1719-1792). Autor de Le Diable Amoureux ( 1 772) e de uma continuação de As Mil e
Uma Noites. Guilhotinado como monarquista em 1792.
Céline, Louis-Ferdinand. Pseudônimo de Louis Destouches (1894-1961). Físico francês e romancista;
anti-semita fanático. Autor do influente Voyage auBoutdela Nuit ( 1 932) e Mort à Crédit (1936).
Cham. Pseudônimo de conde Amédée de Noé (1 8 1 9- 1 879). Caricaturista francês.
Chambre des Pairs. Adaptação francesa da Câmera dos Lordes britânica; reuniu, sob a Restauração e a
Monarquia de Julho, membros nomeados pelo rei. Pode ser comparada ao atual Senado.
Champ-de-Mars. Ampla esplanada onde se localiza a Torre Eiffel. Campo de treinamento a partir do período
de construção da Escola Militar ( 1 765- 1 767). Local da exposição da indústria francesa, em 1 798, e das
Exposições Universais de 1867, 1878, 1889, 1900 e 1937.
Champfleury. Pseudônimo dejules Husson (1821-1889). Novelista e crítico. Amigo de Baudelaire.
Autor de Le Réalisme (1857).
Anexos ■ 1067
Champs-Elysées. Avenida luxuosa entre a Place de la Concorde e o Arco do Triunfo. Durante o Segundo
Império, com a instalação de cafés, restaurantes, panoramas e circos, ela tomou-se um ponto de encontro
do mundo elegante. Tradicionalmente utilizada para paradas militares.
Les Cbants de Maldoror (1867-1870). Obra em prosa, desenvolvida em seis cantos, do conde de
Lautréamont. Pelo estilo e a temática provocativa, essa obra pode ser considerada o principal elo entre
Les Fleurs du Mal, de Baudelaire, e o Surrealismo .
Chaptal, Jean-Antoine, conde de (1756-1832). Físico e químico francês. Ministro do interior (1800-
1 804). Fundador da primeira École des Arts et des Métiers.
Le Charivari. Diário fundado por Charles Philipon em 1831, no qual Daumier contribuía regularmente.
O nome se refere a alguém que faz uma serenata zombeteira que incomoda e atormenta.
Charlet, Nicolas ( 1 792- 1 845) . Pintor francês. Famoso, nas primeiras décadas do século XIX, por suas
representações dos feitos militares de Napoleão.
Charras, Jean (1810-1865). Militar e historiador francês; vice-secretário da guerra (1 848). Ele se opôs à
política de Napoleão III efoi banido após o golpe de Estado (1851).
Chasles, Philarète (1798-1 873). Erudito e escritor. Fazia parre da equipe editorial de Le Journal des
Débats. Autor de Études de Littérature Comparée, 1 1 vols.
Châtel, Ferdinand-François, abade (1795-1857). Proibido de exercer o ofício por suas opiniões não-
ortodoxas, fundou em 1830 a Église Catholique Française, com a missa em francês, sem confissão e
permitindo o casamento aos padres. Em 1 848, defendeu os direitos das mulheres e o divórcio rápido.
Châtelet. Nome da antiga fortaleza medieval, situada na atual Place du Châtelet, que protegia a entrada
Norte de Paris. Seus subterrâneos serviam de prisão até a primeira metade do século XIX.
Chat noir. Famoso cabaré e ponto de encontro de artistas e literatos, aberto por Rodolphe Salis no bairro de
Montmartre, cm 1881.
Chaux. VÍT-Ledoux, Claude-Nicolas.
Chénier, André (1762-1794). Poeta francês; guilhotinado em Paris em 25 de julho de 1794.
Considerado por alguns como um dos mais importantes escritores de poesia clássica na França depois
de Racine e Boileau.
Chennevières, Philippe de ( 1 820- 1899). Escritor c diretor da École de Beaux-Arts. Amigo de Baudelaire,
o qual revisou seus contos. Contes Normands (1845).
Chéret, Jules (1836-1 932) . Pintor e litografo francês. Tornou-se conhecido pelo design de seus cartazes.
Chevalier, Michel (1 806-1 879). Economista. Defensor do livre comércio e seguidor do saint-simonismo.
Co-editor do Le Globe (1830-1932), preso com Enfantin em 1 832-1833. Professor do Collège de
France e conselheiro de Estado sob Napoleão III.
Chevet. Um conhecido marchand de comestibles no Palais-Royal. Mencionado por Balzac.
Chevreul, Michel Eugène (1786-1 889). Químico. Diretor do Museu de História Natural, Jardin des
Plantes (1 864-1879). Desenvolveu a margarina e a estearina.
Chintreuil, Antoine (1816-1873). Pintor de paisagens. A sua excelência técnica chamou a atenção de
Baudelaire.
1068 ■ Passagens
Chirico, Giorgio de (1888-1978). Pintor italiano. Um dos fundadores do Surrealismo.
Chodruc-Duclos (1842). Chamado por Alexandre Dumas de “Diógenes moderno”, ele surge como um
homem associado a Sócrates em um drama fragmentário de Baudelaire ( Idéolus ).
Chrysostom, Saint-John (3451-407). Um dos pais da Igreja grega, nascido na Antioquia. Tomou-se bispo
de Constantinopla (398), depois foi deposto e exilado na Armênia. Autor de importantes homilias,
comentários e cartas.
Cinturão Vermelho. Nome dado ao conjunto dos subúrbios na periferia de Paris no fim do século XIX. Ali
vive a grande maioria dos operários que foram expulsos dos bairros centrais durante as reformas urbanísticas
de Haussmann.
Le Citoyen. Periódico socialista editado por Jules Guesde e Paul Lafargue em Paris de 1 88 1 a 1 884.
Citroen, André (1878-1935). Fabricante francês de automóveis. Produziu material bélico durante a Primeira
Guerra Mundial. Depois da guerra, empenhou-se na produção de carros a preços populares. Foi à
bancarrota em 1934.
Cladel, Léon (1835-1892). Escritor simbolista francês, discípulo de Baudelaire. Autor de Les Martyes
Ridicules (1862; em colaboração com Baudelaire), Les Va-nu-Pieds ( 1 873) e outros romances e contos.
Claês, Balthazar. Herói de La Recherche de TAbsolu ( 1 834) , de Balzac.
Clairville, Louis (1811-1879). Dramaturgo. Autor ou co-autor de mais de 600 peças.
Claretie, Jules ( 1 840- 191 3). Jornalista e autor de novelas, romances e escudos literários. Diretor da Comédie
Française(1885).
Claudel, Paul (1868-1955). Poeta, dramaturgo e diplomata. Associou-se ao Movimento Simbolista.
Claudin, Gustave (1823-?). Colaborou com diversos jornais parisienses a partir dos anos 1840.
La Closerie des Gênets (1846). Peça de Frédéric Soulié, inicialmente apresentada no Théâtre de 1’Ambigu.
Cobbet, William (1763-1835). Jornalista político inglês. Depois de ter atacado o radicalismo político,
passou a defendê-lo.
Cocteau, Jean (1889-1963). Autor e cinegrafista. Conhecido pelo seu filme La Belle et lã bêle ( 1 946) e sua
peça La Machine Infemale (1934).
Collins, Wilkie (1824-1889). Romancista inglês e amigo de Dickens. Autor de The Woman in White
(1860), The Moonstone { 1868), TheNewMagdalen{\K7ò).
Colportagem. Sistema de distribuição de livros através de mascates na França dos séculos XVIII e XIX.
De col, “pescoço”, e porter, “carregar”, refletindo o fato de que os colpoteurs carregavam os livros em
aparatos suspensos por tiras em volta de seus pescoços. Eles distribuíam literatura religiosa, manuais,
almanaques, coleções de folclore e contos populares, romances de cavalaria, obras política e filosóficas
em formatos baratos e, depois de 1840, romances em série. Entraram em declínio em meados do
século XIX devido à concorrência dos livros impressos a baixo custo.
La Comédie Humaine (1842-1848). Título dado por Balzac, em 1841, ao conjunto de sua obra,
abrangendo 91 romances e contos, com cerca de 3.000 personagens. Com esse quadro épico da
sociedade parisiense do seu tempo, Balzac retratou sobretudo a história dos costumes.
Anexos ■ 1069
Comuna de Paris. Governo insurrecional formado na cidade de Paris em março de 1 8~1 e inspirado na
Comuna de 1792. Muitos habitantes da cidade, que sofreu com a guerra franco-prussiana. sentiam-se
traídos pelo governo francês que fugira para Bordeaux. A insurreição foi violencamente reprimida de 21
a 28 de maio de 1 87 1 pelo exército francês sob o governo provisório de Adolphe Thiers.
Concorde, Place de la Ampla praça entre as Tulherias e os Champs-Élysées. Em 1792, a antiga Place
Luís XV torna-se Place de la Révolution, sendo ali instalada em 1 793 a guilhotina. A praça recebe seu
nome atual em 1795 sob o Diretório. Em seu centro é colocado em 1833 o Obelisco.
Conde de Saint-Leu. Título assumido pour Luís Bonaparte (1778-1846), irmão de Napoleão Bonaparte e
pai de Napoleão III.
Conde, Le Grand (1621-1 686). Luís II, príncipe de Conde, membro da dinastia de Bourbon; comandante
militar sob 1 ,uís XTV
Condé, Louis Henri Joseph (1756-1830). Último príncipe da família dos Condé, um ramo da dinastia de
Bourbon. Ferido em Gibraltar (1782). Possivelmente cometeu suicídio.
Condorcet, marquês de (1743-1794). Filósofo, matemático e revolucionário. Defendeu a liberdade
económica, a tolerância religiosa, a reforma das leis e da educação. Girondista, foi posto fora da lei por
Robespierre e morreu na prisão. Autor de Esquisse d’un Tableau Historique. des Progrès de 1'Esprit Humain
(1795).
Congresso de Tours. É oXVHI Congresso do Partido Socialista Francês, realizado na cidade deTours em
dezembro de 1 920; nele, ocorreu a cisão do partido, que levou à fundação do Partido Comunista Francês.
Considérant, VIctor (1809- 1 893). Discípulo de Fourier e um líder dos fourieristas a partir de 1 837. Autor
de Destinée Sociale ( 1 834) . Tentou fundar uma comunidade falansteriana perto de Dallas/Texas (1855-
1857).
Constant, Benjamin (1767- 1 830) . Romancista e político liberal da Suíça francesa; colaborou com os irmãos
Schlegel e Madame deStaél. Autor de Adolphe (\%\6) .
Le Constitutionnel. Diário publicado em Paris de 1 8 1 5 a 1 870. Durante os anos 1840 era o órgão dos
orleanistas moderados.
Consulado (novembro de 1 799 a maio de 1 804) . Depois do golpe de 1 8 Brumário, Bonaparte assume
o governo como Primeiro Cônsul, cargo vitalício a partir de 1 802. Em maio de 1 804, torna-se imperador
da França com o título de Napoleão I.
Convenção Nacional (setembro de 1792 a outubro de 1795). Em 21 de setembro de 1792, a Convenção
proclama a República. Este período, em cujo início ocorre a execução do rei (1793), divide-se em duas
fases: a Convenção Jacobina, com a instituição do Comitê de Salvação Pública e do Terror (junho de
1793 a julho de 1794), e a Convenção Termidoriana (julho de 1794 a outubro de 1795), que levaà
execução de Robespierre e à perseguição aos jacobinos. O poder executivo é atribuído ao Diretório.
Coppée, François ( 1 842- 1 908) . Poeta, dramaturgo e romancista. Um dos líderes do Parnasianismo.
Le Corsaire-Satan. Jornal satírico publicado em Paris de 1 844 a 1 849. Seu editor, Lepoitevin Saint-Alme,
foi amigo de Balzac. Contava com as publicações de Baudelaire, Nadar, Banville, Murger e outros deste
círculo.
Coulisse. Espaço paralelo à Bolsa de Valores, onde são realizados negócios não-oficiais.
1070 ■ Passagens
Courbet, Gustave (1819-1877). Famoso pintor realista francês. Presidiu o Comitê de Belas Artes durante
a Comuna de Paris (1871). Ficou preso durante seis meses por ter destruído a coluna da Place Vendôme,
e foi condenado a pagar a restauração da mesma (1875).
Courier, Paul ( 1 772- 1825). Escritor francês e panfletário político que foi assassinado. Oponente do clero e
da Restauração.
Cournot, Antoine (1 801-1877). Economista e matemático que trabalhou na aplicação do cálculo das
probabilidades para a resolução dos problemas econômicos.
Court de Cassatíon. Criada em 1 790 como corte suprema de justiça no sistema jurídico francês. Durante o
Segundo Império, sua tendência era servir os interesses da burguesia, que chegara ao poder sob Luís Filipe
e representava um limite ao poder de Napoleão III e do Barão Haussmann.
Le Cottsin Pons (1847). Romance de Balzac.
Cousin, Victor (1792-1 867) . Filósofo e estadista francês; líder da escola eclética. Autor de Phibsophie de
Kant ( 1 842) , e Histoire générale de la philosophie (1863).
Crépet, Eugène (1827-1892). Homem de letras. Editou CEuvres Posthumes, Précédées dune Notice
Biographique (1887), de Baudelaire.
Crépet, Jacques (1 874- 1 952). Filho de Eugène Crépet. Continuou o trabalho do pai, editando Baudelaire
e revisando a Étude Biographique ( 1 906) .
Crevel, René (1900-1935). Romancista, poeta e ensaísta que figurou entre os primeiros surrealistas.
Cometeu suicídio em Paris. Autor de Paul Klee ( 1 930) e Dali ou LAnti-ohscurantisme ( 1 935).
Curtius, Emst Robert (1814-1896). Filólogo clássico e arqueólogo. Fundador do Instituto Arqueológico
Alemão; coordenou as escavações alemãs em Olímpia, na Grécia (1875-1881).
Cuvier, Georges (1769-1832). Naturalista e político. Fundador da anatomia comparada. Classificou os
animais segundo quatro tipos distintos.
d’Aurevilly. Ver Barbey d ’ Aurevilly, Jules.
d’Eichthal, Gustave ( 1 804- 1886). Saint-simoniano, seguidor de Enfantin e colaborador do jornal Le Globe.
Dacqué, Edgar (1878-1945). Paleontologista francês.
Daguerre, Louis Jacques (1787-1 85 1). Pintor e inventor francês. Contribuiu para o desenvolvimento do
diorama em Paris (1822). Colaborou com J. N. Niépce (1829-1833) nos trabalhos que levaram à
descoberta do daguerreótipo, que marca o início da fotografia; a invenção foi comunicada à Academia de
Ciências em 1839.
Danae. Na mitologia grega, filha do rei Acrísio que a tranca em um quarto de bronze a fim de que não gere
filhos, pois, segundo um oráculo, será morto por seu neto. Porém, tornando-se amante de Zeus, Danae
recebe pelo teto de sua caixa uma chuva de ouro que a faz conceber Perseu.
Danton, Georges (1759-1794). Um dos líderes da Revolução, sobretudo na fase das guerras de 1792 e
1793. Membro do Comitê de Salvação Pública e destacado orador, opôs-se a Robespierre e foi levado à
guilhotina.
Dartois. Três irmãos - François-Victor-Armand (1788-1 867), Louis-Armand-Théodore (1786-1845) e
Achille (1791-1 868) -, que trabalharam juntos no teatro e em vaudevilles durante o século XIX.
Anexos ■ 1071
Daubrun, Marie (1827-1 901 ). Notável atriz francesa, amante de Baudelaire. Inspirou vários poemas de Les
Fiam du Mal.
Daudet, Alphonse (1 840-1897). Romancista que publicou uma série de livros de sucesso entre 1 866 e
1898. Pai de Léon Daudet.
Daudet, Léon (1867-1942). Filho de Alphonse Daudet; jornalista e escritor. Fundou, junto com Charles
Maurras, o jornal monarquista LAction Française ( 1 907). Autor de romances, livros sobre psicologia
e medicina, obras políticas e crítica literária.
Daumier, Honoré (1808-1879). Caricaturista francês. Colaborador da revista satírica Le Charivari, a parcir
de 1832. As leis da imprensa, de setembro de 1835, obrigam-no a trocar, até 1848,asátira política pela
caricatura dos costumes.
David, Félicien-César (1810-1876). Compositor francês, que pregou a doutrina saint-simoniana. Depois
de uma viagem pelo Oriente, compôs o oratório Le Désert ( 1 844) .
David, jacques-Louis (1748-1825). Pintor francês simpatizante da Revolução de 1789. Admirador de
Robespierre e, mais tarde, de Napoleão, Seus retratos neoclássicos de heróis revolucionários contribuíram
para a permanência da pintura acadêmica na França.
Deburau, Baptiste ( 1 796- 1 846). Filho de acrobata que transformou o personagem Gilles da commedia
delFarte num astuto e versátil Pierrot. Seu filho Charles ( 1 829- 1873), uma estrela durante o Segundo
Império, mesmo sem a genialidade do pai, foi fotografado por Nadar.
Decembristas. Os participantes da conspiração malograda de 14 a 26 de dezembro de 1825 contra o czar
Nicolau I.
Delacroix, Eugène (1798- 1 863). Um dos mais influentes pintores do período romântico, produzia obras
inspiradas em fatos históricos. Muito admirado por Baudelaire.
Delaroche, Paul (1797-1856). Pintor de retratos e de motivos históricos. Fundador da escola eclética, que
combinou a linha clássica com a cor e os temas românticos.
Delatouche, Hyadnthe (1785-1851). Autor de uma novela sobre um hermafrodita, Fragoletta ( 1 829) .
Delescluze, Louis Charles (1809-1871). Político e jornalista; participante das revoluções de 1830 e 1848.
Um dos líderes da Comuna de Paris, foi morto nas barricadas em maio de 1 87 1 .
Delessert, Gabriel (1786-1858). Prefeito de Polícia de Paris, 1836-1 848.
Delord, Taxile (181 5-1877). Jornalista francês. Editor de Le Charivari , entre 1848 e 1858. Autor de
PhysiologiedelaParisienne{\&4\).
Delorme, Joseph. Protagonista de Vte, poésies et pernées de Joseph Delorme ( 1 829) , de Charles Augustin Sainte-
Beuve.
Ddkau, Alfred (1825-1 867) . Jornalista e amigo de Baudelaire. Autor de Les Heures Parisiennes ( 1 866) .
de Maistre, Joseph (1753-1821). Diplomata e escritor, admirado por Baudelaire. Autor de Les Soirées de
Saint-Pétersbourg{\ 821), que defende o poder absoluto do soberano e do papa.
Ddmar, Claire (1800-1833). Entusiástica seguidora do saint-simonismo. Autora do manifesto feminista
Ma loi d’avenir (1834). Cometeu suicídio.
1072 ■ Passagens
La Démocratíe Pacifique. Diário fourierista editado por Victor Considérant. Publicado em Paris de 1 843
a 1851.
Demócrito. Filósofo grego do século V a.C. que expôs a teoria atômica, mostrando que tudo o que existe é
composto por elementos indivisíveis, átomos.
Denner, Balthasar (1685-1749). Pintor de retratos alemão.
Dennery, Adolphe (1811-1899). Dramaturgo francês e autor de libretos. Autor de Les Bohémiem de Paris
(1842).
Des Esseintes. Herói hipersensível do romance de Joris-Karl Huysmans, À Rebours ( 1 884).
Desnoyers, Femand (1828-1 869) . Escritor boêmio e amigo de Baudelaire. Co-editor da antologia que
publicou os dois poemas “Crépuscule du soir” e “Crépuscule du Matin”.
Deubel, Léon (1879-1913). Poeta maldito francês.
Devéria, Eugène (1805-1865). Pintor francês de motivos históricos; irmão de Achille Deveria (1800-
1 857). Ambos foram elogiados por Baudelaire.
Diógenes (412Í-323 a.C.). Filósofo grego cínico que, na procura de um ideal estético, vivia em uma tina.
Diz-se dele que vagou pelas ruas com uma lamparina “procurando por um homem honesto”.
Diorama. 14r Panorama.
Diretório (outubro de 1795 a novembro de 1799). Pela Constituição adotada em 1795 pela Convenção,
o poder executivo é atribuído a um Diretório de 5 membros eleitos, renovável em 1 /5 a cada ano. Este
período é marcado por uma grande instabilidade econômica e política, com tentativas de golpe e
conspirações. Os sucessivos fracassos dos diretores desembocam no golpe de Estado de 1 8 Brumário de
Napoleão Bonaparte.
Disderi, André- Adolphe (1818-1889). Fotógrafo francês. Sua invenção do retrato em forma de cartão de
visita rende-lhe uma fortuna. Tornou-se o “fotógrafo do Imperador”, mas após o Segundo Império seus
negócios entraram em declínio.
Dõblin, Alfred (1878-1957). Médico alemão e escritor; no exílio desde 1934. Autor de Berlin Alexanderplatz
(1929).
Doré, Gustave (1833-1883). Artista francês conhecido pelas suas ilustrações dos Contes Drolatiques de
Balzac (edição de 1 856) e do Dom Quixote de Cervantes (edição de 1 863).
Doumergue, Gaston ( 1 863- 1 937) . Deputado e senador, representante da esquerda democrática, radical e
radical-socialista. Presidente da França, de 1924 a 1931.
Dozon, Auguste ( 1 822- 1891). Diplomata francês e pesquisador dos Bálcãs que traduziu poesias da Bulgária
e Albânia.
Drouet, Juliette (1806- 1883). Atriz com quem Victor Hugo iniciou uma liaison em 1 833. Ela renunciou
ao palco e devotou-se a ele, discretamente, até a sua morte.
Drumont, Édouard (1844-1917). Jornalista que ganhou notoriedade pelo panfleto anti-semita La
Francejuive: essai d’histoire contemporaine (1886). Em 1892, fundou e editou o jornal La Libre Parole,
que criticava a presença de judeus no exército francês; denúncia que desencadeou o affaire Dreyfus.
Anexos ■ 1073
Du Bartas, Guillaume (1544-1590). Poeta barroco francês. Sua obra principal, La Sepnuúne , ou criação do
mundo, inspirada na Bíblia, liga astrologia e poesia (1578).
Du Camp, Maxime (1822-1894). Escritor, amigo de Flaubert. Trabalhou com Baudelaire em La
Revue de Paris. Autor de Paris: Ses Organes, ses Fonctions e sa Vie dans la Seconde Moitié du XDC Siècle ,
6 vols. (1869-1875).
Ducange, Victor Heniy (1783-1 833). Autor de romances e peças durante a Restauração. Preso várias vezes
por suas idéias liberais.
Ducasse, Isidor. Ver Lautréamont.
Dulamon, Frédéric (1825-1880). Literato boêmio, colega de Baudelaire.
Dulaure, Jacques (1755-1855). Deputado durante a Convenção e ativo defensor da causa revolucionária
durante a Restauração. Autor de uma influente Histoire de Paris (1821-1827).
Dumas, Alexandre (pai) (1802-1870). Romancista francês de enorme popularidade e dramaturgo que,
graças à sua bela caligrafia, tornou-se secretário do futuro Luís Filipe e teve uma carreira literária de grande
sucesso na imprensa popular.
Dumas, Jean (1800-1884). Químico. Fundou a École Centrale des Arts et Manufactures, em Paris (1829).
Estudou a densidade do vapor e a composição da atmosfera.
Dupont, Pierre (1821-1870). Poeta popular e cancioneiro. Autor de Les DeuxAnges ( 1 842) e Le Chantdes
Ouvriers (1846). Tema de dois ensaios de Baudelaire.
Duquesnay, Jean (1800-1849). Arquiteto responsável pela construção original da École des Mines e da
Gare de I’Est de Paris.
Duval, Jeanne. Atriz francesa, mulata, sensual, com quem Baudelaire manteve uma relação tempestuosa
durante quase a vida inteira. Inspiração de muitos de seus poemas.
Duveyner, Anne Honoré (1787-1865). Dramaturgo que colaborou com Eugène Scribe e outros, incluindo
seu próprio irmão Charles Duveyner.
Duveyner, Charles (1803-1866). Advogado e escritor francês; discípulo de Saint-Simon. Fundou o jornal
Le Crédit.
École des Beaux-Arts. Escola de Belas Artes fundada em 1648 em Paris, como Académie Royale de Peinture
et de Sculpture. Recebeu a denominação atual em 1793, quando houve a fusão com a Académie
d Architecture. Durante o Segundo Império, teve grande influência no campo dos projetos arquitetônicos.
École Normande. Grupo de jovens poetas com acentuado gosto pelo virtuosismo técnico. O movimento,
que floresceu no início da década de 1 840 na Pension Bailly, no coração da boêmia parisiense, teve como
principais figuras Gustave Le Vavasseur, Ernest Prarond e Philippe de Chennevières, incluindo também
Baudelaire. A maioria dos membros era a favor da monarquia, e em 1848, eles se tornaram oponentes
ferozes da nova república.
Emfe Polytechnique. Escola de Engenharia criada em 1 794 pela Convenção Nacional, como École Centrale
desTravaux Publics, sob a direção de Lazare Carnot e Gaspard Monge. Recebeu seu nome atual em 1795.
Foi transformada em escola militar por Napoleão, em 1 804.
J074 ■ Passagens
Edison, Thomas Alva (1847-1931). Inventor americano. Inventou o cinetógrafo, a primeira câmera
cinematográfica autentica, em 1889, como um complemento do seu bem-sucedido fonógrafo.
LÉducation SentimenUile ( 1 870). Romance de Gustave Flaubert, apresentando um vasto panorama da
vida francesa cotidiana sob a Monarquia de J ulho.
Eguo, expedição ao - . A campanha do Egito, sob Napoleãol, ocorreu em 1798-1799.
Eiffel, Alexandre-Gustave (1832-1923). Engenheiro francês. Um dos fundadores da aerodinâmica.
Construiu diversas pontes em arcos de ferro, e para a Exposição Universal de Paris em 1 867 a Galerie des
Machines que também possuía forma arcada. Ficou conhecido como “o mágico do ferro” depois da
construção da Torre Eiffel (1887-1889).
Enfàntin, Barthélemy-Prosper (1796-1864). Líder saint-simoniano, conhecido como Père Enfantin. Em
1832 fundou em Ménilmontant uma comunidade-modelo caracterizada por um sacerdotalismo fantástico
e a liberdade entre os sexos. Após servir na Comissão Científica sobre a Argélia, tomou-se o primeiro diretor
da Companhia Ferroviária de Lyon (1845).
Engelmann, Godefroi (1788-1839). Litografo francês. Responsável pela introdução do processo de Senefelder
na França.
Engels, Friedrich (1820-1895). Filho de um rico industrial alemão, foi o principal colaborador de Karl
Marx na elaboração do socialismo científico. Principais obras: A Situação da Classe Trabalhadora na
Inglaterra (1845); Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico (1882); A Origem da Família, da
Propriedade Privada e do Estado (1884). Engels trabalhou nos manuscritos de Marx possibilitando a
publicação dos volumes II e III de O Capital (1885 e 1894).
Ennius, Quintus (239-169 a.G). Poeta romano, um dos fundadores da literatura latina. Autor de tragédias,
comédias e do poema épico Annales.
Epinal. Vir Image d’Épinal.
Erler, Fritz ( 1 868- 1 940) . Proeminente artista gráfico alemão do Jugendstil. Cenógrafo do Kiinstlertheater
de Munique. Foi criticado por Kandinsky devido a sua “originalidade voluntariosa”.
Esménard, J oseph-Alphonse (1769-181 1). J ornalista francês e poeta que escreveu em Ia Quotidimne e em
outros jornais. Autor do longo poema La Navigation (1805).
Estilo Império. Estilo francês de móveis do início do século XDC, caracterizado por linhas sólidas e pesadas,
ornamentos de bronze em forma de “pés de leão”, temáticas romanas ou egípcias, diferentemente dos
estilos monárquicos anteriores do tipo Luís XIV ou Luís XV
Etzel, Karl von (1812-1865). Engenheiro responsável pela construção dc muitas estações e redes ferroviárias,
na Alemanha e Suíça.
Eugénie (1826-1920). Imperatriz da França (1853-1871), como esposa de Napoleao III.
Euler, Leonhard (1707-1783). Matemático e físico suíço.
Evadamismo. Ver Ganeau.
Faguet, Emile (1847-1916). Crítico literário e professor da Sorbonne. Autor de estudos sobre Corneille, La
Fontaine, Voltaire e Flaubert.
Anexos ■ 1075
Falange. Denominação fourierista para uma comunidade utópica, baseada numa agricultura auto-
sustentada, de 1 500 a 1 600 pessoas. Seu edifício central chama-se “falanstério”. Ver o jornal La Phalange.
Falloux, conde Frédéric (181 1-1886). Político monarquista francês; ministro da educação pública (1848-
1849). Introduziu a lei conhecida como Lei Falloux (promulgada em 1850), que concedeu à Igreja
católica um papel preponderante nos ensinos primário e secundário.
Fantômas (191 1-1913). Ciclo de romances desuspense, de Marcei Allain (1885-1969).
Faubourg. Denominação para bairro da periferia de Paris (do francês antigo forsbourc, “fora do burgo”) .
Favras, marquês de (1 744- 1 790). Oficial do exército que planejou a fuga da família real durante a Revolução
de 1789. Foi capturado e enforcado.
Fedro. Escritor de fabulas romano do primeiro século d.C. Autor da obra em versos FabulaeAesopiae.
Feme, ou Femgericht. Sistema de tribunais secretos na Alemanha medieval e que deu ampla margem a
vinganças particulares e assassinatos judiciais.
Ferragus. Protagonista do romance homônimo ( 1 833) de Balzac.
Ferry, Gabriel. Pseudônimo de Gabriel de Bellemare ( 1809- 18 52), escritor ff ancêse colaborador da Revue
des Deux Mondes.
Féval, Paul (1817-1 887) . Romancista e dramaturgo. Autor de Les Mystères de Londres ( 1 844) e Le Bossu
(1858).
Fevereiro, Revolução de. Ver Revolução de 1 848.
Fídias. Escultor ateniense do século V a.C., que executou a maioria dos monumentos da sua cidade durante
o domínio de Péricles.
Fidus. Pseudônimo de Hugo Hõppener ( 1 868-1948). ArquiteLo e pintor alemão do Jugendstil.
Fieschi, Giuseppe (1790-1 836). Conspirador da Córsega. Autor de um malogrado atentado contra o rei
Luís Filipe, em 28 de julho de 1 835; sua “máquina infernal” causou a morte de 1 8 pessoas.
Le Figaro. Jornal conservador publicado em Paris desde 1854; em versão diária desde 1866. Foi ligado ao
governo do Segundo Império.
Figuier, Guillaume Louis (1819-1894). Escritor; mais conhecido como dentista.
Filipe Augusto, ou Filipe II (1 165-1223). Rei da França deli 80-1223. Conquistou territórios e expandiu
o poder real. Criou uma administração eficiente e estabeleu o governo em Paris, onde empreendeu
construções como a fortaleza do Louvre e da Catedral de Notre-Dame.
La Fin de Satan (1886). Poema épico inacabado de Victor Hugo, escrito em dois momentos (1854 e 1859/
60) e publicado postumamente. Em Satã é realçada a condição do banido, provavelmente como alusão ao
que ocorreu com Hugo.
Fisiocracia. Doutrina econômica cujo principal teórico foi François Quesnay (1694-1774), autor do
TableauEconomiqueiXTbÜ). Partindo do princípio de que a economia humana funciona segundo o
modelo dos processos naturais, os fisiocratas consideram a terra como a única fonte de riqueza e defendem
o liberalismo econômico.
1076 ■ Passagens
Les Fleurs du Mal. Este livro de poemas é a obra mais importante de Baudelaire. Lançado em 1857,
chocou a sociedade da época e teve seis de seus poemas censurados.
Flocon, Ferdinand ( 1 800-1866). Político e jornalista francês; editor do jornal La Reforme. Foi membro do
governo provisório de 1 848.
Flotte, Étienne-Gaston, barão de ( 1 805-1882). Poeta monárquico católico e escritor. Originário de Marseille,
foi autor de um ensaio sobre a literatura de sua cidade.
Flourens, Pierre (1794-1867). Fisiologista francês. Professor no Collège de France. Autor de De 1’Imtinct
et de llntelligence desAnimauxLY&M).
Fontaine, Pierre (1762-1853). Arquiteto de Napoleão. Também requisitado por Luís XVIII e Luís Filipe.
Fontanarès. Herói da peça Les Ressources de Quinola ( 1 842), de Balzac.
Fontanes, Louis de (1757-1821). Escritor e político. Presidente do Corps Législatif (1804) e senador
(1810), sob Napoleão; membro da Chambre des Pairs, sob Luís XVIIL
Ford, Henry ( 1 863- 1 947). Fabricante americano de automóveis. Introduziu o sistema de participação de
lucros na empresa, na Ford Motor Company (1914).
Formige, Jean Camille (1845-1 92 6) . Arquiteto francês.
Fouqué, Friedrich de la Motte (1777-1843). Escritor romântico alemão. Autor do conto de fadas popular
Undine ( 1 8 1 1 ) , o qual foi musicado por E. T. A. Hoffmann.
Fouquet, Jean (1416F-1480). Pintor francês da corte de Luís XI. Conhecido particularmente por suas
iluminuras para o Livro das Horas.
Fourcroy, Antoine (1755-1809). Químico. Co-autor de Méthode de Nomenclature Chimique (1787),
juntamente com Antoine Lavoisier.
Fourier, Charles (1772-1837). Um dos principais teóricos do socialismo utópico. Defendeu uma organização
cooperativa da sociedade em forma de comunidades de produtores denominadas de “fálanstérios”. Autor
de Théoriedes QmtreMouvements(\&0 % ), Traité de 1’AssociationAgricole Domestique (1822), LeNouveau
Monde Industriei ( 1 829- 1 830), La Fausse Industrie Morcelée (1 835-1836).
Foumier, Marc (1818-1879). Jornalista e escritor suíço; morou em Paris a partir de 1838. Diretor do
Théâtre de la Porte de Saint-Martin, em 1851, pelo qual escreveu alguns dramas populares nos anos
1850.
Fraisse, Armand ( 1 830- 1 877). Crítico e jornalista originário de Lyon. Admirador da poesia de Baudelaire.
Les Français Peints par Eux-mêmes. Célebre e muito imitada coleção de composições e desenhos, cuja
publicação foi iniciada em 1 840. Grandville contribuiu com vários trabalhos.
France, Anatole. Pseudônimo de Jacques Thibault (1844-1924). Romancista satírico, crítico, poeta e
dramaturgo. Autor de Le Crime de Sylvestre Bonnard ( 1 88 1); e de uma Histoire Contemporaine , incluindo
os volumes Le Mannequin dVsier ( 1 897) e Monsieur Bergeret à Paris { 1901).
Francisco (François) I (1494-1547). Rei da França (1515-1547). Seu reinado foi marcado por um
renascimento das artes.
Anexos ■ 1077
Frederico III (1831-1888). Filho de Guilhermo I, rei da Prússia c Imperador da Alemanha. Sucedeu o
pai em 9 de março de 1 888, mas reinou apenas por 99 dias, pois morreu de câncer. Opôs-se à política
de Bismarck. Patrono da literatura e das ciências.
Frégier, Honoré-Antoine (1789-1860). Oficial de polícia. Autor de Des Classes Dangereuses ( 1 840) .
Der Freischütz (O Franco-Atirador) (1821). Ópera de Cari Maria vonWeber.
Fuller, Loie ( 1 862-1928). Dançarina norte-americana. Tornou-se internacionalmente conhecida graças a
suas inovações na iluminação cênica e por sua invenção da dança da “serpentina” ( 1 889), onde fitas de
seda são manipuladas sob luzes coloridas.
Fustelde Coulanges, NumaDenis (1830-1889). Historiador francês; especialista em História antiga e
Medieval.
Galerie des Machines (1886 e 1889). A “Galeria das Máquinas” foi construída, ao lado da Torre Eiffel,
para a Exposição Universal de 1889, por Ferdinand Dutert e Victor Contamin. O edifício, que
estabeleceu um novo recorde (420 m de comprimento, 1 1 5 m de largura e mais de 43 m de altura), foi
demolido.
Gambetta, Léon (1838-1882). Advogado e político; líder da oposição contra Napoleão III. Escapou de
Paris num balão, durante o cerco da cidade pelas tropas prussianas na guerra de 1 870-1871 . Primeiro-
ministro da França em 1881 e 1882.
Ganeau (ou Ganneau) (1805-1851). Escultor e panfletista francês. Assumiu, por volta de 1835, o nome le
Mapah (mater + pater) . Criou o culto do Evadamismo (= Eva + Adão + ismo), defendendo a fusão dos
sexos; enviou suas esculturas hermafroditas para políticos.
Gares. Principais estações ferroviárias de Paris (entre parênteses: o ano da primeira construção e da construção
definitiva com o nome do responsável, e dos destinos):
- Gare d'Austerlitz (1840, pela Companhia Orléans; 1 846-1852, Pierre-Louis Renaud; sudoeste da
França, Espanha e Portugal),
- Gare de 1’Est (nome antigo: Gare de Strasbourg; 1847-1850, François-Alexandre Duquesnay; leste da
França, Alemanha, Suíça e Áustria) ;
—Gare deLyon (1895-1902, MariusToudoire, a serviço da Companhia PLM / Paris-Lyon-Marseille; sul
da França, Suíça, Itália e Grécia);
— Gare du Nord (precursora: Belgium Railway Platform, do Grupo Rothschild, 1 846; reconstruída em
1861-1865 porjacques Ignace Hittorff; Bélgica, Holanda, Alemanha do Norte e Escandinávia);
- Gare Montparnasse (1840; reconstruída em 1848-1852 por Victor Lenoir; oeste da França);
-GareSaint-Lazare (1837; reconstruída em 1841-1843 por Alfred Armand; Normandiae Inglaterra, via
Dieppe).
Gautier, Judith (1850-1917). Poeta e romancista; filha de Théophile Gautier. Autora de Richard Wagner
( 1 882) e Fleurs d’Orient ( 1 893).
Gautier, Théophile (181 1-1872). Escritor francês. Um dos líderes do Parnasianismo. A ele Baudelaire
dedicou Les Fleurs du Mal.
Gavami, Paul. Pseudônimo de Sulpice Chevalier ( 1 804- 1 866) . Ilustrador e caricaturista francês, conhecido
por seus desenhos retratando a vida parisiense.
Gavroche. Personagem do romance Les Misérables (1 862), de Victor Hugo.
Gay, Jules (1807-1876). Comunista utópico francês.
1078 ■ Passagens
Gay-Lussac, Joseph (1778-1850). Químico e físico francês.
Geffroy, Gustave (1855-1926). Jornalistae romancista parisiense. Crítico de arte do semanário La Justice.
Autor das biografias de Louis-Auguste Blanqui (1 897) e de Charles Meryon ( 1 926) .
Geoffroy Saint-Hilaire, Étienne (1772-1844). Naturalista francês. Propôs um tipo único de estmturapara
o reino animal. Foi veementemente criticado por Georges Cuvier.
Gérard, François (1770-1837). Pintor francês de retratos e de cenas históricas.
Gerstacker, Friedrich (1816-1872). Viajante alemão e autor de histórias de aventuras frequentemente
situadas na América do Norte.
Gervexj Henri (1852-1929). Pintor francês, identificado com aescolado Impressionismo.
Gervinus Georg (1805-1 87 0 - Historiador alemão. Autor de Geschichte der poetischen Natioml-Literatur
der Dmtschen, 5 vols. (1835-1 842) , em que a literatura é apresentada pela primeira vez no contexto a
história geral.
Giedion Sigfried (1 888-1968). Historiador de arte suíço. Primeiro secretário do Congresso Internacional
^ de Arquitetura Moderna (1928). Professor em Havard a partir del938. Autor de Bauen m Frankreich
(1928).
Girardin, Émilede (1806-1881). Editor do diário La Pref.se (1836- 1 856 e 1862-1866). hitrodir/Ju cmno
inovação na mídia a redução do preço da assinatura. Foi membro da Camara de Deputados 1 834- 1851
e 1877-1881).
Girardin, Madame Delphine (1804-1855). Escrevendo sob o pseudônimo de Charles de Launay, ela
publicou romances, comédias, versos e uma série intitulada Lettres Pansiennes.
Gisquet, Henri-Joseph (1792-1866). Prefeito de Polícia de Paris, 1831-1836.
Le Globe. Um dos principais jornais parisienses. Fundado e editado por Pierre Leroux em 1 824, tornou-se
o órgão dos saint-simonianos em 1830.
Godin, Jean (1817-1888). Industrial e reformista social francês influenciado por Fourier, organizou um
“familistério” entre seus operários. Autor de Solutions Sociales (1871).
Górgias (485?-380 a.C.). Retórico e sofista grego. Platão dedicou-lhe um de seus mais importantes diálogos,
Górgias.
Gosse, Nicolas-Louis-François (1787-1878). Pintor francês especializado em obras para igrejas, museus e
outros edifícios públicos.
Gotha. Cidade da Alemanha central, onde foi publicado a partir de 1763 o Almanach de Gotha, u
compêndio genealógico da aristocracia européia.
Gozlan, Léon (1803-1866). Jornalista, romancista e dramaturgo. Autor de Le Tnomphedes Ommbus. Poeme
Héroi-comique (1828), Bakac en Pantoufles (1865).
Gozo. Ilha ao noroeste de Malta.
Grabbe, ChristianDietrich (1801-1836). Dramaturgo alemão. Entre suas peças estão Donjuan undPaust
( 1 829) e Napoleon, oder Die Hundert Tage (1831).
Anexos ■ 1079
Gracián, Baltasar (1601-1658). Escritor espanhol e filósofo. Reitor do Colégio Jesuíta de Tanagona. Autor
de El Criticón (1651-1657).
Grand-Carteret, John(1850-1927).J ornalista francês. Autor de Le Décolleté et le Retroussé: un Siècle de
Gatdoiserie (1 9 1 0) e outros livros ilustrados sobre costumes de época.
Grand magazin. Loja de departamentos.
Grandville. Pseudônimo de Jean-Ignace-Isidore Gérard (1 803-1 847). Caricaturista e ilustrador, cuja obra
foi publicada nas revistas Le Charivari e La Caricature. A obra Un Autre Monde, com ilustrações de
Grandville e texto de Taxile Delord, editor do Charivari, foi publicada em 1 844.
Granier de Cassagnac, Adolphe ( 1 808-1 880). Jornalista e simpatizante de Napoleão III depois de 1 850.
Editor de LePays-, autor de Souvenirs du Second Empire (1879).
Grillparzer, Franz (1791-1872). Dramaturgo austríaco e poeta.
Grisette. J ovem costureira na indústria da moda, de condição modesta e costumes levianos.
Gronow, Capitão Rees Howell (1791-1865). Oficial militar inglês. Lutou em Waterloo e depois se tornou
um dândi e jogador em Londres. Residiu em Paris a partir do final dos anos 1830. Publicou quatro
volumes de memórias (1861-1 866) .
Gropius, KarlWilhelm ( 1783-1870). Arquiteto e pintor alemão, especialista em cenários de teatro. Abriu
em 1 827 um diorama em Berlim, com vistas da Grécia e da Itália.
Gros, Barão Antoine (1771-1835). Pintor francês demodvos históricos. Foi discípulo de David e adotou
a sua teoria clássica.
Grün, Karl (1817-1887). Escritor e jornalista alemão; seguidor de Feuerbach. Membro da Assembléia
Nacional da Prússia (1848). Representante do “socialismo verdadeiro” na década de 1 840.
Griinderjahre. Literalmente os “anos dos fundadores”. Este período, que se iniciou com a unificação da
Alemanha, em 1 87 1 , é caracterizado por um intenso ritmo de industrialização e das atividades económico-
financeiras em geral.
Guaita, Stanislas (1861-1 897). Poeta francês e místico nascido na Itália; colaborou temporariamente com
Maurice Barrès. Autor de Les Oiseaux de Passage (1881), At Muse No ire (1883).
Gudin, Théodore ( 1 802- 1880). Pintor francês de paisagens que se dedicou também a cenas marítimas.
Guilbert, Yvette (1868-1944). Cantora francesa.
Guillot, Adolphe (1836-1892). Membro da Académie des Sciences Morales. Publicou inúmeras obras
sobre sociologia e a cidade de Paris.
Guizot, François (1787-1874). Historiador e político. Primeiro-ministro da França de 1840 a 1848. Autor
da célebre fórmula “Enriquecei-vos”, que simboliza a estabilização da burguesia no poder. Forçado pela
Revolução de 1 848 a abandonar o governo, refugiou-se na Inglaterra.
Guizkow, Karl (1811-1878). Jornalista, romancista e dramaturgo alemão. Um dos líderes da Junges
Deutschland (Jovem Alemanha) . Suas cartas de Paris ( Briefe aus Paris) oferecem uma descrição crítica da
vida política e intelectual durante a monarquia de Julho. Com sua obra Die Ritter vom Geiste (1850-
1852) iniciou-se o moderno romance social alemão.
1080 ■ Passagens
Guys, Constantin (1802-1892). Ilustrador de origem holandesa. Ganhou fama com seus desenhos do
cotidiano parisiense durante o Segundo Império. Com base na obra de Guys, Baudelaire desenvolve sua
teoria da modernidade em “Le Peintre de la Vie Moderne”.
Hacklander, Friedrich (1816-1 877) .Escritor alemão. Autor de Daguerreotypen (1842), Namenbse Geschichten
(1851), Verbotene Früchte (1876).
Halévy, Daniel (1 872-1962). Escritor francês. Autor de Essai sur le Mouvement Ouvrier en France (1901), La
Vie de Frédiric Nietzsche ( 1 909 ),Jules Mkbelet (1928).
Halévy, Léon (1 802-1 883). Escritor francês. Autor de livros sobre a história judaica, de inúmeros volumes
de versos e de algumas peças.
Halévy, Ludovic (1834-1908). Dramaturgo e romancista, filho de Léon Halévy. Entre suas muitas
obras estão La Belle Hélène (1864), Froufrou (1869) ç. Mariage dAmour { 1881). Foi o colaborador
mais importante de Offenbach.
Les Halles. Antigo mercado central de Paris, nas imediações do Châtelet, caracterizado por seus dez
pavilhões de estruturas de ferro e telhados de vidro, construídos de 1 854 a 1 866 por Baltard. Cenário
do romance de Émile Zola, O Ventre de Paris {\KJò). Os pavilhões foram demolidos em 1969.
Hardekopf, Ferdinand (1876-1954). Poeta expressionista alemão; também traduziu escritores franceses.
Influenciado pelo Jugendstil. Amigo de Emmy Hennings na Munique de antes da Primeira Guerra
Mundial.
Hauser, Kaspar (181 2?-l 833). Jovem de origem misteriosa, que foi encontrado abandonado nas ruas
de Nuremberg. Crescera até os 1 6 anos trancado em um porão escuro, sem qualquer contato humano.
Seu encontro com a sociedade tornou-se tema de várias obras artísticas, como o romance Casper
Hauser ( 1 909) , de Jakob Wassermann.
Haussmann, Barão Georges Eugène ( 1 809- 1891). Estudou Direito e entrou para a administração pública
em 1831. Como prefeito do départementSie ine (1853-1870), isto é, chefe administrativo da cidade de
Paris, durante o Segundo Império, realizou uma renovação urbanística em grande escala: melhoramento
das condições sanitárias, modernização das instalações públicas c dos transportes, construção da Ópera de
Paris e do mercado central Les Halles, criação dos parques dc Boulogne e de Vincennes, e o traçado,
estrategicamente organizado, dos grands boulevards, o que implicou na demolição de vários bairros antigos
de Paris e de numerosas passagens construídas durante a primeira metade do século XIX.
Haussoullier, William (1818-1891). Pintor francês elogiado por Baudelaire no “Salon de 1 845”.
Hébert,Jacques (1755-1794). Jornalista e político radical da Revolução de 1789. Editor do jornal popular
satírico Le Père Duchesne (cujo título tornou-se seu apelido). Foi executado numa luta contra a ala direita
dos jacobinos liderada por Danton.
Heim, François (1787-1865). Pintor francês de motivos históricos; elogiado por Baudelaire.
Heine, Heinrich (1797-1856). Poeta e crítico alemão; nascido judeu, converteu-se ao cristianismo. Um dos
principais representantes do jornalismo crídco e da ironia na literatura alemã Teve seus escritos censurados
e fixou residência em Paris a partir de 1831. Entre suas obras estão: Franzosische Zustãnde (1832),
Deutschland, ein Wintermürchen ( 1 844) , Lutece: Lettres sur la Vie Politique, Artistique et Sociale en France
(1855).
Helena. Personagem da tragédia Fausto //( 1 832) , de Goethe.
Anexos ■ 1081
Heliogabalus. (204-222 d.G). Sacerdote do Deus do Soi, tomou-se Imperador romano. A instituição desse
culto em Roma, assim como a conduta desregrada de Heliogabalus foram sentidas como provocação. Ele
foi morto pela guarda pretoriana.
Hello, Ernest (1829-1885). Filósofo e crítico francês. Autor de Le StyLe (1861), Philosophie etAthéisme
(1888).
Hennebique, François (1842-1921). Engenheiro francês, especializado em estruturas. Inventou um tipo
de concreto armado, usando ferro e aço, patenteado em 1 892.
Hennings, Emmy (1885-1948). Poeta alemã e artista de cabaré em Munique; mais tarde, em Zurique,
junto com seu marido Hugo Bali, fundou o Cabaret Vòltaire e lançou o movimento dadaísta (1916).
Amiga de Benjamin.
Hérault de Séchelles, Jean (1759-1 794) . Advogado e político. Membro da Convenção ( 1 792); colaborou
na elaboração da nova Constituição ( 1 793) . Guilhotinado em Paris.
Hérédia, José de (1842-1905). Poeta francês de ascendência espanhola; instalou-se em Paris em 1859. Um
dos líderes do Parnasianismo e um discípulo de Leconte de Lisle. Autor de Les Trophées (1893).
Hemani (1830). Peça de Victor Hugo narrando a paixão de um nobre fora da lei por Dona Sol. Sua primeira
apresentação resultou no triunfo dos partidários do Romantismo sobre os do Classicismo.
Herschell, Sir John (1792-1871). Astrônomo e matemático inglês. Seguindo o mesmo caminho que seu
pai William, explorou e catalogou fenômenos estelares.
Herwegh, Georg (1817-1875). Poeta alemão e revolucionário, temporariamente próximo de Karl Marx.
Autor de Gedicbte eines Lebendigen (1841-1844).
Hess, Moses (1812-1 875). Editor, com Friedrich Engels, do Der Gesellsckafts;piegd{} 845-1846). Rompeu
com Marx e Engels após 1 848 e apoiou o líder socialista Ferdinand Lassalle.
Hessel, Franz (1880-1941). Escritor e tradutor; editor na Rowohlt Verlag em Berlim. Emigrou para Paris em
1 938. Colaborou com Benjamin na tradução de Proust. Seus livros Heimliches Berlin (1927) e Spazieren
in Berlin (1929) foram resenhados por Benjamin.
Heym, Georg ( 1 887- 1 9 1 2) . Um dos mais importantes poetas do Expressionismo alemão; influenciado por
Baudelaire e Rimbaud. Autor de Umbra Vitae (1 912). Afogou-se enquanto tentava salvar um amigo.
Hipocrene. O cavalo mítico Pégaso, com um de seus coices, fez nascer a fonte de Hipocrene, que se
acreditava ser a fonte de inspiração dos poetas.
Hittorf, Jacques-Ignace (1792-1 867). “Arquiteto do rei”, sob a Restauração, depois arquiteto da cidade de
Paris. Foi o responsável pela construção do Cirque Napoléon (ou Cirque d’Hiver), em 1 852, da Gare du
Nord (1861-1865) e por melhorias nos Champs-Élysées.
Hoddis, Jakob van. Pseudônimo de Hans Davidsohn (1887-1 942) . Poeta expressionista alemão. Autor de
Weltende{ 1911).
Holbach, Barão Paul-Henri Thiry (1723-1789). Filósofo materialista francês, nascido na Alemanha.
Autor de Le Christianisme Dévoilé (1761), Le Systeme de la Nature (1770) e La Politique Naturelle
(1773).
Homais. Farmacêutico provinciano de idéias progressistas no romance Madame Bovãry (1857), de
Gustave Flaubert.
1082 ■ Passagens
Honfleur. Porco na costa da Normandia, onde o padrasto de Baudelaire comprou uma casa em 1 855-
Horkheimer, Max (1895-1973). Filósofo e sociólogo, co-fundador da Escola de Frankfurt. A partir
de 1930, diretor do Instituto de Pesquisa Social. Um dos principais interlocutores de Walter
Benjamin. Autor, entre outros, de Anfánge der bürgerlichen Geschichtsphilosophie (1930),
Dãmmerung. Notizen in Deutschland (1934; sob o pseudônimo Heinrich Regius), Dialektikder
Aufklarung ( 1 947; em co-autoria com Theodor W. Adorno) .
Hôtel de Ville. Edifício da Câmara Municipal de Paris, situado à margem direita do Sena, à altura da He
de la Cité. Diante do Hôtel de Ville, em frente ao Sena, situa-se a Place de Grève que, por set lugar de
reivindicações populares (“faire la grève”), deu origem ao termo moderno greve .
Hôtel e Dôme des Invalides. O Hôtel des Invalides foi fundado em 1670 por Luís XIV para abrigar os
soldados feridos na guerra. Em 1706 foi terminado o Dôme, por Jules Hardouin-Mansart, igreja onde
repousa desde 1 840 o corpo de Napoleâo I.
Hôtel-Dieu. Famoso hospital em Paris, construído no século XII próximo a Notre-Dame. Destruído
por um incêndio, 1772, foi reconstruído. Depois de sua demolição, no Segundo Império, um novo
Hôtel-Dieu foi erguido em 1868-1878.
Houssaye, Arsène (1814-1896). Homem de letras; diretor da Comédie Française (1849-1856). Autor
de romances, versos, crítica literária e histórias.
Huygens, Christian (1629-1695). Matemático, físico e astrônomo holandês. Desenvolveu a teoria das
ondas de luz. Trabalhou em Paris (1666-1681) a convite de Luís XIV.
Huysmans, Joris-Karl (1848-1907). Romancista francês e crítico de arte, descendente de uma família
de artistas holandeses. Trabalhou no Ministério do Interior. Seus escritos mostram sucessivamente a
influência do Naturalismo, do esteticismo, do ocultismo e do Renascimento Católico. Autor de À
Vau-l’Eau (1882), zi Rebours (1884), Là-bas (1891) eEn Route (1895).
Ibsen, Henrik (1828-1906). Dramaturgo norueguês. Autor, entre outros, Ás. A Dama do Mar (1888),
Hedda Gabler ( 1 890) e Solness, o Construtor (1892).
Icarianos. IfrCabet, Etienne.
íle de la Cité. Ilha no Rio Sena, núcleo de Paris. Nela encontram-se a Catedral de Notre-Dame e a Prefeitura
de Polícia.
íle Saint-Louis. Ilha no Rio Sena, vizinha da íle de la Cité. Baudelaire residiu ali em 1 842.
Image d’Épinal. Imagem religiosa-sentimental, que deve seu nome a uma cidade no nordeste da França,
onde esse tipo de artefato era produzido.
Império, (Primeiro-) (1804-1814/15). Proclamado em 18 de maio de 1 804, o Império de Napoleâo I
substitui a República. O período é marcado pela expansão e supremacia militar da França no continente
europeu, até a campanha frustrada contra a Rússia, no inverno de 1812-1813. Depois de ter sido
derrotado eml813el8l4 pelos exércitos aliados, Napoleâo abdica do poder. Segue-se, em 1814, a
restauração da dinastia dos Bourbons - apenas interrompida brevemente, em 1 8 1 5, pelos “Cem Dias”,
isto é, o retorno de Napoleâo, seguido de sua derrota definitiva e banimento.
Império, (Segundo )- (1 852-1870). Tempo de governo de Napoleâo III.
Anexos ■ 1083
Institutde France. Nome dado em 1806 para o Institui National ( fundado em 1 T 95 pela Convenção).
Depois de 1 8 1 6, foi dividido em várias academias-, literatura, belas artes e ciência.
Instituto de Pesquisa Social (Institut fiir Sozialforschung) . Fundado em 1923 por um grupo de cientistas
polídcos de esquerda, incluindo Felix Weil, Friedrich Pollock e Max Horkheimer, em 1923, associado
com a Universidade de Frankfurt. Editou o Zeitschriftfiir Sozialforschung, dedicado principalmente à
análise cultural, de 1 932 a 1 94 1 . A administração do Instituto mudou-se em 1 933 para Genebra, com
escritórios em Paris e Londres e, em 1 934, para Nova York, onde era associado com a Universidade de
Columbia. Sob a direção de Horkheimer eTheodor Adorno, o Instituto retornou a Frankfurt em 1950.
Janin, Jules (1804-1874). Jornalista, romancista e crínco. Publicou o influente Journal des Débats. Autor de
Histoire de la Littérature Dramatique en France, em seis volumes.
Janssen, Pierre (1824-1907)- Astrônomo francês. Inaugurou e dirigiu o observatório do Mont Blanc
(1893).
Jaurès, Jean (1859- 1914). Autor de Histoire Socialiste de la Révolution Française {l^Q7). Líder dos socialistas
democratas na Câmera dos Deputados (1893-1914). Pronunciou-se em favor da reconciliação como
Estado. Sua defesa de uma aproximação entre França e Alemanha levou ao seu assassinato na véspera da
Primeira Guerra Mundial.
Jehuda (Judah) ben Halevy (1085-11 40) . Poeta e filósofo judeu, nascido em Toledo, Espanha. Morreu em
uma peregrinação a Jerusalém.
Joél, Charlotte. Esposa de Ernst Joèl e uma antiga amiga de Benjamin dos movimentos de sua juventude.
Tornou-se médica em Berlim, onde supervisionou os experimentos de Benjamin com haxixe.
Joubert, Joseph (1754-1 824) . Pensador e ensaísta; interlocutor de Diderot e Chateaubriand. Participou
do primeiro período da Revolução como juix de paz em sua cidade natal, Montignac, mas retirou-se
da política em 1 792. Seus escritos, recolhidos de jornais, foram publicados pela primeira vez em
1838 sob o título Pensées.
Joufffoy d’Abbans, marquês Claude (1751-1832). Engenheiro. Foi um dos pioneiros da navegação a
vapor.
Journal des Débats Politiques et Littéraires. Diário fundado em Paris em 1789. Apoiou a causa do governo
durante a Monarquia de Julho.
Joumet,Jean (1799-1861). Missionário e poeta fourierista que abandonou sua farmácia para peregrinar por
cerca de 20 anos, com sua mochila e roupa simples, pregando a doutrina de um individualismo passional.
Fotografado por Nadar.
Jovem Alemanha (Junges Deutschland) . Movimento literário que surgiu após a morte de Goethe, em 1 832.
Distanciando-se do Romantismo e do Biedemieier, defendeu um maior engajamento polídco da literatura.
Jovens hegelianos ( J unghegelianet) . Movimento filosófico surgido depois da morte de Hegel (1831) e
que formulou uma crítica radical da religião e da sociedade. Marx e Engels faziam parte do movimento,
mas distanciaram-se dele em Die deutsche Ideologie (1845-1846) .
Jugendstil (literalmente: “estilo da juventude”). Estilo arquitetônico, de arte figurativa e aplicada, que
floresceu na última década do século XIX e nos primeiros anos do século XX. Relacionado ao art
nouveau. Na Alemanha, onde era conhecido inicialmente como “estilo moderno” e “movimento
decorativo”, era liderado por August Endell e Henry van de Velde. Depois de 1 896, foi associado ao
1084 ■ Passagens
periódico Die Jugend (A Juventude). O Jugendstil teve uma função inovadora na area da educação e
na relação entre homem e natureza.
Le JuifErrant ( 1 8 44- 1845). Romance de folhetim de Eugène Sue.
Julho, dias de. Ver Revolução de 1830.
Julho, ordenanças de ^ . Proclamadas em 26 dc julho de 1 830 por Carlos X e seus minisrros do partido dos
“ultras”, as ordenanças dissolveram a Câmera dos Deputados recém-eleita, restringiram o direito eleitoral e
aboliram a liberdade de imprensa. Quando foram anuladas, em 30 de julho, era tarde. Já vencera a
Revolução, com a Garde Nationale sob o comando de Lafayette e a indicação de Luís Filipe como “rei
burguês”.
Julho, Revolução de. Ver Revolução de 1 830.
Juliano. Flavius Claudius Julianus (331-363 d.G). Conhecido como “Juliano, o desertor”. Imperador
romano e autor do ensaio satírico Misopogpn.
Jullien, Louis (1812-1 860). Compositor e regente francês.
Junho, Insurreição de -- . Revolta dos operários de Paris, durante os dias 23 a 26 de junho de 1848, contra
o fechamento das Oficinas nacionais. A insurreição, que teve traços de uma luta de classes, entre operariado
e burguesia, foi reprimida em sangrentas lutas de barricadas pelo exército sob o comando do general
Cavaignac.
Karr, Alphonse (1808-1890). Jornalista e romancista; editor dc Le Figaro (1839). Fundou a revista satírica
Les Guèpes. Autor de Voyage Autour de Mon Jardin (1845).
Kautsky, Karl ( 1 8 54- 1938). Escritor socialista alemão; secretário de Engels em Londres (1881). Editor
do Die NeueZeit (1883-1917). Opôs-se à Revolução Russa e ao bolchevismo.
Keller, Gottfried (1819-1890). Escritor suíço de língua alemã. Publicou seus primeiros poemas em
1846. Autor do romance Der grüne Heinrich (1854-1855), Martin Salander (1886) e outros trabalhos.
Tema de um ensaio de Benjamin em 1927.
Kircher, Athanasius (1601 - 1680) . Jesuíta alemão que lecionou matemática e hebraico no Colégio de Roma.
Em 1 643 desistiu de ensinar para estudar os hieróglifos. Considerado o inventor da lanterna mágica.
Klages, Ludwig (1872-1956). Filósofo alemão ligado ao círculo de Stefan George. Autor de Vom
Traumbewuftsein (1919), Vomkosmogonischen Eros {\922),e. Der GeistakWidersacher der Seel£{\929-
1932).
Kock, Paul de (1794-1871). Romancista e dramaturgo francês, famoso por suas representações da vida
burguesa. Também autor de vaudevilles, pantomimas e óperas leves.
Korsch, Karl (1886-1961). Filósofo político alemão. Autor de Marxismiis und Philosophie (1923). Foi
excluído do Partido Comunista alemão em 1 926; foi para os EUA em 1938. Conheceu Benjamin por
intermédio de Brecht. Seu livro sobre o marxismo foi concebido basicamente em Paris em 1 936.
Kranzler Café. Famoso café e confeitaria berlinense, aberto no século XIX, na esquina de Unter den Linden
com Friedrichstrafie.
Kubin, Alfred (1877-1959). Desenhista e ilustrador de inspiração expressionista. Ilustrou livros como
Lesabéndio, de Paul Scheerbart.
Anexos *7055
Kugelmann, Ludwig (1830-1902). Médico alemão, participante da revolução de 1 848/49 na Alemanha.
Amigo de Marx e Engels.
Kühne, Gustav (1 806-1888). Romancista e crítico alemão; um dos líderes da Junges Deutschland (Jovem
Alemanha). Editor do semanário Europa (1846-1859).
Labrouste, Pierre François Henri (1801-1875). Arquiteto francês.
Lacenaire, Pierre-François ( 1 800- 1 836) . Escritor francês que colaborou oom a chamada literatura “frenética”.
Compôs suas Mémoires na prisão enquanto esperava pela sua execução, devido ao assassinato de um
funcionário de um banco.
La Chambaudie (1806-1872). Escritor saint-simoniano de fábulas, poemas e ensaios. Colaborou com
Louis-Auguste Blanqui.
Laclos, Pierre Choderlos de ( 1 74 1 - 1 803) . Soldado e escritor; general sob Napoleão. Autor de Les Liaisom
Dangereuses (1782).
Lacordaire, Jean (1801-1870). Entomologista. Autor de Histoire Naturelle des Insectes (1854-1 868).
Lafargue, Marie (1816-1853). Mulher francesa acusada de ter envenenado o seu marido (1840), foi
condenada à prisão perpétua e trabalho forçado. Ela continuou afirmando a sua inocência e recebeu
indulto em 1852.
Lafargue, Paul ( 1 842- 1911). Socialista radical e escritor francês; amigo íntimo de Marx e Engels. Um dos
fundadores do Partido Operário Francês (1879), editou, com Jules Guesde, Le Citoyen, de 1 88 1 a 1884.
Rejeitou compromisso com o governo capitalista.
Lafayette, Marie Joseph (1757-1834). Político e oficial do exército francês; participou da Guerra de
Independência dos Estados Unidos. Membro da Assembléia National em 1789. Foi um dos organizadores
da Garde Nationale e teve uma atuação decisiva para a França revolucionária adotar a bandeira tricolor.
Crítico da política de Napoleão I. Líder da oposição entre 1 825 e 1830. Comandante da Garde Nationale
na Revolução de 1 830.
Laffitte, Jacques (1767-1844). Banqueiro e político. Ministro das finanças sob Luís Filipe (1830-1831).
Laforgue, Jules (1860-1887). Poeta e crítico. Um dos mais destacados simbolistas.
Lagrange, Joseph (1736-1813). Geômetro e astrônomo. Professor em Paris, naÉcoleNormale (1795) e na
École Polytechnique (1797). Foi senador no período napoleônico.
La Hodde, Lucien de ( 1 898?- 1 865 ?) . Espião da polícia e autor de Histoire des Sociétés Secrètes et du Parti
Républicain (1850).
Lamartine, Alphonse Prat de (1790-1869). Poeta popular e orador que ajudou a formar o movimento
romântico na literatura francesa. Ministro do exterior do Governo Provisório de 1 848. Autor de Méditatiom
Poétiques (1820), La Chute dunAnge (1838) e Histoire des Girondins (1846).
Lamennais, Robert ( 1782-1854). Pastor e filósofo francês. Defendia a liberdade nas questões religiosas, o
que o levou a ser censurado e condenado.
La Mettrie, Julien (1709-1751). Filósofo materialista e médico. Autor de Histoire Naturelle de lAme ( 1 745) .
Lami, Louis Eugène ( 1 800- 1890). Pintor de motivos históricos e ilustrador francês. Elogiado por Baudelaire.
1086 ■ Passagens
Lampélie. Nome dado a uma divindade que representa a luz solar na homenagem de Lemercier a Daguerre
(1839).
La Lanteme. Semanário político fundado e editado por Henri Rochefort em 1 868.
Laplace, Pierre ( 1 749- 182 7) . Astrônomo e matemático. Autor de Théorie des Attractions des Sphéroides
et de la Figures des Planètes (1785), Essai Philosophique sur les Probabilités (1814).
Larchey, Étienne-Lorédan (1831-1 902) . Bibliotecário na Bibliothèque de F Arsenal em Paris. Historiador
e lingüista. Autor de Les Excentricités de la Langue Française (1860).
Larivière, Philippe-Charles de (1798- 1 876) . Pintor de cenas de batalha para o museu criado por Luís Filipe
em Versalhes.
La Rochejacquelein, Henri Auguste (1805-1867). Líder do partido legitimista na Câmera dos Deputados
(1842-1848). Senador do Segundo Império.
Lassailly, Charles (1806-1843). Poeta boêmio e escritor, que foi temporariamente secretário de Balzac.
Morreu como indigente.
Lautréamont, conde de. Pseudônimo de Isidore Ducasse (1846-1870). Escritor que antecipou o
Surrealismo. Nasceu no Uruguai, morou em Paris nos anos 1 860. Autor de Les Chants de Maldoror
(1867-1870).
Laverdant, Gabriel-Désire (1809-1884). Jornalista e crítico do periódico fourierista La Démocratie Pacifique.
Lavoisier, Antoine Laurent de (1743-179 4). Um dos fundadores da química moderna. Condenado e
executado pela Revolução, porque seus experimentos eram financiados pela monarquia.
Lawrence, James (1773-1840). Escritor; filho dc um colono inglês na Jamaica. Publicou em 1793 um
estudo sobre o casamento e os costumes hereditários entre a casta Nair em Malabar. Tornou-se conhecido
na França como um defensor das causas feministas. Amigo de Schiller e Percy Shcllcy.
Leblond, Marius eAry. Pseudônimos dos escritores franceses Georges Athenas (1877-1955) e AiméMerlo
(1 880-1958). Autores de Vies Paraltèles (1 902), En France (1909), Le Paradis Perdu (1939).
Le Breton, André (1808-1879). Crítico francês. Autor de Balzac: LHomme et 1’CEuvre (1905).
Lebon, Philippe (1769-1804). Químico e engenheiro civil. Foi pioneiro no uso da iluminação a gás
(1799).
Leconte de Lisle, Charles (1818-1894). Poeta da desilusão e do ceticismo; um dos líderes da escola parnasiana
Autor, entre outras obras, de Poemes Antiques (1 852) e Poemes Barbares ( 1 862).
Le Corbusier. Pseudônimo de Charles-Édouard Jeanneret-Gris ( 1 887- 1 965) . Arquiteto, pintor e escritor
suíço. Um dos principais representantes da arquitetura moderna.
Ledoux, Claude-Nicolas (1736-1806). Arquiteto francês. Desenhou as plantas para a “cidade ideaTde
Chaux, concebida como uma extensão das salinas de Arc-et-Sénans. Precursor da arquitetura funcional.
Ledru-Rollin, Alexandre (1807-1874). Advogado e político, membro da Câmera dos Deputados, a
partir de 1841. Um dos líderes da Revolução de 1848 e ministro do interior durante o Governo
Provisório. Teve um papel decisivo na introdução do sufrágio universal na França.
Anexos *108 7
Lefeuve, Charles (181 8-1882). Escritor e publicitário, famoso por seu estudo arqueológico e histórico Les
Anciennes Maisons des Rues de Paris (1857-1 864) .
Legitimistas. Defensores da monarquia dos Bourbons, que detinham o poder na França até a Resolução de
1 789 e durante a Restauração (1814/15-1830). Conhecidos também como os "ultras , eles representavam
os interesses dos ladfimdiários.
Lei Falloux ITrFalloux, conde Frédéric.
Lemaítre, Jtiles (1853-1914). Escritor e crítico literário; avesso a dogmas críticos. Trabalhava no Journal des
Débats e na Revue des Deux Mondes.
Lemercier, Louis Jean Népomucène (1771-1 840). Dramaturgo e poeta. Defensor da tragédia clássica
contra o Romantismo e iniciador da comédia histórica francesa.
Lemercier de Neuville, Louis (1830-1918). Dramaturgo. Criador do Théãtre des Pupazzi (1876).
Lemormier, Camille ( 1 8 44- 1913). Romancista e crítico de arte belga.
Lenin = Vladimir Ilitch Ulianov (1870-1924). Teórico e político comunista. Líder dos bolchevistas
que realizaram junto com o conselho ( soviet ) de operários e soldados de Petrogrado, em 25 de
outubro de 1917, a Revolução Russa. Primeiro-ministro a partir de 1918. Introduziu profundas
reformas socialistas, modificadas mais tarde pela Nova Política Econômica (1921).
Leopardi, Giacomo (1789-1837). Renomado poeta e erudito italiano. Escreveu poemas pessimistas e
satíricos, além de diversos trabalhos de filologia. Autor, entre outros, de Piensieri e Dialogo delia Moda
e delia Morte.
Le Play, Frédéric (1806-1882). Engenheiro e economista. Como senador (1867-1870), representou
um “catolicismo social” paternalista. Autor de Les Ouvries Européens ( 1 885).
Leroux, Gaston ( 1 868- 1 927) .Jornalista francês e autor de romances policiais.
Leroux, Pierre (1797-1871). Filósofo, economista e reformista saint-simoniano; editor do Le Globea. partir
de 1824. Exilado de 1851 a 1859. Autor de De 1’Humanité {IMO) e De lEgalité (1848).
Lesage, Alain ( 1 668- 1 7 47) . Romancista e dramaturgo francês. Autor da obra picaresca LHistoire de
Gil Blas de Santillane (1715-1735).
Lesseps, Ferdinand (1805-1894). Diplomata francês, ministro da França em Madri (1848-1849). Foi um
dos incentivadores da empresa que construiu o canal de Suez (1859-1 869). Presidente da empresa que
iniciou a construção do canal do Panamá (1881-1888).
Le Vavasseur, Gustave (1819-1896). Escritor e bom amigo dc Baudelaire.
Lévy, Michel (1821-1875). Fundador de uma das maiores editoras da França do século XIX. Publicou as
traduções de E. A. Poe por Baudelaire e, depois da morte deste, suas CEuvres Completes.
Le Libérateur. Jornal fundado por Louis-Auguste Blanqui em 1 834 e dedicado aos operários explorados .
Foi publicado somente o primeiro número.
Lion, Margo (1889-1989). Artista de cabaré em Berlim muito conhecida nos anos 1920. Intérprete da
personagem Jenny na versão cinematográfica da Ópera dos Três Vintém , de G. W. Pabst (1931), baseada na
peça de Brecht.
1088 ■ Passagens
Liselotte. Apelido de Charlotte F.lisaheth da Baviera (1652-1722), duquesa de Orléans e cunhada de Luís
XIV. Suas Cartas providenciaram vasta informação sobre a corte.
Lissagaray, Prosper (1831-1901). Jornalista e historiador. Depois de ter participado da Comuna de Paris,
emigrou para a Inglaterra. Autor de Huit Joumées de Mai Derribe les Barricades ( 1 87 1 ) e Histoire de la
Commune de Paris ( 1 876) .
Le Livre des Cent-et-un. Periódico publicado em Paris entre 1831 e 1834. Continha ensaios e poemas,
muitos deles tratavam da vida em Paris e eram redigidos pelos mais famosos escritores da epoca.
Lobau, Georges Mouton, conde de ( 1 770- 1838). Marechal do exército de N apoleão . Deputado liberal
(1828-1830) e comandante-chefe da Garde Nationale (1830).
Lohenstein, Daniel (1635-1683). Dramaturgo barroco alemão. Benjamin comenta sua obra em Unprung
desdeutschen Trauerspiels.
Longchamp. Hipódromo no Bois de Boulogne; inaugurado em 1 857 por Napoleão III.
Longchamps, Charles de (1768-1832). Dramaturgo popular e autor de vaudeviües e óperas, incluindo
Le SéducteurAmoureux (1803).
Loos, Adolf (1870-1933). Arquiteto morávio. Contrapôs-se à art nouveau. Foi um dos líderes da
arquitetura européia moderna, depois da Primeira Guerra Mundial. Viveu em Viena e Paris. Autor
de Ornament undVerbrechen (1908).
Lorette. Moça de costumes levianos. O nome é derivado da igreja Notre-Dame de Lorette, situada num
bairro onde moravam muitas dessas jovens.
Lotze, Hermann (1817-1881). Filósofo alemão. Iniciador do idealismo teleológico que reinterpretava as
idéias de Platão em termos de valores. Sua obra principal, Mikrokosmos, 3 vols. (1856-1864), é inspirada
em Leibniz.
Louvre. Palácio dos reis da França, cuja construção foi iniciada no século XIH e ampliada ao longo dos séculos.
Em 1 682, Luís XIV desloca sua corte do Louvre para Versalhes. Depois de transformado em museu, a
partir de 1793, o edifício adquire sua configuração atual sob Napoleão III.
Louys, Pierre (1870-1925). Homem de letras francês. Autor deAstarté (lírica, 189 1 ),Aphrodite (romance,
1 896) e outras obras.
Lucano. Marcus Annaeus Lucanus (39-65 a.C). Poeta romano nascido em Córdoba. Traído em uma
conspiração contra Nero. Autor da narrativa épica Pharsalia ou Bellum Civile , sobre a guerra entre César e
Pompeu.
Luís Filipe (1773-1850). Descendente da linhagem Bourbon-Orléans. Membro do Clube dos Jacobinos,
em 1790, e coronel no exército da Revolução. Viveu em Filadélfia (1796-1800) e na Inglaterra, depois
retornou à França, para administrar suas terras e capitais, entre 1817el830.Na Revolução de J ulho foi
proclamado "rei burguês” porThiers e eleito pela Câmera dos Deputados como monarca constitucional
em 7 de agosto de 1830. Seu reino, de 1830-1848, é conhecido como a Monarquia de Julho. Esse
período, em que o governo procurou representar o “juste milieu”, caracteriza-se pela estabilização da
burguesia no poder, principalmente através do seu domínio na indústria e nas finanças. Dermbado pela
Revolução de Fevereiro de 1 848, o rei abdicou e retirou-se para a Inglaterra.
Luís Napoleão. Vir Napoleão III.
Anexos ■ 1089
Luís o Grande = Luís XIV (1638-1715). Rei da França de 1643 a 1715; conhecido como o Rei Sol,
era símbolo da monarquia absolutista. Sua corte, instalada no Palácio de Versalles, era a mais esplêndida
da Europa. Durante seu reinado, as artes na França estiveram no seu auge.
Luís XII (1462-1515). Duque de Orléans (1465-1498) e rei da França (1498- 1515). Seu reinado foi
marcado por amplas reformas que lhe valeram o título de “pai do povo”.
Luís XVIII (1755-1824). Neto de Luís XV e irmão de Luís XVI, ele emigrou em conseqüência da
Revolução. Depois da queda de Napoleão é restaurada a dinastia dos Bourbons. Luís XVIII foi rei da
França de 1814 a 1824— exceto o breve período dos “Cem Dias” de Napoleão (em 1815)—, praticando
uma política moderada c conciliadora.
Lutécia. Nome antigo de Paris. A partir de um povoado de pescadores, estabelecido por volta de 200 a.C.
na Ile de la Cité, nasceu no primeiro século d.C. a cidade galo-romana de Lutetia. O nome significava
em celta “canteiro naval sobre um rio” e em latim “cidade do lodo”.
Mabille, Pierre (1904-1952). Médico e escritor simbolista. Diretor editorial da famosa revista de arte
Minotaure. Entre suas obras estão La Construction de IHomme (1936), Egrégores, ou La Vie des
Civilisations ( 1 93 8) , e Le Miroir du Merveilleux (1940).
MacOrlan, Pierre. Pseudônimo de Pierre Dumarchais (1882-1 970). Escritor ligado ao grupo surrealista
formado ao redor de Guillaume Apollinaire e Max Jacob. Entre seus romances, notáveis por sua mistura
de fantasia e realismo, estão Le Quai des Brumes (1927) e Le Negre Léonard et Maitre JeanMullin
(1920). Foi resenhado por Walter Benjamin.
Madame Bergeret. Personagem do romance em quatro volumes Histoire Contemporaine ( 1 897-1 901),
de Anatole France.
Madame Bovary (1856). Romance de Gustave Flaubert, narrando a história de uma mulher que comete o
adultério numa cidade provinciana e eniediante. Crítica contundente aos hábitos burgueses do século
XIX.
La Madeleine. Nome popular da igreja Sainte-Marie-Madeleine, simada ao norte da Placc dc la Concorde,
no início dos boulevards. Iniciada em 1 764, com aspecto de templo romano, foi cogitada para usos
diversos - Palácio legislativo, Biblioteca, Bolsa, Tribunal de Comércio, Banco da França e, sob Napoleão,
templo à glória da Grande Arrnée -, recuperando sob Luís XVIII sua função original.
A Mãe {laMerè). O messias feminino dos saint-simonianos. Vários deles esperavam sua vinda de algum
lugar do Oriente, possivelmente do mundo da prostituição.
As Mães. Figuras mitológicas da rragédia fausto //(1832), deGoethe.
Maeterlinck, Maurice (1 862-1949). Poeta, dramaturgo e ensaísta belga. Mudou-se para Paris em 1896.
Influenciado pelos simbolistas. Autor de Pelléas et Mélisande (1892), Le Trésor des Humbles (1896) e
LOiseau Bleu ( 1 908) .
Magasin de nouveautés. Grande loja que oferecia uma seleção completa dc mercadorias cm várias
especialidades. Dividida em setores específicos, estendia-se por vários andares, ocupando um grande
número de empregados. O primeiro magasin de nouveauté, Pygmalion, foi aberto em Paris em 1793.
Maillard, Firmin (1833-1901). Jornalista francês. Autor de livros sobre a imprensa e a cidade de Paris.
Maillard, L. Y. Jovem republicano exilado que manteve correspondência com Louis-Auguste Blanqui em
1852.
1090 ■ Passagens
Makart, Hans (1840-1884). Pintor austríaco de cenas históricas, com um estilo opulento imitativo do
barroco quinhentista e seiscentista.
Malassis. Ver Poulet-Malassis, Auguste.
Malebranche, Nicolas (1638-171 5). Filósofo que procurou reconciliar as idéias cartesianas com as ideias
augustinas. Em sua principal obra, De la Recherche de la Verité ( 1 674-1678) , argumenta que enxergamos
todas as coisas em Deus”, sendo que a natureza humana é incognoscível.
Malibran, Maria (1808-1 836). Cantora francesa de ópera. Estreou com o Barbeiro deSevilha de Rossini, em
1825.
Mandeville, Bemard (l670?-1733). Filósofo e satírico nascido na Holanda, mudou-se para Londres. Autor
da sádra política TheFable oftheBees, orPnvateVices, Public Benefits (17 14).
Mapali. I4rGaneau.
Marais. Bairro popular na região central de Paris. Local de uma insurreição republicana em abril de 1 834,
durante a qual ocorreu uma chacina por parte das tropas governamentais. O inc.dente foi tematiza o por
Daumier na litografia La Rue Transnonain.
Marat, Jean-Paul (1743-1793). Político da Revolução de 1 789, ligado aos jacobinos radicais. Assassinado
em sua banheira por Charlotte Corday.
Marcelin, Louis (1825-1887). Caricaturista do Journal Amuscmt. Associou-se a Nadar. Em 1862, fondou
o jornal La Vie Parisienne, que publicou obras de Baudelaire.
Mardonitas. Partidários de uma seita cristã dos séculos II e III, que rejeitaram o Antigp Testamento. Consta
que os papéis de liderança eram exercidos por mulheres.
Marengo. Aldeia no nordoeste da Itália, onde Napoleão obteve, em 14 de junho de 1800, uma vitória
sobre os austríacos.
Marey, Etienne (1 830-1904). Fisiologista. Estudou os fenômenos elétricos em animais. Inventou o revolver
cronofotográfico ’, em 1 882, que tirava uma série de fotografias de pássaros em vôo.
Marie, Pierre Thomas Alexandre (1795-1870). Advogado, político e jornalista; colaborador da rev.sta
LAteliere de Ledru-Rollin. Membro do governo provisório de 1 848; ministro dos trabalhos pu icos.
Encarregado da organização das Oficinas nacionais {ateliers nationaux).
Marie-Louise (1791-1847). Filha do imperador Francisco I daÁustria; segunda esposa (1810) deNapoleaol.
Marivaux, Pierre (1688-1763). Dramaturgo e romancista francês.
Marlitt. Pseudônimo de Eugénie John (1825-1887). Autora de romances populares publicados na revista
Die Gartenlaube.
Marmousets. Conselheiros de Carlos V, rei da França, 1 364- 1380.
Martin du Nord, M. (1790-1847). Político liberal, membro da Câmera de Deputados e opositor da
Monarquia de Julho. Sua proposta, em 1 838, do financiamento das ferrovias pelo governo, foi derrotada.
Martin, John (1789-1854). Pintor inglês conhecido por seus quadros de força imaginativa selvagem, como
Belshazzars Feast( 1821), The Fali ofNinevah (1828), TheEveoftheDeluge{\MD).
Martinist VérSaint-Martin, Louis.
Anexos ■ 1091
Marx, KarL (1818-1883)- Filósofo; prindpal representante do materialismo histórico-dialético e do socialismo
científico. O malogro da Revolução de 1 848 levou-o a viver no exílio em Londres. Um dos fundadores da
Primeira Internacional Socialista (1864). Principais obras: A Ideologia Alemã (1845/46), Manifesto do
Partido Comunista (1848)— ambos em colaboração com Friedrich Engels; 0 18 Brumário de Luís Bonaparte
(1852), Contribuição à Critica da Economia Política (1859); O Capital (vol. 1, 1867;vol. II, 1885; vol.
III, 1894).
Maturin, Charles (1780-1 824). Romancista e dramaturgo irlandês. Autor de Melmoth the Wanderer ( 1 820)
e outros romanceiros góticos.
Mauclair, Camille (1872-1945). Autor de obras de literatura, música e pintura, incluindo estudos sobre
Maeterlinck(1900), Baudelaire(1927), Pleine (1930), Poe (1932) eMallarmé(1937).
Mayeux. Personagem corcunda de uma farsa popular, retratado por Charles Traviès de Villers em cerca de
1 60 litografias publicadas em La Caricature , entre outros. Representado como um “boneco priápico”, ele
personificava o pequeno-burguês patriota.
McAdam, John (1756-1836). Engenheiro britânico que introduziu um novo sistema de construção de
estradas com pedras trituradas (estradas “macadamizadas”).
Mehring, Franz (1846-1919). Socialista, historiador e panfletário alemão. Ajudou a organizar o Partido
Comunista alemão.
Meilhac, Henri (1831-1897). Dramaturgo francês. Colaborou com Ludovic Halévy em óperas leves e
comédias, incluindo Froufrou (1869) e Loulou (1876).
Meissonier, Jean (1815-1891). Pintor conhecido por seus pequenos quadros de gênero, sobretudo de
temas militares, executados com esmero.
Méliès, Georges (1861-1938). Mágico profissional e cinegrafista popular pioneiro. Diretor de Le Voyage
dans la Lune{\ 902) e outras ficções.
LesMémoires du Diable. Romance de folhetim de Frédéric Soulié, publicado em 1 837- 1 838 na Revuede
Paris.
Mendès, Catiille (1841-1909). Fundador da Revue Fantaisiste ( 1 859) eedkoi de LePctmasse Contemporain
(1866-1876). Amigo de Baudelaire e Gautier.
Ménilmontant. Bairro operário a Lesce de Paris. Formou, a partir de 1 860, o 20° arrondissement, juntamente
com os bairros de Belleville e Charonne. Em 1 832, foi fundada neste bairro uma comunidade saint-
simoniana por Enfàntin.
Méphis (1838). Romance de Flora Tristan.
Merezhkovski, Dmitri (1865-1914). Escritor russo que se mudou para Paris em 1 9 17. Autor de estudos
críticos, romances históricos, biografias e peças.
Meryon, Charles (1821-1868). Gravurista francês. Amigo de Baudelaire.
Mettemich, Príncipe Clemens von (1773-1864). Diplomata e Estadista. Ministro do Exterior (1809) e
depois Chanceler ( 1 82 1 ) do Império da Áustria. Figura central do Congresso deViena(18l4/15), que
defendeu a restauração dos regimes monárquicos na Europa Principal representante da política reacionária
entre 1815 e 1848.
1092 ■ Passagens
Meyerbeer. Pseudônimo de Jakob Beer (1791-1864). Compositor de óperas. Nascido em Berlim,
mudou-se em 1 826 para Paris.
Michel, Louise (1830-1905). Agitadora socialista e anarquista. Partipante da Comuna de Paris (1871),
foi deportada para a Nova Caledónia; retornou depois da anistia (1880) e retomou sua atividade
como agitadora. Condenada a seis anos de prisão (1883), recusou o indulto, em solidariedade a seus
companheiros. Autora de La Commune ( 1 898). Fotografada por Nadar.
Michelet, Jules (1798-1874). Historiador e professor do Collègede France, de 1838 a 1851. Democrata,
anticlerical e anti-semita. Autor de Histoire de France (1 838-1 867), Histoire de la Révolution Française
( 1 847- 1 853) e La Bible de 1’Humanité ( 1 864) .
Mignet, François (1796-1884). Historiador. Editou, com AdolpheThiers, o jornal an ti monarquista Le
National ( 1 830). Autor de Histoire de la Révolution Française ( 1824).
Mirabeau, Honoré, conde de (1749-1791). Orador que se tornou a figura mais importante nos dois
primeiros anos da Revolução de 1789. Filho de Victor de Mirabeau.
Mirabeau, Victor Riqueti, marquês de ( 1 7 1 5- 1 789) . Economista, partidário da fisiocracia. Autor de VAmi
des Hommes, ou Traité sur la Population (1756).
Mirbeau, Octave (1850-1917). Jornalista radical e romancista que atacou todas as formas de organização
social. Fundador do semanário satírico Grimaces (1882).
Mirecourt, Eugène (Jacquot) de (1812-1880). Jornalista francês. Autor de uma série deesquetes biográficas
que forçaram sua partida de Paris.
Mires, Jules Isaac (1809-1871). Investidor francês. Financiou ferrovias e jornais. Fotografado por Nadar.
Condenado por fraude, em 1861, acabou sendo absolvido, mas teve sua reputação arruinada.
Les Misérables (1862). Romance de Victor Hugo, que conta a história do ex-presidiário Jean Valjean, tendo
como pano de fundo a Restauração, a Revolução de 1 830, os levantes dos operários de 1 832 a 1 834 e a
Monarquia de Julho.
Misopogon. Ensaio satírico do Imperador Flavius Claudius Julianus (século IV d.C.) sobre os filósofos.
Mistral, Frédéric (1830-1914). Líder do renascimento cultural provençal conhecido como o Félibrige.
Autor de um poema épico, Mirèio (1859), escrito em provençal e francês, sobre a filha de um agricultor
abastado, privada de amor. Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1 904.
Modé, conde Luís (1781-1855). Primeiro-ministro da França de 1 836 a 1 839. Foi um dos deputados que
se opuseram ao golpe de Estado de 1 85 1 .
Mohammed Ali (1769-1849). Oficial e revolucionário nascido naMacedônia. Enviado ao Egito à frente
de uma força otomana, lutou contra o exército francês de Napoleão e conquistou o Cairo. Como vice-
rei do Egito estabeleceu as bases de um Estado moderno.
Les Mohicans de Paris (1854-1859). Romance de Alexandre Dumas, de grande sucesso. História de
detetive na pista de um assassinato, nos anos 1 820, tendo como pano de fundo a vida política e cultural
da cidade de Paris.
Moilin, Tony (1832-1871). Escritor utópico francês. Autor de Paris enl’An 2000 ( 1 869) .
Molènes, Paul de ( 1 82 1 - 1 862). Oficial do exército francês e dândi. Amigo de Baudelaire.
Anexos ■ 1093
Molinari, Gustave de (1819-1912). Economista político belga. Morou em Paris de 1843 a 1851, e a
partir de 1 857. Tornou-se editor de Le Journal des Débats ( 1 867) e Le Journal des Économistes (1881).
Moll, Joseph (1813-1849). Relojoeiro e revolucionário alemão. Membro do Comitê Central da Liga
Comunista. Morto durante uma insurreição em Baden.
Monarquia de Julho (1830-1848). Período do reino de Luís Filipe.
LeMoniteur Universel. Diário publicado em Paris de 1789 a 1901. Foi um órgão oficial do governo de
1799 até 1869.
Monnier, Henri (1805-18 77). Caricaturista e dramaturgo. Criador do personagem popular Joseph
Prudhomme (1830), o burguês típico. Baudelaire tratou dele em “Quelques caricaturistes français”.
Monselet, Charles (1825-1888). Jornalista e crítico. Fundador de La Semaine Théâtrale ( 1 85 1 ) , na qual
Baudelaire publicou críticas e poemas.
Montagne Sainte-Geneviève. Colina situada no Quartier I ntin. Lá encontram-se instituições como a Sorbonne
e o Panthéon.
Montesquieu, Charles (1689-1755). Advogado, homem de letras e filósofo político, cujas teorias liberais
inspiraram a Declaração dos Direitos do Homem e a Constituição dos Estados Unidos.
Montesquiou, Robert de (1 855-1921). Poeta aristocrata e ensaísta. Suposto modelo para os Esseintes de
Huysmans e Charlusàe. Proust.
Montmartre. Colina ao norte de Paris, onde se situa a Basílica de Sacré-Coatr. O panorama sobre a cidade foi
um dos motivos para este bairro tornar-se o local por excelência da bohbne , entre 1871el9l4.
Moréas, Jean ( 1 856-19 1 0). Poeta de origem grega, que fixou residência em Paris em 1882. Colaborou com
os simbolistas e mais tarde com a École Romane. Autor de Les Syrtes ( 1 884) e Stances (1899-1901).
Morgan, Lewis Henry (1818-1881). Etnólogo e arqueólogo americano, estudioso da cultura indígena
norte-americana. Autor de Ancient Society ( 1 877) .
Moulin Rouge. O mais conhecido dos clubes noturnos parisienses, famoso por suas dançarinas de can-can.
Munch, Edvard ( 1 863- 1 944). Pintor e designer norueguês, um dos precursores do Expressionismo, entre
suas obras de maior destaque encontra-se O Grito.
Münchhausen, Barão Karl (1720-1797). Caçador e militar alemão. Seu nome é associado às histórias de
aventura absurdamente exageradas.
Murger , Henri (1822-1861). Escritor que viveu na pobreza, sustentado por Nerval. Escreveu peças para
periódicos, que foram reunidos em 1 848 no livro Scènes de laVie de Bohbne , do qual originou-se a ópera
La Bohbne de Puccini.
Murillo, Bartolomé (1617-1682). Pintor espanhol da escola andalusiana.
Musard, Philippe (1793-1859). Famoso compositor e regente de música para bailes.
Musset, Alfir ed de ( 1 8 1 0- 1 857) . Um dos principais poetas e dramaturgos do Romantismo francês.
Mutualistas. Sociedade secreta de tecelões em Lyon que defendeu a idéia de que as fábricas deveriam ser
tomadas por associações de operários, não por meio de ação revolucionária violenta, mas através de ações
1094 ■ Passagens
econômicas. O nome foi adotado por Proudhon para doutrinas de crédito bancário e organizações políticas
descentralizadas.
Les Mystères de Londres ( 1 8 44). Romance de Paul Féval, em onze volumes.
LesMystères de Paris (1842-1843). Romance de Eugène Sue, publicado em forma de folhetim e com
enorme repercussão popular.
The Mysteries of Udolpho (1794). Romance de Ann Radcliffe.
Nadar. Pseudônimo de FélixTournachon (1820-1910). Fotógrafo, jornalista e caricaturista francês. Amigo
de Baudelaire, a quem fotografou.
Nanteuil, Célestin (1813-1873). Pintor romântico e artista gráfico muito apreciado por Nadar.
Napoleão Bonaparte = Napoleão 1 (1769-1821). Um dos principais chefes militares e soberanos de todos
os tempos. Foi tomado em herói e mitificado, notadamente por Napoleão III, durante o Segundo Império.
Napoleão III. Conhecido como Luís Napoleão Bonaparte ou Luís Napoleão (1808-1873). Sobrinho de
Napoleão I. Viveu no exílio até a morte de Napoleão II, em 1 832, quando assumiu a chefia da família
Bonaparte. Foi eleito deputado para a Assembléia Nacional em 1848 e, em dezembro do mesmo ano,
presidente da República. Por meio de um golpe de Estado, em 2 de dezembro de 1 85 1 , tornou-se ditador
e, um ano depois, autoproclamou-se imperador com o título de Napoleão III. Seu tempo de governo
( 1 852- 1 870), o Segundo Império, terminou com o envolvimento da França na guerra franco-prussiana
(1870-1871). Napoleão III foi feito prisioneiro na batalha de Sedan, em 2 de setembro de 1 870. Deposto
pela Assembléia Nacional em 1 de março de 1 87 1 , retirou-se para a Inglaterra, onde faleceu.
Nargeot, Clara, nascida Thénon (1829-?). Pintora francesa. Fez um retrato de Baudelaire.
Nash, J oseph (1809-1878). Aquarelista e litógrafo inglês .
Le National. Diário publicado em Paris de 1830 a 1851. Durante os anos 1 840 cra o órgão dos republicanos
moderados.
Naville, Pierre (1904-1993). Surrealista co-editor dos primeiros números dc LaRévolution Surréalisttr,
também escreveu sobre sociologia urbana.
Nazarenos. Grupo de pintores alemães (Johann Overbeck, Philipp Veit, Franz Pforr, Cornelius) que se
estabeleceu em Roma em 1 8 1 0 e ficou ativo até 1 830. Eles intencionavam resgatar o espírito religioso na
arte.
Nerval, Gérard de. Pseudônimo de Gérard Labrunie (1808-1855). Célebre escritor e excêntrico francês,
que cometeu suicídio. Traduziu o Fausto de Goethe. Autor de Voyage en Orient (1848-1850), Les Illuminés
(1852), Les Filies de Feu (1854) e Aurélia (1 855).
Nesselrode, Karl Robert, conde de (1780-1862). Chanceler da Rússia, de 1845 a 1856. Participou das
negociações sobre o Tratado de Paris que pôs fim à Guerra da Criméia (1853- 1856) .
Nettelbeck, Joachim (1738-1824). Oficial da Prússia cujas memórias, Eme Lebensbeschreibung, foram
publicadas em 1821.
Neufchâteau, François. Pseudônimo de Nicolas François (1750-1828). Político e escritor francês. Ministro
do interior (1797); membro do Diretório (1797-1798); presidente do Senado (1804-1806).
Anexos *1095
Niboyet, Eugénie (1804-?). Feminista que fundou associações de mulheres em Lyon e em Paris. Editora do
periódico La Voix des Femmes.
Nicolaitanos. Seita cristã em Ephesus e Pergamum, possivelmente associada à profetiza Jezebel, condenada
na Revelação (2. 6, 15) por imoralidade.
Niépce, Joseph (1765-1833). Físico francês. Produziu, em 1834, os “heliótipos”, placas dc vidro revestidas
de betume. Associou-se a Daguerre, em 1 829, em experimentos que resultaram na invenção da fotografia.
Nisard, Désiré (1806-1888). Jornalista e crítico literário. Diretor da École Normale Supérieure. Autor de
Histoire de la Littémture Française ( 1 844- 1861).
Nodier, Charles (1780-1844). Homem de letras que participou do movimento romântico. Autor de Les
Vampires (1820). Colaborou com Amédée Pichot no Essai Critique sur le Gaz Hydrogene et /es DiversModes
dÉclairage Artificiei (1823).
Noel,Jules (1815-1881). Pintor francês de paisagens.
Noir, Victor (1848-1870). Jornalista morto numa briga com um primo de Napoleão III. Seu funeral
transformou-se numa manifestação do povo contra o regime.
Notre-Dame de Lorette. Igreja em Paris. Daí o nome de lorettes, operárias que viviam no bairro em volta, no
século XIX, e que também se prostituíam.
Notre-Dame de Paris. A mais importante catedral da França, localizada na Ile de la Cite. Começou a ser
construída em torno de 1 163 e foi concluída por volta de 1300. Tema do romance de Victor Hugo,
Notre-Dame de Paris (1831).
Notre-Dame de Paris (1831). Romance de Victor Hugo que narra a rivalidade entre o padre Cláudio Frollo
e o sineiro corcunda Quasímodo pela cigana Esmeralda, tendo como pano de fundo a Paris medieval .
Nouveauté. Novidade, inovação; artigo de moda. lErMagazin de nouveautés.
Obermann (1 804). Romance epistolar de Étienne Senancour que revela os questionamentos de um rapaz
a respeito da vida social.
Odoievsky, Vladimir (1804-1 869). Escricor russo influenciado por E. T. A . Hofffnann.
OfFenbach, Jacques (1819-1880). Músico e compositor. Nasceu em Colônia, Alemanha, mas adquiriu
cidadania francesa. Produziu, em Paris, várias operetas e óperas bufas que alçaram fama. Dirigiu o Théâtre
de la Garté Lyrique de 1872 a 1976. Sua famosa ópera fantástica Contes d’Hoffmann foi encenada
postumamente.
Oficinas nacionais ( ateliers nationaux ) . Programa de trabalhos públicos criado em Paris durante a Revolução
de Fevereiro de 1 848, atraindo milhares de operários desempregados da França inteira. Difíceis de serem
operacionalizadas, as oficinas foram fechadas pela maioria conservadora eleita em maio, sem que uma
solução alternativa fosse oferecida. Foi isso que provocou a Insurreição de Junho.
Olímpia. Personagem do conto de E. T. A. Hoffmann Der Sandmann (1816) (O homem de areia),
história de um belo autômato feminino.
Ollivier, Émile (1825-1913). Político. Nomeado em 1870 primeiro-ministro de um governo que
precipitou a França na malograda guerra franco-prussiana.
10 % ■ Passagens
Ópera de Paris. Suntuoso teatro da cena lírica francesa, construído entre 1 860 e 1 875 por Charles Garnier.
Situado num bairro de lojas elegantes, boulevards e lazeres, este monumento, pata o qual se abre a perspectiva
da Avenue de 1’Opéra (1854-1878), é considerado o mais belo do Segundo Império.
Orleanistas. Defensores da linhagem de Orléans, paralela à linhagem dos Bourbons, na dinastia real francesa.
Enquanto o rei Luís XIV, filho de Luís XIII, pertencia à casa dos Bourbons, seu irmão mais novo, Filipe, era
da casa Orléans. Desta linhagem descendeu Luís Filipe, rei da França de 1 830 a 1 848.
Orléans, duque Ferdinand Filipe Luís de (1810-1842). Filho do rei Luís Filipe. Participou da Revolução de
1 830; tornou-se duque de Orléans em 1 830. Em 1 837, casou-se com Helena Elisabeth, filha do grão-
duque Frederico Luís de Mecklenburg-Schwerin.
Orphée et Eurydice (Orfeu e Ei i ríd ice) (1762). Ópera de Christoph Gluck.
Orsay, conde Alfred d’ (1 80 1 - 1 852). Modista c pintor francês que acuou em Paris e Londres.
Orsini, Feüce (1819-1985). Revolucionário italiano, participante das revoluções de 1848-1849. Autor de
um atentado contra Napoleáo III (14 de janeiro de 1858). Foi executado em Paris.
Ourliac, Édouard (1813-1848) Escritor francês; autor de Physiologie de l 'Écolier (1842). Colega de Baudelaire
em seus tentos anos.
Owen, Robert (1771-1858). Filantropo e utopista social inglês. Gastou sua fortuna em projetos sociais.
Fundou comunidades de “owenitas”, baseadas no princípio da cooperativa, na Grã-Bretanha e USA (por
exemplo em New Harmony/Indiana, 1825-1828), todas fracassaram. Editou o influente jornal TbeNew
MoralWorld (1836-1844). Autor de A New View ofSociety (1813) eRevolution in Mind and Practice
(1849).
Palais-Royal. Palácio ao norte do Louvre que pertencia, nos anos finais do Antigo Regime, aos duques de
Orléans. A partir de 1780, Luís Filipe de Orléans, associando-se a empresários, instalou no Palais-Royal
galerias com boutiques , cafés, teatros e ambientes de jogo e prostituição, que fizeram desse lugar um
precursor das passagens.
Panizza, Oskar (1853-1921). Polêmico dramaturgo e poeta bávaro. Defendeu em 1 896 que o espírito do
vaudeville estava influenciando a cultura moderna.
Panorama. Instalação exibindo grandes quadros circulares, geralmente vistas de cidades e cenas de batalhas,
pintadas em trompe-Poeil e desenhadas para serem observadas a partir do centro de uma rotunda. O
panorama foi introduzido na França em 1799 pelo engenheiro norte-americano Robert Fulton. A patente
foi adquirida por James Thayer, que instalou duas rotundas no Boulevard Montmartre, uma de cada lado
da Passage des Panoramas. A partir daí foram desenvolvidos o cosmorama, no Palais-Royal (e mais tarde, na
Rue Vivienne); o neorama, que mostrava cenas de interiores; e o georama que apresentava vistas de
diferentes partes do mundo. Em 1 822, Louis Daguerre e Charles Bouton inauguraram, na Rue Sanson,
o seu diorama (que mudou-se mais tarde para o Boulevard Bonne-Nouvelle). As imagens eram pintadas
em tecidos transparentes e exibidas com efeitos de luz. A instalação foi destruída pelo fogo em 1839.
Panthéon. Igreja com uma cúpula grandiosa, construída entre 1 758 e 1 789 na Montagne Sainte-Geneviève.
Assim como a morada dos deuses na Antigüidade clássica, este Pantheón moderno é o mausoléu onde
repousam os grandes homens da França; dentre eles Voltaire, Rousseau e Victor Hugo.
Paris, administração. A capital da França, de 1800 a 1977, foi administrada pelo Prefeito do département
Seine, tendo a seu lado o Prefeito de Polícia, cujas funções eram complementares. Enquanto o préfetâo
départemmtac\m\\Asya. também as funções de prefeito da cidade ( maire ), o préfetdepoliceeTa. o responsável
pelas questões de ordem pública e de segurança.
Anexos ■ 109 /
Parnasianismo. Escola de poeas franceses, liderada por Leconte de Lisle, destacando-se a perfeição técnica e
a exata descrição. Obra principal: a antologia Le Pamasse Contempomin (1866-1 876).
Passagens. As passagens, “galerias de telhados de vidro, revestidas de mármore, atravessando quarteirões
inteiros ’ e abrigando “as mais elegantes lojas”, são para Walter Benjamin o lugar emblemático do mundo
moderno dominado pela mercadoria. Construídas, em boa parte, a partir do início do século XDí, entraram
em declínio no final do século, como a Passage de FOpéra, demolida em 1 924 e evocada por Louis Aragon
em Le Paysan de Paris ( 1 926) . Várias dessas galerias subsistem até hoje, como as Passagens du Caire (de
1798), des Panoramas (1799), Vivienne (1823), Colbert (1826), Véro-Dodat (1826), Choiseul (1827),
Brady (1828), du GrandCerf (1828) ejouffroy (1847).
Patin, Gui (1602-1672). Médico e diretor da Faculdade de Medicina de Paris. Suas cartas espirituosas foram
publicadas postumamente e fidas por muitas pessoas.
Pausânias. Viajante e geógrafo grego do século II a.C. Autor de Periegesis da Grécia.
Paxton, Joseph (1 801-1865). Arquiteto e horticulturista inglês. Planejou a estufe de Chatsworth (1 836-
1840), que serviu de modelo para o Crystal Palace, construído em vidro e ferro para a Primeira Exposição
Universal, em Londres, em 1851. Depois, o Palácio foi transferido e reerguido em Sydenham (1853-
1854).
Le Paysan de Paris (1926). Livro de prosa surrealista de Louis Aragon, que descreve a “mitologia da
modernidade”, a “Passage de 1’Opéra” e o parque “Buttes Chaumonf ’. Esta obra inspirou o projeto das
Passagem de Benjamin.
Pechméja, Ange. Poeta romeno influenciado por Baudelaire. Importante divulgador de Baudelaire na
Europa do Leste.
Pécuchet. Caricatura de Henri Monnier, transformada em personagem por Flaubert em seu romance
Bouvard et Pécuchet (188 1 ) .
Péladan, Joseph, chamado Joséphin (1858-1918). Escritor francês e ocultista que ganhou o título de “Sar”.
Publicou uma série de romances sob o título geral de Décadence La tine.
Pelletan, Charles Camille ( 1 846-19 1 5). Jornalista e político francês. Filho de Pierre Pelletan.
Pelletan, Pierre (1813-1884). Jornalista e político francês. Autor de Les Droits de 1'PIomme (1858), La
Famille, la Mère (1865).
Perdiguier, Agricol (1805-1875). Operário escritor e ativista político; modelo para os personagens de
romances de George Sand e Eugène Sue. Era carpinteiro e começou a escrever para La Ruche Populaire-,
tornou-se um dos editores de LAtelier. Eleito para a Assembléia Constituinte (1848) e para a
Assembléia Legislativa (1849). Autor de Le Livre du Compagnonnage (1840) e Mémoires dun
Compagnon (1864).
Pereire. Os irmãos Jacob Emile ( 1 800-1875) e Isaac ( 1 806- 1 880) eram investidores e corretores em Paris,
associados aos saint-simonianos. Fundaram em 1852 o Crédit Mobilier, um novo modelo de banco
comercial que se difundiu pela Europa.
Périer, Casimir (1777-1832). Banqueiro, investidor e político francês. Tomou-se primeiro-ministro (1831-
1 832) no governo de Luís Filipe. Em dezembro de 1 83 1 , usou o exército para reprimir a revolta dos
tecelões Icanuts) de Lyon.
Perret, Auguste (1874-1954). Arquiteto que desenvolveu as possibilidades estruturais do concreto armado.
Junto com seus irmãos Gustave e Claude construiu com esse novo material o primeiro prédio de
apartamentos em Paris.
1098 ■ Passagens
Pestalozzi, Johann Heinrich ( 1 746- 1 827). Reformista educacional suíço, influenciado por Rousseau.
Diretor de uma escola experimental em Yverdon entre 1805 e 1825.
La Phalange. Periódico fourierista publicado em Paris de 1832 a 1849.Tevecomo subtítulo: Revue deLt
Science Sociale.
Pherecydes de Syros. Filósofo grego do século VI a.C. Autor de uma genealogia dos deuses, da qual
permanecem apenas fragmentos.
Philipon, Charles (1800-1862). Jornalista e caricaturista francês, que foi preso diversas vezes. Fundou e
editou o semanário La Caricature to diário Le Charivari, no qual atacou Luís Filipe. Tornou-se editor de
HonoréDaumierem 1830.
Picabia, Francis (1879-1953). Pintor, poeta e dândi francês. Colaborou com o Cubismo, o Dadaísmo e o
Surrealismo. Construtor das “máquinas” imaginárias.
Pigal, Edme-Jean (1798-1872). Pintore ilustrador. Comentado por Baudelaire em “Quelques caricaturistes
fiançais”.
Pinard, Ernest (1822-1909). Procurador nos julgamentos de Madame Bovary e Les Fleurs du Mal.
Tornou-se ministro do interior em 1867.
Pinelli, Bartolomeo (1781-1835). Pintore boêmio italiano.
Piscator, Erwin (1893-196 6). Diretor de teatro do Expressionismo alemão.
Plateau, Joseph (1801-1883). Físico belga. Desenvolveu o método estroboscópico para o estudo do
movimento vibratório. Inventou o fenaquistiscópio (do grego, “visão ilusória”) , em 1 832.
Plekhanov, Georgi (1857-1918). Filósofo político russo. Depois de 40 anos no exílio, tornou-se o líder-
intelectual do movimento social democrata na Rússia; teve influência sobre o pensamento de Lênin.
Pokrovski, Mikhail (1868-1932). Historiador marxista russo e funcionário do governo. Oponente de
Trotzki no início dos anos 1920. Autor de Russian History , 4 vols. (1924).
Pompadour, Madame de (1 72 1 - 1 764) . Amante de Luís XV da França; estabeleceu-se na corte em VersaUes
a partir de 1745. Controlou inteiramente o rei e sua política.
Ponroy, Arthur. Escritor cujo pai fundou um jornal conservador em Chateauroux, no sul de Paris, do qual
Baudelaire foi brevemente editor-chefe (1 848) .
Ponson du Tertail, Pierre-Alexis (1829-1871). Autor popular de romances de folhetim, tais como
Exploits de Rocambole, que foram publicados numa coleção de vinte e dois volumes em 1 859.
Pont d’Austerlitz e Pont Neuf. Duas das 36 pontes da capital francesa sobre o Rio Sena. A Pont
d’Austerlitz localiza-se perto da estação ferroviária do mesmo nome. A Pont Neuf, que é a mais antiga
de Paris, é representada numa famosa gravura de Charles Méryon.
Pontmartin, Armand de ( 1 8 1 1 - 1 890) . Crítico conservador. Autor de Jeudis de Madame Charbonneau,
panfleto literário pelo qual atacou celebridades da época (1862); artigos reunidos sob os títulos
“Causeries littéraires” (1854-1856); “Semaines littéraires” (1861-1864) e “Causeries dusamedi”
(1857-1892). Baudelaire o chamou de “pregador de sala de visitas”.
Anexos ■ 1099
Posillipo. Promontório na baía de Nápoles.
Pottier (Potier), Eugène (1816-1887). Poeta rev r olucionário e compositor. Membro da Comuna de Paris
e da Internacional Comunista. Seus poemas estão reunidos em Cbants Révolutionnaires (1887).
Poulet-Malassis, Auguste (1815-1878). Editor francês e bibliófilo. Amigo próximo de Baudelaire em seus
anos tardios. Publicou as duas primeiras edições de LesFleursduMal.
Pradier, James (1792-1852). Escultor neoclássico francês.
Prarond, Emest (1821-1909). Poeta francês e historiador da Picardie. Amigo de Baudelaire.
La Presse. Diário publicado em Paris a partir de 1 836. Durante a década de 1 840, era um órgão da
oposição. Foi o primeiro jornal a baixar o preço da assinatura para 40 francos e a publicar anúncios e
romances de folhetim.
Prévost, Pierre (1764-1823). Pintor francês.
Privat d Anglcmont, Alexandre (1815-1859). Homem de letras e boêmio que colaborou com
Baudelaire em Mystères Galants des Théâtres de Paris. Escreveu para LeSzèdee outros jornais. Autor de
Paris Inconnu (1861).
Protot, Eugène (1 839- 1921). Jornalista e advogado. Seguidor de Blanqui e membro da Comuna de Paris.
Mais tarde atacou Engels e outros marxistas.
Proudhon, Pierre-Joseph (1809-1865). Pensador político, considerado o pai do anarquismo. Defendeu
um sistema de pequenos proprietários livres, baseado numa organização econômica mutualista, a ser
alcançada por meios não-revolucionários. Autor de Qu 'est-ce que la Propriété ? ( 1 840) e editor do jornal
Le Représentant du Peuple. Participou na criação da Primeira Internacional Socialista (1 864).
Prudhomme, René. VerSuUy Prudhomme, René.
Przybyszewski, Stanislaw ( 1 868- 1 927). Escritor polonês influenciado por Nietzsche. Autor de ensaios,
romances, poemas em prosa e peças.
Pyat, Félix (1810-1889). Dramaturgo e político francês. Um dos líderes da Comuna de Paris e um
representante dos socialistas revolucionários na Câmera dos Deputados em 1888.
Quartier (bairro). Diferente do arrondissement, que é uma subdivisão administrativa, o quartier ou bairro
possui um caráter mais histórico e cultural.
Quartier Latin. Bairro à margem esquerda do Sena que concentra muitas instituições ligadas à vida intelectual
de Paris, sobretudo a Sorbonne. Seu nome provém do fato de, até 1789, o latim ter sido a língua oficial de
ensino na França e utilizada cotidianamente por mestres e alunos neste bairro.
Quinet, Edgar (1803-1875). Escritor e político francês; colaborou com Julcs Michelet. Aclamou a
Revolução de 1848; exilado de 1852 a 1 870. Autor dos poemas épicos Napoléon (1836), Prométhée
(1838) e do poema em prosa Ahasvérus ( 1 833), no qual a figurado Judeu Errante simboliza o progresso
da humanidade.
Rachel. Nome artístico de Elisa Félix (1820-1858). Atriz francesa famosa por seus papéis como Fédra,
Lucrécia e Cleópatra. Morreu de tuberculose.
Raffet, Denis (1804-1860). Ilustrador francês. Colega de Daumier. Tornou-se conhecido pelas suas
litogravuras de cenas de batalha.
1100 a Passagens
Ragaz. Spa no Vale do Reno perto de Chur, na Suíça.
Raphael, Max (1889-1952). Historiador francês de arte; estudioso de Georg Simmel e Heinrich
Wõlfflin. Morou em Paris entre os anos dc 1932 e 1939.
Rastignac, Eugène. Personagem do romance LePère Goriot( 1834-1835) e de outros romances de Balzac.
Ratapoil (“Rato Cabeludo”). Personagem criado por Daumier em 1850 como uma personificação do
militarismo. Caricatura de Luís Napoleão.
Rattier, Paul Ernest de. Autor da obra utópica Paris N' existe Pas (1 857).
À la Recherche du Temps Perdu (1913-1927). Romance de Marcei Proust, em sete volumes, construído de
forma não linear, em que o narrador reconstrói sua vida e desenha um retrato crítico da sociedade, através
de uma pesquisa minuciosa do funcionamento da memória.
Redern, Sigismond, conde de (1 755- 1 835). Embaixador da Prússia na Inglaterra. Estabeleceu em 1 790
uma parceria comercial com Saint-Simon, com quem compartilhava o entusiasmo pela ciência e a reforma
social. A parceria foi dissolvida em 1 797, mas Redern mais tarde ajudou no sustento de Saint-Simon
(1807-1811).
Redon, Odilon ( 1 840- 1916). Pintor e gravurista francês, identificado com a escola pós-impressionista.
Famoso por suas pinturas de flores.
La Reforme. Diário publicado em Paris de 1 843 a 1 8 50 por democratas republicanos e socialistas.
Reinada, Salomon (1858-1932). Arqueólogo francês, diretor do Musée de Saint-Germain. Autor de Orpheus:
Histoire Générale des Religions (1909), dentre outras obras.
Rellstab, Ludwig (1799-1860). Romancista, poeta e crítico musical do jornal Vossische Zeitung, editado em
Berlim. Autor de Paris im Frühjahr 1843 ( 1 844) .
Renan, Ernest (1832-1892). Filólogo e historiador francês. Autor de De 1’Originedu Langage (1858) e La
Vie dejésus ( 1 863) .
René (1802). Romance autobiográfico de François-René de Chateaubriand que narra o impossível amor de
René pela jovem Charlotte Ives.
Renouvier, Charles (1815-1903). Filósofo idealista. Autor de Le Personnalisme (1902), dentre outras obras.
República, Primeira - . A Primeira República Francesa é proclamada em 21 de setembro de 1792 pela
Convenção Nacional - com a introdução de um calendário revolucionário - e dura até maio de 1 804,
quando Napoleão I assume o título de Imperador.
República, Segunda -. A Segunda República na França é proclamada em 24 de fevereiro de 1 848 pelo
governo provisório (Lamartine, Ledru-Rollin, Louis Blanc), que substituiu a Monarquia de Julho.
Termina em 1 de dezembro de 1852 com o golpe de Estado de Luís Bonaparte, que inaugura o
Segundo Império.
República, Terceira-- (1870-1940). Depois da derrota de Sedan e da prisão de Napoleão III, em 2 de
setembro de 1 870, formou-se um governo provisório republicano sob Léon Gambetta. Era a transição
para a República, reinstaurada em fevereiro de 1 87 1 , sendo eleito Adolphe Thiers como seu primeiro
presidente. ATerceira República, cuja Lei Constitucional foi promulgada em fevereiro de 1 875, durou
até junho de 1 940, quando a França foi invadida pelo exército alemão.
Anexos ■ 1 101
Restauração (1814/15-1830). Reinstauração da dinastia dos Bourbons no governo da França, depois da
queda de Napoleão. De 1814 a 1824 - exceto o breve período dos “Cem Dias” de Napoleão (em
1 8 1 5) o rei foi Luís XVIII. Com sua morte, a coroa passou para Carlos X, que ficou no poder até a
Revolução de 1830.
Restifde la Bretonne. Pseudônimo deNicolas Restif (1734-1 806). Romancista cujas temáticas lhe valeram
o apelido de “Rousseau dos desvalidos”.
Rethel, Alfired (1 816-1859). Pintor de modvos históricos e artista gráfico alemão.
Revolução de 1789. A Revolução Francesa, que se estendeu sobre uma década, de 1789 a 1799, foi um
dos mais importantes eventos na história da humanidade e constitui, juntamente com a Revolução
Industrial, o principal marco da História Contemporânea e da Modernidade. Ver suas principais fases:
Assembléia Nacional Constituinte (1789-1791), Assembleia Nacional Legislativa (1791-1792),
Convenção Nacional (1792-1795) e Diretório (1795-1799). A experiência da Grande Revolução
repercutiu nas Revoluções de 1830 e 1848 e na Comuna de Paris, de 1871-
Revolução de 1830 (Julho, Revolução de -). Aconteceu em Paris, durante “os três dias gloriosos”, 27, 28
e 29 de julho, contra o governo de Carlos X, que defendeu a política dos “legitimistas” ou “ultras” e
promulgou ordenanças restringindo as liberdades políticas. Levou à proclamação de Luís Filipe como
“rei burguês”, que representava, de 1 830 a 1 848, a Monarquia de Julho.
Revolução de 1 848 (Fevereiro, Revolução de .-). A atitude intransigente do rei Luís Filipe diante dos
clamores por uma reforma eleitoral levou à derrubada do seu governo. A Monarquia de Julho foi
substituída por um governo provisório que proclamou a (Segunda) República.
La Revue des Deux Mondes. Revista quinzenal literária e política publicada em Paris desde 1 829.
Reynaud, Jean (1806-1863). Filósofo influenciado por Saint-Simon. Autor de Terreet Ciel{ 1854), obra
condenada por um conselho de bispos em Périgueux.
Reynold, Gonzague de (1880-1970). Historiador suíço. Autor de La Démocratie et la Suisse (1929) e
LEurope Tragique ( 1 934) .
Ricard, Louis-Gustave (1 823-1873) . Pintor de retratos popular, prezado por Gautier, Baudelaire e Nadar.
Riquet, Pierre (1604-1680). Engenheiro. Planejou o Canal de Langucdoc, que conectava o Mar
Mediterrâneo ao Oceano Adântico. Financiou a obra com sua própria fortuna, durante o período de Louis
XVI. A obra foi finalizada seis meses após sua morte.
Rivière, Jacques ( 1 886- 1 925) . Romancista e crítico. Defendeu Proust, Stravinsky e Nijinsky. Editor da
Nouvelle Revue Française (1919-1925).
Robespierre, Maximilien François de (1758-1794). Líder político radical dos jacobinos na Revolução de
1789. Principal responsável pelo regime do Terror (1793-1794), que levou à guilhotina, entre outros,
Jacques Hébert e Georges Danton. Executado por ordem do Tribunal Revolucionário.
Rocambole (1 859). Romance folhetinesco de Pierre Ponson duTerrail. Trata-se da história de um defensor
misterioso dos fracos contra os fortes.
Rochefort, Henri (1830-1913). Jornalista, escritor e político. Em 1868, fundou o jornal satírico La
Lanterne , de oposição à Napoleão III. Engajou-se na Comuna de Paris (1871). Autor de La Grande
Boheme (1867), Les Naufrageurs (1876).
1102 ■ Passagens
Rodenbach, Georges (1855-1898). Poeta belga. Associou-se com os simbolistas e com a renovação literária
belga do século XIX.
Rodrigues, Olinde (1794-1851). Banqueiro e intelectual francês (de origem judaica) que tornou-se o
principal colaborador de Saint-Simon em 1824. Ajudou a fundar Le Producteur (1825) e editou a
primeira coletânea dos escritos de Saint-Simon (1832).
Le Roi Prudhomme (1852). PeçadeHenri Monnier.
Rolla (1833). Poema byroniano publicado por Alfred de Musset na Revue des Deux Mondes.
Rollinat, Maurice (1846-1 903) . Poeta francês conhecido por suas recitações no café Le ChatNoir em Paris.
A sua coleção de poemas Névroses (1883) demonstra influências de Baudelaire.
Romains, Jules (1885-1972). Romancista, poeta e dramaturgo. Autor de Les Hommes deBonne Volonté (27
vols.; 1 932-1946) e outros trabalhos. Mudou-se para os Estados Unidos em 1 940.
Rops, Féliden ( 1 833- 1898). Pintor, gravurista e litógrafo franco-belga. Amigo de Baudelaire.
Roqueplan, Nestor (1804-1 870) . Crítico e diretor da Ópera de Paris. Redator-chefe de Le Figaro.
Rossini, Gioacchino (1 792-1868). Célebre compositor italiano de óperas.
Rothschild, James (1792-1868). Banqueiro. Fundou a filial do seu banco em Paris. Deu suporte ao governo
da Restauração e à administração de Luís Filipe.
Rotrou, Jean de ( 1 609-1650) . Dramaturgo francês; ao lado de Corneille, um dos “Cinco Poetas” do cardeal
de Richelieu. Autor de Saint Genest (1646) e Venceslas (1647).
Rouget de Lisle, Claude (1 760- 1 836). Oficial do exército francês e autor de canções. Compôs cm 1 792 um
canto de guerra, zMemelhesa, que se tornaria o hino nacional da França.
Rückert, Friedrich (1788-1866). Poeta, tradutor e professor de línguas orientais em Erlangen e Berlim.
Autor de Deutsche Gedichte (1 8 1 4) e Die Weisheit des Brahmanen (1836-1939).
Ruge, Amold (1803-1880). Escritor alemão, escreveu sobre filosofia e política e foi editor de vários jornais
de esquerda.
Rumford, Conde de. Título de Benjamin Thompson (1753-1814). Físico e aventureiro norte-
americano. De 1784 a 1795 serviu ao Príncipe Eleitor da Baviera, que o nobilitou. Residiu em Paris
a partir de 1802.
Ruy Blas (1838). Peça de Victor Hugo apresentando o amor de um súdito por sua rainha.
Sabatier, Aglaé-Joséphine (1822-1890). Beldade francesa; oferecia jantares aos domingos para o mundo
artístico dos anos 1850. Amiga íntima de Baudelaire.
Sacré-Coeur. Basílica na Butte Montmartre, construída depois da guerra franco-prussiana de 1 870, entre
1 876 e 19 14. Lugar de um dos mais famosos panoramas sobre Paris.
Sadler, Michael (1780-1835). Economista e político inglês. Líder dos conservadores filantrópicos.
Saint-Amant, Marc Antoine Girard (1594-1661). Poeta burlesco francês e um dos primeiros membros
da Académie Française.
Anexos ■ 1103
Sainte-Beuve, Charles Augustin (1804-1869). Um dos principais homens de letras na França em
meados do século XIX. Autor de Vie, Poésies e Pensées de Joseph Delorme (1 829), do romance Volupté
(1834), de versos e de vários volumes de crítica literária.
Sainte-Pélagie. Prisão em Paris onde ficou detido Louis-Auguste Blanqui de 1 861 a 1 865 . Demolida em
1895.
Saint-Germain, conde de (morto por volta de 1784). Aventureiro que vivia em Paris a partir de 1750.
Vangloriava-se de possuir a pedra filosofal e o elixir da vida. Diplomata confidencial de Luís XV.
Saint-Marc Girardin, François (1801-1873). Político e homem de letras. Membro da Câmara de Deputados
(1835-1848). Professor de poética na Sorbonne. Autor de Cours de Littérature Dramatique (1843-
1863).
Saint-Martin, Louis (1743-1 803). Filósofo místico francês, um dos Iluminados, inspirado por Jakob Bõlime.
Os seus seguidores eram conhecidos como martinistas.
Saint-Simon, Henri (1760-1825). Filósofo e reformista social, considerado o fundador do socialismo
francês. Lutou na Guerra de Independência dos Estados Unidos. Fez fortuna com a especulação de terras,
mas perdeu-a rapidamente, vivendo em relativa pobreza durante os últimos 20 anos dc sua vida. Autor de
De la Réorganisation de la Societé Européenne ( 1 8 1 4) , D« Système Industriei (1820-1823 ),Le Nouveau
Christianisme (1825). Suas idéias foram desenvolvidas por discípulos em forma de um sistema conhecido
como saint-simonismo.
Salon. Exposições públicas anuais de arte na França, iniciadas em 1 833, patrocinadas pela Académie Royale
e realizadas nas galerias dos jardins (Tulherias) ao lado do Louvre.
Salon des Étrangers. Luxuosa casa de jogos parisiense freqüentada pelos aliados após Waterloo.
Salut Public. Jornal de curta duração fimdado por Baudelaire, Champfleury e Charles Toubin. Só foram
publicados dois números, em fevereiro e março de 1 848. O nome, que relembra o Comitê de Salvação
Publica (Comité du Salut Public) formado em 1793, foi sugerido por Baudelaire. Seus breves artigos, não
assinados, eram cheios de entusiasmo para a causa do “povo”, a república e um socialismo cristão.
Salvação Publica, Comitê de - (1793-1795). Criado pela Convenção e integrado por líderes políticos
como Danton, Carnot c Robespierre, o Comité du Salut Public representava o poder executivo da
Revolução.
Salvandy, Narcisse, conde de (1795-1856). Ministro da Colonização que convidou o romancista
Alexandre Dumas pai para uma viagem a Tunis financiada pelo Governo a fim de fazer a propaganda
da colonização.
Sand, George. Pseudônimo de Aurore Dudevant (1804-1876). Romancista romântica que apoiou a
união livre nas relações sociais. Seus protagonistas são geralmente camponeses ou operários virtuosos.
Famosa por seus casos com Prosper Mérimée, Alfred Musset e Frédéric Chopin.
Sandeau, Jules (181 1-1883). Romancista e dramaturgo. Curador da Biblioteca Mazarin em Paris.
Sarcey, Francisque (1827-1899). Jornalistaecrítico francês de teatro.
Sauvageot, Charles (1781-1 860) . Arqueólogo e violonista francês. Trabalhou no Opéra de Paris. Reuniu
uma vasta coleção de objetos e obras de arte, sobretudo da Renascença. Sua coleção foi doada ao Louvre em
1856.
1104 ■ Passagens
Schapper, Karl (1812-1870). Um dos líderes do movimento da classe operária na Alemanha e no plano
internacional. Membro do Comitê Central da Liga Comunista. Participou da revolução de 1848-1 849
na Alemanha.
Scheffer, Ary (1795-1858). Pintor figurativo francês, de origem holandesa. Sua obra foi crkicada por
Baudelaire.
Schinkel, Karl Friedrich (1781-1841). Arquiteto e pintor alemão. Adaptou as formas gregas clássicas para
a arquitetura moderna, como no Kõnigliches Opernhaus de Berlim.
Schlosser, Friedrich Christoph (1776-1 861). Historiador alemão. Autor de Weltgescbkhtefiir das Deutsche
Volk , 19 vols. (1843-1857).
Scholl, Aurélien ( 1 833 - 1902 ). Jornalista francês. Amigo de Offenbach e defensor de Zola. Escreveu para Le
Figuro, fundando depois o jornal satírico LeNain Jaune (1863). Autor de LEspritdu Boulevard.
Schuls-Tarasp. Duas cidades vizinhas na região do Unter Engandin, na Suíça.
Schweitzer, Johamt Baptist (1834-1875). Político e escritor alemão. Editor da revista Der Sozialdenwkrat
( 1 864- 1 867). Sucessor de Ferdinand Lasalle na presidência da Associação Geral dos Operários Alemães
(1867-1871).
Scribe, Eugène (1791-1861). Dramaturgo popular. Autor e co-autor de mais de 350 peças e livretos que
expressam as preferências da burguesia.
Sedan, Batalha de - . Vitória decisiva do exército prussiano sobre o exercito francês, em 2 de setembro de
1 870. A prisão de Napoleão III foi um fator simbólico decisivo para apressar o fim da guerra franco-
prussiana.
Segantíni, Giovanni (1858-1899). Pintor italiano influenciado pelo Impressionismo francês. O seu quadro
Punição de Mães Desnaturadas, ou O Infanticídio encontra-se hoje em Viena.
Sena (Seine). Rio cm cujas margens foi construída a Cidade de Paris. De 1795 a 1968, Seine foi um
départementàa. França, cujo prefeito era o chefe administrativo de Paris. ,
Senancour, Étienne ( 1 770-1846) . Escritor francês de inclinação pessimista. Autor do romance epistolar
Obermann (1804).
Senefelder, Aloys (1771-1834). Inventor tcheco da litografia (1796) e da litografia a cores (1826). Foi
inspetor de mapas da Imprensa Oficial da Baviera, em Munique.
Serenus de Antissa (300?-360? d.C.). Matemático grego.
Servandoni, Giovanni (1695-1766). Arquiteto, pintor e cenógrafo italiano. Foi chamado a Paris, em 1724,
para ser o arquiteto do rei. Dentre seus trabalhos, encontra-se a fachada neoclássica da igreja de Saint-
Sulpice, em Paris, e o altar da igreja de Chartreux, em Lyon.
Setembro, Leis de. Promulgadas em setembro de 1835, após o atentado contra Luís Filipe, essas leis
proibiram qualquer crítica contra o governo ou à pessoa do rei; exigiu-se um depósito prévio legal de toda
publicação, inclusive roteiros de peças teatrais.
Sévigné, Madame de ( 1 626- 1 696) . Dama da corte de Versalles na época de Luís XIV e escritora. Famosa por
suas cartas sobre a vida cotidiana no meio aristocrático.
Le Siècle. Diário publicado em Paris de 1836 a 1939. Nos anos 1840 era de oposição, nos anos 1 850
representava os republicanos moderados.
Anexos *1105
Silvy, Camille ( 1 834- 1910). Fotógrafo da primeira geração, admirado por Nadar.
Simonianos. Seita cristã fundada por Simon Magnus no século I a.C. Ele era acompanhado em seu ministério
por uma andga prostituta chamada Helen.
Simplicissimus. Periódico satírico ilustrado, fundado em Munique em 1 896 por Albert Langen e Frank
Wedekind. Seu objedvo principal consistia em questionar o establishmenthm^iès.
Sismondi, Jean Simonde de (1773-1842). Fiistoriador e economista suiço descendente de italianos.
Autor de Nouveaux Príncipes d’Économie Politique (1819) e Histoire des Français (1821-1 844) .
Socialismo utópico. Ver Henri Saint-Simon e seus discípulos (como Chevalier e Enfandn); Charles Fouricr e
seus discípulos (como Considérant e Godin); Pierre-Joseph Proudhon; Robert Owen; Étienne Cabet.
Solferino, Batalha de - . Vitória, em 24 de junho de 1 859, das tropas francesas de Napoleão III e sardo-
piemontesas de Vítor Emanuel II sobre o exército austríaco comandado pelo imperador Franz Joseph.
Decisiva para a independência da Itália. Os horrores desta guerra levaram à fundação da Cruz Vermelha
por Henri Dunant.
Sommerard, Alexandre du (1779- 1 842). Arqueólogo francês que, nos anos 1 830, reuniu uma coleção de
artefatos franceses que foi conservada no Hôtel Cluny em 1 832.
Sorbonne. A Universidade de Paris, fundada em 1 257, no Quartier Latin, como um colégio de teologia.
Soulié, Frédéric (1800-1847). Um dos primeiros autores de romances de folhetim. Escreveu romances
sensacionalistas como Mémoires du Diable ( 1 837- 1838).
Soumet, Alexandre (1788-1 845). Poeta e dramaturgo interessado por temas históricos. Publicou La Divine
Epopéee. m 1840.
Soupault, Philippe (1897-1 990) . Poeta, novelista e homem de letras, envolvido com os movimentos de
vanguarda do início do século XX. Publicou uma biografia de Baudelaire em 1931.
Spartacus (? - 71 )• Líder de uma revolta dc escravos contra o Império Romano. - O nome foi retomado pelos
líderes socialistas alemães Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht, que criaram em 1 9 1 6 a Liga Spartacus,
precursora do Partido Comunista da Alemanha, fundado em 1918.
Spécialité. Ramo especializado da fabricação e do comércio, incluindo também restaurantes e confeitarias.
Spielhagen, Friedrich ( 1 829-191 1). Romancista e dramaturgo popular alemão, participante dos movimentos
democráticos.
Spitzweg, Cari (1808-1885). Pintor alemão de paisagens e de gênero, vinculado ao estilo Biedermeier.
Stein, Lorenz von (1815-1890). Advogado e historiador alemão. Autor de obras sobre o movimento
socialista; entre outras; Geschichte der sozialen Bewegungin Frankreich von 1789 bis aufunsere Tage, 3 vols.
(1850).
Steinlen, Théophile (1859-1923). Artista e ilustrador francês, famoso por seus cartazes e suas litogravuras.
Stem, Daniel. Pseudônimo de Marie Flavigny, condessa d’ Agoult (1805-1876). Historiadora, romancista
e dramaturga que escreveu extensivamente sobre a Revolução de 1 848. Mantinha um salon em Paris,
e foi amante de Franz Lizst, com quem teve uma filha, Cosima, que mais tarde tornou-se esposa de
Richard Wagner.
1106 ■ Passagens
Stevens, Alfred (1828-1906). Pintor belga, conhecido particularmente por suas pinturas de gênero da
sociedade parisiense.
Stifter, Adalbert (1805-1 868) . Escritor austríaco que acreditava que os fenômenos cotidianos demonstram
os princípios da natureza de maneira mais sublime do que os fenômenos prodigiosos. Autor de DieMappe
meines Urgrofvaters ( 1 842) e Bunte Steine (1853). Tema de um breve ensaio de Walter Benjamin (1918).
Strabo (63 a.C.-24 d.C.). Geógrafo e historiador grego que trabalhou em Roma durante a época de
Augustus. Autor de Geogpaphika.
Suchet, Loufs-Gabriel (1772-1826). General sob Napolcão.
Sue, Eugéne (1804-1857). Romancista popular da vida urbana e um dos principais representantes do
romance de folhetim. Um dândi parisiense que viveu no exílio depois do golpe de Estado de 1 85 1 . Autor
de Les Mystères de Paris (1842-1 843) e Le JuifErrant ( 1 844- 1845).
Sully Prudhomme, René (1839-1907). Poeta francês; um dos líderes do Parnasianismo na tentativa de
introduzir a filosofia positivista na poesia.
Swedenborg, Emanuel (1688-1738). Cientista, filósofo e teólogo sueco. Autor de Arcana Coelestia
(1749-1756). Seus seguidores organizaram a Nova Igreja de Jerusalém.
laine, I lippolyte Adolplie (1828-1 893). Filósofo e historiador francês; um dos principais representantes
do positivismo. Professor de estética e história da arte na Ecole des Beaux-Arts (1864-1883). Entre
suas obras estão Essais de Critique et d’Histoire (1855), Histoire de la Littérature Anglaise (1865),
Origines de la France Contemporaine (1871-1894).
Talleyrand-Périgord, Charles (1754-1838). Clérigo e estadista francês. No Congresso de Viena (1814-
1815) representou a França com muita habilidade diplomática. Aliado aos liberais, preparou a
ascensão ao trono de Luís Filipe de Orleans, em 1 830. Suas Memórias foram publicadas em 1891.
Talma, François (1763-1826). Famoso ator trágico francês. Um dos preferidos de Napoleão.
Taylor, FrederickWinslow (1856-1915). Engenheiro norte-americano, que pesquisou os princípios
da eficiência. Autor de The Principies ofScientific Management (1911).
Tennópilas. Desfiladeiro na Grécia, celebrizado pela resistência heróica, em 480 a.G, de trezentos guerreiros
espartanos, sob o comando de Leónidas, contra o exército persa de Xerxes.
Terrasson, Jean, abade (1670- 1750). Maçom e membro da Académie Française, que tomou o partido dos
“modernos” em seu debate com os “antigos”. Seu romance Séthos (1731) combina a instrução política com
a iniciação à maçonaria.
Thérèse Raquin (1867). Romance de Emile Zola, que narra os amores de Thérèse e Laurent e suas
conseqüências morais, marcando a adesão do autor ao naturalismo.
Thierry, Augustin (1795-1856). Historiador francês; entre 1 8 14 e 1817, foi assistente de Saint-Simon.
Autor de Conquête de lAngleterre par les Normands ( 1 82 5) e Lettres sur IHistoire de France (1827).
Thierry, Edouard (1813-1894). Poeta e crítico francês, conhecido por seus ensaios sobre o teatro. Amigo de
Baudelaire.
Anexos ml 107
Thiers, Adolphe (1797- 1 877). Político e historiador. Ocupou várias ministérios sob Luís Filipe Durante
o Segundo Império, foi um dos líderes da oposição liberal (1863-1870). Em 1871, ajudou acsrmgar
a Comuna de Paris. Foi eleito o primeiro presidente da Terceira República, cargo que ocupou de 1 871
a 1 873. Entre suas obras estão Histoire de la Révoluúon Française ( 1 823-1 827) e Histoire du Consulat
et de lEmpire (1845-1 862) .
Thomas, Émile ( 1 822- 1880). Engenheiro dvil que, aos vinte e cinco anos, tomou-se diretor e arquiteto-
chefe dos Ateíiers Nationaux (fevereiro a maio de 1848).
Thomasius, Christian (1655-1728). Jurista e filósofo alemão, pioneiro Aa.Aufklãrung. Lecionou na
Universidade de Halle, de onde se afastou por causa do currículo escolástico e das preleções em latim,
sendo a sua preferência o alemão.
Uberius (42 a.C.-37 d.C.). Imperador de Roma (14-37 d.C.) e herdeiro de Augustus.
Tieck, Ludwig (1773-1853). Escritor alemão de poesia lírica, romances, dramaturgia e crítica literária.
Torre Eififel. Com seus 300 m de altura, esta torre, construída entre 1887 e 1889, pelo engenheiro
Gustave Eiffel, no Champ-de-Mars, por ocasião da exposição universal, é o mais famoso símbolo de
Paris. Montada com dois milhões e meio de peças de metal, é um paradigma da construção em ferro e
do princípio de montagem.
Toubin, Charles (1820-1891). Catedrático que escreveu para La Reme des Deux Mondes. Amigo de
Baudelaire e Courbet. Autor de obras sobre folclore e etimologia.
Touraachon, Félix (1820-1910). Ver Nadar.
Toussenel, Alphonse ( 1 803- 1885). Naturalista francês, seguidor de Fourier. Editor do jornal La Pabc. Autor
de LEspritdes Bêtes ( 1 856) e de outras obras de caráter cômico.
Transnonain, Rue - . UrMarais.
Traviès de Villers, Charles (1804-1859). Pintor e caricaturista. Um dos fundadores dos periódicos Le
Charivari (1831) e La Caricature { 1838). Baudelaire comenta sua obra em “Quelques caricaturistes
français”.
Trélat, Ulysse (1795-1 879). Médico e político. Fez parte do conselho editorial de Le National e foi min istro
de obras públicas de maio a junho de 1848.
Três dias gloriosos, os - . Ur Revolução de 1 830.
Tridon, Gustav (1841-1871). Político e jornalista francês. O tenente preferido de Louis-Auguste Blanqui.
Participante da Comuna de Paris. Autor de um escrito anti-semita, Du Molochisme Juif.
Tristan, Flora (1803-1 844) . Escritor radical francês que defendeu um socialismo utópico. Autor de Union
Ouvrière ( 1 843) e LEmancipation de la Femme (1845).
Trophonius. Místico construtor do oráculo de Delfos, que morava em uma caverna na Boeotia. De acordo
com a lenda, depois de sua morte, ele dava respostas proféticas para aqueles que dormiram em sua
caverna.
Troyon, Constant (1813-1865). Pintor de paisagens. Um dos membros do grupo Barbizon. Famoso por
suas pinturas de animais.
1108 ■ Passagens
Tulherias. Amplo jardim entre o Louvrc e a Place de la Concorde. Inicialmente previsto como residência para
Catherine de Médicis (em 1564), abrigou a partir de 1661 um grande teatro, a Salle des Machines.
Ocupadas pela Revolução e servindo depois de residência aos soberanos da França, de Napoleão 1 a
Napoleão III, as Tulherias foram incendiadas pela Comuna em maio de 1 87 1 •
Turgot, Anne Robert ( 1 727- 1781). Político e economista, partidário da fisiocracia; controlador geral das
finanças sob Luís XVI. Suas reformas políticas e sociais encontram resistência nos círculos privilegiados e
resultam na sua demissão em 1776. Entre suas obras estão Lettressurla Tolérance (1753-1754) zRéfkxions
surla Formation et la Distribution des Richesses ( 1 7 66) .
Unold, Max (1885-1 964). Escritor e artista gráfico alemão. Residiu na França de 1 9 1 1 a 1 9 1 3.
Usener, Henmann ( 1 834-1905). Erudito clássico e historiador alemão de religiões. Professor de Aby Warburg.
Vacquerie, Auguste (1819-1895). Jornalista e dramaturgo. Co-fundador do jornal radical LeRappel ( 1 869).
Vaihinger, Hans (1852-1 933). Filósofo alemão que desenvolveu o kantianismo na direção do pragmatismo,
por meio de uma teoria de “ficções” que explicariam o labirinto da vida. Autor de Die Philosopbie des Ais Ob
(1911).
Valjean, Jean. Protagonista do romance Les Misérables (1862), de Victor Hugo.
Vallès, Jules (1832-1885). Jornalistae dramaturgo francês. Fundou LeCridupeuple(\%7\). Membro da
Comuna de Paris. Autor da trilogia Jacques Vingtras (1879-1886).
van de Velde, Hemy ( 1 863-1957). Arquiteto e artesão belga. Um dos líderes do Jugendstil na arquitetura e
nas artes. A sua obra mais importante é Vom neuen Stil (1 907).
Varlin, Louis-Eugène (1839-1871). Encadernador e seguidor de Proudhon. Era um dos líderes da Primeira
Internacional e também um dos membros do Comitê Central da Garde Nationale. Participante da
Comuna de Paris, foi morto pelo exército do governo Thiers.
Varnhagen von Ense, Karl (1785-1858). Diplomata e escritor alemão. Autor de Biograpbische Denkrnale
(1824-1830).
Vaucanson, Jacques de (1 709-1782). Inventor. Construiu, em 1738, o automato O Tocador de Flauta ,
e no ano seguinte, o autômato “O Pato”, cujo movimento imitava o de um pato vivo. Foi bem-sucedido
na automatização da tecelagem da seda.
Vaudeville. Peça de teatro em estilo de comédia leve, pata fins de divertimento.
Vautrin. Personagem vilão de vários romances de Balzac, dentre eles LePère Goriot (1834-1835) clllusions
Perdues (1837-1844).
Vendéia. Província no Oeste da França, que deu o nome a uma insurreição monarquista durante a Revolução
(1793).
Vendôme, Place - . Praça ao norte do Jardim das Tulherias, construída por volta de 1680. Em 1810,
Napoleão ergueu em seu centro a coluna comemorativa de sua vitória em Austerlitz. O monumento foi
destruído por Courbet durante a Comuna, e restaurado pela Terceira República.
Verhaeren, Émile (1 855- 1 9 1 6) . Poeta belga, que fundiu técnicas do Simbolismo e do Naturalismo. Um
dos editores d e.LaJeuneBelgique. Publicou Les Villes Tentaculairese.m 1895.
Anexos ■ 1109
Verlaine, Paul (1844-1896). Um dos principais poetas simbolistas. Autor de Poemes Samnnens 1 1866;.
Sagesse (1881), Les Poetes Maudits ( 1 884) e Elégies (1893;.
Veron, Louis (1798-18 67). Jornalista francês conhecido como Dl Véron. Fundou La Revue de Paris ( 1 829 )
e reavivou Le Constitutionnel{\ 835). Bonapartista depois de 1848.
Vésuviennes. Club de la Légion des Vésuviennes, na Rue Sainte-Apolline; famosa associação feminista
fundada na França no contexto da Revolução de 1848.
Véuillot, Louis (1813-1883). Jornalista e editor de LUnivers Religieux (1843). Autor de Le Pape et la
Diplomatie{\86\), Les Odeurs de Paris (1866).
Vicat, Louis (1786-1861). Engenheiro especialista em materiais de construção, sobretudo no uso do concreto.
Vidocq, François (1775-1857). Aventureiro e detetive francês; serviu sob Napoleão, Luís Filipe e Lamartine.
Autor de Mémoires de Vidocq, 4 vols. (1828-1829).
Vigny, Alfred de (1797-1863). Homem de letras e oficial do exército; líder da escola romântica. Sua obra é
marcada por um pessimismo aristocrático.
Villèle, Jean Baptiste (1773-1854). Líder dos monarquistas ou “ultras” no período da Restauração. Primeiro-
ministro de 1822 a 1828. Crítico da política financeira daMonarquia de Julho.
Villemain, Abel (1790-1870). Político eescritor; secretário da AcadémieFrançaise. Autor de ElogedeMontesquieu
(1 8 1 6) e Essai surle Génie de Pindare (1859).
Villemessant,Jean (1812-1879). Jornalista francês. Fundador de LeFigaro, primeiro (1854) como semanário
e depois ( 1 866) como jornal diário.
Villiers de LIsle-Adam, Auguste (1838-1889). Poeta, dramaturgo e escritor de contos; tun dos iniciadores
da escola simbolista. Autor de Premières Poésies (1856-1858), Contes CrueLs ( 1 8 83) e AxeL (1890).
Viollet-le-Duc, Eugène (1814-1879). Arquiteto responsável pelo renascimento do estilo gótico na França.
Trabalhou na restauração de edifícios medievais, incluindo a Catedral de Notre-Dame, em Paris.
Vireloque, Thomas. Personagem criado pelo ilustrador Paul Gavarni.
Virginie. Personagem do romance Paul et Virginie (1788), de Jacques Bernardin de Saint-Pierre.
Vischer, Friedrich Theodor (1807-1887). Poeta alemão e esteta da escola hegeliana. Autor de Kritische
Gãnge ( 1 844; 1 860) , Ãsthetik ( 1 846- 1 857) e de uma paródia de Goethe: Fausto, Parte III.
Volney, Constantin-François (1757-1820). Erudito francês. Membro dos Estados Gerais (1789). Autor de
Voyage en Egypte et en Syrie (1787), Ruines, ou Méditation sur les Révolutions des Empires ( \19\),LaLoi
Naturelle(\793).
Wallon, Jean (1821-1 882) . Filósofo e amigo de Baudelaire. Traduziu a Lógica de Hegel. Surge na figura de
Colline, personagem principal de Scènes de la Vie de Bohbne, de Henri Murger.
Walpole, Hugh (1884 -1941). Romancista inglês. Nascido na Nova Zelândia, serviu na Cruz Vermelha
russa durante a Primeira Guerra Mundial. Seu livro TheFortress foi publicado em 1 932.
Itarripon, Antonio (1822- 1 864). Jornalista e crítico. Amigo de Baudelaire.
^Eerther. Herói do romance DieLeiden desjungen Werthers {Os Sofrimentos do Jovem Werther, 1774), de
Goethe. O personagem apresenta traços patológicos.
1110 a Passagens
Wheatstone, Charles (1802-1875). Físico e inventor inglês. Realizou experimentos com eletricidade, luz e
som. Inventou o estereoscópio para a observação de imagens em três dimensões, que é ainda usado em
exames de raios-X e fotografias aéreas.
Wiertz, Antoine-Joseph (1806-1865). Pintor belga a quem atraiam em especial os temas mórbidos. Admirado
por Baudelaire.
Wiesengrund. VÉr Adorno, Theodor Wiesengrund.
Wolfskehl, Karl (1 869-1948). Filósofo e poeta judeu alemão. Amigo de Stefan George e Ludwig Klages,
assim como de Benjamin, que escreveu sobre ele. Fugiu da Alemanha em 1 933.
Worth, Charles (1825-1895). Costureiro anglo-francês, protegido da Imperatriz Eugénie. Ditou a moda
francesa durante três décadas.
Wronski, Józef (1778-1 853). Matemático e filósofo polonês. Autor de Messianism: Final Union ofPhibsophy
and Religion (1831 -1839) .
Wuhlgarten. Um instituto para epiléticos em Berlim.
Yverdon. V£rPestalozzi,Johann Heinrich.
Yvon, Adolphe (1817-1893). Pintor francês de motivos históricos e retratos.
Z Marcas (1840). Romance de Balzac, fazendo parte de Scènes de la Vie Politique, que integram La Comédie
Humaine.
Zelter, Karl Friedrich (1758-1832). Compositor francês. Adaptou poemas de Goethe e Schiller. Sua
correspondência com Goethe chega a seis volumes.
GLOSSÁRIO DA TERMINOLOGIA BENJAMINIANA
Alemão - Português
absprengen [ver também heraussprengen e aufsprengen ] = arrancar (por explosão)
der Aesthetiker = o esreta
aesthetische Passion = paixão estética
Âhnlichkeit = semelhança
Andenken [ver também Souvenir] = suvenir
Anschauung = modo de visão, percepção, intuição
Anschaulichkeit = visibilidade
aufblitzen = lampejar
Aufklãrung = Iluminismo, Aufklãrung
aufsprengen [ver também absprengen e heraussprengen ] = fazer explodir
Ausdruckscharakter = caráter expressivo
Ausdruckszusammenhang = relação expressiva
AussteUungswert = valor de exposição
Bedeutung = significado, importância [conforme o contexto]
Basis [ver também Unterbau ] = base
Bild, das schnelle - = a imagem veloz
bildhaft = imagético
bildlich = imagético
Bildphantasie = fantasia imagética
Breitraum = espaço largo
Brunnenhalle = pavilhão termal
calicot = calicot [empregado encarregado das vendas em casas comerciais, c£ arquivo “A”,
nota 2]
compagnonnage = compagnonnage [associação de operários; cf. arquivo “V”, notas 1 e 9]
coulisse = coulisse [pregão paralelo à Bolsa de Valores; cf. [0 9, 1] e nota]
1112 ■ Passagens
Darstellung = apresentação, representação
Detektivgeschlchte [ver também Krimindlroman\ = conto policial
der Dialektiker = o dialético
Dialektik im Stillstand = dialética na imobilidade
dialektisches Umschlagen = reviravolta dialética
Durchdringung = perscrutação, interpenetração
Einfíihlung in den Tauschwert = empatia pelo valor de troca
Eingedenken = rememoração
enseigne = emblema comercial, tabuleta comercial
Entwicklung = desenvolvimento, evolução
Erfahrung [em oposição a “Erlebnis” - “vivência”] = experiência
Erkennbarkeit = cognoscibilidade
Erinnerung = lembrança, recordação
das Erleben [no senrido freudiano] = vivência
das Erlebnis [em oposição a “Erfahrung”] = vivência
Erlõsung = redenção
Erwachen, Versuch zur Technik des = despertar, ensaio sobre a técnica do -
das Ewig-Heutige = o eternamente atual
faubourg = faubourg, subúrbio
die Ferne = o longínquo, a distância
Fetischcharakter = caráter fetichista
der Gehalt = teor
das Geschehen = o acontecimento
das Geschehene = o que aconteceu
Gestus = gestus, postura
das Gewesene = o ocorrido
grand magasin [cf. Warenhaus] = loja de departamentos
Grenze = fronteira [ver também Schwelle\
GroEstadt = cidade grande
der Grübler = o homem meditativo
heraussprengen) [ver também absprengen e aufiprengen ] = arrancar (por explosão)
die Historik = a escrita da história, o escrever a história
Flochkapitalismus = auge do capitalismo
die Hohlform = a forma
das Immergleiche = o sempre-igual
Anexos *7773
das Immer-Wieder-Neue = o sempre-novo
das Interieur = o intérieur
das Jetzt = o agora
das Jetzt der Erkennbarkeit = o agora da cognoscibilidade
das Jetztsein = o ser-agora
die Jetztzeit = o tempo do agora
Jugendstil = Jugendstil [modem style, art nouveaw, c£ Léxico de nomes, conceitos, instituições]
das Kollektiv = o coletivo
Konvolut = arquivo (temático)
kopernikanische Wendung = revolução copernicana
Kriminalroman = romance policial [ver também Detektivgeschichte ]
kultisch = cultual
Kultwert = valor de culto
magasm de nouveautés = magasin de nouveautés [grande loja com mercadorias em várias
especialidades; cf. Exposés, nota 2]
Médium = médium
Merkwelt = universo de memória (coletiva)
Mietskaserne [literalmente “caserna de aluguel”] = habitação popular (berlinense)
Mucken, die theologischen - der Ware = as argúcias teológicas da mercadoria
Mufêe = ócio
MüEiggang = ócio, [com sentido pejorativo:] ociosidade
Nachgeschichte = história posterior
Nachleben = vida posterior
Passion = paixão
Passionsweg = calvário, via crucis
poncif- clichê, estereótipo, lugar-comum [cf. arquivo “J”, nota 2]
Rausch = embriaguez
Rauschmittel = alucinógeno, droga
Rettung = salvação
Schein = aparência
Schriftbild = imagem de escrita
Schwelle = limiar [ver também Grenzé\ , umbral
Schwellenerfahrung = experiência liminar
sectionnement du temps - seccionamento do tempo
Signatur = chancela
1114 ■ Passagens
Sinnbild = símbolo
Souvenir [ver também Andenken] = suvenir
spieíSig = pequeno-burguês filisteu
der Spiefibürger = o pequeno-burguês filisteu [cf. [I 2, 3] e nota]
Sprung = salto, ruptura, descontinuidade [cf. Ursprung]
Spur = rastro, vestígio, pegada(s)
Tauschwert = valor de troca
Technik = técnica, tecnologia
Tiefsinn = meditação
Traumschlaf = sono repleto de sonhos
Traumbild = imagem onírica
Traumhaus = morada de sonho
Traumstadt = cidade de sonho
Trieb = pulsão, libido
Trug = ilusão
Trugbild = imagem enganosa
Uberbau = superestrutura
unscheinbar = aparentemente insignificante
Unterbau [ver também Rans] = infra-estrutura
Unterwelt = mundo das sombras
Urbild = imagem primeva, imagem arcaica, imagem originária
Urgeschichtc = história primeva
Urlandschaft = paisagem primeva
Urphãnomen = fenômeno originário, fenômeno primevo
Ursprung = origem [cf Sprung
Urwort = palavra originária
Urzeit = tempo primevo
Urzelle = célula primeva
vandeville = vaudeville [comédia ligeira, fértil em intrigas, com dança e canções]
Vexierbild = imagem oculta dentro de outra imagem [cf [G 1,2], [I 1,3], [J 60, 4] [J 62,
5], Q 91a, 2]]
Vorgeschichte = história anterior
Vorstellung = idéia, representação
Warenhaus [cf grand magasin ] = loja de departamentos
Weltgeschichte = história universal
Wetter = tempo atmosférico
Anexos ■/ / /_5
Wiederkehr, die ewige -= o eterno retorno
wohnsüchtig sein = ter uma fixação pela moradia
Wunschbild = imagem de desejo
Zeitdifferential = diferencial de tempo
Português- Alemão
o que aconteceu = das Geschehene
o acontecimento = das Geschehen
o agora da cognoscibilidade = das Jetzt der Erkennbarkeit
o agora = das Jetzt
alucinógeno [ver também droga] = Rauschmittel
aparência = Schein
aparentemente insignificante = unscheinbar
apresentação [ver também representação \ = Darstellung
arcaica, imagem - [ver também imagem primeva , imagem origináriá\ = Urbild
as argúcias teológicas da mercadoria = die theologischen Mucken der Ware
arquivo (temático) = Konvolut
arrancar (por explosão) = absprengen
arrancar (por explosão) = heraussprengen, absprengen
base = Basis
calicot = calicot
calvário [ver também via crucis ] = Passionsweg
capitalismo, auge do - = Hochkapitalismus
caráter expressivo = Ausdruckscharakter
célula primeva = Urzelle
chancela = Signatur
cidade de sonho = Traumstadt
cidade grande = Grofistadt
clichê [ver também estereótipo, lugar-comum ] = poncif
cognoscibilidade = Erkennbarkeit
1116 u Passagens
o coletivo = das Kollektiv
compagnonnage = compagnonnage
conto policial = Detektivgeschichte
copernicana, revolução - = kopernikanische Wendung
coulisse = coulisse
culto, valor " = Kultwert
cultual = kultisch
descontinuidade [ver também salto, ruptura ) = Sprung
desenvolvimento [ver também evolução ] = Entwicklung
despertar, ensaio sobre a técnica do - = Erwachen, Versuch zur Technik des
dialética na imobilidade = Dialektik im Stillstand
dialética, reviravolta - = dialekdsches Umschlagen
o dialético = der Dialektiker
diferencial de tempo = Zeitdififerential
a distância [ver também o longínquo\ = die Ferne
droga [ver também alucinógeno] = Rauschmittel
emblema comercial [ver também tabuleta comerciai d = enseigne
embriaguez = Rausch
empatia pelo valor de troca = Einfuhlung in den Tauschwert
escrita, imagem da - = Schriftbild
espaço largo = Breitraum
estereótipo [ver também clichê , lugar-comum ] = poncif
o esteta = der Aesthetiker
estética, paixão - = aesthetische Passion
o eternamente atual = das Ewig-Heutige
o eterno retorno = die ewige Wiederkehr
evolução [ver também desenvolvimento ] = Entwicklung
experiência [em oposição a vivência ] = Erfahrung
experiência liminar = Schwellenerfahrung
explodir, fazer - = aufsprengen
explosão, arrancar por - = absprengen
exposição, valor de - = Ausstellungswert
expressiva, relação - = Ausdruckszusammenhang
expressivo, caráter - = Ausdruckscharakter
fantasia imagética = Bildphantasie
Anexos 777
fenômeno originário [ver também fenômeno primevo \ = Urphánomen
fenômeno primevo [ver também fenômeno originário ] = Urphánomen
fetichista, caráter - = Fetischcharakter
a forma = die Hohlform
fronteira = Grenze
gestus [ver também postura J = Gestus
habitação popular (berlinense) = Mietskaserne
história anterior = Vorgeschichte
história posterior = Nachgeschichte
história primeva = Urgeschichte
história universal = Weltgeschichte
história, a escrita da - = die Historik
história, o escrever a ^ = die Historik
idéia [ver também representação ] = Vorstellung
Iluminismo = Aufklárung
ilusão = Trug
imagem arcaica [ver também imagem primeva , imagem originária ] = Urbild
imagem de desejo = Wunschbild
imagem de escrita = Schriftbild
imagem enganosa = Trugbild
imagem oculta dentro de outra imagem = Vexierbild
imagem onírica = Traumbild
imagem originária [ver também imagem arcaica , imagem primeva] = Urbild
imagem primeva [ver também imagem arcaica , imagem originária ] = Urbild
a imagem veloz = das schnelle Bild
imagética, fantasia - = Bildphantasie
imagético = bildhaft, bildlich
importância [ver rambém significado ] = Bedeutung
infra-estrutura = Unterbau
insignificante, aparentemente -■ = unscheinbar
o intérieur = das Interieur
interpenetração [ver também perscrutação] = Durchdringung
intuição [ver também percepção e modo de visão ] = Anschauung
Jugendstil = Jugendstil
lampejar = aufblitzen
lembrança [ver também recordação ] = Erinnerung
1 1 18 m Passagens
libido [ver também pulsão\ = Trieb
limiar [ver também umbral\ = Schwelle
liminar, experiência - = Schwellenerfabrung
loja de departamentos = grand magasin , Warenhaus
o longínquo [ver também a distâncid\ = die Ferne
lugar-comum [ver também clichê, estereótipo \ = poncif
magasin de nouveautés - magasin de nouveautés
meditação = Tiefsinn
meditativo, o homem ■- = der Grübler
médium = Médium
memória (coletiva), universo de - = Merkwelt
mercadoria, as argúcias teológicas da - = Ware, die theologischen Mucken der -
modo de visão [ver também percepção e intuição ] = Anschauung
morada de sonho = Traumhaus
moradia, ter uma fixação pela - = wohnsüchtig sein
mundo das sombras = Unterwelt
ócio = Mufie
ociosidade [com sentido pejorativo] = MüíSiggang
o ocorrido = das Gewesene
orginária, palavra - = Urwort
origem = Ursprung
originária, imagem - [ver também imagem arcaica , imagem primeva\ = Urbild
originário, fenômeno - [ver também fenômeno primevo ] = Urphánomen
paisagem primeva - Urlandschaft
paixão = Passion
paixão estética = aesthetische Passion
palavra originária = Urwort
pavilhão termal = Brunnenhalle
pegada(s) [ver também rastro, vestígio ] = Spur
pequeno-burguês filisteu = spieísig
o pequeno-burguês filisteu = der Spiefibürger
percepção [ver também modo de visão e intuição \ = Anschauung
perscrutação [ver também interpenetração\ = Durchdringung
policial, conto - = Detektivgeschichte
policial, romance - = Kriminalroman
Anexos
postura [ver também gestus] = Gestus
primeva, célula - = Urzelle
primeva, imagem - [ver também imagem arcaica , imagem originária ] = Urbild
primeva, paisagem - = Urlandschaft
primevo, fenômeno - [ver também fenômeno originário] = Urphãnomen
primevo, tempo ^ = Urzeit
pulsão [ver também libido ] = Trieb
rastro [ver também vestígio, pegada(s)] = Spur
recordação [ver também lembrança ] = Erinnerung
redenção = Erlõsung
relação expressiva = Ausdmckszusammenhang
rememoração = Eingedenken
representação [ver também apresentação ] = Darstellung
representação [ver também idéia ] = Vorstellung
reviravolta dialética = dialektisches Umschlagen
romance policial = Kriminalroman
ruptura [ver também salto , descontinuidade ] = Sprung
salto [ver também ruptura, descontinuidade ] = Sprung
salvação = Rettung
seccionamento do tempo = sectionnement du temps
semelhança = Àhnlichkeit
o sempre-igual = das Immergleiche
o sempre-novo = das Immer-Wieder-Neue
o ser agora = das Jetztsein
significado [ver também importância ] = Bedeutung
símbolo = Sinnbild
sombras, mundo das - ^ Unterwelt
sonho, cidade de - = Traumstadt
sonho, morada de - = Traumhaus
sono repleto de sonhos = Traumschlaf
subúrbio = faubourg
superestrutura = Überbau
suvenir = Andenken, Souvenir
tabuleta comercial [ver também emblema comercial] = enseigne
técnica [ver também tecnologia ] = Technik
1120 ■ Passagens
tecnologia [ver também técnica] = Technik
tempo atmosférico = Wetter
o tempo do agora = die Jetztzeit
tempo primevo = Urzcit
tempo, diferencial de - = Zeitdifferential
o teor = der Gehalt
ter uma fixação pela moradia = wohnsüchtig sein
umbral [ver também limiar ] = Schwelle
universo de memória (coletiva) = Merkwelt
valor de culto = Kultwert
valor de exposição = Ausstellungswert
valor de troca, empatia pelo * = Tauschwert, Einfuhlung in den
vaudeville = vaudeville
vestígio [ver também rastro, pegada(s)\ = Spur
via crucis [ver também calvário ] = Passionsweg
vida posterior = Nachleben
visibilidade = Anschaulichkeit
vivência [em oposição a experiência ] = das Erlebnis
vivência [no sentido freudiano] = das Erleben
POSFÁCIOS
À EDIÇÃO BRASILEIRA
AUFKLÀRUNG NA METRÓPOLE: PARIS E A VIA LÁCTEA
Olgária Chain Féres Matos
A obra Passagens constrói uma historiografia do século XIX, ao realizar uma
hermenêutica dos espaços fantasmáticos da cidade de Paris, cuja infra-estrutura é a
mercadoria. Passagens e arcadas são templos do consumo, catedrais profanas onde se
instalam as exposições universais e a produção mercantil; nelas se exibem objetos em
série e artefatos das moradas e de seus interiores, interiores que são um mundo particular
onde o burguês louis-philippard se recolhe em sua paixão fetichista, junto a suas coleções.
Fechado entre quatro paredes, coleciona para indenizar-se “de tão poucos rastros que
a grande cidade deixa para a vida privada”. Os interiores são o brilho e o esplendor
com que se envolve a sociedade produtora de mercadorias, onde se desenvolve o
sentimento ilusório de segurança; o homem desrealizado faz de seu domicílio um
refúgio , 1 2 do interior burguês e da loggia ele contempla o theatrum mundi }
Compreender o coração mesmo desse cotidiano significa “explorar a alma da
mercadoria , os monumentos da burguesia”, as “ruínas”. Para isso, Benjamin procede
a onirocrítica do século XIX:
Sintomas de ruínas. Construções imensas, pelágicas, uma sobre a outra.
Apartamentos, quartos, templos, galerias, escadas, becos sem saída, belvederes,
postes de luz, fontes, estátuas (...). Bem no alto uma coluna estala e suas
1 Cf. Benjamin, Walter, "Paris, Capital do Século XIX", Introdução.
2 0 tema do "grande teatro do mundo", herança estóica na cultura barroca, diz respeito ao
desengano. Calderón de la Barca apresenta, em sua dramaturgia, a vida como sonho, o mundo
como palco. Cf. Epicteto, Manual de Epíteto Filósofo, São Paulo: Ed. Cultura, [s.d.]. Nas Passagens,
Walter Benjamin tratará da modernidade, centrando-a no espetáculo: a cidade surrealista, as
exposições universais onde a mercadoria se oferece como objeto de culto fetichista. A metrópole
é o sucedâneo do theatrum mundi a que se refere Walter Benjamin no Drama Barroco Alemão do
Século XVII. Neste a referência é tanto Calderón quanto Gracián eos ensinamentos que exprimem.
O mundo é um cenário que o homem prudente - o moralista - contempla para o aperfeiçoamento
de si e de sua presença na vida política, em meio a um presente contingente e ao futuro incerto.
O theatrum mundi encontra-se na cultura da tradição, da experiência transmissível de uma sabedoria
prática na política e na vida de cada um. O espetáculo do mundo é mais interior, espiritual, que
exterior e mundano. Cf. Gacián, Oráculo Manual, El Heroe, El Criticon; Agudeza y Arte de Ingenio,
trad. M. Gendreau-Massaloux e P. Laurens, Paris/Lausanne, Ed. L'Âged'Homme, 1983; Castiglione,
B. II Cortegiano, Einaudi, 1965; La Rochefoucauld, Máximas e Reflexões, Iluminuras, 1995;
Renato Janine Ribeiro, "0 Discurso Moralista", in :A Última Razão dos Reis, Cia. das Letras, 1 992.
1 124 ■ Passagens
duas extremidades se deslocam. Nada ainda desabou. Não consigo encontrar
a saída (...). Labirinto (...). Morarei para todo o sempre numa construção
que vai desabar, uma construção afetada por uma doença secreta . 3
Walter Benjamin reconhece, nos monumentos da burguesia, ruínas, antes e
independentemente de seu desmoronamento, pela maldição da modernidade, maldição
que consiste na incapacidade paradoxal de criar o novo. Sua necessidade compulsiva
de produzir novidades - que caracteriza o modo de produção capitalista - é bem o
contrário da verdadeira inovação, como o atestam as modas, sempre recorrentes, pois
o novo não passa de uma série de variantes de aquisições antigas: “É o novo sempre
velho e o velho sempre novo .” 4 Com efeito, a moda é a figuração moderna da repetição.
Se Benjamin cita Blanqui e A Eternidade pelos Astros , é para significar que o século
XIX, malgrado suas pretensões racionalistas, é prisioneiro do tempo cíclico, o das
fantasmagorias:
A concepção do universo, desenvolvida por Blanqui nesse livro, e cujos dados
ele toma de empréstimo às ciências naturais mecanicistas, mostra-se como
uma visão do inferno. (...) A eternidade representa imperturbavelmente no
infinito o mesmo espetáculo. (...) O que escrevo agora numa cela do forte do
Taureau, eu o escrevi e escreverei durante a eternidade, à mesa, com uma
pena, vestido, em circunstâncias inteiramente semelhantes. (...) O número
de nossos sósias é infinito no tempo e no espaço. (...) Não são fantasmas, é a
atualidade eternizada . 5
Não por acaso, Benjamin se vale do conto de E. A. Poe, “O Homem da Multidão ,
para compreender a angústia mítica no confronto dos rostos indiferenciados e anônimos
que se multiplicam indefinidamente com sua potência de alucinação.
Benjamin associa a fantasmagoria da repetição cíclica de Blanqui ao fetichismo
da mercadoria evidenciado por Marx. De fato, bem ao contrário de sua aparência
trivial, a mercadoria é um objeto fantasmagórico que expressa a recaída em uma história
natural ( Naturgeschichte ) que se encontra sob o poder cego das forças produtivas, que
é tão-somente “compulsão à repetição”, tempo fisicalista, mecânico, o tempo do Eterno
Retorno: “O pensamento do Eterno Retorno faz do próprio acontecimento histórico
3 Benjamin, Walter, Passagens, arquivo J 44, 3, citação de Nadar, Baudelaire Intime, CEuvres II, Paris: Ed.
Le Dantec, 1 91 1 . p. 686. Cf. Freud, S. Psicopatologia da Vida Cotidiana, Imago, onde se trata do
sentimento de terror e de vertigem, da impossibilidade de sair de um circuito de onde não se pode
escapar, caindo-se, sempre, repetidamente, no mesmo lugar do qual se quer fugir, diante das
mesmas casas, de uma mesma loja, dos mesmos números; Matos, Olgária Chaim Féres, "Miragens:
Identidade e Fetiche", in: Ordenação e Vertigem, org. Jane de Almeida e Jorge Anthonio e Silva,
Centro Cultural Banco do Brasil, 2003.
4 Benjamin, Walter, Passagens, arquivo J 76, 2.
5 Benjamin, Walter, Passagens, "Paris, Capital do Século XIX", Conclusão.
Aufk/ãrung na metrópole: Paris e a Via Láctea Olgária Chain Féres Matos ■ } 125
um artigo de consumo .” 6 7 Blanqui e Marx, Nietzche e Baudelaire" compõem a
constelação a partir da qual Benjamim constrói o pensamento do Eterno Retomo, o
pesadelo que resume todo o horror do capitalismo e do século XIX, concentrando-se
na Eternidade pelos Astros:
Este escrito apresenta a idéia do eterno retorno das coisas dez anos antes do
Zaratustra; de modo apenas um pouco menos patético e com uma extrema
força de alucinação (...). Blanqui se preocupa em traçar uma imagem do
progresso que - uma antigüidade imemorial, exibindo-se numa roupagem
de última novidade - revela-se como a fantasmagoria da própria história
(...). É por isso que a última palavra coube às mediações esparsas do antigo e
do novo, que estão no coração de suas fantasmagorias. O mundo dominado
por elas é - para usarmos a expressão de Baudelaire - a modernidade . 8 9
A repetição infinita de cada instante do tempo apavora. Blanqui, em um
texto retomado diversas vezes por Benjamin em suas Passagens, escreve:
Sempre e em toda parte na vida terrestre, o mesmo drama, o mesmo cenário,
no mesmo palco estreito, uma humanidade barulhenta, enfatuada de sua
grandeza, acreditando ser o universo e vivendo em seu cárcere como em uma
imensidão, para logo desaparecer com o globo que carregou com o mais
profundo desprezo o fardo de seu orgulho. Mesma monotonia, mesmo
imobilismo nos astros estrangeiros.
Na monotonia profunda - a Langeweile — desmorona a distinção entre brevidade e
longa duração, como se a eternidade descesse do céu para a terra , 5 convertendo-se em
cronômetro e pêndulos, disseminando apatia diante de um presente condenado a
6 Benjamin, Walter, Zentralpark, Gesammelte Schriften, vol. I, 2, Ed. Suhrkamp, parágrafo 9. “É preciso
mostrar enfatizando", anota Benjamin, "como a idéia de Eterno Retorno ingressa mais ou menos no
mesmo momento no pensamento de Baudelaire, Blanqui e Nietzsche" (Zentralpark, parágrafo 22).
7 Não se trata, aqui, de buscar, em Benjamin, uma leitura de especialista dos autores citados, mas de
compreender a função estratégica da idéia de Eterno Retomo para a concepção de História.
8 Benjamin, último parágrafo do segundo Exposé, "Paris, Capital do Século XIX". O filósofo escreve o
ensaio "Paris, a Capital do Século XIX", em alemão, no ano de 1935. Apresenta uma nova versão, em
francês, com o título "Paris, Capital do 5éculo XIX", em 1939. Na primeira versão, a estrutura do texto
é "apocalíptica e revolucionária" , indo do sonho ao despertar, dos espaços fantasméticos das passagens,
panoramas, exposições, à realidade - a rua e a revolução: "Assim como o Manifesto Comunista
encerra a época dos conspiradores profissionais, também a Comuna põe fim à fantasmagoria que
domina o primeiro período do proletariado. Através dela dissipa-se a ilusão de que seria tarefa da
revolução proletária completar, de braços dados com a burguesia, a obra de 1 789. Tal ilusão domina
o período de 1831 a 1871, do Levante de Lyon até a Comuna. A burguesia jamais compartilhou desse
erro." Esta primeira versão do ensaio, com seu otimismo histórico, cede, na segunda, ao teor de
resignação, terminado pela citação de Blanqui e a fantasmagoria cósmica do século XIX - A Eternidade
pelos Astros. O Eterno Retorno do mesmo desmente a esperança em uma apocatástase, que se
encontra no primeiro Exposé. Cf. Witte, Bernd, Walter Benjamin, una Biografia, Ed. Amia, B. A., 1997,
9 Cf. ainda Svendsen, Lars, in: Filosofia delia Noia, Parma: Ugo Guanda Editore, 2004.
1126 ■ Passagens
repetir incontáveis vezes os mesmos cenários, desesperançados de um dia as coisas
mudarem, de que algo novo possa surgir. Neste quadro, qualquer iniciativa ou ação
trazem consigo ressonâncias cósmicas paralisadoras, pois este mundo é sem
transcendência, abandonado ao arbitrário das significações. Compreende-se, então,
por que o Eterno Retorno de Nietzsche 10 é, para Benjamin, um tema alegórico, como
também o são as especulações cosmológicas de Blanqui, ambos evocando um mundo
infernal, reduzido a repetir sem tréguas as mesmas conjunções; de tal modo que a
percepção do tempo esvaziado de intencionalidade e de futuro faz a vida contrair-se
no momento mesmo em que o tempo se prolonga indefinidamente, porque ele é
repetição, destino e catástrofe. Associando o historicismo social-democrata e o marxista,
progresso e catástrofe, Benjamin considera por que até hoje todas as revoluções foram
“revoluções traídas”. Social-democratas e comunistas “nadavam no sentido da corrente”.
Como escreveu Gerard Raulet: “A revolução interromperá a catástrofe do curso infinito
do progresso. [Nela] pode-se revelar, a despeito de seu fracasso ou fantasmagorias, o
mesmo gesto: a interrupção do tempo profano e a irrupção - real ou fantasmada - de
um tempo qualitativamente diferente. [Eis o que se passou] quando os revolucionários
de julho de 1830 atiraram simbolicamente nos relógios murais.” Quanto a Stalin,
assinando um pacto com Hitler em 1939, ele não é senão “uma nova derivação, uma
nova fantasmagoria, mais sangrenta que as precedentes, da qual será preciso
despertar”. 11
Continuidade e repetição constituem o tempo como destino naturalizado.
Na modernidade, o destino torna-se categoria histórica, no espírito da teologia
restaurada da Contra-Reforma, 12 pois se torna “história natural” - o que significa que
a natureza toma o lugar do “processo histórico”, 13 se bem que de maneira diversa na
perspectiva de Baudelaire e de Blanqui:
Em Blanqui, o espaço cósmico tornou-se abismo. O abismo de Baudelaire
não possui estrelas. Não deve ser definido como espaço cósmico. Não é
tampouco o abismo exótico da teologia. É um abismo secularizado: o do
saber e dos significados. O que constitui o seu índice histórico? Em Blanqui,
o abismo tem o índice histórico da ciência mecanicista da natureza. Será que
em Baudelaire o abismo não possui o índice social da nouveauté ? 14
10 Sobre a recepção de Nietzsche por Benjamin, cf. Chaves, Ernani, Mito e História: um Estudo da Recepção
de Nietzsche em Walter Benjamin. Tese de Doutorado. Departamento de Filosofia, FFLCH-USP, 1993.
11 Cf. Le Caractere Destructeur, Esthétique, Théologie et Politique chez Walter Benjamin. Paris: Aubier,
1997. p. 225-228.
12 A ênfase de Benjamin no movimento da reforma protestante e católica no Drama Barroco e nas
Passagens deve-se à compreensão da modernidade como permanência, nos processos de secularização
e laicização, do registro teológico-político das democracias contemporâneas, em particular, na República
de Weimar. Decisionismo e estado de exceção informam as análises de Benjamin, para quem o
fracasso da revolução alemã (e o fim da República de Weimar em 1933) constitui um traumatismo
equivalente ao da Comuna de Paris de 1871.
13 Benjamin, Walter, Origem do Drama Barroco Alemão, Brasiliense, 1983. p. 152.
14 Benjamin, Walter, Passagens, arquivo J 24, 2.
Aufk/ãrung na metrópole: Paris e a Via Láctea Olgária Chain Féres Matos ■ 1127
Se no drama barroco do século XVII — protestante ou católico — o homem está imerso
na ordem do destino, no drama francês do século XIX ele é sorvido pelas determinações
do capital, de que Paris é a Capital: “Um dos entusiastas da Revolução [Francesa]
propôs em certa ocasião transformar Paris em um mapa-múndi, de mudar o nome de
todas as ruas e praças e batizá-las com novos nomes tirados de lugares e objetos notáveis
do mundo todo.” 15
Aqui o homem não é agente, a história já está predeterminada, por um Deus
absconso, no século XVII, ou pelas leis do mercado mundial, em nosso século. Não
por acaso, Benjamin refere-se às danaides antigas, condenadas a encher com água um
tonel sem fundo. E esta a natureza do trabalho sob o domínio do capital, o trabalho
morto é um fardo que pesa sobre os vivos, pois o modo de produção capitalista produz
mercadorias e fantasmagorias. Assim, o Dezoito Brumário apresenta uma história
shakespeareana, feita de espectros e fantasmas, pois os revolucionários de 1848 imitam
os heróis do passado, tomam de empréstimo as palavras de ordem e as togas, travestem-
se de romanos. 16 Não por acaso, o Dezoito Brumário c uma meditação sobre a história
apresentada como teatro e nele a ideologia é fantasmagoria constituída por demônios.
Nele, Paris é assombrada por espíritos e magia negra.
Marx realiza uma descrição fantasmagórica de Luís Bonaparte, quando este
abole as conquistas emblemáticas da Revolução Francesa e de tudo que parecia inviolável
para a revolução de 1848 — o que só pôde ocorrer por ter ele produzido situações
diabólicas, como que por “magia negra”. “Bonaparte jogou toda a economia burguesa
na confusão, fez alguns tolerantes com a revolução, outros desejosos de revolução c
produziu a anarquia atual em nome da ordem.” Com isto, Marx procura evidenciar a
que ponto os indivíduos se tornam incapazes de distinguir objetividade e subjetividade,
desejo e realidade. A crítica da ideologia toma, pois, a figura da fantasmagoria: “liberté,
égalité, fraternité e o segundo Domingo de Maio de 1852 — tudo desapareceu diante
do feitiço de um homem que nem mesmo seus inimigos poderiam acusar de feiticeiro.
Quanto à burguesia, ela teme o proletariado que é um “espectro vermelho”. E não foi
“Circe, através de magia negra”, mas a tentativa da burguesia em negociar as contradições
de sua posição de classe que “deformou aquela obra de arte — a república burguesa —
em uma figura monstruosa”. E ainda as personagens do Dezoito Brumário são “sombras
que perderam seus próprios corpos”.
A fantasmagoria é uma forma especificamente parisiense de alucinação mental,
estreitamente vinculada às novas tecnologias visuais. Neste século XIX, em que a
França manifesta fascinação pelos espetáculos “espíritas”, 17 a Alemanha é ainda pré-
industrial, um país predominantemente agrícola, dominado pelas grandes propriedades
15 Benjamin, Walter, Passagens, arquivo P 1, 7.
16 Cf. Marx, Dezoito Brumário, São Paulo: Paz e Terra. 0 interesse de Marx na literatura fantástica e no
demoníaco, em particular, na personagem de Fausto e nos contos de E. T. A. Hoffmann, é estudado
por S. S. Prawer, in: Karí Marx and the World Literature, Oxford: Clarendon Press, 1976. Cf. ainda,
Lefor, C„ "Marx: de uma Visão da História a Outra", in: As Formas da História, Brasíliense, 1986.
17 Cf. Milner, M., La Fantasmagorie, Paris: PUF, 1982.
U28 ■ Passagens
territoriais com sua aristocracia Hohenzollern. Na França, a Revolução Francesa e os
desenvolvimentos tecnológicos promoviam uma transformação na história da cultura,
de tal modo que o objetivo das Passagem é investigar o conceito de fantasmagoria
como “forma de representação” do conhecimento: “Nossa pesquisa procura mostrar
como, na seqüência dessa representação coisificada da civilização, as formas de vida
nova e as novas criações de base econômica e técnica, que devemos ao século XIX,
entram no universo de uma fantasmagoria.” 18 Assim, a história dos espetáculos visuais
do século XIX é inseparável daquela das novas tecnologias a serviço do entretenimento,
mas, sobretudo, da representação da história. Lembre-se que a fantasmagoria é a alegoria
da contemporaneidade, seus espectros, diferentemente daqueles do barroco teatral, 19
são históricos e tecnológicos.
Ela foi inventada no final dos anos 1790 pelo belga Etienne-Gaspard
Robertson, com apresentações de hostes de fantasmas, recenseadas, com destaque
admirativo na imprensa da época. Para um espectador desejoso de ver o espírito de
Marat, por não ter sido “capaz de estabelecer seu culto em um jornal oficial” - e que
dizia “eu gostaria, ao menos, de ver sua sombra” — , Robertson produz a aparição com
artifícios de iluminação, líquidos e poções, e faz comparecer, na mesma noite, os espíritos
de Virgílio e Voltaire. 20 Robertson presentificava, ainda, para uma platéia inteiramente
fascinada, os espíritos de quem fora massacrado nas prisões da Revolução, lançando
em um braseiro cópia do jornal Réveil du Peuple , ao mesmo tempo que pronunciava as
palavras mágicas “conspirador”, “humanidade”, “terrorista”, “justiça”, "jacobino”,
“salvação pública”, “girondino”, “moderado”, “orleanista” - e a este chamado acorrem
grupos de “espectros” ensangüentados. A Paris do século XIX é uma grande sala de
espetáculo e exposições.
Nas Passagens, Benjamin anota: “Fíavia panoramas, dioramas, cosmoramas,
diafanoramas, navaloramas, pleoramas ( pleo , “eu navego”, “passeios náuticos”), o
fantoscópio, fantasma-parastasias, experiências fantasmagóricas e fantasmaparastáticas,
viagens pitorescas pelo quarto, georamas; vistas pitorescas, cineoramas, fanoramas,
estereoramas, cicloramas, um panorama dramático.” 21 Essa paixão escópica cultiva,
analogamente ao século XVII, o cadáver, de tal forma que a visitação barroca ao
necrotério, construído em 1864, atrás da catedral de Notre-Dame, celebrava-o como
um teatro público. Em princípio, a população era chamada a colaborar com a
identificação de corpos e o desvendamento de crimes; comentaristas da época, porém,
sugerem que o espetáculo satisfazia e reforçava o desejo de olhar que tanto marcou a
18 Introdução de "Paris, Capital do Século XIX", in: Passagens.
19 Cf. Pinheiro Machado, Francisco, A Pesquisa sobre o Teatro Barroco, in: Imanência e História: a Critica do
Conhecimento em Walter Benjamin , Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.
20 Cf. Cohen, Margaret, Profane lllumination: Walter Benjamin and the Paris of Surrealist Revolution,
Berkeley, Los Angeles/London: Ed. University of Califórnia Press, 1995.
21 Cf. Passagens, arquivo Q 1, 1.
Aufk/ãrung na metrópole: Paris e a Via Láctea Olgáría Chain Féres Matos ■ 1129
cultura parisiense fin-de-siède. 21 Estas performances tornam manifesta uma história
recente da França com suas assombrações e apresentam conflitos de classe que se
expressam nas produções culturais do século XIX parisiense estudados por Benjamim
Pouco depois seria inaugurado o Museu de Cera, o Museu Grévin, dando uma espécie
de continuidade à morgue. Os fundadores do museu, o jornalista Arthur Meyer e o
caricaturista Alfred Grévin, prometiam “representar os principais eventos correntes
com escrupulosa fidelidade”, como um “jornal vivo” e, para isso, valiam-se de acessórios
autênticos. Victor Hugo segurava nas mãos sua própria caneta, Marat apresenta a
banheira na qual foi assassinado — pela qual o museu pagou 5.000 francos — , um
soldado do período revolucionário lê uma edição do LAmi du Peuple, de 1791. Napoleâo
era representado na campanha da Rússia, encolhido pelo frio, “já se prenunciando o
destino do Império”. O maravilhamento devia-se a que as personagens “pareciam
cadáveres de verdade”. 23
A importância das fantasmagorias na obra das Passagens deve-se à maneira
como Benjamin reflete sobre as questões de ideologia, associando à visão de Marx e
Baudelaire a de Freud. Fantasmagorias dizem respeito à atividade psíquica não-racional,
em afinidade com os conteúdos inconscientes, o que já se encontra em Baudelaire, na
“fantasmagoria angustiante” da modernidade no poema “Os Sete Velhos”, em que se
descreve a decrepitude e a morte. A mesma circunstância retorna na referência a “Cada
um com sua Quimera”: “A cúpula speenática do céu”... 24
Com efeito, o poema em prosa narra o abismo secularizado que é o tempo
das nouveautés. Este mundo é, também, sem destinação:
Sob um vasto céu acinzentado, numa vasta planície empoeirada, sem
caminhos, sem grama, sem cardo nenhum, sem uma urtiga sequer, encontrei
homens que caminhavam curvados. (...) Interroguei um deles e perguntei
aonde iam assim. Respondeu-me que ninguém sabia de nada, nem ele, nem
os outros (...). Nenhum desses rostos cansados e sérios dava sinal de desespero;
sob a cúpula speenática do céu, os pés mergulhados na poeira de um chão
tão desolado quanto o céu, caminhavam com a fisionomia resignada dos
condenados a esperar para sempre. 25
22 Em agosto de 1866, Le Journal lllustré exibiu na capa a chamada " Criança da Rua Vert-Bois, encontrada
em um vão de escada de um prédio, de identidade desconhecida. Ela ficou exposta sentada, vestida
e amarrada em uma cadeira de estofamento vermelho, durante 5 dias. O diário Le Matín registra nesses
poucos dias uma multidão de mais de 150.000 visitantes: "Sem dúvida, o necrotério era uma paixão
mórbida, no entanto, de modo mais significativo, fazia parte das curiosidades catalogadas, das coisas
para ver, na mesma categoria da Torre Eiffel e das catacumbas" (Schwartz, S. A.; Vanessa R., O
Espectador Cinematográfico Antes do Aparato do Cinema: o Gosto do Público pela Realidade na Paris
do Fim-do-Século", in: O Cinema e a Invenção da Vida Moderna, org. Leo Charney e Vanessa
Schwartz, Cosac y IMaify, São Paulo, 2001. p. 418.
23 Cf. op. cit., p. 420 ef seq.
24 Cf. Passagens, arquivo J 2a, 6, dedicado a Baudelaire.
25 Baudelaire, Cada um com sua Quimera, in: O Speen de Paris, trad. Leda Tenório da Motta, Imago, 1995.
p. 27-28.
1130 ■ Passagens
despersonalização.
da história secular. Já a fantasmagoria é o phantasma que se presentifica na Agora
( pbantasma-agoreuin ), de tal modo que o mundo espectral ultrapassa e destitui as
antigas alegorias, é a paisagem da omnipresença da mercadoria, não mais é possível
escapar ao mercado nessa paisagem onde é omnipresente a mercadoria: o sobrenatural
religioso do mundo barroco transforma-se no demoníaco que se enraíza no processo
da troca mercantil. De onde a recorrência nas citações de Blanqui, cuja obra A Eternidade
A temporalidade capitalista é a da Langeweile, é repetição infernal. E apresenta
semelhanças com a akedia grega, a acedia medieval, a melancolia da Renascença e o
ennui . 21 Diferencia-se deles, no entanto, dado que a monotonia determina uma
existência demoníaca. Na monotonia o tempo não passa - como em Kant; não
transcorre, como para Bergson; não sobrevém, como em Heidegger — ele retorna; 2 ®
não é o tempo que lega um ensinamento e um aprendizado - como as narrativas da
tradição - quando “o que reconduzia ao longínquo do tempo era a experiência que o
26 É preciso indicar a mudança, operada por Benjamin, na compreensão da fantasmagoria, do Exposé
de 1935 e da versão de 1939. Em 1935, Benjamin distingue produtos culturais ideológicos do
inconsciente coletivo - as imagens de desejo e seu potencial de desfetichização - das puras
mistificações, que são as fantasmagorias. A desmistificação das fantasmagorias era uma experiênaa
do despertar. Já em 1939, o poder de desmistificação é atribuído à própria fantasmagoria.
27 Entre a akedia, a acedia, a melancolia e o sp/een há em comum a tristeza e o sentimento de cansaço
existencial, o abandono e a negligência de si, no sentido em que akedia significa “o descuido de
si", mas também o cadáver sem sepultura, o passado que retorna como phartasmata. A acecfia
medieval distingue-se da melancolia da Renascença, pois é mal da alma e pecado capital, é
"preguiça do coração", é abandono da busca do caminho que leva a Deus. Já na Renascença,
dado o naturalismo e as correspondências entre macrocosmo e microcosmo, encontra-se no
campo da medicina dos temperamentos e é um mal da imaginação. A melancolia é compreendida
como "desregulação natural", enquanto a akedia é um mal moral. Quanto ao ennu/baudelairiano.
ele é o tedium vitae, que reúne o passado e o presente. Arcaizando Paris, Baudelaire inventa a
modernidade. Ao spleen - o passado que não se esquece - liga-se o ideal - o futuro, a Utopia
A utilização da palavra inglesa spleen evoca a herança da tristeza romântica de Byron, de quem
Baudelaire se considera descendente. Cf. Matos, Olgária, Imagens sem Objeto, in: O lluminismo
Visionário: Walter Benjamin, Leitor de Descartes e Kant, São Paulo: Brasiliense, 1999; Um Surrealista
Platôncio: Baudelaire, in: Poetas que Pensaram o Mundo, Cia. das Letras, 2005.
28 Cf. Kant, Crítica da Razão Pura; Bergson, Matéria e Movimento ; Heidegger, Ser e Tempo; Nietzche,
Assim falava Zaratustra; Blanqui, CÉternité par lesAstres.
pelos Astros é “a última fantasmagoria, de caráter cósmico, que implicitamente
compreende a crítica mais acerba a todas as outras ”. 26
Aufk/ãrung na metrópole: Paris e a Via Láctea i Olgária Chain Féres Matos ■ U3I
articulava e preenchia ”. 29 A Langeweile, diferentemente do ennui, é um tempo
cristalizado no presente e liga-se tanto ao modo de produção de mercadorias e fetiches,
quanto a ciência e a técnica tornadas forças produtivas. Em seu ensaio w Experiência e
Pobreza , a impotência das palavras da tradição, outrora tão dignas de confiança, é a
constatação da perda da experiência sob o impacto da cultura tecnológica, força
produtiva da guerra: a linha do horizonte é um enredamento de fios de aço enfarpados,
o céu é um vermelho de explosões, a paisagem econômica um povoado de
desempregados, o papel-moeda não tem valor de troca, a linguagem não é mais um
discurso mas queixas . 30 A repetição da narrativa, através da qual se transmitia uma
experiencia, transforma-se em repetição de um mesmo lamento nostálgico.
A partir da Primeira Guerra têm fim o front e os campos de batalha,
dissolvidos pelos aviões bombardeiros e ataques aéreos com gases letais. Trata-se de
um patamar antes desconhecido, que não se alcança no enfrentamento de exércitos e
que bate seus recordes de agressão, contados em número de mortos, revelando que
uma estratégia de pura destruição substitui a tática guerreira. A “pobreza da experiência”
é uma Armseligkeit , é pobreza de alma”, pois a técnica produz tão-somente “revolta
de escravo da técnica , pois são escravos aqueles que da linguagem só entendem ordens
dadas e não o exercício do pensamento que ela faculta. O campo de batalha não é mais
um front, as condições de vida no presente a tornam um front permanente . 31 Perda da
experiência significa o advento de uma temporalidade privada da possibilidade de
Cf. Benjamin, Charles Baudelaire", GS, I, Suhrkamp, p. 653. Seria interessante relacionar o tema da
experiência nos moralistas clássicos, em especial Balthazar Gracián, a quem Benjamin se refere no
Drama Barroco. Trata-se da agudeza - a arte do engenho - do exemplo, inscrito no discurso retórico,
para convencer e persuadir pela fábula, pela tragédia e pela comédia. 0 valor argumentativo do
exemplo reconduz à filosofia política e à moral. Gracián considera as circunstâncias quando, sob o
domínio da fortuna e quanto mais cambiante esta for, melhor será o exemplo. Provérbios, fábulas e
conselhos indicam que se deve ouvir "aqueles que sabem", dar ouvidos a sua sabedoria prática. Os
exemplos devem preceder os conselhos. Gracián deve ser lido junto a Aristóteles, Cícero, Sêneca,
Petrarca, Maquiavel, Castiglione, Antonio Guevara. Do "espelho dos Príncipes" à vida na Corte, da
cena política à "democratização" das "maneiras", a narrativa exemplar provê uma arte de viver. O
virtuoso é aquele que ocupa bem o seu tempo.
30 Sobre a perda da experiência no âmbito da solidão do trabalhador no trabalho alienado, cf. Gagnebin,
Jeanne-Marie, "Atenção e Dispersão: Elementos para uma Discussão sobre Arte Contemporânea
entre Benjamin e Adorno", in: Theoria Aesthetica: em Comemoração ao Centenário de Theodor W.
Adorno, org. Rodrigo Duarte, Virginia Figueiredo, Imaculada Kangussu, Ed. Escritos, 2004.
31 Sobre a diferença entre a perda da experiência em "O Narrador", com o fim da transmissão do
patrimônio cultural, e "Experiência e Pobreza" - que elogia uma "barbárie positiva", cf. Birnbaum,
Antônia, Faire avec Peu: les Moyens Pauvres de la Technique, mimeo. Em "Experiência e Pobreza",
Benjamin "não adota a atitude habitual de historiador, mas situa-se no presente como um
contemporâneo que procura desembaraçar-se das lições e fábulas aprendidas em e para uma outra
época - a das experiências adquiridas quando se ia à escola de bonde puxado a cavalos - para
descobrir-se inteiramente desprotegido 'em uma paisagem em que nada mais era reconhecível, fora
as nuvens, e, no meio dela, em um campo de forças atravessado por tensões e explosões destruidoras,
o minúsculo e frágil corpo humano'. O caráter obsoleto das palavras [da tradição, a comunicação
contínua entre as diferentes idades da vida] tornou-se um obstáculo (...). Já que o choque sofrido
nos deixa um campo de ruínas, já que esta ruína não economizou nem mesmo a noção de cultura,
é preciso ter coragem de despedir-se dela."
1132 ■ Passagens
criar ou reconhecer valores. Esta patologia do tempo é o “ácido moral” que destrói o
organismo de dentro. 32 Sobre isto escreve Balibar: “O tempo da monotonia não tem
qualquer oportunidade de redenção, motivo pelo qual não faculta a possibilidade de
julgar o bem e o mal, o útil e o prejudicial à autoconservação de si ou a da sociedade
em que vive. Ele se encontra na base dos sentimentos de antipatia, do desejo de
destruição e da desumanização institucional que se inscrevem na política, de modo a
dissolver a ética sob a atitude da passividade.” 33 A ética, ao contrário, se associa à
possibilidade da experiência. A monotonia é também uma patologia da liberdade,
pois é uma figura do tempo que não engendra qualquer ação, mas, como Benjamin
escreve no Drama Barroco, apenas desânimo, tristeza, desespero, sentimento penúria
e frustração.
No arquivo K de Passagens, Benjamin relata a chegada das massas camponesas
à metrópole, massas que se vêem tanto mais excluídas do espaço urbano quanto maior
é a sedução e o apelo das mercadorias. São elas “os novos bárbaros”, desconhecem
normas e valores da cidade, a começar pelo confisco do tempo qualitativo das estações
do ano e pela imposição de outro - a jornada de trabalho que multiplica horas mortas
na produção, no consumo e na acumulação de capitais, na circulação das mercadorias
e na vida de cada um. Além disso, as massas aderem aos apelos do consumo ilimitado,
segundo uma mímesis de apropriação:
O elemento patológico na representação da “cultura” manifesta-se da maneira
mais expressiva no efeito que o enorme depósito da loja de antigüidades de
quatro andares exerce sobre Rafael, o herói de La Peau de Chagrin, que nele
se aventura (...). “Este oceano de móveis, de invenções, modas, obras e ruínas
compunha um poema sem fim (...). Sufocava-se sob os resquícios de cinqüenta
séculos desaparecidos, sentia-se nauseado com todo esse excesso de
pensamentos humanos, abatido pelo luxo e pelas artes”. (N 19, 3)
No tempo esvaziado de sentido, a tradição só chega ao presente como acúmulo de
objetos, e não como experiência, pois se deseja o desejo de um outro, quer-se ter o que
o outro tem. Esta mímesis de apropriação é, melhor dizendo, uma mímesis por impulsão,
o que se encontra na base do ressentimento das massas na contemporaneidade. 34 A
democratização do consumo aumenta a percepção do mal-estar na contemporaneidade:
a aquisição de bens, dada a quantidade disponível, não é mais valorizada positivamente.
O modo de produção de mercadorias e o apelo ao consumo não prevêm
repouso ou contemplação, pois, à maneira dos mercados financeiros, o homem não
deve dormir nunca. Quando Benjamin desenvolve sua crítica à ideologia do progresso,
o filósofo o faz lembrando que tal ideologia já está inscrita na Aufklãrung com sua
32 Cf. Benjamin, Walter, Passagens, arquivo N 19, 3; Gabei, in: Mensonge et Maladie Mentale, Paris:
Allia, 1998.
33 Cf. Balibar, E., Introdução ao livro de Olivier Le Cour Grandmaison, Hainesfs), PUF, 2002, p. 4; cf.
Castoriadis, C, La Montée de Hnsignifiance. Les Carrefours du Labyrínhte, IV, Ed. du Seuil, 1996.
34 Cf. Revista Autrement, "Envie et Désir", fevereiro de 1998.
Aufk/ãrung na metrópole: Paris e a Via Láctea | Olgária Chain Féres Matos ■ 1133
“metáfora literal” da luz que deve ser “total” e “totalizadora”. Não se trata, pois, e
apenas de metáfora cuja procedência seria a razão emancipadora, de claridade produtora
de liberação cultural e política, mas da plena luz, comum à Aufklãrung e à intensificação
do trabalho. Recorde-se que o hino de marxistas e comunistas, nos séculos XIX e XX,
era a “Internacional” e que um de seus versos canta o maravilhoso porvir socialista no
qual “o Sol brilhará para sempre”. Para representar a liberdade socialista, um caricaturista
da época desenhava rostos gotejando suor, levantando a cabeça na direção do sol,
suspirando: “Há três anos ele brilha e não quer mais se pôr.’ A iluminação elétrica
modernizadora logo se estendeu do trabalho fabril por toda a metrópole, realizando-
se segundo a determinação socioeconômica capitalista, isto é, fazendo da noite o dia:
“a cidade grande”, escreveu Baudelaire, “ignora os verdadeiros crepúsculos’ .
A iluminação artificial priva-os de sua lenta metamorfose em noite e tem
ainda como efeito fazer desaparecerem as estrelas do céu, e, sobretudo, não se nota
quando despontam; por isso “a maneira como Kant descreve o sublime, através da lei
moral dentro de mim e do céu estrelado acima de mim’, não poderia ter sido concebida
por um habitante da cidade grande ”. 35 “A Via Láctea foi secularizada. Benjamin não
quer, com isto, significar apenas o desencantamento psíquico e da cultura, mas sobretudo
o impacto existencial da atividade sem trégua do modo de produção capitalista que,
desmedida, exige a dissipação da vida até os últimos limites físicos e biológicos do
indivíduo: o capital é Moloch, Vampiro, Juggernaut, monstros que vivem do sangue
humano. Com a eletrificação, o dia iluminado terá vinte e quatro horas. Que se pense
na Idade Média européia, quando os artesãos deviam, excepcionalmente, trabalhar à
noite e, para tanto, era preciso alimentá-los e remunera-los principescamente. Foi
proeza do capitalismo transformar uma modalidade de tortura - a da alienação do
tempo - em norma de toda a atividade , 36 considerando-se que, durante longo período,
tentou-se uma resistência desesperada contra o trabalho noturno ligado à
industrialização, porque “trabalhar antes do alvorecer ou depois do pôr-do-sol era
considerado imoral ”. 37
A determinação das atividades pela lógica do acúmulo e acréscimo do capital
resulta no sentimento de não mais se ter tempo — sentimento este presente,
paradoxalmente, também entre trabalhadores e desempregados -, de onde sua
organização institucional ser a figura mais eminente da alienação e da dominação pelo
mercado mundializado, pois nesta circunstância cada um perde o sentido e o mestrado
do tempo e de sua vida . 38 Eis por que Benjamin, em seu ensaio A Imagem de Proust , 39
escreveu que na contemporaneidade não há mais tempo para se viver grandes amores,
que “as rugas e marcas em nosso rosto são as assinaturas das grandes paixões que nos
estavam destinadas. Mas nós, os senhores, não estávamos em casa.” Este absenteísmo
35 Benjamin, Walter, Passagens, Arquivo J 64, 4.
36 Cf. Kurz, Robert, Avis aux Naufragés, Paris: Ed. Lignes/Manifestes, 2005.
37 Ibidem, p. 42.
38 Cf. Malaise dans la Temporalité, org. Paul Zawadzki, Paris: Ed. Publications de la Sorbonne, 2002.
39 Cf. Obras Escolhidas I, Brasiliense, 1983.
1134 ■ Passagens
atesta um não-engajamento, o não-empenho “na criação de valores espirituais ”. 40 Sem
laços estáveis, produz-se um déficit simbólico no indivíduo e na sociedade, uma vez
que valores dependem de um espaço comum de experiências compartilhadas, tal como
Benjamin as indica em seu ensaio “O Narrador ”. 41 Déficit simbólico corresponde à
espacialização do tempo e a sua mensuração abstrata, a sua patologia, visto que
determina o decréscimo das faculdades criadoras e fantasmáticas dos indivíduos
submetidos a oscilações do mercado, à insegurança e ao medo . 42
A ética da modernidade se pauta pela fórmula de Benjamin Franklin, para
quem “tempo é dinheiro”, fazendo Walter Benjamin transitar do Drama Barroco -
(Benjamin lembra que os dramaturgos eram, na maioria, luteranos) - às Passagens,
onde a ética protestante é abandonada em nome do espírito do capitalismo. Se “tempo
é dinheiro”, ele não é busca de sentido e subjetividade, mas heteronomia imposta pela
temporalidade do capitalismo tardio; e a monotonia aprofunda a crise do sentido da
atividade, pela desagregação do sentido da vida em comum que arrisca subsumir o
homem nesta alienação particular que Hannah Arendt nomeava “acosmismo”, o sentir-
se estranho no mundo, o ser supérfluo. O tempo da monotonia é o tempo estagnado,
é a temporalidade que se exprime na ansiedade de “matar o tempo”.
A temporalidade do capitalismo de produção é diversa daquela do capitalismo
de consumo. No primeiro caso, “o homem só sentia-se em casa quando fora do trabalho
e quando estava no trabalho estava fora de si”. Na sociedade do consumo, quando o
homem está fora do trabalho, tampouco encontra-se junto a si mesmo. A “escalada da
insignificância” se exprime na lógica do desengajamento em relação a um mundo
compartilhado, com respeito à criação de laços duradouros, culminando na
obsolescência de valores como responsabilidade, fidelidade, respeito, solidariedade;
ela induz à pressa, constrange à rapidez e à aceleração, acentuando a superficialidade
nos vínculos — já que os sentimentos, para se desenvolverem, requerem a duração . 43 A
flexibilização de contratos e regras na esfera pública invade a vida privada, de tal forma
que agora “O conselho do banqueiro ... mais importante que o do padre ”. 44
40 Cf. Abensour, Miguel, Quelques Réflexions sur la Philosophie de l'Hitlerisme de Lévinas, in: La
Philosophie de l'Hitlerisme, Paris: Ed. Fata Morgana, 1997.
41 Para a análise do modo de produção de mercadorias-fetiche e de tempo fetichizado, cf. Passagens,
arquivo X - "Marx", e N - "Teoria do conhecimento. Teoria do progresso".
42 Quando, na situação de trabalho, o trabalhador está permanentemente sob a pressão das empresas
nas quais sente-se "a mais", e "custando muito caro". Na perda da identidade profissional e da
auto-estima encontra-se uma situação traumática, uma vez que não apenas se perde um posto de
trabalho para talvez encontrar um outro, como toda uma vida pode ser desfeita: "Advêm sentimentos
de desvalorização de si, ruptura de redes de solidariedade, perda de elementos constitutivos da
identidade profissional, culpabilidade, vergonha, introversão, dilaceramento da comunidade de
trabalho que sustentava a existência (...). A perda de confiança no futuro - que se anuncia
incompreensível, produz uma profunda ansiedade a que respondem a angústia e o medo do
abandono. Angústias arcaicas que podem ter efeitos devastadores." (Gaujelac, Vincent, La Société
Malade de la Gestion, Paris, Ed. du Seuil, 2005. p. 164.
43 Cf. Haroche, Claudine, Processus Psychologique et Sociaux de 1'Humiliation: PAppauvrissement de
1'Espace Intérieur dans Plndividualisme Contemporainl, in: LHumiliation et le Politique. No prelo.
44 Bejamin, Walter, Passagens, "Marx", arquivo, X 2, 3.
Aufk/ârung na metrópole: Paris e a Via Láctea j Olgária Chain Féres Matos ■ 1135
A modernização comprime o rempo no desejo de consumo ilimitado, por
um lado, na exaustão, de outro, o que suscita a distinção entre exaustão e cansaço. Se
neste ainda é possível pensar e imaginar, na exaustão não há possibilidade de exercício
do pensamento, há apenas hiperatividade vazia e também destrutiva. 4 ’ Embora
aparentemente diversos, abulia e agitação constituem dois aspectos do tempo presente:
“as duas atitudes possuem um traço em comum: a reificação de si”, apreensão de si
como objeto sem valor e sem sentido. Não podendo escolher nem deliberar acerca do
trabalho e dos usos que poderia fazer do tempo, os homens não são mais agentes, mas
subsumidos pelas “leis de bronze da natureza”, pelas “leis do mercado mundial” e as
leis da racionalidade tecnológica: “A atividade tornou-se uma variante da passividade
e até mesmo onde as pessoas se cansam até o seu limite (...); ela tornou-se a forma de
uma atividade — mas para nada — isto é, uma inatividade .” 46 Nas Passagens , o tempo
vazio da repetição cósmica é “semelhante a um veneno”: “(como) à química moderna,
que resume a criação a um gás, a alma não compõe terríveis venenos? (...). Muitos
homens não são fulminados por algum ácido moral espalhado de repente em seu
interior?” 4 ' Tempo patológico, ele é preenchido pela cultura do excesso e da perda do
sentido, o que se encontra na base dos esportes radicais, obesidade mórbida, anorexia,
bulimia, terrorismos e guerras. E Benjamin cita Baudelaire:
“Ze monde va finir ” contém, nas malhas de uma visão apocalíptica, uma
crítica terrivelmente acerba da sociedade do Segundo Império. (...) Esta crítica
possui certos traços proféticos. (...) Sobre a sociedade futura escreve Baudelaire:
“Nada, em meio aos devaneios sanguinários, sacrílegos ou antinaturais dos
utopistas, poderá comparar-se a seus resultados positivos ... os governantes
serão forçados, para guardar o poder e criar uma aparência de ordem, a recorrer
a meios que fariam estremecer nossa humanidade atual, no entanto tão
endurecida?” 48
A monotonia não é da mesma natureza do spleen , por isso é preciso acrescentar
ao spleen as correspondências entre as épocas, entre o antigo e o novo, para habitá-las,
e, justapondo-as, Baudelaire evita o niilismo: “O spleen ”, observa Walter Benjamin,
“é, antes de mais nada, este vôo na direção do ideal que, predestinado a ser vão,
fracassa fatalmente e que, por esta razão, com o grito de lamento de ícaro - recairá
finalmente no oceano de sua própria melancolia ”. 49 O spleen como ideal constitui,
para Baudelaire, um campo existencial e político, spleen e ideal são entidades espirituais
e também a intenção que visam: o passado, no spleen, o futuro, no ideal. Com isto,
Baudelaire evita o pessimismo e o niilismo, porque o poeta busca valores: “Em
Baudelaire, é essencial a antiga representação do conhecimento como culpa. Sua alma
45 Cf. Benjamin, Walter, Passagens, arquivo D - "0 Tédio, Eterno Retorno"; arquivo J - "Baudelaire";
arquivo B - "Moda"; e "Paris, Capital do Século XIX".
46 Anders, Günther, LVbsolescense de 1'Homme, trad. Cristophe David, Paris: Ed. de l’Encyclopédie des
Nuisances, Ivrea, 2002. p. 247.
47 Benjamin, Walter, Passagens, arquivo N 19, 3.
48 Benjamin, Walter, Passagens, arquivo J 47a, 3.
49 In: Fragments, PUF, 2001, Collège International de Philosophie, p. 169.
1136 ■ Passagens
é o Adão a quem, no início dos tempos, Eva (o mundo) deu a maçã que ele provou.
Então o espírito o expulsou do jardim. Ele não se contentou com um saber sobre o
mundo, ele queria também reconhecer nele o bem e o mal .” 50
O spleen previne o Eterno Retorno do sempre igual, em nome do eterno
retorno do novo — e isto pelo médium das máscaras. A máscara do dândi — seu hábito
de mudar de rosto - corresponde à maquiagem da mulher, que a torna mágica e
sobrenatural, a fim de vencer o “natural” e impactar os espíritos. O elogio das aparências,
desenvolvido por Baudelaire, desloca a tradição para o moderno, à contracorrente da
trajetória da filosofia no Ocidente que cindiu essência e aparência. Benjamin reconhece
em Baudelaire o sentimento de que a essência retirou-se do mundo e dela só restou
sua ausência, ausência a ser presentificada pelo “frívolo”, pelo travestimento, pela
maquiagem. Substituta da idealidade desaparecida, na maquiagem a sedução vai lado
a lado com o fetichismo. Maquiagem e fetichismo extraem sua força da duplicidade
das coisas, e por isso a mulher é sósia de Satã, o senhor dos disfarces, o Senhor do Mal
e o grande Vencido, cuja força provém, a um só tempo, de sua contestação e
marginalidade.
O tempo baudelairiano é o tempo entrecruzado em que se reencontram e
se superpõem o grand e o petit monde, as lesbianas, Madame Bovary, Georges Sand,
Safo, o dândi, o trapeiro - personagens dissidentes de si mesmas, que sao “maquiadas”
e, à margem que estão, contrariam a “força das coisas”. A maquiagem “antiqüisa” o
moderno, como o pó-de-arroz no rosto da mulher; ele corresponde à mica do mármore
que confere à mulher moderna a dignidade de uma estátua grega, e é a maneira
feminina de consolidar e divinizar sua “frágil beleza”. De alguma forma o passado se
repete no presente, como a moda, mas é repetição transfigurada pelo choque do que
já foi com o atual.
Para Benjamin, no momento em que o mercado exibe mercadorias, e a cidade,
as massas, Baudelaire é capaz de transformar um choc em experiência, pois desfaz a
contemplação monovalente das coisas, a multiplicação indefinida do mesmo - a
mercadoria, a massa dos citadinos - fazendo transparecer a ambivalência do real e o
parentesco de valores opostos, transformando a repetição do sempre igual em “objeto
único”, em “raridade”. Por isso Baudelaire choca seus leitores, introduzindo o vocabulário
popular na poesia lírica, misturando o estilo elevado com a linguagem vulgar, da
mesma maneira que Benjamin choca o marxismo ao colocar em relação poesia e
mercadoria, política e arte, arte e técnica. Benjamin escreve para uma época que não
precisa mais da arte, pois da vanguarda apoderaram-se o fascismo, o estalinismo e a
sociedade do espetáculo contemporânea ; 51 as técnicas de reprodução determinam a
estetização da política porque a figura do ditador nasce da fusão entre o líder, a técnica
e o público. A aura das obras não é mais prerrogativa de deuses ou de santos, pois, na
falta do divino, transmite-se aos homens para dominá-los: “Benjamin é um dos únicos
50 In: Fragments, PUF, 2001, Collège International de Philosophie, p. 167.
51 Cf. Debord, Guy, Commentaires sur la Société du Spectade, Paris: Gallimard, 1996. Col. Folio;
Jappe, Anselm, Guy Debord, Rio de Janeiro: Vozes, 1 999.
Aufk/àrung na metrópole: Paris e a Via Láctea | Olgária Chain Féres Matos m 1137
pensadores a perceber que, para os intelectuais da direita na Alemanha, a desvinculação
da técnica dos ideais da república era sinônimo de recuperação da alma alemã, e que
a revolta contra a racionalização assumia a forma de um culto n da técnica.” No limite,
a política “opera sobre uma matéria superior à das artes - os próprios homens. Stalin
torna-se o artista que esculpe o homem de mármore e Hitler se vangloria de modelar
o próprio povo .” 53 Neste horizonte, “a superstição é o reservatório de todas as
verdades ” 54 e a razão pela qual Benjamin dirá que, em verdade, o mundo dominado
pela mercadoria revela que os homens não necessitam da fé, mas de crenças . 55
No âmbito da perda da experiência, da faculdade de julgar e de imaginar , 56
proliferam fetiches: o indivíduo contemporâneo é alguém cujo mundo próprio esvaziou-
se de valores ou no qual os próprios valores degradaram-se. Trata-se de uma experiência
quase alucinatória, uma patologia da experiência axiológica.
A monotonia e a derrisão do vivido circunscrevem um mesmo campo político
em que o tempo e seu poder de diferenciação desaparecem, convidando ao não-
pensamento, ao esquecimento das experiências do passado, o que nos reconduz ao
sentimento da perda da memória, perda de si e a da presença da alteridade, entre as
épocas e indivíduos; ela significa o apagamento da dimensão do futuro entendido
como determinação do indeterminado, ultrapassamento do já dado. Com efeito, o
desejo contemporâneo de identidade subjetiva não a quer “dissidente, não-narcísica,
polifônica”, ele produz a identidade apenas em termos de “diferença”:
Negando a pluralidade e reconhecendo-se a diferença, fratura-se a sociedade
pela via do gueto ou da tribo, ao mesmo tempo que se constrói sociedades
etnicamente homogêneas e, como se sabe, a pureza do sangue, a do espírito
ou a do conhecimento é a fonte de todas as barbáries. Foi a academia sérvia
de Ciência que proclamou o sérvio sujeito étnico. Croatas, albano-kosovares,
bósnios, muçulmanos, todos passam a ser sujeitos étnicos em um movimento
igualmente de exclusão dos demais. Ter sofrido e sido vítima em um certo
momento da história não concede à vítima o direito à impunidade . 57
52 Cf. Palhares, Taísa Helena Pascale, in: Aura : a Crise da Arte em Walter Benjamin, Ed. Barracuda, 2006.
53 Michaud, Yves, UArtà l'État O azeux; Essai sur le Tromphe de 1'Esthétique, Hachette, 2003. p. 75.
54 Cf. Baudelaire, "Projéteis", in: O Spleen de Paris, op. cit.
55 O Jornal O Estado de 5. Paulo, 6 maio 2006, p. A 32, Internacional, publicou a noticia, procedente de
Atenas, de que a adoração de Zeus, Hera, Hermes, Atenas e os demais deuses da Grécia Antiga não
será mais proibida. Os fiéis dizem defender "tradições, religião e crenças legítimas de seus antepassados
ao aderir a uma cultura politeísta pré-cristã". Reivindicam ao Parlamento grego e à União Européia o
acesso, para fins de culto, da Acrópole e do Monte Olimpo. Desejam ter seus próprios cemitérios e, se
necessário, reenterrar os ossos antigos dos mortos. A Igreja cristã ortodoxa, que abrange 98% dos
gregos, disse tratar-se de "venenosas práticas New Age".
56 Em termos kantianos, trata-se da tendência ao desaparecimento do "esquematismo da imaginação", a
passagem do objeto a sua representação, da coisa a seu sentido.
57 Cf. Ramoneda J„ Depois da Paixão Política, Senac, 2003. p. 27; Goldnagel, William, Les Martirocrates:
Derives et Impostures de 1'ldéologie Victimaire, Paris: Plon, 2004.
] J38 a Passagens
Na contramão do presente, Benjamin procura preservar o potencial utópico
e secreto contido no coração mesmo das obras de cultura e da tradição, para ele a
primeira tarefa do historiador materialista . 58 Nas Passagens, a ação revolucionária não
pretende liberar o futuro para nele construir uma civitas Dei mundana, é o passado
que traz consigo um índice temporal “que reenvia à redenção”, aqui história e destino
são noções contraditórias, a felicidade conduz para fora do destino, história e felicidade
reabrem o passado - por isso, da felicidade que o século XIX prometeu não está
ausente a nostalgia. A felicidade é retorno ao universo dos sonhos e da memória, é
retorno ao que na história se dispersou, se perdeu e se esqueceu . 59 Nas passagens de
Paris, Benjamin reconhece “moradas de sonho” - na diferença entre oneiros - sonhos
ligados às predições, visões e profecias - e enypion - sonhos não oraculares. Assim, se o
moderno é para Benjamin a perda da experiência e, por isso também, catástrofe em
permanência, é porque a experiência não procede apenas do já vivido ou do que a nós
foi transmitido, mas também dos sonhos de uma época: experiência e felicidade
constituem algo que não foi vivido . 60 Reviver o não-vivido é a experiência revolucionária
do flâneur, porque sua deambulação é o signo do recomeçar a vida a cada dia em uma
“magia propiciatória”. 61
Benjamin dizia de Baudelaire ser ele um caminhante desgarrado, vivendo ao
mesmo tempo no presente e na vida anterior, pois nesta inscreve-se um criptograma
que, enigmaticamente, contém a profecia doadora de sentidos novos às coisas - tudo
o que resiste a ser fixado ou decifrado por métodos históricos objetivistas. Seu caráter
de enigma o preserva de toda interpretação historicizante, pois o futuro não se deixa
seqüestrar nem arquivar; e a felicidade só se preserva no presente que, paradoxalmente,
traz consigo rraços de ocasiões perdidas. Uma tal formulação filosófica da felicidade
58 Cf. Lõwy, Michel, Walter Benjamin: Aviso de Incêndio, Tese n. II, São Paulo: Boitempo Editorial, 2005.
59 Cf. Idem.
60 "A imagem da felicidade", anota Benjamin, "está marcada por inteiro pelo tempo para o qual nos
relegou agora o curso de nossa própria existência. A felicidade que poderíamos desejar não diz
respeito senão ao ar que poderíamos ter respirado, aos homens com os quais poderiamos ter
conversado, às mulheres que poderiam ter-se entregue a nós (...) Não há nas vozes que escutamos
hoje ecos daquelas desaparecidas?" (Tese n. II de "Sobre o Conceito de História", in: llluminationen,
Ed. Fischer Verlag, 1981.
61 Para ampliar o conceito de razão, Benjamin realiza a crítica ao método na premissa gnoseológica do
Drama Barroco onde, ao referir-se a um antimétodo, vale-se do Tratado medieval, do Mosaico
árabe, da Mônada leibniziana, de alegorias, do Surrealismo e do Expressionismo. O tempo
estético revela-se, na obra Passagens, como um tempo antidestino, antimonotonia, com o inesperado
das colagens e montagens e, de certo modo, o dos "acasos objetivos" do Surrealismo. Lembre-
se que Péladan, a quem nomeia na obra Passagens, foi um mago de prestígio, frequentado pelos
surrealistas, simbolistase decadentistas. Para os surrealistas, as "iluminações profanas" e o "acaso
objetivo" constituem o par programático da postura surrealista, "este último instantâneo da
inteligência européia", significam o contato com experiências que não as fenomênicas. É neste
sentido que Breton se proclama flâneur. Benjamin refere-se a Breton para quem a rua é o único
campo de experiência válido na modernidade: "A rua, a quem eu acreditava entregar a minha
vida, com seus surpreendentes desvios, a rua com suas inquietações e seus olhares, era meu
verdadeiro elemento. Lá eu recebia, como em nenhum outro lugar, o vento do eventual", dizia
Breton no seu romance Nadja. Cf. O Surrealismo: Último Instantâneo da Inteligência Européia, in:
Obras Escolhidas I, Brasiliense, 1996; Cf. Willer, Cláudio, Poesia e Poética: Ensaios sobre o
Surrealismo, Perspectiva, 2005.
Aufklârung na metrópole: Paris e a Via Láctea | Olgáría Chain Féres Matos ■ 1139
comporta tristeza, tristeza redimida pelo sonho ( oneiros ), pois este não se realiza no
campo neutro da esfera transcendental ou nos “experimentos” ascéticos da lógica formal
ou da temporalidade abstrata, mas pelo conhecimento dialético, no qual história e
felicidade são imaginais.
“Imagens dialéticas ”: 62 reconciliando tradições rivais - a imagem ligada ao
sensível, à aparência, ao contingente — e o conceito — ao concreto e à Razão — , elas
justapõem fragmentos em uma colagem de elementos heterodoxos, como nas alegorias
barrocas e na experiência do haxixe:
Visão sob o efeito do haxixe no salão de jogos de Aix-la-Chapelle. “O pano
verde de Aix-la-Chapelle é um congresso hospitaleiro no qual as moedas de
todos os reinos e de todos os países são admitidas... Uma chuva de leopoldos,
de frederi cos-guilhermes, de rainhas vitórias e de napoleões se instalava ...
sobre a mesa. De tanto considerar esse brilhante aluvião ... pensei perceber
... que as efígies dos soberanos ... se apagavam irrevogavelmente de seus
escudos, guinéus ou ducados respectivos, para dar lugar a outros rostos
inteiramente novos para mim. (...) Logo esse fenômeno ... empalideceu e
desapareceu diante de uma visão não menos extraordinária... As efígies
burguesas, que haviam suplantado as Majestades, não tardaram, por sua vez,
a se agitar no círculo metálico ... em que estavam confinadas. Logo elas
saíram dali, primeiro pelo volume exagerado de seu relevo, depois as cabeças
se destacaram em alto-relevo... (...) corpos liliputianos; o todo se modelou
(...). Eu ouvia bem o tilintar do dinheiro no choque com o aço dos ratôs,
mas era tudo que restava da antiga sonoridade ... dos luíses e escudos
transformados em homens .” 63
O mundo encantado dos contos de fada, com seus príncipes e rainhas, mistura
valores aristocráticos com o mundo burguês; os espíritos do passado assombram o
jogador, porque retornam mas também porque em todo jogo há aposta. Na perspectiva
de Benjamin, a aposta visa ao ganho, mas nele menos o dinheiro, e mais o confronto
do destino. No gesto ansioso e rápido, o jogador procura dobrá-lo, conseguir uma
“pausa” e “agarrar” a sorte. O jogo é um perigo “natural” ou “histórico”, artificialmente
criado, é a ocasião em que se manifesta a presença de espírito: “Supondo-se existir algo
como um jogador de sorte e, portanto, um mecanismo telepático que joga, este
mecanismo deve ter sua sede no inconsciente (...). Um jogador de sorte opera
instintivamente, como um homem no momento de um perigo .” 64
62 Sobre as imagens dialéticas, conferir Pinheiro Machado, Francisco, Bild und Bewusstsein der
Geschichte, Verlag Katl Alber, München, 2006.
63 Benjamin, Walter, Passagens, arquivo G, 14.
64 Benjamin, Walter, A Mão Feliz, in: Rastelli, Erzãhlt, Gesammelte Schriften IV, 2, Surkkamp, p. 776.
Cf. ainda, Jogo e Prostituição, in: Charles Baudelaire, um Lírico no Auge do Capitalismo, Obras
Escolhidas III, São Paulo: Brasiliense, 1989.
1140 ■ Passagens
A presença de espírito percebe a constelação favorável e captura, no ar, à corps
perdu, sua “última e única chance”. E o fragmento “Madame Ariadne: segundo pátio
à esquerda” diz que ela acontece sempre a contratempo. Ganha aquele que tem “o
golpe de mão corajoso”, feliz, porque não procura acelerar o tempo ou dominar o
destino, mas espreita, hesitante, sua chance.
UM PAINEL COM MILHARES DE LÂMPADAS"
METRÓPOLE & MEGACIDADE
Willi Bolle
“A quintessência do seu método é a forma de apresentação. Esta caracterização
que Walter Benjamin deu ao seu livro sobre o drama barroco alemão aplica-se num
sentido ainda mais intenso ao seu opus magnum: às Passagens. Nossa ideia aqui é expor
como a forma de apresentação do saber histórico nessa obra se entrelaça com a proposta
de um novo método historiográfico e o que este pode significar para os historiadores.
Em relação à introdução de Rolf Tiedemann, que já permitiu ao leitor inteirar-se de
muitas das características das Passagens, a função deste posfácio consistirá sobretudo
em apresentar algumas questões de pesquisas mais recentes, especialmente esta: o que
o estudo de Benjamin sobre a metrópole Paris pode significar para as megacidades da
América Latina e, por extensão, do Terceiro Mundo?
A tarefa de esclarecer inicialmente qual é o tema das Passagens esta imbricada
com as questões do título da obra, as diversas fases de sua elaboração e o gênero ou
estatuto do texto.
Na fase inicial (1927-1929), Benjamin cogitou num ensaio de revista,
intitulado “Passagens Parisienses: Uma Feeria Dialética”. Na segunda etapa (1934-
1937), ele organizou, a partir do esboço inicial, um vasto arquivo de notas e materiais,
pensando numa publicação em forma de livro. O exposé desse projeto foi apresentado
à entidade financiadora, o Instituto de Pesquisa Social em Nova York, com o título
“Paris, a Capital do Século XIX” e constava do programa oficial como “A História
Social da Cidade de Paris no Século XIX”. Num terceiro momento (1937-1938),
quando Benjamin foi encarregado de escrever um artigo materialista sobre Baudelaire ,
ele projetou em vez disso um livro, que seria um “modelo [...] do trabalho das
Passagens’ (GS V, 1 1 65) 1 e se chamaria Baudelaire - Um Poeta Lírico no Auge do Capitalismo.
Das três partes que deveriam compô-lo, Benjamin redigiu a do meio, denominada
1 As referências que se baseiam na edição alemã dos Gesammelte Schriften (GS) aparecem no texto com a
indicação do volume e das páginas entre parênteses; citações de fragmentos das ''Notas e Materiais"
e do "Primeiro Esboço" das Passagens são indicadas com as respectivas siglas.
1142 ■ Passagens
“A Paris do Segundo Império em Baudelaire”. Ora, esse texto foi recusado pelo
Instituto, em novembro de 1938 - o que contribuiu decisivamente para a não
conclusão do livro.
Na quarta e última fase do trabalho (dezembro de 1938 até setembro de
1940, mês da morte de Benjamin), a indefinição entre o projeto das Passagens e o
Livro sobre Baudelaire se prolongou e o autor procurou salvar do seu projeto o que era
possível naquelas circunstâncias extremamente difíceis: sua dependência financeira do
Instituto, a eclosão da II Guerra Mundial, a invasão da França pelo exército alemão e
a necessidade de fugir de Paris. Benjamin redigiu o artigo “Sobre Alguns Temas em
Baudelaire”, que obteve a aprovação do Instituto. Ampliou também a coletânea de
materiais das Passagens e escreveu um segundo exposé, em francês, intitulado “Paris,
Capital do Século XIX”, com o intuito de encontrar nos Estados Unidos um mecenas
que pudesse financiar o projeto, já que o Instituto se encontrava em dificuldades
financeiras. Em seu último texto, “Sobre o Conceito de História”, Benjamin procurou
fixar em forma de teses uma série de reflexões teóricas e metodológicas, pré-formuladas
em boa parte no arquivo temático “N - Teoria do conhecimento, Teoria do progresso”.
Quanto ao tema das Passagens, pode-se verificar que Benjamin, para retratar
Paris como “capital do século XIX”, resolveu não abarcar o século XIX em toda sua
extensão cronológica. Limitou-se estrategicamente a focalizar o Segundo Império (1852-
1870) e as duas décadas anteriores, ou seja, a história da França entre a Revolução de
1830 e a Comuna de Paris (1871), depois da qual se estabeleceu a Terceira República,
vigente até a época em que Benjamin trabalhou em seu projeto.
Nesse recorte das quatro décadas centrais do século XIX está contido o perfil
essencial da história da Modernidade. Para expressá-lo com as coordenadas de um
historiador nosso contemporâneo, Eric Hobsbawn: trata-se da passagem da Era das
Revoluções (1789-1848) para a Era do Capital (1848-1875) que preparou a Era dos
Impérios (1875-1914); sendo que esta última desembocou na I Guerra Mundial que,
assim como a II Guerra Mundial, foram tentativas da Alemanha, imperial e depois
nazista, de conquistar um lugar entre as potências mundiais. O fato de Benjamin —
nascido em 1892 e pertencendo à geração recrutada pelo Estado alemão para participar
de ambas as guerras mundiais - focalizar a história de uma metrópole, Paris como
capital de um império colonial, dá uma idéia de como pode ser interpretada sua
intenção de expressar “os interesses históricos decisivos de nossa geração” (GS V, 1137).
Note-se que no texto original das Passagens - dedicado essencialmente a
estudar o fenômeno da Metrópole moderna — a palavra metrópole não é empregada
nenhuma vez por Benjamin; e conseqüentemente também não a usamos na edição
brasileira. A palavra que ele usa é GroJ?stadt — “cidade grande”, dentro de uma tradição
filosófica que tem como marco fundamental o artigo de Georg Simmel, “As Grandes
Cidades e a Vida Espiritual” (“Die Grofístãdte und das Geistesleben”, 1903); e dentro
da própria tradição histórica e urbanística alemã, onde até o começo do século XX
uma metrópole comparável a Paris, Londres ou Nova York não existia. Apenas a partir
"Um painel com milhares de lâmpadas' - metrópole ã: megacidade | Willi Bolle u 1 143
da década de 1920, Berlim, que chegou então a ser a quarta cidade mais populosa do
mundo, equiparou-se àquelas metrópoles em termos de irradiação mundial, sobretudo
graças ao seu ritmo de vida e sua esplêndida atividade cultural. No mais, a tradução
inglesa do referido artigo - “The Metropolis and Mental Life” - é mais um indício de
que a Grofstadt , tanto para Simmel quanto para Benjamin, designa de fato a
“metrópole”.
Por outro lado, na situação atual de uso inflacionário da palavra metrópole
(como simples equivalente de “cidade grande”, tanto em português como em alemão),
faz-se necessário - em função da própria compreensão do projeto das Passagens - uma
rememoração do significado original da palavra. Na Antigüidade, a metropolis (do
grego méter = “mãe” e pólis = “cidade”) designava a “cidade-mãe”, erq relação às “cidades-
filha” ou “colônias” que ela fundou e que dependiam dela, sendo que a metrópole
podia tanto ser uma cidade quanto um Estado. Enquanto na Grécia as colônias eram
relativamente independentes da cidade-mãe, essa situação mudou radicalmente no
Império romano: as colônias resultaram da subjugação de outros povos e países e eram
mantidas num regime de dependência, o que aumentava o domínio de Roma. No
auge daquele Império, não obstante a existência de filiais, ou seja, de metrópoles de
segundo e terceiro grau, a Metrópole, a rigor, só existia no singular. No início da era
moderna, o fenômeno da metrópole ressurgiu nos empreendimentos coloniais da
Espanha e de Portugal, que fundaram na América Latina cidades filiais estratégicas
como Ciudad de México, Buenos Aires e São Paulo que, a partir de meados do século
XX, se transformariam de forma explosiva em megacidades.
Isso posto, percebemos mais claramente como o autor das Passagens focaliza o
fenômeno da metrópole, no sentido pleno da palavra. As marcas de Paris como centro de
um império colonial encontram-se espalhadas pela obra inteira: desde o registro de uma
conversa entre o prefeito Haussmann e Napoleão III sobre o projeto de embelezamento
da Capital do Império” [E 3, 4], até a descrição da Place du Maroc, no bairro de
Belleville, como “monumento do imperialismo colonial” [P la, 2]; e desde os panoramas,
onde, oficiais desocupados... procurafm] campos de batalha adequados a suas imaginárias
guerras coloniais” [Q 1, 5], até as Exposições universais de 1855, 1867, 1878, 1889,
com destaque para a de 1867, “uma festa frenética que marcou o apogeu do Segundo
Império” [G 4, 4], “Dar a volta nesse palácio, circular como o equador”, diz um catálogo
da exposição, “é literalmente girar em torno do mundo” [G 2, 4], “Tudo o que está
alhures está em Paris”, completa Victor Hugo [M-Epígrafe]. Em suma, a imagem da
metrópole como abreviatura do universo está condensada nesta tripla definição das
passagens como “uma cidade, um mundo em miniatura” [A 1, 1], “templo do capital
mercantil ’ [A 2, 2] e “o molde oco a partir do qual se cunhou a imagem da ‘modernidade’”
<a°, 2>.
Passagens-. A própria diversidade de títulos dados às diferentes edições da
mesma obra — Das Passagen-Werk-, Parigi, Capitale dei XIX Secolo; Le Livre des Passages;
The Árcades Project - reflete de maneira eloqüente o fato de Benjamin não ter escolhido
um título definitivo. Na maioria das vezes, ele fala em “Passagenarbeit” = “Trabalho
1144 ■ Passagens
das Passagens”, em momento algum em “A Obra das Passagens”, que foi o título colocado
pelo editor alemão. Nenhuma das traduções o acolheu. Primeiro, por não ser da autoria
do próprio Benjamin, mas parece também porque a denominação de “obra”, a não ser
que se trate especificamente de um work in progress, sugere um texto acabado. A
classificação dos escritos de Benjamin na edição dos Gesammelte Schrifien segundo o
critério de “textos concluídos” e “textos que permaneceram fragmentos” não pode
deixar de provocar controvérsias, uma vez que o próprio autor — estudioso e praticante
de uma escrita fragmentária, na tradição do Barroco e do Romantismo alemão — não
se pautou por esse tipo de estética.
Nossa opção de título — Passagens — concentrou-se na palavra-chave do projeto
de Benjamin; o adjetivo “parisienses” podia ser economizado, já que se trata de uma
arquitetura típica da capital francesa. A palavra “passagens” abre um amplo leque
semântico com, no mínimo, três dimensões. 1) A referência topográfica, arquitetônica,
urbanística e, com isso, a ambição de “representar a imagem do mundo” numa espécie
de abreviatura monadológica. 2) A referência temporal, como passagem da era das
revoluções para a era do capital e dos impérios, ou da iluminação com lamparinas de
óleo a bicos de gás e as lâmpadas elétricas e, com isso, a simbolização do “efêmero” dos
surrealistas e do próprio fluir ininterceptável da História. 3) A referência ao próprio
modo de escrever a história da metrópole de Paris, de representar da forma mais concreta
possível o labirinto urbano através de uma sintaxe enciclopédica de milhares de citações
ou trechos ou “passagens”, extraídas de centenas de livros. 2
Com isso, entramos na discussão da questão do gênero ou estatuto de texto
a que pertencem as Passagens. Esta é e continua sendo uma das prioridades dos
pesquisadores, como mostram os debates, desde o colóquio internacional de junho de
1983 sobre “Walter Benjamin e Paris”, até o mais recente, “Walter Benjamin -
topografias da lembrança”, de junho de 2005, ambos realizados em Paris. As
denominações usadas por Benjamin e pelos estudiosos das Passagens abrem um rico
leque de possibilidades de enfoque, cujos principais aspectos passamos a comentar e
que desembocam sobre as questões-chave teóricas e metodológicas de como organizar
o saber histórico e como escrever a história.
É o esboço como forma que caracteriza a primeira fase das Passagens - não o
ensaio, uma vez que o planejado artigo “Passagens Parisienses: Uma Feeria Dialética”
não chegou a ser escrito. De fato, o “esboço” ( Entwurf ), termo utilizado pelo próprio
Benjamin para falar dessa etapa do seu trabalho (GS V, 1138), representa uma forma
e um gênero da nova historiografia. 3 Assim como o brouillon, o esboço é uma expressão
do provisório, do ainda não pronto, de algo em fase de planejamento. É um gênero
2 Há ainda outros significados de "passagem": "metamorfose" (a da "planta primeva", em Goethe),
"transição" (do inconsciente para o consciente) e "tradução" ou "transposição" para uma outra
cultura.
3 Cf. Eberhard lãmmert, Geschichte ist ein Entwurf. Die neue Glaubwürdigkeit des Erzãhlens in der
Geschichtsschreibung und im Roman, The Oerman Quarterly 63 (1990) n° 1, pp. 5-18.
"Um painel com milhares de lâmpadas" - metrópole Sc megacidade | Willi Bolle ■ 1 145
que pode transformar-se em “prolegômenos”, ou seja, preparativos do texto principal,
mas também, no limite, enquanto projeto não realizado, ser sentido pelo próprio
autor como um “lugar de ruínas” (GS V, 1096).
Para os elementos constitutivos tanto do Primeiro Esboço quanto da coletânea
da segunda fase, a denominação mais adequada é certamente a de fragmento(s)-, ela
aplica-se a cada um dos materiais e notas, excertos, resumos, citações, trechos de
outros textos, em suma, a cada uma das “passagens”. O fragmento, que já ocupou um
lugar de destaque na estética barroca, foi consagrado pelos primeiros românticos alemães,
principalmente Friedrich Schlegel e Novalis, como um gênero por excelência da
modernidade. Praticando um “construtivismo fragmentário”, 4 Benjamin adapta esse
gênero para um cenário urbano. De fato, a “constelação” de fragmentos, ligada ao
procedimento estilístico da “enumeração caótica” (Leo Spitzer), é muito apropriada
para expressar o fenômeno da Grande Cidade contemporânea enquanto fonte de
estímulos de percepção múltiplos, simultâneos, polifônicos.
A designação usada por Benjamin para falar da forma das Passagens no início
de 1934 é “coletânea” (GS V, 1099): um conjunto de “numerosas folhas de estudos”,
uma “documentação” com “materiais” e “notas”, que foi constantemente ampliada, até
maio de 1940. A diferença entre o esboço inicial e a coletânea da segunda fase é
fundamental. No começo, as observações e ideias foram anotadas na ordem cronologica
em que surgiram. É o que procuram dizer as siglas introduzidas pelo editor alemão
nos textos do Primeiro Esboço - 405 fragmentos do tipo <A°, 1> etc. e 24 fragmentos
do tipo <a°, 1> etc.; trata-se de uma classificação meramente serial, sem conotação
semântica. Por outro lado, já aparece ali a figura emblemática do Colecionador, que
dará depois o nome a um dos arquivos temáticos da segunda fase [H], e que contém
boa parte do programa teórico de Benjamin, além do seu auto-retrato. O Colecionador
é um “grande fisiognomonista” <0°, 6> do mundo dos objetos; ele sabe que estes são
a chave para entender sua própria história e a de sua coletividade, e possui o dom de
manejar e interpretar os objetos (fragmentos) como peças de uma “enciclopédia mágica
<0°, 7>.
A partir de um dado momento, provavelmente em 1928, esse repertório
inicial, voltado para um ensaio em forma de artigo, já não era condizente com as
intenções de Benjamin. Pensando num formato de publicação mais amplo, ele
organizou um dispositivo quantitativa e qualitativamente diferente. A coletânea inicial
de 405 + 24 fragmentos foi enormemente ampliada na segunda fase do trabalho,
resultando numa verdadeira enciclopédia urbana com mais de 4.000 fragmentos. Ela
foi estruturada com vistas a uma pesquisa “exata e sistemática (GS V, 1111). Aqueles
dentre os fragmentos iniciais que Benjamin queria manter foram transcritos e formaram
a base do “grande manuscrito” das “Notas e Materiais” (GS V, 79-989), isto é, o
núcleo substancial do trabalho das Passagens. Essa coletânea é constituída por 36
Konvolute ou “arquivos temáticos”, como preferimos traduzir, uma vez que a palavra
4 Cf. Detlev Schõttker, Konstruktiver Fragmentarismus: Form und Rezeption der Schriften Walter
Benjamins, Frankfurt a. M., Suhrkamp, 1999.
1146 ■ Passagens
Konvolut - aplicada por Adorno aos manuscritos de Benjamin - designa um maço de
papéis pertencentes a um mesmo assunto. Os arquivos temáticos foram dispostos por
Benjamin numa ordem alfabética e seus elementos constitutivos identificados por
meio de siglas alfanuméricas: são 4.234 fragmentos do tipo [M 6a, 4] — sendo que,
neste exemplo, trata-se do fragmento n° 4, localizado no verso da página 6 do arquivo
“O Flâneur”. Assim, a forma de organização do saber passou a ser propícia para a
investigação científica, sem que fosse completamente abandonado o espírito inicial de
uma “desordem produtiva” [H 5, 1], própria do Colecionador.
I. A Forma de Apresentação: Livro ou Arquivo?
Qual é exatamente a função desse grande arquivo de milhares de fragmentos
que constitui as Passagens ? Podemos distinguir basicamente dois tipos de uso: 1) como
coletânea provisória de materiais em função de um livro a ser redigido, para depois ser
dispensada; 2) como banco de dados com valor permanente, dispositivo para formas
sempre novas de escrita da História. Vejamos cada uma dessas alternativas.
Quando Benjamin encaminhou, em 1935, ao Instituto de Pesquisa Social o
exposé “Paris, a Capital do Século XIX”, ele visava à produção de um livro (cf. GS V,
1105). O “plano geral” (GS V, 1113) seria constituído por seis seções ou capítulos,
predominantemente topográficos - “Fourier ou as passagens”, “Daguerre ou os
panoramas”, “Grandville ou as exposições universais”, “Luís Filipe ou o intérieur ”,
“Baudelaire ou as ruas de Paris”, “Haussmann ou as barricadas” nos quais se
reconhecem os arquivos temáticos da coletânea de materiais. A “conclusão definitiva”
da obra parecia ser em maio de 1935 uma questão de poucos meses (GS V, 1113).
No entanto, o livro das Passagens nunca foi escrito. As razões são várias e
devem-se tanto às dificuldades teóricas, quanto a obstáculos práticos. Na “carta de
Hornberg”, de agosto de 1935 (GS V, 1127-1136), Adorno submeteu o exposé a uma
crítica radical, apontando equívocos no conceito central de “imagem dialética”, a
importância de um aprofundamento teológico das categoriais historiográficas e a
necessidade de rever o plano inteiro. O próprio Benjamin reconheceu que “falta[va] o
momento construtivo” (GS V, 1139). Ora, naquela situação, de meados de 1935 até
abril de 1937, em que ele precisava dedicar-se integralmente ao livro das Passagens , o
tempo acabou sendo tomado por dois artigos importantes, solicitados pelo Instituto:
o ensaio sobre a obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica e o estudo sobre
Eduard Fuchs.
Quando, em abril de 1937, chegou a proposta de escrever “um artigo
materialista sobre Baudelaire”, este acabou sendo o teste definitivo se o almejado livro
era realizável — no caso, um Livro sobre Baudelaire , como “modelo em miniatura” ou
“modelo muito exato do trabalho das Passagens ” (GS V, 1164 e 1165). Do ponto de
"Um painel com milhares de lâmpadas' - metrópole & megacidade | Willi Bolle ■ H47
vista da expectativa, o resultado foi negativo. Das três partes programadas, apenas a do
meio chegou a ser redigida (“A Paris do Segundo Império em Baudelaire”), e como foi
vetada para a publicação, o autor não teve como concluir o projeto.
No meio do malogro, há, no entanto, um aspecto positivo, que até agora
quase não foi discutido. Existe uma observação de Benjamin sobre a planta de construção
do Livro sobre Baudelaire que é de alta relevância teórica. Em julho de 1938, ele escreve
a Scholem ter dedicado “uma longa série de reflexões à composição” do livro-modelo
das Passagens ; e, em agosto, comunica ao casal Adorno que “sob quaisquer circunstâncias
ele queria ter diante dos olhos o volumoso conjunto [desse livro] em todas as suas
partes, antes de começar a redigir a primeira linha” e que, “por meio de uma grande
série de notas” produzidas durante dois meses, ele efetivamente “atingiu esse objetivo”
(GS I, 1087). Ou seja: a planta de construção permitiu visualizar o modelo das Passagens
como um todo: além da parte do meio, igualmente a do início (“Baudelaire como
autor alegórico”) e do fim (“A mercadoria como objeto poético”). Com isso, ficou
valorizado também o grande arquivo de Notas e Materiais, pois a partir dele a pesquisa-
modelo foi engendrada.
O valor operacional e a interação de ambos os arquivos merecem ser
explicitados. A coletânea de “Notas e Materiais” foi utilizada por Benjamin como um
banco de dados dando suporte a um programa de pesquisa. O processamento dos
dados transferidos do arquivo de origem para o de destino (1.745 de 4.234 fragmentos,
ou seja, cerca de 41%) teria sido definitivo se tivesse se cristalizado num livro, mas
ficou provisório, uma vez que só se chegou até a fase da planta de construção. Eis a
reviravolta dialética: é justamente o caráter provisório do texto de chegada, o não-
livro, que acaba valorizando o arquivo de origem como dispositivo permanente
indispensável.
A rede de dados representada pelos 36 arquivos temáticos das “Notas e
Materiais” pode ser entendida como um dispositivo de historiografia polifônica. Com
efeito, cada um desses arquivos representa um fio específico num tecido historiográfico
complexo, em que se imbricam os mais diversos modos de escrever a história. O todo
deixa-se esquematizar desta forma:
História topográfica:
História política:
História econômica:
História da técnica:
História social:
arquivos A - Passagens, I - O intérieur, P - As ruas de Paris,
C - Paris antiga, 1 - O Sena, M - O flâneur, m - Ociosidade,
R - Espelhos, T - Tipos de iluminação
E - Haussmannização, a - Movimento social,
V - Conspirações, k - A Comuna
G - Exposições, g - A Bolsa de Valores, Z - A boneca
F - Construções em ferro, r - Ecole Polytechnique
U - Saint-Simon, W - Fourier, X - Marx,
p - Materialismo antropológico
1148 ■ Passagens
Antropologia geral:
História da arte e
da mídia:
História da literatura:
História da percepção:
Teoria da história:
Livro-modelo:
B - Moda, S - Novidade, D - Tédio, O - Prostituição, Jogo
Q - Panorama, Y - Fotografia, i - Técnica de reprodução,
b - Daumier
d - História literária
L - Morada de sonho
H - O colecionador, K - Cidade de sonho,
N - Teoria do conhecimento
J - Baudelaire
Estamos diante de uma dezena de modalidades de escrever a história, que
Benjamin combina para atuarem em conjunto. Além da importância especial das
referências topográficas urbanas, que fundamentam o projeto, observa-se um quadrívio,
de elementos de “infra-estrutura” (na nomenclatura marxista) — história econômica,
política, social e da técnica — e outro quadrívio, de elementos da história cultural ou
“superestrutura”: história da arte e da mídia, da literatura e da percepção, além da
antropologia geral. A isso acrescentam-se as reflexões sobre o próprio modo de escrever
a história. Por meio dessa historiografia polifônica, que parte de concretudes topográficas
e fenômenos estéticos do cotidiano, Benjamin queria renovar a historiografia tradicional,
acomodada no tripé da história econômica, social e política, em cima do qual pairava,
tanto na visão burguesa como na marxista, a “história cultural” ou “história do espírito”.
Como esse dispositivo de historiografia polifônica, representado pela rede
dos arquivos temáticos, funciona na prática, enquanto forma concreta de escrever a
história? E preciso ter claro, tanto nesta esquematização quanto na ordem das anotações
de Benjamin, que se trata essencialmente de um texto espacial, não-seqüencial, em
que as relações sintáticas entre as partes se estabelecem de forma constelacional, por
associação de idéias ou por meio de links. E um “hipertexto”, no sentido da definição
já clássica proposta pelo designer e programador Theodor Nelson em 1965.
Para dizê-lo de maneira categórica: essa organização do saber histórico em
forma de uma rede de categorias e fragmentos, elaborada por Benjamin, pode ser
visualizada, mas não pode ser narrada. Estamos diante de uma escrita visual-espacial,
baseada na tradição dos grafismos e diagramas, pictogramas e hieróglifos, ou seja, na
tradição da semelhança do escrito com o representado; 5 esta forma de escrita opõe-se
a uma outra, narrativa-seqüencial, dentro da tradição de representar a realidade por
meio de sons, uma escrita alfabética, regida pela arbitrariedade do signo. Existe,
contudo, a possibilidade de traduzir o dispositivo historiográfico espacial para um
discurso temporal. Para isso, é necessário escolher uma perspectiva, montar uma grade
de categorias e elementos, e definir uma seqüência. Foi o que Benjamin fez, ao passar
do grande arquivo de “Notas e Materiais” para a planta de construção do livro-modelo,
cujas 30 categorias construtivas estão aqui reunidas:
5 Cf. W. Bolle, "As siglas em cores no Trabalho das Passagens, de W. Benjamin", Estudos Avançados, 10
(1996), n° 27, pp. 41-77.
"Um painel com milhares de lâmpadas" - metrópole & megacídade | Willi Bolle ■ 1149
CHARLES BAUDELAIRE, UM POETA LÍRICO NO AUGE DO CAPITALISMO
I. Baudelaire como autor
II. A Paris do Segundo
III. A Mercadoria como
alegórico
Império em Baudelaire
objeto poético
Recepção
Rebelde e alcagüete
a Mercadoria
Recepção em geral
Reações políticas
Novidade
Notas sobre Gautier /
a arte pela arte
Mercado literário
Eterno retorno
Notas sobre Dante /
Fisionomia do Inferno
o Flâneur e a Massa
Spleen
Disposição sensitiva
a Prostituta
Perda da auréola
Paixão estética
Tédio
Jugendstil
Alegoria
o Herói
Tradição
Banimento do orgânico
Antigüidade parisiense
Progresso
Melancolia
Paris ctônica
Salvação
Lesbos
o Dândi
Elementos fisionômicos
A comparação entre o dispositivo anterior de uma historiografia polifônica-
espacial e este esquema da planta do livro-modelo dá uma idéia da interação entre as
duas modalidades de escrita da história, em forma de rede e numa ordem temporal . 6
Benjamin substituiu sua visão “de cima” da cidade de Paris, numa perspectiva quase
onisciente, por um enfoque “de dentro”, uma visão “junto com” Baudelaire enquanto
poeta exemplar da capital do século XIX. Referências topográficas e sociais foram
mantidas sobretudo na parte do meio, em categorias como Antigüidade parisiense e O
flâneur e a massa, ligadas à história política em tópicos como Rebelde e alcagüete e
Reações políticas. Contra o pano de fundo do personagem coletivo da massa - que
fascinou a geração de Benjamin — , surge a figura solitária do Herói, cuja tarefa consiste
em “dar uma forma à Modernidade”, “definir a fisionomia da Modernidade”. Na
categoria Mercado literário convergem as linhas de força da primeira e da terceira parte
do livro. Benjamin visa a uma história da Modernidade sob o signo da Mercadoria —
enquanto emblema do capitalismo, encarnada pela figura da Prostituta e expressando
a dialética entre a permanente Novidade e o Eterno retorno, ou seja, o sempre-igual. É
uma história escrita a partir de expressões literárias e estéticas, como se vê em tópicos
6 A sequência exata das categorias no livro-modelo só se deixa verificar na parte do meio, cuja redação
foi concluída; nas outras duas partes, pode ser apenas conjectural. De qualquer modo, aqui isso
é secundário, uma vez que não intentamos reconstruir o que Benjamin "provavelmente poderia
ter escrito", mas discutir as potencialidades de sua escrita da história.
1150 ■ Passagens
como Paixão estética. Alegoria, Melancolia, Arte pela arte, Spleen, Jugendstil, Perda da
auréola. E, não por último, essa historiografia crítica da Modernidade se fundamenta
em categorias teológicas como Fisionomia do inferno e Salvação.
Essa comparação nos leva a uma pergunta que pode resumir toda esta
investigação sobre o gênero e estatuto do texto. Qual é, afinal, a “estruturação mais
avançada” das Passagens : 7 o livro, enquanto narração visando a uma apresentação
“concluída” da história — ou o arquivo, a grande coletânea de Notas e Materiais, enquanto
dispositivo essencialmente não concluído e aberto?
Note-se que a forma do arquivo revelou-se mais resistente aos obstáculos que
o projeto do livro. Enquanto este podia ser vetado — como de fato foi — , a coletânea de
fragmentos sobreviveu intacta à fase da censura, até o momento em que Adorno e seu
assistente Rolf Tiedemann resolveram editá-la. Na verdade, não há nenhuma evidência
de que Benjamin quisesse publicar em vida seu arquivo de esboços, notas e materiais
da forma como foi editado postumamente. Mas talvez ele vislumbrasse uma saída
daqueles impasses no sentido de deixar - como alternativa à obra condenada a
permanecer fragmentária por força das contingências -■ uma obra constitutivamente
fragmentária, onde sua proposta de escrever a história seria continuada pelos leitores.
Em outras palavras: em vez de lamentar o caráter inacabado do livro das Passagens,
deveríamos valorizar o projeto de Benjamin como arquivo, dispositivo aberto para
novas pesquisas.
Esta tese encontra um forte respaldo cm reflexões do próprio Benjamin. Na
imagem de pensamento “Guarda-livros Juramentado”, de Rua de mão única (1928),
onde procura avaliar o lugar do livro na história da mídia e cogita sobre os rumos
futuros da escrita (e por extensão, da escrita da história), ele observa:
Hoje já é o livro, como ensina o atual modo de produção científico, uma
antiquada mediação entre dois sistemas de cartoteca. Pois tudo o que é
essencial encontra-se no fichário do pesquisador, que o escreveu, e o cientista
que nele estuda assimila-o à sua própria cartoteca. (GS IV, 103; OE II, 28)
Esta descrição lê-se como uma antecipação visionária do que iria acontecer
no estágio final e postumamente com o trabalho das Passagens: o formato do livro seria
substituído por um sistema mais avançado de escrita, a saber, o fichário ( Zettelkasten )
ou sistema de cartoteca {Kartothekssystern) .
As especulações e os experimentos práticos de Benjamin com novas formas
de escrita, notadamente nas Passagens, antecipam alguns conceitos-chave da mídia
eletrônica digital do nosso tempo, tais como o já referido conceito de hipertexto, de
Theodor Nelson; e a leitura do mundo por meio de links, própria da navegação num
7 Retomo aqui com um novo enfoque a instigante observação de Michel Espagne e Michael Werner, à
p. 107 do artigo "Ce que taisent les manuscrits: les fiches de Walter Benjamin et le mythe des
'Passages'", in: Penser, Classer, Écrire: De Pascal à Pérec, org. por Béatrice Didier e Jacques Neefs,
Vincennes, 1990, pp. 105-118.
"Um painel com milhares de lâmpadas' - metrópole & megacidade | Willi Bolle ■ /i5i
espaço midiáco virtual como a World Wide Web . 8 A atual cultura da escrita eletrônica,
além de representar uma forte motivação no sentido de valorizar - frente à estética
tradicional do texto linear, concluído e definitivo — o hipertexto, não-seqüencial,
inconcluído e portador de ricas possibilidades combinatórias, proporciona também
uma nova legibilidade ao texto das Passagens . 9 Vejamos este fragmento muito especial
do Primeiro Esboço, o qual, pelo que me consta, ainda não recebeu a devida atenção
por parte dos pesquisadores:
Comparação do homem a um painel de comando no qual há milhares de
lâmpadas; ora apagam-se umas, ora outras, <e> acendem-se novamente.
<M°, 12>
Se substituímos, neste fragmento, a palavra homem por Passagens, temos,
dentre todas as designações que Benjamin deu ao seu projeto, a mais original e a mais
exata. (Curiosamente, Guimarães Rosa, no Prefácio à Antologia do Conto Húngaro,
organizado por Paulo Rónai, usa uma metáfora muito semelhante para falar,
indiretamente, do seu Grande Sertão: Veredas : "... é uma língua in opere, fabulosamente
em movimento, ... como ... um painel de mesa telefônica, para os engates ad libitum. )
Com a metáfora do “painel de comando” — dispositivo de controle de uma
complexa instalação elétrica ou eletrônica — , o problema da organização do saber reveste-
se de uma expressão viva, tecnologicamente atual e ao mesmo tempo lúdica e aberta à
experimentação. Já para os primeiros românticos, precursores da crítica e escrita
fragmentária benjaminiana, as metáforas preferidas para falar da arte e ciência
combinatória” eram “fagulhas”, “raios” e “inervações eletrônicas . Tais conexões de
neurônios no cérebro humano serviam no início de nossa era computacional de modelo
para o engenheiro Vannevar Bush (1945) planejar uma máquina amplificadora do
cérebro, um megaarquivo chamado Memex, com o qual o pesquisador armazenaria
todos os seus livros, lembranças e comunicações numa forma, à qual pudesse recorrer
com extraordinária rapidez e flexibilidade”. 10
É justo este processamento permanente dos elementos de construção das
Passagens - seu registro e armazenamento, sua reutilização e reorganização - que
caracteriza, como já vimos, a relação entre os três esboços ou coletâneas: os cerca de
400 fragmentos da primeira fase, dos quais boa parte foi transcrita para os 36 Konvolute
da segunda fase; e os mais de 4.000 fragmentos desse Grande Arquivo, dos quais
1.745, por sua vez, foram transferidos para a planta de construção do livro-modelo,
na terceira fase. Essa mobilidade e dinâmica de processar as informações foi denominada
por Benjamin de “processo de refundição” ( Umschmelzungsprozefi, GS V, 1118). E como
se o autor quisesse incorporar à sua obra, em termos de forma e método, o espirito da
metrópole como la ville qui remue, a cidade que se move sem parar [cf. P 1, 1].
8 Theodor Holm Nelson, Hypertext, In: Literary Machines, [s.l.]. Edição do autor, 1987, pp. 1/14-1/19;
Tim Berners-Lee, Weavíng the Web: The Original Design and Ultimate Destiny of the World Wide
Web by its inventor, Nova York: HarperCoIlins, 1 999.
9 W. Bolle, Díe Metropole ais Hypertext: Zur netzhaften Essayistik in Walter Benjamins Passagen-
Projekt, German Politics and Society, vol. 23, n“ 1, Spring 2005, pp. 88-101.
10 Vannevar Bush, As We May Think, in: Theodor H. Nelson, Literary Machines, 1987, pp. 1/39-1/54;
o trecho citado encontra-se à p. 1/50.
1152 ■ Passagens
Na medida em que atribuímos às Passagens, em termos de gênero e estatuto
de texto, as características de um grande arquivo ou banco de dados, nós o valorizamos
como um dispositivo essencialmente móvel e dinâmico, voltado para um trabalho produtivo
de construção, desconstrução e nova construção, envolvendo a participação ativa dos leitores.
Ou seja, as contingências de que Benjamin não conseguiu terminar sua obra em forma
de livro tornam-se secundárias diante do fato de as Passagens — de acordo com os
pressupostos da estética romântica do brouillon e do fragmento, reforçados
posteriormente pelos parâmetros da nova escrita eletrônica - constituírem um texto
estruturalmente não-conclusivo, um dispositivo dinâmico com o qual as pesquisas
benjaminianas sobre a metrópole moderna podem ser redimensionadas e reprogramadas
de acordo com novas constelações históricas.
Deveríamos nós, leitores das Passagens, utilizar o grande arquivo das Notas e
Materiais de maneira semelhante à de Benjamin? Sem dúvida, pois ele mesmo concebe
“o atual modo de produção científico” como uma “mediação entre dois sistemas de
cartoteca” mais avançados que o livro. Ele sugere que a cartoteca ou “o fichário do
pesquisador” — no caso, dele próprio, autor das Passagens - se torne objeto de estudo
por parte de outros cientistas, com vistas a uma assimilação criteriosa e criativa.
Certamente há uma série de técnicas de pesquisa que podemos aprender com a leitura
das Passagens, tais como a formulação de programas específicos de investigação, por
exemplo, sobre o método historiográfico de Benjamin, ou sobre a histoire croisée entre
capital e periferia, metrópole e megacidade; a exploração do grande banco de dados
em função de tais programas; a seleção, o resumo e a organização conceituai de
fragmentos com vistas a novas constelações cognitivas; a montagem de um painel de
comando para visualizar a articulação do roteiro percorrido com o conjunto dos
materiais. Vamos experimentar nesse sentido dois programas de pesquisa.
II. 0 Método Historiográfico:
a Terminologia de Benjamin e a dos Historiadores
Examinemos agora como a forma de apresentação das Passagens se articula
com o método e os conceitos historiográficos contidos na obra. Ao mesmo tempo, é
preciso abrir a investigação para um horizonte mais amplo. Uma vez que Benjamin
considerou seu trabalho como o de um “historiógrafo” (GS I, 691), o que sua proposta
de um “método novo, dialético da história” proporciona em termos operacionais para
os historiadores? Em que medida sua terminologia idiossincrática, um tanto hermética
e até teológica - “história primeva”, “imagem dialética”, “dialética na imobilidade”,
“técnica do despertar”, “agora da cognoscibilidade”, “tempo messiânico” - oferece
possibilidades de diálogo com as pesquisas realizadas no campo da História? 11
11 Esta questão, desenvolvida em W. Bolle, "Geschichte", in: Benjamins Begriffe, org. por Michel Opitz
e Erdmut Wizisla, Frankfurt a. M., Suhrkamp, 2000, vol. I, pp. 399-442, é retrabalhada aqui com
novos materiais.
"Um painel com milhares de lâmpadas" - metrópole ôc megacidade | Willi Bolle ■ 7753
Sobre a relação entre as Passagens e as obras historiográficas do nosso tempo,
duas ou três breves observações. “Como os historiadores, pelo visto, dormiram no
ponto enquanto acontecia o debate sobre Benjamin” — opina Lutz Niethammer sobre
seus colegas de profissão, no contexto dos anos 1960 a 1980 - “as propostas
benjaminianas acabam faltando [...] nos esforços por uma renovação da historiografia”. 12
De fato, a interação entre as pesquisas dos benjaminianos e as investigações dos
historiadores é até hoje quase inexistente. Um exemplo típico é que no Dictionnaire du
Second Empire (1995), no verbete Baudelaire, o estudo de Benjamin “A Paris do Segundo
Império em Baudelaire” não é sequer mencionado. 13 Por outro lado, não são poucos
os benjaminianos que mantêm o “seu” autor isolado dos debates sobre a nova
historiografia e se enclausuram em sua terminologia idiossincrática, como se fosse
reservada somente para uns poucos iniciados.
Nesta situação, queremos fornecer alguns subsídios para o desejável diálogo
dos historiadores com a proposta sui generis de Benjamin de escrever a história. Para o
entendimento de sua opção formal — uma escrita fragmentária e inconclusa; não-
linear, mas espacial e polifônica; não-didática e desarrumada; permanentemente
revolvida e refusionada — existe uma dupla chave: a concepção antievolucionista da
História, por parte de Benjamin, e a idéia de desconstruir a historiografia convencional,
no sentido de estimular o leitor a montar, a partir dos estilhaços, uma interpretação
da história iluminada por um novo e inédito “agora da cognoscibilidade”.
Com efeito, tanto a filosofia de história do autor das Passagens quanto seu
objeto de estudo — a multifacetada Paris como metrópole da Modernidade — exigiam
uma concepção de obra aberta, para a qual ele encontrou desde cedo a forma do
“painel com milhares de lâmpadas”. Procurarei mostrar como a combinação desse
dispositivo espacial, polifônico e móvel com sua concepção não-evolucionista, mas
essencialmente inconclusa e fragmentária da História permite compreender melhor
seus principais conceitos metodológicos, inclusive as categorias teológicas.
Para demonstrar esta tese, reunimos aqui em forma sintética alguns dos
fragmentos do Grande Arquivo nos quais Benjamin expõe sua teoria da História.
“O novo pensamento histórico”, diz ele num diagnóstico geral, “encontra-se no
momento numa encruzilhada”; caracteriza-se por “um grau maior de concretude, a
salvação dos tempos de decadência e a revisão da periodização ” [S 1, 6; grifos meus].
Com estes dois termos, e mais a crítica do progresso e a crítica do método genético-causal,
que serão agora comentados, montamos um quadro de conceitos básicos que pode servir
de ponte entre a terminologia benjaminiana e a nomenclatura dos estudos históricos.
Ao propor uma revisão do recorte da história em períodos ou épocas,
Benjamin não recusa a periodização em si. O que ele critica é “a configuração abstrata
da história em ‘épocas’” [S la, 3; grifo meu]. A periodização abstrata ele contrapõe
uma escrita da história baseada na concretude e que se expressa em estudos
12 Lutz Niethammer, Posthistoire: Ist die Geschkhte zu Ende?, Reinbek, Rowohlt, 1989, p. 141, nota.
13 Dictionnaire du Second Empire, orq. por Jean Tulard, Paris: Fayard, 1995.
1154 ■ Passagens
fisiognomônicos: “Escrever a história significa dar às datas a sua fisionomia” [N 11,2].
Nas Passagens, o ponto de partida dessa escrita são frequentemente os dados da
arquitetura e do socialismo” [S la, 7]. Procura-se “aplicar ao decurso histórico”
“uma escala que seja adequada, comensurável à vida humana” [S la, 3]. É o que
Benjamin chama de “ páthos da proximidade” [ Ibidem ]. Seu gênero preferido é a
“anedota”, cujo poder de subverter a historiografia abstrata pode ser exemplificado
com esta pequena narrativa destinada a sintetizar o estado mental do Segundo Império:
Certa feita, um grande neurologista parisiense foi procurado por um paciente
que o visitava pela primeira vez. O paciente queixou-se do mal do século - a
falta de vontade de viver, as profundas oscilações de humor, o tédio. “Nada
de grave”, disse o médico após minucioso exame. “O senhor apenas precisa
repousar, fazer algo para se distrair. Uma noite dessas vá assistir a [o famoso
cômico] Deburau e o senhor logo verá a vida com outros olhos.” “Ah, caro
senhor”, respondeu o paciente, “eu sou Deburau”. [D 3a, 4]
Quanto aos chamados períodos de decadência , Benjamin declara categoricamente
- contra a historiografia tradicional que costuma rebaixá-los em nome dos “períodos de
florescimento” - que tais “tempos de decadência” “não existem” [N 1, 6]. As Passagens
são para ele a “tentativa de ver o século XIX de maneira tão positiva, como [ele procurou]
ver o século XVII no livro sobre o drama barroco” \Ibidern\. Os “fenômenos residuais e
de decadência” são valorizados como “precursores - de certa forma como miragens das
grandes sínteses que vêm em seguida”; e “estes universos <?> de realidades estáticas
devem ser focalizados em toda parte” [Y 1, 4]. O melhor exemplo da dialética entre
fenômenos de decadência e miragens de sínteses futuras são as passagens. Segundo
Benjamin, “não há um declínio das passagens, mas uma súbita reviravolta. De uma
hora para outra elas se transformaram na forma que moldou a imagem da
‘modernidade’” [S la, 6].
Na discussão dos “períodos de decadência” devem ser levados em conta
também os materiais reunidos sob o signo da “caducidade ’ (sobretudo no arquivo C
- Paris antiga, catacumbas, demolições, declínio de Paris”). Benjamin lembra o detalhe
quase anedótico que acabou motivando Maxime Du Camp a escrever sua grande obra
historiográfica: Paris, ses Organes, ses Fonctions e sa Vie dans la Seconde Moitié du XlX e
Siêcle (6 vols., I a ed., 1869-1875). Uma visita ao oculista, em que o autor tomou
consciência de sua própria “pequena decadência fisiológica , lhe fez perceber
subitamente o caráter também passageiro da poderosa metrópole ao seu redor, cujo
retrato ele incumbiu-se então de transmitir para os pósteros [C 4]. A beleza das
coisas [nasce] a partir do seu caráter passageiro”. Este resumo do fragmento [C 6; C 6 a,
1], por parte de Benjamin, referente ao poema “Ao Arco de Triunfo , vale para a obra
poética inteira de Victor Hugo. E aplica-se igualmente aos versos de Baudelaire e à
produção artística de Charles Meryon, que soube fixar em suas gravuras uma aparência
de vida, que é morta” e retratou “Paris como cidade em rumas [C 7 a, 1 e resumo].
"Um painel com milhares de lâmpadas" - metrópole & megacidade | Willi Bolle ■ 7755
Foi a experiência do seu “tempo de agora”, o período entre as duas guerras
mundiais, que constituiu o ponto de fuga político das Passagens e aguçou a
sensibilidade de Benjamin para os aspectos da decadência e da caducidade: “a
consciência obscura de que, juntamente com as grandes cidades, cresciam os meios
que permitem arrasá-las” [C 7a, 4], A essa ameaça o autor se referiu de forma
apotropaica já no seu ensaio sobre o surrealismo (1929): “confiança ilimitada apenas
na indústria química e no aperfeiçoamento da força aérea para fins pacíficos” (GS II,
308; DCDB, 114, trad. modificada). Com efeito, a experiência da passageira
República de Weimar e do “tempo de trevas” (Brecht) que a substituiu, deixou suas
marcas, como já vimos, em toda a estruturação formal das Passagens. Não é por acaso
que Benjamin chega a referir-se a esse trabalho como a um “lugar de ruínas” (GS V,
1096), e Rolf Tiedemann reforça o tópos com uma citação do livro sobre o drama
barroco: “através das ruínas de grandes construções a idéia de seu plano arquitetural
fala de maneira [„.] expressiva [...]” (GS I, 409).
A salvação dos tempos de decadência” é também um argumento para criticar
o artigo de fé por excelência da Modernidade e de sua historiografia: o progresso. “A
superação dos conceitos de ‘progresso’ e de ‘época de decadência’ são apenas dois lados
de uma mesma coisa” [N 2, 5], escreve Benjamin, no sentido de criticar aqueles que
procuram valorizar um determinado período através da desqualificação de outro. Ele
não deixa de reconhecer a pertinência do conceito de progresso para medir “determinadas
transformações históricas’ , mas considera como “hipóstase acrítica” atribuir ao progresso
a qualidade de ser a “assinatura do curso da história em sua totalidade ’ [N 13, 1].
Comentando o ensaio “Die Rückschritte der Poesie” (GS II, 590-598), do
crítico Cari Gustav Jochmann, Benjamin verifica que “o progresso do gênero humano
está intimamente relacionado com o regresso de várias virtudes, sobretudo com o
regresso da arte poética” (GS II, 583). Nos textos do filósofo Hermann Lotze, ele
encontra uma observação semelhante: “O progresso da ciência não é ... de imediato
um progresso da humanidade [...]” [N 14a, 3]- Esse duplo diagnóstico, como também
a “oposição categórica” de Baudelaire ao progresso [J 66a, 1] acabam repercutindo na
definição benjaminiana da Modernidade como um tempo que “não soube corresponder
às novas possibilidades tecnológicas com uma nova ordem social” (GS V, 1257). O
que pesou decisivamente no ceticismo do crítico diante do progresso foi a experiência
histórica da derrota da esquerda alemã pelo nacional-socialismo. “A chance [do
fascismo]”, escreve Benjamin, “consiste, não por último, em que seus adversários o
afrontem em nome do progresso, como se este fosse uma norma histórica. — O espanto
em constatar que os acontecimentos que vivemos sejam ainda’ possíveis no século XX,
não é nenhum espanto filosófico” (GS I, 697; Teses, p. 83, trad. modificada).
Essa crítica dirige-se explicitamente contra o “marxismo vulgar”, que “só
quer se aperceber dos progressos da dominação da natureza, mas não dos retrocessos
da sociedade” (GS I, 699; Teses, p. 100). Distanciando -se da visão progressista da
história, que o marxismo ortodoxo compartilha com o pensamento burguês, Benjamin
1156 ■ Passagens
visa “demonstrar um materialismo histórico que aniquilou em si a idéia de progresso”
e “cujo conceito básico não é o progresso, e sim a atualização’ [N 2, 2]. Atualização
enquanto leitura não-linear, não aplainada, mas vertical da Historia.
É a tendência metafísica e teológica do pensamento de Benjamin que o faz
identificar no “progresso” um artigo de fé, ou seja, uma adaptação secularizada e falaciosa
de antigos conteúdos religiosos. Ele procura desmontá-la com o argumento de que a
idéia de progresso é rejeitada pela autêntica concepção religiosa da história: o progresso
não deve ser procurado no “desenvolvimento linear da História, mas num movimento
ascendente, em cada um de seus momentos singulares” [Lotze, cit. em N 13a, 2].
Essa mudança de enfoque permite construir uma “relação entre a idéia de progresso e
a idéia de redenção” [N 13a, 3] - uma redenção que não instrumentaliza os sofrimentos
das gerações passadas ou presentes em nome de um futuro supostamente melhor. “E
a convicção de que, dc algum modo misterioso, o progresso da história alcança de fato
também as gerações que passam, que nos permite falar” da “idéia dc uma ... conservação
e restituição” [N 13a, 3]. Essas idéias de Lotze são elaboradas por Benjamin em termos
de uma “apocatástase” [cf. a 1, 1] e uma “crítica salvadora”.
Estas observações nos fazem compreender que os conceitos teológicos de
Benjamin — sobretudo sua concepção “messiânica” da História [cf. N 18, 3] — não são
divagações irracionais, mas nascem do embasamento de sua historiografia em uma
filosofia da história e da linguagem. 14 É o que nos mostra seu diálogo com Horkheimer
sobre “a questão do inacabamento da história”. Procurando relacionar a história do
sofrimento dos homens com a dimensão teológica, Horkheimer lembra que “as vítimas
do assassinato foram assassinadas de fato...”; e “se levarmos o inacabamento [da História]
a sério, teremos que acreditar no Juízo Final...” [N 8, 1] . Em seu comentário, Benjamin,
ao enfocar a história sob um duplo aspecto, como “ciência” e como “rememoração”,
esclarece qual é o lugar da teologia nos estudos históricos:
[A rememoração] pode transformar o inacabado (a felicidade) em algo
acabado, e o acabado (o sofrimento) em algo inacabado. Isto é teologia; na
rememoração, porém, fazemos uma experiência que nos proíbe de conceber a
história como fundamentalmente ateológica, embora tampouco nos seja
permitido tentar escrevê-la com conceitos imediatamente teológicos. [N 8, 1]
A crítica de Benjamin ao evolucionismo e ao progresso completa-se com sua
recusa do método genético-causal. Este foi provavelmente o principal motivo da não-
aceitação de sua tese de livre-docência, Origem do Drama Barroco Alemão , pela
instituição acadêmica alemã. 15 Com efeito, em termos epistemológicos e metodológicos,
Benjamin questiona radicalmente a historiografia estabelecida:
14 Cf. Jeanne-Marie Gagnebin, Teologia e Messianismo no Pensamento de W. Benjamin, Estudos
Avançados, 13, n° 37, pp. 191-206 (1999), que analisa o discurso teológico enquanto discurso
sobre Deus, como "paradigma de um discurso que se definiria por sua insuficiência essencial,
constituindo-se positivamente em redor dessa ausência" (p. 200).
15 Cf. Eberhard lãmmert, "Geschichtsschreibung und Roman seit dem 18. Jahrhundert", curso de
pós-graduação, Universidade de São Paulo, I o sem. 1994; cit em W. Bolle, "Geschichte". Cf. supra,
nota, p. 403.
"Um painel com milhares de lâmpadas" - metrópole & megacidade | Willi Bolle ■ 7757
A origem ( Ursprung ), apesar de ser uma categoria totalmente histórica, não
tem nada que ver com a gênese. O termo origem não designa o vir-a-ser
daquilo que se origina, e sim algo que emerge do vir-a-ser e da extinção. A
origem se localiza no fluxo do vir-a-ser como um torvelinho, e arrasta em sua
corrente o material produzido pela gênese. (GS I, 226; ODBA, 67-68)
Quer dizer: os elementos da historiografia não devem ser procurados nem
no fluxo linear de fatos, nem em explicações genéticas. Isso equivale a uma crítica
contundente ao paradigma do historicismo burguês; e também ao método causal do
materialismo histórico:
Marx expõe a relação causal entre economia e cultura. O que conta aqui é a
relação expressiva. Não se trata de apresentar a gênese econômica da cultura,
e sim a expressão da economia na cultura. Em outras palavras, trata-se da
tentativa de apreender um processo econômico como fenômeno primevo
perceptível, do qual se originam todas as manifestações de vida das passagens
(e, igualmente, do século XIX). [N la, 6]
Como alternativa à concepção genético-causal é utilizado o conceito goetheano
de “fenômeno primevo” ( Urphãnomen ) — especialmente o modelo desenvolvido por
Goethe na Metamorfose das plantas , a “planta primeva” ( Urpflanze ) - que Benjamin
transfere do domínio da natureza para o da história:
Os fatos econômicos [...], como causas, não seriam fenômenos originários
[ou fenômenos primevos]; tornam-se tais apenas quando, em seu próprio
desenvolvimento - um termo mais adequado seria desdobramento — fazem
surgir a série das formas históricas concretas das passagens, assim como a
folha, ao abrir-se, desvenda toda a riqueza do mundo empírico das plantas.
[N 2a, 4]
A “planta primeva” é para Goethe, por um lado, uma “imagem primeva”
( Urbild ) ideal de todas as plantas, portanto a-histórica, por outro, “a idéia da planta
primeva corresponde à folha e a idéia transformada em movimento é a metamorfose
das plantas”. 16 E essa idéia de metamorfose e “passagem” que é adotada por Benjamin.
No Urphãnomen goetheano, ele enxerta o seu conceito de Ursprung, carregado com o
elemento de “extinção”, ou seja, com a marca da mortalidade, própria do ser histórico. 17
16 Jost Schieren, Anschauende Urteilskraft: Methodische und philosophische Grundlagen von Goethes
naturwissenschaftlichem Erkennen, Düsseldorf-Bonn, Parerga, 1998, p. 187 apud Magali dos Santos
Moura, "A Poiesis Orgânica de Goethe", tese de doutorado, FFLCH-ÜSP, 2006, p. 163.
17 Ursprung, Urphãnomen, Urpflanze, Urbild, Urgeschichte - em sua obra sobre a Grande Cidade
contemporânea, Benjamin reúne uma sugestiva constelação de termos com a partícula silábica "ur".
Muito a propósito vem o artigo de Guilherme Wisnik "Ur, de Urbano" ( Folha de S.Paulo, 1 maio
2006, p. E 2) que chama a atenção para a "associação do 'ur' germânico ao 'Ur' mesopotâmico" e
focaliza "a semelhança dos nomes Ur e Uruk, que designam as primeiras cidades de que se tem notícia,
construídas na Mesopotâmia por volta de 3.200 a.C., com o radical da nossa palavra 'urbano', do
latim 'urbe'".
J Jfjft ■ Passagens
Às explicações causais contínuas, exaustivas e deterministas do historicismo,
Benjamin contrapõe uma “seleção” dos “fatos essenciais”, que são obtidos através da
investigação das afinidades entre o tempo da representação e o tempo representado.
As unidades historiográficas resultam de um enfoque do “inacabado” e “inconcluso”
da História. O trabalho do historiador, segundo Benjamin, consiste em “arrancar” do
passado aquele fato inacabado e parente do presente e em reconstituí-lo como uma
“descoberta, que se relaciona, singularmente, com o reconhecimento” (GS I, 227;
ODBA, 68).
Com base nessas premissas o autor das Passagens distancia-se da representação
linear, contínua e épica da História: “O materialismo histórico precisa renunciar ao
elemento épico da história. Ele arranca, por uma explosão [sprengt ab\, a época da
‘continuidade da história’ reificada” [N 9, 6]. “Para que um fragmento do passado seja
tocado pela atualidade”, explica Benjamin, “não pode haver qualquer continuidade
entre eles” [N 7, 7]. Para o historiador materialista, “a construção’ pressupõe a
‘destruição’” [N 7, 6] - entenda-se: a destruição da continuidade. A relação convencional
entre os tempos é substituída por um novo tipo de relação e uma nova terminologia:
“enquanto a relação do presente com o passado é puramente temporal e contínua, a
relação entre o ocorrido e o agora é dialética - não é uma progressão, e sim uma imagem
que salta [ sprunghaft ] [N 2a, 3; grifos meus]. Note-se que no epíteto “que salta”
(sprunghaft) ressurge o conceito de Ursprung (“origem”, literalmente “salto primevo”).
Com a concepção de uma história não-épica, descontínua e que salta,
Benjamin afasta-se de uma narração seqüencial em prol de uma historiografia constituída
de citações e imagens. “Escrever a história” significa para ele “citar a história”, assim
como alguém é citado diante do tribunal. 18 Quer dizer: enquanto “os acontecimentos
que cercam o historiador” são como “um texto escrito com tinta invisível”, a apresentação
desses fatos constitui “as citações desse texto” - o que implica que “o objeto histórico
em questão seja arrancado de seu contexto” [N 11,3] e, por assim dizer, “processado”.
Mesmo que as Passagens sejam antes um grande dispositivo, e não uma montagem de
citações, como Benjamin chegou temporariamente a imaginar, um procedimento básico
seu consiste em “aplicar à história o princípio de montagem. Isto é: erguer as grandes
construções a partir de elementos minúsculos, recortados com clareza e precisão. E
descobrir na análise do pequeno momento individual o cristal do acontecimento total”
[N 2, 6] . É a idéia de representar a história de forma monadológica: “traçar a imagem
do mundo em sua abreviatura” (GS I, 228; ODBA, 70, trad. modificada).
O ponto culminante dessa concepção é uma historiografia por meio de
imagens, que seria uma forma “superior” à da representação tradicional [cf. N 3, 3].
Trata-se basicamente de dois tipos de imagens: por um lado, as imagens “arcaicas” ou
“oníricas”, próprias da “mitologia” ou da “história primeva” ( Urgeschichte ), que são
inconscientes e precisam ser reveladas; por outro, as imagens “dialéticas” ou
“autenticamente históricas” [N 3, 1], que trazem a revelação daquele primeiro tipo de
imagens.
18 Manfred Voigts, Zitat, in: Benjamins Begriffe, org. por Michael Opitz e Erdmut Wizisla. Frankfurt
a. M.: Suhrkamp, 2000, vol. II, pp. 826-850; o trecho citado encontra-se à p. 836.
"Um pBinal com milharas de lâmpadas" • metrópole & megacidade | Willi Bolle m / JJ?
Adaptando o modelo freudiano da interpretação dos sonhos para a
compreensão da História, Benjamin equipara a “configuração histórica” da experiência
de uma geração a uma “configuração onírica” <F°, 7>. Ela se toma legível na topografia
e na arquitetura, especialmente nas passagens, onde “as mercadorias ficam expostas
[...] como imagens dos sonhos mais confusos” <A°, 5>. “O coletivo que sonha [...]
aprofimda-se nas passagens como se fossem as entranhas do próprio corpo. Devemos
segui-lo para interpretar o século XIX como sua visão onírica.” <G°, 14> O historiador
materialista, que representa a história como um “despertar do século XIX” [N 4, 3], é
o intérprete desses sonhos coletivos [cf. N 4, 1],
O despertar, como síntese da tese da consciência onírica e da antítese da
consciência de vigília” [N 3a, 3], ou como “o agora da cognoscibilidade” [N 18, 4], é
um atributo daquilo que constitui o termo mais original da historiografia benjaminiana:
a imagem dialética”, “É uma imagem que lampeja. É assim, como uma imagem que
lampeja no agora da cognoscibilidade, que deve ser captado o ocorrido. A salvação que
se realiza deste modo [...] não pode se realizar senão naquilo que estará
irremediavelmente perdido no instante seguince.” [N 9,7] O que Benjamin chama de
dialética na imobilidade [N 3, 1] é a fixação vertical,- momentânea e fugaz da
superposição entre o agora e o ocorrido. Esse conhecimento em forma de lampejo é o
exato oposto do historicismo que se acomoda no postulado de que “A verdade não nos
escapará” (GS I, 695; Teses, p. 62).
Do alto grau de exigência e da dificuldade de escrever a história por meio de
imagens históricas autênticas”, nos dá uma idéia este testemunho de Benjamin numa
carta (de 9/10/1935) a Gretei Adorno. Referindo-se ao ensaio “A Obra de Arte na Era
de sua Reprodutibilidade Técnica”, que acabou de concluir, ele escreve: “Com isso,
realizei em um exemplo decisivo a minha teoria do conhecimento, que se cristaliza em
torno do conceito [...] do agora da cognoscibilidade’. Encontrei aquele aspecto da
arte do século XIX que é cognoscível só agora’, que não o foi nunca antes e nunca o
setá depois. (GS V, 1 148) - Esse desafio se coloca também para as nossas leituras dos
textos de Benjamin.
1160 ■ Passagens
III. Metrópole & Megacidade: Histoire Croisée 19
Depois de termos explicado como forma de apresentação e método
historiográfico se entrelaçam nas Passagens, e como a terminologia de Benjamin dialoga
com conceitos-chave dos historiadores, vamos exemplificar como o leitor pode explorar
esse Grande Arquivo de mais de 4.000 fragmentos em suas próprias pesquisas. 20
Nosso primeiro exemplo é uma ilustração do princípio historiográfico de
Benjamin de que “a construção’ pressupõe a ‘destruição’” [N 7, 6]. Eis um pequeno
roteiro de pesquisa — uma seqüência comentada de fragmentos das Passagens — que
mostra como o conceito benjaminiano de uma historiografia desconstrutíva se inspirou
na poética baudelairiana da destruição. Para isso, foi montado um conjunto compacto
dos fragmentos já previamente selecionados por Benjamin para a planta de construção
do livro-modelo, e foram utilizados também seus resumos (inéditos) desses
fragmentos. 21 Essa poética da destruição, estudada pelo autor dentro da tradição barroca
da alegorização ou mortificação das obras, seria tratada na parte I do livro projetado,
“Baudelaire como Autor Alegórico”.
“Baudelaire escreveu certos poemas para destruir outros que tinham sido
escritos antes dele” [J 59a, 3]. Esta citação, que serve de leitmotiv para o nosso roteiro
de pesquisa, mostra como Baudelaire se diferenciou estrategicamente de seus colegas
de profissão. Note-se seu distanciamento em relação a determinadas convenções
literárias. Desde a crítica à veneração da natureza por parte dos românticos: “J 24a, 1
impudência da natureza florescente”, “J 69, 1 dessacralização das nuvens”, “J 25, 3
[...] aversão ao céu azul”, “J 21a, 7 noite sem estrelas em ‘Le balcon” (ms. n° 462,
462, 454, 434); passando pelas “J 32a, 5 invectivas contra o Amor” e “J 48a, 1 [...]
contra a mitologia [da] école pãienne”, “J 56a, 12 renúncia à magia do longínquo”
(ms. n° 465, 465, 435), declarações “J 5a, 2 [...] contra a arte pela arte”, “J 66a, 1 [...]
19 A histoire croisée, "história cruzada" ou “entrelaçada", é uma variante metodológica dos estudos de
transferência cultural que enfatiza a "troca de olhares" e a interação entre as culturas; cf. Werner,
Michael; Zimmermann, Bénedicte, orgs., De la Comparaison è 1'Histoire Croisée, Paris: Seuil, 2004. O
signo "&" no nosso entretítulo, normalmente usado em nomes de empresas, indica que se trata de
uma relação no contexto da economia política global, assim como na obra que nos serviu de modelo:
Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre.
20 Lembremos também duas leituras das Passagens já anteriormente realizadas a partir da categoria do
“flâneur": ora como protagonista de uma exploração topográfica e histórica da "capital do século
XIX" , ora como observador que permite compor um tableau das camadas sociais. Ver, respectiva mente,
Sérgio Paulo Rouanet, É a cidade que habita os homens ou são eles que moram nela?, Revista USP,
n° 15, set./nov. 1992, pp. 49-72; e: W. Bolle, A Metrópole: Palco do Flâneur, in: Fisiognomia da
Metrópole Moderna, São Paulo: Edusp, 1 994. pp. 365-400.
21 Os resumos inéditos de fragmentos, anotados por Benjamin em 58 folhas avulsas manuscritas (citadas
aqui "ms. n° ...") encontram-se no Walter Benjamin Archiv da Akademie der Künste em Berlim.
Agradeço a Hamburger Stiftung zur Fõrderung von Wissenschaft und Kultur pela autorização de
publicá-los, e a Erdmut Wizisla pela ajuda.
"Um painel com milhares de lâmpadas" - metrópole ã: megacidade I Willi Bolle u ll6l
contra o progresso”, “J 40, 2 contra o conceito de vanguarda” (ms. n° 443, 454, 439);
até a recusa da poesia de circunstâncias (“J 37, 7 refus de 1’occasion”) em prol de uma
“tarefa” poética (ms. n° 455). Com essas atitudes e procedimentos, todos em forma de
negação, demarca-se a posição de Baudelaire no campo literário do seu tempo.
Quatro ou cinco categorias, que estruturam a parte I do livro-modelo,
fornecem o contexto. O fundamento da poética baudelairiana da destruição é a
disposição sensitiva e a paixão estética\ o sentimento gerador dessa poesia é a melancolia
(cf. [J 8a, 2]) e sua forma moderna, especificamente urbana, o ennui-, sua expressão
formal é a alegoria, que constitui o núcleo dessa primeira parte.
Como autor alegórico, Baudelaire caracteriza-se pela “J 56a, 6 renúncia à
totalidade harmoniosa da existência” (ms. n° 466), numa afinidade com a concepção
de Vart pour Vart que institui “o reino da arte fora da existência profana” [J 56a, 5].
Numa formulação mais categórica: “J 55a, 3 o alegorista [posiciona-se] violentamente
contra a harmonia” (ms. n° 466), com vontade de “derrubar a fachada harmoniosa do
mundo ao seu redor” [J 55a, 3]. O procedimento alegórico de Baudelaire manifesta-
se da forma mais contundente no poema “La Destruction”. Nesse texto, “o aparelho
sangrento da destruição” se faz presente como um conjunto de “instrumentos [...]
com os quais [a alegoria] desfigur[a] e danificfa] o mundo a tal ponto de sobrarem
fragmentos que lhe servem de objetos de meditação” [J 68, 2].
Tal procedimento alegórico comanda também a representação baudelairiana
de Paris. “Quando evoca Paris em seus versos, Baudelaire faz ressoar a decrepitude e a
caducidade de uma cidade grande” [J 57a, 3], resume Benjamin. De modo mais
radical isso ocorre na representação da Paris subterrânea, ctônica, que aparece como o
lugar que desencadeia pesadelos e visões destrutivas: “Vejo coisas tão terríveis em sonho
que gostaria algumas vezes de não mais dormir”: “Morarei para todo o sempre numa
construção que vai desabar, uma construção afetada por uma doença secreta. [...]
[uma] multidão de cérebros, de carnes humanas e de ossadas trituradas.” [J 44, 3]
Paris torna-se um abismo, uma cidade infernal, na qual Satanás estabeleceu sua morada
subterrânea” [L 4a, 5]. O satanismo de Baudelaire é, como explica Benjamin, uma
“J 58, 1 [...] negação do aconchego” (ms. n° 433). Com tudo isso, a capital transforma-se
no “J 11, 4 inferno do século XIX” (ms. n° 472). Para essa cidade inferior, localizada
em baixo da metrópole glamorosa, desce o poeta da Modernidade — como que
antecipando as imagens da Metrópolis (1926) de Fritz Lang - como um “condenado
cotidiano” [J 10a, 1] da grande aglomeração urbana.
O objetivo deste breve roteiro de pesquisa foi mostrar como Baudelaire
enquanto autor alegórico fornece a Benjamin o modelo para uma representação da
história ao mesmo tempo deconstrutiva e salvadora: por um lado, como vimos, a
construção pressupõe a destruição, por outro, o “J 56, 1 impulso destrutivo [é] ligado
a uma atitude conservadora” (ms. n° 466). Ao desconstruir a recepção convencional
do poeta, o crítico abre novos caminhos de mediação da tradição cultural. Não só na
1162 ■ Passagens
parte inicial, mas também na parte final do livro-modelo, intitulada “A Mercadoria
como Objeto Poético”, a historiografia de Benjamin deve estímulos decisivos à poética
de Baudelaire, como mostram as categorias novidade , spleen e perda da auréola.
Uma dessas categorias, perda da auréola, constituirá nosso segundo exemplo
de roteiro de pesquisa. Até agora ela foi discutida pela recepção praticamente só dentro
de parâmetros estéticos. Mas, como ensina Benjamin, trata-se de chegar por meio dos
fenômenos estéticos a uma compreensão da história geral. Nesse sentido, mostraremos
como a análise da perda da auréola proporciona um “olhar [da metrópole] sobre o
império colonial , e como este enfoque pode nos incentivar a transferir a pesquisa da
capital européia para um estudo das nossas megacidades.
A categoria perda da auréola foi tomada de empréstimo por Benjamin ao
homônimo texto em prosa do Spleen de Paris (1862) de Baudelaire O autor das
Passagens explica: “J 64, 5 O spleen de Baudelaire [é o] sofrimento pelo declínio da
aura” (ms. n° 432). O “esvaziamento da experiência”, provocado por esse declínio
afeta sobretudo o olhar humano. Complementando sua prévia definição da aura como
o longínquo do olhar que desperta na pessoa que é olhada” [J 47, 6], Benjamin
diagnostica a perda da aura como um “J 47, 6 olhar que foi abandonado pela magia
do longínquo” (ms. n° 434).
Um exemplo de olhar aurático e de sua desconstrução encontra-se no poema
de Baudelaire “Le Voyagc”. Benjamin comenta: “O sonho do longínquo pertence à
mfancia. O viajante viu as terras distantes, mas perdeu a fé no longínquo.” [J 50, 6]
Num enfoque alegórico barroco, a questão da aura seria tratada no sentido de trazer “a
distancia para uma proximidade que deve surpreender e confundir” [J 77a 8] Com
efeito, é esse o procedimento de Baudelaire: ele coloca o longínquo dos países coloniais
no centro da metrópole que os rege. Segundo o resumo de Benjamin: “J 50, 7 o
longínquo aos pés daquilo que é próximo: a escrava negra em Paris” e “J 54 a 7 olhar
sobre o império colonial” (ms. n° 434, 435). Explicitando: “As imagens do longínquo
aparecem [em seus poemas] como ilhas que emergem [...] da névoa parisiense. Nelas
raramente falta a mulher negra. E é em seu corpo profanado que esse longínquo se
coloca aos pés daquilo que era próximo de Baudelaire: a Paris do Segundo Império.”
[) 50, 7] E ainda: “Indo ao encontro da negra tuberculosa na metrópole, Baudelaire
percebeu um aspecto muito mais verdadeiro do império colonial da França do que
Dumas, que tomou um navio para Tunis numa missão encomendada por Salvandy.”
[J 54a, 7] E uma referência ao projeto governamental de o famoso romancista fazer a
propaganda da colonização.
Vimos através deste segundo esboço de pesquisa que Benjamin, longe de
íxar sua teoria da perda da aura num domínio puramente estético, pelo contrário,
relaciona esse fenômeno com uma perspectiva política de abrangência global. Ao olhar
da metrópole, o império colonial responde com outro olhar. Esse olhar tem uma
istoria, que chama nossa atenção para as semelhanças e diferenças entre a época do
"Um painel com milhares de lâmpadas" - metrópole & megacidade | Willi Bolle m 1 163
Segundo Império, a de Walter Benjamin e a nossa época. O “agora da cognoscibilidade”
mudou. Experimentemos a operacionalidade deste conceito-chave das Passagens com
um terceiro e último esboço de pesquisa: uma “troca de olhares’ ou histoire croisée
entre metrópole e periferia. 22
Para a área da metrópole localizada atrás dos boulevards - que “não era
freqüentada pelos flâneurs” e não tinha o burburinho da burguesia elegante, com
seus cafés e bares e teatros de variedades - Alfred de Musset cunhou uma expressão
reveladora: “as grandes índias” [M 5, 5]. É uma longínqua e recalcada hinterlândia
para onde são relegadas as “massas escuras” [E 6a, 1], que não conseguiram obter
seu lugar no palco da capital do Império. Se, por um lado, o imperialismo se
estende e se infla como a crinolina” [B 2a, 7] - a criação mais espetaculosa da moda
do século XIX por outro, na periferia de Paris já começa a periferia do mundo.
Nos desenhos de Grandville, como na Ponte dos Planetas [cf. F 1, 7], o mundo
burguês projeta, de modo meio irônico, meio afirmativo, sua ideologia de conforto e
seu sonho dc expansão global. Sonho expresso também na configuração cosmopolita
das residências da elite política e econômica, como na coleção de arte do Sr. Thiers que
pretendia reunir em sua residência “um resumo do universo’ [H 3, 1]. O sonho de
dominação se materializa na figura do banqueiro Nathan Rothschild: [Ele] vos
mostrará, quando o visitardes, uma caixinha que chegou do Brasil com diamantes
ainda frescos, colhidos há pouco, para cobrir com eles os juros da dívida brasileira em
curso. Não é interessante?” [U 1,5] Com efeito, a rede dos fragmenros que Benjamin
organizou sobre a metrópole européia nos proporciona a leitura de uma rede de poder
que se estende sobre o planeta inteiro:
Nossos magnatas das finanças, da indústria, dos grandes negócios acharam
bom ... dar a volta ao globo em pensamento, enquanto eles próprios
permaneciam em repouso... Para isso, cada um deles pregou, em seu gabinete
de trabalho, num canto da escrivaninha, os fios elétricos que ligam sua caixa
às nossas colônias da África, da Ásia, da América. Confortavelmente sentado
diante da mesa, ele recebe, com um sinal de mão, o relato de seus
correspondentes distantes, das agências semeadas pela superfície do globo.
[T 3, 1]
A história da expansão colonial da metrópole francesa é documentada nas
Passagens através de fragmentos que expressam o apelo das mercadorias. “Os primeiros
xales aparecem na França em conseqüência da campanha do Egito. ’ [O 9, 5] Como
vestígio arquitetônico dessa campanha, ocorrida em 1798-1799, ficou a Passage du
Caire, “instalada após o retorno de Napoleão do Egito” [A 10, 1]. Um outro fragmento
22 Estes roteiros de pesquisa foram desenvolvidos mais detalhadamente em W. Bolle, Metropole &
Megastadt: Zur Ordnung des Wissens in Walter Benjamins Passagen, in: Topographien der
Literatur: Deutsche Literatur im transnationalen Kontext. org. por Hartmut Bõhme, Stuttgart-
Weimar, Metzler, 2005, pp. 559-585. Trata-se de um estudo da histoire croisée entre o mundo
hegemônico eo periférico, com base nas duas formações topográficas "metrópole” e "megacidade".
considerando-se as megacidades do Terceiro Mundo como as monstruosas cídades-f ilhas das
metrópoles européias.
1164 ■ Passagens
mostra claiamente a intenção política subjacente às exposições universais: “Os salões
de exposição est[ão] cheios de cenas orientais que deviam despertar o entusiasmo pela
Argélia.” [I 2, 2] O projeto colonial foi em boa parte apoiado pela literatura de viagem:
“Foi a França que primeiro ... reforçou seus exércitos com uma brigada de geógrafos,
naturalistas, e arqueólogos.” [d 9, 2] No caso de Alexandre Dumas, a quem “o ministro
Salvandy [...] propôs que partisse para a Argélia para escrever um livro”, que “transmitiria
certamente a 50 ou 60.000 [franceses] o gosto de colonizar”, o vultoso negócio entre
o governo e o empresário de mídia resultou num escândalo público [cf. d 4, 1], Em
alguns jornais, o apelo político era direto: “Nossa bandeira já não se satisfaz com o céu
da França, / Nos minaretes do Egito é preciso que ela balance”, escreve F. Maynard em
1835 [a 12, 4], A empresa colonialista é abraçada entusiasticamente como missão
civilizatória: “Então eles nos verão, trabalhadores ágeis, / Com nossas faixas de ferro /
Domar as areias do deserto; / E por todo lado, como palmeiras, fazer crescer cidades.”
[. Ibidem ]
Há também o aspecto militar. Nas utopias de Fourier, visa-se, como último
estágio de um “cronograma messiânico”, o “enxameamento dos destacamentos coloniais”
[W 1 la, 6]. A intenção é mais explícita nos “oficiais desocupados ... procurando campos
de batalha adequados a suas imaginárias guerras coloniais” [Q 1, 5]. E há uma passagem,
de Maxime du Camp (Les Chants Modernes, 1855), que se lê como um presságio do
clash of civilizdtions em nossos dias atuais:
Daqui a duzentos anos — ou bem antes, talvez - grandes exércitos vindos da
Inglaterra, da França e da América ... descerão na velha Ásia sob o comando de
seus generais; suas armas serão enxadas, seus cavalos, locomotivas. Eles se lançarão
cantando sobre essas terras incultas e inaproveitadas... É assim, talvez, que se
fará mais tarde a guerra contra todas as nações improdutivas [...]. [d 3, 3]
As guerras contra os territórios periféricos e as guerras que se travam no
centro da metrópole são inter-relacionadas. Nos debates da Câmara dos Deputados,
em Paris, surgiu a questão para onde deportar os insurgentes de 1848 [cf. d 9, 4],
Assim como na antiga Roma, era quase consenso que o lugar mais adequado seriam os
territórios coloniais. O deputado Jacques Arago, irmão do grande físico, advogou como
lugar de deportação uma região da América do Sul, a Patagônia; os amplos benefícios
que resultariam dessa operação, tanto para o Estado francês quanto para os próprios
deportados, são expostos com estas palavras:
[E]stes antílopes, estes pássaros, estes peixes, estas águas fosforescentes, este
céu pontilhado de nuvens passando aqui e ali como um rebanho de corças
errantes, [...] estas mulheres, das quais as mais novas são muito apetitosas
depois de uma hora de natação - [...] tudo isto é a Patagônia, tudo isto é
uma terra virgem, rica, independente... [...] transportai para a Patagônia os
homens que foram punidos pelas vossas leis; depois, quando chegar o dia da
luta [da França contra a Inglaterra] , estes mesmos homens que exilastes estarão
na vanguarda, de pé, implacáveis, [a 12, 5]
"Um painal com milharas da l&mpmlna" ■ motrôpolo íc mogacidade | Willi Baile ■ II 65
Através destas amostras de pesquisas nas Passagens de Walter Benjamin, o
leitor terá percebido o quanto a periferia do mundo se encontra no centro da metrópole,
e o quanto de “desvario” e “inferno” [cf. <G 13> e <G 17>], próprios das megacidades
do Terceiro Mundo, essas gigantescas reproduções deformadas do modelo da “metrópole
civilizada”, já estavam presentes na “capital do século XIX”. 23 Da época de redação
das Passagens para cá, ocorreram profundas transformações históricas, desde os
movimentos de descolonização, como a guerra da Algéria, até a migração de “massas
escuras” [cf. E 6a, 1] para a banlieue da “cidade-luz”. Assim como sob o céu aberto da
História, assim também nesse painel de comando que é o texto de Benjamin, algumas
lâmpadas se apagaram, outras se acendem, e outras ainda se reacendem...
Aqui encerramos; agora é a vez de o leitor fazer suas incursões, pesquisas e
descobertas nesse Grande Arquivo que são as Passagens.
Quase um quarto de século após a edição original, e depois das versões italiana
(1986), francesa (1989), japonesa (1993/95), norte-americana (1999), coreana (2005)
e espanhola (2005) - as Passagens de Walter Benjamin saem publicadas fmalmente
também em sua versão brasileira. O fato de dispormos agora da obra principal desse
autor no Brasil, país onde sua recepção é das mais intensas, constitui um motivo de
alegria especial para todos os que colaboraram na confecção deste volume.
A realização desta versão brasileira só foi possível graças a um longo e intenso
trabalho de equipe. A iniciativa de editar as Passagens no Brasil foi de Wander Melo
Miranda, diretor da Editora UFMG, e Heloísa Starling, então sua vice-diretora. O
texto-base é o da edição original alemã, Das Passagen-Werk, organizada por Rolf
Tiedemann e publicada em 1982 pela Editora Suhrkamp. A organização desta versão
brasileira ficou a cargo de Willi Bolle, que teve a colaboração de Olgárta Chaim Féres
Matos. Uma vez que o original das Passagens é bllíngüe, alemão e francês, cabe realçar
que aqui se trata de uma tradução a partir de ambos os idiomas; Irene Aron traduziu
os textos do alemão e Cleonice Mourão, os textos do francês.
Nas partes principais, a presente edição segue a ordem da versão original.
Após a introdução de Rolf Tiedemann, são apresentados os dois exposés, “Paris, Capital
do Século XIX”, e o volumoso conjunto das “Notas e Materiais”, subdividido em 36
arquivos temáticos, de “A” até “Z” e de “a” até V. Na parte “Primeiro Esboço",
mantivemos como título a denominação do próprio Benjamin. Os quatro textos em
23 Sobre a loucura e o inferno na cidade de São Paulo, estudados com base na Paulicéia Desvairada, de
Mário de Andrade, e no CD, Sobrevivendo no Inferno, dos Racionais MCs, ver W. Bolle, Metrópoli
& Mega-urbe: Histoire Croisée, in: Topografias de la Modemidad: Walter Benjamin, orgs. Domlnlk
Finkelde, Teresa de la Garza, Francisco Mancera, Cidade do México, previsto para 2007,
1166 ■ Passagens
questão ( Passagens , Passagens Parisienses I e II, e “O Anel de Saturno”) foram
reproduzidos em ordem cronológica; os “Paralipômenos” (que aparecem de forma um
pouco dispersa na edição alemã) foram acrescentados em seguida.
Nos Anexos foram reunidos materiais da segunda e da terceira fase das
Passagens: a versão inicial e materiais do Exposé de 1935» e materiais para o livro-
modelo das Passagens (o Baudelaire) - além da bibliografia utilizada por Benjamin
durante todas as fases do seu trabalho. Assim como nas outras versões estrangeiras,
não foram incluídos aqui nem o relato editorial” da publicação alemã, nem a vasta
coletânea de “testemunhos para a história da gênese” das Passagens (GS V, 1067-1080
e 1081-1205). Contudo, várias informações-chave desses textos aparecem nas nossas
notas introdutórias.
Uma inovação em relação ao original, nas partes principais como nos Anexos,
são as notas introdutórias aos exposé , ao conjunto das “Notas e Materiais”, ao arquivo
temático “J - Baudelaire”, à “Primeira Versão e Materiais do Exposé de 1935”, aos
“Materiais para o Livro-modelo (o Baudelaire ■)” e à “Bibliografia Utilizada por
Benjamin”. Da autoria do organizador da edição brasileira é também o aparato de
notas explicativas, o qual, para facilitar a leitura, é apresentado no rodapé junto aos
textos de Benjamin.
Do aparato editorial fazem parte igualmente, nos “Anexos”, o “Glossário” da
terminologia benjaminiana, elaborado por Willi Bolle e Olgária Matos, e o “Léxico de
Nomes, Conceitos e Instituições”, organizado com base no “Guide to Names and
Terms da edição norte-americana, por Wi I li Bolle com o auxílio de um grupo de
alunos de pós-graduação da Universidade de São Paulo: Alberto Roiphe Bruno, Ernani
Vieira Gouvea, Ligia Karina Martins de Andrade, Mônica Cardim, Oliver Tolle,
Rodrigo Ferraz de Camargo e sobretudo Valéria Sabrina Pereira.
Um cuidado especial foi dado à revisão dos textos traduzidos - notadamente dos
(4.234 + 429 =) 4.663 fragmentos, multilíngües e repletos de notas bibliográficas -, que
ficou a cargo de quatro especialistas em Benjamin e nos ocupou durante um ano e
meio em tempo integral. Eis os créditos para esse trabalho de revisão. Francisco de
Ambrosis de Pinheiro Machado: Exposés: variantes e materiais; arquivos M, N, O, P,
Q, R. Olgaria Chaim Feres Matos Matos: Introdução, Exposés, Exposés: variantes e
materiais, Primeiro Esboço; arquivos A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N. Patrícia
de Freitas Camargo: Exposés: variantes e materiais; arquivos B, C, D, G, I, K, L, M,
N, O, P, Q, R, S, T, U, V, W, X, Y, Z, a, b, d, g, i, k, 1, m, p, r. Willi Bolle: todos os
textos.
Como ordem de leitura dessa obra um tanto labiríntica, sugerimos iniciar -
além da introdução de Rolf Tiedemann e do duplo posfácio, de Olgária Chaim Féres
Matos e de Willi Bolle - pelo Primeiro Esboço; depois, os Exposés de 1935 e 1939;
e, finalmente, as “Notas e Materiais”, com destaque para o arquivo “N - Teoria do
conhecimento, Teoria do progresso . Contudo, como as Passagens não são um texto
"Um painel com milhares de lâmpadas" - metrópole & megacídade | Willi Bolle u 1167
linear, mas espacial, a leitura por links associativos e por roteiros de pesquisa pode ser
igualmente proveitosa. Recomendamos estudar também o mapa de Paris, desenhado
por Mareio Santos em colaboração com Willi Bolle, bem como as 36 imagens que
acompanham este volume e que foram selecionadas pelo organizador desta edição,
auxiliado por Pedro Bezerra de Meneses Bolle, com o intuito de proporcionar ao leitor
um mergulho na concretude fisiognomônica de Paris como “capital do século XIX .
Manifestamos aqui os nossos agradecimentos aos professores Howard Eiland,
Michael W. Jennings e Winfried Menninghaus; a Bruno Fischli, Petra Christina Hardt,
Monica Heflin, Christiane Schãfer e Stephanie Vyce.
São Paulo, junho de 2006